degustação por entre as sombras

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Por entre as sombras

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Sinopse: À convite de Abel Gomes, a Marcelo Rios e Paula Pena para participam, como aprendizes, de uma caravana que segue rumo às regiões das sombras mais densas, e, assim, tomam consciência dessas atividades e do mundo que nos circula. No decorrer dos quatro meses de estágio, Marcelo nos apresentará suas experiências nessas regiões, aprenderemos sobre os espíritos que ainda dormitam na inconsciência de si mesmos, acompanharemos como é o trabalho dos benfeitores junto aos espíritos que já perderam a forma perispiritual. Perceberemos não apenas estar por entre as regiões das sombras, mas também, por entre as sombras da alma. Veremos como é dolorido anotar diariamente esse caudal volumoso de dores e lágrimas. O inferno, verdadeiramente, está a um passo de nós. Nosso ímpeto será o de querer remover céus e terras para que nenhum sofrimento anotado nessas páginas fosse uma verdade ou realidade. Contudo...

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Por entre as sombras �

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Jairo Avellar pelo espírito marcelo Rios�

Jairo Avellar pelo espírito Marcelo Rios

Por entre as sombras

*Frase retirada do Livro Luz Viva, psicografado por Divaldo Pereira Franco, ditado pela vene-randa Joanna de Ângelis e Marcos Prisco.

E D I T O R A

“O céu está ao seu alcance. O inferno está a um passo de você.

É questão de escolha!”*

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Copyright © 2010 byJairo Avellar

1ª edição - AGOSTO de 2010Tiragem

10.000 exemplaresCapa

Paulo Moran Revisão

Mary FerrariniProjeto Editorial e Gráfico

Noêmia Resende TeixeiraMaria Luiza Torres Teixeira

Impresso no Brasil

PEDIDOS:Rua Iporanga, 573 - B. Jardim PérolaContagem - MG - BrasilCEP - 32110-060(31) 3357-6550E-mail: [email protected]

Rios, Marcelo

Por entre as sombras/ Marcelo Rios (Espírito); psicografado por Jairo Avellar. — Contagem: Itapuã, 2010. 344 p. (Série Perante a Eternidade)

1.Espiritismo.2.Psicografia.3.Romance espírita. I. Avellar, Jairo. II. Marcelo Rios (Espírito) III. Título. ISBN: 978-85-98080-64-2 CDD 133.9

É proibida a reprodução total ou parcial sem a prévia autorização da Editora Itapuã.

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Sumário

PREFÁCIO

CAPÍTULO 01O Trabalho, recurso de reconstrução íntima

CAPÍTULO 02Os imperativos do ter e a necessidade do ser CAPÍTULO 03A Lei de Sintonia CAPÍTULO 04Rumo às Regiões das Sombras CAPÍTULO 05Nas regiões dos “vícios”

CAPÍTULO 06Nas regiões dos “hábitos”

CAPÍTULO 07 Benefícios do Culto no Lar realizado nas regiões das sombras

CAPÍTULO 08Aprendizado nas regiões das sombras CAPÍTULO 09Amor, a única religião do universo

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CAPÍTULO 10Mediunidade e Compromisso CAPÍTULO 11O Valor da Sensibilidade Humana CAPÍTULO 12No Limiar da matéria: a interseção entre os dois mundos CAPÍTULO 13Alertivas do Benfeitor

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Capítulo 3

A Lei de Sintonia (...) – Nossa, irmão Abel, não esquecerei mais isso “ter pleno con-trole de nosso mundo mental”. Parece que esta coisa é mesmo mui-to séria! – Sim, irmão Abel, eu também não esquecerei esta questão, e procurarei, doravante, refletir mais sobre o que penso e manter meu mundo mental sempre sob controle! – Ora, meninos do coração, a vida não faz mágicas, em tudo precisamos ter disciplina e controle. Controle e disciplina se aplicam a tudo. Até a disciplina, para que se avance positivamente, precisa do polimento do controle. Mas, eu estava mesmo precisando falar com vocês. Amanhã bem cedo, sairá daqui uma caravana muito interessante, sob o co-mando do nosso querido Hercules Prado, e seguirá rumo às regiões das sombras mais densas. Acho conveniente a ida de vocês como aprendizes, estagiários, para, assim, tomarem consciência dessas atividades e do mundo que nos circula. Quero que vocês tomem conhecimento de como se insere esse nosso oásis, chamado Colônia Albergue Maria de Nazareth, em todo esse contexto, e como ele se posiciona em toda essa linha de atividades e trabalhos. No caso, se vocês aceitarem o meu convite, apresentem-se na Coordenadoria de Socorros Especiais ao nosso companheiro Hercules Prado, pois já fiz a inscrição de vocês. Sigam-lhe as instruções e estejam a postos para a partida. (...)

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Capítulo 4

Rumo às regiões das Sombras

(...) Eu e Paulinha estávamos deslumbrados com tudo o que se abria à nossa frente. Situávamo-nos, agora, num extenso campo loca-lizado nas cercanias de nossa colônia. Era muito lindo, todo cercado, lembrando perfeitamente as grandes fazendas que conhecemos nas paisagens terrenas. Os mourões eram razoavelmente altos, todos la-deados por aquilo que podemos chamar de cerca viva. Uma série de pequenas arvorezinhas envoltas em ciprestes pareciam intransponí-veis. Além disso, possuía um gramado maravilhoso em verde-esme-ralda que parecia cintilar aos nossos olhos e perdia-se na imensidão diante de nossas vistas. Intrigava-me o cuidado e a maciez da textura daquele gramado. Cheguei a abaixar para tocá-lo, no afã de senti-lo melhor. Era, na realidade, como se pisássemos num veludo que acolhia gentilmente os nossos pés. Ao chegarmos àquele local, pude sentir que fazia muito frio e olhem que não era pouco. Observei que Paulinha sentia também a mesma sensação, encolhendo-se um tanto quanto incomodada. Confesso que eu também, até mesmo inconscientemente, tentava me esconder do frio. E vejam há quanto tempo já não sentia essa sensação... Aliás, não me lembrava mais de quando isso havia acontecido comigo. (...) Muito ao fundo estendia-se um grande galpão, que parecia ser feito de madeira primária, dessas toras ainda muito grosseiras, e isso

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lhe conferia uma beleza sem igual. Abriam-se diante de nós extensos vãos onde pessoas saíam e entravam, todas elas muito apressadas. O telhado inteiro era feito de um capim grosso entrelaçado, numa coloração de palha encarnada, que visto de longe formava um matiz maravilhoso com a extensa paisagem. Tudo isso nos ofertava mo-mentos de rara e encantadora beleza, encantamentos e novidades maravilhando-nos as vistas. Na realidade, eu já ouvira falar naquele local e em suas movimentações e, principalmente, nas belezas que ele guardava, mas jamais poderia imaginar que ali estariam guarda-das belezas daquela magnitude, por mais que eu me esforce em des-crevê-lo, só mesmo vocês vindo até aqui para conhecê-lo. Por isso, se em algum momento vocês puderem ou forem convidados, não deixem de vir. Tenham certeza de que valerá muito a pena e que será uma experiência inesquecível. Aliás, fica aqui o meu convite a todos. Quando ouvirem falar das Coxilhas da Fraternidade, não per-cam tempo e venham logo, vocês verão que vale a pena, pois jamais se esquecerão de tudo o que viverem aqui! Pelo extenso gramado, em muitos pontos, várias carroças e carroções eram meticulosamente trabalhados, montados e carrega-dos com vários tipos de material, sendo que um deles nos chamou mais a atenção. Era uma espécie de espiral curto que parecia brilhar intensamente. Os outros eram na forma de cubos que caberiam na palma de uma mão, e pareciam brilhar mais intensamente. Todo esse material era acomodado com cuidado especial, empilhado um a um e envolvido com algo que parecia um cobertor. Aproximei-me lentamente com o objetivo de melhor conhecê-lo; confesso que seu brilho me chamava muito a atenção. – Marcelo, essas coisas também me chamam a atenção! – Ora, Paulinha, o que me chama a atenção é essa maneira diferente de brilhar. É como se tivesse um tipo próprio de energia interna, uma luminescência. Certo é que são diferentes, eu jamais tinha visto tais coisas por aqui. – Sim, será que podemos tocá-lo?

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– Amigo, este material carregado o que é? – Vejo que são novatos por aqui! (...) De repente, nosso companheiro Hercules Prado, situado no meio do grupamento, tomou a palavra e, com muita autoridade, começou dizendo: – Irmãos queridos, estamos prestes a partir para mais uma expedição de auxílio aos nossos companheiros que nestes instantes necessitam de ajuda emergencial. Agradecemos de coração a Jesus por mais esta oportunidade bendita de trabalho, lembrando a todos que o verdadeiro agradecimento virá mesmo mediante nosso empe-nho e dedicação às tarefas às quais somos convidados. Nosso irmão Gregório Ribas estará incumbido de toda a par-te de recursos, isto quer dizer que todo o transporte e tudo o que há nele estará sob sua responsabilidade. Nossa companheira Anita é a encarregada do percurso a seguir, cabendo a ela toda a rota e a autorização para todas as paradas que se fizerem necessárias, bem como movimentar o grupamento para as tarefas do retorno. Aga-menon é o responsável pelo trabalho assistencial de apoio e amparo. Valéria coordenará as visitações. Catarina será a responsável pela segurança. Sodré será o responsável pelo recolhimento de compa-nheiros que porventura estejam em condições de ser resgatados. Heleno será nosso guia para os contatos com nossos trabalhadores que residem nessas regiões. Dividiremos o grupamento em dois, o primeiro seguirá para a região dos “vícios” e o segundo avançará para a região dos “hábitos”, isso para nos facilitar o trabalho e nos permitir maiores ganhos com relação ao tempo. Temos conosco, prazerosamente, dois companheiros recomendados por nosso ami-go Abel. São eles Marcelo e Paula, e estarão conosco na qualidade de aprendizes. Queridos amigos, fiquem de pé, por favor! (...)

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Capítulo 5

Nas regiões dos vícios

Pouco a pouco, o comboio foi se alinhando e tomando a forma de uma caravana. Assim, lentamente, fomos atravessando o portão principal. Era tudo maravilhoso, os gritos dos carroceiros orientan-do o caminho e a cantoria do pessoal tomavam conta da cena. Eram canções lindas, típicas regionais, mas num dado momento todos nós passamos a cantar a Ave Maria. Uma sensação deliciosa tomou conta de todo o ambiente. Senti um apertado nó na garganta, levado que fui pelas emoções. Bem ali ao nosso lado, uma enorme matilha de cães nos seguia atenta e rodeando sistematicamente as carroças com seus latidos estridentes e olhares atentos. Os cães possuíam algo de alegre, como se também estivessem felizes por aquela empreitada. Pouco a pouco, deixávamos aqueles sítios familiares e íamos nos embrenhando por caminhos diferentes, mas ainda àquela altura per-maneciam claros e, pelo menos, aparentemente tranquilos. Aquilo tudo era novo para mim e cheio de acontecimentos curiosos, uma atividade muito diferente das que eu estava acostumado em nossa colônia, principalmente exercidas no interior do Hospital Albergue Maria de Nazareth. Ali eu vivia outra realidade, outro momento, tudo era muito diferente. O meu coração quase saía pela boca, dado o nível de expectativas colocados por mim no trabalho. – Hei, amigo, como chama? – Chamo-me Ramiro, e o amigo?

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– Chamo-me Marcelo, prazer em conhecê-lo. Você também é novo nesta atividade? (...) – Então sempre esteve por aqui, e já faz muito tempo? – Sim, meu amigo, vim para cá à procura de um irmão e um filho, lutei braviamente até que consegui participar desse traba-lho organizado. Daí, continuei trabalhando em razão dos dois, mas, aos poucos, fui aprendendo que irmãos e filhos são, na realidade, todos os que encontramos pelo caminho. Assim, fui trabalhando, trabalhando, até que por fim conseguimos resgatá-los e socorrê-los. Esse, para mim, foi meu grande dia de glória. Foi um dia inesque-cível mesmo, meu amigo. Veja você que só de falar nisso recobro a mesma sensação de alegria. Na realidade, minha gratidão a todos e a tudo é tanta que não tenho forças para me desgarrar dessas paisa-gens. Meu amigo, cada gemido que ouço, cada pranto desesperado, cada grito de misericórdia ou de pavor me dá a certeza de que ainda é hora de continuar, de trabalhar e de me dedicar ao máximo. E assim prossigo por aqui agradecido ao Senhor Jesus pela dádiva que Ele me concede! (...) – Você sabe onde eles estão hoje? – Sei, sim. – Onde – Encontram-se num maravilhoso hospital mantido por mui-tos corações generosos, passam por severo tratamento por meio dos processos da hidrocefalia e paraplegia aguda, deformações graves e de toda ordem. Hoje, lutam desesperadamente para continuar na matéria, lutam com todas as forças ainda que naqueles corpinhos frágeis... – Hidrocefalia? – Sim, vivem essa bênção de estágio! – Amigo, o que eles fizeram para que as coisas andassem as-sim?

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– Cocaína, meu amigo! – Cocaína? (...) – Estamos avançando muito lentamente, não acha? – Normal, meu amigo, estas regiões são muito difíceis. Da-qui a pouco vai escurecer e começaremos a ver os primeiros grupa-mentos de trabalhadores destas regiões, bem como não tardarão a surgir os primeiros irmãozinhos habitantes daqui. Geralmente, eles já estão por aí mesmo, mas acompanham nossa movimentação timi-damente, e somente com muito esforço começarão a aparecer. Eles vivem sob forte subjugação de hostes trevosas e, por isso mesmo, estão sempre muito tímidos, medrosos e arredios. – Quem são eles? – Nestes bolsões se encontram os alcoolistas. Trata-se de uma região densamente povoada. A grande maioria dos recém-desencar-nados estaciona aqui por tempos a fio, até que suas engrenagens perispirituais passem por uma assepsia mais profunda, e eles, assim, possam se desgarrar e avançar rumo a outras direções. – No caso, seria a nossa colônia? – Não, Marcelo, neste momento ainda se encontram longe dessa condição. Os casos mais graves que vocês recebem no hos-pital já estão bem distantes dos que encontramos aqui. Para esse desgarramento, dizendo melhor, para esse desatolamento, ele não somente necessita de uma assepsia mínima nas engrenagens perispi-rituais, como também a mente precisa dar sinais, mesmo que míni-mos, demonstrando vontade de se tratar. Aliás, meu nobre amigo, a limpeza perispiritual mínima, em geral, ocorre antes que haja a predisposição mental. O vício do álcool, meu companheiro, é um dos mais terríveis que podem ser vistos na crosta terrestre! – Nossa, pensei que já tinha visto de tudo em nosso hospi-tal! (...) Comecei a ver adiante algumas formas semelhantes a tron-

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cos, que pareciam coisas se arrastando, e estavam na direção em que eu seguia. Tinha de, fatalmente, passar por elas. Acho que minha alma veio à boca. Acho que meu “pequeno temor” veio à boca. Sen-ti meu coração disparar, como se estivesse encarnado. Era como se eu estivesse prestes a ter um ataque cardíaco e, quem sabe, até mor-rer. Mas como já estava por aqui mesmo, não tinha com o que me preocupar, pois uma das coisas que não me aconteceriam mais seria tornar a morrer, “...e como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo.” (Hebreu 9,27), não tinha mes-mo como eu morrer outra vez, contrariando o Criador. Pelo menos isso era muito tranquilizador, mas, na realidade, acho que eu estava nas regiões do juízo! Reduzi as passadas, ia agora lentamente e extremamente atento a tudo o que estava à minha volta. Corpos desnudos desfila-vam na minha frente, caídos no chão a se estorvar uns aos outros, todos magérrimos. Apesar de muito magros, eles, na maioria, pos-suíam grandes barrigas e diversos inchaços que lhes deformavam completamente. Tinham os olhos esbugalhados e sem órbita, como se fossem explodir, e suas bocas eram enormes. A maioria vomita-va constantemente uma substância gosmenta e, tanto quanto pude observar, era escura, possuindo uma coloração grená fechada, que saía ininterruptamente. Pareciam enlameados e sujos, todos mistu-rados àquela gosma que eles mesmos vomitavam, aumentando, as-sim, a podridão do local. Tinham mãos descomunais e agarravam-se uns aos outros como uma manifestação de desespero. Os pés eram excessivamente grandes e machucados. No mais, pareciam repetir palavras desconexas. Outros, raros, pareciam falar coisas mais inteli-gíveis. O fedor sentido neste local era mesmo terrível, daqueles que invadem nossos sentidos e nos fazem ter ânsias de vômito. Confesso a vocês que me esforçava ao máximo para manter um nível de equi-líbrio mínimo razoável, mas acreditem que isso era mantido à cus-ta de muito sacrifício, porque os quadros que desfilavam na minha frente eram dantescos.

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– Anjo de Deus, tire-me desta masmorra! – Filho da luz, pelo amor que tens ao seu Deus, tire-me da-qui! – Socorro, socorro, não me deixem aqui... – Ai, ai, meu Deus, eu não mereço tanto sofrimento! – Salve-me, salve-me... – Senhor, senhor... a viver desta forma eu prefiro mesmo é morrer! – Criatura, criatura de Deus, tire-me daqui! – Não me deixem aqui, não me deixem aqui, não me deixem aqui! – Água, água, água, pelo amor de Deus, me deem um pouco de água... – Quero beber, quero beber, beber... beber... bebeeeeer... – Preciso beber... preciso beber, beber, beber... – Tenha piedade de mim, tenha piedade de mim e me dê uma bebida, pelo amor de Deus! – Uma bebida, pelo amor de Deus... uma bebida... uma bebi-da... – Pelo amor de Deus, eu preciso encontrar um bar sem de-mora, não aguento mais nem um instante sem beber!Estas frases entrecortavam o ar misturando-se umas às outras e formando um grande burburinho, o que aumentava ainda mais a confusão naquele local. As frases pareciam penetrar em minha acús-tica mental e não saíam mais, fixando-se numa intensa repetição, causando-me uma sensação terrível. Eu sentia que era necessário manter a sobriedade, a calma e avançar. Era interessante que, apesar de toda aquela cantilena soando em meus ouvidos, eu não tinha a menor vontade de parar. Ainda que as mãos se estendessem na mi-nha direção, eu não tinha vontade de tocá-las. Na realidade, sentia que aquelas frases entravam vazias em mim e eu não tinha a menor vontade de retribuí-las. Assim continuei atendendo ao meu coração, avançando, não indiferente ao sofrimento, mas sem me sentir toca-

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do por ele. – Marcelo, Marcelo, pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, é você, Marcelo? (...) – Marcelo, sou o Lico, o Lico, o Lico da Tiana! (...) Lico? Sim, o filho de dona Tiana, lá do bairro, meu amigo de peladas e folguedos, com quem já havia dividido momentos de mui-tas alegrias e de amizade. Saíamos sempre juntos na adolescência, e vivemos grande parte de nossa caminhada juntos. Começamos a namorar juntos e dividíamos todo salgadinho, todo refrigerante, as caminhada a pé, as reclamações e as faltas, até que sua casa fora desapropriada e eles tiveram de mudar. Daí a distância foi nos afas-tando, até que a vida, os afazeres diários, as responsabilidades nos afastaram de vez. Mas, sem dúvida, ainda éramos amigos. Eu me lembrava perfeitamente dele. O rosto ainda guardava alguns traços da nossa infância e de nossa vida, mas hoje estava desfigurado, tritu-rado pelos sofrimentos. Seus olhos, esgazeados, esforçavam-se para me olhar. Parecia que há muito não viam alguém familiar ou um amigo. Eles estavam ávidos por me ver. Parecia muito inchado, e por isso possuía uma aparência muitíssimo deformada. Na realida-de, ele não era ali nem a sombra pálida daquele companheiro de um dia. Estava quase irreconhecível, e somente poderia ser identificado se visto pelos olhos da alma, quando queremos enxergar com mise-ricórdia. – Lico, sou eu mesmo, o Cêlo! (...) – Lico, o que aconteceu com você, meu amigo? (...) – Meu amigo, você se lembra que eu não bebia nada. Daí, aos pouquinhos, comecei a beber. Inicialmente, eu dizia que era por esporte, sempre incentivado por essa turma. Depois, passei a dizer que bebia socialmente. Depois disso, fui aumentando a quantidade

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e continuei afirmando que bebia socialmente e só quando eu queria. Tudo isso era, na realidade, uma grande mentira, mas que eu tinha certeza de que era verdade. Aliás, essa era a minha verdade. Assim, até mesmo não querendo beber, eu continuava bebendo, e passei a não dar conta da bebida, meu amigo. Fui bebendo, bebendo e dan-do o maior trabalho para a mãe, que muitas vezes me buscava altas horas da noite caído nos botecos, aqui e ali. Outras vezes, escornado pelas ruas. Na realidade, eu achava aquilo muito bonito e até diver-tido. Vez por outra, eu dava uma grande parada. Parava com tudo e, quando menos se esperava, voltava novamente. E assim começava tudo de novo. (...) Meu amigo, um dia peguei um desses fogos violentos e bebi até desmaiar. Acho que dali em diante fiquei irremediavelmente louco. Fiquei varridão mesmo, dessas loucuras mesmo feias. Acre-dite você que eu, no início, achei que tinha sido enterrado vivo. Eu me via preso a um caixão com as pessoas me velando e rezando por mim. Minha mãe e meus irmãos estavam chorando, e eu ali sentin-do um frio danado, daqueles que a gente sente estar virando pedra. E eu gritava, gritava, gritava e queria levantar dali, e nada de con-seguir. Aquele velório não parava nunca, até que fecharam a tampa daquele maldito caixão e, naquela escuridão, me senti sendo levado e gritava, esperneava para lá e pará cá e não dava conta de nada. De repente, abriram o caixão e as pessoas se aproximaram novamente de mim. Que bom que pude tomar um ar! Mas logo em seguida fecharam covardemente e desceram comigo sepultura abaixo. Logo ficou tudo escuro e eu não conseguia ouvir mais nada, só mesmo o silêncio, e a cada momento as coisas pareciam ficar piores... (...) – E assim, meu amigo Cêlo, fui ficando cada vez mais doí-do, tendo a sensação de que meu corpo estava sendo devorado por vermes vorazes, me decompondo. Apesar dos meus gritos, do meu pavor, nada fazia parar aquele pesadelo, que continuava me martiri-

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zando. Até que, acho que de tanto piorar, fui transferido para estas alas daqui, onde vivem também outros loucos nessa gritaria infer-nal, nesse cheiro insuportável, dia e noite. Nada passa de diferente por aqui, todos os dias são os mesmos dias. Grito, acordo, grito, acordo, imploro, imploro, vomito, vomito, uma repetição terrível. Olhe bem para mim, Cêlo, veja o que restou de mim. Sou um trapo, um farrapo humano. Preciso sair daqui. Isso aqui é para os loucos, e eu já estou saindo da minha loucura. Até te reconheci e estou con-seguindo falar com você! Meu amigo, pelo amor de Deus, não me deixe aqui neste hospício, porque se eu ficar por aqui acabarei mor-rendo. Livre-me da morte, meu amigo, tenha piedade de mim!O que fazer? O que eu poderia fazer? Estas eram as perguntas que me devoravam naquele momento. Onde estariam os amigos para me ajudar neste momento tão difícil... (...)

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