como o alef se tornou a primeira letra

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"COMO O ALEF SE TORNOU A PRIMEIRA LETRA" No princípio, O Criador decidiu que era hora de colocar todas as letras em ordem. Pediu, então, que cada uma por sua vez, fosse se apresentando e dissesse por que deveria ser a primeira letra. "Eu sou mais alto", gritou o"Lamed": "E os outros serão capazes de ver minha coroa agitando-se sobre a linha."

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Como o Alef Se Tornou a Primeira Letra

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"COMO O ALEF SE TORNOU A PRIMEIRA LETRA"

No princpio, O Criador decidiu que era hora de colocar todas as letras em ordem.Pediu, ento, que cada uma por sua vez, fosse se apresentando e dissesse por que deveria ser a primeira letra.

"Eu sou mais alto", gritou o"Lamed":"E os outros sero capazes de ver minha coroa agitando-se sobre a linha."

"No", disse o Shin:"Eu deveria ser o primeiro. Porque eu tenho trs coroas, e as pessoas devem contemplar a minha glria em primeiro lugar."Depois que todas as letras tinham se apresentado e dado suas justificativas do porque ser a primeira, o Todo-Poderoso percebeu que oBetaindano tinha falado.

Perguntou a ele: "E qual a sua razo Bet?". "Oh, Eterno, eu no tenho uma razo, pois, no posso pensar em nada to especial que me faa ser a primeira.""Mas, voc ser!", disse o Todo-Poderoso. "Meu Escolhido ser um povo humilde e voc demonstrou ter essa qualidade."Foi, ento, que O Criador percebeu que uma das letras ainda estava faltando: o Alef!Onde est oAlef, perguntou Ele?Todas as letras foram procur-la e, finalmente, encontraram o Alefem um cantinho do cu."Onde voc estava, perguntou o Todo-Poderoso? No chamei todas as letras juntas, de uma s vez?"

Respondeu oAlef, timidamente, "Oh Eterno, eu no posso nem mesmo fazer um som. Eu sequer merecia estar em companhia das outras letras, e nem mesmo tenho uma coroa."Foi por essa demonstrao de humildade, que o Todo-Poderoso, em sua infinita sabedoria, colocou o Alef,a letra silenciosa, frente do desfile das letras, com o Bet,seguindo de pertinho.

E assim ns temos a Alef Bet -o Alfabeto Hebraico!

Elias Lipiner:Excertos do livro deEliasLipiner, "Asletrasdo Alfabeto nacriaodo mundo"

O termo oth ("signo"), empregado na lngua hebraica para designar cadaletrado alfabeto, tem simultaneamente o significado de maravilha.Bempor isto asletras, na sua existnciametafsica, so consideradas arqutipos celestes dacriaomaterial, entes incorpreos mediadores na obra de transformar o caos morto em ordem csmica animada. A inveno da escrita - diz a fbula doZoharque a seguir se translada - no deve ser atribuda aohomem, pois o alfabeto anterior aoUniversoe precedeu criaodomundo:

"No tempo em que o Santo, bendito seja Ele, concebeu a ideia de criar omundo, todas asletrasdo alfabeto existiam ocultas, porquanto dois mil anos antes dacriaoEle j as contemplava e se deleitava com elas. E, assim que decidiu iniciar acriao, asletraspuseram-se a desfilar perante Ele, em ordem inversa (comeando pela ltima).

THAV;SHIN;REISCH;QOPH;TZADI;PE;SAMEKH;NUN;MEM;LAMED;KHAF;YOD;TETH;HETH;ZAYIN;VAV;HE;DALETH;BETH;ALEF

"E o Santo, bendito seja, Ele, criou as figuras dasletrasgrandes celestes, s quais correspondiam asletrasmenores domundode baixo. essa arazopor que est escrito (no incio dasSagradas Escrituras):BereshtBar Elohm Et (com dois Bet e dois lef), a fim de anunciar acriaodasletrascelestes e dasletrasterrenas, ainda que ambas emanem de uma s fonte, tanto as celestes como as terrenas."

Esta fbula, aqui traduzida diretamente do original aramaico, mantidas rigorosamente suas locues idiomticas particulares, constitui uma verso metafisicamente aprofundada de outras de semelhante contedo existentes em lngua hebraica, de cunho simplesmente didtico e moralista, espalhadas na literatura talmdica e reunidas, principalmente, numa antiga compilao de comentrios sobre asletras, denominada Alfabeto de Rabi Akiba.

Ao estabelecer que o Santo, Bendito seja Ele, contemplava asletrasdois mil anos antes dacriao, a fbula insinua no s a sua preexistncia criao, mas sobretudo a suaparticipaonela, em primeiro lugar, prefigurando-a antes mesmo de sua materializao. Asletrasteriam estado gravadas e desenhadas em traos sublimes e invisveis, como queelementosantecipados do plano dacriao, na mais ntima interioridade da Sabedoria Eterna. E, no momento oportuno emsticoda antemanh domundo, emergiram subitamente de sua passividade inconsciente, prontas a intervir na marcha para a materializao daquele plano. Puseram-se todas a desfilar em procisso, diante do Criador, cada qual exaltando as prpriasvirtudese disputando o seu lugar no grande fenmenometafsicopor ocorrer: acriaofsica domundoque conhecemos, e que devia operar-se, em graus de intensidade crescente, a partir dos traos geometricamente espirituais dasletras. Dessa forma, estas, segundo a fbula, passaram de sua fase de passividade para a de dinamismo que deu origem criao.

O texto aramaico envolve diversas aluses filosficas, bem como reminiscncias moralistas. Assim, na parte conclusiva da fbula a respeito das duas categorias deletras, o autor alude a existncia - sob a superfcie das coisas reais - de estruturas ideais e perenes, entidades metafsicas, que supostamente lhes serviram de ncleo ou de modelo. As coisas terrenas, naturais e instveis, estariam calcadas sobre coisas celestes que lhes serviram de arqutipos sobrenaturais. a viso platnica domundo. E quanto aos ensinamentos moralistas, cite-se aquele relativo letralef, a qual, pelo fato de haver resistido tentao, e por no ter desejado correr o risco de ser dispensada, numa prova deamorprprio ehumildadesimultneos, foi compensada, como devera, com o primeiro lugar no alfabeto; como que a indicar, ademais, que em tempos remotos ela ocupava o ltimo lugar na hierarquia alfabtica, e no o primeiro, como na ordem convencional da atualidade.

A fbula apresenta uma srie de outras particularidades caractersticas, sendo a mais notvel aquela que se refere aodualismo. Este princpio admite a coexistncia compulsria, simetricamente harmoniosa, de doispolosopostos, ambos igualmente necessrios para o equilbrio doUniverso, de acordo com os ensinamentos dosfilsofose gnsticos da antiguidade. Asletrascm procisso, cada qual invocando o seu lado bom para obter o benefcio de tornar-se o instrumento dacriao, mas repelidas sempre com a alegao de seu ladomau, do relevo ideia da existncia dadualidadecomo regra necessria noUniverso, ideia essa adotada como princpio fundamental noLivro do Esplendor.

Todavia, o princpio dodualismonecessrio, a que o fabulista d tamanho relevo para justificar a existncia do mal sobre a Terra, fez nascer, por associao de ideias, odesejode um sistema antidualista imune ao mal, em que predominasse exclusivamente o bem: a ambio de uma idade deourono fim dos dias. O relacionamento dessedesejoutopstico com asletrasdo alfabeto o tema principal doLivro da Imagema que acima j se fez meno, e adiante ser analisado. O autor dessa estranha obra medieval qualifica o nossomundocomo "um castelo erguido na imundcie", significando queDeuscriou oUniversodematriafalvel, que devia ser substituda por outra melhor. Para a realizao dessa tarefa utpica atrela as vinte e duasletrasdo alfabeto hebraico ao carro de suaimaginao.