cidadania

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INTRODUÇÃO Para melhor entendermos a compreensão do conceito de cidadania, usaremos as análises de Maria da Glória Gohn (2003) que define dois modelos: cidadania individual e cidadania coletiva. A primeira remete aos séculos XVII e XVIII com o advento as modernidade, a sociedade ocidental muda alguns parâmetros de referência onde o voto passa a ser o modelo de um sistema representativo democrático em contraposição aos direitos divinos dos reis. Com o processo de desenvolvimento das sociedades modernas nasce a “cidadania individual” que pode ser definida como: “A cidadania individual pressupõe a liberdade e autonomia dos indivíduos num sistema de mercado, de livre jogo de competição, em que todos sejam respeitados e tenham garantias mínimas para a livre manifestação de suas opiniões – basicamente pelo voto – e da auto realização de suas potencialidades”( GOHN,2003,pg.195) A cidadania individual como definida acima, é fruto das ideologias burguesas que queriam superar os obstáculos que a ordem feudal colocava para o livre desenvolvimento da economia. O liberalismo surge como doutrina política e econômica na Europa onde defende as liberdades individuais e na economia e pressupõe a não intervenção do Estado.

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Para melhor entendermos a compreensão do conceito de cidadania, usaremos as análises de Maria da Glória Gohn (2003) que define dois modelos: cidadania individual e cidadania coletiva. A primeira remete aos séculos XVII e XVIII com o advento as modernidade, a sociedade ocidental muda alguns parâmetros de referência onde o voto passa a ser o modelo de um sistema representativo democrático em contraposição aos direitos divinos dos reis.

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INTRODUO Para melhor entendermos a compreenso do conceito de cidadania, usaremos as anlises de Maria da Glria Gohn (2003) que define dois modelos: cidadania individual e cidadania coletiva. A primeira remete aos sculos XVII e XVIII com o advento as modernidade, a sociedade ocidental muda alguns parmetros de referncia onde o voto passa a ser o modelo de um sistema representativo democrtico em contraposio aos direitos divinos dos reis. Com o processo de desenvolvimento das sociedades modernas nasce a cidadania individual que pode ser definida como:A cidadania individual pressupe a liberdade e autonomia dos indivduos num sistema de mercado, de livre jogo de competio, em que todos sejam respeitados e tenham garantias mnimas para a livre manifestao de suas opinies basicamente pelo voto e da auto realizao de suas potencialidades( GOHN,2003,pg.195) A cidadania individual como definida acima, fruto das ideologias burguesas que queriam superar os obstculos que a ordem feudal colocava para o livre desenvolvimento da economia. O liberalismo surge como doutrina poltica e econmica na Europa onde defende as liberdades individuais e na economia e pressupe a no interveno do Estado. Na cidadania coletiva, a autora delimita dois marcos referencias: O primeiro remete as origens clssicas do cidado na plis grega que diz respeito a uma dimenso cvica( decises que visem o bem comum). O segundo marco remete contemporaneidade, e diz respeito busca de leis e direitos para as categorias sociais at ento excludas da sociedade, principalmente do ponto de vista econmico e cultural. Assim, a cidadania coletiva privilegia a dimenso sociocultural, reivindica direitos sob a forma de concesso de bens e servios e no apenas a inscrio desses direitos em lei, reivindica espaos sociopolticos sem que para isto tenha de se homogeneizar e perde sua identidade cultural( GOHN,2003,pg. 196). Entretanto, a perspectiva da cidadania sempre esteve muito mais atrelada questo individual onde se destacam os direitos civis ( liberdade individual) e polticos( votar e ser votado). Ou seja, trata-se de dar nfase liberdade do indivduo, enquanto membro reconhecido pelo Estado. Cavalcante (2010) coloca que o marco divisor entre quem cidado e quem no o , est delineado pela perspectiva de pertencer ou no a uma soberania e mais ainda, ser reconhecido pelo Estado soberano como um de seus cidados. Como ressalta Gentili(2006) a antiga noo de pertencimento territorial e de relao com as respectivas normas e leis do Estado nao ainda uma noo central mas no se restringe somente a isso. Segundo a autora, a reflexo sobre cidadania evoluiu de um conceito restrito participao dos membros de uma sociedade para vincular-se atualmente ideia de emancipao. Sabemos que ao longo da histria o conceito de cidadania foi ampliado e passou a englobar um conjunto de valores que perpassam no somente pelos direitos civis e polticos, mas tambm pelos direitos sociais. Para entendermos como se gestaram esses trs direitos histricos, faremos uma abordagem sucinta ao pensamento de Marshall, que apesar algumas crticas, seus estudos ainda so referncia em matria de cidadania.

A CIDADANIA EM T. H. MARSHALL T.H. Marshall define a cidadania como um status concedido queles que so membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status so iguais com respeito aos direitos e obrigaes pertinentes ao status(1967, pg.76). O socilogo estudou o desenvolvimento o histrico da cidadania na Inglaterra, dividindo-a em trs partes: os direitos civis, no sculo XVIII, os direitos polticos, sculo XIX, e os direitos sociais, sculo XX. Em sua anlise: O elemento civil composto dos direitos necessrios liberdade individual liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e f, o direito propriedade e de concluir contratos vlidos e o direito justia(...)elemento poltico se deve entender o direito de participar no exerccio do poder poltico, como um membro de um organismo investido da autoridade poltica ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituies correspondentes so o parlamento e conselhos do Governo local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mnimo de bem-estar econmico e segurana ao direito de participar, por completo( MARSHALL, 1967,pg.63) O surgimento dos direitos de cidadania na Inglaterra e no Brasil foram completamente diferentes. Segundo Cavalcante (2010, pg.12) no h uma equivalncia entre as duas realidades pois enquanto na Inglaterra primeiramente vieram os direitos civis, depois os polticos e por derradeiro os sociais, no Brasil o primeiro momento dos direitos sociais, seguidos dos direitos civis e polticos. A autora ressalta que o desenvolvimento da cidadania no Brasil registra o surgimento dos direitos sociais, na dcada de 1930, no governo Getlio Vargas, e coloca que no caso brasileiro, a instaurao dos direitos sociais foi diferente da realidade inglesa porque no emergiu como consequncia natural de um regime democrtico e sim como estratgia compensatria de um regime ditatorial, que buscou cooptar as massas em busca de legitimidade e base de apoio. Percebe-se que os direitos sociais no Brasil estabeleceram-se como uma estratgia poltica de manuteno dos interesses da burguesia e do Estado. O objetivo era claro: conter as ameaas ordem vigente e evitar tenses sociais. Nesse perodo a cidadania ganha novo sentido: no mais do cidado/ indivduo mas agora do cidado/trabalhador. Assim, figurava uma nova ideologia do qual estabelecia que cidado era considerado apenas aquele que tivesse carteira assinada. Trata-se da construo da figura do trabalhador brasileiro, com direitos e deveres legitimados(GOHN,2003, pg.200). Os direitos civis e polticos s viro com a constituio de 1988. PARTICULARIDADES DA CIDADANIA NO BRASIL No caso do Brasil, a cidadania sofre os condicionamentos dos problemas sociais decorrentes desse modelo econmico excludente por meio do qual se desenvolveu um sistema de proteo social desigual, conservador, particularista e corporativo a um sistema de foras, barganhas e privilgios.(Gentilli,2010). Para entendermos melhor as particularidades da cidadania no Brasil, traremos luz desse debate as anlises de Teresa Salles(2010) e Maria da Glria Gohh(2003) Salles faz um resgate mais profundo e traa um retrato da construo da cidadania brasileira desde a poca dos engenhos coloniais, perpassando pelo advento da republica e a poltica dos coronis. A autora analisa a nossa cidadania que teve como expresso primeira naquilo que ela nomeia de cidadania concedida. Para entender esse conceito Sales resgata a cultura poltica da ddiva. ddiva estaria ligada relao de mando/subservincia que sobreviveu aos domnios privados das fazendas e dos engenhos coloniais, abolio da escravatura e ao compromisso coronelista que marcou toda a primeira repblica chegando at os dias de hoje. O significado da cidadania concedida foi resumido pela autora da seguinte maneira: Eu diria que no nosso pas ou bem se manda ou bem se pede. Est no simples contedo desses dois verbos o significado mais profundo de nossa cultura poltica do mando e da subservincia(SALLES,2010 pg.03) Essa relao de mando e subservincia imperou no Brasil desde os primeiros sculos de sua formao, um dos fatores determinantes para o aprofundamento das desigualdades sociais. Nesse sentido, a cidadania concedida no olhar de Sales, esteve totalmente vinculada ao domnio territorial - ao grande latifndio estabelecendo-se na dependncia dos senhores de terra. E o poder do senhor de terras no se concretizava apenas aos escravos, mas tambm perpassava pelos ditos homens livres que buscavam a proteo do senhor de terras O direito bsico vida, liberdade individual, justia, propriedade, ao trabalho, todos os direitos civis, enfim, para o nosso homem livre e pobre que vivia na rbita do domnio territorial, eram direitos que lhe chegavam como ddiva do senhor de terras(SALLES,2010 pg.04) Para compreendermos melhor essa questo, a autora traz a anlise de Vitor Nunes Leal (1975) para definir a poltica coronelista que expressava-se na troca de favores entre o poder pblico e a poltica dos chefes locais - que expressavam no mandonismo, filhotismo, falseamento de votos e os currais eleitorais. Mecanismos que asseguravam a posio de mando tanto dos coronis quanto dos representantes do Estado. Esse sistema se fortalecia e era estruturado justamente custa de favores na forma de ddivas. Essa obteno de favores reforava a cidadania concedida medida que a cultura do favor, mais precisamente da ddiva, reforava as relaes de mando e subservincia.Nesse sentido, a pobreza do brasileiro no um estado que tem a ver apenas com suas condies econmicas. Ela tem a ver igualmente com sua condio poltica e social.(...) A vinculao da pobreza-submisso, mais que uma marca da cultura poltica herdada do monoplio do mando pelo domnio territorial, uma marca desse estado de compromisso herdado da nossa Repblica Vellha (SALLES,2010,pg.08)

Gohn(2003) afirma que, apesar de ter instaurado uma nova ordem com advento da repblica, as razes oligrquicas e elitistas restringiram o perfil dos sujeitos a ter cidadania poltica: eram excludos as mulheres, os mendigos, os soldados e os religiosos, alm dos analfabetos que eram a maioria da populao brasileira. Dentro do processo de construo da cidadania no Brasil houve avanos e retrocessos, e at mesmo a supresso dos direitos bsicos, como no golpe de Estado com Getlio Vargas e na ditadura militar. Os anos 70 e 80 a dimenso da cidadania foi resgatada, tornando-se bandeiras reivindicatrias. Em sntese, podemos dizer que as aes coletivas nos anos 70 e 80 no Brasil, foram impulsionadas pelos anseios de redemocratizao do pas, pela crena no poder quase que mgico de participao popular(...)( GOHN,200,pg.203) Ainda de acordo com a autora, a questo da cidadania, principalmente a de ordem coletiva foi grande conquista dos movimentos sociais nas dcadas de 70,80 e 90. Diante desse pequeno resgate histrico, podemos compreender como a cidadania que se estabeleceu h sculos atrs, em certa medida, pode explicar a construo de nossa cidadania atual. A noo tradicional de cidadania, apenas vinculada noo de pertencimento territorial, no d mais conta de explicar esse conceito to complexo. Se perguntarmos para vrias pessoas o que cidadania, cada uma dar um conceito diferente, visto que seu desenvolvimento histrico agregou vrios valores e concepes ao longo dos anos.

CONCLUSOComo vimos, a cidadania no segue uma rota ou um modelo que se encaixa em todas sociedades, pelo contrrio, se estabeleceu de maneira diferente conforme diferentes realidades. O desenvolvimento da cidadania na Inglaterra foi completamente diferente do modelo de cidadania implantado aqui no Brasil. Enquanto que na Inglaterra se estabeleceram os Direitos Civis, Polticos e Sociais, no Brasil, primeiramente foram firmados os Diretos sociais ( no de forma democrtica e sim como estratgia), depois os civis e polticos. A construo da cidadania no Brasil teve sua expresso naquilo que Salles(2010) nomeia como cidadania concedida. Desde a poca escravocrata, os homens livres e pobres estavam sujeitos ao favor dos senhores de terras. Ainda segundo autora a nossa desigualdade social est vinculada a relao mando/subservincia, do qual ela caracteriza como cultura da ddiva, cuja primeira manifestao se deu no mbito do grande domnio territorial, nos primeiros sculos da formao da sociedade brasileira. E essa cultura da ddiva chega repblica substituindo os direitos bsicos de cidadania. Dessa forma, percebemos que nossa cidadania est intrinsicamente atrelada questo da submisso, ou seja, essa dependncia de ter direitos, que verifica-se desde a poca dos senhores de terra, razes das quais podem explicar a nossa desigualdade social. Podemos observar que no Brasil persiste essa relao de mando e subservincia do nosso passado. Um dos elementos citados pela autora para comprovar essa tese a nossa estrutura agrria assentada no grande domnio territorial. Um segundo elemento que refora os mecanismos de cidadania concedida a questo do voto que assegurava aos coronis o monoplio do mando atravs da cultura os favores. O que hoje no muito diferente. Votar um direito, mas para muitos brasileiros ainda se constitui como favor, visto que a compra de votos ainda uma prtica muito usual e est ligado ao abuso de poder metaforseado pela cultura da ddiva. A autora tambm argumenta que a pobreza do brasileiro no um estado que tem a ver apenas com suas condies econmicas e sim com sua condio de submisso poltica e social o que refora que a cidadania no nosso pas ainda concebida como um favor e no como um direito. A poltica de Assistncia Social, que foi legitimada como um direito, ainda tratada e percebida pelos usurios de tal poltica como favor. Tal perspectiva fruto de todo esse processo histrico no pas de construo de uma cidadania privada sempre vinculada cultura do favor e do prevalecimento de interesses particulares Entretanto, o que no pode ser negado que o conceito de cidadania tambm est atrelado ao reconhecimento de direitos enquanto um processo aliado s conquistas da classe trabalhadora.A cidadania est sempre sendo construda. Dentro dela podemos dizer que existe a histria dos movimentos sociais e a luta das causas coletivas. No podemos perder a perspectiva da cidadania do bem comum, da cidadania a servio da dignidade de um povo. Da cidadania no tutelada ou concedida, mas exercida com autonomia. Concordamos com a frase que o problema grave de nosso tempo, com relao aos direitos do homem, no era mais de fundament-los e sim de protege-los(Bobbio,1992,pg.25). Lutar por espaos sociopolticos, e de efetivao dos direitos dos excludos da sociedade hoje uma das prerrogativas fundamentais da cidadania. Portanto, esta cidadania jamais deve deixar de ser coletiva e inclusiva de fato e de representar mudanas, indicar transformaes e legitimar as demandas da populao.

REFERNCIAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992GENTILLI, Raquel. A fruio da cidadania como produto do trabalho profissional do Servio Social. In: Representaes e prticas: identidade e processo de trabalho no servio social. 2. ed. So Paulo: Veras,2006.CAVALCANTE, Tatiana Maria Nufel (2010). Cidadania e acesso Justia. Disponvel em: www.jfpr.gov.br/arquivos/office/a48d9d36b2601c7c856951037a22 4 311pdf Acesso em: 28/08/2013GOHN, Maria da Glria. A construo da Cidadania ao longo dos sculos. In: Histria dos movimentos sociais. A construo da cidadania dos Brasileiros. Edies Loyola, So Paulo, 2003MARSHALL, T. H. Cidadania e classe social. In: Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967 p. 57- 114.SALES, Teresa. Razes da desigualdade social na cultura brasileira(2010). Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais, So Paulo. Disponvel em: .Acesso em: 23/08/2013