“democratizaÇÃo” do ensino superior pÚblico no brasil: controvÉrsias do discurso oficial...

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Eixo: Política social, desenvolvimento e proteção social. “DEMOCRATIZAÇÃO” DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO NO BRASIL: CONTROVÉRSIAS DO DISCURSO OFICIAL SOBRE A INTERIORIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA Sueli Maria do Nascimento * Resumo: Neste texto, problematiza-se o conceito de democratização presente nos documentos oficiais do governo federal brasileiro e em outras fontes de divulgação e mesmo de discussão teórica acerca do processo de expansão do acesso ao ensino superior público no Brasil no início do século XXI, mais precisamente durante o período de direção política do Partido dos Trabalhadores, compreendido no decênio entre 2003 e 2013. A partir de uma abordagem fundamentada no materialismo histórico, são suscitadas reflexões em torno dos dissensos do discurso sobre a interiorização das instituições federais de ensino superior – IFES, com recorte nas universidades. Palavras-chave: democratização; expansão do ensino superior público; interiorização universitária. Abstract: This text discusses the concept of this democratization in the official documents of the Brazilian federal government and other sources to disseminate and even theoretical discussion about the process of expanding access to higher education in Brazil at the beginning of the century, more precisely, during the political leadership of the Labor Party in the decade between 2003 and 2013. From an approach based on historical materialism, reflections are raised around disagreements between discourse and experience of expansion to countryside of the federal institutions of higher education with cut in the universities. Keywords: democratization; expansion of public higher education; university expansion to countryside. 1. INTRODUÇÃO O governo federal tem veiculado – na mídia televisiva e outras – campanhas publicitárias que aludem à ampliação do acesso à educação, “em todas as etapas da vida escolar”, como uma questão de oportunidades abertas, as quais todo e qualquer * Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela UFPE. Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutorado Interinstitucional – DINTER UERJ/UFAL. Professora Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas – FSSO/UFAL. 2º Encontro Internacional de Política Social 9º Encontro Nacional de Política Social Tema: “Lutas sociais no capitalismo contemporâneo” Vitória (ES, Brasil), 4 a 7 de agosto de 2014

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Neste texto, problematiza-se o conceito de democratização presente nosdocumentos oficiais do governo federal brasileiro e em outras fontes de divulgação emesmo de discussão teórica acerca do processo de expansão do acesso ao ensinosuperior público no Brasil no início do século XXI, mais precisamente durante operíodo de direção política do Partido dos Trabalhadores, compreendido no decênioentre 2003 e 2013. A partir de uma abordagem fundamentada no materialismo histórico,são suscitadas reflexões em torno dos dissensos do discurso sobre a interiorização dasinstituições federais de ensino superior – IFES, com recorte nas universidades.

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  • Eixo: Poltica social, desenvolvimento e proteo social.

    DEMOCRATIZAO DO ENSINO SUPERIOR PBLICO NO BRASIL: CONTROVRSIAS DO DISCURSO OFICIAL SOBRE A INTERIORIZAO

    UNIVERSITRIA

    Sueli Maria do Nascimento* Resumo: Neste texto, problematiza-se o conceito de democratizao presente nos documentos oficiais do governo federal brasileiro e em outras fontes de divulgao e mesmo de discusso terica acerca do processo de expanso do acesso ao ensino superior pblico no Brasil no incio do sculo XXI, mais precisamente durante o perodo de direo poltica do Partido dos Trabalhadores, compreendido no decnio entre 2003 e 2013. A partir de uma abordagem fundamentada no materialismo histrico, so suscitadas reflexes em torno dos dissensos do discurso sobre a interiorizao das instituies federais de ensino superior IFES, com recorte nas universidades. Palavras-chave: democratizao; expanso do ensino superior pblico; interiorizao universitria. Abstract: This text discusses the concept of this democratization in the official documents of the Brazilian federal government and other sources to disseminate and even theoretical discussion about the process of expanding access to higher education in Brazil at the beginning of the century, more precisely, during the political leadership of the Labor Party in the decade between 2003 and 2013. From an approach based on historical materialism, reflections are raised around disagreements between discourse and experience of expansion to countryside of the federal institutions of higher education with cut in the universities. Keywords: democratization; expansion of public higher education; university expansion to countryside.

    1. INTRODUO O governo federal tem veiculado na mdia televisiva e outras campanhas

    publicitrias que aludem ampliao do acesso educao, em todas as etapas da vida

    escolar, como uma questo de oportunidades abertas, as quais todo e qualquer * Assistente Social. Mestre em Servio Social pela UFPE. Doutoranda do Programa de Ps-graduao da

    Faculdade de Servio Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutorado Interinstitucional DINTER UERJ/UFAL. Professora Assistente da Faculdade de Servio Social da Universidade Federal de Alagoas FSSO/UFAL.

    2 Encontro Internacional de Poltica Social

    9 Encontro Nacional de Poltica Social Tema: Lutas sociais no capitalismo contemporneo

    Vitria (ES, Brasil), 4 a 7 de agosto de 2014

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    brasileiro precisa conhecer e aproveitar. Um vdeo exibido em 2013, com durao de

    um minuto, apresentava as vrias ofertas proporcionadas pelo Ministrio da Educao

    (MEC), desde a educao infantil at a ps-graduao. O discurso miditico refletia

    uma aparente igualdade de oportunidades, para cujo acesso basta a sua vontade de

    estudar, o seu compromisso com a educao, [que] faz muita diferena para voc e para

    o Brasil.1

    A divulgao dos feitos governamentais, em nome de um Estado democrtico de

    direitos que viabiliza por meio do fundo pblico variadas oportunidades para que os

    indivduos comprometidos possam auto promover a reduo das desigualdades sociais,

    d o mote para tentar compreender qual a noo de democracia que permeia a relao

    entre Estado e sociedade civil no mbito da direo poltica do pas, presumidamente

    matizada pelo socialismo h uma dcada.

    O propsito deste artigo desmistificar os vieses democrticos da poltica de

    educao vigente, com nfase sobre o processo de expanso do acesso ao ensino

    superior pblico no Brasil no incio do sculo XXI, mais precisamente durante o

    perodo de direo poltica do Partido dos Trabalhadores PT, compreendido no

    decnio entre 2003 e 2013.2

    Intenciona-se, pois, problematizar o conceito democratizao contido nos

    documentos oficiais do governo federal brasileiro e em outras fontes de divulgao e

    mesmo de discusso terica acerca da expanso e, particularmente, da interiorizao das

    universidades pblicas federais.

    O termo democratizao, em si, no comparece necessariamente de forma

    explcita nos documentos normativos e de planificao da poltica de educao superior,

    mas recorrentemente utilizado como recurso argumentativo para justificar a reforma

    universitria no perodo estudado. 1 Refere-se ao vdeo apresentado nos intervalos comerciais da programao de emissoras de televiso em

    canal aberto, entre os meses de agosto e setembro de 2013. Em seu inteiro teor, o texto da pea publicitria acompanhado por imagens informativas, com nmeros referentes cobertura do atendimento em creches e pr-escolas (5.591 financiadas at julho de 2013), em escolas de tempo integral (49 mil escolas inscritas no programa mais educao), no ensino tcnico e profissionalizante (4 milhes de pessoas matriculadas no PRONATEC). Sobre o ensino superior, destacamos: As portas das universidades esto abertas para todos [mais de 1 milho de contratos pelo novo FIES], com ateno para quem mais precisa [mais de 1,2 milho de bolsas PROUNI]. Sem falar na chance de estudar nas melhores instituies de ensino superior do mundo [mais de 43 mil bolsas para estgios em nvel de graduao ou ps-graduao no exterior financiadas atravs do programa Cincia sem Fronteiras]. Disponvel em: . Acesso em: 8 set. 2013.

    2 Perodos do governo federal liderados pelo PT: Presidente Lus Incio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Presidenta Dilma Vana Rousseff (2011-atual).

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    Nas diretrizes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das

    Universidades Federais REUNI (MINISTRIO DA EDUCAO, 2007), por

    exemplo, democratizao aparece associada a diversificao e ampliao do acesso

    educao superior, como definio de incluso estudantil, no glossrio do documento.

    Restringe-se, neste caso, condio de acesso e permanncia.

    nesta perspectiva que, desde os primeiros anos de governo do Presidente Lula,

    lanou-se um efetivo processo de construo de hegemonia em torno do projeto de

    reforma universitria.3 Como estratgia de produo de consenso, o Ministro de Estado

    da Educao Tarso Genro (entre 2004 e 2005), atravs de uma profuso de entrevistas,

    discursos e artigos publicados em jornais e revistas, fez ressonar a ideia de urgncia e

    imprescindibilidade da reforma, repetindo (quase como um mantra) que a premissa da

    qual partia o empenho do governo [alicerado] no interesse da sociedade seria a

    compreenso da educao como vital para romper com a histrica dependncia

    cientfica, tecnolgica e cultural de nosso pas e consolidar o projeto de nao

    democrtica, autnoma, soberana e solidria. (GENRO, 2004b)4

    Na produo terica que inspira o projeto governamental, localiza-se alguma

    contribuio referente perspectiva de reforma democrtica e emancipatria da

    Universidade, traduzida por Boaventura de Sousa Santos (SANTOS; ALMEIDA

    FILHO, 2008, p. 14) como tarefa de enfrentamento da contradio expressa na crise de

    legitimidade da instituio universitria nos pases centrais, qual seja: os divergentes

    interesses entre as exigncias de democratizao e os imperativos da economia. Isto

    , a universidade do sculo XXI deve responder a uma crise de hegemonia, conciliando

    o avano do desenvolvimento tecnolgico com a incluso das classes populares no

    espao do saber e fazer cientficos, por excelncia.

    3 Importante registrar que a reforma universitria esteve no plano prioritrio do Ministrio da Educao,

    desde o primeiro ano do governo Lula, sob a batuta do Senador Cristovam Buarque (entre janeiro de 2003 e janeiro de 2004), o qual defendia que s h uma forma da Universidade servir ao povo e renovar-se: ser pblica e gratuita. Mas gratuita no sinnimo de pblica. O Estado tem Universidade gratuita que no pblica, pois no est servindo ao povo. Enquanto esse governo estiver a, no vamos abrir mo da gratuidade, mas preciso publicizar o estatal no Brasil. (CRISTOVAM BUARQUE, 2003). Cabe ressaltar que Cristovam Buarque foi afastado do cargo, em janeiro de 2004, por fazer crticas pblicas ao prprio governo federal, principalmente no que dizia respeito aos investimentos prioritrios.

    4 Muitos dos discursos, entrevistas e artigos publicados quela poca encontram-se disponveis para consulta e download, no portal do Ministrio da Educao, na aba (link) Institucional Galeria de Ministros.

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    No Brasil, esta percepo nos parece evidentemente capturada no discurso

    ministerial de Genro (2004b), ao afirmar que: Ao optar pela valorizao da universidade pblica e defesa da educao como um direito de todos os brasileiros, o governo Lula sinalizou que a universidade tem um papel estratgico na construo de um novo projeto de desenvolvimento, que compatibilize crescimento sustentvel com justia social.

    Dada a histrica elitizao da formao universitria e incontestvel demanda e

    elevao dos nveis quantitativos de ingresso ao ensino superior pblico, a meta do

    Plano Nacional de Educao PNE 2001-2010 (BRASIL, 2001) j previa a expanso

    do nmero de vagas em uma proporo nunca inferior a 40% do total de vagas do

    ensino superior (pblico e privado), planejada com qualidade, evitando-se o fcil

    caminho da massificao.

    Em que pese a relevncia dessa compreenso e opo poltica estratgica

    assimilada pelos governos petistas, ressalta-se aqui que o caminho apontado se assenta

    na nfase ao aumento de vagas decorrente do aumento acelerado do nmero de egressos

    da educao mdia, tendencialmente crescente, e na necessidade da expanso das

    universidades pblicas para atender demanda crescente dos alunos, sobretudo os

    carentes (e a se revela o parmetro de justia social), bem como ao desenvolvimento

    da pesquisa necessria ao Pas, que depende dessas instituies [as universidades

    federais], uma vez que realizam mais de 90% da pesquisa e da ps-graduao nacionais

    em sintonia com o papel constitucional a elas reservado (onde se circunscreve a

    perspectiva de crescimento sustentvel). (BRASIL, 2001)

    Parte-se, assim, do pressuposto que a ampliao do nmero de vagas e, portanto,

    a propalada expanso democrtica do acesso e permanncia de estudantes das classes

    populares, nas grandes cidades e especialmente no interior do pas, tem se revelado

    como um mero processo de quantificao, em detrimento da qualidade dos servios

    ofertados e dos necessrios aportes formao profissional em nvel superior em termos

    de sua utilidade social.

    Para alm desta caracterizao, porm, Ronaldo Teixeira5 (2006, p. 76) informa

    que o anteprojeto de Lei da Educao Superior, no qual se desenha a reforma

    5 Ronaldo Teixeira foi Chefe de Gabinete do Ministrio da Educao, durante a gesto de Tarso Genro

    (Ministro da Educao entre 2004 e 2005, que antecedeu Fernando Hadadd, o qual efetivamente encampou o processo de expanso universitria, no exerccio da sua gesto ministerial entre julho de 2005 e janeiro de 2012).

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    universitria proposta, contempla a previso do exerccio da democracia interna e

    externa universidade. A democracia interna implica na abertura de assentos aos

    diversos grupos sociais, respondendo aos diversos interesses da comunidade, nos

    Conselhos superiores das instituies federais de ensino superior. Quanto democracia

    externa, trata-se de corrigir o dficit de acesso, como j apontado at aqui. Em sua

    opinio, a resistncia proposta de democracia interna se apresenta como combate por

    uma viso autoritria, de poder da classe dominante sobre a universidade, que, ento,

    faz gerar o conhecimento que lhe interessa e, portanto, combate a tese do Conselho,

    combate a tese da participao. (TEIXEIRA, 2006, p. 76)

    Interessante notar como o discurso distorce o ponto de vista, uma vez que a

    resistncia reforma universitria, do lado dos defensores socialistas, vinha exatamente

    combater o falso consenso6 erigido por um trip constitudo pelo Banco Mundial, pelo

    prprio governo Lula da Silva e por uma ONG francesa, ORUS, dirigida por Edgar

    Morin (LEHER, 2004?), o qual representaria a vitria de um projeto asperamente

    combatido por sindicatos, estudantes, reitores, entidades cientficas, fruns de

    educadores e partidos, no curso da ltima dcada: a conexo com o mercado e, mais

    amplamente, a converso da educao em um mercado. (LEHER, 2004?). Isto, porque

    a abertura de assentos para representantes do capital nos Conselhos Superiores das

    Universidades, certamente retardaria um processo democrtico de reforma, a partir de

    seus protagonistas, para afirm-la [a Universidade] como instituio pblica, gratuita,

    autnoma, universal, locus de socializao e de produo de conhecimento novo.

    (LEHER, 2004?).

    Face ao carter restritivo que se identifica nos termos acima expostos, so

    suscitadas neste artigo breves reflexes em torno dos dissensos entre esse discurso da

    expanso universitria como ampliao democrtica do acesso e permanncia na

    educao superior pblica e as particularidades do processo interiorizao das

    universidades federais.

    Algumas indagaes referentes quilo que se acredita ser uma maior

    aproximao possvel da democratizao da educao superior pblica circunscrevem

    os termos desse debate, centrado na relao entre Estado (provedor dos servios, das

    instituies federais de ensino superior) e sociedade civil (razo de ser das

    6 Sobre a falsificao do consenso, cf. GENTILI, 2002.

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    universidades) e, dentro desta, a relao entre estudantes (demandadores e usurios) e

    professores (promotores institucionais da atividade fim, ou seja, ensino-pesquisa-

    extenso):

    1) Quais as condies reais, em termos de estrutura fsica e recursos

    infraestruturais no mbito institucional da expanso universitria para o interior, esto

    disponveis comunidade acadmica para garantir a realizao do ensino-pesquisa-

    extenso com seriedade, rigor e compromisso social?

    2) Qual o nexo entre as expectativas discentes de obteno de ttulos acadmicos

    (de graduao e ps-graduao), bem como, de expandir seu conhecimento e contribuir

    para o desenvolvimento cientfico e inovao tecnolgica e as efetivas possibilidades de

    prosseguir no processo de formao dedicando-se privilegiadamente aos estudos, sem

    atrasos ou rompimento dos cursos, concluindo-os nos prazos mnimos de integralizao,

    participando ativamente de projetos acadmicos?

    3) Qual o nexo entre os projetos profissionais docentes, os apoios institucionais

    requeridos e conquistados (para sua qualificao e para a realizao de atividades

    acadmicas) e o compromisso social com discentes e comunidade local?

    No limite deste artigo, no h pretenso de ser responder a esses

    questionamentos amiudadamente, sendo aqui apenas esboados e sugeridos para

    posterior aprofundamento. Todavia, tendo por certo que tais respostas s faro sentido a

    partir do entendimento das mltiplas determinaes que lhe conferem concretude

    histrica, buscar-se- compreender, em princpio, a quem (realmente) interessa a

    democratizao do ensino superior pblico e o que justifica tal opo poltica no

    mbito da direo do PT no plano do governo federal.

    Esse exerccio de reflexo crtica recorre, portanto, a uma abordagem

    fundamentada no materialismo histrico, especialmente na perspectiva gramsciana da

    construo consensual da hegemonia.

    Tendo por objetivo confrontar o discurso governamental com a implantao de

    novas universidades, novos campi, novos cursos, novas turmas, conforme revelam as

    estatsticas do MEC, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio

    Teixeira (INEP) e outras tantas, o texto est organizado de modo a traar uma linha

    argumentativa que situe os parmetros oficiais e tericos acerca do que se est

    chamando de democratizao do acesso ao ensino superior pblico, trazendo, paralela e

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    concomitantemente, uma discusso, a partir das contribuies de autores marxistas, que

    permita desvelar os limites dessa concepo.

    Em se tratando de um trabalho ensasta, a construo deste artigo careceu ainda

    de subsdios empricos e aportes tericos mais consistentes. , portanto, despretensioso

    em termos de apresentar proposies conclusivas, vindo mais a levantar

    questionamentos e suscitar reflexes que a trazer respostas.

    2. QUE DEMOCRATIZAO ESSA? Situando os termos do debate, as controvrsias do discurso oficial acerca da

    democratizao do ensino superior pblico, no contexto da reforma universitria posta

    em curso durante o governo do PT na esfera federal brasileira, so aqui apresentadas

    quase como parfrase da clebre indagao (cano) do compositor musical Renato

    Russo: Que Pas Este? (1978/1987).

    Como se afirma logo no primeiro artigo da Constituio vigente desde 1988, a

    Repblica Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrtico de direito que tem

    como princpios fundamentais a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana,

    os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo poltico, sendo a

    democracia representativa o regime primordial de exerccio de poder do povo.

    Assume-se, desta forma, como parmetro de relao entre Estado e sociedade

    civil, a noo de cidadania democrtica moderna, a qual, segundo Ellen Wood (2011, p.

    177), origina-se no feudalismo europeu e culmina no capitalismo liberal, marcando a

    ascenso das classes proprietrias e a auto declarao da independncia dos prprios

    senhores em relao aos governos monrquicos. Os princpios constitucionais

    modernos, portanto, deslocaram as implicaes do governo pelo demos como

    equilbrio de poder entre ricos e pobres como critrio central da democracia.

    (WOOD, 2011, p. 177). Desta forma, como aludido por Wood (ibid., p. 178), [...] a afirmao do privilgio aristocrtico contra a invaso das monarquias produziu a tradio da soberania popular de que deriva a concepo moderna de democracia; ainda assim, o povo em questo no era o demos, mas um estrato privilegiado que constituiu uma nao poltica exclusiva situada no espao pblico entre a monarquia e a multido. [...] (grifo nosso)

    preciso destacar que, nestes termos, tomando como exemplo a supremacia

    parlamentar na Inglaterra, o povo no realmente soberano, revelando-se a crescente

    centralizao do poder parlamentar no executivo, produzindo algo semelhante

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    soberanizao do gabinete, ou at mesmo do prprio cargo de primeiro-ministro.

    (WOOD, 2011, p. 178-179)

    Pois bem. Situado o limite do alcance pretensamente democrtico do Estado

    liberal idealizado na Constituio Federal (CF) brasileira, prossegue-se apontando que o

    texto constitucional propugna que a educao direito de todos e dever do Estado e da

    famlia, a ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao -

    pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua

    qualificao para o trabalho. (BRASIL, 1988, art. 205, grifos nossos)

    Os princpios que regem o ensino so, ento, enumerados no artigo 206 da CF

    (BRASIL, 1988, grifos nossos): I igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; II liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas, e coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino; IV gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais; V valorizao dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, -planos de carreira para o magistrio pblico, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso pblico de provas e ttulos; VI gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei; VII garantia de padro de qualidade.

    Em relao educao superior, a CF estabelece que a efetivao do dever do

    Estado dar-se- mediante o acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da

    criao artstica, segundo a capacidade de cada um (BRASIL, 1988, art. 208, inc. V,

    grifo nosso). O gozo de autonomia didtico-cientfica, administrativa e de gesto

    financeira e patrimonial, bem como, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

    extenso nas universidades (BRASIL, 1988, art. 207), so tambm afirmados como

    pressupostos e prerrogativas da instituio universitria, vindo a estabelecer as diretrizes

    para sua gesto e a definio de sua prpria razo de ser (sua natureza), de sua

    finalidade e utilidade social.

    Justificando os grifos s citaes do texto constitucional, observa-se que a

    presuno do pleno desenvolvimento da pessoa h de se realizar atravs do trabalho,

    que por sua vez a qualifica como cidad; portanto, preparar para o exerccio da

    cidadania implica em preparar a pessoa para o trabalho, conforme a diviso social e

    tcnica do trabalho no modo de produo capitalista. Sendo esta a finalidade precpua

    da educao, a participao democrtica das pessoas no ensino superior, acompanhando

    a lgica gradativa do direito instruo assente na Declarao Universal dos Direitos

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    Humanos7, limita-se a esse tipo de formao segundo a capacidade de cada um. Ou

    seja, o critrio meritocrtico, seletivo de ingresso aos nveis hierarquizados mais

    elevados de ensino carrega em seu bojo o pressuposto da liberdade de escolha, a qual,

    no entanto, j dialeticamente tolhida desde a raiz, quando lastreada pela definio das

    capacidades individuais, em detrimento de uma viso universalizadora que tenha como

    propsito um processo de formao contnua dos indivduos, no sentido de um

    desenvolvimento integral de capacidades mltiplas, no fragmentadas. O carter

    seletivo e no universal do acesso Universidade, por si s, j nega alguns dos

    princpios que regem o ensino.

    Os princpios grifados (art. 206) remetem aos questionamentos elaborados na

    introduo deste artigo, em relao s condies concretas de acesso, permanncia e

    desempenho dos estudantes nas universidades federais interiorizadas, considerando no

    apenas o aumento significativo do nmero de ingressantes ao longo dos anos de

    implantao da reforma universitria dita democrtica, mas tomando em conta,

    principalmente, a qualidade da formao profissional em nvel superior e o

    aproveitamento do capital social produzido nesse processo.

    Retomando as consideraes de Ellen Wood acima referidas, remetem-se

    reflexo: qual o sentido, a direo e a fruio da poltica nacional de educao, no

    Brasil, enraizada nos padres do Estado liberal capitalista, sob a direo de um partido

    poltico fundado em teses de cunho socialista? Em outras palavras, questiona-se: a

    quem, no mbito dos governos de Lula e Dilma Roussef, (realmente) interessa a

    democratizao da educao superior pblica nos moldes do processo de reforma

    universitria em curso? E quem (verdadeiramente) usufrui dos ganhos da expanso das

    instituies federais de ensino superior, particularmente da interiorizao?

    Conforme se anunciava em pea publicitria do MEC, veiculada na mdia

    televisiva no ms de maio8 e atualizada em setembro de 2013, o ingresso para as

    7 A Declarao Universal dos Direitos Humanos (Adotada e proclamada pela resoluo 217 A (III) da

    Assembleia Geral das Naes Unidas em 10 de dezembro de 1948), no seu Artigo XXVI, item 1, proclama que: Toda pessoa tem direito instruo. A instruo ser gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instruo elementar ser obrigatria. A instruo tcnico-profissional ser acessvel a todos, bem como a instruo superior, esta baseada no mrito. (grifos nossos)

    8 Vdeo com durao de um minuto, apresentado nos intervalos comerciais da programao de emissoras de televiso em canal aberto, em maio de 2013, fazendo a chamada para inscries de interessados no Enem. Mostra o depoimento de uma estudante do curso de Pedagogia sobre a conquista de um bom resultado no Enem, graas ao seu empenho pessoal em estudar e manter-se atualizada. Disponvel em: . Acesso em: 27 set. 2013.

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    universidades e institutos federais, atravs do Sistema de Seleo Unificada (Sisu), alm

    do Programa Universidade para Todos (ProUni), do Fundo de Financiamento Estudantil

    (Fies) e do Programa Cincia sem Fronteiras, tem sido oportunizado pelo MEC a

    milhes de brasileiros que fazem o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem)9.

    Enfatiza-se na propaganda governamental que: O direito de estudar de todos. O

    mrito da conquista sempre seu. (mensagem de campanha publicitria)10.

    Mais recentemente, em 2014, a estratgia de propaganda do Enem que vem

    sendo veiculada nos vrios meios de comunicao, apresenta-o como caminho de

    oportunidades que torna acessvel a abertura de portas do conhecimento. A

    mensagem publicitria11 enaltece o esforo individual bem ao modo liberal, pois,

    conforme o jingle: [Para] ter uma vida feliz, com qualidade, o caminho j existe, basta

    ter vontade. s querer, se dedicar e estudar. Muitas portas abertas para voc em todas

    as etapas da sua vida escolar. [...].

    No que tange ao assunto tratado neste artigo, essas campanhas chamam a

    ateno para a relevncia do Enem no conjunto de estratgias governamentais para

    promover a democratizao aqui problematizada. Insinua-se uma pretensa justia

    social, caracterizada na mensagem publicitria como acesso democrtico, atravs da

    gama de oportunidades de acesso ao ensino superior pblico e privado, nas diversas

    modalidades apresentadas: Sisu, ProUni, Fies e Cincia sem Fronteiras12, como

    tambm, mediante a iseno de taxa de inscrio para estudantes da rede pblica ou 9 Criado em 1998, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), o

    Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) foi idealizado como (simples) mecanismo de avaliao do desempenho do aluno ao trmino da escolaridade bsica. Hoje, serve como modalidade alternativa ou complementar aos processos de seleo para o acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho. (INSTITUTO..., 2005, p. 7)

    10 Disponvel em: . Acesso em: 27 set. 2013. 11 Disponvel em: . Acesso em: 25 maio 2014. 12 De acordo com as informaes disponveis no Portal do MEC na internet (.

    Acesso em: 30 set. 2013), o Sisu um sistema de seleo de candidatos para as vagas das instituies pblicas de ensino superior que utilizam a nota do Enem como nica fase de seu processo seletivo; o ProUni concede bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes em instituies privadas de educao superior; o Fies, operacionalizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), oferece crdito a estudantes matriculados em instituies de ensino no gratuitas cadastradas no programa, em cursos com avaliao positiva no Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior (SINAES). O Programa Cincia sem Fronteiras, por sua vez, uma ao interministerial do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI) e do Ministrio da Educao (MEC), por meio de suas respectivas instituies de fomento CNPq e Capes , e Secretarias de Ensino Superior e de Ensino Tecnolgico do MEC, cujo objetivo promover a consolidao, expanso e internacionalizao da cincia e tecnologia, da inovao e da competitividade brasileira por meio do intercmbio e da mobilidade internacional, como informado em seu Portal especfico na internet (. Acesso em: 30 set. 2013).

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    com renda familiar de at um salrio mnimo em meio per capita, alm da reserva de

    cota de 50% das matrculas por curso e turno da IFES a alunos oriundos integralmente

    do ensino mdio pblico, definida pela Lei n 12.711/2012 (conhecida com lei das

    cotas), regulamentada pelo Decreto n 7.824/2012 e pela Portaria Normativa n 18/2012,

    do Ministrio da Educao.

    Cabe, ento, situar que das 63 universidades federais hoje existentes13, 18 foram

    criadas ou implantadas a partir de 2003, no bojo do processo de reforma universitria,

    contemplando novas instituies e transformao de faculdades ou centros

    universitrios em universidades.

    De acordo com o MEC (MINISTRIO DA EDUCAO, 2011?), a expanso

    das universidades federais em todo o Brasil ter alcanado at 2014 um total de 321

    campus, abrangendo 275 municpios. Isso equivale a um crescimento de 173 campus

    em 161 municpios alm da oferta pr-existente (no perodo de 1808 a 2002 = 148

    campus / 114 municpios). Em termos percentuais, o governo federal ter alcanado o

    feito de expandir e interiorizar 117% das instituies federais de ensino superior isto

    s para dizer das universidades (pois esto excludas deste clculo as instituies

    federais de ensino profissional tecnolgico de nvel superior); isto representar a

    incluso de 141% de municpios com abertura de oportunidades para acesso formao

    universitria.

    Todo esse processo tem ocorrido de modo planejado, em ciclos de expanso, a

    saber (FORPLAD, 2008): 1) Primeiro Ciclo Expanso para o Interior 2003/2006; 2)

    Segundo Ciclo Expanso com Reestruturao 2007/2012 REUNI (Decreto 6.096

    de 24.04.2007 Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das

    Universidades Federais); 3) Terceiro Ciclo Expanso com nfase nas interfaces

    internacionais 2008/201014.

    Importante registrar que os planos de desenvolvimento institucional (PDI) das

    universidades recm-criadas com seus respectivos projetos pedaggicos , bem como,

    13 Conforme pesquisa na base de dados do Sistema e-MEC. Disponvel em: .

    Acesso em: 25 maio 2014. Chave de busca em Consulta Textual: IES / Categoria Administrativa / Pblica Federal.

    14 Informaes atualizadas, atravs de pesquisas diversas na internet, do conta de que j esto em funcionamento as 4 universidades planejadas no terceiro ciclo de expanso: Universidade Federal da Integrao Latino-Americana UNILA, Foz do Iguau-PR; Universidade Federal do Oeste do Par UFOPA, Santarm-PA; Universidade Luso Afro-Brasileira- Universidade UNILAB, Redeno-CE; e Universidade Federal da Fronteira Sul UFFS.

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    das universidades antigas que aderiram ao REUNI, ampliando sua estrutura com novos

    campi, novos cursos, novas turmas, encontram lastro na filosofia da universidade nova.

    Isto , a inspirao do REUNI no chamado processo de Bolonha, que estabelece o

    Espao Europeu de Ensino Superior, pressupe implantao de um sistema de graus

    acadmicos facilmente reconhecveis e comparveis, que promova a mobilidade dos

    estudantes, dos professores e dos investigadores, assegurando a elevao da qualidade

    da docncia, incorporando uma dimenso sistmica continental e intercontinental no

    ensino superior baseado em trs ciclos: Licenciatura Mestrado Doutoramento e

    ampliando as chances de empregabilidade. Uma importante caracterstica deste processo

    a implantao dos bacharelados interdisciplinares (BI).

    Sobre a importao do modelo europeu para a educao superior pblica no

    Brasil, Leher (2004?) adverte que: [...] Essa ofensiva, presente tambm na agenda do ALCA, tem como meta edificar um mercado educacional ultramar, sacramentando a heteronomia cultural. Mas o pr-requisito converter, no plano do imaginrio social, a educao da esfera do direito para a esfera do mercado, por isso o uso de um lxico empresarial: excelncia, eficincia, gesto por objetivos, clientes e usurios, empreendedorismo, produtividade, profissionalizao por competncias, etc.

    Ora, tal perspectiva de reforma democrtica e emancipatria da Universidade

    encontra respaldo terico na seguinte avaliao de Boaventura de Sousa Santos

    (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008, p. 25): O desenvolvimento do ensino universitrio nos pases centrais, nos trinta ou quarenta anos depois da segunda guerra mundial, assentou, por um lado, nos xitos da luta social pelo direito educao, traduzida na exigncia da democratizao do acesso universidade, e, por outro lado, nos imperativos da economia que exigia uma maior qualificao da mo-de-obra nos sectores chave da indstria. A situao alterou-se significativamente a partir de meados da dcada de setenta com a crise econmica que ento estalou. A partir de ento gerou-se uma contradio entre a reduo dos investimentos pblicos na educao superior e a intensificao da concorrncia entre empresas, assente na busca da inovao tecnolgica e, portanto, no conhecimento tcnico cientfico que a tornava possvel e na formao de uma mo-de-obra altamente qualificada.

    No Brasil, o foco na profissionalizao tcnica em nvel mdio, para atender s

    demandas de modernizao da economia teria promovido a crescente elitizao da

    instituio universitria e mercantilizao do ensino superior, ao reduzir os

    investimentos pblicos e, mais adiante, jogar para o setor privado tanto a oferta do

    ensino quanto o financiamento de pesquisas e inovao tecnolgica mesmo dentro das

    estruturas das universidades pblicas.

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    Ratificando os propsitos expansionistas e o fortalecimento do setor pblico, o

    Plano Nacional de Educao PNE 2011-2020 (CMARA DOS DEPUTADOS, 2011,

    p. 39-41), prev na meta 12: Elevar a taxa bruta de matrcula na educao superior para

    cinquenta por cento e a taxa lquida para trinta e trs por cento da populao de dezoito

    a vinte e quatro anos, assegurando a qualidade da oferta. Para tanto, apresentam-se

    como estratgias referentes ao ensino pblico, dentre outras: a ampliao e

    interiorizao do ensino em nvel de graduao, territorialmente uniforme, com aumento

    da oferta de vagas proporcional densidade populacional, sendo um tero das vagas em

    cursos noturnos; a otimizao da capacidade instalada da estrutura fsica e dos recursos

    humanos; a elevao gradual da taxa de concluso mdia dos cursos de graduao

    presenciais para 90%; prioridade para a formao de professores para a educao

    bsica, sobretudo nas reas de cincias e matemtica; fomento de polticas de incluso e

    de assistncia estudantil, de modo a ampliar as taxas de acesso de estudantes egressos

    da escola pblica, apoiando seu sucesso acadmico; fomento da ampliao da oferta de

    estgio como parte da formao de nvel superior; ampliao proporcional de grupos

    historicamente desfavorecidos na educao superior, mediante a adoo de polticas

    afirmativas.

    Os parmetros situados nas estratgias do governo federal revelam que a

    democratizao do ensino superior pblico, como incluso social por meio da ampliao

    do acesso e garantia da permanncia das classes populares, justificam-se, ento, como

    um enfrentamento contradio entre as exigncias de democratizao e os

    imperativos da economia, considerada por Santos (SANTOS; ALMEIDA FILHO,

    2008, p. 14) como um dos vetores da crise de hegemonia das universidades, expressa na

    crise de legitimidade: de um lado, a defesa da autonomia universitria na definio de

    valores e objetivos, com exigncias sociais e polticas para garantia de igualdade de

    oportunidades para os filhos das classes populares e, de outro, a hierarquizao dos

    saberes especializados atravs das restries do acesso e submisso das universidades a

    critrios de eficcia e de produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade

    social.

    Portanto, justifica-se a expanso universitria como tarefa eminentemente

    governamental, no sentido da oferta do servio pblico federal (MINISTRIO DA

    EDUCAO, 2011?):

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    [...] Por isto, a expanso das universidades federais constituiu-se [...] em conexo com os grandes impasses e dilemas [...] entre os quais se sobressaem a superao das desigualdades e a construo de um modelo desenvolvimento sustentvel, capaz de conciliar crescimento econmico com justia social e equilbrio ambiental. As universidades federais foram chamadas a interagir com as vocaes e as culturas regionais repartindo o saber e a tecnologia com toda a sociedade. A interiorizao foi uma das principais diretrizes norteadoras do mapa da expanso com foco voltado para as necessidade e vocaes econmicas de cada regio.

    Buscando argumentos para uma aproximao com a realidade brasileira e

    atualizao da anlise conjuntural durante os governos petistas, recorre-se ao artigo

    Hegemonia da pequena poltica, no qual Carlos Nelson Coutinho (2010) colhe do

    arcabouo categorial de Gramsci o conceito de contrarreforma para caracterizar o

    perodo contemporneo ps-Welfare (contrarreforma neoliberal) e mais precisamente a

    ascenso do PT, tendo frente o ex-sindicalista Lus Incio Lula da Silva, enquanto

    dirigente cultural no bloco histrico hegemnico brasileiro.

    Em sua argumentao, o autor afirma que aps o fim da ditadura, o Brasil se viu

    diante de duas possibilidades de reorganizao de sua recm-criada sociedade

    ocidental15: ou adotava o modelo americano (neoliberal), ou o modelo europeu

    (democrtico) (COUTINHO, 2010, p. 41). Na sequncia, Coutinho (2010, p. 42)

    conclui que A presena simultnea de aparelhos de hegemonia prprios desses dois diferentes modelos revelava, de certo modo, a persistncia de uma indefinio quanto ao tipo de sociedade ocidental que iramos construir. Infelizmente, a chegada do PT ao governo federal em 2003, longe de contribuir para minar a hegemonia neoliberal, como muitos esperavam, reforou-a de modo significativo.

    Citando Gramsci (1999-2003 apud COUTINHO, 2010, p. 29), o autor distingue

    a hegemonia da grande poltica, isto , projeto de disputas ideolgicas em termos

    organizao societria, ligadas fundao de novos Estados, luta pela destruio,

    pela defesa e pela conservao de determinadas estruturas orgnicas econmico-sociais

    da hegemonia da pequena poltica, que diz respeito s crenas e valores fundados em

    questes parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura j

    estabelecida [...] (poltica do dia a dia, poltica parlamentar, de corredor, de intrigas).

    15 Segundo Coutinho (2010, p. 40), [...] o Brasil, aps mais de vinte anos de ditadura, havia se tornado

    preponderantemente uma sociedade ocidental no sentido gramsciano do termo, ou seja, na qual existe uma justa relao entre Estado e sociedade civil.

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    Nessa perspectiva, o neoliberalismo , assim, um projeto hegemnico da grande

    poltica que, como tal, intenta excluir a grande poltica do mbito interno da vida

    estatal e reduzir tudo a pequena poltica. (GRAMSCI, 1999-2003, p. 21 apud

    COUTINHO, 2010, p. 29). Seguindo este raciocnio, Coutinho retoca as provocaes

    formuladas por Francisco Oliveira no artigo que antecede o seu na mesma coletnea

    (OLIVEIRA; BRAGA; RIZEK, 2010), contestando a expresso hegemonia s

    avessas, cunhada por Oliveira e afirmando preferir caracterizar as relaes

    hegemnicas analisadas como hegemonia da pequena poltica.

    Por sua vez, Francisco Oliveira (2010, p. 369) encontrou no termo utilizado um

    modo irnico para referir-se aos regimes polticos que, fundados na categoria

    gramsciana socializao da poltica, ao chegar ao poder, praticam polticas que so o

    avesso do mandato de classes recebido nas urnas, como seria o caso das presidncias

    do Partido dos Trabalhadores no Brasil.

    Nestes termos, Oliveira (2010, p. 376) ilustra a expresso por ele inventada com

    a hilria analogia de algum que vestiu a roupa s pressas e no percebeu que saiu

    rua do avesso. O avesso do avesso da hegemonia s avessas representa a regresso

    poltica, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda do lulismo.

    Lembrando que hegemonia consenso e no coero, Coutinho (2010, p. 30)

    adverte que ela nem sempre se baseia em ideologias orgnicas. Portanto,

    independente de tal fundamento, [...] uma relao de hegemonia estabelecida quando um conjunto de crenas e valores se enraza no senso comum, naquela concepo do mundo que Gramsci definiu como bizarra e heterclita, com frequncia contraditria, que orientaa muitas vezes sem plena conscincia o pensamento e a ao de grandes massas de mulheres e homens. [...] predominam, hoje, no senso comum, determinados valores que asseguram a reproduo do capitalismo, ainda que nem sempre o defendam diretamente.

    Tendo por certo que existe hegemonia quando h adeso consensual, ativa ou

    passiva, a certos valores, Coutinho (2010, p. 31) afirma que a hegemonia da pequena

    poltica baseia-se precisamente no consenso passivo, o qual se expressa pela aceitao

    resignada do existente como algo natural. Mais precisamente, da transformao das

    ideias e dos valores das classes dominantes em senso comum de grandes massas,

    inclusive das classes subalternas.

    De acordo com Leher (2004?), o lxico empresarial que orienta o processo de

    expanso universitria como uma estratgia de ampliao de oportunidades de

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    desenvolvimento de competncias e habilidades especializadas numa sociedade

    altamente competitiva [...] contraposto s polticas pblicas universais e ao modelo universitrio consagrado na Carta de 1988, cujos defensores so desqualificados como corporativistas, elitistas, privilegiados, insensveis ao drama social. Nesse jogo de significaes aparentemente difusas, o governo joga o povo pobre (os camponeses, citados por Lula da Silva) contra os privilegiados servidores da universidade (os professores, conforme o mesmo Lula da Silva) (mensagem: o campons pobre porque os professores tm muitos privilgios, nada tendo a ver com a estrutura fundiria!), a exemplo do que fizera na reforma da previdncia. Assim, reformas regressivas, privatistas, anti-republicanas e que beneficiam os ricos, so apresentadas aos de baixo como uma vitria da justia frente aos privilgios.

    Essas consideraes remetem compreenso do triunfo da pequena poltica,

    dado pela fragmentao das lutas setoriais que no pem em questo o domnio do

    capital e alienam a poltica como simples questo de administrao do existente,

    revelando-se a apatia como um fenmeno de massa, teorizada pelos neoliberais como

    um fator positivo para a conservao da democracia [...]. (COUTINHO, 2010, p. 31-

    32)

    Virgnia Fontes (2008, p. 33) por sua vez, ir referir-se a um programa

    educativo de subalternizao das massas, numa meno ao adestramento e

    disciplinamento pelo capital de enormes massas de trabalhadores desprovidos de

    direitos, muitas vezes sem contrato formal de trabalho, atravs de requalificaes para

    a empregabilidade que, com recursos pblicos, formam uma mo-de-obra disponvel

    para o capital, na modalidade de empresrios de si mesmos, empreendedores.

    Ainda de acordo com Coutinho (2010, p. 37), a luta de classes certamente no

    deixou de existir, porm, no se trava mais em nome da conquista de novos direitos,

    mas da defesa daqueles j conquistados no passado. Desta forma, as reformas

    presentes na agenda poltica tanto dos pases capitalistas centrais como tambm dos

    perifricos ou emergentes objetivam a restaurao de um capitalismo selvagem,

    cuja descrio se aproxima mais do conceito gramsciano de contrarreforma que do

    conceito de revoluo passiva. O que caracteriza um processo de contrarreforma no

    a completa ausncia do novo, mas a enorme preponderncia da conservao (ou mesmo

    da restaurao) em face das eventuais e tmidas novidades. (COUTINHO, 2010, p. 38)

    Esta uma linha argumentativa esclarecedora da massificao da educao

    superior, que, pautada na crescente especializao da diviso social e tcnica do

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    trabalho, expressa na dimenso sistmica dos ciclos de graduao e ps-graduao

    desenhada no processo de Bolonha, inspira a reforma universitria brasileira.

    Na defesa de uma opo clara pelo fortalecimento do ensino pblico, Teixeira

    (2006, p. 77-78) evoca, ento, o princpio que considera mais revolucionrio da

    sociedade democrtica: o princpio jurdico da igualdade formal, o qual, no

    conseguindo integrar a vida das pessoas, requer outra norma jurdica necessria sua

    recomposio, como, por exemplo, a oferta de vagas em cursos noturnos, uma poltica

    afirmativa de cotas, assim como uma poltica de assistncia estudantil. Isso o que

    concebe como democracia, como possibilidade de democratizar o acesso.

    Para desmistificar esta lgica, parece pertinente entender que Ellen Wood (2011,

    passim) proporciona alguns elementos reflexivos a respeito dos limites da democracia

    burguesa, especialmente no que tange individualizao crescente da sociedade

    capitalista, haja vista, os princpios antidemocrticos da cidadania democrtica

    inventada pelos Pais Fundadores [os federalistas] da democracia representativa

    americana. Ou seja, a democracia moderna fruto da inovao norte-americana

    estabelece uma ideia constitutiva essencial, qual seja, a alienao do poder, o

    distanciamento do povo da poltica. Na democracia capitalista [...] a posio socioeconmica no determina o direito cidadania e isso o democrtico da democracia capitalista , mas [...] a igualdade civil no afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade de classe e isso que limita a democracia no capitalismo. As relaes de classe entre capital e trabalho podem sobreviver at mesmo igualdade jurdica e ao sufrgio universal. Neste sentido, a igualdade poltica na democracia capitalista no somente coexiste com a desigualdade socioeconmica, mas a deixa fundamentalmente intacta. (WOOD, 2011, p. 184)

    Acompanhando as contribuies de Wood, possvel compreender que a

    formao profissional fragmentada, como desenvolvimento de competncia e

    exclusividade, a especializao, afasta os trabalhadores da cidadania, da vida poltica.

    Tal acepo encontra aporte no princpio socrtico de que a virtude conhecimento.

    Esse princpio funda o ataque de Plato, nO Poltico e nA Repblica, democracia

    universal, tal qual em Atenas. Isto , [...] a arte da poltica deve ser praticada apenas

    por quem nela se especializa. No deve haver sapateiros e ferreiros na Assembleia. A

    essncia da justia no Estado o princpio de que o sapateiro deve se ater sua frma.

    (WOOD, 2011, p . 167)

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    Seguindo outro vis interpretativo, Pablo Gentili (2002) vai chamar de simulacro

    o jogo de palavras nos discursos oficiais, cuja finalidade retrica do neoliberalismo,

    como perspectiva doutrinria, mesmo a falsificao do consenso em torno de uma

    democracia mnima, atravs de uma argumentao instrumental e fundamentalista.

    Como retrica do governo, destaca-se o discurso de Teixeira (2006, p. 71): Na verdade, se vive um processo, muito cedo ainda para falar em democracia na universidade. E isso muito difcil quando ns vivemos nesse mundo capitalista, conhecido de todos, esse modo de produo que a est, que muito mais compatvel com a desigualdade, porque exige competio e a competio exclui e, portanto, elitiza, e isso rivaliza com o sentido de democracia. Essa relao entre Estado, mercado e democracia cada vez mais o problema central de todas as nossas aes, seja na educao, seja em qualquer outra rea de atuao do governo.

    Aparentemente avanado, embora traga baila a compatibilizao do

    desenvolvimento econmico pautado no desenvolvimento cientfico e tecnolgico

    com uma possvel redistribuio do conhecimento que a chave para o futuro

    representada pelos jarges do crescimento sustentvel e da justia social, o sentido da

    democratizao da educao superior permanece restrito, comparecendo nos discursos

    do ento Ministro Tarso Genro (2004a) claramente associado ampliao do nmero de

    ingressos nas instituies universitrias pblicas e congneres, como se pode extrair na

    seguinte afirmao: So pelo menos cinco as razes que motivam a reforma [universitria]: o fortalecimento da universidade pblica, o combate mercantilizao do ensino, a democratizao do acesso, a garantia da qualidade e a busca de uma gesto democrtica e eficiente.

    Todavia, tecida como crtica e contraposio a uma distorcida deciso de

    governos anteriores, que teria promovido uma expanso desordenada do ensino

    privado a partir da metade da dcada de 90 (GENRO, 2004a), compreende-se que essa

    viso no vai alm de uma farsa reducionista do alcance democrtico, que preconiza a

    quantidade em detrimento da qualidade. A reforma deve afirmar e expandir a universidade pblica para regies estratgicas e reas de conhecimento estratgico. Deve criar condies para que a universidade impulsione a reduo das desigualdades regionais, inclusive ampliando as oportunidades para os jovens originrios das classes populares. No somente porque isto uma necessidade da construo democrtica, mas tambm pelo fato objetivo de que estamos perante um processo brutal de perdas de crebros, de no aproveitamento dos recursos humanos do nosso pas e de desperdcio dos prprios recursos naturais que o pas dispe. (GENRO, 25 abr. 2005)

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    Em Coutinho, com evidncia para a Democracia como valor universal artigo

    que, publicado em 1979, no apagar do regime de exceo da ditadura militar, causou

    polmica entre os militantes da esquerda ,16 busca-se compreender as influncias da

    renovao democrtica, enquanto elemento indispensvel para criao dos

    pressupostos do socialismo [...] (COUTINHO, 1979, p. 35), que aparece como

    contedo estratgico revolucionrio no processo de ascenso das massas condio de

    sujeitos polticos coletivos como foi o caso, vinte e trs anos aps a publicao desse

    artigo, do PT alado Presidncia da Repblica , numa perspectiva da democracia

    poltica como um valor estratgico permanente, pressuposto da criao uma nova

    democracia, organizada de baixo para cima. (COUTINHO, 1979, p. 37)

    Ao contrrio da concepo equivocada dos socialistas que no superam a viso

    estreita da democracia poltica como instrumento das elites dominantes e dirigentes,

    esse autor opina que a tarefa das foras populares no combate ao regime de exceo a

    criao dos pressupostos polticos, econmicos e ideolgicos como estratgia

    permanente para a conquista, a consolidao e o aprofundamento do socialismo.

    Sua tese se fundamenta numa nova concepo do vnculo entre socialismo e

    democracia por parte dos marxistas, face anlise crtica do "socialismo real", no final

    dos anos 70. E a base desse novo modo de conceber o Estado dentro da prpria teoria

    marxista assenta-se nas teses de Antnio Gramsci, que coloca a questo democrtica no

    centro da transio para o socialismo.

    Atualizando seu discurso, em entrevista concedida revista Caros Amigos

    (ENTREVISTA..., 2009), Coutinho reafirma a radicalizao da democracia como

    elemento crucial para esse projeto estratgico: A democratizao o processo de crescente socializao da poltica com maior participao na poltica, e, sobretudo, a socializao do poder poltico. Ento, eu acredito que a plena socializao do poder poltico, ou seja, da democracia, s pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre h dficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exerccio deles limitado pela condio classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realizao da democracia, o autogoverno da sociedade s pode ser realizado no socialismo. Ento, eu diria que sem democracia no h socialismo, e sem socialismo no h democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual nfase.

    16 O posicionamento de Coutinho foi criticado por autores marxistas mais ortodoxos, como o caso de

    Caio Navarro de Toledo que postulou a mistificao da perspectiva do socialismo como resultado da radicalizao da democracia, apontando-a como um equvoco idealista, alegando que a valorizao exacerbada da democracia nega a possibilidade de confrontos e rupturas com os setores dominantes (TOLEDO, 1994 apud NASCIMENTO, 2000, p. 69).

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    Em que pese o contexto histrico mundial e nacional sob a influncia do qual

    Coutinho elaborou sua tese, o projeto de renovao democrtica por ele proposto

    revela-se bastante pertinente anlise aqui desenvolvida. A renovao democrtica

    compreende, portanto, um processo de transio para o socialismo, que se faz pela

    criao de novos institutos polticos inexistentes na democracia liberal clssica.

    Institutos dos quais, como j se analisou neste artigo, o PT contrariando as

    expectativas depositadas nas urnas jamais tratou de se aproximar.

    3. CONSIDERAES FINAIS Finaliza-se provisoriamente o debate aqui apenas ensaiado, apontando os

    controvertidos termos contidos no discurso oficial extensamente problematizado neste

    artigo.

    Perseguindo o propsito de desmistificar os vieses dos limites democrticos do

    processo de expanso do acesso ao ensino superior pblico no Brasil durante o perodo

    de governo do Partido dos Trabalhadores PT, entre 2003 e 2013, o conceito de

    democratizao revelou-se avesso ao ideal socialista, ainda que no mbito estrito do

    reformismo.

    Tratando-se de uma anlise da opo poltica do PT assumida na chegada ao

    governo federal, os discursos governamentais em prol da reforma e expanso

    universitria como estratgia de democratizao da educao superior pblica no Brasil

    podem ser criticamente interpretados, segundo um ou outro dos pressupostos marxistas

    enunciados neste artigo os quais no se excluem, antes se complementam.

    Com destaque, a contribuio de Carlos Nelson Coutinho acerca do reformismo

    revolucionrio traz a ideia central da democracia com valor estratgico universal.

    Amparado na concepo gramsciana da luta pela hegemonia, Coutinho vai alm da

    democracia enquanto mero princpio ttico (meio) e aponta o reformismo revolucionrio

    como projeto estratgico (meio e fim) que venha a gerar mudanas no Brasil, tornando

    este pas uma nao extremamente democrtica que permita a integrao poltica e

    econmica do conjunto da populao aos benefcios do progresso nacional.

    Fica sugerido o aprofundamento do estudo e discusso do tema a partir de uma

    reflexo crtica acerca da constituio de uma contra hegemonia capaz de promover

    alteraes substantivas no bloco histrico, de modo a viabilizar a oferta e a fruio do

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    ISSN 2175-098X

    ensino superior pblico como direito universal e no como mrito de capacidades

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