degustação "serena" pólen

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Deguste algumas páginas de “Serena”, em Pólen ® , o papel do livro e oficial da Flip 2012.

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A Suzano oferece a degustação do livro "Serena", em lançamento na Flip 2012. Confira algumas páginas dessa obra em Pólen®, o papel do livro, que por sua cor proporciona mais conforto visual e faz você ler mais e melhor.

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Deguste algumas páginasde “Serena”, em Pólen®,o papel do livro e oficial da Flip 2012.

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A Suzano oferece uma degustação do livro Serenapara que você confira o começo da história dessa obra

com o conforto de leitura do Papel Pólen®.

Pólen® é o papel do livro.

Sua cor reflete menos luz e deixa a leitura muito mais confortável.

Quanto mais confortável a leitura, mais livros você consegue ler.

Quanto mais livros, mais conhecimento.

Quanto mais conhecimento, melhor para você e todo mundo.

Que seja o início de uma grande história.

Papel Pólen®.Você pode ler mais.

DeguStAção FLIP 2012

o que você tem a ganhar

com a cor do papel de um livro?

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SerenaIan McEwanUM ROMANCE

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Havia doze pessoas na nossa turma, incluindo três homens. Deles, dois eram homens de negócios, casados, com seus trinta e poucos anos e sem nenhum interesse para ninguém. Havia um terceiro, Greatorex, a quem pais ambiciosos haviam conferido o nome de Maximilian. Ele tinha cerca de trinta anos, orelhas que se projetavam da cabeça, e era extremamente reticente, se por timidez ou superioridade ninguém sabia ao certo. Ele tinha sido transferido do mi6 e já tinha status de funcionário burocrático, ficando ali com os recém‑chegados meramente para ver como funcionava o nosso sistema. Os outros dois, os homens de negó‑cios, também já não estavam tão longe do status de burocratas. Por mais que eu tenha pensado certas coisas durante a entrevista, agora eu não me incomodava tanto. Conforme o nosso caótico treinamento prosseguia, fui absorvendo o espírito geral do lugar e, seguindo o exemplo das outras meninas, comecei a aceitar que naquela pequena parte do mundo adulto, e ao contrário de no resto do funcionalismo público, as mulheres pertenciam a uma casta inferior.

Nós estávamos passando ainda mais tempo agora com as

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dúzias de meninas do Registro, aprendendo as regras rígidas de pesquisa de documentos e descobrindo, sem que ninguém nos dissesse, que havia círculos concêntricos de autorizações de se‑gurança e que nós estávamos abandonadas em total escuridão. Os carrinhos temperamentais e barulhentos que seguiam pelos tri‑lhos entregavam documentos a vários departamentos por todo o prédio. Toda vez que um deles dava problema, Greatorex sabia como arrumar com um conjunto de chaves de fenda em minia‑tura que ele sempre carregava. Entre as meninas mais esnobes isso lhe valeu o apelido de “Faz‑Tudo”, o que o confirmava co‑mo um alvo ridículo. Isso para mim foi bom porque, mesmo na minha situação de luto, eu estava começando a me interessar por Maximilian Greatorex.

De vez em quando, no fim da tarde, nós éramos “convida‑dos” a assistir a uma palestra. Teria sido inconcebível não ir. O tema nunca se afastava muito do comunismo, teoria e prática, a batalha geopolítica, a nítida intenção da União Soviética de atingir o domínio mundial. Estou fazendo essas falas parecerem mais interessantes do que eram. O elemento de teoria e prática era de longe o maior, e quase tudo era teoria. Isso era porque as palestras eram de um ex‑integrante da raf, Archibald Jowell, que tinha estudado tudo aquilo, talvez num cursinho noturno, e queria muito dividir o que sabia de dialética e conceitos afins. Se você fechasse os olhos, como muitos faziam, era fácil imaginar que estava numa reunião do Partido Comunista em algum lugar como Stroud, pois a intenção de Jowell não era fazer pouco do pensamento marxista‑leninista ou demoli‑lo, não era nem ma‑nifestar ceticismo. Ele queria que nós entendêssemos a mente do inimigo “por dentro”, e conhecêssemos plenamente as bases teóricas a partir das quais ela funcionava. No fim de um dia de datilografia e de tentativas de aprender o que constituía um fato que aos olhos da temível srta. Ling merecia arquivamento, o tom

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franco e perorante de Jowell tinha um efeito mortal e soporífi‑co em quase todos os empregados. Todo mundo achava que ser apanhado num momento vergonhoso, quando os músculos do pescoço relaxam e a cabeça cai para a frente, podia diminuir as chances de um bom futuro na carreira. Mas acreditar não era exatamente o bastante. As pálpebras pesadas do fim da tarde ti‑nham lá a sua lógica própria, o seu peso peculiar.

Então o que será que estava errado comigo, que eu sentava retinha e atenta durante toda aquela hora, na beirada da cadei‑ra, de pernas cruzadas, caderno apertado contra o joelho nu en‑quanto tomava notas? Eu era matemática e ex‑enxadrista, e era uma moça que precisava de consolo. O materialismo dialético era um sistema devidamente autônomo, como os procedimentos de veto, só que mais rigoroso e intricado. Mais como uma equação de Leibniz ou Hilbert. Aspirações humanas, sociedades, histó‑ria e um método de análise num emaranhado tão expressivo e sobre‑humanamente perfeito quanto uma fuga de Bach. Quem é que podia dormir durante aquilo? A resposta era todo mundo menos eu e Greatorex. Ele viria sentar a um lance de cavalo na minha frente e à minha esquerda, com a página visível do cader‑no dele coberta de letras densas e cheias de volteios.

Uma vez, a minha atenção se desviou da palestra enquanto eu o examinava. De fato as orelhas dele se projetavam de estra‑nhos montículos de ossos do lado do crânio e as tais orelhas eram muitíssimo vermelhas. Mas o efeito era exagerado demais por aque‑le corte de cabelo antiquado, as laterais e a parte de trás no pa‑drão curto dos militares, um penteado que lhe revelava um fun‑do sulco na nuca. Ele me lembrava Jeremy e, de maneira menos confortável, alguns dos alunos de matemática de Cambridge, os que tinham me humilhado nas aulas. Mas a aparência facial dele era enganosa, porque o seu corpo parecia firme e forte. Na minha cabeça eu mudei o cabelo dele, deixando crescer para

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preencher o espaço entre as pontas das orelhas e a cabeça, e cobrir o alto do colarinho, algo perfeitamente aceitável naqueles dias, até em Leconfield House. O paletó xadrez de tweed cor de mostarda tinha que ir embora. Até do meu ângulo oblíquo dava para ver que o nó da gravata dele era pequeno demais. Ele pre‑cisava começar a se apresentar como Max e a guardar as chaves de fenda numa gaveta. Ele estava escrevendo com tinta marrom. Isso também teria que mudar.

“E assim eu volto ao meu argumento inicial”, estava dizen‑do o ex‑comandante Jowell, em conclusão. “Em última análise o poder e a resistência do marxismo, assim como de qualquer outro esquema teórico, repousam na sua capacidade de seduzir homens e mulheres inteligentes. E este esquema aqui certamen‑te consegue seduzir. Obrigado.”

O nosso grupinho exausto se ergueu respeitosamente para ficar de pé enquanto o palestrante saía da sala. Quando ele tinha saído, Max se virou e olhou direto para mim. Era como se o sul‑co vertical na base do crânio dele fosse telepaticamente sensível. Ele sabia que eu andava recompondo toda a sua vida.

Fui eu quem desviou os olhos.Ele apontou para a caneta na minha mão. “Anotando um

monte de coisa.”Eu disse, “Foi fascinante”.Ele começou a dizer alguma coisa, e aí mudou de ideia e

com um gesto impaciente de cima para baixo com a mão ele virou para o outro lado e saiu da sala.

Mas nós ficamos amigos. Como ele me lembrava Jeremy, eu preguiçosamente presumi que ele preferia homens, apesar de ter a esperança de estar errada. Eu mal poderia esperar que ele falasse desses assuntos, especialmente naquele tipo de escri‑tório. O mundo da segurança desprezava os homossexuais, pelo menos nas aparências, o que fazia que eles fossem vulneráveis a

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chantagens, o que fazia que fossem imprestáveis para os serviços de Inteligência e portanto desprezíveis. Mas enquanto ia criando fantasias sexuais sobre Max, eu pelo menos podia me dizer que provavelmente já estava superando Tony. E Max, como eu tentei fazer todo mundo se referir a ele, poderia compor bem com a gente. De início eu achei que nós daríamos um trio bacana com Shirley pela cidade, mas ela me disse que ele era esquisitão e não parecia de confiança. E ele não gostava de pubs e fumaça de cigarro, nem de música alta, então a gente às vezes acabava num banco no Hyde Park depois do trabalho, ou na Berkeley Square. Ele não podia falar disso e eu não ia perguntar, mas a minha im‑pressão era que ele tinha trabalhado um tempo em Cheltenham, na interceptação de comunicações. Ele tinha trinta e dois anos e morava sozinho em parte de uma ala de uma casa de campo perto de Egham, numa curva do Tâmisa. Ele disse mais de uma vez que eu devia ir fazer uma visitinha, mas nunca houve um convite direto. Ele vinha de uma família de acadêmicos, tinha sido educado em Winchester e Harvard, onde se formou em di‑reito e depois em psicologia, mas não conseguia se livrar da ideia de que tinha feito as escolhas erradas, que devia estar estudando alguma coisa prática, como engenharia. Num dado momento ele tinha pensado em virar aprendiz de projetista de relógios em Genebra, mas os pais dele o convenceram a desistir. O pai dele era filósofo e a mãe, antropóloga social, e Maximilian era filho único. Eles queriam que ele tivesse uma vida intelectual e acha‑vam que não devia ficar trabalhando com as mãos por aí. Depois de um curto período infeliz dando aula num cursinho, de uns artigos de jornal e umas viagens, ele entrou para o Serviço atra‑vés de alguém que um tio dele conhecia profissionalmente.

Foi um ano com uma primavera quente e a nossa amizade cresceu com as árvores e os arbustos em volta dos nossos vários bancos. Bem no comecinho, ansiosa, eu dei um passo maior do

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que a nossa intimidade permitia e perguntei se pais acadêmicos fazendo pressão num filho único podiam ser a causa da timidez dele. A pergunta o deixou bem agastado, como se eu tivesse ofen‑dido a família dele. Ele tinha uma aversão tipicamente inglesa por explicações psicológicas. Agiu de maneira rígida quando explicou que não se reconhecia naquela descrição. Se ele não se abria com estranhos era porque acreditava que era melhor ir com cuidado até entender com quem estava lidando. Ele ficava perfeitamente à vontade com pessoas que conhecia e estimava. Delicadamente estimulada, eu lhe contei tudo — a minha fa‑mília, a minha Cambridge, o meu diplominha vagabundo de matemática, a minha coluna na ?Quis?.

“Eu ouvi falar da sua coluna”, ele disse, para minha surpre‑sa. E aí ele acrescentou algo que me deixou satisfeita. “O que se comenta no escritório é que você leu tudo que vale a pena ler. Que você entende de literatura moderna e tudo mais.”

Foi uma libertação falar com alguém, finalmente, sobre Tony. Max até já tinha ouvido falar dele, e lembrava de uma comissão federal, um livro de história e mais uma ou duas coisi‑nhas, sendo que uma delas era uma discussão na imprensa sobre financiamento das artes.

“Como é que você disse que era o nome da ilha dele?”Foi aí que a minha cabeça ficou vazia. Eu sabia o nome tão

bem. Era um sinônimo da morte dele. Eu disse, “Me deu um branco, de repente”.

“Finlândia? Suécia?”“Finlândia. No arquipélago de Åland.”“Era Lemland?”“Não parece que seja o nome certo. Eu vou lembrar.”“Me avise quando lembrar.”Eu fiquei surpresa com a insistência dele. “Por que isso é

importante?”

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“Sabe como é, eu já andei um pouco pelo Báltico. Dezenas de milhares de ilhas. Um dos segredos mais bem guardados do turismo moderno. Graças a Deus que todo mundo corre para o sul no verão. Nitidamente esse seu Canning era um sujeito de bom gosto.”

Nós deixamos por isso mesmo. Mas coisa de um mês depois, nós estávamos sentados na Berkeley Square tentando reconstruir a letra de uma música famosa sobre um rouxinol que cantava exatamente ali. Max me disse que era pianista autodidata e que gostava de tocar temas de musicais e números meio operísticos dos anos 1940 e 1950, uma música tão fora de moda quanto o cabelo dele. Por acaso eu conhecia aquela canção em particular, de um espetáculo que montaram na escola. Nós estávamos meio cantando, meio dizendo a letra tão bonitinha, I may be right, I may be wrong/ But I’m perfectly willing to swear/ That when you turned and smiled at me/ A nightingale...* quando Max parou e disse, “Não era Kum linge?”.

“Isso mesmo. Como é que você soube?”“Bom, eu ouvi dizer que é muito lindo lá.”“Acho que ele gostava do isolamento.”“Ele devia gostar mesmo.”Com o passar da primavera, até que fui gostando cada vez

mais do Max, até chegar a uma leve obsessão. Quando não estava com ele, quando saía à noite com Shirley, eu me sentia incom‑pleta e inquieta. Era um alívio voltar ao trabalho, onde podia vê‑lo por sobre as mesas, com a cabeça inclinada em cima dos documentos. Mas isso nunca bastava e logo eu já ia estar tentan‑do marcar o nosso próximo encontro. Eu tinha que encarar que tinha uma quedinha por um certo tipo de homem malvestido e

* Eu posso estar certo, posso estar errado/ Mas estou perfeitamente disposto a jurar/ Que quando você virou e sorriu para mim/ Um rouxinol...

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antiquado (To ny não contava), ossudo e magro e canhestramen‑te inteligente. Havia algo distante e reto nos modos de Max. A sua contenção automática fazia eu me sentir estabanada e enfá‑tica demais. Eu tinha medo de que ele não gostasse de mim na verdade e só fosse educado demais para dizer. Imaginava que ele tinha todo tipo de regras privadas, noções ocultas de correção que eu vivia transgredindo. O meu desconforto ampliava o meu interesse por ele. O que o animava, o tema que punha algum ca‑lor nos seus modos, era o comunismo soviético. Ele era um sol‑dado da Guerra Fria, de um tipo superior. Onde outros sentiam desprezo e raiva, Max acreditava que boas intenções tinham se combinado com a natureza humana para conceber uma tragé‑dia de aprisionamento sombrio. A felicidade e a realização pes‑soal de centenas de milhões por todo o Império Russo tinham sido fatalmente comprometidas. Ninguém, nem mesmo os seus líderes, teria escolhido o que eles tinham agora. O segredo era oferecer uma escapatória gradual, sem que eles se humilhassem, com argumentos e incentivos pacientes, gerando confiança e mantendo a firmeza contra o que ele chamava de uma ideia absolutamente terrível.

Ele certamente não era o tipo de sujeito que eu podia inter‑rogar sobre a vida amorosa. Eu ficava imaginando se ele tinha um namorado que morava com ele em Egham. Até cheguei a pensar em ir lá dar uma olhada. Para você ver como as coisas estavam ficando. Querer o que eu achava que não podia ter dava mais força aos meus sentimentos. Mas eu também ficava pen‑sando se ele, como Jeremy, podia ser capaz de dar prazer a uma mulher sem ter ele próprio muito prazer. Nada ideal, nada recí‑proco, mas não seria a pior coisa do mundo para mim. Melhor que um desejo inútil.

Nós estávamos andando no parque à noitinha, depois do trabalho. O tema era o ira — eu suspeitava que ele tivesse algu‑

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mas informações privilegiadas. Ele estava me falando de um ar‑tigo que tinha lido quando, impulsivamente, eu segurei o braço dele e perguntei se ele queria me beijar.

“Não muito.”“Eu queria que você me beijasse.”Nós paramos no meio da trilha, bem onde ela passava entre

duas árvores, obrigando as pessoas a se espremerem pelo nosso lado. Foi um beijo fundo, apaixonado, ou uma boa imitação. Achei que ele pudesse estar compensando uma falta de desejo. Quando ele se afastou, eu tentei puxá‑lo de volta para mim, mas ele resistiu.

“Por enquanto chega”, ele disse, tocando a ponta do meu nariz com o indicador, agindo como um pai severo que reprime uma criancinha exigente. Então, entrando na brincadeira, fiz um biquinho exagerado e, bem boazinha, segurei na mão dele e nós seguimos em frente. Eu sabia que o beijo ia deixar tudo mais difícil para mim, mas pelo menos nós estávamos de mãos dadas pela primeira vez. Ele soltou a minha mão alguns minutos depois.

Nós sentamos na grama, bem longe de outras pessoas, e de‑pois voltamos ao assunto dos irlandeses. No mês passado White‑hall e a Scotland Yard tinham sido bombardeados. O Serviço continuava se reorganizando. Um punhadinho, o punhadinho mais promissor, incluindo Shirley, dos nossos colegas tinha sido transferido do trabalho bobinho do Registro e provavelmente fora incorporado ao novo objetivo. Salas estavam ocupadas, reuniões passavam da hora com portas fechadas. Eu tinha ficado para trás. Mascarava a minha frustração reclamando, como antes, de estar presa a uma guerra antiga. As palestras eram fascinantes à ma‑neira de uma língua morta. O mundo estava comodamente dis‑posto em dois partidos, eu argumentava. O comunismo soviético tinha um fervor evangélico tão expansionista quanto o que você

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encontraria na Igreja Anglicana. O Império Russo era repressivo e corrupto, mas estava em coma. A nova ameaça era o terroris‑mo. Eu tinha lido um artigo na revista Time e me considerava bem informada. Não era só o ira, ou os diversos grupos palestinos. Fac ções ilegais de anarquistas e esquerdistas radicais por todo o continente europeu já estavam detonando bombas e seques‑trando políticos e industriais. As Brigadas Vermelhas, o Grupo Baader‑Meinhof, e na América do Sul os Tupamaros e vários ou‑tros como eles, nos Estados Unidos o Exército Simbionês de Li‑bertação — esses niilistas e narcisistas sanguinários tinham boas relações em todo o mundo e logo representariam um problema interno aqui. Nós já tínhamos enfrentado a Angry Brigade e ou‑tros, muito piores, estavam por vir. O que é que nós estávamos fazendo, ainda enfiando quase todos os nossos recursos numa brin cadeira de gato e rato com empregadinhos irrelevantes nas delegações de comércio soviéticas?

Quase todos os nossos recursos? O que é que uma mera esta‑giária podia saber da alocação de verbas no Serviço? Mas eu ten‑tava soar segura. Eu estava sacudida com aquele beijo, e queria impressionar o Max. Ele estava me observando de perto, toleran‑temente divertido por aquilo tudo.

“Que bom que você está disposta a atacar as nossas facções mais sombrias. Mas, Serena, no ano retrasado nós expulsamos cen to e cinco agentes soviéticos. Eles estavam enfiados em tudo quanto era buraco. Instruir Whitehall a fazer o que era certo foi um grande momento para o Serviço. Dizem as más‑línguas que foi difícil à beça convencer o secretário do Interior.”

“Ele era amigo do Tony até eles...”“Foi tudo por causa da deserção do Oleg Lyálin. A tarefa

dele era organizar sabotagens no Reino Unido em caso de cri‑se. Fizeram uma declaração diante da Casa dos Comuns. Você deve ter ouvido falar disso na época.”

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“Eu lembro, sim.”Claro que não lembrava. A expulsão não tinha entrado nas

minhas colunas na ?Quis?. Eu não tinha o Tony por perto para me fazer ler os jornais.

“Ou seja”, Max disse, “acho que não é bem um caso de co‑ma, não é verdade?”

Ele ainda estava me olhando de um jeito diferente, como se esperasse que a conversa levasse a algo significativo.

Eu disse, “Acho que não”. Estava me sentindo incomoda‑da, ainda mais porque percebia que ele queria que eu me inco‑modasse. A nossa amizade era tão recente e repentina. Eu não sabia nada dele e agora ele parecia um estranho para mim, com aquelas orelhonas imensas viradas na minha direção como ante‑nas de radar prontas a captar o meu sussurro mais baixo e menos honesto, aquele rosto intenso e magro estreitamente concentra‑do no meu. Fiquei com medo de que ele quisesse alguma coisa de mim e que, mesmo se conseguisse, eu não ia saber o que era.

“Quer que eu te beije de novo?”Foi tão comprido quanto o primeiro, o beijo daquele estra‑

nho, e como quebrou a tensão entre nós, foi ainda mais agradá‑vel. Eu me senti relaxar, e até derreter, como as pessoas fazem nos romances românticos. Não aguentava mais pensar que ele estava fingindo.

Ele se afastou e disse baixinho, “O Canning chegou a men‑cionar o Lyálin com você?”. Antes que eu pudesse responder ele me beijou de novo, só um levíssimo toque de lábios e línguas. Eu estava me sentindo tentada a dizer que sim porque era o que ele queria.

“Não, não mencionou. Por que você está perguntando?”“Só curiosidade. Ele te apresentou ao Maudling?”“Não. Por quê?”“Eu ia achar interessante ouvir as suas impressões, só isso.”

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Nós nos beijamos de novo. Estávamos reclinados na grama. Eu estava com a mão na coxa dele e deixei que ela escorregasse até a virilha. Queria saber se ele estava legitimamente excitado por mim. Eu não queria que ele fosse um brilhante fingidor. Mas bem quando os meus dedos estavam a centímetros da prova in‑contestável, ele girou de lado, escapou dali e se pôs de pé, e aí parou para espanar a grama seca das calças. O gesto parecia exa‑gerado. Ele ofereceu a mão para me levantar.

“Eu devia ir pegar o trem. Vou preparar um jantar para uma pessoa.”

“Pois é.”Nós seguimos em frente. Ele tinha percebido a hostilidade

na minha voz e o toque dele no meu braço era incerto, ou até arrependido. Ele disse, “Você já foi a Kumlinge para visitar o tú‑mulo dele?”.

“Não.”“Você leu o obituário?”Por causa daquela “pessoa”, a nossa noite não tinha futuro.“Li.”“Foi no Times ou no Telegraph?”“Max, isso é um interrogatório?”“Não seja boba. É só que eu sou muito intrometido. Des‑

culpa, por favor.”“Então me deixe em paz.”Nós ficamos andando calados. Ele não sabia o que dizer.

Filho único, internato só de meninos — não sabia como falar com uma mulher quando as coisas davam errado. E eu não abri a boca. Estava com raiva, mas não queria afastá‑lo. Eu já estava mais calma quando nós paramos para nos despedir na calçada bem na frente das grades do parque.

“Serena, você percebeu que eu estou ficando muito ligado a você.”

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Eu fiquei satisfeita, muito satisfeita, mas não demonstrei e permaneci calada, esperando que ele dissesse mais. Ele parecia estar a ponto de fazer isso, e aí mudou de assunto.

“Aliás. Não fique impaciente com o trabalho. Por acaso eu até sei que tem um projeto bem interessante que vai aparecer. Tentação. Bem a sua cara. Eu vou recomendar você.”

Ele não esperou pela resposta. Fechou o bico e deu de om‑bros, e aí foi pela Park Lane na direção de Marble Arch, enquanto eu ficava ali olhando para ele, imaginando se ele estava dizendo a verdade.

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