corpo, arte e experimentação

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  • 8/11/2019 Corpo, Arte e Experimentao

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    RevistadaAssociaoNacionaldosProgramasdePs-

    Grad

    uaoemC

    omunicao|E-comps,

    Braslia,

    v.1

    3,

    n.1,

    jan./

    abr.2010.

    www.e-compos.org.br

    | E-ISSN 1808-2599 |

    O que pode um corpo? Instalaesinterativas e experincias possveis

    no cenrio contemporneoFernanda de Oliveira Gomes

    ResumoA partir de questes sobre o corpo, a imagem

    e as tecnologias digitais, juntamente com uma

    anlise de instalaes interativas que apresentam

    como caracterstica principal a transformao

    do espectador em uma espcie deespectador

    performer, foi identificado um contexto marcado

    por relaes significativas dentro do mbito

    artstico que privilegiam situaes experimentais

    e novos sistemas de imagens que projetam o corpo

    do espectador enquanto imagem da obra. Este

    trabalho realiza ento uma espcie de atualizao

    de relaes feitas por Deleuze em seus estudos sobre

    o cinema, privilegiando as instalaes interativas

    contemporneas como continuidades de processos

    cinematogrficos. Percebeu-se que o corpo no s

    experimenta, mas tambm provoca alteraes, a

    partir da maneira como o espectador se insere em

    sistemas de dispositivos, principalmente atravs das

    atividades criativas possibilitadas nestes sistemas.

    Palavras-chaveCorpo. Imagem. Dispositivo. Experincia.

    1 Um corpo no meio do caminho?

    No centro deste trabalho h um corpo. Um corpo

    que reage ao mundo que o envolve. Um corpo

    que v e que dialoga com o que chega aos seus

    olhos. Um corpo que ouve e que se movimenta, a

    partir de estmulos sonoros. Um corpo que fala

    e que sofre as consequncias de suas palavras.

    Enfim, um corpo que experimenta. Por fora,um invlucro chamado pele, territrio sensorial

    que o separa e o conecta ao seu universo

    interior, complexo organismo marcado por

    movimentos repetitivos. E no comando de todas

    estas atividades, o crebro, invlucro eltrico

    e cinzento dos processos mentais, gerando

    incessantemente respostas por todo o corpo.

    Corpo e mente, conectados, permitem ao humano

    ser o que : humano.

    Em sua reflexo sobre a separao entre corpo

    e crebro, Deleuze se refere ao pensamento de

    Antonioni, que indica dois passos bem diferentes:

    um para o corpo, e outro para o crebro. Sua

    crtica est relacionada coexistncia de umcrebro moderno e de um corpo esgotado. Isso

    se reflete em um dualismo em sua obra, que

    Fernanda de Oliveira Gomes | [email protected] em Comunicao e Cultura pelo Programa de Ps Graduao

    em Comunicao e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Doutoranda do Programa de Ps Graduao em Comunicao

    e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora

    substituta da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio

    de Janeiro. Bolsista do CNPQ. Artista de instalaes interativas.

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    corresponde aos dois aspectos da imagem-tempo:

    um cinema que coloca o peso no corpo; e um

    cinema do crebro, que descobre a criatividade

    do mundo e suas potncias multiplicadas pelos

    crebros artificiais. Mais uma razo, porm,

    para prestar ateno nos corpos, pois, segundo o

    prprio Deleuze, os corpos no esto destinados

    ao desgaste, tampouco o crebro novidade

    (DELEUZE, 2005, p. 245). Para ele, o que conta

    a possibilidade de um cinema do crebro que

    rena todas as potncias, da mesma forma que

    o cinema do corpo as reunia. A indicao de

    Deleuze para o cinema importantssima para

    pensarmos como as instalaes interativas podem

    dar um prximo passo, explorando a criatividade

    corporal na esfera da recepo, a partir da

    evoluo da atividade cerebral, em contato com atecnologia, na esfera da produo.

    importante pensarmos que tipo de interrupo

    o corpo poderia representar, segundo alguns

    autores que discutem essa relao entre corpo

    e crebro na contemporaneidade. Paula Sibilia

    (2002) identifica um direcionamento de saberes

    hegemnicos contemporneos para um caminhocomum, no qual a materialidade e a organicidade

    so rejeitadas. O corpo se apresenta como um

    obstculo, principalmente para a tecnocincia,

    que almeja ultrapassar as limitaes biolgicas

    ligadas materialidade. O ideal a ser buscado

    asctico, artificial, virtual, imortal.

    Alguns artistas, na busca pela transcendncia,

    caminham lado a lado com essas ambies e

    suas obras apresentam mundos idealizados

    e simulados, onde possvel experimentar

    uma no-corporeidade, atravs do mergulho

    em ciberespaos. Seria o sublime tecnolgico,

    apontado por Mrio Costa (apudSIBILIA, 2002,

    p. 102) como uma nova forma ps-moderna do

    sublime kantiano, que transcende os limites da

    condio humana. Para Roy Ascott (apudSIBILIA,

    2002, p. 102) um dos artistas mais entusiastas

    desta linha , na nova cultura o corpo no tem

    peso, nem dimenso em qualquer sentido exato e

    sua medida se d pela sua conectividade.

    Autores como Jonathan Crary (1990) e Paul Virilio

    (2007) tm dirigido sua ateno para o poder

    da manipulao inerente s novas tecnologias

    de visualizao e tendncia da imagem digital

    de separar o observador de sua corporeidade.

    Paul Virilio, por exemplo, afirma que o principal

    acontecimento do sculo XX a superao da

    matria. E os cientistas da atualidade reforam:

    a definio do ser humano se apoia em seu lado

    incorpreo, a mente. Para eles, o corpo um

    mero empecilho para a sua expanso ilimitada

    no tempo e no espao. A tecnologia superaria tallimitao, concedendo imortalidade mente na

    sua hibridizao com o software.

    2 O que pode um corpo?

    Nossa proposta ento se volta para o corpo e

    pretende explorar suas relaes com imagens e

    potencialidades, tendo como ponto de partidauma questo fundamental colocada por Espinosa

    (apudDELEUZE, 2002): O que pode um corpo?

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    Segundo Deleuze (2002), em sua obraEspinosa:

    filosofia prtica, o autor foi o primeiro a

    valorizar o corpo, que aparece como poder de ser

    afetado. A ideia de afeco remete modificao

    produzida no corpo, a uma relao de causa e

    efeito. Os corpos que se misturam podem se

    conciliar e se compor entre si, deslizando por

    entre, introduzindo-se no meio, constituindo

    relaes de caractersticas e valorizando a

    individualidade e a singularidade.

    Na perspectiva de Espinosa, quando acontecem

    bons encontros entre os corpos, as potncias de

    ser, agir e pensar aumentam. Como a potncia de

    agir o que abre o poder de ser afetado ao maior

    nmero de coisas, bom aquilo que dispe o

    corpo de tal maneira que possa ser afetado pelo

    maior nmero de modos. Ou ento aquilo que

    mantm a relao de movimento e de repouso

    que caracteriza o corpo (DELEUZE, 2002, p. 61).

    Este trabalho identifica algumas instalaes

    interativas como situaes de bons encontros

    entre os corpos da obra e os corpos dos

    espectadores, assim como as imagens da obra

    e as imagens dos espectadores. Dessa forma,

    um todo mais potente constitudo, ou seja,

    uma totalidade superior que inclui todos os

    elementos. Os artistas so aqueles que organizam

    estes encontros, compondo relacionamentos

    vivenciados e procurando aumentar as potncias

    daqueles que esto envolvidos no seu processo.

    O artifcio faz parte completamente da

    Natureza, j que toda coisa, no plano imanente

    da Natureza, define-se pelos agenciamentos de

    movimentos e de afetos nos quais ela entra, quer

    esses agenciamentos sejam artificiais e naturais

    (DELEUZE, 2002, p. 129).

    A partir de Espinosa, Deleuze afirma que no

    podemos nos separar de nossas relaes com

    o mundo: o interior somente um exterior

    selecionado; o exterior um interior projetado; a

    velocidade ou a lentido das percepes, aes

    e reaes entrelaam-se para constituir tal

    indivduo no mundo. necessrio observar as

    diversas possibilidades de como essas relaes

    so efetuadas conforme as circunstncias

    ou os poderes de ser afetado. Esse tipo de

    direcionamento pode ser bem til no momento

    de identificar as qualidades das instalaes

    interativas. Que possibilidades de relaes elas

    oferecem para seus espectadores? Como elas

    aumentam a potncia de agir dos corpos que as

    preenchem? Elas permitem uma composio

    destes corpos com a obra e com os outros corpos

    que participam de suas interaes? Enquanto

    desencadeadoras de relaes, as instalaes

    interativas podem formar relaes mais extensas?

    Deleuze (2002, p. 131) afirma que no se trata

    mais de utilizaes ou de capturas, mas das

    sociabilidades e comunidades. Aparece a a

    noo de rede, que comporta vrios usurios/

    produtores/emissores. Seguindo este raciocnio,

    os autores Francisco Varella, Evan Thompson

    e Eleanor Rosch (2001), chamam a ateno

    para o processo de cognio no como uma

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    atividade individual, mas como um processo

    coletivo. A nossa inteligncia no se reduz a uma

    interioridade, mas compreende uma partilha. E

    o carter scio-tcnico implica na verdade uma

    partilha das atividades com os meios tcnicos.

    Um dos grandes desafios para a obra artstica

    se transformar em um espao de intensidades,

    no qual os indivduos e suas partes variam de

    infinitas formas. Os dispositivos tecnolgicos

    podem ser vistos, ento, como corpos que

    aumentam a potncia de agir dos corpos dos

    espectadores ativos na obra.

    Podemos afirmar que nas obras contemporneas

    o corpo no se restringe a ser um articulador de

    sentido, mas um produtor de sentido. Observamos

    muito mais uma lgica corporal do que uma

    lgica significativa. Conseguimos ento voltar

    a Bergson (2006), considerar o corpo como

    um tipo especial de imagem e a ao, como

    um ponto de partida em um espao especfico.

    Segundo o autor, a percepo subjetiva a parte

    crescente de indeterminao deixada escolha

    do ser vivo, em sua relao varivel com as

    influncias mais ou menos distantes dos objetosque o interessam. O autor caracterizou o mundo

    externo como um fluxo universal de imagens. A

    deduo de Bergson do corpo como um centro

    de indeterminao o leva a reconhecer no corpo

    fortes capacidades criativas.

    Ainda segundo Bergson, na imagem especial que

    o corpo, destaca-se o crebro, instrumento de

    anlise com relao ao movimento recolhido

    percepo e instrumento de seleo com

    relao ao movimento executado. Porm, um

    corpo no se limita a refletir a ao de fora, ele

    absorve algo dessa ao. A estaria a origem da

    afeco para Bergson, que seria o conjunto de

    sentimentos e sensaes localizadas em nosso

    prprio corpo. As afeces se produzem entre

    estmulos recebidos de fora e movimentos que

    sero executados, constituindo-se como um

    convite a agir. Essa poderia ser uma das questes

    de Bergson para os artistas contemporneos: que

    vantagens suas obras podem oferecer? Ou seja,

    que imagens e sistemas dispositivos efetivamente

    podem possibilitar experincias significativas

    para os corpos que as frequentam? E ainda: Como

    as instalaes podem realizar convites ao

    atravs de um envolvimento criativo?

    3 A tecnologia e o retorno sensorial

    Uma investigao que privilegia o corpo e

    como ele modificado atravs das interaes

    facilitadas pelas novas tecnologias realizada

    por Mark Hansen (2004). O autor faz uma espcie

    de atualizao de alguns conceitos bergsonianos,

    chamando a ateno para o fato de que Bergson

    no encontrou muito material relevante na sua

    teoria da percepo no primeiro cinema, que

    estava em seu princpio exatamente no momento

    em que ele estava escrevendo.

    Seguindo por este mesmo caminho, Ivana

    Bentes aponta que a teoria de Bergson antecipae reafirma, de certa forma, o que as novas

    tecnologias interativas vm explicitando sobre

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    o estatuto da percepo enquanto momento

    privilegiado do agir (BENTES, 2006, p. 94). Em

    suas consideraes sobre a teoria bergsoniana,

    a autora destaca que um de seus pontos

    fundamentais trata da interao entre ver e

    agir, quando se torna possvel misturar imagens

    do corpo do espectador com outras imagens, ou

    ento fazer da presena do corpo, ou da imagem

    do corpo um disparador de imagens.

    No ponto de vista de Hansen (2004), no

    cinema o corpo se torna relativamente passivo,

    constituindo-se como um lugar de inscrio

    tcnica de imagens em movimento ao invs de ser

    uma fonte ativa que pode formar outros tipos de

    informaes. De um lado est o mundo de imagens

    performatizadas, tecnicamente montadas como

    imagens movimento. Do outro est o aparato

    sensrio motor do indivduo que passivamente as

    correlaciona. Porm, a dimenso sensrio-motora

    do corpo contemporneo compreende muito mais

    do que a correlao passiva das conexes entre

    imagens e serve para outorgar as capacidades

    criativas do corpo. Hansen se volta ento para os

    recentes desenvolvimentos nas novas mdias e naneurocincia para retomar o entendimento de

    Bergson de corporeidade no aspecto de como o

    corpo constri a informao. O autor argumenta

    que a convergncia da mdia aumenta

    a centralidade do corpo como um formador

    da informao. A partir do momento em que a

    mdia perde sua especificidade material, o

    corpo ganha uma maior funo de seletor na

    criao de imagens.

    Em algumas instalaes interativas, um

    papel criativo pode ser designado ao corpo,

    transformando-o na fonte de uma nova forma

    de aura: a aura que pertence a uma singular

    atualizao na experincia corprea. Hansen

    chama de afetividade a capacidade do corpo

    de se experimentar mais do que ele mesmo e

    ento posicionar seu poder sensrio-motor para

    criar o imprevisvel, o experimental, o novo,

    a partir de sua capacidade de experimentar

    sua prpria intensidade, sua prpria margem

    de indeterminao. Os artistas miditicos

    contemporneos parecem estar adaptando

    a vocao bergsoniana para as demandas da

    era da informao: espacializando a imagem

    e posicionando o corpo do participante em

    um circuito de informao, as instalaes eambientes criados funcionam como laboratrios

    para a converso da informao em imagens

    corpreas que podem ser apreendidas. Quando

    o corpo age para formar uma informao digital,

    o que ele forma de fato ele mesmo: sua prpria

    sensao afetiva experimentada em contato com

    o digital. Seguindo e estendendo o investimento

    de Bergson na afeco corprea, os artistas

    contemporneos tm operado no deslocamento de

    uma esttica dominante ocular para uma esttica

    hptica enraizada na afetividade corprea.

    4 Imagens, movimentos, apropriaes

    Para entender como as imagens so e devem

    ser trabalhadas em instalaes interativas,

    importante considerar os estudos que foram

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    feitos para o cinema como pontos de partida

    para novas perspectivas. Este trabalho se

    lana ento em uma srie de exerccios de

    apropriaes, retomando consideraes e

    anlises fundamentais realizadas por Deleuze

    em suas obras dedicadas ao cinema:Imagem

    tempo eImagem movimento. O que propomos a

    seguir uma releitura deslocada para imagens

    e experincias de instalaes interativas.

    um experimento que provavelmente o prprio

    Deleuze aprovaria, j que ele assumidamente se

    apropriava de outros autores para construir

    o seu pensamento.

    Primeiramente, importante retomar a ideia de

    um todo que muda a partir de um movimento,

    que Deleuze j havia apropriado de Bergson.

    Este pensamento essencial na observao

    da recepo de instalaes interativas, j

    que os espectadores podem afetar no s as

    imagens, mas tambm uns aos outros com

    seus movimentos. Cada movimento assegura a

    circulao e instaura uma nova perspectiva no

    conjunto de uma instalao interativa. Cada

    sub-durao ou seja, a durao da experinciade cada espectador vai compor a durao

    da instalao como um todo, incluindo as

    duraes dos fragmentos de vdeos que esto

    armazenados nas programaes que fazem

    parte dos dispositivos.

    importante ressaltar que Deleuze aponta

    que Bergson j considerava o cinema incapaz

    de extrair o movimento puro dos corpos, tendo

    em vista que o que era levando em conta era

    apenas o que se passava no aparelho. Ou seja,

    Bergson j identificava a passividade relegada

    aos corpos dos espectadores que recebiam as

    imagens cinematogrficas sem poder dar nenhum

    movimento significativo como resposta.

    Ao indicar os trs nveis bergsonianos

    relacionados imagem em movimento a

    determinao dos sistemas fechados, a do

    movimento que se estabelece entre as partes

    do sistema e a do todo que muda a partir do

    movimento , Deleuze afirma que [...] h

    tamanha circulao entre os trs que cada um

    pode conter ou prefigurar os outros (DELEUZE,

    1983, p.44). Porm, se deslocarmos estas relaes

    para os movimentos implicados em instalaes

    interativas, percebemos a possibilidade de uma

    circulao e uma transformao ainda maiores,

    pois esto envolvidas no s as imagens pr-

    produzidas, mas tambm as imagens possveis

    que podem ser formadas no prprio ambiente de

    recepo. Entretanto, os artistas contemporneos

    dificilmente conseguem uma experincia que

    atinja este nvel, justamente pela necessidadede organizao e composio de imagens,

    dispositivos e possibilidades de interao. Uma

    de nossas hipteses indica que assim como o

    cinema foi evoluindo em experimentaes a

    partir do domnio dos dispositivos prprios de

    suas dinmicas de produo e recepo, as

    instalaes interativas tambm apresentam

    uma srie de aspectos que podem ser mais bem

    explorados, em seus movimentos evolutivos.

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    O processo de montagem, por exemplo, envolve

    diversas sub-montagens, implicadas tanto nas

    relaes possveis entre as imagens armazenadas,

    espera de interaes, fuses ou incorporaes

    por parte do espectador, quanto nas prprias

    relaes que podem surgir entre os espectadores

    no espao de recepo. Ao analisar o cinema,

    o prprio Deleuze afirmou que [...] preciso

    ainda que as partes ajam e reajam umas sobre as

    outras (DELEUZE, 1983, p.45). Tendo em vista as

    camadas presentes em uma instalao interativa,

    podemos j concluir como isso se torna um

    desafio ainda maior.

    Ao instituir a imagem-ao como uma relao

    entre meios e comportamentos, Deleuze abre

    novamente um caminho a ser trilhado para as

    instalaes interativas, nas quais so possveis

    contnuas variedades destas relaes: meios

    que sempre atualizam qualidades e potncias;

    comportamentos que respondem a estes meios. O

    que podemos observar no conjunto de instalaes

    interativas contemporneas que elas ainda se

    encontram em um estgio bem aqum de suas

    potencialidades. Ainda h um sub-aproveitamentoda imagem em ao e da forma como ela pode se

    relacionar com o corpo em ao no ambiente da

    recepo. Por isso a importncia de trazer um novo

    foco ao que Deleuze havia apontado. Por exemplo,

    que o essencial que [...] a ao, e tambm

    a percepo e a afeco, sejam enquadradas

    num tecido de relaes (DELEUZE, 1983, p.

    246). E tambm: A relao (a troca, a ddiva, a

    devoluo) no se limita a cercar a ao, ela a

    penetra antecipadamente e por todas as partes, e

    a transforma em ato necessariamente simblico

    (DELEUZE, 1983, p. 247).

    5 Evoluindo na imagem em ao

    Hitchcock foi apontado por Deleuze como o

    diretor que primeiro concebe a constituio do

    filme em funo de trs termos: o diretor, o filme

    e o pblico. Ao traar um movimento de relaes

    do espectador com as imagens, Deleuze aponta

    que no cinema-ao o espectador percebia uma

    imagem sensrio-motora da qual participava mais

    ou menos, por identificao com as personagens.

    A reverso deste ponto de vista foi inaugurada

    justamente por Hitchcock, que incluiu o

    espectador no filme a partir da possibilidade da

    instituio de uma relao mental.

    E a partir da que Deleuze comea a traar

    a crise da imagem ao e o incio de um novo

    cinema: o neo-realismo e o cinema da imagem

    tempo. O que propomos aqui que esta crise que

    fez com que o cinema buscasse novas relaes,

    principalmente entre tempo e movimento,

    recolocada em questo nas instalaes

    interativas, que buscam uma nova perspectiva

    de aes e reaes a partir dos movimentos

    recebidos pelos corpos dos espectadores. De

    acordo com Deleuze (1983, p. 252), o cinema

    era [...] necessariamente obrigado a atingir o

    acontecimento enquanto est se dando, seja indo

    de encontro a uma atualidade, seja provocando-aou produzindo-a. E isso que efetivamente pode

    acontecer nas instalaes interativas, nas quais

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    o imprevisvel, a improvisao e o presente vivo

    apresentam de fato a totalidade aberta que havia

    sido proposta por Bergson.

    Quando o cinema comea a exigir cada vez

    mais a atividade mental de seu espectador,

    ele est justamente tentando atingir um nvel

    de interao, porm, uma interao que est

    muito distante de uma composio proposta

    por Bergson. O pensamento foi a forma de

    interatividade encontrada pelo cinema. Com

    as instalaes interativas, os encadeamentos

    situao-ao, ao-reao, excitao-resposta,

    ou seja, os vnculos sensrios motores que

    constituam a imagem-ao (DELEUZE, 1983,

    p.253), so retomados.

    A tentativa do cinema europeu de romper com oslimites americanos da imagem-ao era tambm

    uma tentativa de unir a imagem, o pensamento e

    a cmera no interior de uma mesma subjetividade

    automtica, em oposio concepo demasiado

    objetiva dos americanos. Imerso nestas imagens,

    o personagem se via exposto a sensaes visuais

    e sonoras, ou at mesmo tteis e sinestsicas

    (DELEUZE, 2005, p. 71). Porm, estas sensaes

    visuais e sonoras perdiam seu prolongamento

    motor. Podemos dizer ento que, nas instalaes

    interativas, essas sensaes so reconectadas

    ao prolongamento motor, podendo ainda ganhar

    um aspecto subjetivo desde que haja uma

    [...] separao entre movimento recebido e

    movimento executado, entre ao e reao,

    excitao e resposta, imagem percepo e

    imagem ao (DELEUZE, 2005, p. 63). Deleuze

    se refere ao cinema de revelao, no qual a

    nica lgica a dos encadeamentos de atitudes:

    as personagens se constituem por seus gestos

    medida que o filme avana, fabricando-se a si

    prprias e a filmagem agindo sobre elas como um

    revelador. Cada progresso do filme permite um

    novo desenvolvimento de seu comportamento. O

    papel do artista da instalao interativa bem

    parecido: fazer emergir estes aspectos criativos,

    subjetivos e humanos, despertando as potncias

    dos corpos envolvidos no encadeamento formado

    pela sua obra.

    6 A instalao interativae a comdia musical

    Na comdia musical, a ao individualizada vista por Deleuze como fonte criadora do

    movimento. Em seu acontecimento, ela

    comea por oferecer imagens sensrio-motoras

    comuns, nas quais os personagens se veem em

    situaes que pedem aes como respostas.

    Mais ou menos progressivamente, suas aes e

    movimentos pessoais se transformam, pela dana,

    em movimentos de mundo que ultrapassam

    a situao motora. Dentro desta dinmica, o

    autor Philip Rosen (2001, p. 346) indica ainda

    que o explcito artifcio deste gnero expe

    um manifesto virtualidade e artificialidade

    cinematogrfica, que pode autorizar o espectador

    a avali-la como performance e construo.

    A dana surge diretamente como potncia

    onrica que abre o espao e oferece um mundo

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    fluido s imagens: [...] a dana j no apenas

    movimento de mundo, mas passagem de um

    mundo a outro, entrada em outro mundo, refrao

    e explorao (DELEUZE, 2005, p. 79). A dana

    passa a ser um meio de entrar no mundo do

    outro, de introduzir o personagem no sonho do

    outro, assim como a relao entre o cenrio e

    o movimento possibilita a passagem entre os

    mundos, o compartilhamento. Na exaltao das

    situaes sensrio-motoras, encadeamentos

    so intensificados, prolongados e multiplicados,

    formando um conjunto prolfero. Podemos ento

    nos apropriar desta descrio que Deleuze

    faz do gnero da comdia musical e desloc-

    la para a instalao interativa, que possibilita

    justamente essa entrada no mundo onrico do

    outro, seja este outro o conjunto formado pelasimagens armazenadas, espera da interao,

    ou o conjunto de imagens formado pela prpria

    experimentao do outro espectador, que

    faz parte de um conjunto maior, do todo da

    instalao interativa. Atravs de situaes ticas

    e sonoras e da possibilidade do prolongamento

    de aes, nossos movimentos ganham outras

    dimenses, outros sentidos, e passam a ser como

    danas improvisadas em um cenrio receptivo

    s transformaes de atos ordinrios em

    experincias extraordinrias.

    Podemos observar, em algumas instalaes

    interativas que apresentam um carter

    extremamente ldico, experincias que guardam

    muitas semelhanas com a experincia do

    indivduo da comdia musical que redescobre

    seus movimentos, seu espao e os objetos que

    o rodeiam. Uma obra que pode ser citada a

    instalao interativa Oups!(fig. 1) de Mrcio

    Ambrsio, que foi exposta e premiada em

    diversos festivais e espaos destinados arte

    interativa, como o Festival Internacional de

    Linguagem Eletrnica1. A obra surgiu do desejo do

    artista de misturar novas tecnologias e animaes

    tradicionais em uma proposta artstica.

    Cada sequncia animada tem um roteiro e o

    espectador interage e se transforma em um

    ator desta estria. Quando o espectador entra

    no espao da instalao, uma cmera grava sua

    imagem e a projeta em uma tela diante dele,

    como um espelho, em tempo e tamanho reais.

    O espectador v a si mesmo integrado em uma

    cena que segue seus movimentos, encontrando-

    se imerso em um universo criativo de imagens e

    sons. As sequncias de animao que alimentam

    esse universo esto armazenadas em um banco

    de vdeos, sendo que novas animaes sempre vosendo acrescentadas, enriquecendo o projeto e as

    experincias possibilitadas aos espectadores.

    7 A imagem especular

    Em diversas instalaes contemporneas

    como a Oups!, podemos observar a formao

    9/18

    1 O FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrnica acontece todos os anos em So Paulo e j considerado um dosfestivais mais importantes dentro da produo contempornea.

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    de imagens especulares alteradas. Ou seja, as

    imagens dos espectadores so projetadas em

    fuso com imagens pr-programadas ou alteradas

    simultaneamente, de acordo com os movimentos.

    Segundo Deleuze, o prprio circuito uma troca.

    Aquele que tomar conscincia do contnuo

    desdobramento de seu presente em percepo

    ser comparvel ao ator que desempenha

    automaticamente seu papel, se escutando e

    olhando encenar (DELEUZE, 2005, p. 99).

    Submeter a imagem a um poder de repetio-

    variao, que foi bastante explorado por Buuel,

    possibilita uma sucesso de ciclos, d lugar a

    uma pluralidade de mundos simultneos, a uma

    simultaneidade de presentes em diferentes

    mundos. Algo bastante interessante no cinema

    e que tambm pode se tornar uma experincia

    significativa em algumas instalaes interativas.

    A instalaoJump!(fig. 2), de Yacine Sebti,

    exposta no Festival Internacional de Linguagem

    Eletrnica de 2007, convida o espectador a

    estabelecer dilogos com sua prpria imagem

    e com as imagens de outros espectadores.

    Como na maioria das instalaes interativas

    atuais, para participar, ele deve seguir algumas

    regras. A primeira pule para ser gravado.

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    Figura 1 Instalao Oups!de Mrcio Ambrsio

    Fonte: http://www.zzzmutations.com/marcioambrosio/index.php?/instalation/oups/

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    Ao entrar na instalao, o espectador encontra

    sua imagem espelhada sobre a imagem de uma

    multido de pessoas que pulam todas juntas. A

    partir da, ele poder interferir nesta imagem:

    enquanto pula, ele lentamente desloca os pulos

    dos visitantes anteriores. Alm do aspecto

    ldico, este trabalho oferece ao visitante uma

    criao visual do espao: o seu corpo se torna o

    pincel da tela animada.

    Ao descrever o cinema, Deleuze oferece o melhor

    relato para este tipo de instalao. De acordo

    com o autor, em uma descrio orgnica, o real

    reconhecido por sua continuidade, mesmo

    interrompida, pelas leis que determinam as

    sucesses, as simultaneidades e as permanncias.

    O que resta? Restam os corpos, que so foras,

    nada mais que foras (DELEUZE, 2005, p.174).

    Apesar de as experimentaes nos espaos

    artsticos serem efmeras, que duram apenaspoucos minutos ou at mesmo segundos, elas

    acabam gerando uma espcie de sensao de

    conexo, que uma das principais caractersticas

    da experincia tipicamente contempornea.

    Porm, mais uma vez importante ressaltar

    que as instalaes interativas podem explorar

    de forma ainda mais rica as relaes, conexes

    e apropriaes de imagens e corpos em seus

    ambientes especulares de recepo.

    11/18

    Figura 2 Jump!de Yacine Sebti

    Fonte: http://www.imal.org/yacine/Jump/

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    8 A inscrio do sujeito na imagem

    Em uma conveno que s ocorre no cinema,chama-se objetivo o que a cmera v, e subjetivo

    o que a personagem v. Deleuze observa que

    o cinema de realidade passou a experimentar

    objetivamente meios, situaes e personagens

    reais, ao mesmo tempo em que tentava mostrar

    subjetivamente as maneiras de ver das prprias

    personagens, a maneira pela qual elas viam sua

    situao, seu meio, seus problemas. Justamente,

    o documentrio cada vez mais valorizado, por

    mostrar o homem comum em suas formas e

    expresses comuns e incomuns. Para Deleuze, o

    que o cinema deve apreender no a identidade

    de uma personagem, real ou fictcia, atravs de

    seus aspectos objetivos e subjetivos. o devir

    da personagem real quando ela prpria se pe

    a ficcionar. A personagem no separvel de

    um antes e de um depois, ela se encontra na

    passagem de um estado a outro. Ao tornar visvel

    cada vez mais os homens comuns, o cinema

    prepara o terreno para a passagem do espectador

    para o centro da obra.

    A pedagogia dos dispositivos de hoje se difere

    daquela pedagogia tpica da modernidade,

    que ensinava aos espectadores como reagir

    s imagens, como se comportar e seguir uma

    disciplina no ambiente da recepo, tendo

    o cinema como modelo. De acordo com

    Ivana Bentes (2006), somos constantemente

    solicitados comoperformersou atores. H uma

    necessidade explcita de observar e cuidar de

    nossas atuaes em sociedade, viver identidades,

    experimentar possibilidades performticas.

    No mundo contemporneo, o que se evidencia

    a performance, ou seja, os meios ajudam

    construo de subjetividades e explicitam a

    imagem como construto. Onde somos imagens

    entre imagens se construindo, experimentando

    o mundo de muitos lugares, tornados interfaces,

    mediadores ou ainda figuras de controle

    (BENTES, 2006, p. 101).

    A relao entre corpo e imagem artisticamente

    identificada no encontro da arte da performance

    com a arte do vdeo, nos anos 50. possvel

    perceber uma contnua intensificao da

    concepo da liberdade corporal, da necessidade

    de uma conexo entre artista, obra, ambiente

    e pblico, principalmente com a progressiva

    midiatizao da cultura audiovisual e da

    reconfigurao da presena. Segundo Fernando

    Salis (2009, p. 224), [...] a prpria noo

    de corporalidade que se refaz. Estas ideias

    acompanham a atitude de artistas que passaram

    a valorizar mais o processo do que a obra; mais

    a ao do que o objeto; mais o corpo do que odiscurso; e, finalmente, mais a apresentao do

    que a representao. O autor retoma a teoria

    da performance, que implica em estados de

    passagem entre aes e comportamentos, a

    suspenso de normas sociais e o convite de

    transformao de valores feito aos espectadores.

    Phillipe Dubois (2004, p. 37) levanta como

    questo fundamental do processo artstico

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    importante ento que tais dispositivos atendam

    a objetivos artsticos especficos e que no sejam

    simplesmente brinquedinhos novos a serem

    experimentados. Quando artistas se lanam

    nessa busca incessante por descobertas tcnicas,

    podem perder a redescoberta do prprio mundo,

    com tantas novas percepes possveis sobre

    gestos e novas sensaes a partir da prpria

    realidade. Segundo Hansen (2004), alguns artistas

    contemporneos vm focando em primeiro

    plano a fundao da viso em modalidades dos

    sentidos corpreos: ao catalisar um despertar dos

    observadores para suas constituies corpreas,

    as obras podem ser entendidas como reforos para

    especificar o que permanece de humano nessa era

    de convergncia digital.

    O interesse aqui ento deixar a tecnologia nos

    bastidores. Que o participante praticamente

    no perceba a complexidade tecnolgica por

    trs da obra e que, atravs de sua interao no

    espao artstico, passe por uma experincia

    realmente significativa, mesmo que efmera.

    o fazer humano que est no centro das obras,

    no o fazer tecnolgico. Mais do que conectado mquina, o corpo est conectado obra, sua

    visibilidade, ao seu aqui e agora e s

    descobertas possibilitadas na durao de

    suas experimentaes.

    Como renegar o corpo se ele o principal

    veculo de nossas experincias? Em algumas

    instalaes interativas podemos perceber o

    quanto rico o encontro dos sistemas artificiais

    e biolgicos, da performance do corpo com a

    performance dos sistemas.

    Um dos artistas mais bem sucedidos nesse

    sentido o j citado Rafael Lozano-Hemmer, que

    possibilita trocas entre espectadores, seus corpos,

    suas imagens e espaos pblicos, em propostas

    que apresentam grandes complexidades tcnicas.

    Como a obraBody Movies, que transforma o

    espao pblico a partir de projees interativas

    em grande escala. Diversos retratos fotogrficos,

    previamente tirados nas ruas das cidades onde

    o projeto apresentado, so mostrados atravs

    de projetores controlados roboticamente. Os

    retratos aparecem somente dentro das sombras

    projetadas pelas pessoas que passam pela

    instalao e suas dimenses dependem da

    distncia em que se encontram das poderosas

    fontes de luz colocadas no solo. Uma obra que

    proporciona uma interao entre corpo e espao

    pblico, entre corpo e imagem e entre corpos de

    transeuntes que se transformam em espectadores

    e emperformersa partir do momento em que

    se relacionam com os dispositivos espaciais

    e tecnolgicos. O projeto teve apoio de seisdesenvolvedores, que ajudaram a criar um

    sistema de seguimento por anlise de vdeo que

    constantemente lanava novos retratos.

    Na obra posterior, Under Scan, o artista passou a

    projetar vdeo-retratos em pisos de praas. Em

    um primeiro momento, estes retratos no podem

    ser vistos, j que esto apagados por um potente

    projetor. Quando caminham na rea coberta pelo

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    sistema dispositivo, as pessoas descobrem os

    retratos, que so projetados em suas sombras.

    As sequncias de vdeo comeam com as pessoas

    retratadas olhando para um lado. A partir do

    momento em que aparecem projetados nas

    sombras dos transeuntes, os retratos se movem e

    se voltam para eles. Devido sua complexidade,

    o projeto teve apoio de um grande nmero

    de desenvolvedores. Porm, os dispositivos

    praticamente no so visveis e a experincia se

    torna extremamente orgnica.

    Talvez este seja o grande desafio para os

    artistas contemporneos que se propem a

    criar situaes de experincia em suas obras

    interativas: encontrar este caminho do meio,

    que tambm convoca um estar no mundo, um

    compartilhamento de experincias. Algo deve,

    enfim, ser preenchido pelo espectador, que j

    parte da obra. O espectador colocado numa

    posio de produo no jogo artstico e no

    apenas como um refm de softwares.

    Para Couchot (1997), quando o espectador

    instalado no centro da obra, ele convidado pelo

    artista a adotar uma atitude diferente diante

    dela. o corpo inteiro do observador e no mais

    somente o seu olhar que se inscreve na obra,

    enquanto esta ganha em extenso. A significao

    da obra passa a depender da interveno do

    espectador, a partir da confrontao dramtica

    com uma situao perceptiva. a que a obra se

    abre e o tempo de sua criao entra em sintonia

    com o tempo de sua socializao.

    O caminho do meio permite a superao da

    oposio entre o universo orgnico do corpo e o

    universo mecnico da tecnologia. No se trata

    apenas de tornar a natureza artificial, mas tambm

    de fazer o processo inverso, ou seja, naturalizar o

    artificial. Este o horizonte da coexistncia das

    diferenas, onde predomina a possibilidade de

    relao, conexo e interao. O corpo invadido e

    dilatado pelas tecnologias surge como um novo

    modelo de sensibilidade, flexibilidade, inteligncia

    e capacidades comunicativas.

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    What can a body do? Interactive

    installations and possibleexperiences in thecontemporary scenario

    Abstract

    From questions about the body, the image and

    digital technologies, along with an analysis of

    interactive installations that have as main feature

    the transformation of the spectator into a kind of

    performer spectator, it was identified a context

    marked by significant relationships in the artistic

    focus of experimental and new image systems

    that project the spectators body as an image of

    the work. This article develops a kind of update of

    the relations made by Deleuze in his film studies,

    focusing interactive installations as contemporary

    continuities of film processes. It was noticed that the

    body not only experiences but also causes changes,

    from the way it lets the viewer fall in system devices,

    especially through creative activities made possible

    by these systems.

    KeywordsBody. Image. Dispositive. Experience.

    Qu puede un cuerpo?

    Instalaciones interactivas yexperiencias posibles en elescenario contemporneo

    Resumen

    A partir de cuestiones sobre el cuerpo, la imagen

    y las tecnologas digitales, juntamente con un

    anlisis de instalaciones interactivas que presentan

    como principal caracterstica la transformacin

    del espectador en una especie deespectador

    performer, ha sido identificado un contexto

    marcado por relaciones significativas en la esfera

    artstica que privilegian situaciones experimentales

    y nuevos sistemas de imgenes que proyectan el

    cuerpo del espectador como imagen de la obra.

    Este trabajo realiza una especie de actualizacin

    de relaciones hechas por Deleuze en sus estudios

    sobre el cine, privilegiando las instalaciones

    interactivas contemporneas como continuidades

    de procesos cinematogrficos. Ha sido percibido

    que el cuerpo no slo experimenta, pero tambin

    provoca alteraciones, a partir de la manera como elespectador est inserido en sistemas dispositivos,

    principalmente a travs de las actividades creativas

    posibilitadas en estos sistemas.

    Palabras clave

    Cuerpo. Imagen. Dispositivo. Experiencia.

    Recebido em:06 de outubro de 2009

    Aceito em:11 de janeiro de 2010

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  • 8/11/2019 Corpo, Arte e Experimentao

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    RevistadaAssociaoNacionaldosProgramasdePs-

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    omunicao|E-comps,

    Braslia,

    v.1

    3,

    n.1,

    jan./

    abr.2010.

    www.e-compos.org.br

    | E-ISSN 1808-2599 |

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    COMISSO EDITORIALFelipe da Costa Trotta | Universidade Federal de Pernambuco, BrasilRose Melo Rocha | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil

    CONSULTORES AD HOCJoo Maia | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, BrasilSandra Gonalves | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BrasilMayra Rodrigues Gomes | Universidade de So Paulo, BrasilGisela Castro |Escola Superior de Propaganda e Marketing, BrasilJoo Carrascoza | Escola Superior de Propaganda e Marketing, BrasilLuciana Pellin Mielniczuk | Universidade Federal de Santa Maria, BrasilIrene de Arajo Machado |Universidade de So Paulo, BrasilHermilio Pereira dos Santos Filho | Pontifcia Universidade Catlica, BrasilBenjamim Picado | Universidade Federal Fluminense, Brasil

    Maria Apaecida Baccega |Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil

    Rogrio Ferraraz | Universidade Anhembi Morumbi, BrasilBruno Souza Leal | Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    REVISO DE TEXTO E TRADUO | Everton Cardoso

    EDITORAO ELETRNICA | Roka Estdio

    CONSELHO EDITORIAL

    Afonso AlbuquerqueUniversidade Federal Fluminense, Brasil

    Alberto Carlos Augusto KleinUniversidade Estadual de Londrina, Brasil

    Alex Fernando Teixeira PrimoUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Alfredo VizeuUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil

    Ana Carolina Damboriarena EscosteguyPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Ana Silvia Lopes Davi Mdola

    Universidade Estadual Paulista, BrasilAndr Luiz Martins LemosUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    ngela Freire PrysthonUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil

    Antnio Fausto NetoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Antonio Carlos HohlfeldtPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Arlindo Ribeiro MachadoUniversidade de So Paulo, Brasil

    Csar Geraldo GuimaresUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    Cristiane Freitas GutfreindPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Denilson LopesUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Eduardo Peuela Caizal

    Universidade Paulista, BrasilErick Felinto de OliveiraUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Francisco Menezes MartinsUniversidade Tuiuti do Paran, Brasil

    Gelson SantanaUniversidade Anhembi/Morumbi, Brasil

    Goiamrico FelcioUniversidade Federal de Gois, Brasil

    Hector OspinaUniversidad de Manizales, Colmbia

    Herom VargasUniversidade Municipal de So Caetano do Sul, Brasil

    Ieda TuchermanUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Itania Maria Mota GomesUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    Janice Caiafa

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilJeder Silveira Janotti JuniorUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    ExpedienteA revista E-Comps a publicao cientfica em formato eletrnico da

    Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao(Comps). Lanada em 2004, tem como principal finalidade difundir aproduo acadmica de pesquisadores da rea de Comunicao, inseridos

    em instituies do Brasil e do exterior.

    E-COMPS | www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599

    Revista da Associao Nacional dos Programas

    de Ps-Graduao em Comunicao.Braslia, v.13, n.1, jan./abr. 2010.A identificao das edies, a partir de 2008,

    passa a ser volume anual com trs nmeros.

    Joo Freire FilhoUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    John DH DowningUniversity of Texas at Austin, Estados Unidos

    Jos Luiz Aidar PradoPontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Brasil

    Jos Luiz Warren Jardim Gomes BragaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Juremir Machado da SilvaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Lorraine LeuUniversity of Bristol, Gr-Bretanha

    Luiz Claudio MartinoUniversidade de Braslia, BrasilMaria Immacolata Vassallo de LopesUniversidade de So Paulo, Brasil

    Maria Lucia SantaellaPontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Brasil

    Mauro Pereira PortoTulane University, Estados Unidos

    Muniz Sodre de Araujo CabralUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Nilda Aparecida JacksUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Paulo Roberto Gibaldi VazUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Renato Cordeiro GomesPontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Brasil

    Ronaldo George HelalUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Rosana de Lima SoaresUniversidade de So Paulo, Brasil

    Rossana ReguilloInstituto Tecnolgico y de Estudios Superiores do Occidente, Mxico

    Rousiley Celi Moreira MaiaUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    Samuel PaivaUniversidade Federal de So Carlos, Brasil

    Sebastio AlbanoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

    Sebastio Carlos de Morais SquirraUniversidade Metodista de So Paulo, Brasil

    Simone Maria Andrade Pereira de SUniversidade Federal Fluminense, Brasil

    Suzete VenturelliUniversidade de Braslia, Brasil

    Valrio Cruz BrittosUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Veneza Mayora RonsiniUniversidade Federal de Santa Maria, BrasilVera Regina Veiga FranaUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    COMPS| www.compos.org.brAssociao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao

    PresidenteItania Maria Mota GomesUniversidade Federal da Bahia, [email protected]

    Vice-presidenteJulio PintoPontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Brasil

    [email protected]

    Secretria-GeralAna Carolina EscosteguyPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    [email protected]