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DESCOLONIZAÇÃO CURRICULARA Filosofia Africana no Ensino Médio

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Descolonização Curricular: a Filosofia Africana no ensino médio

Luís Thiago Freire Dantas

DESCOLONIZAÇÃO CURRICULARA Filosofia Africana no Ensino Médio

1ª Edição - 2015São Paulo

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Luís Thiago Freire Dantas

CopyleftEste livro ou parte dele pode ser copiado e reproduzido desde que sua

utilização seja para fins estritamente educacionais e/ou acadêmicos, aautoria deve ser citada. Para fins mercadológicos ou pessoais é necessária aautorização do autor.

Catalogação na publicação (CIP). Ficha catalográfica feita pelo autor.

Símbolo “Denkyemfunefu” extraído de  Adinkra: sabedoria em símbolosafricanos, livro de autoria de ElisaLarkin Nascimento e Luis Carlos Gá, cujo significado é a democracia e

unidade.Revisão: Débora Cristina de AraujoCapa: Luís Thiago Freire Dantas

Esta obra é resultado de um texto que foi originalmente escrito para amonografia de conclusão do Curso de Especialização em Educação dasRelações Étnico-Raciais, promovido pelo NEAB – UFPR e sofreu alteraçõespara melhor se adaptar ao formato.

D192 Dantas, Luís Thiago Freire.Descolonização Curricular: a Filosofia Africana

no ensino médio / Luís Thiago Freire Dantas. São Paulo:Editora PerSe, 2015.

118 f.

ISBN: 978-85-8196-949-7

1. Filosofia – Estudo e ensino 2. Filosofia Africana.3. Currículo Escolar 4. Estudos DescoloniaisI. Título.

CDD: 107CDU: 37.06/09

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Dedico este trabalho às professoras eaos professores de filosofia que fazem

do ensino médio o seu campo deexperiência.

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AGRADECIMENTOS

A produção deste livro foi possibilitada pelas diversaspessoas que contribuíram de algum modo para aprodução desse trabalho:Débora Cristina de Araujo, cujo amor, companheirismoe incentivo me ajudaram e ajudam na crença que ocaminho pode ser repleto de alegrias.

Prof. Dr. Hector Guerra, cuja orientação trouxe-meenormes contribuições para o desenvolvimento do tema.Os professores, as professoras e colegas daespecialização em Educação Étnico-Racial do NEAB-UFPR que proporcionaram novos questionamentos econversas gratificantes.

Minha avó, Maria Anita (in memoriam) símbolo de fé eotimismo para vida.Minha mãe, Maria Tereza, com amor nutriu esperançapara o florescimento do caráter e perseguição dosobjetivos. Os demais familiares que sempre torcem pelomeu sucesso.

Amigos e colegas, Daniel Galantin, Marcus Paranhos,Gustavo Fontes, Gustavo Jugend, Marco AntônioValentim, Paulo Ugolini, Roberto Jardim, RenatoNoguera, Sérgio Nascimento, Wagner Bitencourt.NEAB/UFPR por realizar a especialização que ajuda aconstruir cidadãos conscientes do panorama étnico-

racial do Brasil;Ogun por me proteger e guiar-me pelos caminhos queabriram na minha vida.

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É certo que nem o conhecimento racional é umapropriedade privada do pensamento ocidentalmoderno, nem tampouco a superstição é umapeculiaridade das populações africanas.

WIREDU, KWASI

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Prefácio  11

Introdução  19

Capítulo 1 

O eurocentrismo e seus críticos  36 

1.1 Europa: uma invenção ideológica 36 

1.2 Colonialidade do poder 42 1.3 A desobediência do conhecimento marginal 47

Capítulo 2

O conhecimento de fronteira  54 

2.1 Identidade em filosofia: Towa e Heidegger 55 

2.2 O conceito Ubuntu de justiça 66 

2.3 Aspectos do afrocentricidade 77 

“Interlúdio”: síntese dos capítulos 1 e 2  90

Capítulo 3 

Currículo Afroperspectivista  92 

3.1 Diretrizes Curriculares de Filosofia do Paraná 93 

3.2 Enegrecendo o currículo de filosofia 105

Em-fim um novo horizonte?  117

Referências  119 

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PREFÁCIO

É possível uma filosofia fora dos preceitoseurocentrados?

Prof. Dr. Hector Guerra HernandezDepartamento de História

Universidade Federal do Paraná

PRESENTE  trabalho propõe responderesta pergunta, sua resposta vai depender

da reflexão e abertura às leituras ecléticas e ainda nãopadronizadas dos leitores e das leitoras. O desafio dequestionar os regimes de verdade que sustentam aprodução de conhecimento e, desta maneira, apostar

por uma ressignificação crítica do lugar de enunciaçãoepistêmico, mesmo sabendo que o marco conceitual esistemas de categorização estão determinados pelaordem epistemológica ocidental que se pretendecriticar1, constitui o mérito desta obra. Mesmocondicionado pelo dito marco conceitual,

Descolonizar o conhecimento deveria ser uma prática

1  Esta é uma preocupação, seja como crítica ou oportunidade,

aparece na reflexão de muitos autores na África como em Ásia eAmérica latina, aqui resgato a reflexão de Valentin Mudimbe: “Aquestão em causa é que, até agora, tanto interpretes ocidentaiscomo analistas africanos têm vindo a usar categorias de análise e

sistemas conceituais que dependem de uma ordem epistemológicaocidental. Mesmo nas mais evidentes descrições ‘afrocêntricas’, osmodelos de análise utilizados referem-se, direta ou indiretamente,consciente ou inconscientemente à mesma ordem.” (MUDIMBE, V.2013, p. 10).

O

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instaurada no ethos  das nossas instituições deformação. Infelizmente, continuamos lidando com oexercício da repetição de um dispositivo hegemônicode transferência de conhecimento formatado pelo queRamón Grosfoguel (2014) definiu como "sistema-mundo ocidentalizado moderno/colonial cristão-cêntrico capitalista/patriarcal”2. Na contramão desteexercício de repetição é que se coloca a proposta de

Luís Thiago Dantas abrindo mão de décadas dedebates cruzados e teorias “indisciplinadas”(RICHARD, 1998)3  produzidas por autores e autorasque, por motivos de espaço, reduziremos a definircomo “pós-coloniais”4.

2

 E como o autor mesmo esclarecerá o uso desta definição um tantocomprida e complexa: “Aún a riesgo de sonar ridículo, preferimosutilizar una frase extensa como ésta para caracterizar la actualestructura heterárquica (múltiples jerarquías de poder enredadasentre sí de maneras históricamente complejas) del sistema-mundo,antes que la limitada caracterización de una sola jerarquía llamada'sistema-mundo capitalista'”(GROSFOGUEL, 2014, p. 84).3 Sobre a ideia de indisciplina na teorização, vide Richard, 1997.4

  Sob o termo "pós-colonial" poderíamos aceitar que inicialmenteestariam reunidas um conjunto de estudos socioculturais ehistóricos que vão desde a crítica do colonialismo europeu nadécada de 40 e 50, passando pela teoria do imperialismo dos 70, atéas confrontações temáticas sobre os fenômenos da diáspora,migração e racismo dos anos 80 e 90 (GUTIERREZ, 2003). ParaMignolo (2005), o termo pós-colonial seria uma expressão nomínimo ambígua, perigosa e confusa. Ambígua, porque abrange e

homogeniza diversas histórias coloniais e processos dedescolonização, localizados em diversos espaços e tempos.Perigosa, porque esconde a potencialidade discursiva de constituir-se como uma oposição à hierarquia estabelecida na circulação edistribuição de conhecimento. Mas confusa, também, porque cria a

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Autores e autoras oriundos/as de um “sulglobal” que optaram a produzir diferentespossibilidades heurísticas e de análise, movidos/aspor uma desconfiança frente a um discursoeurocentrado (pós-moderno) que anunciara décadasatrás o colapso das pretensões universalizantes domodelo ocidental dominante e seu legado detranscendência e finalismos históricos. Situação que

supostamente abriria as possibilidades para umacrítica pluriversal que tendiam a revalorizar asmargens construídas historicamente em torno destemodelo. Esta desconfiança se fundou precisamenteem torno deste discurso sobre descentramentos, pois,ao invés de promover a inclusão de outros saberes e

conhecimentos, tem transformando essa criseparadigmática em uma nova e grande narrativa,incapaz de desafiar as estruturas de poder existentes,nem as hierarquias e violências que continuareproduzindo.

Em nossas regiões ainda paira a ideia de que a

epistemologia moderna, e dentro dela a própriafilosofia, seria o produto de processos históricosconstitutivos que iriam desde o renascimento àexpansão do cristianismo pós-reforma, junto com ocapitalismo e a emergência do circuito comercial do

ideia de excepcionalidade, sobretudo porque com categorias como“hibridização”, “mestiçagem”, entre tantas outras, sugere-se a ideiade descontinuidade entre a configuração colonial do objeto deestudo e a posição pós-colonial do lugar da teoria.

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Atlântico. No entanto, as histórias e processos queparticiparam na constituição do nosso ser coletivo “seera interessante o era como objeto de estudo  quepermitia compreender formas locais de vida, mas quenão considerava como parte do saber universal,produzido pela humanidade” (MIGNOLO, 1996, p. 4,grifos nossos). Essa geopolítica do conhecimento foisubstantiva para entender o que alguns autores

chamaram de colonialidade do poder (QUIJANO,2000), sustentada por um consenso silencioso (NIGHHÁ, 2004) –  muitas vezes escondido no interior daspráticas e mecanismos de reprodução do próprioconhecimento científico –, o qual, voluntária ouinvoluntariamente, continua a repetir cânones e

padrões de pensamento ditos “modernos” e oriundosde uma tradição iluminista, entendida comodemocrática e abstraída do seu lugar enunciativo, masse pensada em nossos contextos nos permitiria verque na sua matriz é portadora de um ethos constituídohistoricamente sobre a base de uma lógica colonial: a

cara oculta, messiânica e endoutrinadora, de umamodernidade eurocentrada.

Este fenômeno é denominado por Mignolocomo “dependência epistêmica” (MIGNOLO, 2005).Esta dependência tem contribuído substancialmente àmanutenção de uma ordem nas quais muitasidentidades e saberes, além de essencializados atravésde enquadramentos ontológicos excludentescontinuam recluídos nas margens da produção do

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conhecimento, negando cosmovisões e sistemascognitivos que, por não se encaixarem no modeloeurocentrado se tornam inconcebíveis se pensadosdesde suas próprias racionalidades. Eis o caso dafilosofia africana. Neste sentido, o trabalho de reflexãorealizado por Luís Thiago Dantas neste livro éfundamental, uma leitura obrigatória para todo/aaquele/a que está trilhando os caminhos da crítica

política e epistemológica e não apenas no nível docurrículo escolar. A proposta de Dantas transcende odebate escolar e nos convida a uma importante e bemdocumentada reflexão em torno dos limites eambiguidades de uma geopolítica do conhecimentoultrapassada, porém, hegemônica.

Finalmente, é absolutamente necessárioquestionar-se qual é o currículo pensado para aformação escolar no Brasil, e sendo pretensiosoincluiria esse sul global mencionado mais acima. Épossível na atualidade falar de um paradigmaeducacional democrático se, ao revisar suas diretrizes,

constatamos que se continua a repetir ideias econcepções filosóficas forjadas em outros contextos?Esta questão nos leva a outra um pouco maisespinhosa: até quando vamos continuar introjetandoconceitos cuja suposta universalidade só é possívelcompreender de maneira abstrata? Fonseca (2007)sentencia que:

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A história da educação constituiu-se como umadisciplina cuja finalidade estava praticamente restrita àformação de professores. Isso lhe deu a conformação de

uma disciplina voltada para a compreensão da evoluçãodas ideias pedagógicas e a deixou em uma relação muitoestreita com a filosofia da educação (FONSECA, 2007, p.16).

Considerando apenas este aspecto parece que aeducação é vista como algo que transcende osconflitos históricos e os problemas de inclusão degrande parte da população pobre e marginalizada quenão entra no padrão do individualismo liberalreproduzido nas diretrizes curriculares obrigatórias.Dentro desta perspectiva, filha do iluminismo a

educação se levanta por cima de qualquer problemaestrutural ou relação de poder construídahistoricamente e não questiona sua própriaconformação contraditória. Pois sua propostaemancipatória e inclusiva continua envolvendo umcaráter doutrinário e impositivo.

Contra esta maneira de reprodução daeducação devemos insistir na ampliação doparadigma que aponta para compreensão dosprocessos educativos localizando-os em um espaçocomplexo e diverso. Este posicionamento exige, porsua vez, uma reflexão crítica dos conteúdos, práticas e

valores operacionalizados no processo pedagógico,mesmo que condicionados pelo marco epistemológicodominante. Neste sentido este livro é uma tentativa

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ousada e bem sucedida que aponta para essa reflexão.Desta maneira, se pretendemos democratizar oprocesso de formação, garantir reflexividade eautonomia devemos, na medida do possível, criar osespaços de intercâmbio e diálogo que nos permitamreconhecer oportunamente quando uma metodologiaou um conteúdo estaria discriminando emarginalizando minorias sociológicas em nome de

uma maioria ideológica, mas não demográfica.

REFERÊNCIAS

CASTRO-GÓMEZ, Santiago: Geografías poscolonialesy translocalizaciones narrativas de “lo

latinoamericano”: La crítica al colonialismo entiempos de globalización; en FOLLARI, Roberto yLANZ, Rigoberto (Comp.): Enfoques sobrePosmodernidad en América Latina, editora Sentido,Caracas 1998. p. 155-182

FONSECA, M. A arte de construir o invisível o negrona historiografia educacional brasileira. RevistaBrasileira de História da Educação  n° 13 jan./abr.2007. p. 11-50.

HA, Kien Nghi. Ethnizität und MigrationRELOADED: Kulturelle Identität, Differenz undHybridität im postkolonialen Diskurs. Berlim:Wissenschaftliche Verlag, 2004.

MIGNOLO, Walter. El pensamiento des-colonial,desprendimiento y apertura: un manifiesto.Disponível em:

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http://www.tristestopicos.org/inflexion.htm#nuestra_ancla_1, 2005. ______. Espacios geográficos y localizaciones

epistemológicas: La ratio entre la localizacióngeografica y la subalternización de conocimientos. Javierana. Disponível em:http://www.javeriana.edu.co/pensar/Rev34.html,1996, p. 1-25.

 ______. Cambiando las éticas y las políticas del

conocimiento:  Lógica de la colonialidad ypostcolonialidad imperial. Tabula Rasa. Bogotá -Colombia, n.3. 2005, p. 47-72.

MUDIMBE, V. A Invenção de África. Gnose, Filosofiae a Ordem do Conhecimento. Ed. Pedago, 2013.

RANDEIRA, Shalini: “Verwobene Moderne:

Zivilgesellschaft, Kastenbindungen und nicht-staatliches Familienrecht im (post)kolonialen Indien”,em: BRUNKHORST, COSTA (HG.)  Jenseits vonZentrum und Peripherie: Zur Verfassung derfragmentierten Weltgesellschaft, Mering: HamppVerlag, Buchreihe Zentrum und Peripherie, 2005, p.169-196

RICHARD, Nelly: “Mediaciones y tránsitosacadémicos-disciplinarios de los signos culturalesentre Latinoamérica y el Latinoamericanismo.”Dispositio, v. 22, n. 49, The Cultural Practice ofLatinamericanism I (1997), p. 1-12

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INTRODUÇÃOOu um passo a frente e já não estamos no mesmo

lugar

PUBLICAÇÃO deste livro tem comomotivação o deslocamento intelectual

ocorrido durante a minha trajetória intelectual. Issoporque no decorrer da minha graduação e do

mestrado concordava com o discurso acadêmico quedefende a ideia de filosofia enquanto uma formaçãode pensamento estritamente europeia, de origemgrega, cuja sustentação é formada pela tríade Sócrates,Platão e Aristóteles. Outro quesito é que apesar daorigem humilde, eu reproduzia o ideal elitista da

filosofia de que para se tornar um “filósofo” nosentido mais comum do termo era necessário dedicar-me somente aos estudos, já que destinaria tempo aotrabalho quando alcançasse a vaga de professor emuma universidade.

Diante desses aspectos, o interesse inicialmente

consistiu em pesquisar um dos pensadoreshegemônicos, no caso Heidegger5. Além disso, crieiuma resistência em lecionar no ensino médio querepresentava, para essa compreensão reduzida de

5

 No mestrado desenvolvi uma dissertação em que abordou o temado niilismo na interpretação da filosofia de Heidegger. O pontoprincipal foi pensar o niilismo enquanto histórico-ontológico, isto é,um evento que atua na história do Ocidente e modifica aconstituição do próprio ser. Cf. DANTAS (2013)

A

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mundo, um atraso na construção da minha carreiraacadêmica. Entretanto, no meio do caminho houveuma mudança que rompeu com ambas as ideias eapresentou o grande equívoco que eu tinha decompreensão de mundo e de pensamento. O princípioda mudança ocorreu quase no término do mestradoem filosofia na UFPR, em que passei a participar deum grupo de leitura de textos africanos em língua

francesa, organizado no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFPR). As leituras de filósofoscamaroneses6 como Marcien Towa (2009; 2011), NkoloFoé (2013) e do congolês Théophile Obenga (1990)fizeram-me perceber a existência da Filosofia Africanae que ela era de origem milenar.

O principal destaque dessas leituras concerniaà filosofia não ser uma produção originariamentegrega, pois o Egito antigo havia fornecido as bases dopensamento grego e, ainda, havia egípcios queelaboravam uma filosofia própria. Nesse tempo,também ingressei na especialização em Educação das

Relações Étnico-Raciais, promovida peloNEAB/UFPR e que me permitiu um aprofundamentonos assuntos até então marginalizados ou nem sequernotados.

6  Por mais que possa parecer desnecessário e racializante a

identificação da origem dos filósofos negros citados neste estudo (jáque aos filósofos europeus não se utiliza tal prática, numa lógica de“normalidade”), a intenção de destacar o pertencimento geográficonesse caso deve-se ao objetivo de ressaltar pensadores localizadospara além das fronteiras racistas estabelecidas pelo Ocidente.

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Assim, os conhecimentos provenientes dosmódulos das disciplinas foram fundamentais napercepção do racismo antinegro atuando em váriossetores sociais e, também, evidenciando comoalgumas ações buscavam afirmar um grupohistoricamente discriminado e reestabelecer o lugarda população negra na “formação do povo brasileiro”(RIBEIRO, 2014). Acrescentado a isso, a intensificação

das leituras dos filósofos africanos em suas diversascorrentes de pensamento, incentivaram-me naconstrução de um projeto de doutorado que abordariaa filosofia de Towa (2009; 2011) contrapondo-se aoideal de modernidade a partir de uma tradição quelocaliza o europeu como centro. Com o meu ingresso

no doutorado e a ausência de bolsa no primeirosemestre, houve a necessidade de lecionar filosofia noensino médio. Nesse conjunto de mudanças, a ideiade elaborar uma monografia que atendesse tanto ainteresses próprios quanto à regulamentação daespecialização motivou o tema desta pesquisa: a

contribuição da Filosofia Africana para a disciplina defilosofia no ensino médio.

Com isso, a pesquisa teve como preocupaçãopromover uma discussão sobre o currículo de filosofiado ensino médio e sobre as diversas práticas deracismo, que têm o intuito de hierarquizar gruposhumanos e normatizar o modo pelo qual se formula oconhecimento. Tal normatização é propiciada pelafilosofia enquanto um pensamento elevado e

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caracterizador da cultura de um povo. Isso se deve emgrande medida por causa do privilégio a uma formade fazer filosofia. Um bom exemplo diz respeito aseguinte advertência de Miguel Reale (1961) para aformação de uma filosofia brasileira:

Integrados que estamos nas coordenadas da civilização doOcidente, como filhos da prodigiosa cultura europeia, delasó podemos nos emancipar como se emancipam os filhos

dignos, dignificando e potenciando a herança paterna,cientes e conscientes da nobreza de nossa estirpe espiritual.Não ignoro as contribuições das culturas ameríndia eafricana na modelagem da que justamente se considera amaior ‘democracia racial’ do planeta, mas tais influências,malgrado a pretensão de certos ‘africanistas’, não são demolde a afastar-nos das linhas mestras do pensamento

oriundo das fontes greco-latinas (REALE, 1961, p. 117).

Por meio de uma breve digressão metafórica,Reale (1961) levou-me a observar que a nossa herançacultural europeia seria um privilégio por articular-secom as “fontes greco-latinas”. Além disso, a

interpretação do autor é de que a emancipação dopensamento brasileiro exclusivamente se daria com asubserviência ao modelo europeu considerado comoum “pai”. No entanto, além de assimilada, essareflexão demonstra que tal “paternidade” apenas teriaregistrado o nome naquela terra ocultando aquelesque viviam nela em tempo anterior: os povosindígenas.

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Se for assim, a anterioridade deveria legitimaros indígenas como “mães” da filosofia brasileira. Essadigressão estimula, portanto, uma pergunta: e quantoaos africanos que foram desenraizados e obrigados aviver nessa terra, qual seria a posição de parentesco?Uma possível resposta, e que será mais explorada nodecorrer deste livro, estaria na problematização dopróprio ensino da filosofia no Brasil que

historicamente negou ou invisibilizou osconhecimentos relacionados à intelectualidadeafricana, ignorando a intrínseca relação entre Brasil eÁfrica, por meio de grande da parte da suapopulação.

Nesse sentido, estudos como este se fazem

necessários à medida que levantam dúvidas acerca deaspectos do ensino da filosofia e das metodologiasutilizadas em seu ensino (em especial no ensinomédio, foco deste livro), principalmente porque aobrigatoriedade da filosofia neste nível de ensinoocorreu com a Lei 11.648/2008. Antes a filosofia ora

apareceria como assunto transversal em algumasdisciplinas (isso ocorreu em 1996 com a reforma naLei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB)ou apenas sugerida como nas leis 4.024/1961,5.692/1971 e 7.044/1982. Porém, a partir daobrigatoriedade os estudantes tiveram acesso a algunsconteúdos filosóficos como: Ética, Filosofia Política,Lógica, Estética e História da Filosofia. O problemaque se apresenta na exposição desses conteúdos é que

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em seu cerne há um eixo geopolítico de enormeinfluência: o europeu. Dessa forma, a filosofiaconsolida a ideia de que é uma disciplina de baseeuropeia.

Em contrapartida, a Lei 10.639/2003, modificoua LDB, exigindo a  obrigatoriedade do ensino deHistória e Cultura Africana e Afro-brasileira paratodas as disciplinas, em especial Literatura, História e

Artes. Outra modificação ocorreu em 2008, com aaprovação da Lei 11.645/2008 que acrescentou aobrigatoriedade do ensino de História e CulturaIndígena. Ainda vale destacar que tais modificaçõesna LDB foram ampliadas para o ensino superior pormeio das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino deHistória e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL,2004). O referido documento ao tratar da filosofiaafirma que:

[...] respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino

Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividadescurriculares dos cursos que ministra, de Educação dasRelações Étnico-Raciais, de conhecimentos de matrizafricana e/ou que dizem respeito à população negra. Porexemplo: [...] em Filosofia, estudo da filosofia tradicionalafricana e de contribuições de filósofos africanos eafrodescendentes da atualidade (BRASIL, 2004, p. 24).

Dessa forma, este livro propõe contribuir para aluta antirracista de maneira que a filosofia, sendo “a

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mais branca” entre as disciplinas das Humanidades(MILLS, 1999), tenha um espaço de reflexão tambémpara a contribuição da cultura, história e pensamentoafricano. Para isso, vale destacar ainda a importânciado presente estudo a partir dos dados levantados peloGrupo de Pesquisa Afroperspectivas, Saberes einterseções (Afrosin), apresentados por RenatoNoguera (2014) no livro O ensino da filosofia e a lei

10.639/03:

O Grupo de Pesquisa Afroperspectivas, Saberes einterseções (Afrosin) tem feito alguns levantamentosparciais sobre os assuntos abordados por monografias,dissertações e teses em cursos de graduação, mestrado edoutorado, respectivamente. A pesquisa que recobriu a

produção de trabalhos filosóficos de 2003 (ano dapromulgação da Lei 10.639/03) até 2008 na UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade de SãoPaulo (USP) revelou uma coisa em comum nas duasinstituições: pouquíssimos trabalhos versaram sobre algumtema referente às relações étnico-raciais, seja o assuntopropriamente dito, seja a revisão de obras sobre filosofia

africana ou teses críticas sobre o racismo antinegro(NOGUERA, 2014, p. 14-15).

Apesar de tais resultados se referirem a umperíodo anterior, o quadro atual revela-se o mesmo,pois trabalhos de monografia, dissertações e teses dos

departamentos de filosofia que tenham comoprincipal abordagem temas ou filósofos africanos são

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quase inexistentes7. Desse modo, este livro teve comoobjetivo principal propor alternativas de inserção dafilosofia africana nas Diretrizes Curriculares deFilosofia do Paraná, num processo de descolonizaçãocurricular. Os objetivos específicos foram: i) analisarquais foram as principais críticas acerca do idealeurocêntrico, que elegeu historicamente um sabercomo naturalmente “maior” frente aos demais; ii)

explicitar temas filosóficos a partir do pensamentoafricano; iii) discutir e propor um currículo escolarque promova um diálogo entre diversos centrosfilosóficos. A partir de tais objetivos algumas questõespodem ser levantadas: Como se pode definir umafilosofia africana? Qual a legitimidade do seu estudo?

Qual a abordagem que este estudo pretende utilizar?Essas questões são importantes para explicar trêspontos necessários a essa obra.

7 “Nós encontramos apenas dois trabalhos na UFRJ: a monografia

de graduação de Katiuscia Ribeiro Pontes intitulada O que é filosofia africana? Investigaçoes epistemológicas na construção de sualegitimidade,  de 2012, e a dissertação de mestrado de RodrigoAlmeida dos Santos intitulada Baraperspectivismo contralogocentrismo ou o trágico no prelúdio de uma filosofia da diásporaafricana, defendida em abril de 2014. Vale destacar que os doistrabalhos, orientadores pelo prof. Dr. Rafael Haddock-Lobo,figuram entre as minhas coorientações” (NOGUERA, 2014, p. 15,

grifos do autor). Apesar de tais trabalhos, num breve levantamentonos bancos de teses em departamentos de filosofia de outrasuniversidades brasileiras, durante o período 2009-2014, não foraencontrada nenhuma monografia, dissertação ou tese concluídosque versasse sobre a Filosofia Africana.

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Primeiramente, localizar geograficamente afilosofia não sugere uma redução em seu modo depensar, pois o epíteto de Filosofia Africana nada maisé o que o filósofo costa-marfinense Paul Houtondjidefine: “Eu falo de  filosofia africana como um conjuntode textos: conjunto, precisamente, de textos escritospor africanos e qualificados pelos próprios autores defilosóficos8” (HOUTONDJI, 2013, p. 3, grifos do

autor). Desse modo, afirmar um texto ou umpensamento como filosófico não necessita de um avalalheio que venha dizer que isso é filosofia. Oimportante é que os autores se percebam comoprodutores de tal pensamento, já que no contextoeuropeu não há esse tipo de questionamento.

A partir disso, responde-se a segundapergunta, sobre a legitimidade em pesquisar FilosofiaAfricana, já que pesquisas com tal interesse buscamdesvelar formas implícitas do racismo que operam nomeio intelectual cristalizando a filosofia em um únicomodo de produzir-se. Tais formas implícitas insistem

em desqualificar perspectivas filosóficas fora do eixoeuropeu, sugerindo, ainda, que haveria umadeficiência sistemática e racional em certos gruposhumanos, o que impossibilitaria de serem

8  Apesar de o filósofo Houtondji enfatizar para textos escritos a

comprovação da Filosofia Africana, não se pretende neste livrosustentar que a Filosofia somente tem a produção escrita como suacertificação. Mas se entende que a Filosofia está também inseridaem outros modos da reflexão humana, por exemplo, através daOralidade.

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reconhecidos ontologicamente, isto é, em seu modo deser. Na aproximação dessas duas questões, esteestudo concorda com o filósofo sul-africano MogobeRamose (2011):

Afirmamos que não há nenhuma base ontológica para negara existência de uma filosofia africana. Tambémargumentamos que, frequentemente, a luta pela definiçãode filosofia é, em última análise, o esforço para adquirir

poder epistemológico e político sobre os outros (RAMOSE,2011, p. 14).

Opondo-se a esse esforço de poder sobre ooutro, o horizonte do presente estudo possui comolinha de pesquisa a forma da filosofia

afroperspectivista para escapar de tal dominação, oque responde à terceira pergunta. A filosofiaafroperspectivista consiste em analisar os conteúdosdos currículos trazendo para diálogo uma perspectivaafricana, que ratifica a existência de uma luta peranteo discurso universal, por estabelecer, enquanto

contraponto, uma pluriversalidade na intenção deimpedir a manifestação do racismo epistêmico9. Alémdo que a escolha pela filosofia afroperspectivistadeve-se à definição proposta pelo filósofo afro-

 

9  Acerca da definição de racismo epistêmico Maldonado-Torres

(2008) explica da seguinte maneira: “O racismo epistêmico descuraa capacidade epistêmica de certos grupos de pessoas. Pode basear-se na metafísica ou na ontologia, mas o resultado acaba por ser omesmo: evitar reconhecer os outros como seres inteiramentehumanos” (MALDONADO TORRES, 2008, p. 79).

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brasileiro Renato Noguera (2012, p. 65): “filosofiaafroperspectivista é todo exercício filosóficoprotagonizado por pessoas com pertencimentosmarcados principalmente pela afrodiáspora10”. Alémdisso, o autor apresenta alguns dos desafiosrelacionados ao ensino de filosofia que se propõeafroperspectivista:

Diante deste quadro, um de nossos desafios está naarticulação de uma dupla obrigatoriedade: (1ª) ensinarFilosofia; (2ª) ensinar e promover relações étnico-raciaisequânimes através do estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Este desafio duplo passa por umaanálise filosófica da própria Filosofia. O que é próprio daFilosofia que pode contribuir para horizontes antirracistas

na sociedade brasileira? O que a Filosofia tem a dizer sobreo racismo antinegro? Existem pontos de contato entre aFilosofia e a História da África? As culturas africanas eafrodescendentes, em especial a afro-brasileira, sãorelevantes para o entendimento da Filosofia? Ou ainda,existe Filosofia Africana e/ou Filosofia Afro-Brasileira? Emcaso afirmativo, a Filosofia Africana e/ou Filosofia Afro-

 

10  Por afrodiáspora entende-se o processo  de colonização eescravidão europeia sobre os africanos para os países da AméricaLatina, Caribe, América do Norte e outras partes do mundo. Oantropólogo congolês radicado no Brasil, Kabengele Munanga(2012, p. 84-85) apresenta uma definição complementar ao tratar dediáspora: “Originalmente, a palavra foi usada para designar o

estabelecimento dos judeus fora de sua pátria, a qual se achamvinculados por fortes laços históricos culturais e religiosos. Porextensão, o conceito também é utilizado para designar os negros deorigem africana deportados para outros continentes e seusdescendentes (os filhos dos escravos na América, etc.)”. 

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Brasileira estaria(m) apta(s) a examinar e discorrer sobre ospostos-chaves da educação das Relações étnico-raciais?(NOGUERA, 2014, p. 19).

Vale destacar que as respostas a tais desafiosestarão continuamente presentes não apenas nessetrabalho em particular, mas também na minha própriatrajetória daqui em diante. Porém, na impossibilidade,nesse trabalho, de um tratamento aprofundado de

todas as questões, algumas somente serão exploradas.No Capítulo 1, a reflexão foi desenvolvida no

seguinte sentido: para que a crítica à construção docurrículo em filosofia seja precisa, deve-se direcionar aobservação àquilo que é considerado comocaracterística delimitadora do currículo: oeurocentrismo.  Porque o “eurocentrismo é um dosgrandes obstáculos que devem ser superados paraque seja assegurado o acesso e a permanência dosdiversos grupos étnico-raciais no sistema escolarbrasileiro, que é uma reivindicação política e

educacional dos grupos sociais marginalizados”(PRAXEDES, 2008, p. 2). No entanto, para um estudofilosófico, problematizar o eurocentrismo é ainda maisimportante e mais desafiador. Ao passo que, porexemplo, as Ciências Sociais já têm conseguidoesboçar críticas ao eurocentrismo, por meio de uma

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literatura significativa11, a Filosofia ainda necessita deuma reflexão precisa sobre o tema.

Tal fato pode ser motivado pela influência daEuropa na filosofia, ou uma compreensão de que esseponto, o eurocentrismo, seria um falso-problema para areflexão filosófica. Contudo, a escrita desse textorealizou uma crítica ao eurocentrismo por compreendê-lo como um saber que inviabiliza, ou dificulta, a

expressão de saberes fora do seu eixo, já que no

11  Entre algumas das posições contrárias ao eurocentrismo  nasCiências Sociais destacam-se o egípcio Amim (1989, p. 9): “Oeurocentrismo é um culturalismo no sentido de que supõe aexistência de invariantes culturais que dão forma a trajetoshistóricos dos diferentes povos, irredutíveis entre si. É então

antiuniversalista porque não se interessa em descobrir eventuaisleis gerais da evolução humana. Mas se apresenta como umuniversalismo no sentido de que propõe a todos um modeloocidental como única solução aos desafios do nosso tempo”; oindiano Bhabha (1998, p. 43): “Entre o que é representado como‘furto’ e distorção da ‘metateorização’ europeia e a experiênciaradical, engajada, ativista da criatividade do Terceiro Mundo, pode-se ver uma imagem especular (embora invertida em conteúdo e

intenção) daquela polaridade a-histórica do século dezenove entreOriente e Ocidente que, em nome do progresso, desencadeou asideologias imperialistas, de caráter excludente, do eu e do outro”; ocolombiano Lander (2005, p. 34, grifos do autor): “Existindo umaforma ‘natural’ do ser da sociedade e do ser humano, as outrasexpressões culturais diferentes são vistas como essencial ouontologicamente inferiores e, por isso, impossibilitadas de ‘sesuperarem’ e de chegarem a ser modernas (devido principalmente

à inferioridade racial). Os mais otimistas veem-nas demandandoação civilizatória ou modernizadora por parte daqueles que sãoportadores de uma cultura superior para saírem de seuprimitivismo ou atraso.  Aniquilação ou civilização imposta definem,destarte, os únicos destinos possíveis para os outros”. 

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encontro com outro que apresenta novas perspectivaspara antigos problemas, rapidamente este passa a serdenominado como “menor” em relação aopensamento eurocêntrico.

Assim, nesse capítulo foi detalhado qual osentido da palavra eurocentrismo aqui problematizado,assim como a formação desse saber e o motivo peloqual lhe é necessário uma crítica.

No Capítulo 2, após o estabelecimento dacrítica é relevante apresentar como a filosofia nãoconsiste em um saber unívoco e com uma formasomente de produzi-la. Diante disso, apresentar afilosofia a partir da compreensão de filósofosafricanos contrapõe-se à concepção eurocêntrica que

sustenta a filosofia como uma produção europeia comorigens gregas. Assim, este estudo concorda com asintepretações que, de um lado, criticam o discurso deexclusividade europeia da filosofia e, de outro,fornecem uma compreensão mais global, no sentidode estabelecer a filosofia enquanto uma produção de

diferentes povos.Entretanto, devido à gama de autores nas

tradições europeias e africanas, algumas diferençasperante a definição de filosofia foram exploradas apartir de dois pensadores que em larga medidaexemplificam de um lado o modo de pensareurocêntrico –  Martin Heidegger –  e, do outro, umfilósofo que assevera a legitimidade de se refletir

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filosoficamente a partir de uma base não eurocêntrica:Marcien Towa.

Como se sabe, Heidegger é considerado umdos maiores pensadores do século XX e de grandeinfluência em áreas que não se restringem à filosofia.Apesar disso, não somente por fatos turbulentos dasua biografia, mas também por afirmações que são, nomínimo, centradas no germanismo, pode-se afirmar a

presença de um conteúdo eurocêntrico. Verifica-se talpresença, por exemplo, no início da preleção de 1933, A Europa e a filosofia Alemã :

Dir-se-á aqui, neste instante, alguma coisa acerca da filosofiaalemã e, consequentemente, acerca da filosofia em geral. Onosso ser-aí histórico experimenta, com premência e clarezacrescentes, que o seu futuro se equivale à crua alternativa oude uma salvação da Europa ou da sua destruição. Apossibilidade da salvação requer, no entanto, duas coisas:1) A conservação dos povos europeus perante o asiático.2) A superação do desenraizamento e da fragmentação quelhe são próprios. (HEIDEGGER, 1993, p. 31, grifos nossos).

Por outro lado, Towa (2009; 2011; 2012)desenvolveu teses que afirmariam a existência dafilosofia no continente africano. No entanto,diferentemente de uma tendência queclassifica/classificou a Filosofia Africana como

“etnofilosofia”, ou seja, “como um sistema e filosofiados valores do mundo negro, apresentando a formade uma realidade transcendente para relatar as

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condições materiais e contingentes da existência”(DIAKITE, 2007, p. 3), Towa (2009) discorda de talposição porque a Etnofilosofia consistiria em ummovimento reacionário que insere o conceito defilosofia como resultado de uma cultura, “emrealidade, essa interpretação dos dados etnológicosnão tem por objeto estabelecer o resultado de umafilosofia negro-africana [...]. Porque a etnologia ou

antropologia cultural já estabelece que toda sociedadehumana tem uma cultura” (TOWA, 2009, p. 27). Além disso, Towa argumenta que a reflexão

filosófica seria algo eminente a qualquer grupohumano e sua construção seria um pensamento emprincípios absolutos12:

Filosofia existe. Apresenta-se como umas coleções de obrasque se dizem filosóficas. A leitura dessas obras impõe aideia de que a filosofia é a coragem de pensar o absoluto. Oser humano pensa, e, todos conhecem  os entes, ele é umúnico que pensa. Aqui, pensar é entendimento no sentidorestrito: no sentido de ponderar, discutir representações,

crenças, opiniões, confrontá-las, examinar os prós e oscontra de cada uma, selecionar criticamente, no intuito dereter somente o que pode resistir ao teste da crítica eclassificação (TOWA, 2012, p. 17, grifo do autor).

12 O uso aqui do termo “absoluto” serve para ilustrar a formação deum pensamento africano capaz de dialogar em nível similar à

tradição europeia, pois é compreensível a ressalva perante a“formulação de princípios absolutos”. Isto porque tais princípiosnão são condicionantes necessários para presença de uma filosofia,mas, ao contrário, pode muito bem desviar-se de um saberfilosófico.

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Por fim, o Capítulo 3 analisou as DiretrizesCurriculares da Educação Básica do Paraná, dadisciplina de Filosofia, com o objetivo de avaliar comoe se a Filosofia Africana foi inserida. A hipótesedesenvolvida foi de que não há nas referidasDiretrizes o reconhecimento de perspectivasfilosóficas para além do modelo eurocêntrico. Assim,

uma pergunta foi estabelecida: por que há ainda umainvisibilidade das filosofias fora do eixo europeu?Após a análise das Diretrizes, o estudo fez umexercício propositivo de pensar um currículofilosófico que contemple o pensamento africano (semfazer uma hierarquização), de maneira que estimule o

diálogo e utilize elementos conceituais afro-brasileirospara expressar os conteúdos filosóficos.

Espera-se, com esse livro, desenvolver umacontribuição à área de estudos filosóficos, ainda emconstrução, que tem questionado o privilégio de umgrupo em produzir tal pensamento. Principalmente

porque o presente estudo propõe uma série dereflexões acerca da construção curricular que alcanceas produções humanas sem hierarquizar um grupohumano em detrimento de outros.

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CAPÍTULO 1O EUROCENTRISMO E SEUS CRÍTICOS

1.1 Europa: uma invenção ideológica

ARA explicar a constituição do conceito deEuropa, o filósofo argentino radicado no

México Enrique Dussel (2005) inicia com uma análiseda sequência semântica de tal termo. Inicialmente oautor refere-se à diferença entre a origem da Europa ea Europa moderna, de maneira que esta não haveriaqualquer conexão com aquela. Inclusive pelo fato deque o local geográfico da modernidade europeia na

antiguidade consistiria no dos “bárbaros” e adistinção entre Ocidente e Oriente seria muito maisuma questão de linguagem, pois no Ocidente estariaRoma, de língua latina, e no Oriente estaria ohelenismo grego: “o ‘Ocidental’ será o impérioromano que fala latim, que agora compreende a

África do Norte. O ‘Ocidental’ opõe-se ao ‘Oriental’, oimpério helenista, que fala grego” (DUSSEL, 2005, p.56).

Assim, o importante desses pontos é quedescrever, como será apresentado nos parágrafosseguintes, uma história linear entre Grécia-Roma-

Europa indica um equívoco, já que expor dessa formaconsiste em um invento ideológico romântico

P

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alemão13  surgido durante o século XVIII e definidocomo sendo “uma manipulação conceitual posteriordo ‘modelo ariano’, racista” (DUSSEL, 2005, p. 56).

Desse modo, destaca-se que o mais importantena instauração do eurocentrismo  trata-se do momentoem que a Europa foi colocada como “centro” domundo. Para Dussel, esse momento ocorreu após oRenascimento Italiano em que uma fusão entre o

Ocidental latino e o Oriental helênico permitiu onascimento do que viria a ser a ideologia“eurocêntrica” do romantismo alemão: Ocidental =Helenístico + Romano + Cristão. Diante dessafórmula, consolidar-se-ia o pensamento que trata aideologia eurocêntrica como uma sequência

tradicional. Contudo, Dussel critica a ausência depercepção sobre essa invenção ideológica que procuracolocar a Grécia e Roma como sendo “centros” domundo antigo quando, na verdade, o lugargeopolítico impede-as de ser o “centro”, já que “Omar Vermelho ou Antioquia, lugar de término de

comércio do Oriente, não são o ‘centro’, mas o limite

13 A tentativa de suprimir as fragmentações políticas e culturais quea Alemanha vivia no século XVIII foi por meio da aproximação coma Grécia antiga. Tal ideologia pode ser encontrada em vários

pensadores alemães da época, entre os quais pode-se destacarGoethe, Schiller e Winckelmann. Deste último destaca-se a seguintereflexão: “O único meio para nós de nos tornarmos grandes e, seisso é possível, inimitáveis é imitar os Antigos” (WINCKELMANN,1990, p. 95).

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ocidental do mercado euro-afro-asiático” (DUSSEL,2005, p. 59).

Diante desses aspectos, Dussel argumenta queo caráter eurocêntrico tornou-se possível pelaconstrução da modernidade, ou seja: aquilo que limitaos diferentes povos a pensarem por si mesmos é efeitodo progresso da humanidade. Para entender melhoressa afirmação, faz-se necessário averiguar o

surgimento da modernidade para o filósofo. Dusselargumenta que há duas vias que explicam essesurgimento: a primeira é a tradicional que contémuma força eurocêntrica enorme, visto que destaca asaída da imaturidade para o processo crítico humanoe esse processo estaria em sintonia com os eventos

destacados, por exemplo, por Habermas: “Osacontecimentos-chave históricos  para o estabelecimentodo princípio da subjetividade [moderna] são aReforma, a Ilustração e a Revolução Francesa”(HABERMAS, 2000, p. 25, grifos do autor). Com oacréscimo do Renascimento Italiano e do parlamento

Inglês, Dussel completa a sequência espaço-temporalque propiciará a fundamentação do eurocentrismo:

Ou seja: Itália (século XV), Alemanha (séculos XVI – XVIII),Inglaterra (século XVI) e França (século XVIII). Chamamos aesta visão de ‘eurocêntrica’ porque indica como pontos de

partida da ‘Modernidade’ fenômenos intraeuropeus, e seudesenvolvimento posterior necessita unicamente da Europapara explicar o processo (DUSSEL, 2005, p. 73).

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A segunda explicação do surgimento damodernidade seria o que Dussel propõe comoparalela a anterior. Esta atenta para o ano de 1492,quando o continente americano fora descoberto pelasnavegações espanholas. Com isso, Dussel destaca quea modernidade europeia tornou-se possível pelacolonização do continente americano, visto que antesdisso a Europa latina era a “periferia do mundo”, e

somente o acúmulo de riquezas provindas do novocontinente possibilitou a sua emancipação territorial eo desenvolvimento das suas próprias ciências. Emoutras palavras, “a ‘centralidade’ da Europa latina nahistória mundial é o determinante fundamental da Modernidade” (DUSSEL, 2005, p. 61, grifos do autor).

Dessa maneira, o autor coloca a colonizaçãoespanhola como propulsora da Europa moderna, epaíses como Inglaterra e França somente percorreramo caminho já aberto e ampliaram a ideologia. Porconseguinte, é essa “Europa moderna” surgida apartir da dominação que instaura uma posição central

no mundo, de maneira que as demais culturas sãoperiféricas.

Assim, a crítica que se realiza ao eurocentrismo tem como fio condutor a construção da modernidadeenquanto um projeto colonial. O importante de seconsiderar nessa colonização é que ela não serestringiu a uma ordem de riquezas, mas também deconhecimentos, já que receberia o rótulo de civilizaçãoaquela que justamente desvincula-se de todo um

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saber “imaturo”, que recorre ao exterior parafundamentar-se e para transformar-se em umaautônoma compreensão do mundo, a qual estaria nointerior do indivíduo por meio do uso “livre” darazão. Tal uso remete-se ao que Kant (1985) explicaatravés da razão em que os indivíduos em suaautonomia, nas palavras do autor, projetam a saída darazão de sua menoridade para a maioridade:

“Esclarecimento é a saída do homem de suamenoridade da qual ele próprio é culpado. Amenoridade é a incapacidade de fazer uso do seuentendimento sem a direção de outro indivíduo”(KANT, 1985, p. 98). Contudo, o filósofo nigerianoEmmanuel C. Eze (1997) considera a antropologia

kantiana e, principalmente, o uso dessa razãoautônoma, como promotora de um racialismo:

Se os povos não-brancos não têm o ‘verdadeiro’caráter racional  e, portanto, não têm ‘verdadeiro’sentimento  e sentido moral, então eles não têm a

‘verdadeira’ piedade, ou dignidade.  A pessoa negra,por exemplo, pode de acordo ser negado à plenahumanidade, uma vez que a completa e a ‘verdadeira’humanidade incidem apenas ao branco europeu. ParaKant, a humanidade europeia é a  humanidade  porexcelência (EZE, 1997, p. 121, grifos do autor).

Dessa forma, facilmente percebe-se que talnorma civilizatória possui o problema de

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universalizar-se abstratamente, porque concretamenteinsere uma região do planeta como centro e, porconseguinte, promove uma invasão nos espaços deoutrem por meio de uma “violência justificada”, jáque crê em si como “inocente”, pois está“modernizando” o bárbaro. Perante isso, Dusseldestaca a construção do mito  da modernidade fundamentado em sete sentenças:

1. A civilização moderna autodescreve-se como maisdesenvolvida e superior (o que significa sustentarinconscientemente uma posição eurocêntrica).2. A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos,bárbaros, rudes, como exigência moral. 3. O caminho de tal processo educativo de desenvolvimento

deve ser aquele seguido pela Europa (é, de fato, umdesenvolvimento unilinear e a europeia o que determina,novamente de modo inconsciente, a ‘faláciadesenvolvimentista’). 4. Como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, a práxismoderna deve exercer em último caso a violência, senecessário for, para destruir os obstáculos dessa

modernização (a guerra justa colonial). 5. Esta dominação produz vítimas (de muitas e variadasmaneiras), violência que é interpretada como um atoinevitável, e com o sentido quase-ritual de sacrifício; o heróicivilizador reveste a suas próprias vítimas da condição deserem holocaustos de um sacrifício salvador (o índiocolonizado, o escravo africano, a mulher, a destruição

ecológica, etecetera). 6. Para o moderno, o bárbaro tem uma ‘culpa’ (por opor-seao processo civilizador) que permite à ‘Modernidade’

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apresentar-se não apenas como inocente, mas como‘emancipadora’ dessa ‘culpa’ de suas próprias vítimas. 7. Por último, pelo caráter ‘civilizatório’ da ‘Modernidade’,

interpretam-se como inevitáveis os sofrimentos ousacrifícios (os custos) da ‘modernização’ dos outros povos‘atrasados’ (imaturos), das outras raças escravizáveis, dooutro sexo por ser frágil, etecetera (DUSSEL, 2005, p. 77). 

Essas sentenças resumem a maneira como o atocolonizador atua e hierarquiza os diferentes povos.Diante disso, Dussel oferece uma alternativa14  parasaída desse processo de colonização aos  povos do sul15,entretanto pela complexidade e distância do objetodeste estudo, não será por ora descrito. No entanto, éimportante explicar o conceito de colonialidade e

como ele permite uma leitura do eurocentrismo em quese observa o julgamento dos diferentes povos atravésde um artifício: a raça.

1.2 Colonialidade do poder: a legitimação através daraça

O conceito de colonialidade é desenvolvidopelo sociólogo peruano Aníbal Quijano (2009), em que

14 A alternativa consiste na Trans-Modernidade. Esta significa um

paradigma que inclui a alteridade entre o Nós e os Outros em que osOutros se referem aos povos não europeus, porém com oreconhecimento da Modernidade europeia enquanto exercitadorada função de violência aos demais povos.15 Tomo essa expressão de Boaventura dos Santos (2009).

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a contribuição crítica da colonialidade fundamenta-sena seguinte definição:

[A colonialidade] sustenta-se na imposição de umaclassificação racial/étnica da população do mundo comopedra angular do referido padrão de poder e opera em cadaum dos planos, meios e dimensões, materiais e subjetivos,da existência social quotidiana e da escala societal(QUIJANO, 2009, p. 73).

Assim, colonialidade difere de colonialismo,pois este possui aspecto de controle da autoridadepolítica, do trabalho e da autoridade de umapopulação, não necessariamente implicante emaspectos étnico-raciais. Em contrapartida, a

colonialidade atua e reforça os traços raciais nasrelações de poder. Com isso, Quijano explica queapesar da origem mais antiga do colonialismo, acolonialidade aparece como duradoura e com alcancemais profundo.

Como o ponto principal da colonialidade

consiste na problemática étnico-racial, cabe aopresente estudo a necessidade de analisar a raiz daconcepção de raça enquanto elemento político paraavaliar outra cultura como inferior. Isto significa aconstrução de “uma concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo sediferenciava em inferiores e superiores, irracionais eracionais, primitivos e civilizados, tradicionais emodernos” (QUIJANO, 2009, p. 74, grifo do autor).

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Tal concepção de humanidade articula-se com oprojeto do eurocentrismo. Inclusive, conforme escreveQuijano, esse projeto tem um padrão de podercomposto a partir da ideia de raça, isto é, “umaconstrução mental que expressa a experiência básicada dominação colonial e que desde então permeia asdimensões mais importantes do poder mundial,incluindo sua racionalidade específica, o

eurocentrismo” (QUIJANO, 2005, p. 227). Contudo, de que maneira a ideia de raça implica em uma ação de poder eurocêntrica? Paraentender essa pergunta é importante frisar que raçaaqui escrita não sugere um elemento biológico, apesarde compor a ideia inicial dessa maneira, mas uma

relação de poder entre aquele que é considerado umdominador “natural” daquele que “naturalmente” écolocado como dominado. Partindo dessa dicotomia,compreende-se o motivo pelo qual Quijano destaca aAmérica como primeiro lugar em que se abre umespaço/tempo de padrão de poder mundial formando

uma id-entidade, que talvez possa ser entendido comoaquilo que é inconscientemente, pois a colonização daAmérica permitiu uma instauração de identidadessem relações ulteriores, por exemplo, índios, negros,mestiços, entre outras.

Além disso, Quijano (2005, p. 228) observa queo português e o espanhol, mais tarde o europeu, nãose restringem mais a uma posição geográfica, mas apartir dessas outras identidades ocorre uma

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racialização que os identifica como detentores de certasuperioridade16. Por esses aspectos pode-se dizer queraça é uma categoria mental da modernidade queimplica em uma “re-identificação histórica” de certasregiões e populações do planeta (QUIJANO, 2005, p.236).

O interessante é que o Ocidente nesse instantetorna-se a Europa pela forma e nível do

desenvolvimento político, cultural e, especialmente,intelectual. Já no Oriente17, movimentos diferentesaconteceram: ao passo que a Ásia, mesmo consideradacomo inferior, possuía um reconhecimento que aconstituir-se-ia na qualidade de “Outro” (comosinônimo de alteridade), os demais povos não se

incluiriam, pois tanto a América e quanto a Áfricaseriam “primitivas”  (QUIJANO, 2005, p. 238). Talintitulação de primitivo teve inúmeras consequências,dentre elas, a redução de uma complexidade étnicaem uma distinção racial. Na verdade, conforme

16  Uma crítica interna sobre a racialização do Europeu refere-se aGilles Deleuze e Félix Gattari em que no Mil Platôs (2004) definiramo racismo europeu como aquele em que o estrangeiro é tratadocomo um desvio de um padrão normatizador. Em consequência, “oracismo jamais detecta as partículas do outro, ele propaga as ondasdo mesmo até à extinção daquilo que não se deixa identificar”(DELEUZE; GUATTARI, 2004, p. 41) e justamente porque identifica

o outro como desvio que “não existe exterior, não existem aspessoas de fora. Só existem pessoas que deveriam ser como nós, ecujo crime é não o serem” (DELEUZE; GUATTARI, 2004, p. 41). 17 Para saber mais acerca da “invenção” do Oriente e sua posição de“inferioridade” perante o Ocidente, cf. SAID (1990). 

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escreve Quijano, apesar do descobrimento inicial dediferentes desenvolvimentos da própria história,linguagem, produtos culturais e identidades, nadaimpediu que “os nomes dos mais desenvolvidos esofisticados deles: astecas, maias, chimus, aimarás,incas, chibchas, etc., trezentos anos mais tarde todoseles se reduzissem a uma única identidade: os índios” (QUIJANO, 2005, p. 249). Da mesma maneira sucedeu

com os grupos africanos escravizados, pois “achantes,iorubas, zulus, congos, bacongos, etc., no lapso detrezentos anos, todos eles não eram outra coisa alémde negros” (QUIJANO, 2005, p. 249, grifos do autor). 

Por fim, a mentalidade de raça na modernidadeacarretou em uma dupla consequência: primeiro,

retirou qualquer identidade histórica que fossesingular dos povos ameríndios e africanos; segundo, anova identidade, com conteúdo racial, colonial enegativo, implicou na exclusão do lugar desses povosna história da humanidade. Inclusive, a única“história” possível era da não-humanidade.

As críticas ao eurocentrismo  até aqui sefundaram na formação do conceito de Europamoderna e na criação de uma hierarquia de controlepor meio da identidade racial. Após essas críticas, otexto trará uma terceira ao eurocentrismo  que terácomo fundamento: explicar a origem epistêmica não apartir do lugar hegemônico, e sim daquele que sesitua historicamente “à margem”. 

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1.3 A desobediência do conhecimento marginal

Para explicar como ocorre a construçãoepistêmica a partir do pensamento que historicamenteé considerado como um “pensamento marginal”, opresente estudo abordará o sentido da “opçãodescolonial”, descrito na argumentação do argentinoWalter Mignolo (2008) acerca da desobediência

epistêmica:

A opção descolonial é epistêmica, ou seja, ela se desvinculados fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais e daacumulação de conhecimento. Por desvinculamentoepistêmico não quero dizer abandono ou ignorância do que

 já foi institucionalizado por todo o planeta. [...] Pretendo

substituir a geo e a política de Estado de conhecimento deseu fundamento na história imperial do Ocidente dosúltimos cinco séculos, pela geo-política e a política deEstado de pessoas, línguas, religiões, conceitos políticos eeconômicos, subjetividades, etc., que foram racializadas (ouseja, sua óbvia humanidade foi negada) (MIGNOLO, 2008,p. 290).

Mignolo propõe refletir acerca do tipohegemônico que a política, nela mesma, tende aavaliar os sujeitos através de um tipo: europeu,branco, heterossexual e do sexo masculino. Dessaforma, a desobediência epistêmica é um movimento

político que problematiza a política da identidadepara, com isso, colocar a “identidade em  política”(MIGNOLO, 2008), ou seja, impor à identidade um

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movimento que procura questionar as normas elegitimações atuantes no seu processo de subjetivação.Diante disso, Mignolo argumenta que é a partir da“identidade em  política” que se permite uma açãodescolonial:

Sem a construção de teorias políticas e a organização deações políticas fundamentadas em identidades que foramalocadas por discursos imperiais, pode não ser possível

desnaturalizar a construção racial e imperial da identidadeno mundo moderno em uma economia capitalista(MIGNOLO, 2008, p. 289).

Como a descolonização que Mignolo propõe éepistêmica, através dela a figura do Ocidente deixa de

ser uma localização geográfica para tornar-se umageopolítica do conhecimento. Dessa forma, a crítica dadesobediência não é pensada de dentro das línguas“imperiais” como o grego, o latim, o francês e o inglês,mas de fora: pelo árabe, mandarim, aymara, iorubá oubengali. Inclusive porque “Eurocentrismo não dá

nome a um local geográfico, mas à hegemonia de umaforma de pensar fundamentada no grego e no latim enas seis línguas europeias e imperiais damodernidade; ou seja, modernidade/ colonialidade”(MIGNOLO, 2008, p. 301).

Na sequência, o autor detalha o vocabulário

que ele utiliza para explicitar o desenvolvimento deseu argumento oriundo de dois grupos de palavras-chave: de um lado “desenvolvimento”, “diferença” e

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“nação” (imaginário da modernidade e da pós-modernidade); e, de outro, “interculturalidade” e“descolonialidade” (imaginário descolonial). Atravésdessas palavras-chave é que Mignolo argumenta quea “retórica da modernidade obstruiu a perpetuação dalógica da colonialidade, ou seja, da apropriaçãomassiva da terra, a massiva exploração do trabalho e adispensabilidade de vidas humanas” (MIGNOLO,

2008, p. 293), ocorridas em matanças desde ascivilizações astecas até as da Ucrânia.Entretanto, no que se refere ao termo

“desenvolvimento”, Mignolo adverte para o caráterpolítico que ele ganhou no século XX com o projeto dedominação global dos EUA durante o período da

Guerra Fria, mesmo havendo como oponente umatendência de esquerda, como a Teoria daDependência e a Teologia/Filosofia da Libertação.Apesar de tal projeto, a opção descolonial já apareciacomo uma maneira de criticar as noções deconstruções civilizatórias que prezam mais para o

acúmulo de vida e de morte ao invés de comemorar avida. Com isso, “[h]oje, uma forma de pensamentodescolonial que não confesse sujeição às categoriasgregas de pensamento já é uma opção existente: re-inscrever os legados dos ayllu nos Andes e dos altepetlno México e Guatemala” (MIGNOLO, 2008, p. 297).Da mesma forma surgiam movimentos similaresdescoloniais no mundo islâmico, na Índia, na Áfricado Norte e na África Subsaariana. Essa re-inscrição

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que se confronta com as categorias do Ocidente traz,de acordo com o autor, um pensamento de fronteiraou uma epistemologia de fronteira que propõeafastar-se de um fundamentalismo ocidental ou atémesmo não-ocidental:

Eu não estou dizendo que um Maori antropólogo temprivilégio epistêmico sobre o antropólogo NeozelandêsAnglo descendente. Eu estou dizendo que um antropólogo

Neozelandês Anglo descendente não tem o direito de guiar os‘moradores’ para o que é bom ou ruim para a populaçãoMaori (MIGNOLO, 2009, p. 14, grifos do autor).

No desenvolvimento do argumento de re-inscrição de novas categorias, Mignolo (2008)

apresenta uma definição descolonial de filosofiabastante interessante:

Desta forma, se no mundo moderno/colonial, a filosofia fezparte da formação e da transformação da história europeiadesde o Renascimento europeu por sua população indígenadescrita como os cristãos ocidentais, tal conceito de filosofia(e teologia) foi a arma que mutilou e silenciou raciocíniossimilares da África e da população indígena do NovoMundo. Por filosofia aqui eu entendo não apenas aformação disciplinar e normativa de uma dada prática, masa cosmologia que a realça. O que os pensadores gregoschamaram de  filosofia (amor à sabedoria) e os pensadoresaymara, de tlamachilia (pensar bem) são expressões locais eparticulares de uma tendência comum e uma energia emseres humanos. O fato de que a ‘filosofia’ se tornou globalnão significa que também é ‘uni-versal.’ Simplesmente

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significa que o conceito grego de filosofia foi assimilado pelaintelligentsia ligada à expansão imperial/colonial, aosfundamentos do capitalismo e da modernidade ocidental

(MIGNOLO, 2008, p. 298, grifos do autor).

 Justamente pela legitimidade “grega” dafilosofia que se operou o movimento de colonizaçãoepistêmica que está em toda civilização, validando oque e quem pode fazer filosofia18. Entretanto, o

argumento de Mignolo segue para outra direção, poistem a meta de evidenciar a política neoliberal deglobalização, ironicamente baseada na desfetichizaçãodo poder político e em uma organização econômicaque visa à reprodução da vida e não da morte e,também, uma distribuição justa da riqueza entre

muitos e a não acumulação de riqueza entre poucos.Além disso, o autor destaca um panorama econômicode quatrocentos anos da história da América do Sul edo Caribe por meio de uma organização interna eexterna. Interna através da resistência decomunidades afros e indígenas que sobreviveramcontrapostas à interferência europeia e, de outro lado:

18 “A metafísica ocidental é a fonte e origem de todo colonialismo”

(VIVEIROS DE CASTRO, 2009, p. 9). Essa frase do antropólogoViveiros de Castro aparece impactante no primeiro momento, masestá em conformidade com a tese descolonial que denuncia alegitimação da violência ocidental aos outros povos através doargumento de desenvolvimento racional. 

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Uma organização externa para lutar contra as infiltraçõesimperiais/coloniais nas suas cidades, na organizaçãoeconômica e social, nas culturas, nas terras e nas

organização econômica. Primeiro, em confronto comautoridades imperiais/ coloniais; em segundo plano, após a‘independência’ do estado-nação controlado pelos Creoles dedescendência europeia e mestiços com sonhos europeus;finalmente, e mais recentemente, em confronto com ascorporações transnacionais que dilapidam as florestas, aspraias e as áreas ricas em recursos naturais; e também em

confronto com os estados-nacionais que defendem o LivreComércio de acordo com os desígnios de Washington(MIGNOLO, 2008, p. 299, grifos do autor).

Desse modo, o que está em jogo dentro dessepanorama, ou seja, o que tal contexto tem

evidenciado, é uma tentativa de recessão da “etnialatina”, já que ser latino só interessa a identidades deorigem europeia:

[...] a latinidade diz respeito apenas à população ‘branca’ deascendência europeia. Não vejo por que a população deascendência africana teria que aceitar sua latinidade, em vezde sua africanidade. Da mesma forma, poderíamos falar emAmérica Africana em vez de Latina. E de América Indígena,em vez de Africana ou Latina (MIGNOLO, 2010).

Como consequência, “o que está acelerando eaumentando é o espectro variado dos projetos

indígenas e afros, em suas dimensões políticas eepistêmicas” (MIGNOLO, 2008, p. 299) e a, partir

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disso, comunidades afros e indígenas têm evidenciadodois pontos que lhe fundamentam:

(a) os direitos epistêmicos das comunidades afros eindígenas sobre os quais os projetos políticos e econômicosdescoloniais estão sendo construídos e um tópicodescolonial afirmado como diferença em similaridadehumana (por exemplo, porque somos todos iguais temos odireito a diferenças, como reivindicaram os Zapatistas);(b) sem o controle dos fundamentos epistêmicos daepistemologia afro e indígena, ou seja, de teoria política eeconomia política, qualquer reivindicação do Estadomarxista ou liberal se limitará a oferecer liberdade e impedirque indígenas e afros exerçam suas liberdades (MIGNOLO,2008, p. 299-300, grifos do autor).

Diante disso, especifica-se como o pensamentodescolonial representa o caminho, a formação de umapluri-diversidade como projeto global, visto que umEstado quando formado a partir de uma únicaidentidade, esquecendo-se da diferença,invariavelmente legitima um tipo hegemônico que

procurará regulamentar todos os demais. Para escaparde tal regulamentação precisa-se contrapor a históriahegemônica com a história à margem.

Tomando tais reflexões como mote para pensaro ensino da filosofia na educação brasileira, sobretudopor causa das implicações do eurocentrismo  na

construção do saber mundial, é relevante pensar aidentidade em filosofia entre um africano e um europeu.Esse é o tema do capítulo seguinte.

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CAPÍTULO 2O CONHECIMENTO DE FRONTEIRA OU A

FRONTEIRA DO CONHECIMENTO?

PRESENTE capítulo tomará como mote ascríticas realizadas sobre o eurocentrismo 

enquanto uma ideologia que deslegitima saberes quese encontram distanciados da sua compreensão. Além

do que, o ponto principal deste estudo diz respeito àinserção de uma filosofia não-eurocentrada (a filosofiaafricana) no currículo escolar da disciplina de filosofiado ensino médio. Assim, tendo como base a crítica dehierarquização de saberes e uma definição de filosofiaque a explique como uma produção humana e não de

um “povo”, os tópicos trarão as seguintesproblematizações: a distinção do entendimento acercada origem e concepção de filosofia entre pensadoresde tradições diferentes; a problematização do conceitoocidental de justiça tomando o referencial banto apartir do conceito de Ubuntu; a reflexão sobre o

método da Afrocentricidade e como pode ele auxiliarna interpretação de textos e eventos tendo comoprotagonista o próprio africano.

Explicado o caminho desse capítulo, o estudoinicia-se refletindo sobre a identidade em filosofia ecomo tal expressão ajuda na proposta deste livro.

O

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2.1 Identidade em filosofia: Towa e Heidegger

No final do capítulo anterior, o texto terminoucom a expressão identidade em filosofia. Ressalta-se quenão há a pretensão de refletir sobre a  filosofia daidentidade, mas sim refletir sobre o fato do agentecolocar-se na reflexão, isto é, como a formação daidentidade diz respeito à maneira em que o indivíduo

pensa a si mesmo como agente no mundo. Assim, seestabelece-se uma pergunta: compreendendo tambémque o indivíduo existe em sociedade, então há ummodo de reflexão na tradição africana quecorresponderia ao ato de filosofar? A resposta é sim,pela existência histórica de problemas de cunho

filosófico, pois desde o Egito antigo existem pessoasque formularam princípios morais e políticos para asociedade. Apesar disso, há uma tendência em ocultarou até mesmo em inferiorizar o conhecimento dessespovos através de um processo de rotulação como“saberes populares” de influências religiosas. Em

outras palavras, as sociedades africanas teriam sábiosou santos e não filósofos, uma vez que estes, para atradição ocidental, só foram possíveis em solo grego:

Se interpretássemos corretamente a vida inteira do povogrego, encontraríamos evidentemente apenas a imagem

refletida que irradia, com as cores mais brilhantes, de seusmais esplêndidos gênios. Até mesmo a primeira vivência dafilosofia ocorrida em solo grego, a sanção dos setes sábios,constitui a linha clara e inesquecível na imagem do mundo

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helênico. Outros povos têm santos, enquanto os gregos, por suavez, têm filósofos (NIETZSCHE, 2008, p. 36, grifos meus).

Entretanto, tal representação é combatidafortemente por vários estudiosos19, dentre eles, oegiptólogo congolês Theóphile Obenga (1990), queexplica como a vida intelectual era presente no Egitoantigo e como os escribas seriam aqueles que tinham o“ócio” para produzir um saber formulado emprincípios racionais:

Os escribas, ‘aqueles que escrevem’, sacerdotes ou não,todos esses que manuseiam as plumas, são a base dasociedade faraônica e constituem o fundamento mesmo doEstado: eles forjaram o pensamento egípcio e mantiveram,

durantes três milênios, os valores morais, intelectuais,culturais, espirituais, científicos, etc. da sociedade faraônica(OBENGA, 1990, p. 207).

Desse modo, não é difícil imaginar que umacivilização com uma produção intelectual intensa não

tenha ao menos dialogado com outras próximas e quetal diálogo não tenha influenciado também outras

19  No século XX ocorreu a “retomada histórica” do continenteafricano em que propiciou várias pesquisas que apresentariam acontribuição histórica do continente para a humanidade. Entre osvários pensadores destaca-se o senegalês Cheikh Anta-Diop que

pesquisou e levantou inúmeras teses sobre a influência africana nodesenvolvimento científico mundial, assim como, sobre a origemhumana no continente africano. Entre as suas obras vale citar:Nation Nègres et Culture  (1955) e Les fondements economiques etculturels d'un Etat federal d’Afrique (1960).

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civilizações como, por exemplo, a grega. Importantefrisar que a influência consistiu não somente noquesito moral ou político, mas também ontológico, jáque “[h]istoriadores(as) da filosofia ocidental insistemem afirmar que mesmo existindo textos que abordemquestões morais, nenhuma cultura teceu especulaçõesontológicas, aspecto nodal da filosofia que demarcariadefinitivamente a exclusividade grega” (NOGUERA,

2013, p. 147). Ao contrário, o Egito possuíacaracterísticas, incluindo arcabouço linguístico,condizentes com o ato de refletir:

O pensamento egípcio lançou a base mais importante para acriação de uma autêntica ontologia, a saber, os meioslinguísticos [...]. Há na língua egípcia dois verbos para ‘ser’,um dos quais (wn/n/ ) com dois particípios, designando o‘ente’ e ‘o que foi’, uma capacidade que o latim não possui.[...] O Egípcio diferencia com exatidão os verbos ‘ser’,‘tornar-se’, ‘viver’ (CARREIRA, 1994, p. 55 apud NOGUERA,2013, p. 147).

Diante desses aspectos, seria equivocada aafirmação de que a filosofia diz respeito a uma criaçãounicamente grega e, por conseguinte, europeia, porémnão é difícil encontrar vários pensadores que, ao fim,legitimem a relação originária entre a filosofia e aGrécia. Um exemplo é Heidegger, que na conferência

“Que é isto – a filosofia?” assim escreve: 

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A palavra  philosophia diz-nos que a filosofia é algo que pelaprimeira vez e antes de tudo vinca a existência do mundogrego. Não só isto – a philosophia determina também a linha

mestra de nossa história ocidental-europeia. A batidaexpressão ‘filosofia ocidental-europeia’ é, na verdade, umatautologia. Por quê? Porque a ‘filosofia’ é grega em suaessência, e grego aqui significa: a filosofia é nas origens desua essência de tal natureza que ela primeiro se apoderoudo mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver(HEIDEGGER, 2009, p. 17).

Nessa passagem Heidegger procura explicarpor qual caminho a filosofia possui uma história e estase imiscui com a sua própria origem. Uma origem queimplica na edificação do conhecimento europeu, poisGrécia e Europa seriam o mesmo na reflexão daquilo

que é . Isto porque, de acordo com Heidegger, apergunta o que é  possui uma história que consolida opensamento mais profundo do ser humano: afilosofia. Nessa perspectiva, o autor tende aargumentar que haveria uma base identitárianecessária a um povo para obter certo grau filosóficoe, por natureza, seria uma base grega. Assim, restariacomo opção aos outros povos vincularem seu modode produzir filosofia ao modo de pensar grego.Entretanto, Towa (2009) critica a “afirmaçãointrépida” de  Heidegger sobre equivalência entre a

Grécia e o Ocidente, pois disso se afirma que afilosofia possui uma essência histórica e qualquerdesdobramento necessita de uma volta ao período

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nascente da filosofia: a Grécia antiga: “Então, dasafirmações intrépidas, Heidegger não se dignou aprestar qualquer justificação. Filosofia e mundo gregopretendem apresentar uma identidade de essência.Mais precisamente, a filosofia reivindicada pelomundo grego” (TOWA, 2009, p. 14). Em consequênciaignora-se que há a possibilidade de haver diferençasentre modelos, por exemplo, europeus e africanos de

produção filosófica.É preciso ter em mente que o fazer filosóficonão consiste em um jogo etimológico de palavras, masem considerações sobre o mundo em seus princípios.Dessa forma, Towa avalia como tarefa do filosofarafricano contemporâneo “a subversão”: 

A história de nosso pensar não deve se propor à exumaçãode uma filosofia que nos dispensariam de filosofar, mas,acima de tudo, à determinação do que em nós é subversivopara que seja possível a subversão do mundo e da nossaatual condição no mundo (TOWA, 2009, p. 75).

Precisamente pela subversão é que consiste amaneira de como o pensamento guia-se naperspectiva pluriversal, isto é, o significado de ummesmo conceito reproduzido a partir de diversasperspectivas. O primeiro tipo de subversãoapresentado por Towa (2009) diz respeito à origem dafilosofia. O autor faz parte da geração da década de1970 que critica a noção de “milagre grego” e destacaa Grécia antiga como a “irmã mais jovem” (FOÈ, 2013,

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p. 200) do Egito antigo e esta tendo em muitosaspectos a reprodução de princípios já alicerçadosentre os pensadores egípcios20. Além disso, essaperspectiva propõe apresentar a filosofia como umdiscurso muito antes nômade e bastante interlocutórioentre diversos pensadores em suas culturas. Um dosexemplos é a relação entre Grécia e Egito que pormuito tempo este último fora tratado pelos

pensadores gregos como um lugar para desenvolversuas ideias: “é verdade que Pitágoras passou 20 anosno Egito, Platão 13, Demócrito 5, etc. É quase certoque eles tiveram que dominar o egípcio durante suaestadia” (TOWA, 2009, p. 72).

Outra subversão consistiria na ampliação do

termo filosofia que corresponderia, no caso dosafricanos, a uma extensão da cultura que reenvia aosagentes a própria conjuntura e experiência vivida:

Em realidade, a vontade de presença como filosofia dosmodos de pensamentos considerados como especificamente

africanos precede e explica a diluição da filosofia na cultura,e não o inverso (TOWA, 2009, p. 29).

Por isso, o contraste entre a filosofia africana eeuropeia parte da posição dualista natureza-culturaque atua no pensamento da maioria dos filósofos

europeus e enquanto para os africanos há um

20  Sobre a contribuição do Egito para Grécia antiga conferir:BERNAL (1991); JAMES (2009).

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monismo de maneira que as partes comunicam-se eestão reunidas em uma estrutura que, em “linhasgerais, nada são mais do que a filosofia negro-africanaem sua especificidade” (TOWA, 2009, p. 27). 

Em contrapartida, Heidegger ratifica suaposição eurocêntrica da filosofia em queexplicitamente une Ocidente e Europa: “A frase: afilosofia é grega em sua essência, não diz outra coisa

que: o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, namarcha mais íntima de sua história, originariamente‘filosóficos’” (HEIDEGGER, 2009, p. 18). Nãoobstante, na leitura dos escritos que formam oconjunto de textos Das Ereignis  [Acontecimentoapropriativo], Heidegger surpreende com uma

distinção entre o que seria o Ocidente e o que seria aEuropa.

Primeiramente, o Ocidente para Heideggerdetém um caráter mais ontológico e afasta-se dequalquer determinação cultural, pois o autor indica oOcidente como aquele lugar em que o ser esquecido é

rememorado e possibilita que seja experimentado semser dominado pelo ente. Isto quer dizer que apossibilidade de abertura trazida pelo Ocidente é quepermite posicionar o humano mediante a experiênciado ser e do mundo:

O Ocidente alcança agora pela primeira vez os traçosfundamentais de sua verdade histórica: a terra do poente. Opoente é a noite ao final do trabalho como a noite anterior

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aos festejos, é a consumação do dia do primeiro início, é achegada do crepúsculo e do começo da noite como transiçãopara o outro dia do outro início. O outro início, contudo, só

é o propriamente inicial do início uno. O poente é a chegadadas primícias do dia anterior da festa. O Ocidente (a terra dosol poente) é a terra que só se limita a partir de tal chegadado outro início (HEIDEGGER, 2013, p. 101, grifo do autor).

Porém, se a nova ontologia consiste naratificação do Ocidente como sua forma maisprimordial, a terra do poente, então é questionável sea nova ontologia compreenderá a multiplicidade demundos, ou nela ainda manifestará apenas ummundo humano. A resposta aparece quandoHeidegger escreve: “O outro início, contudo, só é o

propriamente inicial do início uno” (HEIDEGGER,2013, p. 101). Isto porque o uno  diz respeito, paraHeidegger, à união entre ser e pensar descrito porParmênides: “Nos primórdios do pensamento, muitoantes da identidade se formular em princípio, fala elamesma, e precisamente, através de um dito que

dispõe. Pensar e ser têm lugar no mesmo e a partirdeste mesmo formam uma unidade21” (HEIDEGGER,2006, p. 41); dessa maneira, o Ocidente continuariasendo o lugar em que o outro início aindacontemplaria somente um modo de pensar o ser.

21  Para uma contraposição acerca do Uno  enquanto a unidade deSer e Pensar de Parmênides conferir o ensaio de Pierre Clastres(2003): Do um sem o múltiplo.

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Em relação à “Europa”, Heidegger apontaseveras críticas, visto que ela indicaria muito maisuma expressão cultural do que ontológica: “OOcidente (a terra do sol poente) não pode serdeterminado ‘de maneira europeia’; a Europa será umdia um único escritório, e aqueles ‘que trabalham juntos’ serão os empregados de sua própriaburocracia” (HEIDEGGER, 2013, p. 105). Nesse

quesito, pode-se entender uma antevisão por parte doautor da condição atual do mundo, que por mais quea Europa não influencie culturalmente o mundo comoséculos anteriores, a questão da burocracia é algo queé real e aparenta ter um fim distante.

Partindo desses pontos, é válido interrogar se o

eurocentrismo  que aparece na filosofia heideggerianaseria mais um efeito de uma posição localizada nabiografia do autor, do que uma construção intelectualque surge da própria obra. Apesar de Heideggercriticar o europeu como preso ao campo ôntico e, emdecorrência, tanto o russo quanto o japonês podem ser

europeus, não se pode deixar de analisar o seguintetrecho da entrevista à revista “Der Spiegel”, em 1975.Neste trecho o eurocentrismo apareceria  paraHeidegger como forma radical de manter o germânicocomo protagonista do mundo:

Spiegel: É precisamente no mesmo ambiente em que omundo tecnológico teve origem, que ele, a seu ver, tem de…

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Heidegger: … ser transcendido [aufgehoben] no sentidohegeliano do termo, não posto de parte, mas transcendido,ainda que não só através do homem.

S: Atribui aos alemães, em particular, uma tarefa especial?H: Sim, no sentido do diálogo com Hölderlin.S: Acredita que os alemães estão especialmente qualificadospara esta inversão?H: Tenho em mente, sobretudo a relação íntima da línguaalemã com a língua dos gregos e com o pensamento deles.Hoje, os franceses voltaram a confirmar-me isso mesmo.

Quando começam a pensar, falam alemão, sendo certo quenão o conseguiriam fazer na sua própria língua(HEIDEGGER, 2000, p. 679).

Dessa forma, a diferenciação que Heideggerutiliza entre Europa e Ocidente pode ser pensada

como outra formulação da diferença ontológica, já quea Europa pertenceria a uma relação ôntica entre asculturas, enquanto o Ocidente abarcaria o ontológicodo outro início. Porém, como o outro início permanecereferido à aurora do primeiro início, ou seja, à Gréciaantiga, Heidegger ainda permanece em uma

perspectiva geopolítica excludente, conforme analisaMaldonado-Torres (2008, p. 342): “A geopolítica deHeidegger é uma política baseada na relação íntimaentre o povo, a sua língua e a sua terra. A geopolíticaé, simultaneamente, uma política da terra e umapolítica de exclusão”. Com isso, pode-se dizer que

Heidegger não escapa de um essencialismo cultural,no sentido da análise crítica de Towa, que perceberiana distinção heideggeriana Ocidente e Europa ainda

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privilegiando um modo de pensamento, que impedequalquer outra possibilidade, pois o “esforço doessencialismo culmina com a construção de umsistema universal e repousa sobre os princípiosabsolutos, articulados e hierarquizados em tudo o queexiste ou pode existir” (TOWA, 2009, p. 116). 

Ainda mais porque essa característica doessencialismo cultural seria específica dos pensadores

europeus, na tentativa de expor uma homogeneidadeem que procura desaparecer com qualquer diferençadiante de uma unidade mesmo que invisível:

Todas essas teorias, o mundo das ideias de Platão, asenteléquias de Aristóteles, o inatismo cartesiano, oformalismo kantiano, o estruturalismo de Lévi-Straussaparecem, do ponto de vista em que colocamos aqui, comovariantes de um mesmo tema: a realidade verídica, denatureza abstrata, tem uma existência imutável, masinvisível (TOWA, 2011, p. 184).

Com a apresentação da diferença de construção

da ideia de filosofia em diferentes tradições, nessaseção foram apresentados elementos sobre diferentesmaneiras de refletir acerca da filosofia. E, partindo dacrítica ao eurocentrismo  como ideologia, assinalou-seuma limitação e não uma ampliação da compreensãode mundo, principalmente porque a partir de uma

análise histórica de textos, este livro conduz para umaposição de pensamento que tem o projeto de afastar-

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se de um tipo hegemônico e requerer uma “iniciativahistórica” pela margem do conhecimento filosófico. 

2.2 O conceito Ubuntu de justiça

A “iniciativa histórica” 22 é possível a partir dediferentes meios. O escolhido nessa obra é a reflexão apartir da filosofia africana. E para tanto este tópico se

concentrará sobre o conceito de justiça desenvolvidopelo filósofo sul-africano Mogobe Ramose (2002), queo correlaciona ao conceito de ubuntu. Ramose (2001)identificou a ideia de justiça presente no ubuntu, como intuito de repensar tanto a questão de justiça quantoa dos direitos humanos, porque ubuntu  apresenta o

indivíduo associado a uma coletividade que não serestringe a relações humanas, mas também, eprincipalmente, com a natureza e a sobrenatureza.Com isso, há uma exigência  de busca pelo equilíbrioentre aqueles que fazem a comunidade, de maneira

22

 Aimé Cesáire formulou esta expressão no sentido de apontar apossibilidade da saída da África da opressão colonial: “pode

imaginar-se que o povo colonizado a possa reconstituir  eintegrar as suas novas experiências e, assim, criar novas riquezasno quadro de uma nova unidade, uma unidade que já não será aunidade antiga, mas que será, todavia, uma unidade. Seja. Masque se diga claramente: Isto é impossível sob o regime colonial,

porque só se pode esperar tal mistura, tal remistura de um povo,quando este conserva a iniciativa histórica; dito de outro modo,quando este povo é livre. O que é incompatível com o

colonialismo”. (CESAIRE, 2011, p. 269). 

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que o racismo da colonização aparece como uma“ferida” que problematiza o equilíbrio entre humanoscomo algo que perdura em busca de uma “justiçahistórica”. Ressalva-se que neste estudo o termo“justiça histórica” tem relação com a lei ubuntu.

No entanto, pode-se questionar em que medidahá a necessidade de uma concepção de justiça comraiz africana e qual a diferença em seus aspectos em

relação ao modo que o Ocidente formula o conceito,considerando, inclusive, que no processo decolonização grande parte dos colonizadorescompreendiam a não existência da ideia de justiça nassociedades africanas. Para o desenvolvimento daresposta, esse tópico inicia com a discussão de

Ramose que articula o conceito banto de ubuntu com atemporalidade, evidenciando que as feridas dopassado da colonização continuam implicando nas“cicatrizes do futuro”. Dentre essas cicatrizes estariamas diversas manifestações do racismo que, mesmo sobdiferentes facetas, continuam a desumanizar os povos

africanos.A colonização europeia não compreendia a

existência de uma justiça nas comunidades africanas.De tal maneira, atribuía certas normas com a tentativade controlar o que lhe aparecia como sem ordem(RAMOSE, 2001). Entretanto, Ramose explica aexistência de uma relação intrínseca entre a justiça e alei, que é adotada por meio da interpretação ubuntu de lei. Antes de adentrar na forma de atuação do

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conceito, é necessário explicar que a palavra ubuntu,como descreve o filósofo, é dividida em dois termos – o prefixo ubu e a raiz ntu – o prefixo refere-se à ideiade ser em geral, isto é, possui uma conotaçãoontológica, enquanto que a raiz da palavra  concerneao ponto nodal, em que o ser assume uma formaconcreta em um processo de evolução, aproximando-se do nível epistemológico. Desse modo, Ramose

explica que ubu  sempre precede ntu, porémacontecem mutuamente por constituir aspectos do sercomo uma unidade e um todo indivisível: “Emconsequência, ubuntu  é a categoria fundamentalontológica e epistemológica dentro do pensamentoafricano dos povos que falam bantu” (RAMOSE, 2001,

p. 2, grifos do autor). Então, de que maneira a lei éconcebida através do ubuntu?

Primeiramente, deve-se entender que aestrutura de uma comunidade tradicional africana,que segundo descreve o autor, integra-se por meio deuma tríade: os seres vivos, os mortos viventes (as

forças sobrenaturais) e os que ainda não nasceram.Diante disso, há uma interação entre o presente, opassado e o futuro. De acordo com Ramose “estaestrutura metafísica assegura a comunicação entre ostrês níveis do ser” (RAMOSE, 2001, p. 2) e a referênciaa estas forças constituem a base da lei africana quepropõem restabelecer a harmonia e promoverem amanutenção da paz. Entretanto, apesar da justiça serdeterminada pelos “mortos viventes”, ela se declara

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para os seres vivos como aqueles que exercemautoridade, já que a aplicação da justiça não estácentrada nas forças sobrenaturais e sim no mundo dosseres vivos e, somente depois, para aqueles que aindanão nasceram. “Desse modo, a aplicação de justiça dáprimazia ao mundo concreto, ao mundo dos seresvivos. Em tal sentido diverge do pensamento legalocidental que aparentemente dá mais importância ao

abstrato” (RAMOSE, 2001, p. 3).Em segundo lugar, apesar de ser ligada àmoralidade, a lei ubuntu é razoável e flexível, uma vezque a flexibilidade diz respeito a uma leidescentralizada porque não se concentra em um únicoaspecto do ser humano como, por exemplo, Kant

propõe sobre a razão, ou Sartre que se sustenta naliberdade. Por isso, Ramose explica que o sujeito legalnão pode ser o centro da lei. Isso não inviabiliza aimportância do sujeito legal à lei, mas que “o sujeitolegal é a negação ativa de uma necessidade efinalidades falsas e abstratas que se reivindicam como

a verdade da lei [quando] a lei consiste em regras decomportamento que estão contidas no fluir da vida”(RAMOSE, 2001, p. 3). E por causa dessa mudançacontínua na vida, a lei ubuntu  impossibilita umadecisão antecipatória em certas regras legais queaparecem como um direito irreversível e comexistência permanente. Portanto, a lei ubuntu  seriauma dinamologia, isto é, uma mudança contínua dabusca de justiça com o intuito de estabelecer um

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equilíbrio. Não obstante, o equilíbrio não seria afinalidade, e sim o meio para aplicação da justiça.Desse modo, a lei enquanto uma experiência de vidacontínua não impõe uma finalidade.

A partir disso, Ramose define a base da leiubuntu  por meio da ação da comunidade,diferenciando essa postura da forma prescritivaestabelecida por uma ação individual:

A prescrição é desconhecida na lei africana. Os africanosconsideram que o tempo não pode mudar a verdade. Assimcomo a verdade deve ser levada em conta cada vez que aconhece, não se pode colocar nenhum obstáculo no caminhode sua busca e descobrimento. É por esta razão que asdecisões judiciais não são autoritárias. É preciso que sempre

possam ser questionadas (RAMOSE, 2001, p. 3).

Em consequência, conforme a lei africana, umainjustiça que perdura na memória histórica dosprejudicados não desaparece simplesmente com opassar do tempo: “Uma dívida ou uma disputa não se

extingue jamais até que restabeleça o equilíbrio,apesar de terem passadas várias gerações”  (MBAYE,1979, p. 174 apud RAMOSE, 2001, p. 4).

Tomando tais perspectivas no sentido de darcontinuidade às reflexões propostas neste estudo, énecessário abordar a questão de como o racismo

colonial seria uma injustiça que a lei africana doubuntu  procuraria recolocar o equilíbrio por meio da

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 justiça histórica, restabelecendo a dignidade dosgrupos oprimidos.

Inicialmente, é necessário ponderar,concordando com Foé (2013), que o racismo não éhomogêneo, mas há uma dicotomia histórica, a dooprimido e do opressor, pois o racismo aparece não sóde ordem moral, mas também de ordem estratégica  eideológica. Estratégica no sentido de deslegitimar a

ação de um grupo humano enquanto ausente depadrões racionais; ideológica por naturalizar atitudeshierárquicas entre os diferentes grupos humanos.Dessa maneira, “o racismo dos vencidos e dosoprimidos aparece como um grito de sofrimento, umalarme, uma queixa ou um clamor de revolta contra

os opressores” (FOÉ, 2013, p. 205). Em relação aoclamor de revolta verifica-se a presença de duascondições: impor o reconhecimento da suahumanidade e vingar-se das humilhações sofridas.

O mais importante aqui se trata da procura dereconhecimento de humanidade, já que ela desaparece

à medida que o oprimido não se enquadra no aspectonormativo determinado por um pronome eu, porque oopressor olha-o e fala: eu  sou a humanidade. Talhumanidade, conforme a análise de Ramose, estáfundada na definição aristotélica de animal racional,em que o humano seria aquele que detémracionalidade e, por conseguinte, obteria a afirmaçãode si perante os outros animais de aparência nãohumana. Embora, conforme análise de Ramose, o

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racismo tem a característica de identificar como nãohumano aquele de aparência humana:

A definição de Aristóteles de ‘homem’ como um animalracional formou a base filosófica para o racismo no Ocidente.Para poder ser considerado como um ser humano, eranecessário ser racional. O colonizador encontrou nocolonizado uma impressionante semelhança em certos traçosfisiológicos. Ao mesmo tempo, teria diferenças físicasdiscerníveis. Estas foram usadas como motivo para excluir o

colonizado da categoria de humano. Afirmou-se que ocolonizado não foi e nunca tinha sido um ser humano porquecarecia de racionalidade. Nem a razão nem a racionalidadeformavam parte de sua natureza, embora se exibisse comohumano na aparência. O selo do racismo, portanto, é aafirmação de que outros animais de aparência humana nãosão verdadeiramente e plenamente humanos (RAMOSE,2009, p. 4).

Com isso, o processo de colonização possuiuum ideal de transmitir “humanidade” para  povosprimitivos. Contudo, essa intenção transforma o outro em objeto e dá consentimento para escravizá-lo:

A colonização baseou-se na ideia de que os africanos nãoeram seres completos. De acordo com essa ideia, osafricanos estavam desprovidos de raciocínio e, portanto, nãopodiam ser qualificados como humanos. Sobre esta base, acolonização assinou unilateralmente a tarefa de civilizar ecristianizar (RAMOSE, 2011, p. 4).

Imbuído dessa tarefa, o colonizador constrói asua ideia através da subjugação, opressão eescravização dos colonizados, cuja história foi escrita

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por outrem e, por causa dessa construção históricaheterônoma, estabeleceu-se a dificuldade de apagarpor completo os efeitos desumanos do racismo, sejapela descolonização seja pela abolição da escravatura.Principalmente, porque como Ramose argumenta, aconquista do colonizador é fundada em retirar a lei, amoralidade e a humanidade dos conquistados paraatribuir-lhes a concepção colonial de tais conceitos.

Por isso, o colonizador não deve possuir soberaniasobre povos nativos, já que tal “prescrição resultainconsistente em vista da filosofia jurídica dos povosnativos conquistados” (RAMOSE, 2001, p. 9). 

Para uma extinção da dicotomia colonizador-colonizado seria necessário, primeiro, renunciar ao

direito sobre o território do colonizado e à soberaniasobre ele. Evidentemente isso não implicaria em umaigualdade das condições em termos materiais, antesprecisaria da restituição e do restabelecimento da justiça histórica:

A justiça como equilíbrio apareceria, sobre esta base, comouma premissa aceitável para reatar a constituição. Se seelimina o elemento da responsabilidade, então a justiçacomo conceito e experiência torna-se totalmente vazia designificado (RAMOSE, 2001, p. 9).

Partindo da questão do racismo colonial,Ramose escreve que como o ubuntu  teria umarcabouço ontológico e o racismo requer uma justiçahistórica, então é válido propor uma lei por meio da

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dinamicidade do ser, isto é, “ubu como o mais amplo egeneralizado ser se-ndo, está profundamente marcadona incerteza, por estar ancorado na busca decompreensão do cosmos como uma luta constantepela harmonia” (RAMOSE, 2009, p. 135). Assim, oautor propõe uma filosofia dos direitos humanosubuntu, que está sustentada por dois aforismos: a) Motho ke motho ka batho, isto é, ser humano é afirmar a

própria humanidade reconhecendo a humanidadedos outros; b) Feta kgomo o tshware motho,  isto é, seuma pessoa enfrenta uma escolha decisiva entre ariqueza e a preservação de vida de um ser humano,ela deve sempre optar pela preservação da vida.

Tais aforismos, de acordo Ramose, são

contrapontos essenciais para o que atualmenteconfronta-se na globalização, pois uma dasconsequências da globalização constitui-se numparadoxo entre criar e demolir fronteiras. Fronteirasnão localizadas somente aos âmbitos físicos egeográficos, mas também culturais e intelectuais. Em

consequência dessa fronteira ocorre uma distinçãoentre “nós” e “eles” que Ramose percebe comoilegítima, o que o faz propor uma interrogação:

Se raciocinar e agir sobre as bases da fronteira já existentesou daquelas a-serem-estabelecidas diz respeito à realidade

do ser-humano-no-mundo, é possível encontrar umargumento para validade e aplicabilidade do raciocíniocircunscrito que possa justificar a divisão ‘nós’ e ‘eles’ entree no meio de seres humanos? (RAMOSE, 2009, p. 137).

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Se a resposta fosse sim, o argumento só seriapara construir novas fronteiras, que tem comofinalidade a reivindicação à posse e à propriedadeexclusiva, como também a reivindicação ao direito e àcompetência única para decidir e exercer controlesobre uma área circunscrita.

Porém, para Ramose a globalização não seriasomente um fenômeno ocidental, e sim um efeito da

própria colonização, pois esta retirou a soberania daspopulações nativas com o intuito de fortalecer osavanços ideológicos dos dominadores e explicitou adisparidade econômica de grupos marginalizados queperduram na subsistência (RAMOSE, 2009, p. 153).Dessa maneira, “os marginalizados sendo vítimas de

exclusão questionam cada vez mais ativamente, quero direito da globalização capitalista de excluí-los, quera situação de injustiça que resulta da sua própriamarginalização” (RAMOSE, 2009, p. 154). 

Acompanhando a crítica de Ramose sobre aglobalização, a análise de Stuart Hall (2006) é fortuita

por ter como perspectiva o problema da etnia. Porquehá a construção de dicotomias até então ausentes dereflexão como, por exemplo, o global e o local. Nessadiferenciação há um reaproveitamento de identidadeslocais para serem usadas na lógica da globalizaçãoque é “uma ‘fantasia colonial’ sobre a periferia,

mantida  pelo  Ocidente e que tende a gostar de seusnativos apenas como ‘puros’ e de seus lugaresexóticos apenas como ‘intocados’” (HALL, 2006, p. 80,

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grifos do autor). Diante disso há uma separação entreo “Ocidente e o Resto”, que simboliza a globalizaçãoainda como uma ocidentalização: “Uma vez que adireção do fluxo é desequilibrada, e que continuam aexistir relações desiguais de poder cultural entre o‘Ocidente’ e o ‘Resto’, pode parecer que a globalizaçãoseja essencialmente um fenômeno ocidental” (HALL,2006, p. 78).

E naquilo que ainda pode-se dizer sobre afilosofia dos direitos humanos, o exercício depensamento por meio do ubuntu  revela “umaantecipação do ser, tendo a possibilidade de assumirum caráter específico e concreto num dado ponto dotempo” (RAMOSE, 2009, p. 137) e com

potencialidades ocultas realizadas na esfera práticadas relações humanas. Além do que, conformedestaca Ramose, a filosofia ocidental dos direitoshumanos parte do princípio de que o ser humanoindividual é o principal critério de valor e os direitossão agregados contingencialmente, enquanto a

concepção africana sublinha a ideia do ser humanocomo uma totalidade e seus direitos asseguradoscomo tal.

Portanto, com a interpretação de justiça edireitos humanos através do ubuntu  promoveu-seuma orientação de conceitos filosóficos para aperspectiva africana, que é similar a uma correntecontemporânea que procura recolocar o africano como

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protagonista da própria história. Denomina-se talcorrente de Afrocentricidade.

2.3 Aspectos do afrocentricidade

Após contrapor definições de filosofia entreTowa e Heidegger e apresentar uma breve descriçãode como o conceito banto de ubuntu  elabora um

conceito filosófico de justiça que analisa como seconfigura o racismo colonial, a proposta nessa seção éde articular um método que possibilite a inserção dopensamento africano na grade curricular na disciplinade filosofia. Para isso, esse tópico descreverá aAfrocentricidade como método que insere como

protagonista aquele que estava à margem doconhecimento, quer dizer, da geopolítica doconhecimento.

Inicialmente, destaca-se o surgimento daAfrocentricidade por meio do livro  Afrocentricidade,do afro-americano Molefi K. Asante (1980). Mas o

conceito consolidou-se através da publicação dasobras A ideia afrocêntrica (1987) e Kemet, afrocentricidadee conhecimento (1990). Entretanto, a guadalupana AmaMazama (2009) lembra que o surgimento daAfrocentricidade não adveio de mera espontaneidade,mas contém uma história implícita ao próprio

conceito. Com isso, a autora destaca que “aafrocentricidade integrou os maiores princípios devários sistemas filosóficos tanto cronológica quanto

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logicamente. Tais princípios são os alicerces sobre osquais a afrocentricidade se construiu e funcionamcomo premissas básicas” (MAZAMA, 2009, p. 118): afilosofia de Marcus Garvey23, o movimento daNégritude24, o Kawaida25  e a historiografia de CheikhAnta-Diop. Diante desse alicerce, o presente estudoapresentará brevemente as principais característicasda Afrocentricidade como forma de propor elementos

para auxiliar na construção de um currículo dafilosofia do ensino médio condizente com osprincípios do Art. 3º, inciso III da LDB: “pluralismo deideias e de concepções pedagógicas” (BRASIL, 2006). 

Com isso, destaca-se que a palavra método nãose dilui na concepção cartesiana e nem nas possíveis

concepções que se pode retirar da filosofia

23 Marcus Garvey (1887-1940) foi um ativista jamaicano que tinhacomo uma das premissas a necessidade de olhar o mundo “atravésdos nossos próprios óculos”, isto é, interpretar os fenômenos apartir da própria africanidade.24

  O movimento da Negritude consistiu em ação étnica-racial demaneira a valorizar os aspectos da cultura africana em diferentesâmbitos artísticos. O termo Negritude originalmente foi expostopor Aimé Cesaire, em 1935, na terceira edição da revista Oestudante negro,  porém foi popularizado na poesia do senegalêsLeopold Senghor. Ver mais em MUNANGA (2012).25  Kawaida  consiste em uma Filosofia Africana comunitáriadesenvolvida por Maulana Karenga, um ativista do US

Organizations, uma das maiores organizações de luta negra nasdécadas de 1960. Assim, Kawaida  é uma palavra do grupolinguístico Swahili que significa “tradição”, mas o termo vemsignificar uma síntese da tradição, razão informada e desenvolvidana prática.

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contemporânea europeia26, mas aqui método pode sersubstituído por posição, ou melhor, lugar . Desse modoexige-se refletir sobre o lugar em que o agentepensado situa-se e se ele está como protagonista oucomo coadjuvante da história. Porque, conformecomentário de Asante, os africanos atuamfrequentemente na margem da experiênciaeurocêntrica e para reorientá-las ao centro deve-se

compreender que a Afrocentricidade tem a seguinteposição:

 Afrocentricidade é um tipo de pensamento, prática e perspectivaque percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenosatuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com seus

 próprios interesses humanos (ASANTE, 2009, p. 93, grifos do

autor).

A partir dessa compreensão é possível elencaros aspectos primordiais para atuação daafrocentricidade. O primeiro concerne à“conscientização”. Isto quer dizer que para colocar os

africanos novamente no centro da própria história éprimordial fornecê-los a consciência de que eles não

26 Um método que influenciou e continua predominante na filosofiaacadêmica brasileira é o estruturalismo. Com a leitura estruturalexige-se que ao se ler um texto, o pesquisador desvincula-se do

contexto em que está inserido para, assim, obter a compreensãoideal do texto. Diante desses aspectos, nota-se a distância total emrelação à afrocentricidade que exige uma interpretação a partir dalocalidade do agente, este tanto o pesquisador quanto o objeto depesquisa.

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são um “fantoche de um senhor” que regula as ações eas palavras, e sim que possuem uma capacidade dediálogo e protagonismo como qualquer outro povo.Por isso, “Afrocentricidade é a conscientização sobre a

agência dos povos africanos”  (ASANTE, 2009, p. 94,grifos do autor) com o intuito de rebater a falta deconsciência não apenas da opressão aos africanos, mastambém das vitórias possíveis.

Perante a conscientização decorre, de acordocom Asante, a “agência” e seus “agentes”, ou seja, um“agente  é um ser humano capaz de agir de formaindependente em função dos seus interesses. Já aagência  é a capacidade de dispor dos recursospsicológicos e culturais necessários para o avanço da

liberdade humana” (ASANTE, 2009, p. 95, grifos doautor). Entretanto, há discursos em que o africano édescartado como ator ou protagonista em seu própriomundo. A partir disso surge a “Desagência”, queprovoca o ocultamento de personagens principais àhistória, que em grande parte são negados pelo

sistema de dominação racial branco e promove umadestruição da personalidade espiritual e material dapessoa africana. Com isso, Asante escreve que o“emprego da afrocentricidade na análise ou na críticaabre caminho para o exame de todos os temasrelacionados ao mundo africano” (ASANTE, 2009, p.95). Além disso, o cerne da proposta afrocentrada éque não há dogmatismo, isto é, não há sistemas

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fechados que sejam impossibilitados de discussão edebate.

Tendo descrito a conscientização e a agênciados africanos nos mecanismos da própria história,Asante apresenta o que seriam algumas característicaspara um projeto afrocêntrico:

1) interesse pela localização psicológica; 2) compromissocom a descoberta do lugar do africano como sujeito; 3)

defesa dos elementos culturais africanos; 4) compromissocom o refinamento léxico; 5) compromisso com uma novanarrativa da história da África (ASANTE, 2009, p. 96).

A exposição dessas características tem o intuitode afastar uma má interpretação da afrocentricidade

enquanto proposta de somente modificar a posiçãohierárquica do mundo: da Europa para África. Aocontrário, o propósito da análise afrocentrada dizrespeito à tomada de consciência da posição históricaafricana no mundo. Diante disso, as característicasdestacadas por Asante necessitam de elucidação,

conforme será destacado a seguir.Interesse pela localização psicológica: como já

destacado anteriormente, a localidade é fundamentalpara o afrocentrista, pois a análise de um pesquisadorou pesquisadora com frequência relaciona-se com oscontextos e as experiências vividas. Por isso, Asanteexplica que a perspectiva é fundamental para localizaraquele que se coloca como agente da história, vistoque “[l]ocalização refere-se ao lugar psicológico,

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cultural, histórico ou individual ocupado por umapessoa em dado momento da história” (ASANTE,2009, p. 96). Inclusive, entender a localização dealguém consiste em saber se essa pessoa está em umlugar central ou marginal a sua cultura.

A descoberta do lugar do africano comosujeito: consequente à primeira característica, oafrocentrista, conforme descreve Asante, está

envolvido na descoberta do lugar e ponto de vista dosafricanos que historicamente tiveram osacontecimentos vistos e pensados conforme o pontode vista europeu. Por isso o compromisso doafrocentrista em encontrar o lugar do africano comosujeito em todo evento, texto e ideia. Entretanto,

mesmo ciente da dificuldade em expor as implicaçõesque estão ocultas em diferentes lugares tanto textuaisquanto intelectuais, ainda assim “devemos ter ocompromisso de descobrir onde uma pessoa, umconceito ou uma ideia africanos entram como sujeitosem um texto, evento ou fenômeno” (ASANTE, 2009,

p. 97).Defesa dos elementos culturais africanos: 

aqui, o importante diz respeito à necessidade dointelectual ter uma avaliação nítida do elementocultural africano em questão. Porque o afrocentrista,de acordo com o autor, compreende a contribuição às

ciências e às artes feitas pelos africanos, pois não “sepode assumir uma orientação voltada para a agênciaafricana sem respeitar a dimensão criativa da

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personalidade africana e dar um lugar a ela”(ASANTE, 2009, p. 97). Entretanto, não se sugere quetodas as produções africanas tenham utilidade e sejambenéficas em si mesmas, mas entender como elasrepresentam a criatividade humana, não necessitandorecorrer a interpretações eurocêntricas ou “não-africanas” para oferecer legitimidade. 

Refinamento léxico: na compreensão dos

elementos culturais africanos o trato do uso depalavras de maneira que representem a vivênciaafricana é requerido em sua importância. Atento aisso, o afrocentrista propõe o protagonismo africano.Asante recorre a um exemplo do uso da palavra“choupana” referindo-se a uma casa africana. De

acordo com o autor isso é um erro, já que não seconsidera a forma como os africanos interpretam oconceito de moradia, que relacionado a um europeu étotalmente diferente. Porque a parte da casa em querealiza as refeições não necessariamente é a mesmaem que se recebem as visitas, devido ao fato de que a

relação do comer apresenta-se como sagrado efundamental para interação familiar. Por conseguinte,a presença do visitante não implica nocompartilhamento do lugar. Assim, para avaliar asideias culturais africanas é fundamental o uso dalinguagem não eurocêntrica:

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Desse modo, o afrocentrista autêntico busca livrar-se dalinguagem de negação dos africanos como agentes na esferada história da própria África. As referências à África e aos

africanos na educação ocidental reduziram os africanos àcondição de seres indefesos, inferiores, não-humanos, desegunda classe, como se não fizessem parte da históriahumana e fossem, em algumas situações, selvagens(ASANTE, 2009, p. 98).

Portanto, o pensamento afrocêntrico engaja-sena correção do uso de linguagem que não representa avivência africana e a direciona a um modo de verdominante.

Nova narrativa da história da África:  Diantedessas características para um projeto afrocêntrico,

Asante chega ao que seria a principal característicapara um intelectual afrocêntrico: repensar a posiçãoda África na história humana, devido ao fato de queusualmente intelectuais eurocêntricos colocaram ocontinente africano em um lugar inferior em qualquercampo de pesquisa. Para Asante essa ação origina-se

de duas posições: a marginalização literária africana, já que há um cânone do conhecimento ocidental quese presume universal; e mesmo na presença de textosque enaltecem a África (por exemplo, de gregosantigos), os tradutores fatalmente rebaixaram ainfluência que o continente teve na produção

“europeia” de conhecimento. A segunda posição foiimpulsionada sobretudo a partir da conquistanapoleônica do Egito, que permitiu o surgimento de

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um novo ramo da ciência humana: a egiptologia. Deacordo, com Asante, quando Champollion decifrou oshieroglíficos e tinha ali explicitamente a contribuiçãointelectual do Egito para a humanidade, rapidamentehouve um desmonte da africanidade egípcia. E com orio Nilo ocorreu a maior de todas as falsificações, jáque como escreve Asante:

O único rio do continente africano que se tornou parte da

experiência europeia foi o Nilo. Foi como se a Europa otivesse retirado da África, mililitro por mililitro, paradespejá-lo na paisagem europeia. Todas as contribuiçõesafricanas do vale do Nilo se tornaram contribuiçõeseuropeias, e a Europa deu início à tarefa de confundir omundo quanto à natureza do antigo Egito (ASANTE, 2009,p. 100).

Desse modo, a contribuição de Cheikh Anta-Diop é primordial para a afrocentricidade, já que eledemonstrou a veracidade do argumento da origemafricana da civilização humana e também destacando

a pele escura dos antigos egípcios. Com isso, Asanteescreve três argumentos principais defendidos porDiop que ajudam modificar a forma de enxergar omundo antigo:

O primeiro deles é que a Grécia antiga tinha uma grandedívida para com os africanos. Com efeito, Platão, Homero,

Deodoro, Demócrito, Anaximandro, Sócrates, Tales,Pitágoras, Anaxágoras e muitos outros gregos estudaram eviveram na África. A outra parte desse argumento é que os

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egípcios eram africanos de pele negra, como provam osdepoimentos de Heródoto, Aristóteles, Deodoro e Strabo. Osegundo argumento é que todos os seres humanos derivam

de uma fonte africana. É a teoria monogenésica da origemhumanam que ganhou maior relevo nos últimos anos emfunção de numerosas descobertas científicas. [Terceiro],mostrou-se falsa a teoria poligenética, segundo a qual osseres humanos teriam aparecido simultaneamente emdiversos locais (ASANTE, 2009, p. 101).

Por conseguinte, a “África clássica deve ser oponto de partida de todo discurso sobre o rumo dahistória africana” (ASANTE, 2009, p. 101) e o estudosobre o continente apenas agora está se orientandopara ele mesmo e não a partir do europeu. A partirdaí será possível um melhor entendimento dasrelações entre as culturas africanas, pois, por exemplo,se “os ingleses estudavam a África ocidental eobservavam os akan, faziam isso como se o povo deGana não tivesse relação com os baule da Costa doMarfim” (ASANTE, 2009, p. 101). 

Após apresentar as principais características deum projeto afrocêntrico, Asante aponta o que seriamalguns pressupostos ainda necessários para odesenvolvimento da posição disciplinar. O primeiropressuposto encontra-se na interrogação: o que é“africano”? Pois a necessidade da pergunta não se

funda somente em um caráter biológico, mas tambéme, sobretudo, em um construto de conhecimento. Umconstruto que define um africano como uma pessoa

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que participou dos quinhentos anos de resistência àdominação europeia, isto é, ter o conhecimento de quea própria história passa por uma luta de afirmaçãodiante da repressão aos ancestrais e se faz presente nocotidiano: “Assim, ser afrocentrista é reivindicar oparentesco com a luta e perseguir a ética da justiçacontra todas as formas de opressão humana”(ASANTE, 2009, p. 102). Tanto que para Asante há

uma conexão interna e uma conexão externa africana,visto que africanos seriam inclusive “indivíduos quesustentam o fato de seus ancestrais terem vindo daÁfrica para as Américas, para o Caribe e outras partesdo mundo durante os últimos quinhentos anos”(ASANTE, 2009, p. 102), e não necessariamente

aqueles que nasceram no continente africano sejampor si só africanos: “Os brancos do continenteafricano, que nunca participaram da resistência àopressão, dominação ou hegemonia branca, são, comefeito, não-africanos” (ASANTE, 2009, p. 102). 

Por isso, a “conscientização” é importante ao

afrocêntrico porque é uma resistência à aniquilaçãocultural, política e econômica além de abordar osdados a partir de uma posição. Precisamente peloenfoque à posição que a afrocentricidade analisa osdados através da perspectiva, porque o importante é olugar de onde o discurso provém. Nesse sentido,Asante afirma com veemência que negar a existênciade uma perspectiva não é anulá-la, mas se colocarcomo pertencente à outra:

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Para o afrocentrista não existe um antilugar. Ou se estáenvolvido com uma posição ou com outra. Não se podeestar num lugar que não existe, já que todos os lugares são

posições. Não posso conceber uma antiperspectiva porqueestou ocupando um lugar, uma posição, mesmo que essaperspectiva seja chamada de antiperspectiva (ASANTE,2009, p. 102).

Em decorrência disso, Asante alerta para ascríticas feitas à Afrocentricidade, pois uma das críticasé que as pesquisadoras e os pesquisadoresafrocêntricos basear-se-iam em pesquisas ausentes dedados sobre determinado assunto, porém o autorargumenta que é preciso questionar a maneira comoas pessoas interpretam ou analisam a presença dos

temas e valores africanos inseridos nesses dados: “Sevocê não abordar os dados de forma correta,provavelmente chegará a conclusões equivocadas”(ASANTE, 2009, p. 105). Inclusive porque, conformeexplica Asante, os ataques às teorias afrocentradasque presumem a ausência de evidências de um fato

não implicam necessariamente na sua inexistência.Um exemplo apresentado pelo autor é a nãocorrelação, por parte de pesquisas que criticam aafrocentricidade, de interação entre os africanos daregião do Congo com os da região do rio Nilo, o quegerou como conclusão para tais pesquisas que a

produção intelectual e cultural egípcia (e europeizadapela história) não teria ligações com a África “negra”.No entanto, Asante questiona essa interpretação, pois

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“a ausência de evidência não constitui evidência daausência” (ASANTE, 2009, p. 105). 

Assim, o autor destaca a importância dahistória para articulação dos fatos, inclusivamente apartir de uma mudança em seus métodos, pois“devemos abandonar muitos elementos da pesquisahistórica, particularmente sua exagerada ênfase nostextos escritos, e introduzir novas maneiras de

deslindar o significado da vida dos africanos nasfavelas do Rio de Janeiro e nos subúrbios abastadosde Lagos” (ASANTE, 2009, p. 105-106). Se paraentender a vida dos “africanos” tanto das favelas doRio de Janeiro quanto dos subúrbios em Lagosnecessita-se de uma mudança metodológica na

disciplina de história, então para a filosofia aexigência torna-se a mesma, ou até mesmo maior, jáque a filosofia possui tradicionalmente um laborapenas relacionado a textos escritos. Paracompreender como uma mudança metodológica teriaum alcance maior nas vivências de uma população

brasileira, o próximo capítulo requisitará umaabordagem curricular do ensino de filosofia quevenha valorizar os aspectos afrocêntricos e permitapensar uma filosofia de africanos que nasceram noBrasil.

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“Interlúdio”: síntese dos capítulos 1 e 2 

Os dois primeiros capítulos deste livrobuscaram construir um panorama das tensões queenvolvem a filosofia contemporânea. O Capítulo 1destacou como o ideal eurocêntrico foi construídoideologicamente ao longo da história ocidental,hierarquizando um saber diante dos demais, de

maneira a influenciar a produção científica eestabelecer quais seriam os métodos rigorosos paraalcançar os resultados propostos. Nesse sentido,foram desenvolvidas críticas em relação a esse ideal,principalmente por causa do recorte étnico-racial queo eurocentrismo se orienta.

 Já no Capítulo 2, o estudo apresentoudiferenças de concepção de filosofia utilizando doisautores referenciais: Heidegger e Towa. Por meiodessa apresentação foi possível desenvolver reflexõessobre o pensamento filosófico africano em doispontos: a construção do conceito de justiça a partir do

conceito banto ubuntu  e a descrição daafrocentricidade enquanto disciplina científicaconforme propõe Asante, que formulou o conceito deafrocentricidade  que funciona não como método, mascomo uma posição disciplinar nas ciências humanas.Tal posição tem justamente como plano principal

pensar o lugar do africano nas análises textuais, deeventos e ideias, isto é, se ele é um protagonista ouum coadjuvante da própria história.

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A partir dessa formulação é possível pensarcomo o currículo pode ser construído dando espaço aconhecimentos que extrapolam as fronteirasocidentais. As tensões aqui evidenciadas estimularama proposta que será apresentada a seguir: análise dasDiretrizes Curriculares de Filosofia do Paraná(PARANÁ, 2008) com o objetivo de verificar em quemedida os conteúdos propostos contemplam

perspectivas filosóficas não eurocentradas. Alémdisso, tomando os referenciais propostos por Noguera(2011a) relacionados ao “afroperspectivismo” serápossível almejar novas possibilidades para umcurrículo que abarque conhecimentos africanosrealocados numa posição protagonista.

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CAPÍTULO 3CURRÍCULO AFROPERSPECTIVISTA

ANÁLISE E PROPOSIÇÃO

ARA análise proposta neste capítulo foinecessário um recorte geográfico para o

Estado do Paraná devido à experiência e ao local de

maior aproximação entre a teoria e a prática para opesquisador que trabalha em um colégio domunicípio de Colombo, que faz parte da regiãometropolitana de Curitiba. E também devido ao fatode haver, nesse Estado, documentos próprios queservem como referenciais do ensino de filosofia: as

Diretrizes Curriculares de Filosofia do Paraná,documento produzido com o objetivo de “discutirtanto os fundamentos teóricos das DCE quanto osaspectos metodológicos de sua implementação emsala de aula” (PARANA, 2008, p. 8).

Depois de verificar a construção e propostas

das Diretrizes paranaenses, principalmente se háênfase para abertura em tratar de assuntos filosóficosnão restritos ao modo de fazer europeu, será propostauma alternativa ao currículo em que os temas daFilosofia Africana possam ser discutidos e dialogadoscom os estudantes.

P

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3.1 Diretrizes Curriculares de Filosofia do Paraná

Na leitura das Diretrizes Curriculares deFilosofia do Paraná (DCFP) rapidamente pode-senotar uma preocupação em definir, ou atéproblematizar, a questão do currículo no quesito daseleção do conhecimento:

Parece não haver destaque para a discussão sobre como sedá, historicamente, a seleção do conhecimento, sobre amaneira como esse conhecimento se organiza e se relacionana estrutura curricular e, consequência disso, o modo comoas pessoas poderão compreender o mundo e atuar nele(PARANÁ, 2008, p. 13).

Essa ressalva alerta para interpretaçõesequivocadas que muitas vezes compreendem que aescolha dos conteúdos ocorre de forma neutra. Aocontrário, a seleção dos conteúdos e conhecimentos éreflexo de uma atitude política. Desse modo, asnormas para construção de um currículo estariam

mais propícias a valorizar as diferenças do quereduzir a uma identidade, já que como afirma odocumento, baseado em Sácristan: “o importante docurrículo é a experiência, a recriação da cultura emtermos de vivências, a provocação de situaçõesproblemáticas” (SACRISTAN, 2000, p. 41). 

Frente a isso, as Diretrizes propõem reflexõesacerca das intenções que se articulam na proposiçãode um currículo, que é traduzido pela tensão  do

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caráter prescritivo e pela própria prática do docente:“No caso de um currículo imposto às escolas, a práticapedagógica dos sujeitos que ficaram à margem doprocesso de discussão e construção curricular, emgeral, transgride o currículo documento” (PARANÁ,2008, p. 16). Com isso, a transgressão do currículo édestacada como fundamental, visto que para não seformar um círculo vicioso na abordagem dos temas e,

assim, distanciar o entendimento de haver apenas ummodo de reprodução, a preocupação do documento épropor: “que o currículo da Educação Básica ofereça,ao estudante, a formação necessária para oenfrentamento com vistas à transformação darealidade social, econômica e política de seu tempo”

(PARANÁ, 2008, p. 20). Tudo isso intencionado paraque a Educação Básica caracterize-se através de umatríade: científica, artística e filosófica doconhecimento. A partir disso, as diversas disciplinasconcorrem para um trabalho pedagógico com ointuito de projetar uma totalidade de conhecimento

que não se abstrai do contato com o cotidiano.No entanto, será que a aplicação no currículo

da filosofia abarca tais características? O ensino defilosofia estaria aberto a múltiplas formas de pensarsobre a própria filosofia e sua relação com o cotidianodos estudantes? No início das Diretrizes Curricularesde Filosofia do Paraná (DCFP) encontra-se umaposição sobre a origem e sentido do ensino dafilosofia:

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Constituída como pensamento há mais de 2600 anos, aFilosofia, que tem a sua origem na Grécia antiga, trazconsigo o problema de seu ensino a partir do embate entre o

pensamento de Platão e as teorias dos sofistas (PARANÁ,2008, p. 39).

De início o ensino de filosofia orienta-se paradois pontos: i) localizar a filosofia como modo grego27 de pensamento; ii) a divergência entre Platão e os

sofistas como modelo para o ensino da disciplina.Mais a frente, na seção 3.2, enfocarei sobre o primeiroponto. Quanto ao segundo, as Diretrizes teriam amesma preocupação de Platão: que “os métodos deensino não deturpem o conteúdo” (PARANÁ, 2008, p.39), defendendo que a finalidade do conhecimento

deve afastar-se de um instrumento retórico queequivale a qualquer verdade.

Para isso, as Diretrizes apresentam três formaspara o ensino médio quando se trata de ensinarfilosofia:

Diante dessa perspectiva, a história do ensino da Filosofia,no Brasil e no mundo, tem apresentado inúmeraspossibilidades de abordagem, dentre as quais se destacam:

27

  Esse é um dos pontos fundamentais da crítica de um currículoafroperspectivista, conforme já foi explicitado sobre o problema dopensamento em inserir a filosofia como um modo de fazer grego.Mais a frente será reforçada, através da prática pedagógica, aimportância da destituição da origem grega da filosofia.

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• a divisão cronológica linear: Filosofia Antiga, FilosofiaMedieval, Filosofia Renascentista, Filosofia Moderna eFilosofia Contemporânea, etc.;•

a divisão geográfica: Filosofia Ocidental, Africana,Filosofia Oriental, Filosofia Latino-Americana, dentreoutras, etc.;• a divisão por conteúdos: Teoria do Conhecimento, Ética,Filosofia Política, Estética, Filosofia da Ciência, Ontologia,Metafísica, Lógica, Filosofia da Linguagem, Filosofia daHistória, Epistemologia, Filosofia da Arte, etc. (PARANÁ,

2008, p. 39).

A partir daqui inicia-se o problema quemotivou este estudo, porque nas páginas seguintesdas DCFP lê-se que a escolha das formas para oensino deu-se pela divisão de conteúdos, com a

advertência de que tal escolha não exclui, mas absorveas divisões cronológicas e geográficas. Entretanto,verifica-se uma série de argumentos equivocados sejapara tratar cronologicamente quanto geograficamente.Sobre a dificuldade em tratar de forma geográfica, asDCFP comentam, por exemplo, que a Filosofia

Oriental contém uma complexidade de civilizaçõesem seu interior (hindu, japonesa, chinesa, síria, etc.), oque impossibilitaria ao docente tratá-las com a mesmaprofundidade que a divisão por conteúdos. Porém,esquece-se que o docente pode escolher algumas dascivilizações e trabalhar como a filosofia dialoga entreelas, tanto mais que tal técnica não é estranha, já que oprofessor ou a professora de filosofia habitualmentetrabalham com a filosofia francesa, alemã ou inglesa

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sem que com isso fique prejudicado o ensino dafilosofia ocidental. Já no que seria a Filosofia Africanao equívoco torna-se ainda maior por causa daseguinte passagem:

No entanto, se a filosofia africana traz como vantagem aideia de que o ser é dinâmico, dotado de força – concepçãoessa que aparece também em algumas filosofias ocidentais – é preciso considerar que a sua fundamentação exclusiva na

linguagem oral, ainda que pareça interessante, acaba porapresentar-se como uma fragilidade, evidenciada peladificuldade com o idioma e também pela carência debibliografia. Por essa razão, esse conteúdo não estárelacionado entre os que compõem os conteúdosestruturantes de Filosofia, podendo, todavia, ser tratado naqualidade de conteúdo básico. O professor, dada a sua

formação, sua especialização, suas leituras, terá a liberdadepara fazer o recorte que julgar adequado e pertinente. Alémdisso, deve estar atento às demandas das legislaçõesespecíficas referentes à inclusão e à diversidade (PARANÁ,2008, p. 40).

O problema dessa passagem é que as Diretrizes

reduziram a complexidade do pensamento africano emum estudo etnográfico: La Philosophie Bantue  (1965), domissionário belga Placide Tempels, que descreve aconcepção de ser  a partir da ideia de  força. Tal reduçãoapenas afirma o preconceito acadêmico perante aFilosofia Africana, pois a compreende como uma ideia

de produção coletiva, não sistematizada e inconsciente,isto é, uma Etnofilosofia. O grande problema disso é queratifica o pensamento de Tempels de “que só ocidentais‘letrados’ conseguiriam filtrar o pensamento bantu e

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transpor em conceitos ‘sofisticados’” (NOGUERA,2011a, p. 40) e essa concepção oculta justamente oembate de filósofos africanos perante essa compreensão:

“Eles descavaram uma filosofia africana própria, paraempenhar diante dos negadores de nossa ‘dignidadeantropológica’ um irrecusável certificado dehumanidade” (TOWA, 2009, p. 35). 

Assim, pela leitura do trecho destacado dasDCFP, o problema geral seria reduzir a Filosofia

Africana à Etnofilosofia. Porém há ainda dois pontos:i) o privilégio da escrita sobre oralidade; ii) aresponsabilidade da abordagem estaria no professor.

Desse modo, o primeiro ponto sugere que adificuldade, ou até mesmo a inviabilidade, detrabalhar com os assuntos da Filosofia Africana deve-

se à proeminência da linguagem oral em detrimentoda escrita. Tal raciocínio vincula-se a dois equívocos.Um deles refere-se a um desconhecimento do grandearcabouço linguístico existente desde a África antiga,por exemplo, o Adinkra, que consiste em um conjuntode ideogramas que possui um significado complexo

que expressam conceitos filosóficos. Elisa Larkin(2008) descreve a importância do Adinkra por refutaro academicismo convencional que nega à África suahistoricidade por nunca haver desenvolvido umaescrita:

Entretanto, os africanos estão entre os primeiros povos acriar essa técnica. Além dos hieroglíficos egípcios, existemvários sistemas de escrita desenvolvidos por outros povos

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africanos antes da invasão muçulmana, que introduziria aescrita árabe (LARKIN, 2008, p. 34).

Outro equívoco é de supervalorizar a escritaem detrimento da oralidade levando a “uma maneirareduzida e limitada para aferir as reflexões humanasdos mais variados povos ao longo da história dahumanidade” (NOGUERA, 2011a, p. 41). Além disso,a referida citação das DCFP utilizam como argumentoa dificuldade com o idioma e carência de bibliografia.Ora, já se demonstrou até aqui a existência de váriosfilósofos que trataram de modos de pensar“tradicionais” que não indicariam o idioma comobarreira de compreensão, pois, assim como nós

brasileiros, a população africana teve uma colonizaçãoe articula o pensamento a partir de línguas coloniaiscomo: inglês, francês, alemão, espanhol, italiano eportuguês. Então, o impedimento de tratar daFilosofia Africana não estaria nessas dificuldades.

Além disso, por meio da importância da

desobediência epistêmica apresentada anteriormente(seção 1.3), uma das características de taldesobediência é suscitar um pensamento, ou umaepistemologia, a partir de línguas não imperiais.Desse modo, articular uma filosofia a partir dostroncos linguísticos não imperiais (como, por

exemplo, o ioruba ou o ashanti), forneceria umaampliação até mesmo dos tradicionais problemasfilosóficos, como a verdade, o belo e o bem.

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O outro ponto destacado orienta-se para o fatode que o tratamento do assunto dependeria dodocente conforme a sua especialização, leitura, etc., jáque não estaria impossibilitado, conforme indicam asDCFP, de pesquisas próprias. Contudo, tem-se umproblema porque se, segundo a argumentação dasDiretrizes, há uma dificuldade em trabalhar aFilosofia Africana por causa da escassez de

bibliografia, então como um professor ou umaprofessora teria a formação ideal para tratar doassunto? Invariavelmente sugere-se a ausência doassunto não por causa da prescrição, mas pelo própriodocente que não teria a capacidade de lidar com otema. Em consequência, as Diretrizes e as políticas

públicas demandadas por esse documento eximem-seda responsabilidade de fomentar a formação. Damesma forma atuam as Diretrizes Curriculares paraos cursos de Filosofia (BRASIL, 2002) que não inseremem sua grade curricular filosofias para além do eixoeuropeu. Ademais, a possibilidade mesmo que menor

em tratar de Filosofia Africana aparece nas DCFPapenas como atenção “às demandas das legislaçõesespecíficas referentes à inclusão e à diversidade”(PARANÁ, 2008, p. 40). Esse ponto também não ésuficiente para explicar a ausência da FilosofiaAfricana nos conteúdos estruturantes.

No que concerne a outra forma de ensino dafilosofia proposta pelo documento –  a divisãocronológica linear –  as Diretrizes enfatizam a

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importância da história da filosofia, mas com aressalva para que o docente não realize umaorganização meramente cronológica e linear dosconteúdos de maneira que aparente o surgimentoespontâneo dos conceitos filosóficos sem qualquerpossibilidade de articulação com os diferentesmomentos históricos pelos quais passaram os sereshumanos.

Desse modo, a descrição dos períodos dafilosofia (apesar de brevemente apresentados) toca emassuntos importantes, como, por exemplo, a mudançade paradigmas acerca da condição humana, a buscade autonomia e a secularização da consciência. Oproblema é que a apresentação dos períodos

permanece tradicionalmente articulada com a maneiraeurocêntrica de conceber os períodos filosóficos:Filosofia Antiga, Medieval, Moderna eContemporânea. E divisão histórica com destaque aosaspectos gregos, cristãos e à compreensão demodernidade europeia. Com isso, é passível de ser

aplicada a crítica de Nogueira (2011a) sobre otratamento unilateral da História da Filosofia:

Muito já foi escrito sobre a História da Filosofia, tudo quetem sido dito a seu respeito parece convergir para umretrato sobre um percurso europeu de pensamento. Vale a

pena se debruçar sobre argumentos que sugerem asuperação da inexistência da Filosofia fora das cercaniaseuropeias, abrindo caminho para o reconhecimento detrabalhos filosóficos dentro de matrizes de pensamentos

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africano, ameríndio, oriental, etc. em geral, as(os)historiadoras(es) e professoras(es) de Filosofia afirmam quenão é adequado enquadrar formas distintas de

pensamentos, tal como o africano, num modelo que seria‘exclusivamente’ europeu (NOGUERA, 2011a, p. 28). 

Assim, seria importante atribuir uma históriada filosofia que abarque conceitos de povos antigos,cosmovisões não cristãs e até compreensões de

modernidade que se distanciem ou dialoguem com aseuropeias.

No entanto, as Diretrizes por meio dosargumentos de que não há como propor um estudo defilosofia exclusivamente na perspectiva geográfica oucronológica, defendem que a organização curricular

obedeça à divisão por conteúdos estruturantes 28: mitoe filosofia, teoria do conhecimento, ética, filosofia dapolítica, filosofia da ciência e estética. Essa propostatem, segundo o documento, a intenção de garantir“que o ensino de filosofia não perca algumascaracterísticas essenciais da disciplina, como por

exemplo, a capacidade de dialogar de forma crítica e

28  “Entende-se por conteúdos estruturantes os conhecimentos degrande amplitude, conceitos, teorias ou práticas, que identificam eorganizam os campos de estudos de uma disciplina escolar,considerados fundamentais para a compreensão de seu objeto de

estudo/ensino. Esses conteúdos são selecionados a partir de umaanálise histórica da ciência de referência (quando for o caso) e dadisciplina escolar, sendo trazidos para a escola para seremsocializados, apropriados pelos alunos, por meio das metodologiascríticas de ensino-aprendizagem” (PARANA, 2008, p. 25).

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mesmo provocativa com o presente” (PARANÁ, 2008,p. 42).

Todavia, o presente estudo concorda que“evidentemente, cada processo de escolha determinaausências e toda ausência gera questionamento”(PARANÁ, 2008, p. 42). Mas é por essa ausência é quese coloca a questão: de que maneira a FilosofiaAfricana poderia ser ministrada no ensino médio com

o intuito de contribuir não somente para afirmarintelectualmente uma tradição, mas também pararefletir sobre o lugar que a filosofia ocupa na históriado pensamento brasileiro?

Essa pergunta é motivada em grande parteporque o ensino de filosofia aqui em questão possui

um contexto específico, como bem redigido nasDiretrizes: “Identifica-se o local onde se pensa e fala apartir do resgate histórico da disciplina e da militânciapor sua inclusão e permanência na escola. EnsinarFilosofia no Ensino Médio, no Paraná, no Brasil, naAmérica Latina, não é o mesmo que ensiná-la em

outro lugar” (PARANÁ, 2008, p. 48). Assim, arecolocação do fazer filosófico torna-se importante,uma vez que comumente possui um sentidoeurocentrado e vincula-se à construção de problemasconforme propõem os pensadores europeus.Evidentemente o presente estudo tem ciência dadificuldade e limites que o professor e a professoraterão na abordagem de uma filosofia nãoeurocentrada. Entretanto, a urgência de trazer novas

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perspectivas não consiste em uma nova idiossincrasiaou meramente por simples aplicação de uma lei, e sima atenção para o contexto do estudante que, diante desaberes hegemônicos, pode encontrar proximidadecom a própria vida, principalmente porque:

Um dos objetivos do Ensino Médio é a formaçãopluridimensional e democrática, capaz de oferecer aosestudantes a possibilidade de compreender a complexidade

do mundo contemporâneo, suas múltiplas particularidadese especializações. Nesse mundo, que se manifesta quasesempre de forma fragmentada, o estudante não podeprescindir de um saber que opere por questionamentos,conceitos e categorias e que busque articular o espaço-temporal e sócio-histórico em que se dá o pensamento e aexperiência humana (PARANÁ, 2008, p. 49).

Mesmo diante das dificuldades levantadassobre o contato com as produções da FilosofiaAfricana (acesso à bibliografia ou dificuldades comidiomas), as Diretrizes Curriculares de Filosofia doParaná possuem a autonomia em propor diferentesformas de ensinar filosofia, transferindo aresponsabilidade ao docente que já possui umaformação deficiente sobre filosofias para além do eixoeuropeu. Como forma de superar tal dilema, a seçãoseguinte proporá um exercício de reflexão que explora

a posição afroperspectivista e outras correntesafrocentradas, com o objetivo de apresentar opções deum currículo de filosofia não eurocentrado.

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3.2 Enegrecendo o currículo de filosofia

A posição afroperspectivista diz respeito àformulação desenvolvida por Noguera (2011a; 2011b;2012; 2014) com o intuito “de passar a limpo a históriada humanidade, tanto para dirimir as consequênciasnegativas de limar culturas e povos não ocidentais do

rol do pensamento filosófico, como para desfazer ashierarquizações que advêm desse processo”(NOGUERA, 2014, p. 71). Utilizando o discurso comoum mote importante, o autor propõe uma revisão dealguns conceitos afro-brasileiros (comumentedesqualificados por expressarem os modos de ser e de

estar da população negra e marginalizada) no sentidode ressignificá-los. Alguns exemplos seriam:“denegrir, vadiagem, drible, mandinga,enegrecimento, roda, cabeça feita, corpo fechado, etc”(NOGUERA, 2011b, p. 5), que passam a representarmodelos de éticas, epistemologias e estéticas,

apresentados por meio de personagens como “o griot,a mãe de santo, o pai de santo, o(a) angoleiro(a), a(o)feiticeira(o), a(o) bamba, o(a) jongueiro(a), o zémalandro, o vagabundo, orixás [...] inquices [...],voduns” (NOGUERA, 2011b, p. 5).

A construção de um currículo

afroperspectivista não consiste em contemplar outromodo de filosofar que destituiria os demais. Antes,seria fornecer a outros povos o reconhecimento da

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produção intelectual e capacidade de diálogo, já que“colocar a história da filosofia em afroperspectivapermitiria a consideração do pensamento filosóficodos povos ameríndios, dos povos asiáticos, daOceania, além da produção filosófica africana”(NOGUERA, 2014, p. 71).

Partindo desse interesse, comparar osconteúdos estruturantes ordenados pelas DCFP com

uma hipótese de currículo afroperspectivista será aproposta deste tópico, levando em conta que o temanão se esgotaria nas dimensões deste livro. Apesardisso, a proposta aqui sugerida apresentará vias parauma perspectiva não hierarquizante e que exercita um polidiálogo, isto é, um campo em que há vários centros

dialogando e debatendo intelectualmente (RAMOSE,1999).

Partindo do texto oficial, os conteúdosestruturantes estão apresentados da seguinte forma:

• Mito e Filosofia;

• Teoria do Conhecimento;• Ética;• Filosofia Política;• Filosofia da Ciência;• Estética (PARANÁ, 2008, p. 55). 

O interessante é que essa distribuição tem para

as DCFP o seguinte objetivo: estimular “o trabalho damediação intelectual, o pensar, a busca daprofundidade dos conceitos e das suas relações

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históricas, em oposição ao caráter imediatista queassedia e permeia a experiência do conhecimento e asações dela resultantes” (PARANÁ, 2008, p. 57). Esseobjetivo implica em uma posição que para este estudotorna-se importante, pois abre a possibilidade de oprofissional tratar de alguns conteúdos de maneiramais independente, até mesmo fazendo uso deperspectivas não eurocêntricas: “Notadamente,

Filosofia é o espaço da crítica a todo conhecimentodogmático, e, por ter como fundamento o exame daprópria razão, não se furta à discussão nem àsuperação das filosofias de cunho eurocêntrico”(PARANÁ, 2008, p. 57). Para realizar uma superaçãodas filosofias eurocêntricas, uma sugestão aqui

proposta consistiria nos princípios curriculares queAsante (2009) esboça para um projeto afrocêntrico29:

Você e sua comunidade: o desenvolvimento das disciplinasprecisa discutir com os alunos o senso de identidade e suarelação com a comunidade em que vivem. Por isso, necessitaintroduzir as ideias de pessoa, família, cidade, Estado,Nação e mundo para que os alunos entendam o sentido e ocomo se formou tais ideias. Bem-estar e biologia: esta partediz respeito à explicação da importância das atitudes físicase hábitos que promovam o bem-estar. Articulando comsaberes como  fisiologia e biologia humana (nãorestritamente). Tradição e inovação: aqui se explora a

29 Esses princípios foram organizados por Asante para fundamentode várias disciplinas, porém o estudo entende alguns dessesprincípios como importantes para a construção de um currículofilosófico afroperspectivista.

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preservação e a geração como poderosos instrumentos deinteração de mudança e continuidade da vida. Criação eexpressão artística: as múltiplas formas humanas que

expressaram seus pensamentos mais íntimos através dosmeios de materiais e realização, por exemplo, na música,dança, desenho, poesia, Rap, etc. Localização no tempo eespaço: explorar a cronologia, a geografia e conceitosmatemáticos para desbloquear interpretação e habilidadesanalíticas. Produção e distribuição: conceituar os princípiosda produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

Poder e autoridade: problematizar a obtenção e uso depoder e autoridade para efetuar a vontade comum.Tecnologia e ciência: explicar como ocorre a interaçãocomplexa de comportamentos humanos por meio da ciênciae da tecnologia visando à melhoria da sociedade. Escolha econsequências: situar através de situações históricas esociais nas diferentes formas os seres humanos e como eles

têm tratado escolhas e consequências. Sociedade e domundo: desenvolver as relevantes habilidades sociais,valores e comportamentos com  o intuito de promover amaturidade multicultural para, enfim, desenvolver umaeducação não-sexista, não-hegemônica e não-racista(ASANTE, 2009, grifos meus). 

Reconhecemos que essa inserção se dá em umtrabalho árduo que dependerá do maior ou menorenvolvimento docente ou maior ou menorreceptividade do grupo participante (comunidadeescolar, secretaria de educação, dentre outros), nasequência serão apresentadas propostas paramudanças nos conteúdos estruturantes.

Mito e filosofia: Esse conteúdo é descrito como objetivo de fornecer ao aluno  a compreensão

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histórica de como surgiu o pensamentoracional/conceitual entre os gregos e como foidecisivo no desenvolvimento da cultura da civilizaçãoocidental. A partir disso, o estudante entenderia aconquista da autonomia da racionalidade diante domito e, com isso, compreenderia o advento de umaetapa fundamental do pensamento e dodesenvolvimento de todas as concepções científicas

produzidas ao longo da História. Nesse aspecto hádois problemas: um deles é a ratificação da filosofiacomo uma produção grega sugerindo que outrospovos não produziam filosofia, pois possuíam umsaber “incompleto” e uma relação direta entre mito efilosofia, ou seja, um modo de pensamento primário e

que se subordinava a autoridades místicas. Outroaspecto é a ideia de que somente os gregoscontribuíram para o desenvolvimento intelectual ecultural do Ocidente, ignorando as contribuiçõesárabes, muçulmanas, turcas, mongóis, dentre outras.

Uma possibilidade de tratar tal assunto seria

pensar por meio da Cosmologia, pois nesse sentidoampliar-se-ia o campo de reflexão por não restringir auma discussão que decairia no discurso de rupturaentre mito e filosofia ocorrente na Grécia antiga, maspossibilitaria trabalhar formas de interpretação daorigem do mundo e do ser humano de outrascivilizações e, necessariamente, não distanciando deforma rápida a filosofia do mito. Uma sugestãotrataria do Egito antigo e a proximidade das

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narrativas dos deuses para explicar e problematizarcertos aspectos como, por exemplo, o deus Thot daescrita, a deusa Maat da verdade. Além de destacar aenorme contribuição da civilização egípcia para afilosofia através de filósofos como Ptah-hotep30  eAmenemope31.

Teoria do conhecimento: Objetivo desseconteúdo é fornecer ao aluno o questionamento de

como a verdade possui certos critérios  e como sepermite reconhecer o verdadeiro. Assim, o que estariaem jogo seria a possibilidade do conhecimento e quala sua fonte. Contudo, a definição de conhecimentoestá próxima da dicotomia sujeito-objeto, em que háum ser que estaria apto a conhecer e outro a ser

conhecido, provocando uma dependência deste parao primeiro. Para ampliar a discussão, o propício seriatrazer ao aluno a questão de que o conhecimento nãocomeça em um “Eu” solipsista que possibilitaria ànatureza ser conhecida, mas que o conhecimentoiniciaria a partir de uma extensão de si mesmo com

outros e com o mundo, não havendo qualquerruptura. Desse modo, estimular-se-ia a gnose, expandindo a compreensão de faculdade racional, que

30  Assim como aconteceu com os pré-socráticos, da filosofia dePtah-hotep foram preservadas algumas máximas, no total 37,

datadas aproximadamente de 1.900 A.C. e que foram reunidas porChristian Jacq (2004), no livro Les Maximes de Ptah-hotep: l’enseigmentd’un sage au temps des pyramides. 31  Os ensinamentos de Amenemope são encontrados no livro

Escritos para a Eternidade, organizado por Emanuel Araújo (2010). 

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não mais se restringiria ao ser humano mas tambémao mundo em seu entorno. Poderiam se somar, alémdessa proposição, outros trabalhos da FilosofiaAfricana que contribuiriam para explicar a questão doconhecimento como, por exemplo, a obra Kemet (ASANTE, 1990), e as publicações do ganês AntoWilhem Amo, 32  que se posicionou como crítico deDescartes.

Ética: o objetivo desse conteúdo é estudar eanalisar a atribuição de valores que ao mesmo tempopodem ser especulativos (baseado em princípios) enormativos (de caráter mais imperativo, comresultados mais práticos). Além do que tal objetivopropõe uma crítica à heteronomia em detrimento da

busca por uma autonomia. Por isso, a ética possibilitao desenvolvimento de valores, mas pode ser tambémo espaço da transgressão, quando valores impostospela sociedade se configuram como instrumentos derepressão, violência e injustiça.

A contribuição a partir da filosofia africana

seria realizar uma discussão através do ubuntu  que,como foi exposto, fornece a compreensão doindivíduo enquanto coletivo, porém com a ressalva deque o coletivo não se limita às pessoas, mas também àfauna, à flora e ao sobrenatural que constitui a

32  Anton Wilhelm Amo (1703-1759) foi filósofo e professor daUniversidade de Jena que defendeu uma tese sobre a Impassividadeda mente humana,  na qual se opõe à filosofia cartesiana acerca dafonte do conhecimento.

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comunidade. Outra possibilidade consiste em retomaro sentido original do termo Ética que designa morada(Ethos). A partir disso, amplia-se ao estudante acompreensão sobre a inserção do humano na naturezacomo local de vida, e não somente de passagem.

Política: O enfoque desse conteúdo são associedades que transformaram o poder político emcoisa pública, ou seja, transparente, participável e

voltado à construção do bem comum. E, conforme oque está escrito nos conteúdos, tende ao professor ouà professora desenvolver a seguinte reflexão: “Se, porum lado, a modernidade está distante do ideal da polis ateniense ou da res publica romana, por outro é precisoreconhecer que ela trouxe conquistas fundamentais,

como a valorização da subjetividade e da liberdadeindividual” (PARANÁ, 2008, p. 58). Mas essaproposta escamoteia que tal valorização foi bemsucedida pelo caráter colonizador com o intuito deimpor um modelo de ideal político, simbolizado pelalógica de “democracia”. Por isso, é preciso considerar

a crise da representação política que coloca emquestão o atual modelo dos chamados Estadosdemocráticos de cunho liberal. Principalmente no quese refere à problemática do micro e macropoder quepossibilita outras formas de compreensão acerca docaráter jurídico de  pessoa, assim como de outras

maneiras de construir politicamente a sociedade. Porexemplo, a filosofia de Ramose possui uma literaturaimportante que questiona o significado de democracia

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no Ocidente, principalmente contrapondo a ideia departido utilizando da concepção de solidariedade naÁfrica do Sul:

A singularidade da oposição política é enfatizada aindamais pelo fato de que muito frequentemente este tipo depolítica degenera-se para dentro da oposição por causa daoposição. Sem dúvida, os protagonistas deste sistemareplicariam que o objetivo da oposição é acender à posição

do poder político por deslocar o partido no poder. Semnegar este fim egoísta, eu argumento que compreenderneste modo, a oposição política enfraquece o princípio desolidariedade na política cultural da África tradicional(RAMOSE, 1992, p. 75).

Filosofia da Ciência: Tem como objetivo o

estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dosresultados das diversas ciências. Assim, suaimportância consiste em refletir criticamente sobre oconhecimento científico, para conhecer e analisar oprocesso de construção da ciência do ponto de vistalógico, linguístico, sociológico, político, filosófico ehistórico. Por isso, a Filosofia da Ciência tem apretensão de mostrar que o conhecimento científico éprovisório, jamais acabado ou definitivo, além deproblematizar o quanto a ciência está, ou não,envolvida de fundamentos ideológicos, religiosos,

econômicos, políticos e históricos. Aproveitando aconstrução contínua da ciência, o docente teria apossibilidade de apresentar as contribuições de várias

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civilizações africanas para a ciência, principalmente, ado Egito antigo. Com isso, o trabalho de Obenga(1990) é relevante para entender como se deu talcontribuição, pois o autor analisa como os egípciospossuíam uma compreensão avançada para odesenvolvimento da arquitetura, medicina,aeronáutica, dentre outras atividades tecnológicas.

Estética: com a proposta de refletir 

principalmente a beleza e a arte, a estética procurariatratar da realidade e das pretensões humanas emdominar, moldar, representar e reproduzir o mundocomo realidade humanizada, além de possibilitar umacrítica aos limites que o império da técnica com asmáquinas promovem a arte como produto comercial,

ou do belo como conceito acessível para poucos.Desse modo, a busca de espaço de reflexão,pensamento, representação e contemplação do mundonão ficariam restritas a uma maneira de conceber umaobra de arte. Articulando com a perspectiva africanaseria possível uma flexibilização do modo de definir a

arte e a estética, que não as conceberiam apenas como“eruditas”. Dessa maneira esse conteúdoproblematizaria, por exemplo, a dicotomia corpo emente para desconstruir a ideia de corpo como umaparte subordinada à mente. Nesse sentido, autorescomo Noguera (2011b) problematizam o quantoatividades corporais são dotadas de princípiosestéticos múltiplos, como, por exemplo, o movimentoda ginga trazida pela capoeira:

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Os capoeristas que na roda de capoeira angola palmeiam osolo, com chapas e martelos são capazes de imprimir aos

movimentos uma graça que o jogo de chão ganha quando ocansaço deixa as camisas amarelas ensopadas de novasideias. É importante frisar que num episódio deste tipo, asideias não são abstrações, nem realidades transcendentes;mas, movimentos corporais, traços relacionais queconstituem personagens conceituais (NOGUERA, 2011b, p.12).

Dentro dessa arquitetura de conteúdos, oprofessor e a professora de filosofia teriam a liberdadede relacionar os temas filosóficos com o cotidiano doestudante, principalmente do jovem negro,valorizando algumas expressões que remetem às suasorigens. Introduzir letras de música de cantoresafricanos e seus contextos sócio-políticos como, porexemplo, a música política de Fela Kuti, MiriamMakeba, dentre outros ou, ainda, explorar na culturaHip Hop ou no Funk elementos da ética e estética

africana, sobrepujando a interpretação unilateral eexcludente que comumente considera taismanifestações culturais como desqualificadas. Odebate em torno de tal intepretação pode estimularuma reflexão crítica sobre as maneiras como o racismose constrói no que se refere à arte africana. Outras

possibilidades relacionam-se ao destaque acontribuições de intelectuais negros em vários setorescientíficos para estimular nos jovens, sobretudo

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negros, a construção de representações positivas sobreser negro.

Como fora advertido, esse tópico teria o carátermais especulativo, pois a riqueza que o ensino deFilosofia Africana pode dar à relação professor-alunoé grande e, ao mesmo tempo, complexa. O necessárioé enfocar para o fato de que a construção de umcurrículo pluri-versal (NOGUERA, 2014) não deve

limitar-se diante das dificuldades (dentre elas a“formação ideal”). E como a construção de umcurrículo não ocorre de modo individual, as DiretrizesCurriculares de Filosofia (no caso analisado doParaná, mas poderia ser do Brasil) não devem seomitir da responsabilidade de apresentar conteúdos

que abarquem vários centros, não se restringindo aum que se coloque hierarquicamente superior aosdemais.

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EM-FIM UM NOVO HORIZONTE?

STE  livro teve como horizonte oquestionamento do currículo de filosofia

no ensino médio, na perspectiva de inserir os temasda Filosofia Africana. Diante de tal horizonte, apesquisa também explicou que a possibilidade detratar os temas filosóficos de maneira não

eurocentrada carece de uma interação entre diversossetores educacionais. Porque o docente não podeensinar caso não haja uma capacitação em cursos queproporcionem outras vias de pensamento. Entretantotal capacitação necessita de uma posição explícita nasDiretrizes para propor conteúdos oriundos de

temáticas não eurocentradas. A partir dessainteratividade é que se situa a primeira e a grandedificuldade em discutir um currículo nãoeurocentrado.

Contudo, a discussão de como a FilosofiaAfricana poderia ser inserida no currículo escolar

invariavelmente propôs a desconstrução de algumasdas posições tradicionais sobre a filosofia,principalmente o caráter europeu queideologicamente a constituiu. Por isso, atento aobservação de Mills de que a “filosofia é a mais branca dentre todas as áreas das ciências humanas” (1999, p.

13, grifos nossos), a discussão através de MarcienTowa, Mogobe Ramose, Molefi Asante forneceramsubsídios para “escurecer” a filosofia e, por

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conseguinte, incentivar um debate nas Diretrizes paraque o ensino não reproduza um ideal vazio emconteúdo e distancie o jovem do interesse filosófico.

Diante desse panorama, pode-se considerarque o resultado deste estudo foi fortuito na medidaem que ele possui uma intenção propositiva e nãopretende que a discussão esgote no texto em si. Tantomais porque a pesquisa, concordando com Noguera

(2014), defende um posicionamento de estudo a partirda filosofia afroperspectivista, pois se entende que aidentidade do negro brasileiro não pode ser reduzidaao efeito de marginalização oriundo de alguns setoressociais, mas demonstrada a influência da africanidadeno próprio exercício filosófico brasileiro. Com isso, a

conclusão deste livro é informar que o uso da FilosofiaAfricana no ensino médio ou em qualquer outro nível,primordialmente requer uma descolonização tanto docurrículo quanto do pensamento.

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SOBRE O AUTOR

Luís Thiago F. Dantas é graduado emFilosofia pela Universidade Federal deSergipe (UFS). Tem especialização em

Educação das Relações Étnico-Raciais(NEAB –  UFPR) e mestrado em Filosofiapela Universidade Federal do Paraná(UFPR). Atualmente é doutorando emFilosofia pela Universidade Federal doParaná (UFPR) e professor de Filosofia darede Estadual do Paraná. Participa do

Grupo de Pesquisa SPECIES –  Núcleo deAntropologia Especulativa (UFPR).Contato: [email protected]

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