07 - competência, justiça militar

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LFG – PROCESSO PENAL – Aula 07 – Prof. Renato Brasileiro – Intensivo I – 27/03/2009 3. ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA 3.1. Competência RATIONE MATERIAE No processo penal, a competência ratione materiae é estabelecida em razão da natureza do crime praticado. É só você pensar o seguinte: crimes eleitorais são julgados pela justiça eleitoral. Crimes militares são julgados pela justiça militar. Crimes “federais” são julgados pela justiça federal. Em todos esses pontos, eu estou estabelecendo a competência em razão do crime praticado, daí se dizer que a competência é ratione materiae. 3.2. Competência RATIONE PERSONAE (foro por prerrogativa de função) Em relação a esta competência, apesar de pessoa, é legal você usar a expressão competência por prerrogativa de função. Quando a mídia vai se referir a essa espécie de competência, ela usa a expressão foro privilegiado. Cuidado para não usar isso. Tecnicamente, não há que se falar em privilégio. O que há é uma proteção da função exercida pelo agente. Então, se o Ronaldo Esper é eleito deputado federal, a competência para o julgamento do crime praticado por ele (furto de vasos em cemitério) se desloca para o Supremo no momento em que ele é diplomado. 3.3. Competência RATIONE LOCI (territorial) Aqui, a competência territorial do processo penal, pelo menos em regra (depois veremos com mais detalhes), é determinada em razão do local da consumação do delito. O cidadão praticou um crime em São Paulo, por mais que ele seja preso em Santos, a competência territorial seria de São Paulo. 96

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3. ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA

3.1. Competência RATIONE MATERIAE

No processo penal, a competência ratione materiae é estabelecida em razão da natureza do crime praticado.

É só você pensar o seguinte: crimes eleitorais são julgados pela justiça eleitoral. Crimes militares são julgados pela justiça militar. Crimes “federais” são julgados pela justiça federal.

Em todos esses pontos, eu estou estabelecendo a competência em razão do crime praticado, daí se dizer que a competência é ratione materiae.

3.2. Competência RATIONE PERSONAE (foro por prerrogativa de função)

Em relação a esta competência, apesar de pessoa, é legal você usar a expressão competência por prerrogativa de função.

Quando a mídia vai se referir a essa espécie de competência, ela usa a expressão foro privilegiado. Cuidado para não usar isso. Tecnicamente, não há que se falar em privilégio. O que há é uma proteção da função exercida pelo agente.

Então, se o Ronaldo Esper é eleito deputado federal, a competência para o julgamento do crime praticado por ele (furto de vasos em cemitério) se desloca para o Supremo no momento em que ele é diplomado.

3.3. Competência RATIONE LOCI (territorial)

Aqui, a competência territorial do processo penal, pelo menos em regra (depois veremos com mais detalhes), é determinada em razão do local da consumação do delito. O cidadão praticou um crime em São Paulo, por mais que ele seja preso em Santos, a competência territorial seria de São Paulo.

3.4. Competência FUNCIONAL

É essa competência que dá problema, que o aluno confunde.

“A competência funcional é aquela estabelecida conforme a função que cada um dos órgãos jurisdicionais exerce no processo.”

Essa competência subdivide-se em 3:

a) Competência funcional POR FASE DO PROCESSO – “De acordo com a fase do processo, um órgão jurisdicional diferente exercerá a competência.”

Dependendo da fase, será um órgão jurisdicional competente. O melhor exemplo é o chamado processo bifásico do júri. Aqui, o procedimento bifásico comporta uma primeira fase é

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conhecida como sumário da culpa ou iudicium accusacione. E você tem uma segunda fase, aqui no Tribunal do Júri, conhecida como juízo da causa ou iudicium causae. A depender da fase onde estivermos, um órgão jurisdicional diferente vai exercer a diferente. O juiz da primeira fase do júri é o chamado juiz sumariante. Nesta primeira fase ele pode dar quatro decisões:

1) Ele pode pronunciar, mandando o réu a júri; 2) Ele pode desclassificar, entendendo que não é crime doloso contra a vida; 3) Ele pode absolver sumariamente, 3) Ele pode entender que não há prova suficiente e impronunciar o acusado.

Na segunda fase, a situação é diferente. Aqui, teremos a presença do juiz presidente e no dia do julgamento, vamos chamar os 25 jurados entre os quais 7 irão compor o conselho de sentença. Esse é o melhor exemplo de competência funcional por fase do processo. Está na primeira fase, é um órgão jurisdicional (juiz sumariante), está na segunda fase, o tribunal do júri.

c ) Competência funcional POR OBJETO DO JUÍZO – “Cada órgão jurisdicional exerce a competência sobre determinadas questões a serem decididas no processo.”

A depender da questão a ser decidida, você vai ter um órgão jurisdicional para decidir. O melhor exemplo citado pela doutrina também é o do tribunal do júri, só que na segunda fase. Por quê? Porque no júri temos um órgão colegiado heterogêneo, composto pelo juiz-presidente e pelos sete jurados. Vamos imaginar que você tenha ido assistir a uma sessão de julgamento com sua tia-avó. Vocês chegam lá e a tia-avó vira pra você e diz que não entende por que tem o homem da capa preta no alto da mesa e aqueles sete indivíduos com cara de leigos estão ali. Aí você explica: “Tia-avó, ali é competência funcional por objeto do juízo, ou seja, depende da questão a ser decidida porque os jurados decidem tudo relacionado à autoria e materialidade. Daí a importância dos quesitos. O juiz presidente analisa todas as questões de direito. Se eu arguo uma nulidade, é o juiz-presidente que analisa, assim como é ele quem fixa a pena. Daí se chamar isso de competência funcional por objeto do juízo.

A Natália é casada e lá existe competência funcional por objeto do juízo. A depender da questão a ser decidida, ou o marido dela decide ou é ela. Por exemplo, vai ter um jantar na casa dela. Quem decide o prato? A esposa. Quem decide a bebida? O marido. É um exemplo de competência funcional por objeto do juízo.

d) Competência funcional POR GRAU DE JURISDIÇÃO – Isso aqui, nada mais é, do que a competência recursal. É a competência que divide os órgãos jurisdicionais entre superiores e inferiores.

4. CLASSIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA

4.1. Competência HORIZONTAL e competência VERTICAL

Competência funcional horizontal – o nome fala tudo. Os órgãos jurisdicionais aqui estão no mesmo plano hierárquico. Estão todos no mesmo plano. A competência do processo é uma competência funcional horizontal. A competência por objeto do juízo também.

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Competência funcional vertical – os órgãos jurisdicionais estão em planos hierárquicos distintos. Aqui entra a competência por grau de jurisdição.

4.2. Competência ABSOLUTA e competência RELATIVA

A doutrina ainda faz uma outra classificação. Vamos analisar as diferenças entre a chamada competência absoluta de competência relativa. Tema importante no processo civil e também no processo penal, sobretudo relacionado com o tema nulidades.

Quando se diz que a competência é absoluta, a competência está pensando em que interesse? No da parte ou no público? A competência absoluta é listada com fundamento em interesse de natureza pública. É o interesse público que leva à fixação dessa competência.

E no caso de uma competência relativa? Qual interesse é preponderante? O da parte. Aqui prevalece o interesse da parte.

Essa é uma primeira característica: interesse público e da parte.

Se uma competência é fixada em razaão de interesse público, pode ser modificada pela vontade das partes? Uma competência absoluta é improrrogável, ou seja, ela é imodificável. E uma competência relativa, estabelecida em virtude do interesse da parte? A competência relativa é prorrogável ou é derrogável. Essa é uma característica importante: a derrogabilidade, a prorrogabilidade da competência relativa (pode ser modificada pela vontade das partes).

Aí eu pergunto: O que acontece se uma regra de competência absoluta não for observada? Qual a consequência disso para o processo? Qual é a nulidade que vai ser gerada diante da inobservância de uma competência absoluta? É uma nulidade absoluta.

Quais são as duas características de uma nulidade absoluta que você tem que lembrar?

1ª Característica – “Nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer momento, mesmo após o trânsito em julgado, desde que em favor do acusado, mediante revisão criminal.” Ela atende os interesses da defesa.

2ª Característica – “O prejuízo é presumido.” Isso é uma maravilha. Se o prejuízo é presumido você tem que dizer: a regra não foi observada e pronto.

Imagine que um crime militar foi julgado na justiça comum e o cidadão absolvido. Será que ele pode ser processado novamente, agora na Justiça militar? Não. Ada diz que nesses casos de Incompetência absoluta, a decisão do juiz seria inexistente. Se ela diz que é inexistente, o cara terá que ser processado de novo, mas essa é uma posição minoritária.

“Decisão absolutória ou extintiva da punibilidade, ainda que prolatada com suposto vício de incompetência, é capaz de transitar em julgado e produzir efeitos, impedindo que o acusado seja processado novamente perante a justiça competente (STF: HC 86606).”

E do lado de cá? Qual é a consequência da inobservância de uma regra de competência relativa? Neste caso, o máximo que ela pode gerar, é uma mera nulidade relativa e aí, para que vocês possam entender, quais são as duas características de uma nulidade relativa que se contrapõe a uma nulidade absoluta?

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“A nulidade relativa deve ser arguida no momento oportuno sob pena de preclusão.”

“O prejuízo deve ser comprovado” – prejuízo é algo muito indeterminado. Quando se diz que o prejuízo será comprovado, esse ato que está escondido aí é mais ou menos o seguinte: “meu amigo, você não vai conseguir comprovar o prejuízo, então para de chorar.”

Um ponto-chave, que costuma cair em concurso, que difere uma regra de competência absoluta de uma relativa é o seguinte: o juiz pode declarar de ofício a sua incompetência? Absoluta e relativa ou somente a absoluta? É aí que o aluno erra porque traz essa regra do processo civil, mas no processo penal, qualquer uma das duas pode ser declarada de ofício. “A incompetência absoluta pode ser declarada de ofício e a incompetência relativa também pode ser declarada de ofício.” Cuidado para não confundir com o processo civil. O art. 109, do CPP avaliza esse raciocínio.

        “Art. 109.  Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.”

Como o artigo não diferencia a espécie de incompetência, a doutrina vai dizer que tanto a absoluta quanto a relativa pode ser declarada de ofício. Cuidado que isso cai em prova e o aluno erra. Erra mesmo! Porque vocês se lembram do processo civil e se esquecem que nesse ponto há diferença para o processo penal.

O que cai na prova é o seguinte: primeiro você tem que saber que pode declarar de ofício, mas pergunta-se: até quando o juiz pode declarar de ofício sua incompetência. Agora, no processo penal, temos um princípio que até então não existia no processo penal, que é o princípio da identidade física do juiz, art. 399, § 2º, do CPP.

        “§ 2o  O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”

O juiz que teve contato com a prova, salvo nos casos de promoção, aposentadoria e dispensa, deve sentenciar. Detalhe interessante: antes da Lei 11.719/08 dizia que a incompetência relativa poderia ser declarada de ofício pelo juiz até o momento da sentença. O juiz, então podia presidir toda a instrução, e na hora de sentenciar se dizer que incompetente e mandar para o juiz competente. Percebam que isso mudou. Se agora, vige o princípio da identidade física, eu pergunto: se o juiz for até o momento da sentença se fizer toda a instrução e quiser remeter para o outro juiz, o que esse outro juiz vai ter que fazer? Renovar a instrução, por conta desse princípio.

“Antes da Lei 11.719/08, a incompetência relativa podia ser declarada de ofício até o momento da sentença. Com a adoção do princípio da identidade física do juiz, só pode declarar de ofício até o limite da audiência.”

Agora não adianta mais o juiz fazer a instrução e depois mandar para o outro juiz porque esse segundo juiz teria que fazer toda a instrução de novo.

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Então, quais são as competências relativas e quais são as competências absolutas no processo penal?

Competência em razão da natureza do crime, por exemplo: as partes podem jogar para outro juiz? Um deputado federal pode abrir mão de ser julgado no Supremo? Só se ele renunciar. Um deputado cujo processo estava para ser julgado pelo Supremo na segunda, ele renunciou na sexta, só para tentar conseguir a prescrição.

A competência ratione materiae estabelecida em razão da matéria é absoluta. A competência ratione personae é absoluta. A competência ratione loci é relativa. A competência funcional é regra de competência absoluta.

Posto isto, vem o examinador: me dê exemplo de competência relativa. Aí o aluno se lembra só da competência territorial. Mas há outros exemplos de competência relativa. Cuidado porque são relativas ainda:

a competência fixada por prevenção (a gente vai estudar isso, que ocorre quando o juiz pratica o primeiro ato decisório),

a competência fixada por distribuição (também é relativa) e, por último, o Supremo entendeu que a hipótese de conexão também é relativa.

Se crimes conexos não são julgados juntos, não há que se falar em nulidade absoluta. Trata-se do HC 95.921. Neste julgado o STF diz que a conexão é importante, mas se ela não for observada, vai produzir, no máximo, uma nulidade relativa. Quanto à prevenção, vale a Súmula 706, do STF:

Súmula 706: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.

Se está dizendo que é relativa a nulidade, é porque está dizendo que a prevenção é uma regra de competência relativa.

- Renato, isso tudo é muito bonito, mas eu não consigo visuzliar uma aplicação prática para isso.

Vou, então, dar o exemplo de um caso concreto, um caso que aconteceu mesmo: O sujeito é gerente do HSBC. Ele vai até os clientes donos de empresas e diz que não precisam enfrentar fila para pagar as tantas guias de GRPS para recolhimento do INSS dos funcionários. Basta que coloquem as guias com o dinheiro dentro de malotes que ele faria o pagamento depois do expediente. O cliente colocava o dinheiro no malote, gerente embolsava o dinheiro e devolvia a guia autenticada com uma maquininha que ele tinha em casa. Qual é o crime? Estelionato. O banco ficou tão preocupado de perder os clientes que o banco indenizou o INSS. Esse fato foi praticado entre 1995 e 1996. Ele foi processado perante a Justiça Federal e foi denunciado no art. 171, com a causa de aumento do § 3º porque praticado contra o INSS, na forma do art. 71 (continuidade delitiva). A denúncia foi recebida em 2000. O processo foi bem lento, mas, finalmente, o juiz federal prolatou sentença condenatória. Em 2005, o juiz condenou o acusado numa pena de 4 anos de reclusão. Depois de condenado a 4 anos, o que você faz como advogado? Apelação. Em 2007, o processo chega para o TRF julgar a apelação. É aí? E aí é a prova do seu concurso. Geralmente concurso é assim: o examinador narra um caso concreto, com datas e te coloca como relator para proferir o voto. Então, no ano de 2007, os autos deram entrada no TRF e você é o relator. Prova de segunda fase é isso aí. Se eu fosse examinador, esse

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seria meu caso concreto. O que você vai falar nesse caso? Raciocinem e fiquem atentos para ter maldade para visualizar tudo (ação penal, condições da ação, competência e assim por diante). Agora vamos começar a proferir o voto. Eu pergunto: esse indivíduo foi processado onde? Na Justiça Federal. Por que? Porque, teoricamente, a vítima seria o INSS (autarquia federal). Mas será que a vítima foi, realmente o INSS? Aqui está a chave da questão. O INSS não foi a vítima. O banco ressarciu o INSS. Quem é a vítima? São todas as pessoas jurídicas que foram induzidas a erro, os clientes do banco que foram enganados pelo cliente. Assim, a competência não é da justiça federal. Tem até Súmula sobre esse assunto: Súmula 107, do STJ:

Súmula 107, STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão à autarquia federal”.

Neste caso que eu demonstrei, como não houve prejuízo para o INSS, a vítima não é a autarquia federal.

Outro exemplo: eu estava indo pagar a contribuição da minha empregada doméstica. Fui assaltado e o cara levou o dinheiro que eu ia pagar a previdência social. É a mesmíssima coisa. O mesmo exemplo. O INSS não vai deixar de receber esse dinheiro porque eu fui assaltado.

Na verdade, no exemplo anterior, eu estava sendo processado na justiça federal por um crime da competência da justiça estadual. Eu acabei de ver com vocês o teor da Súmula 107, do STJ. Se eu estava sendo processado na federal por um crime estadual, trata-se de regra de competência absoluta. Por isso, num caso desses, você, como advogado, tem que ficar calado. Deixa o processo correr para argüir depois. Sendo nulidade absoluta, o processo volta. Qual será, então, o teor do seu voto? Será o seguinte: “No caso concreto, temos uma nulidade absoluta porque uma regra de competência em razão da matéria não foi observada (o cidadão estava sendo processado por um crime da justiça estadual na justiça federal). Determino a remessa dos autos para a Justiça Estadual.” O detalhe aí é o seguinte: se estamos diante de uma nulidade absoluta, significa o quê? Que o princípio do juiz natural foi violado. Se o juiz federal proferir decisão, essa decisão dele não tem valor algum. E qual o detalhe aí? Recebimento da denúncia, interrompe a prescrição, mas se proferido por juiz incompetente não interrompe a prescrição, sentença proferida por juiz incompetente, não interrompe a prescrição. O que vai acontecer nesse caso? Prescrição. Quando chegar na Justiça Estadual, em 2009, o promotor pode até ratificar a denúncia, mas a prescrição ficou correndo entre 1996 e 2009. Isso para demonstrar a importância do assunto. O sujeito levou mais de 1 milhão e está andando tranquilamente nas ruas só porque uma regra de competência não foi observada. O sujeito praticou um delito e, por conta de inobservância de regras processuais, a pessoa sai numa boa.

5. GUIA DE FIXAÇAO DE COMPETÊNCIA

É um guia para definição da competência de acordo com o caso concreto. Eu vou dar um caso concreto e depois é só ir passando por esse guia, para definir a fixação da competência.

5.1. Competência de jurisdição – Qual é a Justiça competente? Militar, eleitoral, federal, comum...?

5.2. Competência originária – O acusado tem foro por prerrogativa de função?

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5.3. Competência de foro ou territorial – Qual é a comarca competente?

5.4. Competência de juízo – Qual é a vara competente? – isso é importante porque, às vezes, dependendo da cidade, há varas especializadas (acidente de trânsito, drogas, etc.).

5.5. Competência interna – Qual é o juiz competente? Por exemplo, nas varas federais, pelo menos em tese, você tem que ter o juiz federal titular e o substituto, fora que o titular tem quatro analistas e o substituto não tem nenhum.

5.6. Competência recursal – Para onde vai o recurso? Ou seja, qual é o órgão recursal competente.

O que a gente vai fazer a partir de agora? Eu vou analisar cada uma dessas perguntas detalhadamente.

6. JUSTIÇAS COMPETENTES NO PROCESSO PENAL

A doutrina, quanto a esse ponto, diferencia entre a chamada justiça especial e a chamada justiça comum.

6.1. Justiças Especiais

a) Justiça Militarb) Justiça Eleitoralc) Justiça do Trabalhod) Justiça Política ou Jurisdição Extraordinária

6.2. Justiça Comum

a) Justiça Federal – quando comparada com a estadual, podemos dizer que a federal é especial porque a competência dela está especificamente prevista no art. 109.

b) Justiça Estadual

(Fim da 1ª parte da aula)

Chamo a atenção para duas decisões importantes do STF e do STJ que saíram e que alteraram um pouco o que eu disse.

STF – decidiu recentemente o seguinte, causando uma certa surpresa: “O arquivamento com base em excludente da ilicitude faz coisa julgada formal e não material.” – se está dizendo isso, significa que é possível o desarquivamento, caso surjam provas novas. Foi um caso do Espírito Santo, em que um IPL tinha sido arquivado por suposto cumprimento do dever legal. Dali a dez anos, uma nova investigação foi feita e entendeu-se que o IPL estaria baseado em provas falsas. O STF mudou o entendimento. Eu havia dito que o arquivamento com base na atipicidade, excludente da ilicitude e culpabilidade faria coisa julgada formal e material. O STF mudou isso, contrariamente a tudo o que diz a doutrina. Eu, por exemplo, não consigo entender qual é a diferença de um arquivamento com base numa atipicidade e de um arquivamento com base em excludente de ilicitude. Eu posso absolver alguém em um processo com base em provas

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falsas. Se absolveu e transitou em julgado, foi um erro, acabou, não tem o que fazer. Não existe revisão criminal pro societat. HC 95.211 (Informativo 538)

A outra decisão (Informativo 385, STJ): O STJ decidiu, mudando seu entendimento, que lesão corporal leve com violência doméstica e familiar contra a mulher é crime de ação penal pública condicionada à representação. Eu havia até falado o número do julgado que entendia que era incondicionada. Agora, passou a entender que é condicionada. (HC 113608)

"STJ. LEI MARIA DA PENHA. REPRESENTAÇÃO.A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais. HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 5/3/2009."

Se é crime de ação penal incondicionada, começou, acabou! O MP vai processar. Agora, se é pública condicionada, a vítima pode se retratar da representação. Não fosse isso, casos em que a mulher representa contra o marido que bateu nela uma única vez (e depois se arrepende), teriam que prosseguir até o final, não obstante a mulher ter se arrependido.

Voltando à Justiça Militar.

7. JUSTIÇA MILITAR

Neste ponto, antes de qualquer coisa, vou analisar com vocês uma questão muito boa para cair em prova, que é a diferença entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos Estados.

Justiça Militar da União é, em muitas coisas, diferenciada da Justiça Militar Estadual. Isso é muito cobrado em prova. Você sabe quem atua na justiça militar estadual como promotor? É o promotor estadual. Então, cuidado com isso. Não ache que isso é bobagem porque cai em prova! Cai em concursos federais. Na DPU caíram mais de 20 questões sobre isso.

Justiça Militar da União julga o quê? Julga civis? Ou só militares? – Ela julga civis ou militares. Qualquer pessoa, desde que não tenha foro de prerrogativa de função. Exemplo de civil respondendo por crime na Justiça Militar da União: há muitos casos de estelionato (o militar morre, a esposa do militar morre, o filho aluga uma velha para se passar por mãe dele e leva a “mãe” à jurisdição militar) cometido contra um patrimônio que está sob a administração militar. Como é contra as Forças Armadas, é a Justiça Militar da União que julga esse caso.

Justiça Militar Estadual – Só julga os militares dos Estados. Cuidado com isso! O que são militares dos Estados? Policiais Militares, integrantes do Corpo de Bombeiros e, em alguns Estados, a policiais rodoviários estaduais.

Exemplo ótimo de ser cobrado em prova: “Um civil e um soldado da PM praticam crime dentro do quartel (estupram uma mulher). O PM pede ajuda do civil. Onde serão processados?”

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Raciocínio: Militar estava em serviço, praticou crime dentro do quartel, é crime militar, responde perante a Justiça Militar estadual. E o civil? Não pode! Lembre-se disso! Mesmo havendo conexão, não pode o civil ser julgado pela Justiça Militar. Neste caso, haverá separação de processos. O civil vai ser julgado na Justiça Comum Estadual.

Chego com vocês à conclusão que a Justiça Militar Estadual tem a competência fixada com base em quais critérios? É fixada com base na matéria (crimes militares) e também é fixada em razão da pessoa (só julga militares dos Estados).

E a competência da Justiça Militar da União? Somente é fixada em razão matéria (crimes militares) porque pode julgar qualquer um.

Exemplo: Eu sou PM e dou um soco na cara do Coronel. Um soco, na justiça comum é nada demais. Um soco de um PM em um Coronel é crime gravíssimo. Antes do processo ter início, eu fui demitido. Onde serei julgado? “Se esse policial militar é exonerado após a prática do delito, continua sendo julgado pela Justiça Militar Estadual (STJ: RHC 20.348).” O que interessa é o momento da prática do delito.

Justiça Militar tem competência cível? Outro ponto bom:

“A Justiça Militar da União não tem competência cível.”

“A Justiça Militar Estadual também tem competência para julgar as ações judiciais contra atos judiciais militares.”

A Justiça Militar Estadual foi alterada pela EC 45 e teve sua competência ampliada para o cível.

Se você, policial militar, foi punido disciplinarmente e quiser impugnar essa questão perante o Judiciário, a competência, aqui é da Justiça Militar Estadual. Se você é um PM esse ato disciplinar será impugnado perante a Justiça Militar Estadual. Pula para as Forças Armadas. Você, soldado do Exército, terá que fazer isso perante a Justiça Federal porque a Justiça Militar da União não tem competência cível.

Quem é o órgão jurisdicional na Justiça Militar? Cuidado com isso.

Na Justiça Militar da União, o órgão jurisdicional é um Conselho de Justiça composto por um juiz, chamado de juiz auditor (que é um juiz civil que faz um concurso) e mais quatro militares oficiais, todos eles oficiais de posto superior ao acusado.

Um soldado que é flagrado fumando maconha, vai ser julgado por esse Conselho.

Qual é o órgão jurisdicional da Justiça Militar Estadual? Aqui tem mais uma diferença. Também haverá o Conselho de Justiça, cuja composição é semelhante (juiz mais quatro oficiais), mas o detalhe importante é o seguinte: Na Justiça Militar Estadual o juiz é o juiz de direito do juízo militar. Na Justiça Militar Estadual alguns crimes são julgados pelo conselho e outros são julgados pelo juiz militar sozinho.

“Compete ao juiz de direito julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho julgar os demais crimes.”

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Só para vocês enxergarem: se um PM briga com outro PM dentro do quartel, quem é que vai julgar? O Conselho ou o juiz de direito? O Conselho porque é crime militar praticado por militar contra um militar. Agora, e se esse PM pratica o mesmo delito contra um civil? Quem julga é um civil. Isso é importante porque o soco na cara do Coronel, o Conselho sabe o que isso significa para hierarquia e disciplina.

Na Justiça Militar da União é só o Conselho. O juiz auditor, na Justiça Militar da União, não tem competência singular. Todo crime, na Justiça Militar da União, é julgado pelo Conselho.

Como eu disse, a Justiça Militar Estadual foi alterada pela Emenda Constitucional 45 e trouxe essas diferenças.

Quem é o presidente do Conselho? Na Justiça Militar da União, o Presidente do Conselho é o oficial de posto mais elevado. E se todos forem do mesmo posto? O mais antigo será o presidente. Na Justiça Militar Estadual, isso foi alterado, é o juiz de direito.

Quem exerce as funções de Ministério Público? Na Justiça Militar da União, quem funciona como MP é o Ministério Público Militar. Há uma carreira específica (o último concurso foi em 2005. Em 2010 deve ter outro). Na Justiça Militar dos Estados, quem funciona é o MP estadual.

Quem é o órgão de segunda instância na Justiça Militar? Na Justiça Militar da União, quem atua é o Superior Tribunal Militar – STM. O aluno erra porque é difícil visualizar um tribunal superior de segunda instância, mas é. Isso cai, mas cai da seguinte forma: “Quem decide um conflito de competência entre o STM e um juiz federal?” Quem decide é o STF.

Na Justiça Militar Estadual, depende. Em alguns Estados (RS) Tribunal de Justiça Militar e nos demais estados, quem atua é o próprio Tribunal de Justiça. 93076

Quais crimes militares são julgados pela Justiça Militar? A JM julga tanto os crimes militares próprios, como também julga os crimes militares impróprios.

Crime militar próprio é aquele que só pode ser praticado por militar. É uma infração específica funcional do soldado. Um exemplo bom é o crime de deserção (se ausenta do quartel por mais de 8 dias, sem autorização). Civil pode praticar um crime militar próprio? Cuidado!

Observação importante: “Como ‘militar’ é uma elementar do crime, comunica-se ao civil, desde que ele tenha consciência (STF: HC 81.438).”

Por exemplo, o peculato é crime praticado pelo funcionário público. O particular pode praticar peculato? Sim, por conta disso. Como funcionário público é uma elementar, comunica-se ao particular. Um civil, sozinho, não pode praticar crime militar próprio, mas se ele aderir à conduta do militar, como é uma elementar, comunica para ele.

Crime militar impróprio : “Apesar de comum em sua natureza, ou seja, pode ser praticado por qualquer cidadão (civil ou militar), o delito passa a ser considerado crime militar porque praticado em uma das condições do art. 9º, do CPM.”

Exemplo bem tranquilo: O crime de lesão corporal é um crime previsto no Código Penal comum (art. 129), mas também está previsto no Código Penal Militar (art. 209). É, por isso, um

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crime militar impróprio. O crime previsto no CP e no CPM se torna militar quando praticado numa das condições do art. 9º, do CPM. Se um dia você tiver dúvidas sobre se um crime é militar, olhe o art. 9º.

“Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum (lembra da lesão corporal), quando praticados:

a) por militar em situação de atividade (é o militar da ativa) ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;”

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

d) por militar durante o período de manobras, ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) Por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) Revogada pela Lei nº 9.299/96”

III - os crimes, praticados por militar da reserva ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função da natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.”

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Eu pergunto: O crime militar impróprio pode ser praticado só contra civil e militar ou só contra civil? Se eu, soldado, dentro do quartel, meto o pau no outro soldado: lesão corporal. Crime impróprio. E se eu meto a porrada no civil dentro do quartel? É a mesma coisa: crime corporal impróprio.

Informativo 517, STF: A EC 45/2004, ao incluir o § 5º ao art. 125 da CF, atribuiu competência aos juízes singulares para o julgamento de crimes militares impróprios ("§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares."). Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se sustentava a competência do Conselho Permanente de Justiça para processar policial militar denunciado pela suposta prática dos delitos de roubo e extorsão mediante seqüestro (CPM, artigos 242, § 2º, II e 244, § 1º, respectivamente), bem como se alegava o cerceamento à sua defesa ante a supressão da fase de alegações orais. Rejeitou-se o argumento de ofensa ao devido processo legal e salientou-se, ainda, que, na falta de normas procedimentais no Código de Processo Penal Militar, devem ser observadas as regras do Código de Processo Penal comum, nas quais não há previsão de alegações orais. HC 93076/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 26.8.2008. (HC-93076)

Olha o que o Supremo disse nesse informativo: que cabe ao juiz singular julgar os crimes militares impróprios e aí colocou: crimes militares impróprios como sinônimo de crimes militares cometidos contra civis. A lesão corporal, quando militar agride militar (lesão corporal) é crime impróprio. O STF, nesse informativo, está errado porque disse que crime militar impróprio é o que pode ser praticado apenas contra civil.

“Informativo 517, HC 93076): O conceito de crime militar impróprio dado está errado pois o crime militar impróprio pode ser praticado tanto contra civil, quanto contra militar.”

Qual a diferença de Crimes militares de tipificação direta e crimes militares de tipificação indireta?

“Crimes militares de tipificação direta são os crimes definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos (art. 9º, I, do COM). Podem ser praticados tanto por civil quanto por militar.”

“Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;”

Exemplo: embriaguês em serviço porque esse crime não existe no Código Penal comum. Então é um crime militar de tipificação direta. Só praticado por militar. E se praticado por civil? Uso indevido de uniforme. Crime de tipificação direta (não existe no CP comum).

“Crimes militares de tipificação indireta são aqueles que, embora previstos com igual definição na lei penal comum, são considerados militares por meio de um juízo de tipicidade indireta, com base no art. 9º, II e III, do CPM.”

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Exemplo: estelionato está previsto no CP e no CPM. Se você amanhã vai denunciar alguém por estelionato, vai denunciar no art. 251, do CPM. Mas se eu estou denunciando esse pessoa por estelionato eu tenho que demonstrar porque esse estelionato passou a ser considerado crime militar (já que está previsto no CP comum). Porque, na verdade, você vai ter que somar o art. 251, com um outro art: 9º, III:

“Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: III - os crimes, praticados por militar da reserva ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;”

Essa pessoa que levou a falsa velhinha para passar por mãe é estelionato praticado por civil contra o patrimônio sob administração militar. Perceberam porque se tornou um crime militar? Então, na hora de você oferecer denúncia contra o estelionato, como ele é um crime de tipificação indireta, você tem que soma-lo ao art. 9º, III, a, do CPM, ou seja, um crime militar tipicamente indireto. Ao contrário da embriaguês em serviço, que basta você citar o artigo, aqui você tem que dizer por que é crime militar.

Casuística (vou dar exemplos de como isso cai em prova):

1º Exemplo: “Soldado do Exército abandona o seu posto e assalta um estabelecimento comercial.” Onde será julgado? O crime de abandono de posto é um crime militar. “Pelo crime de abandono de posto será julgado na JMU.” Agora, a JMU tem a ver com o roubo na mercearia? Não. “O delito de roubo será julgado na justiça comum. (STF – HC: 90729).”

2º Exemplo: “Homicídio doloso praticado por militar contra civil, mesmo que em serviço.” De quem é a competência? Antes da Lei 9.299/96 esse crime era de competência da Justiça Militar. Essa competência foi para o tribunal do júri. § único, do art. 9º, do CPM:

“Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.”

Cuidado. Se um PM mata alguém é julgado no tribunal do júri. Lá no caso do militar das forças armadas, Se foi praticado no exercício da função, é caso de julgamento por tribunal do júri federal. Essa lei é considerada válida tanto para o STF (RE 260404) quanto para o STJ (HC 102227). O STM, que é o Superior Tribunal Militar, não concorda com essa lei. Ele acha que crime doloso praticado por militar contra civil continua sendo da Justiça Militar da União.

Diante disso, cabe perguntar: A Justiça Militar julga ou não julga crimes de homicídio doloso? Julga! Cuidado para não errar! Homicídio doloso praticado por militar do Exército contra militar do Exército quem julga? Depende!

1ª Possibilidade : “Estando ambos em serviço, e sendo ambos da ativa, competência da Justiça Militar da União.”

2ª Possibilidade : “Militar fora de sua função”. Dois militares estão em Porto Seguro. Uma briga, um mata o outro. “Para o STM e para o Supremo (Conflito de Competência (CP) 7071), a competência será da Justiça Militar; para o STJ a competência será da Justiça Comum, pois se estão fora de situação de atividade, estão

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ali como civis (STJ: HC 119813 – foi um caso de um churrasco fora das instalações do quartel)”.

3ª Possibilidade : “Homicídio doloso praticado por civil contra militar: se esse militar for um PM, como a Justiça Militar Estadual não julga civis, a competência será do Tribunal do Júri. Se o militar for das Forças Armadas, a competência será da Justiça Militar da União (STF: HC – 91003).” Quem julga? Quando eu falo em militar, é o militar trabalhando, não é o de férias. Agora é o contrário da Lei 9.299/96. O PM morto pelo civil, vai ser julgado onde? Tribunal do Júri ou Justiça Militar Estadual? Basta lembrar que as Justiças Militares Estaduais só julgam militares. Assim, não pode julgar o civil que matou o PM.

4ª Possibilidade : “Homicídio doloso praticado por militar contra civil, mesmo que em serviço, vai ser julgado onde?” No tribunal do Júri. Sobre isso, há três exemplos práticos e ótimos para cair em concurso.

i. Juiz sumariante entende que não se trata de crime doloso contra a vida. Se o juiz sumariante entende isso, ele faz a desclassificação (‘isso não é crime doloso contra a vida’) e manda o processo para a Justiça Militar (já que não é doloso de militar contra civil) e aí, no caso, o juiz sumariante, vamos imaginar que tenha mandado para o Juiz Auditor da Justiça Militar da União. Primeira pergunta: Esse juiz auditor é obrigado a acatar a decisão do juiz sumariante ou pode suscitar um conflito de competência? O juiz auditor pode entender que se trata de crime doloso e não culposo, não concordando com a desclassificação. Cuidado porque esses juízes pertencem à tribunais diferentes. “Pode, sim, suscitar um conflito de competência que será julgado pelo STJ.”

ii. Homicídio doloso praticado por militar contra civil. Tribunal do Júri. Lá no julgamento os jurados fazem a desclassificação.” Quando isso acontece, para onde vai o processo? Quem julga? Normalmente quando se dá a desclassificação, vai para as mãos do juiz presidente, para ele poder decidir. O problema é que se está havendo desclassificação, não se trata mais de homicídio doloso. Se não é homicídio doloso, já não pode mais ser julgado pela justiça comum. Tem que mandar para a Justiça Militar. “Quando os jurados desclassificam o homicídio doloso para o homicídio culposo, esse homicídio culposo não pode ser julgado pelo juiz presidente, pois se trata de crime militar. Deve, portanto, remeter os autos à Justiça Militar. (STF: RHC – 80718).”

iii. Homicídio doloso e aberratio ictus (erro na execução). “Soldado quer matar outro soldado. Efetuou o disparo e tem um civil atrás. A bala acerta o civil.” Quem vai julgar? Responde como se tivesse atingido o soldado. Mas a competência vai ser militar? Todo mundo erra. Todo mundo diz que como ele queria matar o militar, competência é da Justiça Militar. A competência é sempre fixada com base em critérios objetivos. Eu não levo em consideração ao intenção do agente, mas quem sofreu a lesão. “Caso, por erro na execução, o militar acerte um civil, quando queria acertar um militar, a competência será do Tribunal do Júri, pouco importando que a vítima virtual fosse um militar. (STJ: Conflito de Competência (CC)37.378).”

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