cultura política no populismo

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185 REFLEXÕES ACERCA DA CULTURA POLÍTICA NO POPULISMO BRASILEIRO Marco Aurélio Monteiro __________________________________________ Doutorando em Ciência Política (UFSCar) [email protected] Recebido: 18 out. 2010 Aceito em: 23 nov. 2010

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Artigo sobre populismo e cultura política

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    REFLEXES ACERCA DA CULTURA POLTICA

    NO POPULISMO BRASILEIRO

    Marco Aurlio Monteiro

    __________________________________________ Doutorando em Cincia Poltica (UFSCar)

    [email protected]

    Recebido: 18 out. 2010 Aceito em: 23 nov. 2010

    mailto:[email protected]

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    RESUMO

    Temos como objetivo, neste paper, alar uma discusso a respeito da cultura poltica no Brasil. Trata-se de uma caracterstica explicativa da poltica brasileira, o populismo, uma vez que parte da literatura aponta que em tal perodo havia uma grande pobreza cultural cvica, tanto da parte do povo quanto de seus lderes. Nesse sentido, buscamos entender o papel da cultura poltica se foi ou no determinante para a sustentao do populismo no Brasil.

    Palavras-chaves: populismo, cultura poltica, ideologia.

    ABSTRACT Our objective, in this paper, raise a discussion about the political culture in Brazil. Addressing an explanatory feature of Brazilian politics, populism. Since part of the literature indicates that in this period there was a large civic cultural poverty, both by the people, as their leaders. In this sense, we understand the role of political culture, whether it has been decisive for the support of populism in Brazil.

    Keywords: populism, political culture, ideology.

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    1 INTRODUO

    Ao discutirmos acerca do Estado e da sociedade no Brasil contemporneo, acabamos por pensar sobre um momento histrico hoje datado, vivenciador de grandes mudanas. Trata-se de uma caracterstica explicativa da poltica brasileira: o populismo (1930-1964). A democracia populista vivenciou transformaes, como a passagem da sociedade tradicional moderna, a modernizao do campo, a discusso da reforma agrria, a urbanizao, a industrializao, o surgimento dos sindicatos, o destaque dos partidos polticos, etc.

    Entretanto, pretendemos neste paper apresentar um painel geral do fenmeno populista brasileiro, com a discusso de conceitos, vises de autores e atuao de partidos polticos. Em seguida, temos como objetivo levantar uma discusso a respeito da cultura poltica da poca, uma vez que Soares (2001) aponta que no perodo em questo havia uma grande pobreza cultural cvica, tanto da parte do povo quanto de seus lderes. Nesse sentido, buscamos entender o papel da cultura poltica se foi ou no determinante para a sustentao do populismo no Brasil.

    2 POPULISMO O golpe militar de 1964 acabou por certo com a

    democracia populista, com a pluralidade de partidos e com a possibilidade de manifestaes populares. O populismo, com muitos conceitos ora estratgia poltica e econmica, segundo Ianni (1971), ora expresso poltica de interesses da classe dominante, isto , exaltao do poder pblico, para Weffort (1978), ou ainda uma poltica de massas, conceito que abrange em geral a ideia de tal acontecimento , teve sua periodizao. Surgiu com Vargas em 1930 e seu colapso foi em 1964 com o golpe militar.

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    Por trs da ideia de poltica de massas, encontramos

    uma ideologia nacional desenvolvimentista, com um avano industrial, com a urbanizao, com o aparecimento de uma burguesia e com um proletariado industrial, concomitantemente com a dicotomia rural-urbana. Cabe

    lembrar, como aponta Villa, que a modernizao de 30 no foi graas a Getlio Vargas, mas necessidade histrica, no havendo outra sada seno a modernizao. No entanto, a sociedade viveu sob a gide de um governo paternalista, em que, para Weffort (1978), a manipulao estava sempre presente ora a massa sendo controlada pelo Estado, ora a demanda da massa sendo atendida. Percebe-se assim que a democracia realmente era debilitada, o que dava margem ideia de golpe, revoluo e mudana.

    Os partidos nesse contexto tinham seu papel. A Unio Democrtica Nacional (UDN), que surgiu como o partido do golpe, sendo desde o princpio antivarguista, logo antidesenvolvimentista, procurava apoio nos setores militares e na imprensa para realizar seus ideais. Embora houvesse fragmentao dentro da UDN, o que Benevides (1981) denominou UDNs, a ideia e a posio central do partido eram o antivarguismo e a excluso da participao popular. A retrica e a prtica foram a lacuna pela qual o golpe poderia ser justificado. Embebedada pela ideia de um regime autoritrio transitrio para depois viver plenamente a democracia, a UDN corroborava com as ideias dos militares, tais como a segurana nacional e as ameaas da luta de classes.

    No entanto, quem estava no poder, quando o golpe eclodiu, foi o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Esse partido foi fortalecendo-se por meio das eleies, aliando-se com as massas, sindicatos e com a esquerda, tecendo crticas ao

    () Marco Antonio Villa, ministrou a disciplina Estado e Sociedade no Brasil

    Contemporneo, no segundo semestre de 2005, na UFSCAR.

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    governo e se fazendo partido do governo, da situao. E assim, em funo de sua ideologia oposicionista, sua atuao alimentou conflitos e radicalizaes. Tinha a massa como meio de controle de seu prprio reacionarismo. Quis o Congresso como mentor reformista, pois pretendia um governo popular, porm este foi governado pela cpula. Em meio a toda essa dinmica, o PTB, partido considerado integrador povo-governo, sindicalista atuante, partido trabalhista e democrtico, acabou por ser uma iluso. Como postula DArajo (1996), a participao das massas no sentido de reforma nacional foi um equivoco, uma propaganda do prprio partido, j que o setor mais radical do PTB, ao estar em contado com os militares, acabou por insuflar uma interveno militar, despojando Joo Goulart da Presidncia da Repblica.

    Com o fim da aliana do PTB com o Partido Social Democrata (PSD), que outrora mantinha o governo, o que surgiu foi o descrdito com a proposta democrtica. A crise poltica estava na pauta do dia, e a sada parecia ser a revoluo. Assim, como lembra lio Gaspari (2002, p.95), o Exrcito [...] dormiu janguista e acordou revolucionrio. Todavia, essa revoluo se materializou em um governo autoritrio, grotesco politicamente. O resultado foi o fim da pluralidade partidria, da livre expresso e do sonho revolucionrio, dados os atos institucionais gerados pelos militares. Com a democracia interrompida, termo cunhado por Dillon Soares (2001), ao analisar o perodo em questo, vale dizer que no desenvolvimentismo, com a pouca democracia que existia, houve um progresso, porm desigual. O progresso foi forte economicamente, de carter industrial e urbano, com crescimento da absteno, com o eleitor mais educado e com a ideia de direito como cidadania. O lento desenvolvimento social, a disparidade entre classe mdia e classe trabalhadora, a esperana de vida reduzida e o analfabetismo trouxeram a marca de desigualdade. Por todo

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    esse contraste, segundo Dillon Soares (2001), vieram tona a crise poltica, a renncia de Jnio Quadros, a incompetncia de Goulart e, enfim, o golpe militar.

    3 CULTURA POLTICA A cultura poltica um dos caminhos possveis para a

    busca de uma compreenso do populismo. A explicao final ou verdadeira no da alada de nenhuma corrente das teorias polticas, contudo vises corroboram as anlises do fenmeno ocorrido. O fato que durante os anos, agora perodo denominado populista, houve no Brasil vrias mudanas. E uma dessas mudanas foi a vinda do homem do campo para as cidades, concomitantemente com a industrializao e com a ideia de progresso e de melhoria de vida. A dicotomia rural-urbana, no sendo superada, acabou por encontrar em lderes populistas um meio de continuar a existir no sentimento de submisso e no apoio entre o povo e seu lder. Weffort (1978) reala a diferena entre o coronelismo, ora vivenciado nos municpios do interior, mbito local, com o populismo sendo intensificado no processo de urbanizao, [...] por certo um fenmeno de massas (p. 27). No entanto, deixa claro que h ponto em comum entre tais fenmenos. a [...] identificao pessoal na relao entre o chefe e a base (p. 28). No mais, nos diz que (p. 36)

    [...] o populismo, nestas formas espontneas, sempre uma forma popular de exaltao de uma pessoa na qual esta aparece como a imagem desejada para o Estado. uma pobre ideologia que revela claramente a ausncia total de perspectiva para o conjunto da sociedade. A massa se volta para o Estado e espera dele o sol ou a chuva, ou seja, entrega-se de mos atadas aos interesses dominantes.

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    Assim, postulava a teoria da modernizao para a

    formulao sobre o populismo no Brasil; as anlises se centravam na ausncia de um povo atuante, de um povo culturalmente democrtico. Dessa maneira, para Ferreira (2001, p. 67),

    [...] perdurou, ao longo do tempo, a ideia de que, com o processo de urbanizao, os indivduos recm-chegados do mundo rural teriam contaminado os antigos operrios com suas ideias tradicionais e individualistas. Sociedade atrasada, camponeses que vieram para as cidades, igualmente um atraso, e logo, uma poltica novamente atrasada, eis o ambiente em que teriam proliferado os lderes populistas.

    No estavam, assim, superadas as solues

    tradicionais do campo, como a submisso, a violncia, o misticismo. Ianni (1971) afirma ser esse um ponto importante para entender a estrutura de tal poltica de massas, isto , a composio rural-urbana do proletariado industrial. O povo vindo do campo no trazia consigo uma tradio poltica, uma cultura poltica democrtica.

    A viso da teoria da modernizao no era mais o enfoque principal para a explicao do populismo. Ferreira (2001) nos atenta para uma segunda gerao populista, em que a preocupao se encaminhou para as relaes entre o Estado e a sociedade, durante o primeiro governo de Vargas. O autor afirma que, nesses estudos, combatia o pensamento de um povo to disperso dos acontecimentos polticos, tendo como ideia central o fato de o populismo impor-se pela [...] conjugao da represso estatal com a manipulao poltica, embora a chave de seu sucesso tinha sido a satisfao de algumas demandas dos assalariados (FERREIRA, 2001, p. 83). Entretanto, para esse autor, a discusso anteriormente dicotomia entre o rural-urbano, bem como o pouco conhecimento de uma cultura poltica mais democrtica, no foi apresentada na presente viso, uma vez que, [...] a

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    gratido e as manifestaes elogiosas dos assalariados ao ditador dificilmente so refutados pelos estudiosos. (Id.).

    Represso e persuaso foram marcas apontadas como meio de entender a relao entre o Estado e a sociedade. Deve-se entender represso como atuao da polcia, de uma legislao autoritria, etc., e persuaso como o papel desempenhado pela propaganda poltica. Ferreira (2001) lembra que, por conta desses meios utilizados, houve um impedimento dos trabalhadores mais organizados em seguir os caminhos que os conduziria a uma autntica identidade poltica. Alm do mais, [...] o governo de Vargas teria inculcado nas mentes das pessoas ideias, crenas e valores baseados na mentira, na iluso e na deformao ou inverso da realidade. (Ibid., p. 87). Isso nos permite reconhecer traos ainda no superados de uma ausncia de tradio poltica. J nos anos 80, [...] as anlises negam que as classes dominantes tenham o monoplio exclusivo da produo de idias. (Ibid., p. 97). Valorizava-se, assim, a cultura popular, os trabalhadores com suas prprias crenas, comportamentos e valores. A ideia no era de uma imposio da poltica populista sendo aplicada de cima para baixo pela classe dominante.

    A histria cultural tentou construir argumentos que dessem racionalidade ao fenmeno populista e que reportaram a histria com exemplos de rebeldia a Revolta da Vacina, Canudos, entre outros , para mostrar a no-passividade de um povo. Todavia, como postula Ferreira (2001, p. 102), a categoria da irracionalidade [...] uma das pilastras que sustenta a noo do populismo. Mesmo com esses argumentos, houve por certo a interveno estatal, basta pensarmos que [...] a partir de 1945, a formulao do projeto trabalhista pelo Estado contribui, de maneira decisiva para configurar uma identidade coletiva da classe trabalhadora. (Ibid., p. 103).

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    Weffort (1978, p. 145), procurando superar a teoria da

    modernizao, isto , a viso de mudanas da conduta das massas de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna, acaba por chamar ateno para os aspectos histricos e estruturais que tal transio envolve. No entanto, para ele na mobilidade social que ocorre o entendimento do comportamento poltico. Assim, afirma:

    A mobilizao pe o indivduo aos quais atinge, qualquer que seja a classe social a que pertenam ou qual se incorporem, e qualquer que seja a circunstncia histrica, em situao de disponibilidade para participao poltica, qualquer que seja o tipo ou o contedo real desta participao.

    Contudo, o comportamento populista para esse autor

    mais recorrente nas classes populares, em funo das circunstncias de sua formao, envoltas no desenvolvimento capitalista brasileiro, sobretudo no ps-30. As classes em formao, para Weffort (1978, p. 146), diante da sociedade em transio, tm por condicionamento poltico ordens diferentes de fatores, primeiro pela heterogeneidade interna da sua composio econmica e social, radicada na diversidade de formas de produo. Um outro fator apresentado como a [...] mobilidade social no interior desses marcos heterogneos que caracterizam as classes populares. (Id.). No mais, h as contradies entre a composio da formao da classe operria de grandes cidades privilegiadas economicamente perante os setores populares urbanos e rurais. Entretanto, para WEFFORT (1978, p. 174),

    [...] nas condies prprias da urbanizao da economia e da sociedade em um pas de formao agrria, os setores populares urbanos emergentes com o populismo, particularmente aqueles localizados nas grandes cidades, se formam muito mais com a contribuio direta ou indireta da

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    migrao rural, da migrao urbana de regies mais pobres e da transferncia de pessoas at ento pertencentes a setores urbanos menos favorecidos, do que com a decadncia social de pessoas pertencentes s classes mdias, burguesia de pequenos proprietrios ou a um artesanato de condio pequeno-burguesa.

    Mesmo com tal transio, a mudana expressiva de

    atuao poltica no aconteceu, no ocorrendo assim, como afirma Weffort (1978), a revoluo. Embora o autor apresente a ideia de alguns intelectuais brasileiros sobre a revoluo individual, que seria j uma revoluo, pois o operrio migrou do campo para a cidade. De fato essa mudana no para Weffort uma mudana radical que deva ser denominada revoluo. Assim, supe-se uma no-superao da cultura da obedincia, dadas as inexperincias de classes e inexperincia poltica da nova classe operaria, no resultando efetivamente uma cultura cvica, mas visando ao conhecimento, perspectivas e atuao consciente do sistema poltico.

    Apresentadas essas caractersticas, fica mais clara a ocorrncia do fenmeno populista no Brasil. Soares (2001), ao tratar do perodo em questo, acaba por corroborar o entendimento de tal fenmeno. O autor nos informa que o Brasil teve grandes crescimentos, tanto econmico quanto poltico, porm no ocorreu o mesmo fato na questo social. A causa apontada para isso , para ele, a falta de democracia. No limite, falta tambm de uma cultura democrtica.

    O crescimento econmico existiu e foi acelerado, como afirma Soares (2001), coincidindo diretamente com os anos democrticos. A elite brasileira estava preocupada com o subdesenvolvimento econmico. Afinal o perodo foi marcado ideologicamente pelo desenvolvimentismo. O avano na esfera poltica foi ascendente, uma vez que uma das principais questes tratadas no perodo foi a ampliao do voto. O entrave se deu pela no-alfabetizao do povo

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    brasileiro, logo pela falta de conhecimento eleitoral e de uma cultura cvica. No entanto, como afirma Soares (2001, p. 310), a cidadania vai alm do voto, pois [...] um processo mais complexo e longo do que a simples legislao ampliando o direito ao voto.

    A questo social, no entanto, com o desenvolvimento econmico acabou por acelerar as desigualdades. Salrios desiguais, hierarquizao dentro de empresas e no Estado, nfima esperana de vida, acentuao de diferenas regionais e pouca nfase na educao so marcas desse atraso. Contudo, no deixam de ser pontuaes da falta de uma cultura poltica democrtica. Como afirma Soares (2001, p. 325):

    A cultura poltica era algo que faltava tanto ao povo quanto aos lderes polticos, chegando a culpar o Estado por tal falta. Em pases com renda muito baixa, como era o Brasil, o Estado tinha um papel fundamental que no foi exercido em alguns perodos, seja pela pobreza da cultiva cvica, seja pela ignorncia do grupo no poder, seja na instabilidade poltica.

    Logo sobressaam as ideias populistas, isto , a

    poltica de transio, a pobreza ideolgica, os interesses de classe e as estratgias polticas do desenvolvimento econmico.

    Finalmente, cabe ressaltar que a viso com a qual desenvolvemos o trabalho no deixou de ser proveitosa, embora no definitiva, pois o conhecimento da totalidade impossvel, como nos lembra Weber. O trabalho nos fez perceber que o papel da cultura poltica no algo fadado, estando presente no desenvolvimento da histria poltica, sobretudo da carncia de uma cultura poltica democrtica no fenmeno populista brasileiro.

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    REFERNCIAS

    BENEVIDES, M. V. de Mesquista. A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. DARAUJO, M. Celina. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 1945-65. So Paulo: FGV, 1996. GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. IANNI, Octvio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1971. SOARES, G.A. D. A democracia interrompida. Rio de Janeiro: FGV, 2001. WEFFORT, F. Correia. O populismo na poltica brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.