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CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS:
posicionamento do órgão em relação à República Democrática do Congo (RDC) no
período de 1997 a 2017
Kelly Patrícia Ernst1
Resumo: O presente artigo visa investigar o posicionamento do Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU) em relação à situação na República Democrática do Congo (RDC), em
especial no que concerne a atuação da operação de paz e postergação da Reforma do Setor de
Segurança (RSS). Para tanto, analisam-se, inicialmente, as perspectivas pluralista e solidarista
da Escola Inglesa, desenvolvidas a partir dos conceitos de ordem e justiça na sociedade
internacional, a fim de compreender suas especificidades. Em seguida, busca-se verificar o
posicionamento do CSNU em relação à RDC, por meio das resoluções e declarações do órgão,
no período de 1997 a 2017. Posteriormente, analisa-se a relação entre as perspectivas pluralista
e solidarista e o posicionamento do CSNU ao longo dos últimos 20 anos de conflito armado na
RDC, a fim de compreender as implicações da manutenção da MONUSCO e da postergação
da RSS.
Palavras-chave: Conselho de Segurança das Nações Unidas; MONUSCO; Reforma do Setor
de Segurança; República Democrática do Congo.
1 INTRODUÇÃO
A República Democrática do Congo (RDC), juntamente com os demais países da região
dos Grandes Lagos Africanos, enfrenta a manutenção de um ciclo de guerras, as quais resultam
na “exacerbação da pobreza, o acúmulo de refugiados, altas taxas de mortalidade e um nível
sem precedentes de violência sexual e proliferação do HIV” (CASTELLANO DA SILVA,
2011, p. 18). A RDC, desde sua independência em 1960, vivenciou constantes conflitos
armados: Crise do Congo (1960-1965), a qual levou ao poder Mobutu Sese Seko, que governou
de 1965 a 1997; Primeira Guerra do Congo (1996-1997), a qual levou à queda de Mobutu e
ascensão de Laurent Kabila como presidente congolês (1997-2001); Segunda Guerra do Congo
(1998-2003), cuja origem está no rompimento de Kabila com os antigos aliados externos e; por
fim, o atual Estado de violência (desde 2003), resultado da não definição militar da Segunda
Guerra do Congo, de forma que o conflito permanece ativo até os dias atuais (CASTELLANO
DA SILVA, 2011).
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
Contato: [email protected].
2
A partir da compreensão da manutenção desse ciclo de guerras, a RDC é comumente
caracterizada como um Estado frágil, isto é, um Estado sem capacidade estatal (coercitiva,
extrativa e administrativa). A capacidade estatal, por sua vez, representa a força relativa do
Estado frente à sociedade, essencial para que o governo seja capaz de governar
(CASTELLANO DA SILVA, 2012; CARBONETTI, 2012). Nesse sentido, a capacidade
estatal, por meio da aplicação do monopólio do uso legítimo da força (forças armadas efetivas),
apresenta-se como elemento de constrangimento à grupos armados, ou seja, a dissuasão
coercitiva contribui para a manutenção da paz. Por conseguinte, a incapacidade estatal contribui
para manutenção ou eclosão da luta armada, e vice-versa.
Logo, a reestruturação do Estado é imprescindível. Requer-se a Reforma do Setor de
Segurança (RSS), por meio da implementação de forças armadas e policiais efetivas, a fim de
restabelecer o monopólio do uso legítimo da força e, consequentemente, a capacidade extrativa
e administrativa do Estado. Ademais, Estados frágeis, marcados por conflitos armados
recorrentes, usualmente são auxiliados por organismos internacionais, através da instauração
de operações de paz, cujos objetivos centrais são a proteção à população civil e restauração e
consolidação da paz. A República Democrática do Congo (RDC) enquadra-se como um Estado
frágil que necessita, concomitantemente, de auxílio humanitário (disponibilizado pela atuação
da MONUSCO) e de uma ampla e efetiva Reforma do Setor de Segurança, a fim de viabilizar
a reestruturação do Estado congolês.
Posto isso, a hipótese desta pesquisa visa verificar o posicionamento do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) em relação à situação na República Democrática do
Congo, considerando a atuação da MONUSCO bem como a postergação da Reforma do Setor
de Segurança (RSS). Para tanto, parte-se do marco teórico da Escola Inglesa, a partir da análise
das perspectivas pluralista e solidarista propostas por Bull (2001), visto que se defende, por um
lado, a soberania estatal e a não intervenção e; por outro, a justiça e a intervenção humanitária.
Em seguida, busca-se identificar o posicionamento do CSNU em relação aos conflitos e seus
reflexos, tais como a manutenção da MONUSCO e postergação da Reforma do Setor de
Segurança (RSS), por meio de resoluções e das declarações dos Presidentes do CSNU, em nome
do órgão, a partir do ano de 1997 – fim da Primeira Guerra do Congo – até o ano corrente de
2017. Posteriormente, com base nessas informações, analisar-se-á a relação entre as
perspectivas pluralista e solidarista da Escola Inglesa e o posicionamento do CSNU ao longo
dos últimos 20 anos de conflito armado na República Democrática do Congo (RDC) – do fim
da Primeira Guerra do Congo, Segunda Guerra do Congo até o atual Estado de violência -
perpassando pela implementação e reformulação da MONUC para MONUSCO, bem como
3
pela postergação da Reforma do Setor de Segurança (RSS), a fim de compreender as
implicações de ambas para a reestruturação do Estado congolês.
2 ESCOLA INGLESA: PERSPECTIVAS PLURALISTA E SOLIDARISTA
A Escola Inglesa das Relações Internacionais aponta a existência de uma sociedade
internacional, ou sociedade de Estados, a qual é caracterizada pela consciência “de certos
valores e interesses comuns, [que] formam uma sociedade, no sentido de se considerarem
ligados, [...], por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns” (BULL,
2001, p. 19). Dentro deste contexto, a ordem internacional refere-se a “um padrão de atividades
que sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade de Estados, ou sociedade
internacional” (BULL, 2001, p. 13). De acordo com Alderson e Hurrell (2000), as concepções
dominantes de ordem preocupam-se com regras de coexistência, baseadas no reconhecimento
mútuo da soberania e de regras e instituições capazes de evitar o conflito.
Além disso, essa visão pluralista da sociedade internacional evidencia a concepção de
ordem internacional em que as diferenças entre Estados e indivíduos dão origem a diferentes
tipos de direitos e deveres, além de mecanismos distintos para sustentar a ordem. O monopólio
do uso legítimo da força, por exemplo, possibilita ao Estado a preservação da ordem
(ALDERSON & HURRELL, 2000). Ademais, Bull (2001) afirma que, além de condição
efetiva ou possível, a ordem é também um valor, embora não seja único ou supremo em relação
à conduta internacional, posto que a preocupação das potências Ocidentais tende a ser a
manutenção da ordem, enquanto dos Estados do Terceiro Mundo há prevalência da justiça,
mesmo a custo da desordem.
Faz-se necessário, portanto, compreender o termo justiça, cuja definição se dá de modo
pessoal e subjetivo, pois refere-se à moralidade. Na política mundial, a justiça é utilizada como
ferramenta para “remoção de privilégios ou de discriminações, para a igualdade na distribuição
ou aplicação de direitos entre os fortes e os fracos [...]” (BULL, 2001, p. 93). A ordem
internacional existente, entretanto, não satisfaz algumas noções de justiça, embora a justiça
apenas seja realizável em um contexto de ordem. A sociedade internacional, no entanto, tem o
compromisso formal não apenas com a preservação de um mínimo de ordem ou coexistência,
mas também com as ideias de justiça, de forma que ordem e justiça não são mutuamente
excludentes na política mundial, desde que uma considere a outra e vice-versa (BULL, 2001).
Dessa forma, o pluralismo e solidarismo dependem da “extensão das normas, regras e
4
instituições que uma sociedade internacional pode formar sem se afastar das regras
fundamentais de soberania e não-intervenção que o definem como um sistema de estados”2
(BUZAN, 2014, p. 16, tradução nossa). Dunne (2008) ressalta ainda que, embora os Estados
sejam os principais membros da sociedade internacional, não são os únicos.
Posto isso, a perspectiva solidarista, por sua vez, refere-se a uma ideia de sociedade
internacional cujo foco central são os interesses do todo, e não a coexistência entre Estados e a
manutenção da ordem, cuja ênfase se encontra no indivíduo em vez do Estado. No entanto, o
solidarismo de Bull apresenta-se como um tipo qualitativamente diferente de sociedade
internacional, a partir de três dimensões: 1) conteúdo das normas; 2) fonte das normas e; 3)
implementação das normas (ALDERSON & HURRELL, 2000). Conforme Dunne (2008), o
solidarismo, nesse sentido, atuaria como limitador do exercício da soberania estatal pluralista,
representando uma extensão, e não transformação, da sociedade internacional. Ademais, “como
o pluralismo, [o solidarismo] é definido pelas instituições e valores compartilhados e é realizado
em conjunto por regras jurídicas vinculativas”3 (DUNNE, 2008, p. 275, tradução nossa).
A ordem e justiça, portanto, são formalizadas no debate pluralista e solidarista, o qual
aborda como a sociedade internacional relaciona-se e deveria relacionar-se com a sociedade
mundial, isto é, como os Estados relacionam-se e deveriam relacionar-se com as pessoas. Dessa
forma, ordem e justiça podem ser percebidos como direito dos Estados e direito das pessoas,
respectivamente. A aparente contradição entre esses direitos pode ser contornada, desde que os
Estados apliquem seu direito soberano (e também a responsabilidade, na visão solidarista) para
reconhecer e implementar os direitos humanos (BUZAN, 2014). Para o autor, o debate
pluralista/solidarista, portanto, não é oposto – mas sim complementar - pois permite a discussão
sobre os limites e possibilidades da sociedade internacional.
Buzan (2014) elenca que a principal preocupação da perspectiva pluralista é a ordem
internacional e, nesse sentido, a sociedade internacional é centrada no Estado e limitada à
normas de coexistência, isto é, Estado como ator dominante e soberania estatal como elemento
superior ao direito internacional e a não-intervenção. Por sua vez, a perspectiva solidarista
preocupa-se com a justiça e o dilema ordem/justiça, em especial no que diz respeito aos direitos
humanos e questões de intervenção humanitária.
2 No original: “[...] extent of norms, rules and institutions that an international society can form without departing
from the foundational rules of sovereignty and nonintervention that define it as a system of states”. 3 No original: “Like pluralism, it is defined by shared values and institutions and is held together by binding legal
rules”.
5
Dessa forma, Buzan (2014) afirma que o pluralismo enfatiza a soberania pois considera
a promoção dos direitos humanos do solidarismo uma ameaça à estabilidade da sociedade
internacional, visto que sua atuação independente do Estado desafiaria o princípio da soberania
e o direito de não-intervenção. Ademais, o pluralismo possui uma ética prática, a qual preocupa-
se com evitar conflitos e coloca a justiça como ameaça à ordem sob condições de diversidade
cultural e política. No pluralismo de Bull, ainda percebe-se o receio com a diluição da sociedade
internacional causada pela descolonização, da qual emergiram Estados frágeis e culturas não-
Ocidentais, “reduzindo assim a eficácia política e a fundação cultural compartilhada da
sociedade internacional ocidental”4 (BUZAN, 2014, p. 94, tradução nossa).
O solidarismo, por sua vez, percebe o Estado não como um ator soberano, mas como
um agente representativo da população, cuja limitação sobre o uso legítimo da força, por meio
do compartilhamento de normas, regras e instituições a respeito da cooperação, melhoraria a
relação entre o Estado e seus cidadãos. Assim, a ênfase ocorre em relação ao compartilhamento
de normas morais subjacentes à compreensão mais expansiva e intervencionista da ordem
internacional, visto que congrega Estado e atores não-estatais, com base em complexos direitos
individuais (BUZAN, 2014).
Linklater e Suganami (2006) afirmam ainda que esse debate entre ordem internacional
e justiça humana se fortaleceu após o fim da Guerra Fria, quando houve uma mudança na
relação entre soberania estatal, a cultura global de direitos humanos e a norma de intervenção
humanitária. Alderson e Hurrell (2000) também elencam mais dois fatores que contribuíram ao
debate em questão. Primeiro, a erosão dos Estados e da capacidade estatal, ocasionada pelo
processo de expansão e descolonização europeias, de forma que os desafios à ordem
internacional passam a derivar tanto da anarquia quanto da fragilidade estatal de determinados
Estados.
Portanto, de acordo com uma concepção da ordem internacional centrada no Estado,
alguns Estados não são Estados de fato. Estados frágeis não conseguem fornecer uma ordem
devido à sua fraqueza, falta de legitimidade e incapacidade de fornecer segurança ou satisfazer
demandas domésticas; logo, são ameaças à instabilidade interna, bem como à arena
internacional, além de falhar na cooperação por objetivos comuns na sociedade internacional
(ALDERSON & HURRELL, 2000; MONTEIRO, 2006). Segundo Dunne (2008, p. 273,
tradução nossa), Estados frágeis, geralmente resultado de uma guerra civil ou intervenção
4 No original: “[...] so reducing the political efficiency and the shared cultural foundation of Western international
society”.
6
militar externa, “são reconhecidos pela sociedade internacional mas são incapazes de manter
um governo interno efetivo”5.
O segundo ponto refere-se à relação de valores comuns e tradições culturais comuns
com a ordem internacional, ou seja, o impacto da diversidade cultural na expansão da sociedade
internacional. Posto isso, percebe-se a centralidade da tensão entre as concepções pluralista e
solidarista para a análise da sociedade internacional feita por Bull, de forma que os teóricos da
sociedade internacional enfrentam dilemas políticos, entre os quais a inadequação, moral ou
política, de uma ordem pluralista de convivência (ALDERSON & HURRELL, 2000). No
entanto, pluralismo e solidarismo não devem ser vistos como opostos e mutuamente
excludentes - embora algumas vezes suas premissas possam assumir a forma de oposição –
visto que ambas as perspectivas visam encontrar o equilíbrio entre a ordem e justiça na
sociedade internacional. O debate, portanto, ocorre em torno da tensão entre as necessidades e
imperativos dos Estados e da humanidade, tanto individualmente quanto coletivamente, a fim
de que seja possível a construção moral da ordem internacional (BUZAN, 2014).
3 POSICIONAMENTO DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS
SOBRE A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO (1997-2017)
Nesta seção, por meio de resoluções e das declarações dos Presidentes do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU), busca-se averiguar o posicionamento do órgão em
relação à República Democrática do Congo (RDC), no que concerne aos conflitos, violações
de direitos humanos, atuação da operação de paz e do governo congolês, além da necessidade
de implementação da Reforma do Setor de Segurança (RSS), partir do ano de 1997 – fim da
Primeira Guerra do Congo – até o ano corrente de 2017.
Posto isso, ao fim da Primeira Guerra do Congo, em 1997, o Presidente do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) declarou-se satisfeito pelo fim do conflito, e favorável
às aspirações congolesas em direção à paz, reconciliação nacional e progresso político,
econômico e social, ao mesmo tempo que se opôs a qualquer interferência externa no país,
reafirmando a soberania estatal e integridade territorial da RDC. Além disso, ressaltou
preocupação em relação às violações de direitos humanos e violência contra refugiados, como
5 No original: “[...] are recognized by international society but are unable to maintain na effective government
internally”.
7
ameaças à paz e segurança internacionais, em conformidade à nova escalada de tensões entre
grupos beligerantes, internos e externos (UN SECURITY COUNCIL, 1997a; 1997b; 1997c).
Em 1998, o CSNU condenou os massacres e violações de direitos humanos, inclusive
crimes contra a humanidade cometidos no Congo, reconhecendo a necessidade de investigação
e responsabilização, a fim de assegurar a justiça. Recomendou-se que a RDC procurasse ajuda
externa – agências da ONU e outros órgãos internacionais - a fim de alcançar esses objetivos,
bem como auxiliar na reconciliação nacional, redução de tensões étnicas e proteção à população
civil. O CSNU solicitou o fim pacífico do conflito na RDC, por meio de um cessar fogo
imediato, retirada de grupos beligerantes externos, controle das fronteiras internacionais e
restabelecimento da autoridade governamental; para tanto, mostrou-se disposto a intervir
ativamente para o alcance deste objetivo. A continuidade e intensificação do conflito foram
consideradas ameaças à paz, segurança e estabilidade na região dos Grandes Lagos, com graves
consequências humanitárias (UN SECURITY COUNCIL, 1998a; 1999b; 1998c).
A quebra da aliança vencedora da Primeira Guerra do Congo, por meio de nova e intensa
escalada de tensões, resultou na Segunda Guerra do Congo, também chamada de Guerra
Mundial Africana, devido à intensidade do conflito (3,8 milhões de mortes). Ademais, o
financiamento das forças envolvidas no conflito se deu, em sua maioria, pela extração ilegal de
recursos naturais, concentrados no leste da RDC, palco dos principais confrontos
(CASTELLANO DA SILVA, 2011). Segundo Castellano da Silva (2011, p. 125), “os altos
custos do conflito para ambos os lados e as pressões internacionais (notadamente atrasadas e
modestas frente à guerra de agressão) para o estabelecimento de cessar fogo levaram a
assinatura do Acordo de Lusaka em 1999”, o qual previa a retirada das tropas.
Ademais, o Acordo de Lusaka foi fundamental para a criação da Missão da Organização
das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC)6, por meio da Resolução
1279, de 30 de novembro de 1999. De modo a restaurar a paz e segurança internacional, o
principal objetivo da missão era desvincular as forças envolvidas no conflito, a fim de planejar
o acordo de paz. Ao mesmo tempo, a RCSNU 1279 reforçou a soberania estatal, integridade
territorial e independência política da RDC (UN SECURITY COUNCIL, 1999a). A resolução
pacífica do conflito deveria ocorrer por meio de mediação regional, a fim de promover a
reconstrução econômica, estabilidade política e democratização do país (UN SECURITY
COUNCIL, 1999b).
6 No original: United Nations Organization Mission in the Democratic Republic of the Congo.
8
Em continuidade ao Acordo de cessar fogo de Lusaka, o CSNU reiterou seu
compromisso e participação (através da MONUC), bem como o engajamento de diversos países
e órgãos internacionais aos esforços de implementação do respectivo acordo, a partir da cessão
imediata de hostilidades e retirada de grupos armados externos. Ademais, o CSNU considerou
a expansão do mandato da MONUC, bem como a criação de uma unidade militar, a fim de
aumentar a capacidade da missão na implementação do Acordo de Lusaka, e de garantir a
participação da população congolesa nas negociações, além de sua proteção e respeito aos
direitos humanos. Ressaltou-se, porém, o receio de que grupos armados não signatários ao
Acordo de Lusaka pudessem colocar em risco a implementação do mesmo, por meio da
renovação de lutas entre grupos armados externos no território congolês. Em concordância com
a MONUC, o CSNU também estabeleceu um painel sobre a exploração ilegal de recursos
naturais e outras fontes de riqueza na RDC, as quais financiavam grupos armados no conflito.
Ressaltou ainda que a continuidade das hostilidades e falta de cooperação eram prejudiciais à
implementação total da MONUC (UN SECURITY COUNCIL, 2000a; 2000b; 2000c; 2000d).
Em 2001, o relatório do painel sobre a exploração ilegal de recursos naturais e outras
fontes de riqueza na RDC confirmou que indivíduos, governo e grupos armados eram
beneficiados por essa atividade, além de sua relação direta com a continuidade do conflito. O
CSNU condenou essa atividade, por afetar profundamente o ambiente e economia do país. Por
outro lado, o CSNU mostrou-se satisfeito com o progresso no processo de paz, reiterando a
necessidade de desmobilização de grupos armados e de proteção à população e auxílio
humanitário, bem como de cooperação com a MONUC para seu completo desenvolvimento e,
por conseguinte, do Acordo de Lusaka (UN SECURITY COUNCIL, 2001a; 2001b; 2001c).
Em 2002, o CSNU visou adotar as medidas sugeridas pela MONUC, a fim de facilitar
a implementação do Acordo de Lusaka, bem como reiterar seu apoio à missão, à retirada de
forças externas e ao processo de desarmamento, desmobilização, reintegração, repatriamento e
reassentamento (DDRRR)7 de antigos combatentes. Condenou os novos ataques e assassinatos
à civis, exigindo o fim imediato de violações de direitos humanos e de cunho étnico, além da
completa desmilitarização; bem como autorizou o aumento temporário das atividades militares
da MONUC, a fim de atenuar as tensões e evitar instabilidade na região. Condenou, ainda, os
atos de intimidação e declarações públicas infundadas contra a MONUC, ao considerar os
ataques diretamente opostos às intenções de desmilitarização e cessar fogo defendidas pela
missão. Por outro lado, o Acordo de Paz, assinado em 30 de julho de 2002, entre RDC e Ruanda,
7 No original: Disarmament, demobilization, repatriation, resettlement and reintegration.
9
foi visto positivamente, pois o intuito era identificar, desarmar e repatriar grupos ruandenses
envolvidos no conflito congolês, além de facilitar a implementação de outros acordos firmados
e das resoluções do próprio CSNU (UN SECURITY COUNCIL, 2002a; 2002b; 2002c; 2002d;
2002e).
Em 2003, os contínuos assassinatos, violência e violações de direitos humanos e os
ataques a deslocados e refugiados sob proteção da MONUC foram considerados prejudiciais à
estabilidade do país e ao andamento do processo de paz. Ademais, o relatório final do painel de
exploração ilegal de recursos naturais estabeleceu relação direta com a continuidade do conflito.
O CSNU, dessa forma, condenou todas essas ações, bem como o tráfico de armas, visto que
contribuíram para a intensificação do conflito em vez de seu encerramento (UN SECURITY
COUNCIL, 2003a; 2003b).
Apesar disso, o fim formal da Segunda Guerra do Congo ocorreu no mesmo ano, mesmo
sem representar o fim real dos confrontos na RDC. Por isso, em 2004, o CSNU mostrou-se
preocupado com relatos de aumento de atividades militares em território congolês e violência
após o Acordo de Paz do ano anterior, gerando instabilidade e prejudicando o processo de paz
e transição. Condenou qualquer interferência à atuação da MONUC para a estabilização da
situação, reafirmando seu apoio à missão e necessidade de desmilitarização e DDRRR de
combatentes, a fim de reduzir tensões e restabelecer relações na região. O CSNU solicitou que
o governo de transição atuasse em conjunto com a MONUC a fim de realizar a Reforma do
Setor de Segurança (RSS), bem como reintegração de antigos combatentes às forças armadas e
na preparação de eleições (UN SECURITY COUNCIL, 2004a; 2004b; 2004c; 2004d).
Em 2005, o CSNU solicitou, novamente, a renúncia ao uso da força por todos os grupos
envolvidos no conflito congolês, em face à nova escalada de tensões, ressaltando a urgência de
cumprir-se o processo de DDRRR. Condenou os massacres ocorridos contra civis, além de
exigir a punição dos perpetradores, autorizando ampla atuação da MONUC nesse sentido.
Apoiou a renovação do período de transição, a fim de conduzir ao processo eleitoral, além de
conclamar o apoio da população ao referendo sobre a Constituição do país - processos
fundamentais para a restauração da paz e estabilidade nacional (UN SECURITY COUNCIL,
2005a; 2005b; 2005c; 2005d; 2005e).
No ano seguinte, houve ataques intencionais à membros da MONUC, bem como à civis,
fatos severamente criticados pelo CSNU e prejudiciais ao processo de paz e transição em
andamento. Por outro lado, o CSNU parabenizou a participação popular nas eleições
democráticas de 2006, tendo sido eleito Joseph Kabila; além de agradecer o apoio prestado
pela MONUC e parceiros internacionais para a realização do processo eleitoral. Ademais,
10
estimulou a determinação da MONUC no cumprimento de seu mandato para com os desafios
de segurança enfrentados em território congolês (UN SECURITY COUNCIL, 2006a; 2006b;
2006c).
Em 2007, o CSNU encorajou a MONUC e autoridades congolesas a tomarem as
medidas necessárias para investigar ataques cometidos contra civis e autoridades. Também
enfatizou a legitimidade das instituições e das eleições do ano anterior, e a necessidade de
proteção à população por parte do governo eleito. Condenou o uso da violência para resolução
de disputas e divergências, ao invés da utilização do cenário político para tal. Além disso, o
CSNU demostrou preocupação com a deterioração da segurança e casos de extrema violência,
podendo agravar o conflito e a situação humanitária no país, ressaltando a importância do
governo e seus parceiros implementarem a RSS (UN SECURITY COUNCIL, 2007a; 2007b).
Em 2008, o CSNU mostrou-se preocupado com a continuidade da violência e das
consequências humanitárias desta, ao relembrar as obrigações das partes para com o direito
internacional humanitário, de direitos humanos e refúgio; porém, ressaltando a soberania estatal
e integridade territorial da RDC. Destacou seu apoio à MONUC e ao seu mandato, em especial
às suas ações para proteção de civis (UN SECURITY COUNCIL, 2008a; 2008b). Em 2009, o
CSNU enfatizou a importância da construção da paz em situações de pós-conflitos, elogiando
a atuação da ONU e de suas operações de paz nesse processo de consolidação da paz. Ressaltou
ainda a necessidade de restabelecimento das instituições e do Estado de direito, revitalização
da economia e implementação da RSS, além da inserção de mulheres e meninas nesse processo
de construção da paz. Ademais, o CSNU solicitou que para futuras propostas de novas missões
de manutenção da paz ou alterações significativas de algum mandato sejam feitas estimativas
das implicações à missão, e que as missões de paz sejam apenas um acompanhamento, e não
uma alternativa estratégica política (UN SECURITY COUNCIL, 2009a; 2009b).
Em 2010, o CSNU ressaltou a soberania, integridade territorial e independência política
da RDC, porém, mostrou-se preocupado com os desafios enfrentados pelo país nos últimos 15
anos, apesar dos progressos realizados. Enfatizou a responsabilidade do governo congolês em
garantir a segurança e proteção à população civil, em especial, punir os perpetradores de
violações de direitos humanos e delitos sexuais; além da urgência de implementação do
processo de DDRRR, bem como da RSS, a fim de alcançar a estabilidade do país para prover
condições de segurança e de desenvolvimento econômico. Reforçou a importância do
comprometimento dos países da região dos Grandes Lagos na promoção da paz, estabilidade e
desenvolvimento econômico regional. Destacou a relação entre exploração ilegal de recursos
naturais e financiamento de grupos armados. O CSNU parabenizou a atuação da MONUC, em
11
concordância com os pontos acima citados, com ênfase na proteção da população civil e nos
esforços de promoção de paz e segurança. A fim de dar continuidade a este trabalho e
considerando a nova fase de transição para consolidação da paz, bem como os contínuos
desafios à estabilidade do país e à paz e segurança internacionais, o CSNU aprovou a Resolução
1925, em 28 de maio de 2010, na qual renomeou a operação de paz para Missão de Estabilização
da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO)8, com
estabelecimento das seguintes prioridades: 1) proteção aos civis e 2) estabilização e
consolidação da paz (UN SECURITY COUNCIL, 2010b).
No mesmo ano, o CSNU condenou, novamente, as violações massivas de direitos
humanos, em especial, os estupros cometidos contra mulheres e meninas, além de exigir
punição aos perpetradores. Também ressaltou a responsabilidade do governo da RDC em
garantir segurança e proteção aos civis em seu território, bem como julgar os crimes e fornecer
assistência às vítimas. Aconselhou que o governo congolês, além da implementação urgente da
RSS, buscasse apoio de doadores bilaterais e multilaterais, bem como junto ao atual mandato
da MONUSCO, a fim de reforçar sua capacidade militar e policial e de justiça (UN SECURITY
COUNCIL, 2010a).
Em 2011, o CSNU afirmou que a RDC entrava em nova fase de estabilização e
consolidação da paz, e que isso requeria parcerias com a ONU e MONUSCO. Nesse sentido,
reiterou-se a importância de quatro pilares fundamentais: paz e segurança, processo eleitoral,
governança e construção institucional e desenvolvimento econômico. Houve progresso quanto
à paz e segurança, em relação à DDRRR, apesar de pouco avanço da RSS (forças armadas e
polícia), de forma que o desafio permaneceu. Logo, o apoio de parceiros internacionais e da
MONUSCO foi considerado fundamental. A alta incidência de violência sexual e violações de
direitos humanos contra a população civil permaneceram como questões preocupantes. O
CSNU apoiou a condução de novas eleições, ressaltando a necessidade de transparência,
legitimidade e pacificidade do processo eleitoral. Por outro lado, reforçou-se a necessidade de
progresso quanto à governança e ao fortalecimento institucional, à reforma judicial e ao apoio
aos tribunais nacionais, a fim de garantir o Estado de direito e fortalecer a luta contra a
impunidade, bem como ao desenvolvimento econômico para assegurar a estabilização e a
consolidação da paz duradoura (UN SECURITY COUNCIL, 2011).
Em 2012, a deterioração da segurança e da crise humanitária em decorrência de
atividades militares de grupos armados (em especial, M23) voltaram a preocupar o CSNU, que
8 No original: United Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic of the Congo.
12
condenou ataques contra a população civil, forças de paz da ONU e atores humanitários, bem
como as tentativas dos grupos armados em estabelecer uma administração paralela e minar a
autoridade do Estado congolês. O CSNU estabeleceu que os perpetradores de violências e
abusos fossem julgados e punidos, bem como sanções fossem aplicadas aos grupos
beligerantes. Ao mesmo tempo, o CSNU reiterou o respeito à soberania, independência,
unidade e integridade territorial da RDC, com ênfase aos princípios de não intervenção, boa
vizinhança e cooperação regional, além de reafirmar a responsabilidade do Estado congolês em
manter a governança e autoridade estatal, aplicar efetivamente a RSS, punir os perpetradores
de abusos e deter o controle sobre a extração de recursos naturais (UN SECURITY COUNCIL,
2012).
Em 2013, o CSNU reafirmou os princípios básicos das operações de manutenção da
paz, incluindo o consenso entre as partes, imparcialidade e não uso da força – exceto para
autodefesa e defesa do mandato, ao considerar-se a situação específica de cada país de atuação
das missões; ao mesmo tempo em que reafirmou os princípios de soberania, independência,
unidade e integridade territorial da RDC, com ênfase nos princípios de não intervenção, boa
vizinhança e cooperação regional. Associou-se, ainda, a deterioração da segurança e a grave
crise humanitária enfrentada no país. Esses fatores justificaram a aprovação da Resolução 2098
pelo CSNU, em 28 de março de 2013, a qual estabeleceu uma Brigada de Intervenção da
MONUSCO, a fim de possibilitar a completa implementação do mandato da missão, quanto à
proteção de civis e estabilização e consolidação da paz, por meio da utilização de todos os meios
necessários, ou seja, o CSNU autorizou o uso ofensivo da força – algo inédito nas operações de
paz (UN SECURITY COUNCIL, 2013b).
No mesmo ano, o fim da rebelião do M23 contra o governo foi bem visto pelo CSNU,
que apelou à rápida conclusão e implementação de acordo entre as partes, com previsão de
desarmamento e desmobilização do M23, bem como responsabilização pelas violações de
direitos humanos cometidas durante a rebelião. O CSNU parabenizou a MONUSCO pela sua
contribuição nos esforços de consolidação da paz e segurança, em especial, à proteção aos civis
e apoio à RSS, com prioridade ao estabelecimento de forças armadas. Condenou, por outro
lado, a continuidade de abusos e violações de direitos humanos por grupos armados, exigindo
o imediato cessar fogo e desmobilização (UN SECURITY COUNCIL, 2013a).
Em 2014, o CSNU voltou a demonstrar preocupação devido ao processo de
desarmamento voluntário dos grupos armados, o qual mostrou-se ineficiente. Solicitou,
portanto, implementação de ações militares à MONUSCO e ao governo da RDC contra grupos
armados que não cumpriram com a desmobilização acordada, cuja neutralização mostrou-se
13
prioritária para a estabilização das tensões (UN SECURITY COUNCIL, 2014). Em
continuidade a essas preocupações, em 2015, o CSNU reiterou seu apoio e solicitou
implementação completa da MONUSCO e Brigada de Intervenção, incluindo operações
militares para neutralização de grupos armados (UN SECURITY COUNCIL, 2015a; 2015b).
Em 2016, após visita do CSNU à RDC, mostrou-se um monitoramento do
desenvolvimento político no país, com preocupação quanto à possibilidade de desestabilização.
Reiterou-se, portanto, a condução de processo eleitoral legítimo e transparente, que possibilite
a estabilidade, desenvolvimento e consolidação da democracia na RDC. Manteve-se a
preocupação quanto aos abusos e violações aos civis, de forma a requerer-se a interferência da
MONUSCO e governo congolês (UN SECURITY COUNCIL, 2016). No ano corrente de 2017,
o CSNU comemorou o acordo político assinado no fim do ano anterior, parabenizando os
líderes políticos congoleses pela flexibilidade em prol da estabilidade, paz, desenvolvimento e
consolidação da democracia na RDC. O CSNU ressaltou, novamente, a soberania,
independência, unidade e integridade territorial da RDC (UN SECURITY COUNCIL, 2017).
4 IMPLICAÇÕES DA MANUTENÇÃO DA MONUSCO E DA POSTERGAÇÃO DA
REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇA NA RDC
Ao longo dos últimos 20 anos, a República Democrática do Congo (RDC) tem
enfrentado a manutenção de um ciclo de guerras, as quais têm debilitado profundamente o país.
Castellano da Silva (2011, p. 20) sugere que, mesmo após o fim formal da Segunda Guerra do
Congo em 2003, a instabilidade persiste pois não houve a definição militar do conflito9 como
passo inicial no processo de reconstrução do Estado, de forma que “há a permanência de grupos
armados atuando contra as populações civis e o governo central, e em locais onde o aparelho
coercitivo do Estado é ineficiente ou mesmo inexistente”.
Nesse sentido, a RDC é comumente caracterizada como um Estado frágil (ou
fracassado), ou seja, um “Estado fracassado é aquele a cuja existência normativa não
corresponde uma existência empírica (ao menos não plena) [...]. Alguns Estados não são
Estados” (MONTEIRO, 2006, p. 32). O Estado moderno, segundo Schiera (1998), é resultado
da progressiva centralização do poder (por meio do monopólio do uso legítimo da força), do
princípio da territorialidade e da progressiva aquisição da impessoalidade do comando político,
9 Não significa, necessariamente, vitória militar. Pode ser entendida como capacidades díspares entre as forças, de
modo que se garanta a dissuasão e reestruturação do Estado (CASTELLANO DA SILVA, 2013).
14
e seu objetivo principal é a manutenção da ordem – enquadrando-se na perspectiva pluralista
de Bull.
Ademais, para Cepik (2001), o grau de efetividade obtido na manutenção da ordem
pluralista é diretamente influenciado pelo contexto e condições históricas específicas de cada
Estado. De acordo com Castellano da Silva (2013), a percepção da RDC como um Estado frágil
é decorrente do enfraquecimento das forças armadas nacionais empregado por Mobutu a partir
de 1975 e associado às crises econômicas e políticas enfrentadas pelo país desde 1980, as quais
contribuíram para as duas Guerras do Congo. Dessa forma, a incapacidade efetiva na aplicação
da coerção, seja interna ou externa, resultou em um ciclo de conflitos armados e manutenção
da fragilidade estatal na RDC.
As condições de governabilidade e fortalecimento do Estado apenas são possíveis em
termos de capacidade estatal, isto é, capacidades necessárias para realizar as ações do Estado
frente à sociedade (TILLY, 1996; 2007; CASTELLANO DA SILVA, 2012). De tal modo,
capacidade estatal é a força relativa do Estado, ou seja, é um elemento de força que permite ao
governo capacidade de governar o Estado; e tende a ser composta por três fatores inter-
relacionados: capacidade coercitiva (militar), capacidade extrativa (capital) e capacidade
administrativa (burocracia) (CASTELLANO DA SILVA, 2012; CARBONETTI, 2012). Por
isso, Carbonetti (2012, p. 5, tradução nossa) assevera que “os Estados fortes são aqueles com
mais poder do que os atores domésticos, enquanto os Estados fracos têm menos poder em
relação aos atores da sociedade”10.
Dessa forma, baixa capacidade estatal significa o fortalecimento de elementos da
sociedade em detrimento das estruturas do Estados, de forma a propiciar conflitos civis, por
exemplo. Por outro lado, alta capacidade estatal representa empecilhos à direitos sociais, visto
que o Estado é mais forte que a sociedade. Ao adicionar o sistema interestatal à esta equação
(Estado e sociedade), a análise de capacidade estatal torna-se ainda mais complexa, pois os
Estados contemporâneos são tanto definidos quanto diferenciados em termos de sua capacidade
de prover segurança e bem-estar a todos os cidadãos. Portanto, fragilidade interna pode
significar fraqueza externa, de forma que a mensuração dos componentes da capacidade estatal,
através da média de coerção e capital entre Estado e sociedade, é determinante nessa relação
(CASTELLANO DA SILVA, 2012).
Para Castellano da Silva (2013, p. 60), capacidade estatal também é condição
fundamental para a “estabilização de conflitos e, eventualmente, para a efetividade de acordos
10 No original: “[...] strong states are those with more power than domestic actors while weak states have less
power relative to societal actors”.
15
power-sharing11”. Nesse sentido, a capacidade estatal, geralmente por meio da aplicação do
monopólio do uso legítimo da força (forças armadas efetivas), apresenta-se como elemento de
constrangimento a grupos armados, ou seja, a dissuasão coercitiva contribui para a manutenção
da paz. Por conseguinte, a incapacidade estatal contribui para manutenção ou eclosão da luta
armada, e vice-versa. Além disso, Castellano da Silva (2010) afirma que a adoção de conceitos
inadequados por atores internacionais para explicar os conflitos na RDC contribuiu para a
inação de países e organizações intergovernamentais frente à invasão externa e consequente
colapso do Estado congolês.
Dentro deste contexto, as perspectivas pluralista e solidarista da Escola Inglesa podem
ser utilizadas como ferramentas que permitem compreender o posicionamento do Conselho de
Segurança das Nações Unidas em relação ao processo de guerras contínuas e manutenção de
um Estado frágil na RDC, ao considerar os aspectos históricos da formação do Estado congolês,
bem como os modos de socialização entre os Estados na política internacional. Evidencia-se,
portanto, a complementariedade das perspectivas pluralista e solidarista propostas por Bull,
visto que o Estado deve preocupar-se em manter a ordem (por meio do controle do uso legítimo
da violência) e, igualmente, em prover bem estar e proteção à população civil.
Entretanto, a República Democrática do Congo - ao ser caracterizada como um Estado
frágil, cuja capacidade estatal (aqui entendida como capacidade coercitiva, extrativa e
administrativa) era reduzida ou até inexistente no momento do fim formal da Segunda Guerra
do Congo - não conseguiu manter a ordem, tampouco prover bem estar e proteção à população
civil. Isso foi ocasionado pela incapacidade do país em exercer constrangimentos, ou dissuasão,
aos grupos armados envolvidos nos conflitos, para que a manutenção da paz e reconstrução do
e fortalecimento do Estado nacional fossem mais atrativos que o bônus da guerra.
Devido a situação de instabilidade na RDC, fez-se necessário a interferência externa no
país e região dos Grandes Lagos Africanos, sob a liderança do CSNU. Ao analisar as
declarações do CSNU em relação à RDC, percebe-se a complexidade de posicionar-se
firmemente frente a um intricado e persistente conflito armado. Portanto, elenca-se a atuação
do CSNU nos últimos 20 anos de conflito armado na RDC a partir da análise das perspectivas
pluralista e solidarista propostas por Bull, a fim de demonstrar as dificuldades de um
posicionamento firme ou extremo nesses casos.
11 O mecanismo de power sharing (distribuição de poder) tem sido frequentemente usado na resolução negociada
de conflitos armados no continente africano. Porém, a não definição militar de conflitos tem se mostrado
problemática, visto que grande parte dos Estados não possui capacidade estatal a fim de dissuadir grupos armados
da luta armada. Logo, a utilização de arranjos de power sharing podem ser insuficientes na resolução de conflitos
(CASTELLANO DA SILVA, 2013; CASTELLANO DA SILVA, 2011).
16
Nesse sentido, parte-se da perspectiva pluralista da Escola Inglesa, a qual defende a
soberania estatal e o direito de não intervenção (BULL, 2001). Ao transpor essa ideia ao
discurso adotado pelo CSNU nos últimos 20 anos, percebe-se o comprometimento do órgão em
relação a essas premissas, visto que o CSNU defende, constantemente, a soberania,
independência, unidade e integridade territorial da RDC, enfatizando o princípio de não
intervenção, bem como a responsabilidade do Estado congolês em manter a governança e
autoridade estatal, além de prover proteção aos civis.
Já em conformidade com a perspectiva solidarista de Bull (2001), a qual defende a
justiça, direitos humanos e intervenção humanitária quando um Estado é incapaz de se
autogovernar; o CSNU condena, desde 1997, os massacres e violações de direitos humanos
cometidos pelas forças envolvidas no conflito na RDC. O órgão exigiu o fim pacífico do
conflito, por meio do desarmamento e desmobilização de grupos armados; além de auxiliar nas
investigações para responsabilização dos perpetradores de crimes humanitários contra a
população civil, como forma de assegurar a justiça. Nesse sentido, o CSNU mostrou-se coerente
ao instalar e manter a MONUC e, posteriormente, a MONUSCO, demonstrando amplo apoio
ao cumprimento do mandato das missões, cujo principal objetivo é a proteção aos civis, além
da promoção da estabilidade e consolidação da paz na RDC.
Cabe ressaltar que, ao longo desse período, o CSNU manteve-se firme quanto à urgência
de se implementar a Reforma do Setor de Segurança (RSS) – imprescindível para a
reestruturação estatal da RDC, por meio da criação de forças armadas e policiais efetivas. No
entanto, apesar da ênfase na necessidade da reforma, o órgão delegou a responsabilidade em
aplicar a reforma ao Estado congolês. Porém, ao considerar-se a incapacidade coercitiva interna
da RDC, fica evidente que o país não possui condições básicas para arcar com essa reforma
autonomamente – requer-se auxílio internacional para tal tarefa. Como visto, a RDC enfrenta a
manutenção de um ciclo de guerras e, apesar do encerramento formal da Segunda Guerra do
Congo, as tensões entre grupos beligerantes, internos e externos, com o governo congolês,
mantêm-se constantes. Portanto, a fim de encerrar os conflitos permanentemente, é necessário
que o Estado congolês detenha o monopólio legítimo do uso da violência, de forma a ser capaz
de dissuadir grupos armados. Para que isso ocorra, a RSS é imprescindível, pois o Estado requer
forças armadas e policiais efetivas para manter a ordem e, consequentemente a paz.
O mandato da MONUSCO, nesse sentido, além de proteção à população civil,
estabelece a estabilização e consolidação da paz como objetivo principal da missão. Portanto,
o CSNU encorajou a MONUSCO a auxiliar o governo congolês na implementação da RSS;
porém, ressaltando a responsabilidade primordial da RDC quanto aos desafios de segurança
17
apresentados ao país. Além disso, a atuação da MONUSCO contribui para a promoção de
justiça e direitos humanos, frente às massivas violações ocorridas na RDC ao longo dos
conflitos armados, mostrando-se um ator relevante em meio ao cenário de instabilidade no país.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de 20 anos, percebe-se que o CSNU constantemente clamou pelo fim dos
conflitos na RDC. O órgão foi taxativo quanto a necessidade de desarmamento e
desmobilização dos grupos armados, bem como o respeito aos direitos humanos e punição aos
perpetradores de violações. Reiterou, ainda, amplo apoio à MONUC/MONUSCO, no sentido
de a missão cumprir seu mandato de proteção à população civil e estabilização e consolidação
da paz. Ao mesmo tempo, o CSNU enfatizou a necessidade de uma Reforma do Setor de
Segurança (RSS) e os princípios de soberania, independência, unidade e integridade territorial
da RDC.
De tal modo, ao defender a necessidade de implementação da RSS, ao mesmo tempo
em que delega a responsabilidade de reestruturação estatal ao Estado congolês – comumente
considerado um Estado frágil na sociedade internacional – o CSNU ressalta as premissas
pluralistas defendidas por Bull de respeito à soberania estatal e direito de não intervenção,
apesar da RDC não possuir capacidade coercitiva para implementar uma reforma ampla e
efetiva de maneira autônoma. Por outro lado, o CSNU mantém-se atuante na RDC por meio da
operação de paz instalada no país. Enquanto a MONUSCO é considerada ferramenta ativa de
proteção à população civil contra violações de direitos humanos, sua atuação quanto à
estabilização e consolidação da paz no país, por meio de auxílio na implementação da RSS,
mostra-se menos assertiva, visto o CSNU delegar a responsabilidade primordial da RSS ao
Estado congolês.
A partir desses preceitos defendidos nos discursos do CSNU, entre 1997 e 2017,
percebe-se que, muitas vezes, o órgão mantém um posicionamento flexível, devido à
complexidade do conflito e diversidade de atores envolvidos. No entanto, evidencia-se um
posicionamento firme quanto à urgência de encerramento dos conflitos armados na RDC e
região dos Grandes Lagos Africanos, a fim de que haja o fim da instabilidade e a consolidação
da paz duradoura na região, como forma de inserção plena destes Estados na sociedade
internacional.
18
UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL:
position in relation to the Democratic Republic of Congo (DRC) from 1997 to 2017
Abstract: This article aims to investigate the position of the United Nations Security Council
(UNSC) in relation to the delicate situation in the Democratic Republic of Congo (DRC),
especially regarding the acting of the peace operation and postponement of the Security Sector
Reform (RSS). Therefore, the pluralist and solidarist perspectives of the English School,
developed from the concepts of order and justice in international society, are analyzed initially
in order to understand their specificities. Then, it seeks to verify the position of the UNSC in
relation to the DRC, through the resolutions and declarations of the organ, from 1997 to 2017.
Subsequently, the relationship between the pluralist and solidarist perspectives and the position
of the UNSC during the last 20 years of armed conflict in the DRC is analyzed in order to
understand the implications of maintaining MONUSCO and postponing SSR.
Key-words: English School; armed conflict; Security Council; MONUSCO; Security Sector
Reform; Democratic Republic of Congo.
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1999. New York: United Nations, 1999b.
______. The situation concerning the Democratic Republic of the Congo. Statement by the
President of the Security Council, at the 3953rd meeting of the Security Council, on 11
December 1998. New York: United Nations, 1998a.
______. The situation concerning the Democratic Republic of the Congo. Statement by the
President of the Security Council, at the 3922nd meeting of the Security Council, on 31
August 1998. New York: United Nations, 1998b.
______. Letter dated 29 June 1998 from the Secretary-General addressed to the President of
the Security Council (S/1998/581); Letter dated 25 June 1998 from the Permanent
Representative of the Democratic Republic of the Congo to the United Nations addressed to
the Secretary-General (S/1998/582); Letter dated 25 June 1998 from the Permanent
Representative of Rwanda to the United Nations addressed to the Secretary-General
(S/1998/583). Statement by the President of the Security Council, at the 3903rd meeting of
the Security Council, on 13 July 1998. New York: United Nations, 1998c.
______. The situation in the Republic of the Congo. Statement by the President of the
Security Council, at the 3823rd meeting of the Security Council, on 16 October 1997. New
York: United Nations, 1997a.
______. The situation in the Republic of the Congo. Statement by the President of the
Security Council, at the 3810th meeting of the Security Council, on 13 August 1997. New
York: United Nations, 1997b.
______. The situation concerning the Democratic Republic of the Congo. Statement by the
President of the Security Council, at the 3784th meeting of the Security Council, on 29 May
1997. New York: United Nations, 1997c.