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1 COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA FEDERAL Victor Roberto Corrêa de Souza 1 1. INTRODUÇÃO Através deste artigo, pretendemos trazer uma singela colaboração aos leitores no sentido de fomentar o debate sobre algumas dúvidas a respeito da competência criminal da Justiça Federal, tentando, ao final deste debate, dirimi-las. Tema que proporciona discussões infindáveis na doutrina e jurisprudência, a competência, como medida de uma das faces de nossa soberania – a jurisdição, é um saber obrigatório ao operador jurídico. Um processo decidido por juiz incompetente poderá ser declarado totalmente nulo, fazendo com que tempo e dinheiro sejam perdidos, propiciando situações não permitidas ao Poder Público, como a prescrição de uma prática criminosa ou dispêndios desnecessários de dinheiro público na busca da resolução de um determinado processo criminal. Primeiramente, seguiremos numa breve digressão a conceitos basilares, como jurisdição, competência, espécies de competência, distribuição, perpetuação da competência, prorrogação da competência, delegação de competência, conexão e continência, premissas verdadeiramente indispensáveis a todo bom estudioso do Direito Processual, mas que, normalmente, permanecem recônditas nas memórias dos operadores do Direito. Em seguida, procuraremos abordar, ainda que sumariamente, diante da vastidão de temas, vários casos práticos de competência criminal da Justiça Federal, como causas acerca de crimes políticos, crimes praticados em detrimento de bens e serviços de entes federais, crimes contra a fé pública, crimes de contrabando e descaminho, crimes de tráfico internacional de entorpecentes, crimes praticados por prefeitos municipais e ex-prefeitos (inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002), crimes ambientais, crimes praticados por servidor público federal, crimes contra populações indígenas, crimes de tráfico de crianças e mulheres, crimes de tortura, crimes de pornografia infantil e pedofilia, crimes de corrupção ativa e tráfico de influência em transações comerciais internacionais, crimes contra a organização do trabalho, crimes de submissão e redução à condição de escravidão, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes contra a ordem econômico-financeira, crimes de lavagem de dinheiro e capitais, crimes praticados a bordo de navios e aeronaves e processos de habeas corpus na JF. Assim, com estas palavras, almejamos trazer luz aos temas criminais de competência da Justiça Federal. 1 O autor é servidor público federal e estagiário de Direito da Procuradoria Regional da República - 5ª Região.

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Page 1: COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA FEDERAL Victor … · A competência da Justiça Federal é expressamente descrita pela CF/88, em seu art. 109. Aquilo que não couber à mesma,

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COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA FEDERALVictor Roberto Corrêa de Souza1

1. INTRODUÇÃO

Através deste artigo, pretendemos trazer uma singela colaboração aos leitoresno sentido de fomentar o debate sobre algumas dúvidas a respeito dacompetência criminal da Justiça Federal, tentando, ao final deste debate,dirimi-las. Tema que proporciona discussões infindáveis na doutrina ejurisprudência, a competência, como medida de uma das faces de nossasoberania – a jurisdição, é um saber obrigatório ao operador jurídico. Umprocesso decidido por juiz incompetente poderá ser declarado totalmente nulo,fazendo com que tempo e dinheiro sejam perdidos, propiciando situações nãopermitidas ao Poder Público, como a prescrição de uma prática criminosa oudispêndios desnecessários de dinheiro público na busca da resolução de umdeterminado processo criminal.

Primeiramente, seguiremos numa breve digressão a conceitos basilares, comojurisdição, competência, espécies de competência, distribuição, perpetuação dacompetência, prorrogação da competência, delegação de competência, conexãoe continência, premissas verdadeiramente indispensáveis a todo bom estudiosodo Direito Processual, mas que, normalmente, permanecem recônditas nasmemórias dos operadores do Direito.

Em seguida, procuraremos abordar, ainda que sumariamente, diante davastidão de temas, vários casos práticos de competência criminal da JustiçaFederal, como causas acerca de crimes políticos, crimes praticados emdetrimento de bens e serviços de entes federais, crimes contra a fé pública,crimes de contrabando e descaminho, crimes de tráfico internacional deentorpecentes, crimes praticados por prefeitos municipais e ex-prefeitos(inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002), crimes ambientais, crimespraticados por servidor público federal, crimes contra populações indígenas,crimes de tráfico de crianças e mulheres, crimes de tortura, crimes depornografia infantil e pedofilia, crimes de corrupção ativa e tráfico deinfluência em transações comerciais internacionais, crimes contra aorganização do trabalho, crimes de submissão e redução à condição deescravidão, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes contra aordem econômico-financeira, crimes de lavagem de dinheiro e capitais, crimespraticados a bordo de navios e aeronaves e processos de habeas corpus na JF.

Assim, com estas palavras, almejamos trazer luz aos temas criminais decompetência da Justiça Federal.

1 O autor é servidor público federal e estagiário de Direito da Procuradoria Regional daRepública - 5ª Região.

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2. CONCEITO DE JURISDIÇÃO

Fernando Capez assim fornece seu conceito de jurisdição: “jurisdição é afunção estatal exercida com exclusividade pelo Poder Judiciário, consistentena aplicação de normas da ordem jurídica a um caso concreto, com aconseqüente solução do litígio. É o poder de julgar um caso concreto, deacordo com o ordenamento jurídico, por meio do processo2”.

Por sua vez, Galeno Lacerda assevera que jurisdição é “a atividade pela qual oEstado, com eficácia vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ourealizando o direito em concreto3”.

De seu turno, Cândido Rangel Dinamarco assim a conceitua: “função doEstado, destinada à solução imperativa de conflitos e exercida mediante aatuação da vontade do direito em casos concretos4”.

Athos Gusmão Carneiro afirma que jurisdição é “o poder (e o dever) dedeclarar a lei que incidiu e aplicá-la, coativa e contenciosamente, aos casosconcretos5.”

Pensamos nós que a jurisdição é o poder-dever que possui o Estado de exercersua soberania sobre os jurisdicionados, solucionando as contendas que a eleafluem, de forma coercitiva, mediante a atuação da vontade objetiva doordenamento jurídico, respeitando-se incondicionalmente os ditames daConstituição Federal.

Inolvide-se que a corrente dissensão verificada entre jurisdição civil e penalsubsiste apenas sob o aspecto doutrinário. A jurisdição, como uma das trêsformas de expressão da soberania estatal, ao lado da Legislatura e daAdministração, não carece substancialmente de tais adjetivações. Sob o aspectoontológico, ela é una.

Mas, na prática é inevitável distingui-las, com o fito de serem fixadas ascompetências das varas criminais e não-criminais, assim como das seções eturmas dos inúmeros tribunais espalhados pelo país. Desta maneira, tais órgãosdo Poder Judiciário, em face da prática de um crime, solucionarão os conflitosvisualizados entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade doindivíduo, tendo sua competência fixada pelas normas de organizaçãojudiciária.

3. CONCEITO DE COMPETÊNCIA

2 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal – 9ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 186.3 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência – 9ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 1999,p. 4.4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil – Volume I – 3ª Ed.– São Paulo: Malheiros, 2003, p. 309.5 CARNEIRO, Athos Gusmão. Op. cit., p. 5.

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Enrico Tullio Liebman determina que: “a competência é a quantidade dejurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão, ou seja, a medida dajurisdição. Em outras palavras, ela determina em que casos e com relação aque controvérsias tem cada órgão em particular o poder de emitirprovimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo decontrovérsias que lhe são atribuídas6.”

Por seu turno, Athos Gusmão Carneiro: “a competência, assim, é a medida dajurisdição, ou, ainda, é a jurisdição na medida em que pode e deve serexercida pelo juiz7”.

Fernando Capez afirma que “competência é a delimitação do poderjurisdicional (fixa os limites dentro dos quais o juiz pode prestar jurisdição).Aponta quais os casos que podem ser julgados pelo órgão do Poder Judiciário.É, portanto, uma verdadeira medida da extensão do poder de julgar8.”

Como visto, uma das formas do Estado realizar as funções que a ele sãoincumbidas é através do Poder Judiciário, por meio da jurisdição, solucionandoos conflitos que a ele chegam, impondo concretamente a solução que deseja oordenamento jurídico nacional.

Não pode deixar de ser clarividente o fato de que não será a jurisdição encargode apenas um juiz. Desta maneira, temos que a competência é o conjunto denormas jurídicas dispostas a distribuir a jurisdição entre os vários órgãos doPoder Judiciário, ante a imensa variedade de demandas possíveis. Assim, acada um destes órgãos estará direcionada uma parcela da jurisdição, sendopermitido a cada um dos juízes aplicar o direito nos moldes e limites que a leiimpõe.

Por fim, vale aqui ressaltar que é tecnicamente incorreto afirmar que membrosdo Ministério Público possuem competência. Possuem, sim, atribuições.Ficamos com a elucidação cabal de Marcellus Polastri Lima: “Nunca édesnecessário frisar que, em relação ao Ministério Público, há de se cogitar deatribuição e não de competência, apesar de alguns autores assim se referirem,uma vez que esta diz respeito à jurisdição, atinente, portanto, ao PoderJudiciário” 9. Entretanto, via de regra, os critérios para fixação das atribuições éo mesmo que é disposto para a fixação da competência dos juízes.

4. ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA

Doutrinariamente, temos que a competência para dirimir as lides criminais sedetermina pelo estudo de três aspectos da causa em estudo:

6 CARNEIRO, Athos Gusmão. Op. cit., p. 49.7 Idem, ibidem.8 CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 188.9 LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução Criminal. 3ª Ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2002, p. 33.

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a. Natureza do crime praticado – é a competência in rationemateriae;

b. Função social das pessoas incriminadas – é a competência inratione persona;

c. Local onde foi praticado o crime ou onde consumou-se, ou olocal de residência do réu – é a competência in ratione loci.

4.1 Delimitação da competência in ratione materiae:

Por primeiro, devemos determinar qual o juízo competente em razão danatureza da infração penal praticada.

A competência da Justiça Federal é expressamente descrita pela CF/88, em seuart. 109. Aquilo que não couber à mesma, e nem às outras JustiçasEspecializadas, caberá, por exclusão, à Justiça Estadual.

Eis os incisos do art. 109 da CF, que tratam de matéria criminal afeta à JustiçaFederal:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimentode bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidadesautárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções eressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorridono estrangeiro, ou reciprocamente;

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordemeconômico-financeira;

VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ouquando o constrangimento provier de autoridade cujos atos nãoestejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato deautoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunaisfederais;

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada acompetência da Justiça Militar;

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X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, aexecução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentençaestrangeira, após a homologação, as causas referentes ànacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI - a disputa sobre direitos indígenas.”

Importante é não olvidarmos do fato de que esta competência é numerusclausus, não sendo permitido ao legislador infraconstitucional criar novassituações ensejadoras da competência da Justiça Federal, sem a devida e préviaprevisão constitucional.

O Código de Processo Penal, em seu art. 69, III, trata da competência inratione materiae:

“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:(...)III - a natureza da infração;”

4.2 Delimitação da competência in ratione persona:

Fixada a competência da Justiça Federal em razão da natureza do crimepraticado, cumpre observar o grau do órgão jurisdicional que será competentepara julgar a matéria. Buscar-se-á definir se a competência será originalmentedestinada ao juiz singular ou aos tribunais correlacionados.

Essa delimitação também é realizada por nossa Carta Magna, de acordo com aprerrogativa de função do incriminado. Devido à importância do cargo queexercem algumas pessoas, a CF entendeu que elas teriam o direito de seremjulgadas em foro privilegiado por prerrogativa de função. Com isso, restariampreservadas tanto a independência do agente político no exercício de suafunção, enquanto estiver sendo processado e julgado; quanto a independência eisenção do órgão julgador, em suas decisões processuais, proferidas de formaimune a pressões políticas externas. Ao menos esta maior imunidade é aquiloque se espera e se presume, por parte dos julgadores colegiados.

Os Tribunais Regionais Federais, vale grifar, exercem vários casos decompetência criminal in ratione persona delineados pela CF, em seu art. 108, I,a:

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I - processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da JustiçaMilitar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e deresponsabilidade, e os membros do Ministério Público da União,ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;”

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Cabe afirmar, arrimado em Mirabete, que “a competência originária porprerrogativa de função dos Tribunais se exerce em uma única instância, nãocabendo recurso ordinário da decisão” 10. Fernando Capez, por sua vez,assevera que “gozando o autor de crime doloso contra a vida de foro porprerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal, a competênciapara processa-lo e julga-lo será deste foro especial e não do Júri, já que aprópria Carta Magna estabelece a exceção à competência do TribunalPopular” 11.

O Código de Processo Penal, em seu art. 69, VII, trata da competência inratione persona:

“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:(...)VII - a prerrogativa de função.”

4.2.1 Lei 10.628/2002. Inconstitucionalidade.

De se observar que o privilégio de foro determinado pelos critérios legais decompetência in ratione persona, a bem da verdade, não é estabelecido emrazão da pessoa em si, mas sim em razão da função pública que exerce, nãohavendo, portanto, em sua aplicação, qualquer ofensa ao princípio da isonomia.Por este motivo, ao agente público somente será concedido o foro privilegiadoenquanto estiver ocupando a função que lhe proporcionou tal privilégio. Seapós a cessação do exercício da função, o outrora agente público tiver queresponder pelos atos praticados durante sua estada na mesma, em vários órgãosjurisdicionais distintos, terá sido este o ônus de ter ocupado tal função pública.A razão pela qual lhe foi concedido o foro privilegiado não mais subsiste como desligamento da função que ocupava. Diante disto, se nos mostraabsurdamente inconstitucional o §1° do art. 84 do CPP, incluído pela Lei10.628, de 24.12.2002, que concede a prerrogativa de foro para julgar atosadministrativos do agente, mesmo que a ação judicial ou o inquérito tenha seiniciado após a cessação do exercício de sua função pública. Tal dispositivoquer nos parecer uma verdadeira dádiva a administradores improbos,confeccionado no apagar das luzes do Governo Federal do quadriênio 1998-2002. Por ora, indispensável a transcrição de decisão do Tribunal RegionalFederal da 3ª Região acerca desta inconstitucionalidade:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ESPECIAL PORPRERROGATIVA DE FUNÇÃO - CRIME ATRIBUÍDO A EX-PREFEITOMUNICIPAL - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 84, § 1º, DO CPPINTRODUZIDO PELA LEI 10.628/02 - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERALDE PRIMEIRO GRAU. 1. O foro especial por prerrogativa de função representaexecuçãomaterial do princípio da igualdade, na medida em que objetiva conferir a tutelaadequada ao exercício da função pública e somente pode ser reconhecido nas

10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. – 13ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2002, p. 189.11 CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 199.

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situações específicas constitucionalmente previstas. Assim, qualquer interpretaçãoque amplie a proteção à função pública, de modo a alcançar a pessoa que já não aexerce atenta contra o princípio da isonomia.2. Inaptidão de lei ordinária para modificar materialmente o conteúdo do comandoconstitucional que dispõe sobre competência originária de tribunal.3. Na hipótese de crime atribuído a ex-prefeito municipal, cessado o mandato o ex-ocupante retorna ao status quo ante, por não mais subsistir o fator determinante dacompetência originária do tribunal fundada na prerrogativa da função.4. Acolhida argüição de inconstitucionalidade incidenter tantum, suscitada pelaProcuradoria Regional da República, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º,do art. 84, do Código de Processo Penal, com a redação atribuída pela Lei 10.628/02,com a remessa dos autos ao juízo federal competente. (TRF 3ª Região – Inquérito 80 -Proc. 94030942371 – Dec. 25.09.03 – DJU 30.09.03, p. 146, Rel. Mairan Maia).”

No mesmo caminhar, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

“1. O foro por prerrogativa de função só prevalece durante o exercício do mandato,conforme é entendimento hoje pacífico no Excelso STF, que revogou a Súmula nº 394daquele Tribunal, que dispunha em sentido diverso. (...)(TRF 2ª Região – HC 3107 –Dec. 12.08.03 – DJU 15.09.03, p. 190, Rel. Alberto Nogueira).”

Por sua vez, lamentavelmente, os Tribunais Regionais da 1ª, 4ª e 5ª Região,arrimados na denegação de liminar pelo STF na discussão da ADIN 2797,impetrada contra o dispositivo em comento, têm optado pela presunção deconstitucionalidade do §1° do art. 84 do CPP, até segunda ordem. Indagamo-nos pelos motivos que geram decisões neste sentido, temendo em decretarinconstitucionalidade tão flagrante, mesmo que incidenter tantum, se o próprioPretório Excelso vinha se posicionando no sentido desta inconstitucionalidade.Inolvide-se o cancelamento da Súmula 394 do STF, em 25.08.99, que dispunhano exato sentido desta inconstitucional disposição. E, por fim, veja-se a óbviaSúmula 451 do Pretório Excelso: “A competência especial por prerrogativa defunção não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva doexercício funcional” . Ao crime anterior que venha a ser processado e julgadoapós a cessação de mandato, o foro privilegiado também não se destina.Acompanhando esta súmula 451: STJ-QOAPN – 211, STJ-HC - 23952.

4.3 Delimitação da competência in ratione loci:

A competência in ratione loci é a competência de foro, sendo estabelecida deacordo com o lugar onde foi consumado o delito, em conformidade com ocaput do art. 70 do CPP:

“Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em quese consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que forpraticado o último ato de execução.”

É o lugar da prática delituosa o mais indicado para se instaurar o processopenal. É nele onde se encontrarão mais facilmente as provas do crime, assimcomo é no lugar do crime que a aplicação da pena melhor cumprirá um de seusobjetivos: a prevenção geral.

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Com a opção pela teoria do resultado para a determinação da competência,contrapôs-se este artigo à teoria da ubiqüidade, eleita pelo Código Penal, emseu art. 6°. Sendo assim, o que importará para a definição da competência seráo local onde se produziu o resultado da conduta criminosa. Neste sentido, leia-se as súmulas 20012 e 24413 do STJ.

Subsidiariamente, em outras duas hipóteses poderá a competência ser firmadaatravés do domicílio ou residência do réu.

A primeira ocorre quando for desconhecido o lugar da infração. É comodetermina o art. 72 do CPP. O estudioso deve estar atento que aqui não estamosfalando de incerteza do limite territorial entre duas circunscrições, caso em quese aplica o critério da prevenção, disposto no art. 70, §3° do CPP.

A segunda forma verifica-se nas ações de iniciativa exclusivamente privadas,onde ao querelante é dado optar entre o foro do local da infração e o foro dodomicílio do réu (art. 73 do CPP).

Neste ínterim, o Direito Processual Penal vai buscar subsídios no Código Civilpara bem diferenciar os conceitos de domicílio e residência, dispostos em seuTítulo III, Livro I, arts. 70 a 78.

Por fim, vale ressaltar que a competência in ratione persona prevalece sobre acompetência pelo lugar da infração.

O Código de Processo Penal, em seu art. 69, I e II, trata da competência inratione loci:

“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:I - o lugar da infração;II - o domicílio ou residência do réu;”

4.4 Competência por distribuição

A competência também pode ser fixada através da distribuição. O Código deProcesso Penal, em seu art. 69, IV, trata da competência pela distribuição:

“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:(...)IV – a distribuição;”

Fixado o foro competente, poderá haver mais de um juiz competente, diante doque será pela distribuição que se fixará concretamente a competência para ocaso. Dividir-se-ão a quantidade de processos existentes no foro entre os juízes

12 Súmula 200: O Juízo Federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso depassaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou.13 Súmula 244: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionatomediante cheque sem provisão de fundos.

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que são previamente considerados competentes em razão do lugar, da matéria eda função. Vejamos o art. 75 do CPP:

“Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência quando,na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmentecompetente.”

Observemos que normas concernentes à distribuição de processos constituem-se em regras de organização judiciária e, diante disto, cabem tanto à Uniãoquanto aos Estados, relativamente a suas Justiças, disciplinar a matéria deacordo com suas peculiaridades, a teor do art. 125 da Carta Constitucional.

5. MODIFICAÇÃO DA COMPETENCIA

5.1 Perpetuação da competência

É o consagrado princípio da “ perpectuatio jurisdictionis” . Por tal princípio, acompetência se firmará no momento em que a ação é proposta. Mesmo emhavendo alguma mudança nos elementos processuais que foram utilizados paradefinir a competência, esta não poderá mudar. Irrelevantes serão as mudançasde fato ou de direito que venham a ocorrer posteriormente, porquantoinalterável será a competência determinada. Por exemplo, comumente ocorremmudanças de residência ou domicílio das partes ou mudanças legislativas nasleis que determinam critérios de escolha da competência territorial, mas nãoserá por tais motivos que a competência antes determinada será modificada.Ressalte-se, entretanto e desde já, que tal princípio sofre exceções, como se vêinfra.

Está transcrito no art. 87 do CPC:

“Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação éproposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou dedireito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgãojudiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou dahierarquia.”

Este princípio, embora não previsto expressamente no Código ProcessualPenal, é plenamente admitido pelo Direito Processual Penal, a teor do art. 3° doCPP:

“Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva eaplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais dedireito.”

Assim decidiu o STJ: “Proposta a ação penal, ainda quando não instalada avara federal no interior do Estado, firma-se a competência do Juizprocessante, ante a combinação dos arts. 3° do CPP e 87 do CPC” (STJ, 5ª T.,RHC 4.796/SP, DJU, 20.11.95, p. 39611).

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As exceções a esta regra estão previstas no mesmo art. 87, in fine:

- Salvo quando suprimirem o órgão judiciário: A primeira exceção é óbvia.Suprimido o órgão que era jurisdicionalmente competente, os processos desteórgão não poderão deixar de ser encaminhados a outro órgão jurisdicional.

- Ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia: Asegunda exceção refere-se a casos de competência absoluta. Como as regras decompetência absoluta são baseadas no interesse público, em busca de umaAdministração da Justiça mais eficiente, o entendimento deste dispositivo deveser no sentido de que se uma lei nova modifica a competência, em razão damatéria ou da hierarquia, é porque o legislador quis dotar o processo de umamaior efetividade e celeridade. Diante disto, quando, por exemplo, a única varacriminal de uma seção judiciária da Justiça Federal se subdivide em duas,criando uma Vara de Crimes Ambientais, é por que quis o legislador dar umamelhor atenção ao andamento de processos de crimes ambientais que aliexistiam, devendo estes serem encaminhados à nova vara de crimes ambientais.Assim, se a finalidade da criação de novas Varas da Justiça Federal é agilizar aprestação jurisdicional, devemos então buscar uma interpretação teleológica doart. 87 do CPC. É a instrumentalidade do processo penal se materializando,através do princípio processual civil da perpetuação da competência.

No sentido de manter a competência da vara originária quando a vara criadanão for destinada a julgamento de matérias diferentes, Vladimir SouzaCarvalho traz decisão singular asseverando pela “competência do juízo da 2ªvara criminal federal de São Paulo para o processo e julgamento do feito,porquanto recebeu a denúncia antes da instalação das varas federais dePiracicaba, pela aplicação ao processo penal do princípio da perpetuatiojurisdictionis, decorrente do art. 87, do CPC c.c. o art. 3°, do CPP (Juiz SinvalAntunes, HC 95.03.016320-0-SP, DJU-II 06.06.95, p. 34.950)” 14.

5.2 Prorrogação da competência

Por este princípio processual, a competência de um determinado juízo éalargada, para deter causas que, originariamente, dele não seriam. Estealargamento da competência só poderá se dar por permissão de lei.

Pode se dar de forma voluntária, nos casos onde a parte não interpõe exceçãode incompetência territorial nos prazos legais, como dispõe o art. 108 do CPP;ou no caso de ações penais de iniciativa exclusivamente privada, onde oquerelante tem duas opções de escolha do ajuizamento da ação: o foro dodomicílio do réu ou o foro do local da infração (art. 73 do Código de ProcessoPenal). Ou, também, a prorrogação da competência pode se dar de formanecessária, como nas hipóteses de conexão e continência, adiante estudadas.Outros exemplos de prorrogação necessária de competência, segundo Mirabete, 14 CARVALHO, Vladimir de Souza. Competência da Justiça Federal. – 4ª Ed. – Curitiba:Juruá, 2003, p. 392.

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são a “desclassificação para infração de competência para infração decompetência de juízo inferior, permanecendo a anterior (art. 74, §2°), deexceptio veritatis nos crimes contra a honra de pessoas sujeitas à competênciaoriginária da jurisdição superior (art. 85)” 15.

5.3 Conexão e continência

Conexão e continência, como se sabe, não são critérios de fixação dacompetência, mas sim de sua modificação.

A economia processual ordena, nestes casos, que o juiz intervenha, de ofício, ereúna os processos, com o fito de se harmonizar a decisão do Poder Judiciário.(art. 105, CPC). É como leciona Marino Pazzaglini Filho, em judicioso artigona Revista Justitia, quando diz que tais critérios “têm por finalidade aadequação unitária e a reconstrução crítica unitária das provas a fim de quehaja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhorconhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-sediscrepância e contradições entre os julgados” 16.

A conexão e a continência em matéria criminal ocorrem de maneira um poucodistinta da forma do Processo Civil. Da leitura dos arts. 103 e 104 do CPCdepreende-se que: quando duas ações possuírem idênticos objetos, ou idênticascausas de pedir, são entendidas ambas como conexas; já a continência ocorreriaquando, além de serem iguais as causas de pedir e as partes em litígio, o objetode uma ação engloba o objeto da outra.

Por sua vez, a matéria é assim tratada no Código de Processo Penal:

“Art. 76. A competência será determinada pela conexão:I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, aomesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas emconcurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas,umas contra as outras;II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitarou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem emrelação a qualquer delas;III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suascircunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51,§ 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.”

15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 169.16 Idem, ibidem, p. 178.

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Vê-se que a conexão do art. 76 do Código de Processo Penal divide-se emconexão material/substantiva (incisos I e II) e conexãoprocessual/probatória/instrumental (inciso III).

A conexão material ainda se subdivide em conexão subjetiva (infraçõespraticadas por várias pessoas em concurso, ou umas contra as outras), emconexão objetiva (infrações praticadas para ocultar outras), e em conexãosubjetiva-objetiva (infrações praticadas por várias pessoas reunidas almejandoconseguir impunidade em relação a qualquer delas).

Quanto à continência, temos que, na hipótese do inciso I do art. 77 do CPP, hácrime em concurso de pessoas17, em que duas ou mais pessoas colaboram paraa consecução da conduta criminosa, mas onde há a diversidade de critérios defixação da competência, como prerrogativa de função para um dos agentescriminosos ou a eventualidade da localização diversa de cada um destescolaboradores. Assim, nestes casos, conquanto haja a diversidade de foroscompetentes, deverá o julgador buscar a unidade de julgamento de ambos osagentes.

O inciso II do art. 77 refere-se a condutas descritas nos dispositivos originaisdo Código Penal. Foram eles modificados, devendo a menção ser direcionadaaos artigos 70, 73 e 74 da nova Parte Geral do Código Penal, ditada pelaReforma de 1984. Referem-se estes artigos aos casos de práticas delituosasverificadas nas condições de concurso formal de crimes18, erro na execução19

(aberratio ictus) e resultado diverso do pretendido20 (aberratio criminis).

Com Mirabete, nestas ocasiões de conexão e continência “em que foraminstauradas ações penais separadas, o juiz com o foro prevalente deve avocaro processo em curso em outro Juízo; o não prevalente deve remeter os autos àautoridade judiciária competente” 21. Os critérios para a determinação do foroprevalente são esmiuçados nos arts. 78 a 82 do CPP. Em não havendo foroprevalente, o juiz que primeiro conhecer de uma das causas se tornará preventopara as demais, como determina o art. 78, II, c do CPP. As regras para

17 Código Penal: “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penasa este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”18 “ Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente umadelas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se,entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultamde desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”19 “ Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés deatingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivessepraticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. Nocaso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art.70 deste Código.”20 “ Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução docrime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato éprevisto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra doart. 70 deste Código.”21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 180.

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determinar qual será o juiz prevento se encontram no art. 83 do Código deProcesso Penal22.

Interessa-nos, em demasia, a regra determinada para os casos de conexão econtinência de crimes da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual.Embora não haja entre elas hierarquia, o extinto TFR vinha julgando pelaexclusão da regra do art. 78, II, a do CPP, firmando a competência, nestescasos, à Justiça Comum Federal. Lembremos da Súmula 52 do TFR, nestepatamar. Tal entendimento também foi seguido pelo STJ, ao ditar, em suaSúmula 122: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificadodos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando aregra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal.” Por fim, solidificandoesta regra, em nome da competência constitucional expressamente delimitadada Justiça Federal e em detrimento da competência residual da JustiçaEstadual, a Suprema Corte também vem seguindo a premissa da Súmula 122do STJ. Transcrevemos excerto de voto proferido pelo Ministro SepúlvedaPertence, em decisão de habeas corpus: “Ao votar, na linha do parecer daProcuradoria-Geral, o em. relator aplicou ao caso acórdão de minha lavra, noqual, em caso de conexão emprestei força atrativa à competência da JustiçaFederal - especial em relação à Justiça dos Estados - de modo a atrair oscrimes conexos a infrações de caráter federal, que à Justiça localordinariamente tocaria julgar (HC 68.339, 19.2.91, Pertence, RTJ135/672)(...)” 23.

Porém, importa observar que, na ocorrência de crimes conexos da competênciada Justiça Federal e da Justiça Militar, não é permitida a junção de processospara julgamento, regramento este determinado pelo art. 79, I, do CPP. Osprocessos, portanto, serão julgados separadamente.

5.4 Delegação de competência

Por razões várias (como celeridade processual e instrumentalidade doprocesso), o ordenamento jurídico impõe que, em determinadas situações, hajauma cooperação judicial entre os vários juízos e tribunais, delegandoatribuições jurisdicionais de um a outro. São os casos de delegação decompetência.

Nos casos criminais que sejam da competência da Justiça Federal, em que há adelegação de competência, o embasamento constitucional é o mesmo para ascausas cíveis: o artigo 109, §3°. Ei-lo:

“§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro dodomicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte

22 “Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois oumais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedidoaos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda queanterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c).”23 HC 75.219-RJ, Informativo do STF, n°. 83.

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instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarcanão seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, alei poderá permitir que outras causas sejam também processadas ejulgadas pela justiça estadual.”(grifo nosso)

Athos Gusmão Carneiro indaga, e em seguida elucida: “Pergunta-se: quaisserão estas outras causas? Quaisquer feitos? Não. Estas ‘outras causas’deverão evidentemente estar compreendidas no elenco do art. 109 daConstituição, devem ser ‘causas federais’, sob pena de admitirmos possa a leiampliar a competência recursal do Tribunal Regional Federal da área dejurisdição do juiz de primeiro grau – art. 109, §4°. 24“.

Assentado na legislação e jurisprudência nacional há apenas um tipo de causacriminal passível de delegação: o processo e julgamento de crimes de tráficointernacional de entorpecentes. Assim dispõe o art. 27 da Lei n°. 6.368/76,plenamente recepcionada pela Constituição Federal:

“Art. 27. O processo e o julgamento do crime de tráfico com exteriorcaberão à justiça estadual com interveniência do Mistério Públicorespectivo, se o lugar em que tiver sido praticado, for município quenão seja sede de vara da Justiça Federal, com recurso para o TribunalFederal de Recursos”.

O TFR pacificou a matéria, à sua época, editando a Súmula 54, nestes termos:“compete à Justiça Estadual de primeira instância processar e julgar crimesde tráfico internacional de entorpecentes, quando praticado o delito emcomarca que não seja sede de vara do Juízo Federal” .

De seu turno, o STF, arrimado no art. 20 da antiga Lei 5.726/71, editou aSúmula 522, que assim diz: “salvo ocorrência de tráfico com o exterior,quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dosEstados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.”

Tal súmula, a teor do presente ordenamento jurídico, demonstra-se dispensável,não se determinando a hipótese em tela como caso de competência delegada.Isto por que é sabido que, em tese, a Justiça Federal não possui competênciapara julgar tráfico interno de entorpecentes. E, assim sendo, não se podedelegar aquilo de que não se tem competência.

Importa observar que os crimes de tráfico interno, por vezes, encontram-se emconexão ou em continência com crimes sob a persecução do Ministério PúblicoFederal, como o são o contrabando e o descaminho, cabendo, então, a decisão àJustiça Federal, respeitando-se o preceito da citada Súmula 122 do STJ.Vladimir Souza Carvalho: “...importante observar, ao lado do Juiz VladimirFreitas, que, oferecida denúncia por tentativa de contrabando, cabe ao juizfederal proferir sentença de mérito, ainda que reconheça o tráfico como local,pois, se simplesmente declinar da competência para a justiça estadual, estará 24 CARNEIRO, Athos Gusmão. Op. cit., p. 126.

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subtraindo do Ministério Público Federal o direito de recorrer ao TribunalRegional Federal objetivando o reexame da matéria (RC 95.04.1214-8-PR,DJU-II 30.08.95, p. 55.751).25”

Por fim, não é demais relembrar que a delegação de competência influidecisivamente na indicação do tribunal responsável por julgar conflitos decompetência. Athos Gusmão Carneiro traz a sistematização correta: “Quandojuiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar oincidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); porém,se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federaldelegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal (Súmula3 do STJ), salvante se sediados um e outro em áreas sob jurisdição deTribunais Regionais Federais diversos, hipótese em que o Superior Tribunalde Justiça conhecerá do conflito (CC 2.779-STJ, j. 28-10-1992, rel. Min. AthosCarneiro)26”.

6. COMPETENCIA NOS CRIMES POLÍTICOS

A CF de 1988, em seu art. 109, IV, assim determina:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)IV - os crimes políticos (...), excluídas as contravenções e ressalvada acompetência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”

A priori, necessitamos conceituar o que seja crime político. Alberto da SilvaFranco assim o trata: “O conceito de crime político tem sido enfocado nadoutrina sob dois ângulos diversos. Alguns autores partem da natureza do bemjurídico tutelado e dizem político todo crime que lesione ou ameace lesionar aestrutura política vigente em um país. Outros, no entanto, tomam emconsideração o móvel que anima o agente à ação criminosa e dizem políticotodo crime que apresenta uma motivação desse caráter27“.

Para conceituarmos o que seja crime político, devemos buscar subsídios, via deregra, na Lei n°. 7.170/83, que define os crimes contra a Segurança Nacional ea Ordem Política e Social, estabelecendo o processo respectivo. Embasados najurisprudência e neste diploma legal, pensamos que só haverá crime político,quando estiverem presentes na conduta praticada os pressupostos do art. 2º daLei nº 7.170/83, ao qual devem se integrar os do art. 1º da referida Lei. Ou seja,a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigode lesão a soberania nacional e a ordem política, de forma que, ainda que aconduta esteja tipificada nos artigos da Lei de Segurança Nacional, será precisoque se lhe agregue o principal fator de configuração do crime em estudo: amotivação e objetivos políticos.

25 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 399.26 CARNEIRO, Athos Gusmão. Op. cit., 127.27 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Competência Criminal da Justiça Federal. – São Paulo: RT,2002, p. 62.

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No regime constitucional anterior, em disposição excepcional e justificada pelonefasto regime político em que se vivia, a competência para decisão destaslides foi destinada à Justiça Militar. Assim dispunha o art. 129, §1°, daConstituição de 1969:

“ Art. 129. À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimesmilitares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes sãoassemelhadas.§ 1º Esse foro especial estender-se-á aos civis, nos casos expressos emlei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou asinstituições militares.”

Por sua vez, a própria Lei n°. 7.170/83, em seu art. 30:

“Art. 30 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimesprevistos nesta Lei, com observância das normas estabelecidas noCódigo de Processo Penal Militar, no que não colidirem comdisposição desta Lei, ressalvada a competência originária do SupremoTribunal Federal nos casos previstos na Constituição.Parágrafo único - A ação penal é pública, promovendo-a o MinistérioPúblico.”

Dispensável o comentário de que esta última norma não foi recepcionada pelaCarta de 1988. A Lei de Segurança Nacional deve se compatibilizar com osistema de competências criado pelo art. 109 da Constituição de 1988,detidamente em seu inciso IV. Ou seja, o julgamento dos crimes políticoscaberá sempre à Justiça Federal, ressalvados, por sua natureza específica, oscrimes tipicamente militares, definidos no Código Penal Militar, e os crimespropriamente eleitorais, descritos no Código Eleitoral, conquanto tenham elesnatureza política indireta.

De lege ferenda, no anteprojeto do novo Código Penal, em sintonia com aPortaria 232, do Ministério da Justiça, publicada em 24/03/1998, os crimespolíticos passarão a ser capitulados no bojo do Código Penal. Serão tratadoscomo crimes contra o Estado Democrático. Dentre os mesmos, poderemosperceber práticas como atentado à soberania, traição, aliciamento à invasão,violação do território, atentado à federação e espionagem (crimes contra asoberania nacional); sedição, sabotagem e atentado a chefe de poder (crimescontra a estabilidade democrática); atentado a direito de manifestação (crimescontra a cidadania).

Releva observar que “ação de grupo de ‘sem-terra’ que interdita e saqueiacaminhão contendo gêneros alimentícios para o próprio consumo e que não foiorientada nem acompanhada por organização política, não caracteriza crimepolítico (Min. Fernando Gonçalves, CC 22.642-MS, DJU-I 27.09.99, p. 40).28”

28 CARVALHO, Vladimir de Souza Carvalho. Op. cit., p. 358.

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Por fim, deve ser ressaltado que a competência recursal das sentençasproferidas nestes tipos de ações criminais não é, como sói ocorrer, dosTribunais Regionais Federais. O recurso a ser impetrado pela parte não será aapelação, mas sim o recurso ordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal,como dispõe o art. 102, II, b, da CF29.

7. COMPETENCIA PARA OS CRIMES EM DETRIMENTO DE BENS,SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO E ENTIDADESASSEMELHADAS

Esta é a competência criminal genérica da Justiça Federal, delineada no incisoIV do art. 109 da CF. Comumente, para que se configure esta competênciaserão necessários três requisitos: 1) a presença de ente federal privilegiado nopólo passivo da lide criminal; 2) o reflexo do delito em bem, interesse ouserviço de ente federal; e 3) a ocorrência de prejuízo ou dano a ente federal.

Como a competência é criminal genérica – seja o crime consumado ou tentado,doloso ou culposo, e irrelevante o sujeito ativo – podem ser praticadasquaisquer tipos de condutas criminosas, de qualquer natureza, estejam elasinsertas no Código Penal ou em leis extravagantes, ressalvada a competênciacriminal da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar.

Vale ressaltar, com Fernando Capez, que “o foro por prerrogativa de funçãoestabelecido nas Constituições estaduais e leis de organização judiciáriasomente é válido perante as autoridades judiciárias locais, não podendo serinvocado no caso de cometimento de crimes eleitorais ou contra bens,interesses e serviços da União” 30.

7.1 Entes federais privilegiados

O conceito de entes federais privilegiados engloba a própria União diretamente,as entidades autárquicas federais (aí inclusas as fundações públicas federais), eas empresas públicas federais. Estando qualquer uma delas figurando comovítima de conduta delituosa, a competência para dirimir tais lides será daJustiça Federal. Impende ressaltar que a conduta criminosa deve afetardiretamente alguma destas pessoas jurídicas privilegiadas. A presença delascomo assistentes em alguma relação processual, na medida dos arts. 268 e ss.do CPP, somente acarretará a competência da Justiça Federal se a pessoajurídica privilegiada for também atingida pelo delito.

Logo se vê, por sua vez, que estão excluídos deste privilégio de foro, as causasrelativas a crimes praticados contra as sociedades de economia mista federais,as concessionárias de serviço público federal, as fundações privadas, e os

29 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,cabendo-lhe: (...)II - julgar, em recurso ordinário: (...)b) o crime político;30 CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 198.

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sindicatos, como se têm entendido de forma unânime. É como fulmina aSúmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar ascausas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimespraticados em seu detrimento” .

7.1.1 União

O termo União, empregado no dispositivo constitucional, abrange todos osórgãos, secretarias e subdivisões da Administração Direta, como osMinistérios, Agências, Departamentos, e tudo o que mais fizer parte destasrepartições, integrando seus bens, interesses e serviços.

7.1.2 Entes autárquicos federais

Entre os entes autárquicos federais, integrantes da Administração Indireta,estão englobados: a) autarquias, aí inclusas as agências, de quaisquer tipos,reguladoras ou executivas (espécies de autarquia); b) as fundações públicas; ec) os conselhos de fiscalização profissional.

7.1.2.1 Autarquias federais

Há definição legal para as autarquias, disposta no art. 5°, inc. I, do Decreto-Lein° 200/67, onde se afirma que autarquia é: “o serviço autônomo, criado por lei,com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executaratividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhorfuncionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.”

Todavia, preferimos seguir a sintética e feliz oração de Celso Antônio Bandeirade Mello, onde as autarquias são definidas como “pessoas jurídicas de DireitoPúblico de capacidade exclusivamente administrativa” 31.

As autarquias federais propriamente ditas detêm personalidade jurídica própriae liberdade administrativa de decisão, nos termos das leis que as criarem; egozam de autonomia financeira, com o fito de desempenhar atividadetipicamente estatal. Consoante a dicção do art. 37, XIX, da CF, somente por leipodem ser criadas. Nada mais natural que estas representantes do interesse daUnião possuíssem uma justiça especializada para as causas em que fossemvítimas.

7.1.2.2 Fundações públicas federais

Por sua vez, já é entendimento remansoso o fato de que as fundações de direitopúblico, instituídas pelo Poder Público para a prossecução de objetivos deinteresse público, com a afetação de bens públicos, integram o gênero entidadeautárquica. “Uma vez que as fundações públicas são pessoas de DireitoPúblico de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são

31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª Ed.. São Paulo:Malheiros, 2000, p. 130.

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autarquias e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto, como oconcernente às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente32”.

7.1.2.3 Conselhos de Fiscalização Profissional

Os Conselhos de Fiscalização Profissional também têm esta natureza porexercerem atividades típicas da Administração Federal, e por ela delegadas. Éconsagrada juriprudencialmente esta competência da Justiça Federal para julgaros crimes praticados em detrimento destes Conselhos. Vladimir SouzaCarvalho, referindo-se a eles, arremata: “A manutenção da competência daJustiça Federal para todas as suas ações, respeitadas as exceçõesconstitucionais, é a tendência manifestada pelo STJ em inúmeros e inúmerosjulgados” 33.

Ressalte-se que, embora o art. 58 da Lei 9.649/98 tenha afirmado que estesConselhos exerceriam seu mister em caráter privado, retirando sua naturezaautárquica, o STF, na decisão do HC 77.909-3-DF, já decidiu pela competênciada Justiça Federal para o julgamento de crimes praticados em detrimento dosConselhos de Fiscalização Profissional.

7.1.3 Empresas públicas federais

Por fim, o delito pode ser praticado contra empresa pública federal. Faz-semister rememorar o conceito de empresa pública federal, junto ao ProfessorCelso Antônio Bandeira de Mello: “é a pessoa jurídica criada por lei comoinstrumento de ação do Estado, com personalidade de Direito Privado, massubmetida a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante da açãogovernamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito ecujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de DireitoPúblico interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, compredominância acionária residente na esfera federal34”. É da competência daJustiça Federal, inclusive, os crimes falimentares praticados em detrimento deempresa pública federal, diante da norma especial contida no art. 109, IV, daCF.

7.2 Reflexo do delito em bem, interesse ou serviço de ente federal

A exigência constitucional é alternativa, sendo indispensável a afetação de aomenos um destes itens para que a causa seja da competência da Justiça Federal,devendo os bens, serviços ou interesses pertencer a um ente federal ou a tutelalegal caber aos respectivos entes.

Bens, na dicção da norma constitucional, significam patrimônio, nãoimportando se o dano patrimonial é diminuto, ou se é material ou imaterial.Entretanto, não é aquela noção privatística de patrimônio, no sentido do

32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 144.33 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 34.34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 144-145.

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conjunto de relações de créditos e débitos de uma determinada pessoa.Patrimônio de um ente federal será, por conseguinte, o conjunto de todos osbens de um ente federal, sejam eles de quaisquer natureza, sob domínio públicoou privado, afetados a seu próprio uso, ou ao uso direto ou indireto dacoletividade. Na prática, pode ser atingido um número incomensurável deobjetos. Observe-se a importante ressalva jurisprudencial que se criou com aedição da Súmula 125 pelo antigo TFR: “Compete à Justiça Comum Estadualprocessar e julgar ação instaurada em decorrência de acidente de trânsitoenvolvendo veículo da União, de autarquia ou de empresa pública federal”.

Serviço é aquilo de que o ente federal é encarregado, a finalidade públicaespecífica para a qual foi direcionado o ente federal. A violação, por vezes,atingirá servidor público federal, no exercício de suas funções. O serviço seráigualmente violado quando for praticada violação por terceiro atribuindo-se afalsa condição de servidor público federal. A expressão serviços deve possuirum sentido demasiado largo, com o fito de abarcar qualquer tipo de destinaçãode um ente federal, como por exemplo, as atividades do Poder Judiciário. Daípor que o fato de usar documento falso em qualquer processo de competênciadas Justiças Especializadas e da Justiça Federal, mesmo em casos de delegaçãode competência, ter o condão de direcionar a competência para decisão dofalsum a esta mesma Justiça Federal.

Interesse de ente federal, ressalve-se de início, não pode ser o interessemeramente genérico e remoto de ser visto o cumprimento de leis federais emtese. Tal interesse de ente da União deve ser direto e específico, delimitado.

Na verdade, válida é a lição terminante de Vladimir Souza Carvalho: “Essatricotomia é de significado simples, se definindo por si só, dada a força comque cada termo encerra, embora, às vezes, se entrelacem, visto se confundiremou serem sinônimos uns dos outros. A infração, atingindo um desses requisitos,vulnera os outros, já que é difícil delimitar a esfera do bem, do serviço e a dointeresse, de forma que uma não interfira na outra. O bem é serviço e seconstitui em interesse. O serviço é bem e veste o trajo do interesse. O interesseé bem e é serviço.35”.

7.3 Ocorrência de prejuízo ou dano a ente federal

O dano causado pela conduta criminosa pode ser econômico e/ou moral. Seráeconômico quando atingir materialmente o patrimônio do ente federal. Serámoral quando afetar serviços ou interesses1 do ente federal. Ambos os tipos dedano estão jungidos à decisão proferida pela Justiça Federal, presentes osoutros dois requisitos fixadores desta competência.

7.4 Hipóteses legais

Os crimes contra a fé pública (arts. 289 a 311 do CP), entre eles o crime demoeda falsa, o delito de contrabando ou descaminho (art. 334 do CP), os 35 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 299.

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crimes praticados por ou contra servidor público federal (infra, cap. 9) sãohipóteses legais muito comuns em que pode ocorrer a competência da JF. Bastaque sejam preenchidos os requisitos já citados.

Quanto aos delitos contra a fé pública, vejam-se as Súmulas 73 e 104 doSuperior Tribunal de Justiça e a Súmula 31 do antigo Tribunal Federal deRecursos:

“Súmula 73 – A utilização de papel moeda grosseiramente falsificadoconfigura, em tese, o crime de estelionato, da competência da JustiçaEstadual”.“Súmula 104 – Compete à Justiça Estadual o processo e julgamentodos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo aestabelecimento particular de ensino”.“Súmula 31 – Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento decrime de falsificação ou de uso de certificado de conclusão de curso de1° e 2° graus, desde que não se refira a estabelecimento federal deensino ou a falsidade não seja de assinatura de funcionário federal”.

Em suma, a competência da Justiça Federal para os crimes de moeda falsa quese subsumam no teor do art. 289 do CP, se dá diante do fato de que uma dasvítimas do delito será sempre o Banco Central do Brasil, competente que é estaautarquia, de forma exclusiva, para a emissão de moeda, consoante dispõe ocaput do art. 164 da Constituição. Ressalte-se que, em se tratando defalsificação de moeda estrangeira, também há interesse desta autarquia, vistoque é da plêiade de funções a ela acometidas o controle da regularidade domercado cambial brasileiro. Entretanto não serão todos os casos de moeda falsaque serão julgados pela Justiça Federal, visto que nem sempre será afetada aautarquia citada.

Assim, temos que há entendimento dominante na jurisprudência, corporificadoatravés da Súmula 73/STJ, na direção de que, quando da prática de falsificaçãode moeda, somente será competente a Justiça Federal se a falsidade for capazde iludir o homo medius. Caso contrário, sendo a falsificação grosseira,identificável à primeira vista, a competência será da Justiça Estadual, visto quea fé pública, a ser protegida nestes casos pelo Banco Central do Brasil, não terásido lesionada, mas sim a esfera patrimonial do particular.

Com esteio na Súmula 104 do STJ, não será a Justiça Federal competente parao processo e julgamento do crime de uso de documento falsificado relacionadoa instituição particular de ensino superior, considerando-se que a atividadedelegada federal exercida pela mesma, como fator de fixação da competênciafederal, resume-se aos atos praticados pelos seus dirigentes e para fins demandado de segurança, consoante se depreende da Súmula nº 15, do extintoTFR: “Compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança contra atoque diga respeito ao ensino superior, praticado por dirigente deestabelecimento particular”.

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Por sua vez, competem à Justiça Federal o processo e julgamento do crime deextração ilegal de minérios, tipificado no art. 55 da Lei n°. 9.605/98, visto queos recursos minerais, mesmo estando no subsolo, são bens da União (art. 20,IX, CF).

O crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/96, também compete à JustiçaFederal o seu julgamento, visto que é da competência da União explorardiretamente ou mediante concessão, permissão ou autorização os serviços detelecomunicações e radiodifusão, segundo o art. 21, incisos XI e XII, a, daConstituição.

O julgamento dos crimes contra o serviço postal, previstos nos arts. 36 a 46 daLei 6.538/78 também deve pertencer à seara da Justiça Federal. Tanto pelo fatode ser a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos uma empresa públicafederal, quanto pelo fato de ser o serviço postal um serviço a ser mantido pelaUnião, consoante o art. 21, inc. X, da CF.

O crime de contrabando ou descaminho, tratado no Código Penal no art. 334,mereceu tratamento sumular, por parte do STJ, com a edição da Súmula 151:“A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando oudescaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensãodos bens”. Anteriormente, a regra era de que a competência se firmava nachegada da mercadoria em nosso território. Tal entendimento foi modificadopara aquele esposado na citada Súmula, se coadunando com o art. 70 do CPP,que afirma ser o local de consumação do delito que firmará a competência parao julgamento de um delito. Como estes delitos são instantâneos de efeitospermanentes, que se protraem no tempo, a competência será do juízo do localde apreensão, que é onde ocorre a consumação do delito de contrabando oudescaminho. Veja-se: STJ-CC-14707, STJ-CC-14411, STJ-CC-13853, STJ-CC-12257.

Vale aqui grifar que a jurisprudência tem consagrado entendimento de que ouso de armamento proibido na prática de homicídios não indica, a priori, aprática dos delitos de descaminho ou contrabando. Estes não seriam crimes-meio para a prática de homicídios ou tráfico de entorpecentes, principalmentese levarmos em conta que há tipo penal autônomo para combater o uso e aposse de arma contrabandeada: o art. 16 do Estatuto do Desarmamento, a Lei10.826/2003. Assim, contra a competência da JF: STJ-CC-16737, STJ-CC-22751, STJ-CC-29180, TRF1ª Reg. ACR 01000870424; a favor dacompetência da Justiça Federal: STJ-CC-16349. Da mesma forma ocorre como delito de receptação de armas e produtos contrabandeados, não sepresumindo a prática, pelo mesmo autor da receptação, dos delitos dedescaminho e contrabando, o que levaria à competência da JF. Neste sentido:TRF 2ª Reg. ACR 9602313480. Contra: TRF 2ª Reg. HC 9602134925.

Por fim, várias condutas criminosas podem ser praticadas diante de órgão daPolícia Federal, como os crimes tratados pelo art. 109, inc. X, da CF, e outroscomo, por exemplo, o uso de documento falso para obter passaporte falso, uso

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de passaporte falso, falsidade ideológica, estelionato etc. Nestes casos,ofendida é a União e competente para julgar tais processos será a JustiçaFederal.

7.5 Crimes praticados por prefeitos municipais

É sabido que a CF consagrou a idéia de que os prefeitos municipais deveriamser julgados perante os respectivos Tribunais de Justiça, tenham eles praticadocrimes de qualquer natureza. Tal idéia deflui do art. 29, X:

"Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em doisturnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por doisterços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará,atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, naConstituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:(...)X – julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;"

Tal prerrogativa de foro se justificaria, no entender de Giovanni Mansur SolhaPantuzzo, visto que “a prerrogativa constitucional em exame reforça,inegavelmente, a independência funcional do Prefeito, na medida em que odistancia de fatores maléficos não raro presentes na política local, capazes dedesencadear processos descabidos, lastreados em acusações inverídicas,gerando nociva inquietação à comunidade” 36.

Com tal raciocínio o Constituinte eliminou do ordenamento jurídico asdiferenças de critérios de definição de competência para julgamento de crimescomuns e crimes de responsabilidade praticados, a qualquer tempo, porPrefeitos. Ambos, tipificados, v.g., no art. 1° do Dec.-Lei 201/67, pertencem àplêiade de matérias afetas aos Tribunais de Justiça.

O julgamento administrativo exercido pelas Câmaras de Vereadores acerca dasinfrações político-administrativas praticadas pelos Prefeitos Municipais,embasado no art. 4° do Decreto-Lei n° 201/67, não foi eliminado doordenamento pela regra do art. 29, X, da CF. Ele nada mais é do que apossibilidade do impeachment do Prefeito.

Isto dito, passou a ser discutido nos Tribunais se seria da competência dosTribunais Estaduais o julgamento de crimes de Prefeitos que fossem dacompetência da Justiça Federal e das Justiças Especializadas. O entendimentopredominante passou a ser o de que, como a competência da Justiça Estadual éresidual, não sendo a ela permitida julgar nas áreas delimitadas às JustiçasEspecializadas e à Justiça Federal; estariam os Tribunais de Justiça impedidosde decidirem causas relacionadas a Prefeitos que sejam da competênciadaquelas Justiças. Pensamos com Alexandre de Moraes quando diz que: “asatribuições jurisdicionais originárias do Tribunal de Justiça, 36 PANTUZZO, Giovanni Mansur Solha. Crimes Funcionais de Prefeitos. Belo Horizonte: DelRey, 2000, p. 37.

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constitucionalmente definido como juízo natural dos Prefeitos municipais,restringem-se, no que concerne aos processos penais, unicamente às hipótesespertinentes aos delitos sujeitos à competência da Justiça local” 37.

Quanto a possíveis desvios de verbas repassadas pela União à municipalidade,a jurisprudência mais antiga inclinava-se pela competência da Justiça ComumEstadual, sob o pálio de que tais verbas, a partir do momento em que sãoentregues ao Município, passam a não mais integrar o patrimônio da União,incorporando-se aos cofres municipais. O extinto TFR, ao editar a Súmula 133,assim confirmava este entendimento jurisprudencial então predominante:“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar Prefeito Municipalacusado de desvio de verba recebida em razão de convênio firmado com aUnião Federal”.

Com o tempo, contudo, passou-se a entender que se a verba repassada pelaUnião estivesse sujeita a prestação de contas perante órgão federal, aí então acompetência seria da Justiça Federal. Foi como definiu a questão o STJ, naSúmula 208: “Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipalpor desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”.

Vale ressaltar a orientação do STJ, de que as ações penais contra os PrefeitosMunicipais podem ser iniciadas mesmo após o término de seus mandatos. Écomo dispõe a Súmula 164 do colendo Tribunal: “O prefeito municipal, apos aextinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1.do dec. lei n. 201, de 27/02/67.”. Entretanto, isto não quer dizer que o ex-prefeito continuaria a gozar do privilégio de foro, como mencionava acancelada Súmula 39438 do STF, editada em 03.04.1964: “cometido o crimedurante o exercício funcional, prevalece a competência especial porprerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciadosapos a cessação daquele exercício.” Dessa forma não permanece comprivilégio de foro o ex-prefeito.

Concluímos asseverando que, consoante entendimento jurisprudencialpacificado, em casos de Prefeitos que praticam crimes da competência daJustiça Federal, como aqueles praticados contra bens, serviços ou interesses daUnião, competente será o respectivo Tribunal Regional Federal e não oTribunal de Justiça Estadual. Leia-se, v.g., excerto do HC n°. 78.728-RS, doSupremo Tribunal Federal, de relatoria do Min. Maurício Corrêa: “(...) OsTribunais Regionais Federais são competentes para processar e julgarprefeitos municipais por infrações praticadas em detrimento de bens, serviçosou interesse da União (Constituição, artigo 109, IV), assim entendidas tambémaquelas relativas à malversação de verbas recebidas da União sob condição esujeitas a prestação de contas e ao controle do Tribunal de Contas da União” .

Por fim, sobre a questão da inconstitucionalidade da Lei n° 10.628/2002, quemuito se aplicará aos casos de ex-prefeitos, causando um frisson dispensável 37 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999, p. 254.38 Cancelada em 25.08.1999, a partir de questão de ordem suscitada no Inquérito 687-SP.

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no meio jurídico (pois os operadores do Direito se questionarão em torno desaber se competente será a 1ª ou a 2ª instância); remetemos o leitor ao item 4.2do presente trabalho, onde dissertamos sobre este malsinado diplomalegislativo.

8. COMPETENCIA NOS CRIMES AMBIENTAIS

O artigo 26, parágrafo único, do anteprojeto da atual lei penal ambiental, criavauma hipótese a mais de delegação de competência, embasada no art. 109, § 3°da CF, assim como é em casos de tráfico internacional de entorpecentes. NoCongresso Nacional, tal dispositivo recebeu nova redação estabelecendo acompetência da Justiça Federal para todos os crimes previstos na lei 9.605/98.

Foi o parágrafo único vetado. O veto presidencial à redação desse parágrafoteve o condão de deixar incólumes os entendimentos relativos à competênciapara o processo e julgamento dos crimes contra o meio ambiente. Baseando-se na Súmula 91 do STJ (Compete à Justiça Federal processar ejulgar os crimes praticados contra a fauna), muitos julgados foram proferidosdeferindo à Justiça da União Federal a competência para julgar tais crimes.Alegavam, arrimados no teor do art. 1° da Lei 5.197/67, que a fauna seria bemda União. Entendia-se que seria esta a mais preparada para cuidar e protegerestes bens, que assumiriam características nacionais.

Entretanto, em sessão de 08.11.2000, a Terceira Seção do STJ cancelou talentendimento sumulado. Justifica-se tal medida, a partir do momento em que seentende que o meio ambiente é bem de uso da coletividade. Não só a União éresponsável perante a fauna brasileira.

Porém, isto não impede que surja a competência da Justiça Federal, no caso daconduta criminosa ter sido praticada em bens da União, como aqueles dispostosno art. 20 da Carta Magna ou “no mar territorial brasileiro, nos lagos e riospertencentes à União e nas unidades de conservação da União, exsurgindo ointeresse direto desta, que exerce a respectiva fiscalização” 39. Assim, naocorrência de crimes ambientais, a competência da Justiça Federal pode vir aobedecer ao art. 109, IV, da Constituição da República, firmando-se nopressuposto de serem praticados crimes em detrimento de bens, serviços ouinteresses da União, entidades autárquicas e empresas públicas federais. Temsido esta a consagrada jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Isto é, aplica-se o raciocínio de que competirá à Justiça Estadual o processo e ojulgamento das ações criminais e cíveis envolvendo o meio ambiente, quandonão se configurar lesão a bem, serviços ou interesse da União ou de suasautarquias e empresas públicas.

No mérito desta argumentação, é certo que a proteção ao meio ambiente ématéria disciplinada pela Constituição Federal, que atribui dever à União, aos 39 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 76.

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Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, concorrentemente, suapreservação e proteção40. Não houve definição exclusiva de competência emrazão desta matéria, a favor de algum dos entes federativos.

Entretanto, hodiernamente, várias decisões judiciais, inclusive do STF, têmolvidado do interesse direto de autarquia federal, o IBAMA. Um dos pretextosutilizados é o fato da Mata Atlântica, assim como outros patrimônios nacionais(art. 225, §4°, CF) não ser propriedade da União. Outro é a inexistência deinteresse direto e específico da autarquia federal nos casos do art. 46 da Lei deCrimes Ambientais. Pensamos ser esta argumentação falaciosa.

Certo é que a proteção à Mata Atlântica e equiparados é de supremo interessetambém dos Estados e dos Municípios. Os patrimônios nacionais do art. 225 daCarta Magna não devem ser estudados através do conceito patrimonial estritode bens da União, o que afastaria, em tese, da competência da Justiça Federalas causas a eles relacionados.

No entanto, essa interpretação, no que tange especificamente à Mata Atlântica,não parece ser a mais correta, eis que, à evidência, há o interesse direto daUnião, por estar sendo atingido diretamente o serviço de uma autarquia federal.

A Lei 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 17-B,instituiu Taxa destinada a custear o regular poder de polícia conferido aoIBAMA. Eis o dispositivo:

“Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e FiscalizaçãoAmbiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder depolícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização dasatividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursosnaturais."

E, para viabilizar a realização prática destes atos de poder de polícia, comefeito, instituiu-se, através da Portaria IBAMA 44-N/93, a Autorização deTransporte para Produtos Florestais – ATPF, a ser emitida pelo InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais – IBAMA. Trazemos àcolação seu art. 1º, e §1°:

“Art. 1º - A ATPF, conforme modelo apresentado no anexo I dapresente Portaria, representa a licença indispensável para o transportede produto florestal de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo.§ 1º - Entende-se por produto florestal aquele que se encontra no seuestado bruto ou in natura, abaixo relacionado: a) madeira em toras; b)toretes; c) postes não imunizados; d) escoramentos; e) palanquesroliços; f) dormentes nas fases de extração/fornecimento; g) mourõesou moirões; h) achas e lascas; i) pranchões desdobrados com moto-serra; j) lenha; l) palmito; m) xaxim; n) óleos essenciais. o) bloco ou

40 Art. 23, inc. VI, da CF.

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filé, tora em formato poligonal, obtida a partir da retirada decostaneiras.” (grifo nosso)

Vejamos o que nos diz o art. 2º da Lei 7.735/89, legislação criadora doIBAMA:

“Art. 2º. É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis - IBAMA, entidade autárquica de regimeespecial, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculadaao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de executar aspolíticas nacionais de meio ambiente referentes às atribuições federaispermanentes relativas à preservação, à conservação e ao usosustentável dos recursos ambientais e sua fiscalização e controle, bemcomo apoiar o Ministério do Meio Ambiente na execução das açõessupletivas da União, de conformidade com a legislação em vigor e asdiretrizes daquele Ministério.”

Portanto, paralelamente, tem também o IBAMA, como autarquia federal eórgão executor das diretrizes da política nacional para proteção do meioambiente e recursos ambientais, o encargo de fiscalizar pessoas físicas oujurídicas quanto ao cumprimento do comando legal que estabelece aimprescindibilidade de licença válida para o transporte de madeira e de outrosprodutos vegetais, autuando o infrator quando for o caso, inclusive executando-o judicialmente e representando-o à autoridade competente para fins penais,tudo isso como executor da política nacional do meio ambiente em todas assuas etapas.

Por vezes, ocorre que o fato ensejador da persecução penal é justamente aautuação de cidadãos por parte do IBAMA, em razão do transporte de madeiraproveniente da Mata Atlântica, sem a expedição da devida licença – ATPF.

Em assim sendo, é evidente que a ausência da Autorização, mencionada no art.46 da Lei 9.605/9841, necessária ao transporte de madeira, configura infraçãopenal em detrimento de serviços (expedição de ATPF) ou interesses (exercíciodo poder de polícia) do IBAMA, o que atrai a competência da Justiça Federal,indubitavelmente, para o julgamento destes casos.

9. COMPETENCIA NOS CRIMES PRATICADOS POR SERVIDORPÚBLICO FEDERAL OU CONTRA SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL

41 “Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão eoutros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgadapela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até finalbeneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito,transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros”

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Nestes crimes, parte-se da premissa de que são infrações penais praticadas emdetrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidadesautárquicas ou empresas públicas, como dispõe o art. 109, inciso IV, da CF.

Primeiramente, podem ser praticados contra o servidor federal, no exercício desua função ou em razão de sua investidura. Portanto, para firmar a competênciada Justiça Federal nestes casos, não importando o autor da conduta criminosa, ajurisprudência pacificou o entendimento de que necessários são dois requisitos:1) o delito deve ser praticado contra servidor público federal no exercício desuas funções; e 2) deve ter relações com as funções exercidas pelo mesmo.

Estas foram as conclusões extraídas das Súmulas 98 do extinto TFR: “Competeà Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra servidorpúblico federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas” , e 147do colendo STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimespraticados contra funcionário público federal, quando relacionados com oexercício da função” .

Entretanto, impende observar que se o servidor estiver a serviço de ente quenão seja federal a competência será da Justiça Comum Estadual. Dois julgadosexcelentes são trazidos por Vladimir Souza Carvalho:

“Se o delegado não se encontrava no exercício de suas funções depolícia judiciária federal, mas em apuração de crime sujeito àcompetência originária do eg. TJ do Estado da Paraíba, não háinfração contra bem, serviço ou interesse da União Federal (JuizNelson Gomes da Silva, AC 90.01.14629-5-MT, DJU-II 25.11.91, p.29.777; Min. Carlos Madeira, HC 6.466-CE, DJU 27.06.85, p. 10.500,RC 2-PB, DJU-I 21.02.92, p. 3.510)(...)Da mesma forma o crime de resistência perpetrado contra agentes dapolícia federal quando executavam mandado de captura expedido pormagistrado estadual, pois os executores não atuavam no exercício desua função própria, mas como órgão auxiliar do juízo penal (Min.Torreão Braz, RC 592-RJ, DJU 07.05.81, p. 4.05642. “

Por outro lado, crimes podem ser praticados por servidor federal, comodelegados, peritos e agentes da Polícia Federal, no exercício de suas funções, oque impõe a competência da Justiça Federal, em nome do zelo pelo bomconceito de que deve gozar o serviço público federal na sociedade. Osrequisitos para configurar a competência da Justiça Federal são os mesmosutilizados para casos de crimes contra servidores federais: 1) o delito deve serpraticado por servidor público federal no exercício de suas funções; e 2) deveter relações com as funções exercidas pelo mesmo.

Tal entendimento pacificou-se, através da Súmula 254 do TFR, in verbis:“Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por 42 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 304.

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funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estasrelacionadas”.

No caso do servidor federal não estar em serviço, ou estar em serviço a outroente federativo, a competência não será da Justiça Federal. Enfim, “a simplescondição de funcionário público federal não confere ao agente a faculdade dever-se processado e julgado em foro federal.43”

Quando ocorrer a circunstância de outrem praticar conduta delituosa passando-se por servidor público federal, ver-se-á se tal falsidade é fator determinantepara o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Entendemos quemuito dificilmente não será posta em julgamento a credibilidade do ServiçoPúblico Federal, quando da prática de atos criminosos por indivíduos que searrimam numa falsa identidade de servidor público federal. Imagine-se o casode existirem estelionatários se passando por policiais federais! Porém, ajurisprudência recomenda que, no caso concreto, o juiz deverá aquilatar o falsoideológico para determinar se o mesmo foi capaz de afetar bens, serviços ouinteresses da União e seus entes.

Seja ressaltado, por sua via, que será da competência do júri federal ojulgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por ou contraservidores públicos ou agentes da administração quando, no exercício dafunção estatal, suas ações refletirem no interesse da União e entes autárquicosfederais (CF, art. 5º XXXVIII, b; art. 109, IV e art. 37, § 6º).

E, por fim, não esqueçamos do amplíssimo conceito de servidor público trazidopelo Código Penal, em seu art. 327:

“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais,quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo,emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, empregoou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresaprestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução deatividade típica da Administração Pública. (Parágrafo únicorenumerado pela Lei nº 6.799, de 23.6.1980 e alterado pela Lei nº9.983, de 14.7.2000).

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores doscrimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos emcomissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão daadministração direta, sociedade de economia mista, empresa públicaou fundação instituída pelo poder público. (Parágrafo acrescentado pelaLei nº 6.799, de 23.6.1980)”.

43 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 69.

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10. COMPETENCIA PARA OS CRIMES PREVISTOS EM TRATADOSINTERNACIONAIS

Alguns requisitos se fazem necessários para a fixação da competência, nestescasos de crimes previstos em tratados internacionais, inseridos no comandoconstitucional do art. 109, inc. V, da CF. Não basta a ocorrência de condutacriminosa prevista em tratado ou convenção internacional. Deve restardemonstrado um nexo de internacionalidade na conduta combatida. Este nãoexistindo, a competência será da Justiça Estadual.

Este nexo é representado pela exigência de que o resultado tenha ou devesse terocorrido no estrangeiro, embora a execução tenha se iniciado no Brasil, ou ocontrário: o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil, embora aexecução tenha se iniciado além de nossas fronteiras.

Como a União detém a exclusividade constitucional para manter relações comEstados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções44, se nosmostram nítidas as razões pelas quais se afetaram tais causas à Justiça Federal.

Aristides Alvarenga Junqueira, ex-Procurador Geral da República, bemassevera: “... tendo o fato conotação internacional, a União, como pessoajurídica de Direito Público externo, signatária de tratado ou convenção,juntamente com outros Estados estrangeiros, tem interesse particular,específico e direto em honrar o compromisso de punir determinados crimes45“.

Ressaltemos que o crime praticado pode ser qualquer um entre os que jáestejam previstos na legislação penal comum ou especial. O tratado ou aconvenção internacional apenas estabelecerá uma comunhão de esforços entreas nações que o firmam, no sentido de combater determinadas espéciesdelituosas.

Após a verificação da existência desta prévia comunhão de esforços, é queserão perquiridos pelos nexos de internacionalidade na conduta criminosa.Somente após a verificação destes dois pressupostos é que poderemos firmar acompetência da Justiça Federal.

Entre os crimes que têm previsão nos instrumentos de direito internacionalestão os exemplos citados adiante, sobre os quais teceremos brevescomentários.

10.1 O crime de guarda de moeda falsa (Convenção Internacional para aRepressão da Moeda Falsa, aprovada pelo Decreto-Lei 411/38 epromulgada pelo Decreto 3.074, de 14.09.38);

Remetemos o caro leitor aos apontamentos colacionados no início do item 7.4deste trabalho, acerca do delito de moeda falsa, reafirmando que, no caso da 44 Vide art. 21, I, da CF.45 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 82-83.

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competência da Justiça Federal se firmar pelo art. 109, V, deverá ser acrescidoo requisito do nexo de internacionalidade da conduta criminosa. Assim, dequalquer forma, o delito de moeda falsa será da competência da JustiçaFederal, exceto quando a falsificação for grosseira, consoante entendimentosumulado do Superior Tribunal de Justiça.

10.2 O crime de tráfico internacional de entorpecentes (Convenção únicasobre entorpecentes, de 1961, promulgada pelo Decreto 54.216/64 e aConvenção sobre as substâncias psicotrópicas de Viena, de 1971,promulgada pelo Decreto 79.388/77);

Lembremos a hipótese de delegação de competência da Justiça Federal àJustiça Estadual, tratada pelo art. 27 da Lei 6.368/76. As circunstânciasensejadoras do nexo de internacionalidade, a serem trabalhadas na denúncia, éque dirão se a competência é da Justiça Federal. A conduta típica deverá estarintegrada à rede de atos criminosos do comércio ilegal de substânciasentorpecentes, não sendo necessário, todavia, um acervo probatório vasto, massim indícios veementes da internacionalidade da conduta. Impende observarque também não será necessária a junção de esforços de aparatos policiais depaíses diferentes, em torno da conduta criminosa, para que se declarecompetente a JF.

Entretanto, a competência da Justiça Federal é controversa, quando hádesclassificação do delito de tráfico internacional para tráfico interno. Asposições mais acertadas se encontram nos TRF’s, que em alguns julgados,contrariando posição do STJ, e assentados no art. 81 do CPP, determinam que acompetência deve permanecer com a Justiça Federal, mesmo diante dadesclassificação do delito para área de jurisdição que não seja sua. Emboraestes julgados tenham se utilizado de dispositivo tratante de conexão econtinência, certo é que o STF, sedimentando o debate, manteve a competênciada Justiça Federal, “sob o argumento de que a absolvição pelo crime quemotivou a conexão não implica no deslocamento do processo para a Justiça doEstado, exatamente pela aplicação do art. 81 do Código de Processo Penal” 46.

Entendemos ser possível utilizar analogicamente o princípio da perpetuação dacompetência, insculpido no art. 87 do CPC, em conjunto com o art. 81 do CPP,no interesse de que permaneçam afetos à Justiça Federal os processosrelacionados a tráfico internacional que sejam desclassificados para tráficointerno de entorpecentes.

10.3 O crime contra as populações indígenas (Convenção n°° 107, sobre aproteção e integração das populações indígenas e outras populações tribaise semitribais de países independentes, aprovada pelo Decreto 58.824, de14.07.66);

Conforme se depreende de seu art. 109, inc. XI, a Constituição pôs no rol dematérias afetas à União e à subseqüente competência da Justiça Federal 46 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 85.

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questões relacionadas a disputas sobre direitos indígenas, como as atinentes adireitos reais, à posse, ocupação, exploração, invasão e temas afins da terraindígena.

A Lei 6.001/73, o Estatuto do Índio, anterior à CF vigente, já desta formatratava a matéria. Basta observar o que dispunha o seu art. 36, in verbis:

“Art. 36. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, compete à Uniãoadotar as medidas administrativas ou propor, por intermédio doMinistério Público Federal, as medidas judiciais adequadas à proteçãoda posse dos silvícolas sobre as terras que habitem.

Parágrafo único. Quando as medidas judiciais previstas neste artigoforem propostas pelo órgão federal de assistência, ou contra ele, aUnião será litisconsorte ativa ou passiva.“

Com isso, a jurisprudência já há muito tempo atribuía a competência paraassuntos de interesse de comunidades indígenas à Justiça Federal. A NovaOrdem, estatuída com o advento da Constituição de 1988, inovou ao considerarcomo bens da União não só as terras ocupadas pelos indígenas como aquelasque eram tradicionalmente ocupadas por estes, atribuindo a competência paradirimir questões acerca destas terras e de direitos a elas correlatos à JustiçaFederal, ante o peremptório interesse da União na matéria. A Carta Magnavisava, então, proporcionar às famílias indígenas o bem-estar e as condiçõesnecessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes etradições, procurando mantê-las em um ambiente que, por tradição, foi de seusantepassados – algo que é tratado com muito respeito e devoção pessoal porestas comunidades.

De toda forma, esta tormentosa concepção social e antropológica do que sejamterras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas certamente necessita de umaJustiça especializada na busca da resolução dos conflitos social delasdecorrentes, o que mostra a importância, a amplitude e o inarredávelincremento da competência da Justiça Federal na matéria em estudo.

Assim, faz se mister afirmar que a competência da Justiça Federal não deveabarcar crimes comuns, praticados ou sofridos pelo indígena, que não possuamligação com os direitos tradicionais dos indígenas, trabalhados de modopercuciente pelo Constituinte no art. 231 da CF, e que devem ser protegidoseficientemente pela União.

Por esse motivo, ainda que de uma forma incompleta, o Superior Tribunal deJustiça pacificou entendimento, editando a Súmula 140, afirmando que:“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que oindígena figure como autor ou vítima”. Entretanto, excetuam-se aqueles crimesque estejam relacionados à situações de disputas de bens e direitos indígenas,que envolvam a comunidade em que vive o sujeito ativo ou passivo do crime,praticados ou não no interior da aldeia ou da reserva indígena. Isto deflui da

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compreensão do Decreto 58.824/6647 c.c. o art. 109, inc. V, da CF. Nestesentido, já há decisão do Pretório Excelso, da lavra do Min. Marco Aurélio,onde diz que: “A competência para julgar a ação penal em que imputada afigura do genocídio, praticado contra indígenas na disputa de terras, é daJustiça Federal. Na norma definidora da competência desta para demandaem que envolvidos direitos indígenas, inclui-se a hipótese concernente aodireito maior, ou seja, à própria vida.” 48. Outras causas já foram decididasneste caminho: RREE 192.473-RR (DJU de 29.8.97) e HC 71.835-MS (DJUde 22.11.96). Outra decisão bastante profícua foi proferida pelo Min. Néri daSilveira, em ação acerca de crimes de abuso de autoridade e lesões corporaispraticadas por policiais militares, pugnou pela competência da Justiça Federal,sob a alegação de atentado a serviço de interesse da União na pessoa de ente dasua Administração Indireta, FUNAI. Leia-se:

“A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto peloMinistério Público Federal para, reformando acórdão do TRF da 1ªRegião, afirmar a competência da justiça federal para julgar crimes deabuso de autoridade e de lesões corporais praticados por policiaismilitares contra silvícola, no interior de reserva indígena. Considerou-se que o caso se enquadra no art. 109, IV e XI, da CF ("Aos juízesfederais compete processar e julgar:... IV - os crimes políticos e asinfrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ouinteresse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresaspúblicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência daJustiça Militar e da Justiça Eleitoral;... XI - a disputa sobre direitosindígenas."), porquanto configurado o atentado ao serviço da União deproteção ao índio, sendo os delitos cometidos por policiais que, emprincípio, deveriam prestar assistência à comunidade indígena.Determinou-se a remessa dos autos à Seção Judiciária do Estado deRoraima. Precedente citado: RECr 192.473-RR (DJU de 29.8.97).RECr 206.608-RR, rel. Min. Néri da Silveira, 11.5.99."

Assim, concluímos que a competência para julgamento de delitos cometidoscontra indígenas, quando não possuírem o necessário nexo deinternacionalidade do art. 109, V, da CF, poderá ser também da Justiça Federal,de acordo com o art. 109, incisos IV e XI, em nome dos direitos dos mesmos,que devem ser protegidos pela União.

10.4 O crime de tráfico de mulheres (Convenção para Repressão aoTráfico de Mulheres e Crianças de Lake Sucess, Estados Unidos, 1947,aprovada pelo Decreto Legislativo 7/50) e o envio ilegal e tráfico demenores (Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pelo DecretoLegislativo 28/90 e promulgada pelo Decreto 99.710/90);

47 Convenção n° 107, sobre a Proteção e Integração das Populações Tribais e Semi-Tribais dePaíses Independentes.48 RE 179.485-2-AM, DJU 10.11.1995, p. 38.326.

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O crime de envio ilegal e tráfico de menores vem delineado pelo art. 239 doEstatuto da Criança e do Adolescente, com recentíssimas modificações:

“Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao enviode criança ou adolescente para o exterior com inobservância dasformalidades legais ou com o fito de obter lucro:

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:(Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da penacorrespondente à violência.”

Da compreensão deste tipo penal, percebe-se que ele pune o criminoso haja ounão o intuito lucrativo. Quando existir um processo de adoção internacionalque não observe as formalidades legais do art. 52 do ECA, mesmo não havendoo intuito fraudulento ou lucrativo, e ainda assim o interessado auxilie oupromova o envio irregular de menor para o exterior, estará ele cometendo ocrime em estudo, e o julgamento deverá ser da competência da JF. Mas, namaioria das vezes, ocorre o intuito lucrativo neste envio ilegal, ou então ocorreo emprego de violência, ameaça ou fraude. É nestas situações que se vivencia otráfico de menores. Ficamos com a assertiva de Damásio de Jesus, quandoafirma que: “o tráfico envolve a movimentação de crianças de seu local demoradia para um novo local e, consequentemente, sua exploração em algumestágio deste processo. É a combinação entre a movimentação e a exploraçãoque caracteriza o tráfico, não importando o momento em que ocorre aexploração e qual o tipo de exploração a que a criança é submetida. O tráficoé um ato de violência, mas a violência per se nem sempre é empregada, pois,em alguns casos, os traficantes tiram vantagem da vulnerabilidade das pessoasque passam por uma situação desfavorável, que não lhes permite fazerescolhas, por exemplo, imigrantes ilegais49”.

Portanto, irregularidades como uma adoção internacional que não obedeça asformalidades legais; ou práticas outras como adoção internacional fraudulenta,tráfico de menores para execução de trabalhos forçados ou para turismo sexual,prostituição infantil ou exploração sexual, devem ser combatidas,indubitavelmente, pelo aparato judiciário da União.

Por sua vez, o crime de tráfico de mulheres, em uma de suas facetas, estádescrito em nosso Código Penal, art. 231:

“Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, demulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher quevá exercê-la no estrangeiro:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

49 JESUS, Damásio de. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças: Brasil: aspectosregionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 139-140.

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§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.§ 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é dereclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente àviolência.§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se tambémmulta.”

Insta observar, ab initio, que o consentimento da mulher traficada é irrelevantepara a consumação do delito, devendo ser ela tratada como vítima, mesmo quetenha consentido na movimentação de um país a outro. O tráfico de mulheres,bem como o tráfico de menores, devem estar inseridos dentro de um contextomundial de combate ao tráfico de pessoas. Neste sentido, devemos nos reportarao Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas,especialmente mulheres e crianças, que veio a complementar a Convenção daONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em meados denovembro de 2000. Assim trata a matéria, seu art. 3°:

“a) Tráfico de pessoas deve significar o recrutamento, transporte,transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaçaou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, deengano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou dedar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimentopara uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito deexploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração daprostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ouserviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão,servidão ou a remoção de órgãos;b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para adesejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve serirrelevante onde qualquer um dos meios definidos no subparágrafo (a)tenham sido usados;c) O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento deuma criança para fins de exploração devem ser considerados “tráficode pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios definidos nosubparágrafo (a) deste artigo;d) “Criança” deve significar qualquer pessoa com menos de 18 anosde idade.”

Dissemos, supra, ser o art. 231 do CP uma das facetas do tráfico de mulheres,em vista do grave problema observado com o anacronismo desta disposição doCódigo Penal. Ela só tipifica o tráfico de mulheres quando destinado àprostituição, o que não se coaduna com a atualidade. O tráfico de mulheres,com o fito de se estabelecer a competência da Justiça Federal para seujulgamento, deve ser entendido em sentido lato. Ipso facto, referindo-se àdisposição protocolar supracitada, bem comenta o professor Damásio de Jesus:“Essa definição ampla tem, portanto, algumas qualidades incontestáveis. Ela

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procura, em primeiro lugar, garantir que as vítimas do tráfico não sejamtratadas como criminosas, mas sim como pessoas que sofreram sérios abusos.Nesse sentido, devem ser criados (...) serviços de assistência e mecanismos dedenúncia. Em segundo, coloca em destaque o tráfico de crianças e o consideraum capítulo à parte, dentro do enfoque dado pela Convenção sobre os Direitosda Criança e seus Protocolos opcionais. Em terceiro, enfoca o trabalhoforçado e outras práticas similares à escravidão e não se restringe àprostituição ou à exploração sexual. De fato, tudo revela que o tráfico englobaa prostituição ou outro tipo de trabalho sexual, trabalho forçado, casamentoforçado, adoção ilegal ou outra relação privada” 50.

Assim, a competência da Justiça Federal deverá se firmar sempre que ocorrer otráfico ou o envio ilegal de menores, seja qual for a finalidade; e o tráfico demulheres em qualquer de suas modalidades, isto é, mesmo que não seja parafins de prostituição, como nos casos de mulheres traficadas para tráfico deórgãos ou para trabalho forçado ou escravo.

10.6 O crime de tortura (Convenção contra a Tortura e outrostratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, aprovada peloDecreto Legislativo n°. 4, de 23.05.1989);

Apesar do Brasil ter aderido a vários acordos e convenções internacionais quecombatem os crimes contra os direitos humanos, como o é a tortura, a lutacontra esta, na prática, deixa bastante a desejar. Constante é a violação dedireitos humanos em nossa pátria. A realidade é de um diário clima deinsegurança, e uma inaceitável sensação – principalmente nas camadas maispobres da sociedade -, de ignorância daqueles em quem deveremos confiar.Isto, indubitavelmente, provoca indignações nas nações com as quais travamosrelações internacionais e que possuem sistemas de direitos humanosconsolidados.

A jurisprudência, infelizmente, tem ido neste sentido: quando a tortura nãopossuir o aspecto de internacionalidade que exige o inciso V do art. 109, apersecução criminal e o julgamento de delitos desta espécie estarão afetos ãJustiça dos Estados federados, consoante vem decidindo, inclusive, o PretórioExcelso. Como exemplo, leia-se a respeito, o HC 70389, julgado em 23.06.94:

E m e n t a: Tortura contra criança ou adolescente - Existência jurídicadesse crime no direito penal positivo brasileiro - Necessidade de suarepressão - Convenções internacionais subscritas pelo Brasil -Previsão típica constante do Estatuto da Criança e do Adolescente (Leinº 8.069/90, art. 233) - Confirmação da constitucionalidade dessanorma de tipificação penal - Delito imputado a policiais militares -Infração penal que não se qualifica como crime militar - Competênciada justiça comum do Estado-membro (...)”

50 JESUS, Damásio de. Op. cit., p. 9.

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Com essa postura adotada pelos tribunais, vê-se que o Brasil, emborasubstancialmente tenha procurado se alinhar àqueles países combatentes datortura, descurou em relação a propiciar meios processuais capazes de extirpartal mal de nossas vistas.

É cediço o fato de que os Estados de nossa nação, por razões culturais,econômicas, históricas e sociais, que se prolongam há dezenas de anos,distanciaram-se de uma atuação profícua em defesa dos direitos humanos,mormente quando dissecamos os aparatos policiais estaduais. Desta forma,entendemos, junto à imensa maioria da doutrina nacional, que os crimes contraos direitos humanos, incluindo-se a tortura, deveriam ser julgados pela JustiçaFederal. Esta mudança se faz mister diante da maior isenção política eabrangência nacional que possui a Justiça Federal e o correlato MinistérioPúblico Federal, isenção que não se vem observando com a obrigatoriedadenecessária no aparelhamento judiciário estadual.

A bem da verdade, violações a direitos humanos, em nosso entendimento,podem configurar crimes praticados em detrimento de interesse direto daUnião, o que permitirá concluir pela competência da Justiça Federal, sob o art.109, inc. IV, da CF. Basta ver que é a União a responsável pelodescumprimento de tratados internacionais de direitos humanos, como aconvenção que instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tema responsabilidade de interpretar e aplicar os preceitos do Pacto de San Jose daCosta Rica, acatado pelo Brasil; e de investigar e julgar casos de supostasviolações de direitos humanos consagrados em convenções do gênero, quevenham a ocorrer em nosso território. Nestes casos, havendo condenação, porviolações a estes consagrados direitos humanos, arcará a União (e não osEstados federados) com indenização pelos danos morais e materiais que avítima ou a família da vítima venha a sofrer, demonstrando então que a mesmapossui interesse direto e específico sobre lides criminais que versem sobre estetema. Superada estaria qualquer conclusão pela competência da Justiça ComumEstadual para o julgamento de crimes praticados em detrimento dos direitoshumanos, como é a tortura. Pressuposta e certa é a incoerência do ordenamentojurídico pátrio ao remeter à Justiça Estadual o julgamento dos crimes de torturaquando praticados sem o citado nexo de internacionalidade. Esperamos sejaaprovada a proposta da Reforma do Judiciário, ainda neste exercício de 2004,no tocante à criação de mais um inciso no art. 109 da CF, propiciando afederalização do julgamento dos crimes contra os direitos humanos.

Pensamos, inelutavelmente, com Flávia Piovesan, que “considerando que estashipóteses estão tuteladas em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, éa União que tem a responsabilidade internacional em caso de sua violação.Vale dizer, é sob a pessoa da União que recairá a responsabilidadeinternacional decorrente da violação de dispositivos internacionais que secomprometeu juridicamente a cumprir. Todavia, paradoxalmente, em face dasistemática vigente, a União, ao mesmo tempo em que detém aresponsabilidade internacional, não detém a responsabilidade nacional, já que

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não dispõe da competência de investigar, processar e punir a violação, pelaqual internacionalmente estará convocada a responder” 51.

10.7 O crime de pornografia infantil e pedofilia (Convenção sobre osDireitos da Criança, aprovada pelo Decreto Legislativo 28/90 epromulgada pelo Decreto 99.710/90).

Ressalte-se que, através do art. 34 do Decreto 99.710/90, o Brasil se predispôscom a comunidade internacional a tomar todas as medidas que se façamnecessárias para impedir a prática de delitos deste porte. Assim, presente ainternacionalidade de condutas de pedofilia e pornografia infantil digitais (oque ocorre na maioria dos casos), competente para o julgamento destes crimesé a Justiça Federal.

Uma das medidas foi o art. 241 da Lei 8.069/90, recentemente modificado,tratando deste odioso crime:

“Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar,por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial decomputadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia oucenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: (Redaçãodada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003) Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 10.764, de12.11.2003) I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia aparticipação de criança ou adolescente em produção referida nesteartigo; II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento dasfotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput desteartigo; III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial decomputadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagensproduzidas na forma do caput deste artigo. § 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos: (Incluído pelaLei nº 10.764, de 12.11.2003) I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício decargo ou função; II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou paraoutrem vantagem patrimonial.”

Como o crime pode ser praticado não só pelos meios usuais de comunicação,mas principalmente pela rede mundial de computadores, a Internet, o sujeito

51 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supra-Nacional: aexigência da federalização. Boletim Associação Nacional dos Procuradores da República, n.16, ago. 1999.

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ativo desta conduta delituosa pode estar ou não situado em território brasileiro.O controlador do site pode estar morando no Recife e hospedando seu sitepornográfico em outro país, veiculando fotos ou cenas de filmes quecontenham sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes. Em qualquersituação, ele deverá ser processado pela lei brasileira, conforme o disposto noart. 7°, inc, II, a e b. Isto será o bastante para que se configure a necessáriainternacionalidade da conduta, e a competência da Justiça Federal.

10.8 Os crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transaçõescomerciais internacionais (Convenção sobre o Combate da Corrupção deFuncionários Públicos Estrangeiros em Transações ComerciaisInternacionais, de 17.12.97, aprovada pelo Decreto Legislativo 125/2000 epromulgada pelo Decreto 3.678/2000).

Por meio do Decreto 3.678/2000, o Brasil se obrigou a combater a corrupçãoque envolvesse funcionário público estrangeiro. Assim, em 11.06.2002,passaram a viger em nosso ordenamento, introduzidos pela Lei 10.467, os arts.337-B e 337-C, do Código Penal:

“Corrupção ativa em transação comercial internacional

Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente,vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceirapessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato deofício relacionado à transação comercial internacional: (Artigoincluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, emrazão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiroretarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo deverfuncional.

Tráfico de influência em transação comercial internacional

Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou paraoutrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa devantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionáriopúblico estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado atransação comercial internacional: (Artigo incluído pela Lei nº10467, de 11.6.2002)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alegaou insinua que a vantagem é também destinada a funcionárioestrangeiro.”

A compreensão do conceito de funcionário público estrangeiro deve ser a maisampla possível, assim como ocorre com o funcionário público nacional. Arespeito, tal definição se encontra no art. 337-D do CP.

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Quando tais condutas forem praticadas com o nexo de internacionalidadenecessário, a competência para o julgamento, por conseguinte, estaráconsagrada à JF. Dessarte, se o ato do funcionário estrangeiro pretendido pelosujeito ativo dos delitos acima citados encontra-se relacionado com seutrabalho, no exterior, a competência será da Justiça Federal. Quando o atopretendido pelo criminoso for praticado no Brasil, noutra via, a competênciaserá da Justiça Comum Estadual.

11. COMPETENCIA NOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DOTRABALHO

À Justiça do Trabalho não foi destinada competência para decisão de nenhumacausa de natureza penal. Isto é muito facilmente aferido da leitura da CartaMagna, em seu art. 114. Conhecendo da prática de delitos deste escol, os juízeslaborais deverão comunicar os fatos à autoridade policial, ao MinistérioPúblico ou ao juízo competente.

É sabido que os crimes contra a organização do trabalho estão tipificados nosarts. 197 a 207 de nosso Código Penal. Contudo, não há uma estritacoincidência entre tais delitos e aqueles descritos no art. 109, VI, da CF/88,posterior e de maior hierarquia que o CP. É como bem analisa Roberto da SilvaOliveira:

“O sentido do termo na Constituição diz respeito à proteção dosdireitos e deveres dos trabalhadores em coletividade, como força detrabalho, não podendo ser confundido com aquele adotado pelo CódigoPenal, que pode conceber um mero crime contra o patrimônio de umempregado como crime contra a organização do trabalho” 52.

Assim, não necessariamente os crimes contra a organização do trabalho quesão mencionados no art. 109 da Carta Constitucional somente estarão dentre ostrazidos pelos arts. 197 a 207 do Código Penal. É como sói ocorrer com odelito de redução à condição análoga de escravo, citado à frente, que estáinsculpido no art. 149 do CP e pode ser considerado como crime contra aorganização do trabalho.

Vladimir de Souza Carvalho assim comenta os crimes contra a organização dotrabalho descritos na Constituição: “Serão aqueles que têm pertinência com osistema geral de órgão e instituição que preserva, em termos genéricos, osdireitos e os deveres dos trabalhadores em coletividade, como força detrabalho. Seria, por exemplo, o crime de instigar greve quando não autorizadaou impedi-la, quando permitida; ou que impeça de funcionar umaconfederação de sindicatos etc. Tais seriam crimes contra a Organização doTrabalho, em sentido próprio, a que, evidentemente, quis referir-se àConstituição.” 53

52 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 92.53 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 365.

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Assim, para que a análise desta competência da Justiça Federal não fosse tãosimplista, o antigo Tribunal Federal de Recursos editou a Súmula 115, quepacificou imensamente a questão, afirmando que: “compete à Justiça Federalprocessar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenhampor objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadoresconsiderados coletivamente”.

Alguns fatos apontados como crimes contra a organização do trabalho nãopassam de mero delito de dano. Isto costuma ocorrer em atos de violência,praticados durante movimentos grevistas, por pessoas que nem mesmo étrabalhadora em empresas relacionadas ao movimento paredista. Por óbvio quea conduta deve ser tratada como crime contra o patrimônio.

Por vezes, órgãos federais como o Ministério do Trabalho e a Justiça doTrabalho são afetados por condutas que os induzem a erros, como nasfalsificações e usos de documentos falsos. Nestes casos, a competência daJustiça Federal se determinará pelo art. 109, inciso IV, da CF, e não pelo fatode que a organização do trabalho restaria afetada.

Quanto aos delitos decorrentes de greve, impende ressaltar que não maissubsiste a regra do art. 125, inciso VI, da CF/69, destinando à Justiça Federal acompetência para julga-los. No caso concreto, caberá ao julgador verificar se ocrime praticado em movimentos grevistas efetivamente atenta contra aorganização do trabalho, coletivamente considerada. Somente assim, seriacompetente a Justiça Federal.

Vale abrir um parêntesis sobre o abominável crime de submissão e redução àcondição análoga a de escravo, que foi bastante modificado pela novel Lei10.803/2003. O art. 149 do Código Penal assim fala:

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quersubmetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quersujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com oempregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da penacorrespondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Parágrafo incluído pela Lei nº10.803, de 11.12.2003)I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte dotrabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera dedocumentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo nolocal de trabalho.

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§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Parágrafoincluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)I – contra criança ou adolescente;II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

Discute-se se este delito seria ou não da competência da Justiça Federal, a teordo art. 109, VI, da Constituição. Cremos que, quando se está diante da reduçãode alguém à condição de escravo, se encontra eivado de morte, no mínimo, umdireito coletivo dos trabalhadores: a garantia constitucional ao salário, contra-prestação ao trabalho produzido pelo trabalhador. Indiscutível que a prática doescravismo desestabiliza qualquer sistema de organização e proteção dotrabalho, levando à míngua seus correlatos direitos. Inolvide-se que, na quasetotalidade dos casos apurados pela Polícia, não é encontrado apenas um ou doistrabalhadores escravos, mas sim vários, compondo um sistema imbricado deescravização praticada por quadrilhas organizadas, geradoras de umaverdadeira legião de trabalhadores que vivem e laboram em condições sub-humanas e indignas, e que não condizem com nenhum Estado Democrático,demonstrando ser uma vergonha nacional a insistente existência de cidadãostrabalhando sem receber salário.

Ainda, além de afetar drasticamente a organização do trabalho, tal delito vai deencontro a interesse direto da União. O Brasil firmou as Convenções 29 e 105da Organização Internacional do Trabalho. A Convenção 29 foi aprovada peloDecreto Legislativo n°. 24, de 29.05.56 e promulgada pelo Decreto n°. 41.721,de 25.06.57. Já a Convenção 105 teve seu conteúdo aprovado pelo DecretoLegislativo n°. 20, de 30.04.65, com promulgação dada pelo Decreto 58.822,de 14.07.66. Em ambas as convenções, o Brasil, através da União, que é entede direito público interno e exclusivamente representa o Estado brasileiro nasrelações exteriores, se comprometeu a adotar medidas eficazes no objetivo deabolir imediata e completamente o trabalho forçado ou escravo. Há, inclusive,equipes montadas de servidores federais incumbidos de combater estas nocivaspráticas, como o GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao TrabalhoForçado e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, este atuando com o apoiologístico da Polícia Federal. Nítido e inconfundível o interesse direto da Uniãona solução deste tipo de delito, consagrando, por conseguinte, a competênciada Justiça Federal para o seu deslinde.

12. COMPETENCIA NOS CRIMES CONTRA O SISTEMAFINANCEIRO E A ORDEM ECONÔMICO-FINANCEIRA. CRIMESDE LAVAGEM DE DINHEIRO.

O inciso VI, do art. 109 da CF/88 dispõe que a Justiça Federal será declaradacompetente para decidir causas relacionadas a “crimes contra a organização dotrabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e aordem econômico-financeira”.

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Com isso, demonstrou o Constituinte que deve haver uma preocupação maiorpor parte da União com a manutenção do Sistema Financeiro Nacional e daordem econômico-financeira.

Esta norma constitucional, como se vê, precisa ser complementada pelalegislação ordinária, que determinará em quais casos de crimes contra osistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira será competente aJustiça Federal.

12.1 Crimes contra o Sistema Financeiro.

Rodolfo Tigre Maia assim descreve estes delitos: “...são criminalizadasaquelas ações ou omissões humanas, praticadas ou não por agentesinstitucionalmente ligados ao sistema, dirigidas a lesionar ou a colocar emperigo o SFN, enquanto estrutura jurídico-econômica global valiosa para oEstado brasileiro, bem como as instituições que dele participam, e opatrimônio dos indivíduos que nele investem suas poupanças privadas” 54.

A legislação ordinária a que se refere o Constituinte é a Lei n°. 7.492/86, afamosa Lei do Colarinho Branco, que define os crimes contra o SistemaFinanceiro Nacional. Em seu art. 26, caput, assim está preceituado: “A açãopenal, nos crimes previstos nesta Lei, será promovida pelo Ministério PúblicoFederal, perante a Justiça Federal”.

Assim, excluídos da competência da JF estão os delitos previstos na Lei n°.4.595/64 (v.g. o delito de concessão de empréstimos vedados insculpido no art.34 da Lei), em vista deste diploma legal nada dispor acerca da competência daJustiça Federal para os crimes nele capitulados.

Relevante é a assertiva de que vários tipos de empresas e pessoas sãoequiparadas às instituições financeiras, pelo parágrafo único do art. 1° da Leide Colarinho Branco55. Portanto, estas empresas e empresários também podempraticar os delitos contra o Sistema Financeiro e serem processados perante aJustiça Federal.

Em compasso com a Súmula 122 do STJ, havendo conexão entre crime contrao Sistema Financeiro Nacional e crime da competência do Juízo Estadual, “ofórum attractionis será o da justiça federal não ocorrendo a cisão deprocessos.56” Assim, a competência federal se firmará mesmo que hajaconexão com crimes da alçada da Justiça Estadual, como os crimesfalimentares. 54 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 15.55 “(...)Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ouqualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda quede forma eventual”.56 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 152.

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Noutro lado, a competência será da Justiça Estadual quando houver a prática decrimes contra a economia popular, em geral tipificados na Lei n°. 1.521/51. Hásúmula do Pretório Excelso, nesta direção. É a de n° 498, nestes termos:“Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e ojulgamento dos crimes contra a economia popular”.

12.2 Crimes contra a ordem econômico-financeira

Como já dissemos, precisa ser regulamentada pela legislação ordinária a normaque o constituinte dispôs na parte final do inciso VI do art. 109. Tal legislaçãoditará em quais casos de crimes contra a ordem econômico-financeira serácompetente a Justiça Federal.

Os crimes contra a ordem econômico-financeira, no entender da maioria dosdoutrinadores, abarcam os crimes contra o sistema financeiro. Com esteposicionamento, entende-se que a Lei n° 7.492/86 também define crimes queafetam a ordem econômico-financeira.

Entretanto, as leis que definem crimes contra a ordem econômico-financeirastrictu sensu mais conhecidas são, em suma, a Lei n°. 8.137/90 e a Lei n°.8.176/91. E, como estes diplomas legais não têm disposição específica nosentido da competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes nelesprevistos, a jurisprudência, pacificamente, se direcionou a firmar acompetência da Justiça Comum Estadual para a decisão destas lides criminais.Com efeito, através do art. 24, I, da Carta Maior, vê-se a competênciaconcorrente para se legislar sobre direito econômico.

No entanto, mesmo na ocorrência dos crimes capitulados nestas Leis, acompetência da Justiça Federal poderá se firmar. Basta que afetem a ordemeconômica e financeira da União e seus entes, ou que violem bens, serviços ouinteresses destes e a competência da Justiça Federal se firmará, através do art.109, inciso IV, da CF.

E tal competência se dá, certamente, quando a União institui autarquiasrelacionadas à fiscalização de determinadas atividades econômicas, nos termosdo art. 174 da CF, para a observação da consecução dos princípiosestabelecidos no art. 170 da Carta Magna.

Entre estas autarquias federais podem ser citadas a Agência Nacional doPetróleo – ANP, criada pela Lei n°. 9.478/9657, e o CADE, regulado pela Lein°. 8.884/9458. 57 “Art. 7° Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo - ANP, entidade integrante daAdministração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgãoregulador da indústria do petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.”58 “Art. 3º O Conselho Administrativo de Defesa Econômica ( Cade), órgão judicante comjurisdição em todo o território nacional, criado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962,passa a se constituir em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e forono Distrito Federal, e atribuições previstas nesta lei.”

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Quanto à ANP, devem ser rememoradas as disposições do caput do art. 8° daLei que a instituiu, reforçando seu caráter regulador de atividades econômicas:

“Art. 8° A ANP terá como finalidade promover a regulação, acontratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes daindústria do petróleo, cabendo-lhe: (...)”

Inolvide-se também a participação do Ministério Público Federal nos processosda competência do CADE, como dispõem os arts. 1059, IV e 1260 da Lei8.884/94.

Assim, na ocorrência de delitos contra a ordem econômica, tipificados, v.g., noart. 1° da Lei 8.176/91 e no art. 4° da Lei 8.137/90, que venham a afetar oserviço da União e de suas autarquias, como a ANP e o CADE, competentepara dirimi-los é a Justiça Federal.

Insta observar, com Roberto da Silva Oliveira, que “o pagamento do tributo ede seus acessórios, antes do recebimento da denúncia, acarreta a extinção dapunibilidade, nos crimes da Lei 8.137/90, nos termos do art. 34 da Lei9.429/95; e mais recentemente o art. 15, §3°, da Lei 9.964/2000 previu amesma hipótese para os tributos e contribuições sociais objeto de concessão deparcelamento61”.

12.3 Crimes de lavagem de dinheiro

No tocante aos delitos de lavagem de dinheiro, a Lei n°. 9.613/98, em seu art.2°, dispõe expressamente que:

“Art. 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: (...)III - são da competência da Justiça Federal: a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordemeconômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interessesda União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;b) quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal.”

59 “Art. 10. Junto ao Cade funcionará uma Procuradoria, com as seguintes atribuições: (...) IV - promover acordos judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordemeconômica, mediante autorização do Plenário do Cade, e ouvido o representante do MinistérioPúblico Federal;”60 “Art. 12. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designarámembro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, oficiar nos processos sujeitos àapreciação do Cade. Parágrafo único. O Cade poderá requerer ao Ministério Público Federal que promova aexecução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidasjudiciais, no exercício da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6º da LeiComplementar nº 75, de 20 de maio de 1993.”61 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 96.

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Desta forma, a competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimesprevistos na Lei 9.613/98 se dará nas seguintes hipóteses:

- quando o crime afetar algum ente federal lato sensu;- quando o crime for cometido em detrimento do sistema financeiro;- quando o crime for cometido em detrimento da ordem econômico-

financeira;- ou quando o delito anterior ao crime de lavagem for de competência da

Justiça Federal.

O fato de serem afetados bens ou interesses de ente federal já foi objeto denosso estudo, havendo disposição constitucional neste sentido (art. 109, IV),independente da natureza do crime praticado.

Quando a lavagem de dinheiro atingir o sistema financeiro e a ordemeconômico-financeira, temos que a competência se firmará pela JF,independente de haver prévia permissão legal, como preleciona o art. 109, VI,da CF. Esta observação é importante, visto que as Leis 8.137/90 e 8.176/91 nãopossuem dispositivo legal que culmine a competência à Justiça Federal, parajulgamento dos crimes contra a ordem econômica nela previstos. Já os crimestratados na Lei 7.492/86, como vimos, são sempre da competência da JF, a teorde seu art. 26.

Os crimes passíveis de anteceder a lavagem de dinheiro, por serempropiciadores de uma enorme lesividade social e geradores de consideráveisbenefícios econômicos, estão descritos, numerus clausus, nos sete incisos doart. 1° da Lei 9.613/98. São eles: tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;terrorismo; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado àsua produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra a AdministraçãoPública; crimes contra o sistema financeiro nacional e crimes praticados pororganização criminosa. Quando uma destas condutas, citadas genericamente,anteceder ao crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, e tiverque ser julgada pela Justiça Federal, consoante as pertinentes disposiçõesconstitucionais, fixada estará a competência da Justiça Federal também para ojulgamento do crime de lavagem de dinheiro.

Vale dizer que a comprovação da conduta antecedente não é plena. Basta quese forneçam ao Juízo os indícios suficientes de sua existência. É desnecessárioque haja sentença ou processo em andamento confirmando a existência dodelito anterior, ou mesmo que haja autoria delimitada ou punibilidade do autor,em consonância com o §1° do art. 2° da Lei 9.613/98.

O julgamento do crime de lavagem de dinheiro, ainda, independe de processoanterior para julgamento do crime antecedente, conforme o art. 2°, inc. II62, da

62 “ Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:(...)II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigoanterior, ainda que praticados em outro país;”

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Lei supracitada. Assim, embora, a despeito do art. 76, II e III do CPP,tenhamos que tratar o crime de lavagem de dinheiro e seu respectivoantecedente como crimes conexos, reunindo os processos e proferindojulgamento comum, é a Lei de Lavagem de Dinheiro que cria uma outranormatividade impondo, por conseqüência, a separação dos processos.Inolvidemos o art. 80 de nosso Código de Processo Penal, que traz regras queexcepcionam o critério de modificação da competência criado pela conexão,ditando regra semelhante:

“Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando asinfrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou delugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e paranão Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante,o juiz reputar conveniente a separação.”

13. COMPETENCIA NO HABEAS CORPUS

A teor do art. 109, inciso VII, da CF/88, a Justiça Federal é competente parajulgar os habeas corpus em duas hipóteses: quando for matéria criminal de suacompetência, ou quando o constrangimento provier de autoridade a elaprocessualmente subordinada (através de critérios que veremos adiante). Porvezes, podem ocorrer as duas hipóteses em um só caso, conquanto a existênciade apenas um dos requisitos já garanta a competência da Justiça Federal.

A primeira hipótese se trata de crime da competência de juiz federal. Sabe-seque a matéria criminal a ser julgada pela Justiça Federal se encontra nos incisosIV, V, VI, IX, X e XI do art. 109 da CF. Assim, quando forem praticados atosconstrangedores da liberdade de locomoção do indivíduo durante a persecuçãopenal acerca destas matérias, a competência para decidir os habeas corpusdeverá ser da Justiça Federal.

Quanto à segunda hipótese, para aferir se uma autoridade federal estará sujeitaà competência da Justiça Federal, como determina o critério interpretativo doart. 109, VII, in fine, a operação se realizará por exclusão. Definir-se-á acompetência em razão da qualificação da autoridade coatora, e de sua não-vinculação a outra jurisdição, sendo totalmente irrelevante a qualificação dopaciente.

Assim, devem ser excluídos da competência da Justiça Federal os habeascorpus contra atos praticados por autoridades federais submetidas ao STF (art.101, I, d e i, da CF), ao STJ (art. 105, I, c, da CF), aos TRF’s (art. 108, I, d, daCF), à Justiça Militar e à Justiça Eleitoral.

Vale ressaltar que a Justiça Trabalhista não é competente para julgar habeascorpus provenientes de atos de juízes seus, devido a sua especialização paradirimir as lides laborais. Desta forma, através da análise do art. 108, I, a, da CF,conflui-se que a competência para tanto deve ser dos Tribunais RegionaisFederais, e não da Justiça Federal de primeira instância. O TRF da 1ª Região

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editou a súmula 10, neste sentido: “Compete ao Tribunal Regional Federalconhecer de habeas corpus quando o coator for juiz do trabalho” .

Por este mesmo raciocínio, atrelado à letra do art. 108, I, a, da CF, chega-se àconclusão de que em relação a habeas corpus relacionados a atos oriundos demembros do MPU, que constranjam a liberdade de locomoção do indivíduo, acompetência deverá ser, também, fixada nos TRF’s. Vladimir Souza Carvalhotraz esta contribuição: “...não é da Justiça Federal a competência paraprocessar e julgar habeas corpus impetrado contra ato praticado por membrosda 1ª instância do MPF (Juiz Hermes S. da C. Júnior, HC 1998.04.01.068317-6-SC, DJU-II 16.12.98, p. 319)” 63.

14. COMPETENCIA NOS CRIMES PRATICADOS A BORDO DENAVIOS E AERONAVES

Com o objetivo de delimitarmos quais seriam as aeronaves e navios inseridasdentro desta regra, relembremos a teoria do território ficto, disposta nos §§ 1° e2° do art. 5° de nosso Código Penal:

“Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções,tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido noterritório nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do territórionacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza públicaou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bemcomo as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou depropriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreocorrespondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de11.7.1984)§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados abordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedadeprivada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou emvôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou marterritorial do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

Pertencem à competência da Justiça Federal o julgamento de todos os crimesque sejam praticados nas aeronaves e navios, sejam eles consumados outentados, independente da posição social do sujeito ativo e do sujeito passivo.

Também é dispensável o nexo de internacionalidade, requisito necessárioapenas para a hipótese do inciso V do art. 109 da Constituição de 1988.Destarte, mesmo que o crime seja praticado em viagens domésticas, a bordo denavios e aeronaves nacionais, sem envolvimento de qualquer elemento extra-nacional, a competência será da Justiça Federal.

Ressalva-se a competência jurisdicional da Justiça Militar, visto que as ForçasArmadas possuem seus próprios esquadrões, tornando-se inarredável que, na 63 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 388.

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ocorrência de crimes em aeronaves e navios militares, o julgamento para osmesmos compita à Justiça Castrense.

O argumento utilizado para destinar à Justiça Federal a competência para ojulgamento de crimes previstos em tratados e convenções internacionais -relacionado às atribuições constitucionais da União, dispostas no art. 21, I, daCF - é o mesmo de que se utilizou o Constituinte para destinar a competênciarelacionada a estes casos à Justiça Federal.

Quanto aos navios, vale grifar que o entendimento jurisprudencial consagrado éde que embarcação de pequeno porte não deve ser entendida como navio,somente o sendo as embarcações de navegação em alto-mar.

Vejamos Vladimir Souza Carvalho: “A Constituição, ao usar a palavra navio,não se refere à embarcação qualquer, mas àquelas a que assim designa alinguagem comum, isto é, embarcações de tamanho e autonomiaconsideráveis. O termo navio, utilizado na norma constitucional, nãocompreende as embarcações de pequeno calado, impróprias para a navegaçãoem alto-mar. A regra constitucional não abrange embarcações de pequenoporte (Min. Décio Miranda, CC 1.998-SP. DJU 20.10.77, p. 7.334, RTFR57/171, CC 2.758-SP, DJU 13.09.76, p. 7.884, CC 2.800-SP, DJU 01.11.76, p.9.496; Min. Flaquer Scartezzini, CC 5.047-SP, DJU 25.08.83, p. 12.560)64“.

Isto posto, não é fixada a competência da Justiça Federal quando os crimes sãopraticados em embarcação de pesca litorânea, pequenas embarcações detransporte de passageiros, botes, lanchas de passeio, barcos de madeira commotor de popa etc.

Por sua vez, o conceito de aeronave é trazido pelo art. 106 da Lei 7.565/86(Código Brasileiro de Aeronáutica), quando diz que “considera-se aeronavetodo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaçoaéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas”.Vladimir Souza Carvalho acrescenta dois outros requisitos: “tamanho eautonomia considerável, a fim de afastar da competência da Justiça Federal oscrimes cometidos a bordo de aeronaves de pequeno porte65”. Roberto da SilvaOliveira discorda deste entendimento. Alega o doutrinador que “a competênciada Justiça Federal se firma independentemente do porte e da autonomia daaeronave, em face da escorreita interpretação deste termo” 66. Pensamos queassiste razão ao último, porquanto estaríamos diante de uma seletividade quenão foi desejada pelo Constituinte, quando este referiu-se a crimes praticadosem aeronaves.

A seção judiciária competente será definida pelo primeiro porto brasileiro emque o navio atracar, ou em que a aeronave pousar, após a prática do delito, ateor dos arts. 89 e 90 do Código de Processo Penal.

64 CARVALHO, Vladimir de Souza. Op. cit., p. 380.65 Idem, ibidem, p. 381.66 OLIVEIRA, Roberto da Silva. Op. cit., p. 109.

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Por fim, questão interessante ocorre quando, na prática do delito de tráficointernacional de entorpecentes, o cidadão é preso em flagrante no interior deaeronave, ao desembarcar em municipalidade que não seja sede da JustiçaFederal. Alguns juízes, nestes casos, têm excluído a competência da JF, sob oargumento de que, pelo fato da aeronave ser apenas elemento sugestivo dainternacionalidade do tráfico, mas não elemento definidor do tráficointernacional; a Justiça Estadual seria a competente, através da delegaçãocontida no art. 27 da Lei 6.368/76. Tal raciocínio, desrespeitando os fins a quese propõe o art. 109, inc. IX, da Carta Magna, não merece prosperar. Valegrifar o recente entendimento de nosso colendo STJ, que deve sobrepairaracima das decisões em sentido contrário:

“PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES.COMPETÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VARA FEDERAL NO LOCALDO CRIME.. LEI 6.368/76, ART. 23.DELITO COMETIDO A BORDODE AERONAVE. CF, ART. 109,IX.1. Ante a ausência de previsão legal, não é possível o exercício dajurisdição federal pelo juiz estadual, por delegação, em caso de crimecometido a bordo de aeronave.2. Habeas Corpus conhecido, pedido indeferido.67”

15. CONCLUSÃO

Com as linhas que acima escrevemos, queremos crer ter colaborado para aelucidação de questões controversas acerca da competência da Justiça Federalpara dirimir lides criminais. Certamente não pudemos aprofundar o estudo damaneira almejada, num ou noutro tópico, mas fica ao leitor a mensagem de quequisemos ser o mais abrangente possível, em vista da variedade de temas quesão regidos pela Justiça Federal. Tentamos trazer à colação as mais atuaisdecisões judiciais e a mais creditada doutrina a respeito dos temas aquitratados. Por fim, este estudante, agradecendo a paciência e atençãodispensadas na leitura deste prolongado artigo, apenas requer ao prezado leitor-operador do Direito que se insira nos debates científicos a respeito destestemas, para que cada vez mais evitemos a nulidade e a inutilidade de inquéritose processos judiciais criminais, causados por uma má indicação da autoridadecompetente.

67 HC 14108, j. 10/10/2000, Rel. Min. Edson Vidigal, RSTJ 143/468.

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