fascículo 1: cidadania, justiça e participação (cidadania judiciária)

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Curso de Extensão: Cidadania Judiciária. Realizada pela Universidade Aberta do Nordeste e Fundação Demócrito Rocha, apoio cultural jornal O Povo e Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

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Page 1: Fascículo 1: Cidadania, Justiça e Participação (Cidadania Judiciária)

Rafael Barreto SouzaCIDADANIA, JUSTIÇA E PARTICIPAÇãO

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2 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste

Copyright © 2014 by Fundação Demócrito Rocha

C486 Cidadania judiciária / coordenação, Gustavo Feitosa; ilustração,

Karlson Gracie. – Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha /

Universidade Aberta do Nordeste, 2014.

192p il Color (curso em 12 fascículos)

ISBN 978-85-7529-612-7

1.Cidadania. 2. Direito. I. Gracie, Karlson. II. Título

CDU 342.71

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA

Presidente João Dummar Neto

Direção Geral marcos Tardin

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

Coordenação Pedagógica-AdministrativaAna Paula Costa Salmin

CURSO CIDADANIA JURÍDICA

Concepção e Coordenação GeralCliff Villar

Coordenação TécnicaGustavo Feitosa

Coordenação de EdiçãoRaymundo Netto

Gerência de ProduçãoSérgio Falcão

Edição de DesignAmaurício Cortez

Editoração EletrônicaCristiane FrotaDhara Sena

Revisão de TextoCharles Ribeiro Pinheiro

IlustraçõesKarlson Gracie

Catalogação na FonteKelly Pereira

Todos os direitos desta edição reservados a:

Fundação Demócrito RochaAv. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271fundacaodemocritorocha.com.br [email protected]

Este fascículo é parte integrante do Curso Cidadania Jurídica oferecido pela Universidade Aberta do Nordeste (Uane), em decorrência do Contrato celebrado entre o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e a Fundação Demócrito Rocha (FDR), sob o nº 30/2013.

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Curso Cidadania Judiciária 3

suMÁrio1. Introdução.......................................................................................................................... 42. Origens da cidadania ..................................................................................................... 43. Cidadania: alguns olhares ............................................................................................ 5 3.1 Cidadania: um conjunto de direitos civis, políticos e sociais ............................5 3.2 Cidadania e direitos humanos .......................................................................................6 3.3 Cidadania excludente .......................................................................................................74. Cidadania, democracia e participação .................................................................... 85. Cidadania no Brasil .......................................................................................................10 5.1 Inversão do modelo de T. H. Marshall .......................................................................10 5.2 Mais “casa” do que “rua” .................................................................................................11 5.3 Representatividade defi ciária ......................................................................................126. Cidadania e justiça ........................................................................................................137. Desafi os para o fortalecimento e proteção da cidadania .............................14

Síntese do fascículo ............................................................................................................15Referências .............................................................................................................................15Sobre o autor ........................................................................................................................16

oBJEtivos Apresentar diferentes olhares sobre o conceito de cidadania,

problematizando-os. Discutir a relação entre a cidadania e democracia, entendida como

participação nas instâncias políticas do Estado. Destacar a realidade brasileira no que diz respeito à cidadania, aos seus

limites e às suas potencialidades. Proporcionar uma refl exão crítica sobre as relações entre a Justiça e o

exercício da cidadania.

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1.introduçãoO que é a cidadania? Qual a sua rela-ção com a Justiça, com os direitos e com a participação democrática. Este fascículo aborda estudos sobre a Ci-dadania e suas relações com diversas áreas. Inicia-se este estudo a partir de uma visão panorâmica do conceito de cidadania nos tempos atuais. Ao longo das próximas páginas, serão discutidas as origens da cidadania desde a Anti-guidade. Em seguida se analisarão três perspectivas conceituais sobre o tema. Depois, serão vistas as relações entre a cidadania, participação e democracia. Aprofundar-se-á o olhar sobre o estu-do da cidadania brasileira e, por fi m, a Justiça também será examinada pela ótica da cidadania.

2.origEnsda CidadaniaAs primeiras noções de cidadania sur-gem nas pólis gregas durante a Anti-guidade. Em Atenas, mais importante pólis1 da região, consideravam-se ci-dadãos aqueles homens livres que vo-tavam e que assumiam cargos de auto-ridade dentro do sistema político, mas que não trabalhavam nos setores tradi-cionais da economia, segundo Michael Scott (1500). Os cidadãos debatiam as questões relevantes na ágora2 e toma-vam decisões por maioria de votos. O sistema grego era garantido por meio do trabalho de escravos, da exclusão das mulheres e de estrangeiros.

Contudo, a experiência se encerra no século IV a. C., quando um governo auto-ritário assume o poder, deixando as ideias de democracia e cidadania dormentes até os séculos XVIII e XIX d. C. Neste úl-timo período, há uma releitura dos tex-tos gregos antigos, a qual propiciou a renovação e adaptação destas ideias à realidade e aos confl itos sociais da épo-ca, caracterizadas pelos resquícios de um sistema feudal, no qual, virtualmente, não se permitia a mobilidade social. Uma vez nascido servo, morria-se servo. Nascido nobre morria-se nobre. Não havia possi-bilidade de um servo torna-se nobre. A desigualdade era infl exível.

Foi, principalmente, na França e na Inglaterra, que os princípios da cidada-nia ecoaram com maior vitalidade. O capitalismo ainda insipiente avançava. A burguesia comercial enriquecia e deman-dava mais poder e representatividade no sistema político. Paralelamente, a maior parcela do povo estava submetida a um regime servil, à elevada cobrança de tri-butos e à pobreza. Eles também almeja-

1 Pólis foram comunidades políticas, de âmbito urbano e rural, governadas diretamente por seus cidadãos, e não

por um rei ou líder supremo, e que existiram até o século III a.C. na região

que hoje corresponde à Grécia.

2 Ágora: termo grego que signifi ca “assembleia” ou “local de reunião”,

onde ocorriam os debates e tomada de decisões das pólis gregas.

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Curso Cidadania JudiCiária 5

vam alterar o sistema vigente. Neste con-texto, o movimento que ficou conhecido com Iluminismo3 promoveu os ideais de igualdade, fraternidade e solidariedade, e impulsionou a cidadania e a participa-ção política independentemente de clas-se social. O movimento culminou com a Revolução Francesa e com as reformas civis inglesas; veio a transformar profun-damente a estrutura do Estado moderno, o sistema de justiça e a democracia.

3 Iluminismo: movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade no questionamento filosófico, recusando todas as formas de dogmatismo.

3.Cidadania: alguns olharesA cidadania pode ser compreendida a partir de várias perspectivas. Não há uma definição legal ou muito menos um con-senso a seu respeito. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, principal instrumento jurídico fran-cês da época, cita a palavra “cidadão” nove vezes em seus enxutos 17 artigos, além de citá-la no próprio título. A partir da Revolução Francesa, a noção de cida-dania se impregna na retórica dos políti-cos, dos juristas, sociólogos e população em geral. Ser cidadão passa a ser uma aspiração quase universal de indivíduos nos mais diversos cantos do globo.

Neste tópico, coloca-se à reflexão da cidadania a partir das ideias de: (i) T. H. Marshall, que apresenta a cidada-nia como conjunto de direitos civis, po-líticos e sociais; (ii) Boaventura de Sousa Santos, que problematiza a cidadania em contraposição aos direitos huma-nos; e (iii) Hanna Arendt, que discute a cidadania a partir da exclusão social.

3.1. Cidadania: um ConJunto de direitos Civis, polítiCos e soCiaisUm dos principais estudiosos a desen-volver uma teoria sobre a cidadania foi T. H. Marshall, em 1950, com a obra Ci-dadania e Classe Social e outros ensaios. Ele propôs que a cidadania se subdivide em três espécies de direitos: direitos ci-vis, políticos e sociais. A divisão tem um fundamento lógico e cronológico. É um cidadão completo aquele que goza ple-namente de todos esses direitos.

Direitos civis são os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, como não ser preso sem o devido processo judicial. Esses direi-tos centram-se na ideia de liberdade in-dividual. Busca-se restringir o poder do Estado frente aos indivíduos, preservan-do-lhes direitos fundamentais. Dizem respeito ao direito de ser respeitado pelo Estado, o qual deve se omitir de violá-los. O status de cidadão incorporaria ainda outros direitos a partir desses.

Surgiu assim a demanda na socie-dade por direitos políticos, por poder votar e ser votado, pela permissão para criar partidos políticos e por um gover-no escolhido pelo povo. A partir destas duas dimensões de direitos, apareceram outras demandas mais complexas como a redistribuição das riquezas nacionais e a redução das desigualdades sociais. São, por exemplo, direitos trabalhistas, direito à educação pública, à saúde, à aposentadoria e à assistência social. Os direitos sociais evidenciaram a ideia de justiça social e de enfretamento à desi-gualdade material entre os indivíduos. Esses direitos nasceram desse contexto de direitos civis e políticos já vigentes.

Em sua análise, Marshall (1950, p. 66) toma como referência a história da Ingla-terra, onde residia. Nesse país, era pos-sível atribuir o período de formação de cada grupo de direitos a um século es-pecífico. Os direitos civis surgiram no sé-

culo XVIII, os políticos no século XIX e os sociais no XX. Propõe-se que haveria não somente uma sequência cronológica, mas também uma sequência lógica.

Entende o autor que os direitos à liberdade, à liberdade de expressão, à manifestação proporcionaram a difusão de ideias e a capacidade de organização política, as quais acabaram impulsionan-do a sociedade a exigir uma participação efetiva no Estado. Assim, a partir desta maior participação, passaram a exigir direitos sociais. Não obstante, o autor reconhece uma exceção a esta lógica: a educação. Os ingleses antes mesmo da aquisição de direitos civis, possuíam níveis significativos de instrução básica. Assim, a educação pode considerar-se como alicerce para as demais lutas por direitos e para a cidadania.

A sequência lógica, todavia, não cor-responde à realidade histórica de muitos países. José Murilo de Carvalho (2008, p. 9) afirma que é possível visualizar direitos ci-vis sem direitos políticos, mas a recíproca não é verdadeira. Por exemplo, na China há direito à propriedade e igualdade pe-rante a lei, mas não há eleições para o Po-der Executivo ou liberdade para se criar partidos políticos. De modo análogo, afirma Carvalho que podem existir direi-tos sociais mesmo sem direitos políticos ou direitos civis. Assim, a cidadania plena não poderia ser auferida simplesmente

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pela existência de direitos sociais, como os direitos trabalhistas. Mesmo sendo a última etapa na sequência proposta por Marshall, ela pode camuflar uma realida-de de muitas outras violações de direitos, em que governos autoritários reprimam opositores e tenham leis que privilegiem uma pequena elite.

3.2. Cidadania e direitos humanosSem dúvida a cidadania tem íntima rela-ção com os direitos humanos. Os direi-tos discutidos por Marshall são direitos humanos também conquistados histo-ricamente por meio de reivindicações de movimentos sociais. Mas qual seria sua relação com a cidadania? Todos que possuem direitos humanos são ci-dadãos? Ser cidadão é ser titular de direitos humanos? De maneira similar ao que propõe Marshall, Karel Vašák4 (1982) defende que os direitos humanos também evoluíram através de gerações diferentes. Argumenta que os direitos ci-vis e políticos seriam direitos de primeira geração e que, portanto, deveriam ser garantidos prioritariamente em detri-mento dos direitos sociais ou direitos de igualdade, de segunda geração, e dos direitos de solidariedade, de terceira ge-ração, que seriam aqueles direitos difu-sos como o direito a um meio ambiente sadio, direito à preservação do patrimô-nio histórico, entre outros. O quadro 1 esquematiza a proposta de Karel Vašák.

QUADRO 1 – RElAÇãO ENTRE CIDADANIA E DIREITOS HUmANOS, SEGUNDO KAREl VA áK

Cidadania Direitos Civis Direitos Políticos Direitos Sociais Direitos deSolidariedade

DireitosHumanos 1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração4 Karel Vašák é um jurista tcheco-

francês, fundador da teoria das gerações dos direitos humanos,

corredator da Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948).

Em adição à uma suposta ordem cronológica, alega-se também que os direitos civis e políticos teriam uma aplicação imediata enquanto que os di-reitos sociais teriam aplicação progres-siva, ou seja, haveria um lapso de tempo e uma obrigatoriedade diferentes para tais direitos. O fundamento para tal ale-gação estaria na distinta necessidade de recursos públicos para a sua efetivação. Em teoria, os direitos civis e políticos não demandariam gastos governamentais, uma vez que bastaria o Estado se abster de proibir ou simplesmente não intervir na vida das pessoas. Já os direitos so-ciais exigiriam políticas públicas custosas para garantir saúde, educação etc.

Esse argumento falha ao ignorar que todo e qualquer direito pressupõe a alocação de recursos públicos, isto é, todo direito tem um custo, como indi-cam Holmes e Sunstein (2000). Criar um fórum de justiça, remunerar juízes, pro-motores e policiais demanda um custo para garantir o direito à igualdade pe-rante a lei. Assegurar direitos políticos também requer a criação de um órgão independente para gerenciar as elei-ções – como a Justiça Eleitoral –, exi-ge mesários e servidores públicos para checar que votos não sejam fraudados e para fazer a contagem dos votos. Todo direito envolve o engajamento do Estado, formulação de políticas pú-blicas e, naturalmente, o emprego de recursos públicos. Não se pode, por-tanto, condicionar prioridade a certos direitos em prejuízo aos demais.

Hoje se entende que “todos os di-reitos humanos são universais, indivisí-veis interdependentes e inter-relaciona-dos”, conforme determina a Declaração

e Programa de Ação de Viena das Na-ções Unidas, de 1993. Desse modo, os direitos humanos parecem se asseme-lhar à cidadania. Não há ordem crono-lógica, nem uma lógica prescrita. Todos os direitos são importantes e demandam efetivação imediata.

Ademais, tomando um olhar dos fatos, a visão de um passo a passo evo-lutivo pré-definido não condiz com boa parte dos processos históricos no mun-do. Em muitos países, há direitos traba-lhistas sem liberdade de expressão ou direito à aposentadoria, sem direito ao voto. Por exemplo, o direito à integri-dade física das mulheres, mesmo pre-visto em lei, não é garantido da mesma maneira em todos os países. Enquanto no Japão, apenas 15% das mulheres re-latam ter sofrido alguma violência física ou sexual, no Peru, o número supera 50% das mulheres (OMS, 2013). As de-sigualdades e as diferentes realidades de opressão e exclusão social desauto-rizam a padronização dos processos ou explicações simplistas. Tentar constran-ger a realidade social a modelos fecha-dos tem se mostrado uma empreitada muito difícil. Atualmente, há posiciona-mentos que tendem à flexibilização e à adoção de critérios menos amarrados.

As desigualdades, opressão e ex-clusão social se fundam em relações de poder. Rico e pobre, branco e negro, ho-mem e mulher, centro e periferia. Estas diferenças são essenciais para compre-ender o fenômeno da cidadania e dos direitos humanos e seus limites. Jürgen Habermas5 (1997, p. 114) considera que se deve levar em conta as condições precárias de integração e inclusão social em relação à cidadania. Não se trata,

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Curso Cidadania JudiCiária 7

portanto, apenas de ter boas leis ou de ter uma legislação que garanta direitos civis, políticos e sociais, mas a existência de mecanismos efetivos de inclusão.

Assim também entende Boaventura de Sousa Santos (2012), o qual introduz um conceito de cidadania baseado na ideia de pertença. O sentimento de per-tença social ou de “fazer parte” do meio social é central na noção de cidadania. São cidadãos aqueles que pertencem ao corpo social, que nele estão efetivamen-te incluídos e dentro do qual gozam de mobilidade. Entretanto, ressalta que a lógica de pertencer ao meio social pode, ainda assim, se mostrar excludente. Afir-ma Santos (2012): “Todos são humanos, mas só alguns são cidadãos.”

Como explicar a cidadania, que, em tese, é um meio de garantir direitos através de uma ótica de exclusão?

3.3. Cidadania exCludenteHá cidadãos e há não cidadãos, há os que gozam de direitos e aqueles que não go-zam. Hannah Arendt6 discute que a cida-dania pode ser compreendida não a par-tir de quem efetivamente é cidadão, mas a partir de quem não é. Muitas vezes, a melhor maneira de entender um concei-to é através de uma lógica de oposição, do que não é. Arendt, em sua obra-pri-ma As origens do Totalitarismo, analisa como certos grupos sociais foram siste-maticamente excluídos do rol de cida-dãos na primeira metade do século pas-sado, principalmente pelo Nazismo7, na Alemanha, e pelo Stalinismo8, na Rússia e Europa Oriental.

Os judeus, ciganos, opositores e outros grupos tiveram seus direitos sub-traídos pelo Estado, deixando de possuir o status de cidadãos. A perda da cida-dania privou essas pessoas não somen-te da proteção estatal, mas também de toda forma de identidade. Até mesmo a concessão de certidões de nascimento

era negada aos filhos daqueles que ha-viam perdido a nacionalidade. Assim que aqueles indivíduos deixaram de compor o conjunto de cidadãos, eles se tornaram algo distinto, alguém que não demanda-va a mesma atenção, alguém inferior.

Arendt (1973, p. 287) relata que os não-cidadãos não possuíam tratamento jurídico específico, de maneira que to-das as questões envolvendo-os, crimes ou não, ficavam a cargo da polícia. A au-toridade policial ganhou assim poderes inéditos na Europa, podendo agir como bem entendesse, impondo irrestrita-mente sua vontade e autoridade sobre essas pessoas. A lei já não se aplicava. Não se concebiam direitos. Era o poder do Estado em toda sua magnitude, sem limite. Essa ausência de limites seria a essência mesma da noção de Totalita-rismo, isto é, o poder total do Estado.

A criação do Estado moderno surge juntamente com a delimitação de quem seria seus cidadãos. Isso pode parecer banal nos dias atuais, mas, anteriormen-te, os movimentos populacionais ocor-riam de maneira fluída e a incorporação de povos migrantes em outros territó-rios era comumente feita sem maiores percalços. A entrada na nova sociedade acontecia com facilidade e todos direitos eram igualmente adquiridos sem muita burocracia. Bons exemplos disso podem ser encontrados no começo da imigração europeia para as Américas, ou mesmo dentro da Europa, antes do século XIX. Sem um Estado definido e sem clareza de critérios para aquisição de cidadania, a inclusão social era simplificada9.

Contudo, o Estado, apesar de cria-do concomitantemente aos direitos hu-manos, logo vem a excluí-los de seu âm-bito de incidência. Os Estados passam a determinar que só irão proteger direitos de seus cidadãos, ninguém mais. Seriam protegidos os cidadãos e não os seres humanos de modo abrangente. Enten-de-se que todos os serem humanos se-riam cidadãos de alguma comunidade

5 Jürgen Habermas é um filósofo e jurista alemão que elaborou teorias inovadoras sobre comunicação, esfera pública e democracia, e considerado um dos mais importantes intelectuais vivos.

Para Refletir1. Como você avalia a situação brasi-leira quanto às diversas gerações de direitos humanos?

2. Você acha que pode haver situa-ções em que os direitos sociais entram em conflito com os valores culturais de uma determinada sociedade? Nesses casos, como resolver o impasse?

6 Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã de origem judaica. Seu pensamento influenciou bastante o estudo do poder, democracia e autoridade. Em 2013, Margarethe Von Trotta dirigiu o filme “Hannah Arendt, que relata parte de sua vida e obra.

7 Nazismo: doutrina e partido do movimento nacional-socialista alemão fundado e liderado por Adolph Hitler (1889-1945); hitlerismo, nacional-socialismo.

8 Stalinismo: conjunto dos métodos e práticas de governo do chefe de Estado soviético Iósif Vissariónovitch Djugatchvíli, dito Stalin (1879-1953).

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política, de algum Estado, de maneira que se as leis do país do qual se é cida-dão não correspondesse às expectativas de seus cidadãos, caberia a esses mudar tais leis. Assim, o fardo de garantir direi-tos recairia exclusivamente no Estado do qual se é cidadão. Em países democrá-ticos, deve-se buscar a via das eleições e do processo legislativo para tais mu-danças. Em países autocráticos, que se busque a revolução e derrubada do go-verno despótico (ARENDT, 1973, p. 293).

Portanto, segundo Arendt (1973, p. 279) a noção de cidadania perpassa necessariamente pela exclusão de seres humanos de direitos, em benefícios de alguns cidadãos. Ela promove a ideia de que a cidadania seria “ter direito a ter direitos.” Logo não seria a condição humana ou a efetiva inserção no meio social que atribuiria direitos às pessoas, senão algo distinto e artificial. Cidada-nia seria algo essencialmente excluden-te e fundado em regras jurídicas que garantem status sociais diferenciados.

Esta relação de cidadania por ex-clusão torna-se ainda mais problemática no contexto atual, em que o pensamen-to econômico hegemônico se orienta

pelos preceitos do neoliberalismo10. O Estado-nação sofre um processo de en-fraquecimento de sua habilidade de im-plementar direitos, com corte nos gas-tos públicos e perda de poder nacional em favor de instâncias econômicas in-ternacionais, o que impacta os direitos políticos e sociais, principalmente. Não obstante, Boaventura de Sousa Santos (2012) bem relembra que hoje a cidada-nia “apesar de ser cada vez mais pre-cária para quem a tem, é cada vez mais preciosa para quem não a tem.”

4.Cidadania, demoCraCia e partiCipaçãoO viés da participação e da democracia estão presentes na cidadania desde sua gênese, na Grécia Antiga. Aristóteles definia o cidadão como aquela pessoa que tem o direito de participar dos es-paços deliberativos ou judiciais (MILLER, 2012). Isso revela uma afeição precoce da cidadania aos direitos políticos. Na pólis, ser cidadão e não participar signifi-cava, na prática, não ser cidadão. Assim, a participação aparenta ser componente indispensável da cidadania.

Ainda que possa haver divergência sobre quais direitos são necessários para que alguém seja cidadão, não se discor-da de que ser cidadão se relaciona com ter direitos. Trata-se de um excelente ponto de partida. Mas não se trata so-mente de possuir direitos, mas também de participar na vida política. Esse era o critério de diferenciação entre cidadãos e não-cidadãos nas cidades-estado gre-gas. Os avanços dos tempos não excluí-ram este atributo da cidadania.

9 Inclusão social simplificada: no século XIX, o governo imperial, além de não dificultar, estimulava a vinda de

imigrantes europeus ao Brasil, pagando-lhes a passagem e facilitando o emprego.

Em 1889, por exemplo, realizou a “Grande Naturalização”, em que todos

os estrangeiros residentes no Brasil, caso não declarassem diante a intenção de

conservar a nacionalidade de origem, se tornariam “cidadãos brasileiros” por força

decreto, e assim aconteceu. (RI, 2010, p. 18–19)

10 Neoliberalismo é uma corrente de pensamento econômico e politico

que valoriza a liberdade comercial, a competividade e o mérito individual.

Propõe a redução do aparelho do Estado, o encolhimento de políticas sociais

que facilitem a redistribuição de renda e, portanto, apoia a privatização de

serviços públicos e a mínima intervenção do Estado na sociedade, exceto quanto

a funções como a Justiça, Polícia e as Forças Armadas.

SAIBA MAISInteressante notar a diferença entre os dois principais instrumentos precursores de direitos humanos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) prevê, em seu art. 1º, a possibilidade de diferenciação.

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Já a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), elaborada após as atro-cidades cometidas por regimes totalitários europeus, como o nazismo alemão, salienta o princípio da não discriminação, o qual visa mediar a exclusão social. Note o uso dos termos “toda pessoa” e “sem distinção qualquer”.

Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São do-tadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Art. 2º Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabele-cidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

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A participação, por sua vez, se ba-seia na ideia de legitimidade e sobera-nia popular. Ingeborg maus11 (2009, p. 51–52) explica que há uma diferença im-portante entre o que chama de pactum subjectionis e pactum unionis. O primei-ro seria uma relação de poder autoritária e ditatorial entre o Estado e os indivídu-os, nas quais haveria sujeição ao poder governante. Já o pactum unionis envol-veria uma relação de cooperação, parti-cipação e de união entre os indivíduos e o Estado, fundando-se sobre uma verda-deira socialização do poder. Em ambos os pactos há leis e Estado, a diferença estaria na legitimidade desse poder go-vernante. A fonte da legitimidade certa-mente não estaria nas leis em si, mas se encontraria no princípio da soberania do povo (HABERMAS, 1997, p. 122).

Esta soberania popular forneceria alicerces, por sua vez, à democracia. Sem o valor democrático, a harmonia social poderia até ser alcançada e um sistema jurídico até formalmente estabe-lecido. Maus (2009, p. 17) explica que é possível “instituir grande ordem e paz na opressão geral”, contudo, isso aconteceria provavelmente à revelia da estabilidade e da justiça social.

Mas, então, qual seria a relação en-tre a democracia e a cidadania?

O modelo democrático seria o ins-trumento, talvez o mais adequado en-contrado até o momento, para viabilizar um poder estatal de maneira legítima, pois os cidadãos participavam do poder, seja por meio de representantes eleitos, seja diretamente – através de plebiscitos e de leis de iniciativa popular. Assim, é por meio desta legitimidade que haveria melhores condições de se garantir direi-tos. Logo, esse seria o modelo que per-mitiria ser cidadão em plenitude, gozan-do de direitos civis, políticos e sociais.

Mas para que realmente haja le-gitimidade, é importante que haja participação. Com pouca participação há também pouca legitimidade. Isso

11 Ingeborg Maus é uma cientista política alemã e uma das mais importantes teóricas contemporâneas da democracia e da soberania popular.

novamente pode ser problemático para a estabilidade política e social. Exemplifi ca-se isso com as chamadas Medidas Provisórias brasileiras. Essas medidas, espécies de normas editadas pelo presidente da república, têm for-ça de lei automaticamente. Entretanto, isso ocorre sem prévia discussão no Congresso Nacional entre represen-tantes eleitos, tornando o poder deci-sório extremamente concentrado no presidente. Há, portanto, pouquíssima participação, daí as repetidas críticas por parte de deputados, senadores e da população em geral, ao seu uso banalizado e a consequente desesta-bilização do cenário político. Ultima-mente, porém, pressiona-se para que a democracia não se resuma ao modelo representação eleitoral. A participação cidadã por meios diretos12 tem sido pauta dos movimentos sociais e tem motivado protestos massivos em todo o mundo e, particularmente, no Brasil.

Assim, segundo defende José Murilo de Carvalho (2008, p. 227): “Se há algo importante a fazer em termos de consolidação democrática, é refor-çar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, democratizar o poder.”

Participar não é apenas exercer mais a cidadania, é, de fato, se tornar mais cidadão.

12 Meios diretos: A democracia direta ocorre por meio de plebiscitos, referendos, iniciativas populares de lei, aprovação popular de grandes obras, orçamentos participativos, além de conselhos de bairro e audiências públicas deliberativas.

Para Refl etir1. Como você avalia a defi nição de cidadania brasileira na Consti tuição de 1988? Nesses 25 anos, houve avanços na conquista dos direitos civis e políti cos?

2. Em que medida as ações compensa-tórias, como o Programa Bolsa Família, podem ser consideradas direitos sociais ou medidas de assistência social, com fi nalidade políti ca?

representação eleitoral. A participação tem sido

pauta dos movimentos sociais e tem motivado protestos massivos em todo o mundo e, particularmente, no Brasil.

Assim, segundo defende José Murilo de Carvalho (2008, p. 227): “Se há algo importante a fazer em termos de consolidação democrática, é refor-çar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, democratizar o poder.”

Participar não é apenas exercer mais a cidadania, é, de fato, se tornar

Como você avalia a defi nição de cidadania brasileira na Consti tuição de 1988? Nesses 25 anos, houve avanços na conquista dos direitos civis e políti cos?

Em que medida as ações compensa-tórias, como o Programa Bolsa Família, podem ser consideradas direitos sociais ou medidas de assistência social, com

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10 Fundação demóCrito roCha | universidade aberta do nordeste

Figura 1 – Evolução da Cidadania E aquisição dE dirEitos

No Brasil, os eventos não aconte-

ceram nesta ordem cronológica. Na prática, houve uma inversão do mo-delo, partindo de direitos sociais, aos políticos e, por fim, aos civis. O resul-tado desta receita inusitada compõe a sociedade e o Estado brasileiros de hoje, os quais não são livres de dificul-dades e entraves estruturais.

Figura 1i – Evolução da Cidadania E aquisição dE dirEitos, no Brasil

Os colonizadores portugueses dei-xaram como seu legado no Brasil uma “população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monoculto-ra e latifundiária, um Estado absolutista” (de CARVALHO, 2008, p. 18). Nesta afirmação, podem-se identificar várias condicionantes problemáticas para o desenvolvimento da cidadania, segun-do a teoria de Marshall. O pressuposto básico elencado pelo autor inglês para se começar a luta por direitos – a educa-ção básica – não estava presente. A es-cravidão renegava milhões de brasileiros ao status de objetos comercializáveis. A economia e a população rural dificulta-vam a organização de movimentos so-

5.Cidadania no brasilA cidadania no Brasil se apresenta de forma muito peculiar, desde a chegada dos portugueses. O país não seguiu o mesmo processo histórico que países europeus e muitas noções importadas não se enquadraram bem à realidade brasileira. Ser cidadão no Brasil não é o mesmo que ser cidadão na Inglaterra ou na Alemanha. Aqui, sem dúvida, não se goza de todos os direitos exigidos para uma cidadania em plenitude, mas, ao mesmo tempo, seria leviano dizer que não há cidadania.

O Brasil precisa ser analisado atra-vés de uma lente que lhe seja própria, para poder entender que tipo cidadãos há aqui, quais limitações desta cidada-nia e o que poderia ser feito para trans-formar esta situação. Pode-se caracteri-zar o sistema brasileiro de cidadania em três vertentes: (i) a inversão do mode-lo de T. H. Marshall; (ii) a influência da “casa” e da “rua”, segundo Roberto DaMatta; (iii) o déficit da representativi-dade tradicional.

5.1. inversão do modelo de t.h. marshallMarshall propõe que a sequência mais lógica para se realizar a cidadania seria, primeiro o asseguramento de direitos ci-vis, em seguida dos direitos políticos, e por fim, dos direitos sociais.

ciais em núcleos urbanos, enfraquecen-do a força de reivindicações populares. O Estado totalitário se impunha a todos: sem legitimidade, sem participação e sem apreço pelos anseios do povo.

A proclamação da República, em 1889, e a convocação de eleições para os cargos governamentais, não alterou muito essa realidade. As elites tradicio-nais se revezavam no poder por meio da política do “café com leite”, em que as aristocracias de Minas Gerais e São Paulo se alternavam no Poder Executivo nacio-nal. Apesar da Abolição da escravatura em 1888 ter possibilitado a incorporação formal da população negra aos frágeis direitos civis existentes, a guinada efe-tiva de tais direitos somente vai se dar décadas depois. Os primeiros anos da República brasileira viram eleições frau-dulentas e violentas e o agravamento da exclusão social, deixando a garantia de direitos à deriva da política brasileira.

Diante desse contexto, José Murilo de Carvalho (2008, p. 219–220) explica que apenas a partir da década de 1930 é que se pode falar em direitos assegu-rados pelo Estado brasileiro. Carvalho aponta que primeiro vieram os direitos sociais, os quais foram efetivados em pe-ríodo de supressão dos direitos políticos e de direitos civis limitados no governo de Getúlio Vargas13. Esse gaúcho assu-miu a Presidência através de um golpe de Estado, em 1930, e governou sobera-namente até 1945.

Os 15 anos de governo varguista fo-ram caracterizados pela consagração de muitos direitos sociais como regulamen-tação do trabalho, o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, férias anuais remuneradas, amparo aos pobres, amparo à maternidade e à infância, assim como o direito à educação primária inte-gral e gratuita (SOUZA, 2005, p. 2).

Esses direitos foram assegurados em um contexto ditatorial, de repressão a qualquer oposição ao governo. Não obstante o período é recheado de con-

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Curso Cidadania JudiCiária 11

tradições. O governo autocrático avança também no campo dos direitos políticos; em 1932 cria o primeiro Código Eleitoral do país, disciplinando as eleições e es-tabelecendo o voto secreto, obrigatório, o voto feminino e a Justiça Eleitoral. En-tretanto, a realização de eleições se faz de modo inconstante, visto que o perí-odo se distingue por rupturas na ordem constitucional e pela dissolução do Po-der Legislativo. Após a ditadura varguis-ta, teve-se um breve período democrá-tico, entre 1945 e 1964, seguido de uma nova ditadura, desta vez sob o comando dos militares, até o final dos anos 1980.

Os direitos civis foram igualmente in-termitentes. Entre tantos golpes de Esta-dos, ditaduras e tantas constituições (sete ao total até agora), praticar a liberdade de expressão ou obter o tratamento igualitá-rio perante o Poder Judiciário, eram direi-tos difícil e raramente respeitados. Com efeito, considera-se que os direitos civis só foram verdadeiramente garantidos a partir de 1988, com a chamada “Consti-tuição Cidadã”. José Murilo de Carvalho (2008, p. 220) coloca a questão com clare-za: “a pirâmide dos direitos [de Marshall] foi colocada de cabeça para baixo.”

5.2. mais “Casa” do que “rua”O foco brasileiro foi e tem sido primor-dialmente colocado sobre os direitos so-ciais em detrimento dos direitos civis e políticos. Isso não acontece sem razão. A oferta de benefícios sociais e serviços públicos à população surge, muitas ve-zes, a partir de iniciativa da elite política governante. Esta prática se desenvolve no Brasil desde seus primórdios, não como uma garantia de isonomia de di-reitos a todos os cidadãos, mas como uma benesse estatal, um favor.

Roberto Damatta14 (1986, p. 21–34, 95) diferencia dois aspectos centrais da realidade brasileira: a “rua”, que envol-veria tudo aquilo vinculado ao espaço

público, às leis, às relações impessoais com os outros, com a massa, sendo re-ferido com um espaço de luta diária; e a “casa”, a qual se relaciona ao espaço privado, à família, às relações personali-zadas e ao favoritismo. Portanto, o Brasil tem um sistema social dividido entre o sujeito, ao qual se aplicam as leis, atra-vés do que se garante a igualdade entre todos, e o sujeito das relações pessoais, o qual nunca teria a aplicação das leis a si mesmo, porque sempre “mereceria” uma exceção à regra posta.

O conflito entre a “rua” e a “casa” proporciona uma invenção genuina-mente nacional: o “jeitinho” brasilei-ro. Esta figura indica uma tendência a privilegiar a “casa” em detrimento da “rua”. As normas devem se aplicam aos outros, mas nunca a si mesmo. As relações com o Estado, com repar-tições públicas, com o fisco ou com uma fila de banco se baseiam sempre na ideia do favorecimento, do desres-peito à regra em benefício próprio e do “ser mais esperto”. Entre o “pode” e “não pode” há sempre um “jeiti-nho” que visa conciliar os interesses, ainda que em contradição à norma estabelecida. Assim, Maria Luiza Mes-triner (2011, p. 15) indica que o favor se tornou uma forma consolidada de relação social no Brasil, dando-se de forma verticalizada entre o senhor e o apadrinhado, entre a autoridade e o compadre, entre familiares e amigos.

Como a cultura brasileira é profun-damente enraizada nessa concepção, o gozo de direitos acaba passando pelo recurso às relações pessoais para poder garanti-los. Viver conforme as regras e leis existentes dificulta o acesso a di-reitos, porque não se tem privilégios, de maneira que assim se acaba sendo menos cidadão. Trata-se de uma gran-de contradição vivenciada pelo povo brasileiro. Cumprimento da igualdade perante a lei acaba impedindo uma ci-dadania plena, e não o inverso.

13 Getúlio Dornelles Vargas (1882 - 1954) foi um político brasileiro que liderou a ala civil da Revolução de 1930, que pôs fim à Revolução Velha, depondo seu 13º e último presidente Washington Luis e impedindo a posse do presidente eleito, em 1º de março de 1930, Júlio Prestes. Foi presidente do país em dois períodos. O primeiro de 15 anos ininterruptos, de 1930 até 1945, e que dividiu-se em 3 fases: de 1930 a 1934, como chefe do “Governo Provisório”; de 1934 até 1937, como presidente da república do Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934; e de 1937 a 1945, como presidente-ditador, enquanto durou o Estado Novo implantado após um golpe de Estado.

14 Roberto DaMatta é um antropólogo brasileiro que estuda a diversidade dos dilemas e contradições da sociedade brasileira. É referência nacional no campo das Ciências Sociais.

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No Brasil, portanto, apesar de leis avançadas e de um aparato estatal ro-busto, os direitos não se efetivam como deveriam. Vende-se uma imagem de “legal” que não se concretiza: trata-se, de acordo com Mestriner (2011, p. 33) de uma “pseudocidadania”. Deste modo, há profundas diferenças no gozo de direitos por parte de ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres. Pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas (1999a), evidenciou essas dife-renças conforme compreendidas pela própria população brasileira.

Se uma pessoa negra e uma branca praticarem o mesmo crime, a justiça (%)

Trata a negra com maior rigor 66,4

Trata a branca com maior rigor 1,1

Trata as duas igualmente 28,8

NS/NR 3,7

Total 100(N=1.578)

Fonte: CPDOC-FGV/Iser, Lei, Justiça e cidadania

Se uma pessoa rica e uma pobre praticarem o mesmo crime, a justiça (%)

Trata a pobre com maior rigor 95,7

Trata a rica com maior rigor 1,2

Trata as duas igualmente 2,5

NS/NR 0,6

Total 100(N=1.578)

Fonte: CPDOC-FGV/Iser, Lei, Justiça e cidadania

Para além do gozo de direitos, há ainda outras consequências negativas desta prática, sobretudo no campo po-lítico e da participação. Dulce Chaves Pandolfi (1999b, p. 58) ressalta: “Aqui, como o espaço público é o mais dis-tante, a tendência para resolução dos problemas é pessoalizar as relações, desprezando, assim, os canais tradicio-nais de participação política e social.” A falta de conexão ou até de confiança na coisa pública, no governo e nas ins-tituições acaba afastando os cidadãos, o que deixa tais espaços livres para a ocupação daqueles que buscam a satis-fação de interesses pessoais e a repro-dução da lógica de favoritismo, apadri-nhamento, pessoalidade e exclusão.

5.3. representatividade deFiCitáriaOs cidadãos percebem as instituições públicas, o governo e os parlamentares com acentuada descrença. As pessoas normalmente não se veem ou não se sentem representadas por suas autorida-des eleitas. Uma consequência desta re-presentatividade deficitária é a excessiva valorização do Poder Executivo. Os bra-sileiros enxergam o presidente, o gover-nador, o prefeito como espécies de “sal-vadores da pátria”, de figuras centrais na política, que seriam os únicos capazes a solucionarem os seus problemas.

Assim, o Poder Legislativo tem pres-tígio renegado pelos cidadãos. Histori-camente, há um recorrente menosprezo ao Congresso Nacional, tendo o mesmo sido fechado e seus parlamentares cassa-dos numerosas vezes. De modo que se dá pouca importância ao seu papel políti-co. No Brasil, nunca se exigiu, em protes-tos, eleições parlamentares, assim como nunca houve um levante popular contra o fechamento do Congresso (CARVALHO, 2008, p. 222). O Legislativo, instância mais participativa – por possuir mais represen-tantes eleitos – aparenta ser menos rele-vante ou situar-se em um segundo plano.

O processo eleitoral no Brasil ain-da evidencia, de forma recorrente, a prática de fraude, compra de votos e de contabilidade paralela para gastos com campanhas. Em pesquisa de 2010, o Ibope revelou que 41% dos brasilei-ros conhecem alguém que já votou em troca de algum benefício, e destes, 54% afirmaram que não denunciariam tentativa de compra de votos (AGÊN-CIA BRASIL, 2010). Portanto, além de uma participação vinculada a favores, percebe-se que há descrédito em re-lação aos órgãos que poderiam coibir tais condutas ilegais.

O espaço público parece não atrair muito interesse dos cidadãos. Jogar lixo nas ruas, depredar bens públicos e sujar as praias, pode parecer aceitável e, de certo modo, aparenta ser enca-rado como não sendo um problema dos cidadãos. Enquanto na esfera pri-vada e familiar há solidariedade, ajuda e cooperação, na esfera pública isso raramente ocorre. Os brasileiros se en-gajam pouquíssimo em causas coleti-vas que se sobressaiam aos interesses estritamente pessoais. Tem-se no país taxas de associativismo muito baixas. Poucos parecem se interessar em com-por associações comunitárias, sindi-catos, ONGs, entidades beneficentes, partidos políticos e grupos artísticos, esportivos e culturais.

SAIBA MAISO tema do “jeitinho” brasileiro e do conluio de favores entre autoridades e cida-dãos é tão antigo quanto o próprio país. Já em 1500, Pero Vaz de Caminha, no final de sua carta ao rei d. Manuel I de Portugal, relatando a primeira viagem às terras brasileiras, pleiteia um favor para seu genro.

[...] Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fa-zer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.

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Curso Cidadania JudiCiária 13

Grau de confiança em lideranças (%)

liderançasmédia das notasCPDOC-

-FGV/Iser VP/Veja

Líderes de sua religião 8,1 6,4

Parentes 7,9 6,8

Amigos 6,6 5,7

Vizinhos 6,0 4,7

Patrão/Empregado 5,4 4,4

Presidente do Brasil 5,1 4,7

Líderes sindicais e deassociações 4,2 4,0

Prefeito de sua cidade 4,1 3,9

Deputado em quemvotou 4,0 3,1

Fonte: VP/Veja e CPDOC-FGV/Iser. Lei, justiça e cidadania.Nota: As duas pesquisas pediram que as lideranças fos-sem avaliadas de 1 a 10 segundo o grau de confiança que despertam. A tabela fornece as médias das notas.

Filiação a associações (%)

Partido político 2,1

Sindicato 13,6

Associação de moradores 5,5

Associação de países e estudantes 1,7

Entidade de defesa do meioambiente 0,6

Associação filantrópica 5,8

(N=1.578)Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa “Lei, justiça e cidadania”.

Algumas mudanças na legislação vêm tentando modificar este cenário. A Constituição de 1988 trouxe abertura para uma maior participação dos cida-dãos nos processos de decisão de polí-ticas públicas. Assim, em 1990, aprova--se a Lei nº 8.142 que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2001, a Lei nº 10.257, Estatuto das Ci-dades, passa a exigir a participação da população e de associações represen-tativas no planejamento e desenvolvi-mento urbano das cidades brasileiras. Como a Lei nº 8.069 de 1990, cria-se a exigência de eleição entre membros da comunidade para os Conselhos Tu-telares em nível municipal.

Igualmente, após 1988, surgem vá-rios Conselhos de Defesa de Direitos em nível federal, estadual e municipal, como órgãos colegiados, permanen-tes, consultivos ou deliberativos, com a competência de formular, supervisio-nar e avaliar políticas públicas. Hoje, esses órgãos envolvem as mais diver-sas áreas como direitos de mulheres, direitos humanos, desenvolvimento ur-bano, saúde, assistência social, criança e adolescente, pessoas com deficiên-cia, juventude, entre outros. No entan-to, estes espaços, apesar de importan-tes e de abrirem o Estado à sociedade, ainda sofrem bastante com a ineficácia dos órgãos executivos de tornar efe-tivas suas regulações (MESTRINER, 2011, p. 33).

Por fim, Pandolfi (1999b, p. 57) res-salta que este desapego ou desinteres-se dos cidadãos com a participação em espaços democráticos acaba tornando o relacionamento entre a população e o sistema político limitada. O povo bra-sileiro se vincula mais à percepção dos produtos de decisões político-adminis-trativas, do que à percepção do proces-so decisório da política em si.

Um exemplo desse pensamento pode ser notado na expressão “rouba, mas faz”, surgida no Brasil nas eleições municipais de São Paulo em 1957 e uti-lizada comumente até hoje (COTTA, 2008). A expressão possui uma cono-tação positiva, indicando que, ainda que o político roube e seja corrupto, o mesmo é “perdoado” desde que reali-ze algo em proveito da população. Em outras palavras, pouco importam o pro-cesso político, a participação, a honesti-dade ou a ética. Importam os resultados finais, os produtos e “o que eu ganho com isso”. Assim, brasileiros parecem mais com clientes de uma empresa pri-vada, do que efetivamente cidadãos.

6.Cidadania e JustiçaA Justiça e a cidadania estão intimamen-te ligadas. Primeiro, porque um dos prin-cipais elementos do Estado Democrá-tico de Direito15 perpassa o Judiciário: direito à igualdade perante a lei. Não so-frer discriminação, de qualquer natureza perante a lei, é um fator fundante do Es-tado moderno e princípio básico da no-ção de justiça social. O princípio da não discriminação está previsto em todas as convenções e pactos internacionais de direitos humanos e, no Brasil, consta ex-pressamente no art. 5º da Constituição.

No entanto, a igualdade perante a lei não basta, trata-se somente de uma igualdade formal, na lei. A igualdade formal não pode desconsiderar as di-ferenças reais entre os indivíduos. Para se garantir uma igualdade material, devem-se tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua diferen-ça. O Poder Judiciário tem um papel fundamental em reconhecer e assegu-rar que tal igualdade ocorra nos casos concretos. Sendo a instância para so-lução de conflitos e exigência de direi-

Para RefletirVocê consegue descrever pelo menos uma situação em que pessoas do seu círculo de relacionamento se utilizou do famoso “jeitinho” brasileiro para resolver um problema envolvendo ór-gãos públicos? E já presenciou alguma situação em que a pessoa se dirige a um funcionário publico com o famoso “você sabe com quem esta falando? Como se sentiu diante dos dois casos?

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14 Fundação demóCrito roCha | universidade aberta do nordeste

tos, cabe aos juízes garantir direitos e, portanto, assegurar a cidadania.

Outros atores institucionais também são importantes para uma salvaguarda mínima da cidadania, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Estes ór-gãos detêm autonomia funcional e ad-ministrativa e são essenciais ao funciona-mento da Justiça. O Ministério Público zela pelo cumprimento das leis e pelos interesses coletivos e difusos da popu-lação. A Defensoria Pública, por outro lado, atua na orientação jurídica e na de-fesa dos cidadãos necessitados. Juntos eles garantem que haja o devido proces-so legal e o efetivo acesso à justiça.

Embora os cargos estejam previstos na Constituição, a realidade não corres-ponde à lei, sobretudo no que tange à Defensoria. O IPEA (2013) em recente estudo evidenciou que faltam defensores públicos em 72% das comarcas brasilei-ras e apenas 59,5% dos cargos já criados para defensores estão providos. Ademais, quatro estados brasileiros – Paraná, Santa Catarina, Goiás e Amapá – ainda não têm o órgão efetivamente implantado. Desta feita, milhões de brasileiros, em especial os mais pobres, ainda têm negado o di-reito de acesso à justiça.

modelo de Ouvidoria Externa surge no estado de São Paulo e, hoje, o órgão já existe em oito outros estados brasileiros.

A Justiça brasileira vivenciou na úl-tima década um acelerado processo de mudança em que suas decisões e proce-dimentos internos apresentam crescen-te visibilidade e sujeitam-se a uma maior crítica pública. A ideia de um Judiciário de linguagem complicada, procedimen-tos enigmáticos e autoridades distantes da população vêm sofrendo uma grande pressão por transformação. E essas alte-rações não dizem respeito apenas ao Judiciário. Todos os integrantes deste grande sistema que compõem a Justiça brasileira caminham lentamente no seu processo de reformulação.

A Democratização da Justiça se revela essencial para assegurar a cida-dania também quanto ao Sistema de Justiça. Experiências como as da Ou-vidoria Externa da Defensoria Pública podem servir modelo para mecanismo similares no Ministério Público e no Ju-diciário, e assim aumentar o controle social sobre estas instituições.

7.dEsaFios para o FortaleCimento e proteção da CidadaniaA cidadania é um processo social e como tal não se adéqua a modelos res-tritos e sempre irá de encontro ao ideal, à utopia. O que é importante compre-ender são seus elementos fundamen-tais: a noção de garantia de direitos e de participação democrática. Da mes-

A via judicial também pode ser utili-zada como meio para se exercer a cida-dania. Garante-se aos cidadãos brasilei-ros o direito de ajuizar a chamada Ação Popular contra lesões ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histó-rico e cultural. Igualmente, se assegura a gratuidade para quaisquer pedidos administrativos e judiciais necessários ao exercício da cidadania. Pode-se citar também o direito ao habeas corpus, que pode ser exercido por qualquer cidadão em caso de restrição ilegal ou abusiva de sua liberdade de ir e vir. O habeas corpus pode ser impetrado no Poder Judiciário por qualquer cidadão, não sendo neces-sário o uso de advogado.

Ademais, a discussão sobre Judi-ciário e cidadania não pode deixar de abordar a participação dos cidadãos dentro das diversas instituições do Sis-tema de Justiça. Trata-se da chamada Democratização do Poder Judiciário, a qual pode ocorrer por intermédio de instituições como o Conselho Nacional de Justiça com participação da socie-dade civil, das diversas ouvidorias que funcionam nos tribunais em todo o ter-ritório nacional, de consultas e audiên-cias públicas, ou mesmo através da in-corporação de mecanismos de controle externo. Exemplo de tais mecanismos é a Ouvidoria Externa das Defensorias Públicas Estaduais, as quais participam da gestão e da fiscalização dos defen-sores e servidores.

A Ouvidoria Externa é encarregada de receber denúncias, reclamações ou sugestões sobre a Defensoria e tomar medidas a partir delas. A diferença está na composição do cargo de Ouvidor-ge-ral, que não é feita entre os defensores e sim entre os cidadãos por meio de um processo eletivo com participação direta de entidades da sociedade civil e movi-mentos sociais (DPESP, 2014). O primeiro

15 Estado Democrático de Direito busca superar o conceito de simples “Estado

de Direito”, fundado em leis abstratas e sem legitimidade popular. Assenta-se o conceito: no princípio da dignidade

da pessoa humana, nos direitos fundamentais, e na democracia.

Para RefletirSeria a democratização da Justiça uma forma de exercer direitos políticos?

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Curso Cidadania JudiCiária 15

ma maneira, não há um caminho traça-do para se atingir a cidadania plena. O que existem são ideias, experiências e propostas. É a isso que se destina esta unidade, propiciar ao leitor a constru-ção de novas ideias a partir de um olhar crítico do que foi discutido.

Quanto ao contexto do Brasil, o que ainda falta ser implementado? O que precisa melhorar? A Constitui-ção “Cidadã” de 1988 é, sem dúvida, a norma mais progressista que o país já teve, no que diz respeito à garantia de direitos tanto civis, políticos, quan-to sociais. Mas nem só de leis vive o homem. Faz-se necessário promover a participação nos níveis mais básicos da sociedade, na escola, no ambiente trabalho, no bairro e nas comunidades.

A participação em espaços do Exe-cutivo caminha bem com Conselhos de Defesa de Direitos e outros mecanismo de participação direta. Os Parlamentos também se abrem ao povo por meio de audiências públicas e iniciativas po-pulares de lei. O poder que se encontra diante dos maiores desafi os na abertura para a participação social talvez seja o Judiciário, mas as tendências apontam nesta direção.

Atualmente, com o avanço tecno-lógico, as redes sociais e a ampliação do acesso à informação, o potencial para participação aumenta e muitas mudanças podem surgir a partir deste cenário. Não há um estágio prelimi-nar ideal para se começar a participar e ou a ser democrático. Cidadania se aprende fazendo.

sÍntEsE do FasCÍCulo

A noção de cidadania nasce na Grécia Antiga e ressurge nos séculos XVIII e XIX, impondo-se como marco no processo de formação do Estado moderno. Há várias maneiras de se compreender a ci-dadania. Pode-se percebê-la como uma sequência de direitos civis, políticos e social. É possível entendê-la como uma vertente dos direitos humanos, ou ainda como uma noção excludente e centrada no Estado. Entretanto, além de uma vi-são de cidadania como garantia de direi-tos, o conceito também está caracteriza-do pela participação e pela democracia.

No Brasil, o tema possui acentuada relevância devido à peculiar história bra-sileira, à infl uência da lógica de favoreci-mento e “jeitinho”, bem como ao défi cit de legitimidade no seu sistema represen-tativo. A cidadania brasileira tem, portan-to, características próprias. Ademais, a cidadania tem íntima relação com a Jus-tiça, a qual tanto garante direitos como também deve proporcionar espaço para participação cidadã. O exercício pleno da cidadania é algo ainda em construção, mas se encontra alicerçado nos princípios de garantia de direitos e de participação.

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soBrE o autorRafael Barreto Souza Advogado e Profes-sor, graduado pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito Constitucio-nal pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo Institut de Hautes Études Interna-tionales et du Développement (IHEID), na Suíça. Assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA/Ceará) e professor do curso de Direito do Centro Universitário Christus (UniChristus) em Fortaleza, Ceará.