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1 Competência Organizacional e Aprendizagem Organizacional: A Relação dos Conceitos por meio das Rotinas Organizacionais Autoria: Denise Ferreira Ramos Raupp, Guilherme Pegorini, Grace Vieira Becker, Roberto Lima Ruas Resumo Apesar da aparente proximidade existente entre os temas de competências organizacionais (CO) e aprendizado organizacional (AO), poucos foram os avanços no sentido de tangibilizar a relação existente entre os conteúdos e sua aplicação na realidade organizacional. Este artigo faz uma revisão de literatura procurando aproximar competências e aprendizado na organização por meio do entendimento das rotinas organizacionais como um elo importante para a criação, retenção e transferência de conhecimento. Os autores buscaram identificar competências organizacionais de uma instituição pública por meio de estudo empírico e, a partir dessas, verificaram como as rotinas de aprendizagem contribuem na consolidação das mesmas.

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Competência Organizacional e Aprendizagem Organizacional: A Relação dos Conceitos por meio das Rotinas Organizacionais

Autoria: Denise Ferreira Ramos Raupp, Guilherme Pegorini, Grace Vieira Becker, Roberto Lima Ruas

Resumo

Apesar da aparente proximidade existente entre os temas de competências organizacionais (CO) e aprendizado organizacional (AO), poucos foram os avanços no sentido de tangibilizar a relação existente entre os conteúdos e sua aplicação na realidade organizacional. Este artigo faz uma revisão de literatura procurando aproximar competências e aprendizado na organização por meio do entendimento das rotinas organizacionais como um elo importante para a criação, retenção e transferência de conhecimento. Os autores buscaram identificar competências organizacionais de uma instituição pública por meio de estudo empírico e, a partir dessas, verificaram como as rotinas de aprendizagem contribuem na consolidação das mesmas.

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Introdução A difusão da abordagem de competências organizacionais teve início com a publicação

da obra de Prahalad e Hamel, The core competence of the corporation, que apresenta o conceito de competências essenciais. Neste trabalho, os autores afirmam que as empresas alcançam e mantém vantagens competitivas através do desenvolvimento destas competências, apontando a importância da aprendizagem neste processo. No intuito de entender as competências organizacionais, muitos trabalhos foram desenvolvidos no âmbito de sua formação, desenvolvimento, renovação, características, etc (e.g. Dias, 2011; Quintana, 2009; Dal-Solo, Paiva & Souza, 2007; Scola, 2003). As relações entre as competências organizacionais com demais elementos estratégicos como desempenho, vantagem competitiva, aprendizagem organizacional, etc, também foi tema de estudos teóricos e empíricos na área (e.g. Grant, 1996; Fleury & Fleury, 2004; Fernandes, Fleury & Mills, 2006; King, Fowler & Zeithaml, 2002; Ruas, 2005, 2011).

Sob a perspectiva da aprendizagem, autores como Vigotski, Ausubel, Piaget e a escola behaviorista trouxeram o tema à discussão, oferecendo diferentes abordagens sobre os processos cognitivos dos indivíduos. Entretanto, o foco deste artigo se encontra na teoria do aprendizado experiencial em termos de individuo, teoria cujo desenvolvimento apresenta grande proximidade com o processo de aprendizagem na ótica das organizações. Autores como Kim (1998) preocuparam-se em compreender como se dá a passagem da aprendizagem individual para a aprendizagem em termos organizacionais.

Apesar da aparente proximidade existente entre competências organizacionais (CO) e aprendizado organizacional (AO), pouco se pesquisou sobre a relação entre os conteúdos. Se tratados individualmente são temas bastante explorados pela literatura. Entretanto, em conjunto, necessitam de mais estudos que os tangibilize, contribuindo para uma adequada ampliação de sua compreensão.

Deste modo, este artigo procura aproximar os conceitos de CO e AO por meio do entendimento das rotinas organizacionais, uma vez consideradas um elo importante para a compreensão do aprendizado organizacional, especialmente no que se refere à codificação do conhecimento tácito (Milagres, 2011). Em duas décadas de estudos, são incipientes os avanços de como as rotinas atuam e qual o seu impacto nas organizações. Apesar do interesse pelo conceito e consenso quanto à influência das rotinas sobre estratégia, mudança e inovação na empresa, autores creditam o pouco desenvolvimento à falta de clareza e às poucas pesquisas empíricas realizadas (Milagres, 2011; Becker, Lazaric, Nelson & Winter, 2005).

Assim, o objetivo deste artigo é pesquisar a relação existente entre rotinas de aprendizagem e a consolidação de determinadas competências organizacionais na instituição analisada.

Competências Organizacionais

Duas perspectivas teóricas constituem o conceito relativo às competências: a individual, envolvendo elementos de qualificação e desenvolvimento e a organizacional, de caráter estratégico. Conforme Fleury e Fleury (2004), o conceito de competência no contexto organizacional começou a ser elaborado sob a perspectiva do indivíduo e, a partir do entendimento de Zarifian (2001), que vai além do conceito de qualificação, emerge para a gestão das organizações, por relacionar a competência que o indivíduo mobiliza frente a uma situação profissional cada vez mais mutável e complexa (Fleury & Fleury, 2004). De acordo com Fernandes et al. (2006), o conceito de competência organizacional ganha força na academia a partir do artigo de Prahalad e Hamel (1990) sobre competências essenciais, que deriva da Visão Baseada em Recursos proposta por Penrose (1959), na qual a organização é compreendida como um conjunto de recursos empregados para gerar riquezas.

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Ainda é ampla a discussão sobre o conceito de competências organizacionais. Javidan (1998) propõe uma hierarquia entre recursos, capacidades, competências e competências essenciais para o melhor entendimento da relação entre esses níveis. Em seu trabalho, Barney (1991) divide os recursos em três níveis: recursos de capital físico (tecnologia física, planta da empresa e equipamentos, localização geográfica e acesso a matérias-primas), recursos de capital humano (treinamento, experiência, julgamento, inteligência, relacionamentos e a percepção de gestores e trabalhadores da empresa) e recursos de capital organizacional (estrutura de comunicação formal, planejamento formal e informal, controles, coordenação de sistemas, relações informais entre grupos dentro da empresa e entre a empresa e o seu ambiente). As capacidades, conforme Javidan (1998), se referem à habilidade da organização em explorar seus recursos e estariam em nível de processos e rotinas da empresa. O próximo nível, competências organizacionais, seria a coordenação das capacidades e integração entre funções.

Existem ainda, na literatura, estudos sobre as capacidades dinâmicas que, conforme Helfat e Peteraf (2003), constroem, integram ou reconfiguram recursos ou capacidades. Porém, o conceito mais alinhado com o objetivo deste artigo é o de Grant (1996), que traz a relação da capacidade e do conhecimento. O autor afirma que a essência da capacidade organizacional é a integração do conhecimento especialista para realizar uma tarefa produtiva distinta. De acordo com Grant (1996, p. 377), a capacidade organizacional seria “a habilidade da organização para realizar tarefas produtivas repetidamente que se relacionam direta ou indiretamente com a capacidade da empresa em gerar valor ao efetuar a transformação de entradas em saídas”. O autor propõe que as capacidades ocorrem dentro de certa hierarquia de integração de conhecimento especialista, iniciando por capacidades de tarefas individuais, passando por capacidades especializadas, capacidades de atividades relacionadas, capacidades funcionais ampliadas, chegando às capacidades multifuncionais.

A partir da discussão sobre recursos e capacidades, vem a questão das competências organizacionais. Ruas (2005) traz em seu artigo um estudo empírico que o permite efetuar algumas referências sobre a aplicação da noção de competências em situações organizacionais. Ele Ruas (2005, p. 8) cita que “as competências são entendidas como a ação que combina e mobiliza as capacidades e os recursos tangíveis (quando for o caso)”. As capacidades, por sua vez, seriam potenciais (conhecimentos, habilidades e atitudes) de competências que estão disponíveis para serem mobilizadas em um momento específico (Ruas, 2005). Nessa linha que relaciona o indivíduo e a organização, King et. al. (2002), dizem que as competências compreendem a soma dos conhecimentos presentes nas habilidades individuais e nas unidades organizacionais.

Partindo para conceitos que trazem mais elementos de cunho estratégico, podemos citar Javidan (1998), que diz que as competências organizacionais são a integração e coordenação multifuncional das capacidades, ou seja, um conjunto de habilidades e know how dentro de uma unidade estratégica de negócio da empresa. Fernandes et al. (2006, p. 50) dizem que competência organizacional é “um conjunto de recursos coordenados que geram valor à organização, são difíceis de imitar, podem ser transferidos a outras áreas, produtos ou serviços da organização, e impactam o desempenho organizacional em um fator-chave a seu sucesso”. O nível de detalhe e informação alcançado pelos autores é resultado de um apanhado de conceitos trazidos por Prahalad e Hamel (1990), Barney (1996) e Mills et al. (2002).

A mudança de perspectiva da competência individual para a organizacional depende da predisposição de indivíduos em partilharem seus conhecimentos. É justamente essa transição que este artigo pretende analisar: como as rotinas de aprendizagem são capazes de influenciar na passagem do conhecimento individual para o organizacional, consolidando competências da organização. Acredita-se que a competitividade vai depender, no longo prazo, da administração do processo de aprendizagem organizacional, que por sua vez reforçarão e

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promoverão as competências organizacionais, dando foco e reposicionando as estratégias competitivas (Fleury & Fleury, 2004).

Os autores Fleury e Fleury (2004) trazem uma figura que ilustra esse movimento:

Figura 1. A aprendizagem organizacional influenciando na competência organizacional Fonte: Fleury, M. T. L., & Fleury, A. C. C. (2004). Alinhando estratégia e competências. Revista de Administração de Empresas, 44(1), 44 – 57.

No próximo tópico serão abordadas outras referências teóricas necessárias ao cumprimento do objetivo deste artigo, que são a aprendizagem e a sua relação com as rotinas organizacionais.

Aprendizagem Organizacional: qual é a influência das rotinas na organização?

Apesar dos estudos sobre o tema da aprendizagem, ainda pouco se sabe sobre o funcionamento da mente humana e sobre os processos de aprendizagem. Pesquisadores têm abordado o tema com o olhar de diversas lentes, buscando compreender como o indivíduo adquire, processa insumos e como estabelece a sua relação com o meio que o cerca. O entendimento de como o individuo aprende é fundamental à compreensão do tema à luz da realidade organizacional. Compreender que a aprendizagem organizacional não é uma mera soma dos aprendizados dos indivíduos que compõem uma empresa é, portanto, o primeiro passo para uma adequada análise do tema.

Aprendizagem Individual Das teorias sobre aprendizado individual, a teoria de aprendizagem experiencial é a

que oferece melhores condições para explorarmos seus conceitos e traçarmos uma aproximação adequada com o aprendizado organizacional. De acordo com Kolb (1984), a teoria de aprendizagem experiencial possibilita uma perspectiva holística integrada no aprendizado que combina as dimensões experienciais, perceptivas, cognitivas e comportamentais. Isso pode ser verificado no Modelo da Aprendizagem Experiencial de Lewin, em que o indivíduo passa continuamente por um ciclo de ter a experiência concreta,

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ter a possibilidade de analisar e refletir, formar conceitos, abstrações e generalizações, além de poder testar as ideias em outras situações, reiniciando o ciclo.

Adaptando esse modelo, Kofman (apud KIM, 1998) criou o modelo OADI (em inglês, observar, avaliar, projetar, implantar). Esse modelo preserva o conceito do modelo elaborado por Lewin, porém apresenta maior aderência ao contexto organizacional, conforme Figura 2.

Figura 2. Ciclo OADI (Observar, avaliar, projetar, implementar) Fonte: Adaptação de Kofman (apud Kim, 1998)

Kim (1998) ressalta que o ciclo OADI ajuda na compreensão sobre aprendizagem apesar

de mostrar-se incompleto, uma vez que não menciona o papel da memória, componente crítico no processo de passagem da aprendizagem individual à aprendizagem organizacional. Assim, o autor acrescenta à proposta acima os conceitos de modelos mentais.

Os modelos mentais representam a forma como os indivíduos percebem o mundo a sua volta, influenciando a forma como agem. Portanto, em relação à memória estática, agregam valor por conferirem um caráter dinâmico ao processo. Kim divide os modelos mentais em duas partes que se relacionam com dois tipos de aprendizagem também diferentes: operacional e conceitual.

A aprendizagem operacional, identificada na Figura 3 como etapas de observar e implementar do ciclo AODI, representa a aprendizagem em termos de procedimentos, significando as etapas para a realização de uma determinada tarefa. Este tipo de conhecimento é percebido sob a forma de rotinas. Por sua vez, a aprendizagem conceitual, identificada na Figura 3 abaixo como etapas de projetar e avaliar do ciclo AODI, associa-se à reflexão, levando o indivíduo a analisar a razão de realizar uma determinada tarefa. Neste momento são questionados os pressupostos, levando à criação de novas estruturas. Estas, por sua vez, possibilitam olhar para o mundo de uma forma diferente, gerando um novo processo de aprendizagem conceitual.

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Figura 3. Modelo Simples da Aprendizagem Individual: Ciclo AODI de Modelos Mentais Individuais IMM) Fonte: Adaptado de Kim, D. H. O Elo entre a Aprendizagem Individual e a Aprendizagem Organizacional. In Klein, D. A. (1998). A Gestão Estratégica do Capital Intelectual. Rio de Janeiro: Qualitymark.

Aprendizagem Organizacional

Quando o aprendizado individual e de grupo torna-se institucionalizado, a aprendizagem organizacional ocorre e o conhecimento fica imbricado em repositórios não humanos como rotinas, sistemas, estruturas, cultura e estratégia (Vera & Crossan, 2005). Para que isso seja possível, Kim (1998) enfatiza a importância do compartilhamento dos modelos mentais. Segundo este autor, a memória relevante para uma determinada organização está em sua memória ativa, que define como a organização age, como seleciona o que deve ser mantido, o que deve ser absorvido, ou seja, modelos mentais compartilhados e individuais. Estes modelos, independentemente de serem explícitos ou tácitos, afetam a maneira como um indivíduo ou organização enxerga o mundo e age.

A explicitação dos modelos mentais é fator chave para a criação de novos modelos mentais compartilhados, de modo a possibilitar a aprendizagem em termos organizacionais independente de qualquer indivíduo. A capacidade de aprender, saber e manter memória, de acordo com Walsh e Rivers (apud Vera e Crossan, 2005), pode ser atribuída, portanto, às empresas. Grant (1996) propõe mecanismos para integrar o conhecimento, tais como Direction, entendido pelos autores deste artigo como a forma que a gestão encontra para direcionar o conhecimento dos indivíduos de modo a torná-los coletivos. Neste caso, o autor cita os manuais como instrumentos para oferecer o conhecimento compartilhado do “como fazer” determinadas tarefas; e Organizacional Routines, como mecanismos para coordenação de alguma tarefa que não são dependentes da necessidade de comunicação do conhecimento em sua forma explícita.

A Figura 4 a seguir, elaborada por Kim (1998), sintetiza os elementos presentes na aprendizagem, identificando a passagem da aprendizagem individual para organizacional por meio dos modelos mentais individuais e compartilhados.

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Figura 4. Modelo Integrado da Aprendizagem Organizacional: Ciclo AODI de Modelos Mentais Compartilhados (SMM) Fonte: Adaptado de Kim, D. H. O Elo entre a Aprendizagem Individual e a Aprendizagem Organizacional. In Klein, D. A. (1998). A Gestão Estratégica do Capital Intelectual. Rio de Janeiro: Qualitymark.

É no ciclo AODI de aprendizagem individual que os indivíduos processam mudanças, alterando os seus modelos mentais individuais. Estes ciclos AODI de aprendizagem individual podem afetar a aprendizagem organizacional através da influência nos modelos mentais compartilhados, afetando as rotinas e o weltanschauung (da língua alemã, visão de mundo) da organização.

Todo aprendizado começa a ser elaborado individualmente. Uma organização aprende pelo aprendizado de seus indivíduos ou pela absorção de novos membros com conhecimento não existente na organização. Apesar da constante renovação dos indivíduos que formam as empresas, as memórias organizacionais mantêm rituais, procedimentos, costumes e comportamentos. O trabalho de Nelson e Winter (apud Vera e Crossan, 2005) descreve o conhecimento em níveis organizacionais e refere-se às rotinas organizacionais como o material genético organizacional, explícito na burocracia e na cultura organizacional.

As rotinas, segundo Milagres (2011), têm a função de criar linguagem e padrões comuns, que possibilitem à empresa compartilhar, criar e analisar o conhecimento. Por isso elas representam um elo para a compreensão do aprendizado organizacional, principalmente em relação à codificação do conhecimento tácito.

De acordo com a revisão bibliográfica realizada no artigo de Milagres (2011), existem três abordagens para as rotinas organizacionais. Um grupo de autores diz que as rotinas são padrões de comportamento. Outro grupo entende as rotinas como regras – procedimentos operacionais padrão. E o último grupo, conforme Milagres (2011, p. 165), compreende as rotinas como “disposições coletivas que levam os agentes a praticarem comportamentos adquiridos ou adotados previamente, que são colocados em prática mediante determinados estímulos ou contexto”. Em relação às características das rotinas, Milagres (2011) aponta que o consenso entre os autores é de que elas são repetitivas e coletivas. Milagres (2008, apud Milagres 2011, p.189) traz um conceito a partir das três diferentes abordagens: “são padrões de comportamento que levam à formação e se originam de regras – explícitas ou implícitas – e de disposições a determinadas respostas quando defrontadas com alguns gatilhos”.

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Parmigiani e Howard-Grenville (2011) definem as rotinas como padrões repetitivos de ações organizacionais interdependentes. Eles trazem duas abordagens para análise: a perspectiva das capacidades – que busca entender como as rotinas influenciam no desempenho organizacional – e a perspectiva prática, que foca na dinâmica interna que envolve as rotinas. As autoras fazem uma revisão bibliográfica buscando os trabalhos que realizaram estudos empíricos sobre rotinas e fizeram uma análise sobre as abordagens desses artigos. Alguns documentos trazem as rotinas como base da aprendizagem, enfatizando o conceito de rotina organizacional como repositório da memória e conhecimento da organização, o que afeta, portanto, o tipo e a extensão da mudança da empresa. Tal afirmação apresenta respaldo nos pressupostos presentes no Modelo Integrado da Aprendizagem Organizacional: Ciclo AODI de Modelos Mentais Compartilhados (SMM) – Kim (1998), apresentado na Figura 4, e na afirmação de Vera e Crossan (2005) de que o conhecimento fica imbricado em repositórios não humanos como rotinas, sistemas, estruturas, cultura e estratégia.

Assim como os autores citados anteriormente, Becker, Lazaric, Nelson e Winter (2005), afirmam que as rotinas são a chave para entender a mudança organizacional. Por isso o artigo deles sugere como o conceito de rotinas organizacionais pode ser aplicado em pesquisas empíricas para o entendimento das mudanças organizacionais. Eles afirmam que as rotinas são componentes básicos do comportamento e das capacidades organizacionais. Zollo e Winter (2002) colocam que as capacidades dinâmicas emergem do aprendizado e constituem uma sistemática da organização para aprimorar as rotinas operacionais em busca da eficiência. Zollo e Winter (2002) acrescentam ainda que mecanismos de aprendizagem como acumulação de experiência, articulação e codificação de conhecimento, modelam diretamente as rotinas operacionais, assim como representam um passo intermediário em direção às capacidades dinâmicas.

Com base nessa revisão de bibliografia, verifica-se o caráter dinâmico que o processo de aprendizagem e conhecimento adquire em função das rotinas organizacionais. Quando a compreensão de conhecimento estático é substituída pela compreensão de conhecimento dinâmico, a visão é alterada de gerenciamento do conhecimento para estudos de processos associados à aprendizagem e conhecimento, como criação, retenção e transferência. É uma oportunidade de unificar insights tanto de aprendizagem organizacional quanto de conhecimento organizacional (Vera & Crossan, 2005). É neste momento, portanto, que a organização tem a possibilidade de tornar-se e manter-se, de fato, competente.

Unidade de Análise

A unidade analisada sob a ótica das competências organizacionais e do aprendizado organizacional é uma instituição financeira do setor público. Esse setor possui algumas peculiaridades, como por exemplo, o fato de que a cada quatro anos a diretoria pode mudar e a questão da seleção de funcionários, que ocorre por meio de aprovação em concurso público e não por um processo pelo qual o candidato é escolhido de acordo com o perfil desejado em processo de recrutamento e seleção como praticado em empresas privadas. Além disso, a organização faz parte do setor de serviços, cada vez mais valorizado no contexto econômico e que tem seu foco mais voltado para o resultado do que para a tarefa (Ruas, 2005).

O BADESUL é uma sociedade de economia mista vinculada à Secretaria do Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI). Atua como agente operacional e financeiro do Sistema de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul em conjunto com os agentes públicos e privados envolvidos na definição de política industrial e na construção de ambiente para a promoção e suporte aos investimentos voltados para a complementação e qualificação da matriz produtiva do Estado (Relatório de Gestão, 2011).

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Sua origem foi bastante peculiar. O primeiro “BADESUL” surgiu em 1975 a partir de um grupo de funcionários da antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações – CRT, que implementaram os primeiros setores e processos para que fosse possível operar. Em 1992, por conta de uma ação federal que enxugava o sistema financeiro, o banco passou a ser um departamento do Banrisul, atuando com financiamento de longo prazo. Em 1998, com a autorização para atuar como uma Agência de Fomento, os então colaboradores foram transferidos para o prédio que estão até hoje para iniciar as bases de operação da Agência. Foi em 2002, com a cessão da carteira de crédito de longo prazo operada dentro do Banrisul, que o governo do Estado aportou capital na Agência para que esta pudesse continuar suas operações, independentemente do Banrisul. Norteadores Estratégicos: Missão: Promover o desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Sul, atuando na formulação e execução de suas políticas públicas, como agente financeiro de excelência. Visão: Ser a empresa líder em soluções financeiras de longo prazo baseada na sua competência técnica e conhecimento da economia gaúcha.

Valores: Atitude pró-ativa, criativa e empreendedora

Geração de valor para os clientes Transparência, ética e qualidade nos relacionamentos internos e externos Compromisso com a autossustentabilidade Valorização e qualificação do quadro funcional Comprometimento com o desenvolvimento sustentável e com a democratização

do crédito Comprometimento com a gestão compartilhada do conhecimento

Clientes: Os clientes da instituição são pessoas físicas, pessoas jurídicas e prefeituras. A grande

maioria das pessoas físicas é constituída de pequenos produtores rurais em busca de financiamento para equipamentos agrícolas. Fazem parte das pessoas jurídicas desde micro e pequenas empresas até as organizações de grande porte. Elas buscam financiamento de projetos constituídos de obras, máquinas, equipamentos e/ou capital de giro, além da possibilidade de alavancar projetos para futuras implantações (Project Finance). As prefeituras precisam dos repasses para manter e ampliar a infraestrutura dos municípios.

Atualmente a estrutura do Badesul divide suas áreas operacionais em seis superintendências, de acordo com os segmentos que elas atendem, compreendendo prefeituras, operações rurais e agroindustriais e empresariais de outras naturezas. A partir dessa divisão por setor da economia, pode-se dizer que existem três grandes grupos, diferenciados pelas peculiaridades dos perfis dos clientes atendidos por eles. Esses grupos são denominados pela área de planejamento do BADESUL como “macro setores”: público, rural e empresarial.

Metodologia

Para a realização da pesquisa do presente artigo os autores dedicaram-se a investigar um estudo de caso único, de caráter exploratório e qualitativo.

De acordo com Hair et al. (2005), estudos exploratórios voltam-se à descoberta, uma vez que pouco se sabe sobre o assunto e o pesquisador busca aprofundar seus conhecimentos. A contribuição do pesquisador em estudos de caráter exploratório é mais perceptível quando se procura estudar o novo, o recente e o pouco estudado. Como o objetivo da pesquisa é

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propor uma relação entre rotinas de aprendizagem com a consolidação de determinadas competências organizacionais no BADESUL, a escolha dos autores em investigar por meio de pesquisa exploratória mostrou-se a mais adequada.

Os dados utilizados foram coletados por meio de grupo focal e por entrevistas semiestruturadas. A utilização de grupos focais ocorre quando se deseja obter informações de como indivíduos pensam, sentem ou agem em relação a determinado assunto proposto, caracterizando-se, portanto, por ser um método de pesquisa qualitativo, porém realizadas como entrevistas em grupo. Estas entrevistas possuem características próprias quanto à proposta, tamanho, composição e procedimentos de condução (Krueger, 1994). O grupo focal foi realizado com participação de 10 (dez) funcionários, todos em cargos técnicos e atuantes nas áreas de operações.

As entrevistas semiestruturadas tiveram 4 (quatro) gestores como respondentes. O roteiro foi aplicado como teste no primeiro entrevistado, cujas respostas estão contempladas nos resultados. A realização de entrevistas como técnica de coleta de dados é considerada por Yin (2005) como de grande valor e rica para utilização em estudos de caso, permitindo aos pesquisadores obter profundidade em sua investigação. As entrevistas foram realizadas pessoalmente pelos pesquisadores, utilizando como referência de orientação parte de uma ferramenta de identificação, avaliação e classificação de competências organizacionais, elaborada pelo mestrando Cristiano Kaehler, da PUCRS. Por opção dos autores deste artigo e conforme enfoque definido, foi utilizada apenas a primeira parte da ferramenta anteriormente mencionada (Figura 5), denominada de roteiro de identificação das competências organizacionais. Conforme apresentado pelo instrumento, os próprios entrevistados auxiliavam na caracterização de um elemento citado ser ou não competência organizacional. Tanto as entrevistas individuais como o grupo focal ocorreram conforme a sequencia abaixo:

1º) Fez-se a primeira pergunta: O que o BADESUL sabe fazer muito bem? 2º) Após o(s) respondentes citarem tudo o que acreditavam responder essa questão,

aplicavam-se as outras perguntas para cada item citado, testando se ele era uma CO ou não. 3º) Depois de definir quais dos elementos que eles tinham citado na primeira pergunta

eram competências organizacionais, fez-se o seguinte questionamento para investigar elementos de aprendizagem organizacional: O que fez com que isso se tornasse uma competência organizacional? Os pesquisadores optaram por fazer essa pergunta, pois na entrevista piloto houve dificuldades por parte do entrevistado em entender o que é aprendizagem organizacional e como o que ele havia citado se relacionava com esse conceito. Assim, a partir de todos os itens mencionados pelos entrevistados, os pesquisadores analisaram os que apresentavam características de aprendizagem organizacional.

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Figura 5. Identificação das Competências Organizacionais Fonte: Adaptado de Kaehler, C. (2012). Framework de Avaliação das Competências Organizacionais: o caso de uma empresa brasileira de agendamento marítmo. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica, RS, Porto Alegre. .

A partir dos dados coletados, buscou-se categorizar as informações prestadas, confrontando com a teoria estudada. Para tanto, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2007), sendo possível verificar quais elementos apresentavam consistência perante os relatos de funcionários e gestores, sinalizando assim a presença de rotinas que indicassem processos de aprendizado em direção à consolidação de competências organizacionais. Os resultados foram sintetizados em um quadro para melhor visualização.

Essa sistemática possibilitou aos pesquisadores uma forma clara e objetiva de chegarem ao objetivo proposto pelo artigo: identificar relações entre rotinas de aprendizagem com a consolidação de competências organizacionais no BADESUL.

Resultados

A partir do quadro elaborado com as informações fornecidas pelos entrevistados, foi possível verificar que algumas das competências foram expressas com nomes diferentes, mas tinham o mesmo significado. Além dessas, algumas foram mencionadas por um número pouco representativo de entrevistados. Assim, o resultado da coleta de dados e da análise das informações obtidas com base no referencial utilizado, demonstra que os elementos que são capazes de gerar valor à organização, bem como impactam o desempenho organizacional em um fator-chave a seu sucesso (Fernandes et al., 2006), caracterizando as competências organizacionais do BADESUL são:

S i g a o r o t e i r o a b a i x o , i d e n t i f i c a n d o a s c o m p e t ê n c i a s d a o r g a n i z a ç ã o e f o r n e c e n d o e x e m p l o s o u e v i d ê n c i a s s e m p r e q u e p o s s í v e l .

I d e n t i f i c a ç ã o d a s c o m p e t ê n c i a s o r g a n i z a c i o n a i s

D e f i n a c l a r a m e n t e a c o m p e t ê n c i a o r g a n i z a c i o n a l

D e s c r e v a o s p r i n c i p a i s b e n e f í c i o s d a c o m p e t ê n c i a o r g a n i z a c i o n a l

C o m p e t ê n c i a O r g a n i z a c i o n a l

O q u e a e m p r e s a s a b e f a z e r m u i t o b e m ?

P o s s u i r e l e v â n c i a c o m p e t i t i v a n o m e r c a d o ?

S im

I n f l u e n c i a a d e c i s ã o d e c o m p r a d o s c o n s u m i d o r e s ?

C o m p e t ê n c i a I n d i v i d u a l

I n í c i o

P e r m i t e r e p r e s e n t a r u m a a ç ã o e f e t i v a e p r o d u t i v a d a e m p r e s a ?

G e r a d a p e l a s h a b i l i d a d e s e c o n h e c i m e n t o s c o l e t i v o s d a

o r g a n i z a ç ã o ?

D e u m ú n i c o f u n c i o n á r i o ?

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Competência Organizacional: Expertise de análise Capacidade de diagnosticar a situação da empresa solicitante de crédito, bem como do projeto que está gerando a necessidade de financiamento. Essa competência envolve o conhecimento das linhas de crédito disponíveis para gerar o melhor custo benefício ao cliente. Além disso, é fundamental para mitigar riscos de crédito à Instituição, auxiliando que a mesma mantenha bons níveis de liquidez, passando uma imagem sustentável para a sociedade. Competência Organizacional: Relacionamento Capacidade de interagir com os clientes em qualquer fase da solicitação do financiamento. O cliente tem acesso direto aos analistas responsáveis pelo projeto para tirar dúvidas e rever as melhores alternativas para o empréstimo, assim como os técnicos têm autonomia para contatar com os clientes para quaisquer esclarecimentos. Figura 6. Competências Organizacionais identificadas – BADESUL Fonte: Autores, 2012.

Alguns elementos estão implícitos na constituição dessas competências. Os recursos

tecnológicos, por exemplo, são fundamentais para dar suporte à análise e ao relacionamento, facilitando e agilizando os processos envolvidos. O BADESUL possui diversos sistemas de informação (o que pode ser considerado como uma fraqueza por não serem integrados), que possibilitam o registro de informações técnicas e financeiras sobre os clientes, bem como o cruzamento de dados para apoio gerencial e atendimento aos órgãos reguladores.

A estrutura física é uma característica que contribui para o bom relacionamento com o cliente, pois a empresa se concentra em apenas uma unidade onde estão todos os colaboradores e gestores, facilitando o contato e a tomada de decisão.

A partir dessa reflexão, percebe-se a mobilização dos recursos (tangíveis e intangíveis) e das capacidades que caracterizam as competências organizacionais (Ruas, 2005). A competência “expertise de análise” apresenta-se como um bom exemplo ao conceito trazido por Javidan (1998), quando o autor faz referência ao conjunto de habilidades e know hows que resultam em uma competência organizacional.

A seguir estão descritos os elementos de aprendizagem que reforçam as competências organizacionais identificadas: Expertise de análise

Treinamentos específicos Cursos na área econômico-financeira; treinamentos do BNDES (repassador do crédito).

Compartilhamento de ideias e informações

Funcionários trabalham em duplas para a realização da análise de projetos. Estas duplas e seus superintendentes possuem o hábito de trocar informações técnicas a respeito dos projetos, bem como sobre os clientes. Além das conversas informais com o setor de riscos, financeiro e jurídico sobre operações antigas dos clientes e o comportamento histórico dos mesmos.

Experiência Compartilhada Os colaboradores têm, em média, 30 anos de experiência em análise de financiamento de longo prazo. Esse know how está sendo transmitido para os colaboradores que entraram a partir de 2010 por concurso público.

Relacionamento

Cultura Refere-se ao hábito implícito, que está sendo transmitido aos “novos” colaboradores, de receber os clientes para esclarecer dúvidas de ambas as partes, proporcionando um projeto bem estruturado.

Conhecimento técnico e dos clientes

Envolve aspectos como a análise dos clientes, além de prazos e condições das linhas de crédito que melhor se adéquam para determinadas operações, possibilitando o suporte ideal aos clientes.

Figura 7. Elementos de Aprendizagem – BADESUL Fonte: Autores, 2012.

Embora não ocorram de maneira sistemática, os treinamentos realizados pelos analistas

são de grande importância para a consolidação de conceitos e mecanismos para a aplicação prática nas análises dos projetos e para a construção do conhecimento técnico a respeito do processo. Porém, o conhecimento que os mais experientes possuem e transmitem aos novos nas atividades de análise de projetos em duplas, contribuindo no compartilhamento de ideias e

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informações, é parte essencial das rotinas de aprendizagem e procedimentos da instituição. O caráter coletivo das rotinas fica evidente, uma vez que, conforme Milagres (2011), os indivíduos precisam trocar informações, conhecimento e percepções para, desse modo, colocar a organização em movimento. Aqui se percebe a etapa de observar/vivenciar, apresentada por Kim (1998) no ciclo AODI, pois a observação e vivência dos colaboradores que estão há menos tempo na organização junto aos mais experientes faz parte da aprendizagem. Segundo este autor e como visto anteriormente neste artigo, as etapas de observar/vivenciar e de implementar, representam a aprendizagem em termos de procedimentos, sendo percebidas justamente sob a forma de rotinas.

Essa prática de trabalho se desenvolve desde o surgimento do antigo BADESUL, em 1975. Percebe-se que experiência individual, transmitida e compartilhada, foi fundamental para o desenvolvimento da instituição. De acordo com o Chefe da Auditoria, em 1975 foi designado um grupo de pessoas da antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações - CRT para auxiliar na implantação do “primeiro” BADESUL. Eles realizaram viagens por todo o Brasil durante seis meses para fazer benchmarking em outros bancos na intenção de entender como funcionavam as instituições financeiras. Essas pessoas, que já possuíam conhecimento técnico anterior e a partir do benchmarking, visualizaram rotinas e procedimentos bancários, implantando os primeiros setores no banco e definindo os processos que deveriam ser realizados.

Depois que o banco já estava em operação, houve a necessidade de aumentar o quadro de colaboradores. Foi então realizado um curso no qual os candidatos deveriam prestar uma prova ao final do mesmo e realizar entrevistas com os gestores. Isso funcionou como um processo seletivo e os aprovados fariam parte do quadro de colaboradores do BADESUL.

Em 1992 o governo federal realizou um programa para enxugar o sistema financeiro. Assim, o BADESUL foi incorporado ao Banrisul como um departamento (DESIN), o transformando em banco múltiplo, considerando o seu know-how em financiamento de longo prazo. Um marco na história do BADESUL foi 1998, quando foi autorizada a atuação da Agência de Fomento, que iniciou sua operação em 2002, quando o Estado aportou capital para que o BADESUL (Antiga CaixaRS) tivesse condições de operar a carteira de crédito trazida do antigo departamento do Banrisul.

Durante todo esse processo percebe-se a aprendizagem ocorrendo na medida em que a organização vai interagindo com o ambiente externo e moldando sua competência de Expertise de Análise. É possível inferir a ocorrência de double loop learning a cada etapa da construção da instituição, em que os modelos mentais individuais passam a serem compartilhados pelos que formavam o quadro funcional da empresa, alterando a ação da mesma e transformando o conhecimento compartilhado (Argyris & Schön, 1996). As diferentes rotinas auxiliam nesse processo de constante transformação da organização, podendo apresentar tanto caráter dinâmico quanto estável conforme a rotina e circunstância, e nessa dualidade oferecer um equilíbrio pendular na dinâmica organizacional.

No decorrer da história da instituição, manuais e normativos foram sendo construídos à medida que surgia a necessidade de atender o principal órgão regulador (BACEN), assim como instruir os colaboradores a respeito de procedimentos e diretrizes na construção e manutenção do relacionamento com os clientes. Os sistemas que foram sendo desenvolvidos pela empresa proporcionaram registrar informações sobre todas as operações realizadas, mantendo uma memória da sua existência. Com a presença desses mecanismos percebe-se sinais de aprendizagem em termos organizacionais uma vez que o aprendizado individual e de grupo foi tornando-se institucionalizado (Vera & Crossan, 2005). A formalização normativa de empresas públicas como o BADESUL reforça a característica de repetitividade das rotinas. A repetição apoiada nos regulamentos promove a habilidade dos indivíduos e a preservação do conhecimento, a similaridade e minimizam custos de mudança. As memórias

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organizacionais mantêm rituais, procedimentos, costumes e comportamento. As rotinas organizacionais seriam o material genético da empresa, explícito na burocracia e na cultura organizacional (Nelson & Winter, 1982, apud Vera & Crossan, 2005).

Ainda que a formalização de regulamentos e normas estimule a prática de rotinas de aprendizagem em função da repetição, verifica-se que grande parte do compartilhamento de conhecimento depende das circunstâncias, o que pode representar uma barreira para a sua disseminação nas organizações. Milagres (2011) refere-se à dependência do contexto e dependência da trajetória que caracterizam as rotinas. No caso do BADESUL, considerando uma importante característica de parte representativa do seu corpo funcional que é o elevado tempo de empresa, pode-se exemplificar uma situação de relacionamento com o cliente em que um funcionário atue em uma atividade de elevado conteúdo tácito, cujo tempo de experiência tenha grande peso sobre seu desempenho.

Considerações Finais

As entrevistas realizadas assim como o trabalho realizado com focus group permitiram inferir que os elementos de aprendizagem presentes no BADESUL são em sua maioria emergentes, ou seja, são relativamente poucas as estruturas formais que induzem os colaboradores a compartilhar conhecimento, transformando a aprendizagem individual em organizacional para que isso promova as competências organizacionais. Como foi exposto anteriormente, os treinamentos são realizados por atendimento de demandas e não de modo sistemático. Entretanto, o compartilhamento de conhecimento ocorre espontaneamente por indivíduos e grupos de indivíduos através das rotinas organizacionais que acabam por desempenhar um importante papel na organização. É possível que um ponto favorável a esta prática do BADESUL seja o fato de ser uma empresa pública, com baixa rotatividade de funcionários e quadro diminuto, implicando em convivência mais próxima, contínua e duradoura entre colegas.

Por outro lado, ainda que não haja uma total consciência do papel e da importância enquanto elemento de aprendizagem, a normatização própria das empresas públicas exerce um valioso reforço para a repetição das rotinas organizacionais. A existência de normativos regulatórios confere organização e sequenciamento às atividades, estimulando a utilização de rotinas processuais.

A dualidade presente nas diferentes rotinas confere tanto estabilidade quanto dinamismo na trajetória das organizações sob uma perspectiva longitudinal. Este aspecto aparentemente contraditório é observado pelos pesquisadores e compreendido como um benefício saudável e até mesmo desejado da existência de rotinas, considerando-se a natureza pública da instituição. Se por um lado a existência de normativos formalizados confere repetição aos processos, o que poderia a priori inibir o aprendizado e restringir a mudança, a própria repetição aumenta o domínio sobre a atividade, promove o entendimento sobre ela e estabelece os limites de atuação dos indivíduos. Desta forma, os funcionários podem identificar oportunidades de melhorias, ainda mais com a reduzida, porém, periódica inserção de novos colegas no ambiente de trabalho e de novas perspectivas sobre a atividade. Ou seja, o aprendizado incremental adquirido por meio das rotinas possibilita fluidez no compartilhamento do conhecimento e fornece a estabilidade necessária para uma gradual transformação dos recursos e capacidades da organização, contribuindo para a consolidação das competências organizacionais identificadas.

Esta visão de rotinas organizacionais como uma base para a aprendizagem encontra respaldo em Parmigiani e Howard-Grenville (2011), que enfatizam o conceito de rotina organizacional como repositório da memória e conhecimento da organização, afetando, portanto, o tipo e a extensão da mudança da empresa. A mudança, e paralelamente o

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aprendizado, se dá com o compartilhamento dos modelos mentais entre os indivíduos na organização.

Quanto à metodologia e instrumento de pesquisa, uma das limitações encontradas foi a dificuldade de entendimento da terceira questão do instrumento proposto por Kaehler (2012), “Permite representar uma ação efetiva e produtiva da empresa?”. Alguns respondentes não conseguiram identificar imediatamente, em uma primeira análise, se o elemento citado permitia representar uma ação produtiva e efetiva da empresa.

Para estudos futuros, sugere-se a aplicação da ferramenta utilizada neste estudo empírico em outras instituições financeiras públicas para ampliar a possibilidade de aprimorá-lo, assim como em empresas privadas e de outros setores para possibilitar comparações entre resultados e contribuir para uma maior compreensão de como as rotinas influenciam na aprendizagem e na consolidação de competências organizacionais. Outra sugestão para futuras pesquisas pode ser a aplicação da ferramenta Roteiro de identificação das competências organizacionais (Kaehler, 2012) também junto aos clientes de forma a obter informações sob a perspectiva externa à organização.

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