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CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO PROFESSORA DOUTORA MIRIAM FONTENELLE TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: O IPTU E O MEIO AMBIENTE URBANO. JOSÉ EDUARDO SILVÉRIO RAMOS CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ. 2006

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU

FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS

PROGRAMA DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO

PROFESSORA DOUTORA MIRIAM FONTENELLE

TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: O IPTU E O MEIO AMBIENTE URBANO.

JOSÉ EDUARDO SILVÉRIO RAMOS

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ.

2006

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JOSÉ EDUARDO SILVÉRIO RAMOS

TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: O IPTU E O MEIO AMBIENTE URBANO.

Dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Direito, na Faculdade de Direito de Campos, na área de concentração em Políticas Públicas e Processo, sob orientação da Professora Doutora Miriam Fontenelle, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.

ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA MIRIAM FONTENELLE

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ. 2006

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JOSÉ EDUARDO SILVÉRIO RAMOS

TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: O IPTU E O MEIO AMBIENTE URBANO.

Dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Direito, na Faculdade de Direito de Campos, na área de concentração em Políticas Públicas e Processo, sob orientação da Professora Doutora Miriam Fontenelle, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.

ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA MIRIAM FONTENELLE

SUBMETIDO À BANCA EXAMINADORA EM 08/08/2006.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

Professora Doutora Miriam Fontenelle

________________________________________

Professora Doutora Rosangela Maria de Azevedo Gomes

________________________________________

Professor Doutor Eduardo Takemi Dutra dos Santos Kataoka

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ. 2006

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Dedico este trabalho a meus pais, por tudo que fizeram por mim, e a minha amada esposa, companheira de todas as horas, que sempre me apóia em meus projetos e sonhos, como o fez durante todo o tempo dedicado ao Mestrado.

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Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da vida e por todas as bênçãos concedidas. A minha esposa, pelo apoio e pela compreensão por minha ausência em decorrência de tantas horas dedicadas ao estudo durante estes dois últimos anos. A minha família, que sempre me incentiva e apóia. A minha orientadora, a todos os professores do programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Campos – RJ e aos funcionários, especialmente aos da biblioteca e da secretaria. Aos amigos do escritório, a todos com quem trabalhei nos últimos anos, especialmente a Higner Mansur, pela oportunidade dada a um advogado recém formado e por tudo que com ele aprendi durante os últimos seis anos.

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SUMÁRIO

1. Introdução ...................................................................................................... 1

2. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado .............. 3

2.1. Desenvolvimento Sustentável ..................................................................... 10

2.2. A Política Nacional do Meio Ambiente ........................................................ 14

2.3. Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente ................................. 17

3. A Política Urbana e o Meio Ambiente Urbano ................................................ 19

3.1. Função social da propriedade e aproveitamento do solo urbano ............... 24

3.2. Instrumentos da política urbana .................................................................. 28

4. Direito Tributário Ambiental ........................................................................... 33

4.1. Princípios do Direito Tributário Ambiental ................................................... 36

4.2. Fiscalidade, Extrafiscalidade e Parafiscalidade .......................................... 55

4.3. O Tributo Ambiental .................................................................................... 61

5. IPTU – Imposto predial e territorial urbano .................................................... 67

5.1. Regra matriz de incidência do IPTU ............................................................ 68

5.2. Capacidade tributária e não confisco .......................................................... 79

5.3. Progressividade ........................................................................................... 81

6. IPTU e o Meio Ambiente Urbano ................................................................... 85

6.1. IPTU progressivo no tempo ......................................................................... 86

6.2. IPTU com alíquota diferenciada de acordo com a localização e o uso do

imóvel .................................................................................................................

92

7. Conclusão ...................................................................................................... 108

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 113

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RESUMO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, da CRFB). Em sendo assim, o homem tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o Poder Público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e toda a sociedade têm o dever de preservar o meio ambiente, sendo o tributo um importante instrumento na preservação e proteção do meio ambiente, e ainda não há, no Brasil, uma devida sistematização da utilização da tributação ambiental. Este trabalho pretende dar uma pequena contribuição para a sistematização da Tributação Ambiental com base no sistema constitucional tributário e ambiental, estudar as possibilidades de utilização do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de Política Urbana e proteção do meio ambiente urbano, para garantia da sadia qualidade de vida dos moradores das cidades. Palavras-chave: Direito Ambiental; Direito Tributário; tributação Ambiental; proteção do meio ambiente; não-afetação da Receita; extrafiscalidade.

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ABSTRACT

The Federal Brazilian Constitution of 1988 states that “… todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, da CRFB). […all the people have the right of an ecologically balanced environment, property of the people’s common use and essential to a healthy quality of life, imposing to the Government and to the collectiveness the duty of defending and preserving it for the present and future generations] (article 225, of the Brazilian Constitution). Therefore, the man has the right of an ecologically balanced environment; the Government (the Union, the States, the Counties and the Federal District) and all the society have the duty of preserving the environment, being the tax an important tool on the preservation and protection of the environment and there is not still, in Brazil, an appropriate systematization for the use of the Environmental Taxation. This study intends to give a small contribution for the systematization of the Environmental Taxation based on the tributary and environmental constitutional system and to study the possibilities of using the Building and Territorial Urban Tax as an Urban Politics tool and urban environmental protection, for the guarantee of a healthy quality of life of the city citizens. Key words: Environmental Law; Tax Law; Environmental Taxation; environment protection; extrafiscal organization.

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1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu que

“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações” (art. 225, da CRFB).

O homem tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o

Poder Público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e toda a sociedade

têm o dever de preservar o meio ambiente.

No capítulo 2, será estudado o direito fundamental ao ambiente

ecologicamente equilibrado, com breves considerações sobre o Desenvolvimento

Sustentável, a Política Nacional do Meio Ambiente traçada pela Lei nº 6.938, de

31.08.1981 e os Instrumentos a Política Nacional do Meio Ambiente.

No capítulo 3, será estuda a Política Urbana traçada na Constituição de

1988, o meio ambiente urbano, a função social da propriedade e o aproveitamento

do solo urbano, sendo apontados apenas os instrumentos da política urbana, para,

posteriormente, ser estudado em capítulo próprio um dos instrumentos urbanísticos:

o Imposto Predial e Territorial Urbano, o objeto deste trabalho. O tributo é um

importante instrumento de intervenção na economia e no comportamento social,

podendo, portanto, ser utilizado como instrumento na preservação do meio

ambiente.

No capítulo 4, será focado o Direito Tributário Ambiental, com o

objetivo de contribuir com a sistematização da Tributação Ambiental, sendo

discutidos os princípios do Direito Tributário Ambiental. No Brasil, essa

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sistematização deve levar em conta a rigidez do sistema constitucional tributário

delimitado pelo Poder Constituinte de 1988. Embora existam importantes estudos

desenvolvidos no direito estrangeiro, a grande maioria deles é oriunda de países

onde o sistema constitucional tributário não é analítico e rígido como o brasileiro. A

doutrina estrangeira deve ser analisada com as ressalvas de nosso sistema, o que

força a construção de uma teoria própria, adequada à Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.

No capítulo 5, será discutido o Imposto Predial e Territorial Urbano,

seus contornos constitucionais e sua regra matriz de incidência tributária,

enfatizando o estudo da progressividade desse imposto. No capítulo 6, tal imposto

será estudado como instrumento da política urbana para a proteção do meio

ambiente urbano (meio ambiente artificial) e garantia da sadia qualidade de vida dos

moradores das cidades.

Finalmente, no capítulo 7, serão tecidas as conclusões sobre os temas

acima delimitados.

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2. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

EQUILIBRADO

As liberdades públicas foram os primeiros direitos fundamentais do

homem1 reconhecidos; os direitos de liberdade constituem a primeira geração dos

direitos fundamentais. Depois, foram reconhecidos os direitos sociais, os direitos de

igualdade, que correspondem à segunda geração, e que não puseram fim à

ampliação dos direitos fundamentais. A garantia da qualidade de vida e a

solidariedade entre os seres humanos fizeram nascer a terceira geração, os

chamados direitos de solidariedade 2.

Entre os direitos de solidariedade, encontram-se o direito ao

desenvolvimento e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 3.

O mais elaborado dos direitos de terceira geração é o direito ao meio

ambiente, cujo marco está na Declaração de Estocolmo, de 1972.

O primeiro princípio dessa Declaração é o seguinte:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene

1 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho “É verdade que, no diálogo político, não mais se fala em

direitos do Homem, embora textos constitucionais ainda empreguem a expressão. O feminismo conseguiu o repúdio da mesma, acusando-a de “machista”. Logrou impor, em substituição, a politicamente correta terminologia de direitos humanos, direitos humanos fundamentais, de que direitos fundamentais são uma abreviação” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2004, 6. ed., p. 14). Cf. Gisele Cittadino: “Com efeito, recusando a concepção de direitos públicos subjetivos, que constituíram um conceito técnico-jurídico do Estado liberal preso à concepção individualista do homem, os constitucinalistas “comunitários” preferem adotar a expressão direitos fundamentais do homem, que designa, no nível do direito positivo, as prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas. A expressão direitos fundamentais do homem não significa, portanto, esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação do Estado, mas restrição imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem” (CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, 3. ed., p. 17).

2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 57. 3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 58.

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obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras... 4.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental do

homem, tendo dito José Afonso da Silva que

o combate aos sistemas de degradação do meio ambiente convertera-se numa preocupação de todos. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana 5.

O Poder Constituinte de 1988, de forma inovadora, traz um capítulo

dedicado exclusivamente ao meio ambiente6, garantindo que

todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, da CRFB/1988) 7.

Para José Afonso da Silva, o direito à vida, matriz dos demais direitos

fundamentais do homem, é o que deve orientar todas as formas de tutela do meio

ambiente. Deverá estar acima de quaisquer outras considerações, tais como as de

desenvolvimento, respeito ao direito de propriedade e de iniciativa privada, que,

embora também estejam garantidos no texto constitucional, não poderão se

4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 62. 5 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 36. 6 Cf. Antônio Hermam V. Benjamim, a fase holística de preservação ao meio ambiente, “indicando

uma (re) orientação radical de rumo, aparece a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981), dando início à fase holística, na qual o meio ambiente passa a ser protegido de maneira integral, como sistema ecológico integrado e com autonomia valorativa (é, em si mesmo, bem jurídico). Só com a Lei 6.938/81, portanto, é que verdadeiramente tem início a proteção ambiental como tal no Brasil, indo o legislador além da tutela dispersa, que caracterizava o modelo fragmentário até então vigente. Afastando-se da metodologia de seus antecessores legislativos, a lei não só estabeleceu os princípios, objetivos e instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, como ainda incorporou, de vez, no ordenamento jurídico brasileiro o Estudo de Impacto Ambiental (...). Com idêntica filiação holística e fechando o círculo da regulação legal (que agora é administrativa, civil e penal), é aprovada em 1988, a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente” (BENJAMIN, Antônio Hermam V. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 14, p. 51/52, abril/junho/1999).

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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sobrepor ao direito fundamental à vida, garantido através da tutela da qualidade do

meio ambiente 8.

Para José Afonso da Silva,

o objeto da tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o direito visa proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão qualidade de vida 9.

Conclui-se que o Poder Constituinte de 1988 tutelou a qualidade de

vida do ser humano. A tutela da qualidade do meio ambiente é o instrumento para a

garantia da qualidade de vida do ser humano.

Assim o homem tem direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado e o Poder Público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), bem

como toda a sociedade têm o dever de preservar o meio ambiente.

A Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional

do Meio Ambiente10, define o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e

rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I). Trata-se, portanto, de

conceito jurídico indeterminado, a fim de criar um espaço positivo de incidência da norma”. E “a divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido”, de forma que “encontramos pelo menos quatro significativos aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho 11.

8 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 44. 9 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 54. 10 BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências: “art 1º - Esta lei, com fundamento nos incisos VI e VII do art. 23 e no art. 235 da Constituição, estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e institui o Cadastro de Defesa Ambiental. (Redação dada pela Lei nº 8.028, de 1990)”. “Art. 3º, inciso I: “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21.07.2005.

11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, 4. ed., p. 20/21.

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A tutela constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

abrange todas as dimensões acima mencionadas por Celso Fioriollo: meio ambiente

natural, artificial, cultural e do trabalho. E “o meio ambiente artificial é compreendido

pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de

espaço urbano fechado) e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto)”. 12

Este é o objeto do presente trabalho: o meio ambiente artificial, mais

especificamente o espaço urbano construído, chamado de espaço urbano fechado.

Como se depreende do relato de José Afonso da Silva,

as Constituições brasileiras anteriores à de 1988 não traziam nada especificamente sobre a proteção ao meio ambiente natural. Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, floresta, caça e pesca, possibilitavam a elaboração de leis protetoras como o Código Comercial e os Códigos de Saúde Pública, de Água e de Pesca 13.

O Poder Constituinte de 1988, além do capítulo dedicado

exclusivamente ao meio ambiente, que está inserido no título da ordem social, trata

do meio ambiente por todo seu texto, correlacionado com os temas fundamentais da

ordem constitucional 14.

Além do capítulo destinado ao meio ambiente, a Constituição traz por

todo o seu texto referências explícitas e implícitas ao meio ambiente.

Entre as referências explícitas mais importantes para o presente

estudo, a primeira está no art. 5º, LXXIII, que legitima qualquer cidadão a propor

ação popular para anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e

cultural. O art. 23 outorga competência comum a União, Estados, Distrito Federal e

Municípios para: “Proteger as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente”,

“combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna

12 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Ibidem, p. 21. 13 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 25/26. 14 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 26.

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e a flora”. O art. 24 concede competência concorrente à União, aos Estados e ao

Distrito Federal para legislarem sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e

controle da poluição”; “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e

paisagístico”, bem como sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao

consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico”. Importante é o art. 170, VI, que considera a defesa do meio ambiente

um dos princípios da ordem econômica, o que envolve a consideração de que toda a

atividade econômica só pode desenvolver-se legitimamente enquanto atende a tal

princípio entre os demais relacionados no mesmo art. 170, que, se não observado

culminará em aplicação da responsabilidade da empresa e de seus dirigentes na

forma prevista no art. 173, § 5º. No art. 216, V, existe importante referência aos

conjuntos urbanos e sítios ecológicos como bens integrantes do patrimônio cultural

brasileiro. 15

Cabe ainda destacar o capítulo destinado à política urbana, a ser

executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,

que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182). A propriedade urbana, para

cumprir sua função social, deve atender às exigências fundamentais de ordenação

da cidade expressas no plano diretor (art. 183, § 3º). Entre os requisitos para o

atendimento da função social da propriedade urbana, está a preservação ao meio

ambiente urbano para garantia de bem-estar de seus habitantes. Tal dispositivo,

segundo entendimento de José Afonso da Silva estaria, apenas implicitamente

15 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 27/28.

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relacionado ao meio ambiente, de forma contraria ao aqui afirmado, como se verá

abaixo.

Entre as referências constitucionais implícitas, ainda de acordo

com José Afonso da Silva, das quais serão destacadas apenas as pertinentes

ao objeto do presente estudo, a primeira, que está contida no art. 21, inc. XX, e

prevê a competência federal para instituir diretrizes para o desenvolvimento

urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transporte urbanos, está

lidando com matéria urbanística na qual se inclui o direito ambiental e,

especialmente, fornece base constitucional para regular assunto de enorme

potencial contaminador: transporte urbano, que carece de interferência para

impor conduta não poluidora. Merece destaque o art. 30, que concede

competência aos municípios para promoverem, no que couber, adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso do

parcelamento e da ocupação do solo, conjugado com as normas do art. 182,

que destaca campo urbanístico. No mesmo art. 30, há também o inc. IX, sobre

a proteção do patrimônio histórico-cultural, local de competência municipal,

observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Ressalta-se

que, no conjunto de normas sobre a saúde (arts. 196 a 200), existem valores

ambientais, proteção da saúde, do bem-estar e da qualidade de vida da

população. 16

Sobre o conteúdo normativo do art. 225 da Constituição, José Afonso

da Silva observa que o caput do artigo inscreve a norma-princípio, a norma-matriz,

substancialmente reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente

preservado. O § 1º e respectivos incisos estabelecem os instrumentos de garantia e

16 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 28/29.

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efetividade do direito enunciado no caput do artigo, conferindo ao Poder Público os

princípios e instrumentos fundamentais de sua atuação para garantia do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado. 17

Pode-se extrair como significação geral dos enunciados do art. 225 da

CRFB/1988, especialmente afetos ao estudo da tributação como instrumento de

preservação do meio ambiente, sem prejuízo dos demais enunciados: o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos, às gerações presentes

e às futuras, aos brasileiros e estrangeiros; o dever de defender o meio ambiente e

preservá-lo é imputado ao Poder Público e à coletividade; o meio ambiente é um

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e não está na

disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem de pessoa

pública; estudo prévio de impacto ambiental constitui um instrumento de prevenção

de degradação irremediável; controle de produção, comercialização e emprego de

técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de

vida e o meio ambiente, admitindo-se a interferência do Poder Público no domínio

privado para impedir práticas danosas ao meio ambiente e à saúde da população. 18

Sobre os princípios do direito ambiental, cabe destacar que a

Declaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, em

Estocolmo, em junho de 1972, “firmou 26 princípios fundamentais de proteção

ambiental, que influíram na elaboração do capítulo do meio ambiente da

Constituição Brasileira de 1988”. 19

Vinte anos depois da Declaração de Estocolmo, a Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de

Janeiro, de 3 a 14 de julho de 1992, reafirmando os princípios anteriores, 17 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 31. 18 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 31/32. 19 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 37.

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adicionou outros sobre o desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Parte do reconhecimento da natureza interdependente e integral da Terra, nosso lar, e do princípio de que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza (Princípio 1). Põe-se, nesse primeiro princípio, a correlação de dois direitos fundamentais do homem: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável. 20

Paulo Affonso Leme Machado enumera os seguintes princípios que

orientam a geração e a implementação do Direito Ambiental: princípio do direito à

sadia qualidade de vida; princípio do acesso eqüitativo aos recursos ambientais;

princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador; princípio da precaução;

princípio da prevenção; princípio da reparação; princípio da informação; princípio da

participação e princípio da obrigatoriedade de intervenção do Poder Público. 21

No capítulo 4, serão analisados os princípios do direito ambiental,

intrinsecamente ligado ao direito tributário, para a construção dos princípios que

devem orientar o direito tributário ambiental.

2.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A Constituição da República Federativa do Brasil tem como princípios

fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV).

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social, tendo como princípio a defesa do meio ambiente, inclusive

mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental de produtos e

serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170 e inciso VI).

20 SILVA, José Afonso da, Ibidem, p. 41. 21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, 11. ed.,

p. 47/91.

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É certo que a dignidade da pessoa humana é princípio fundante do

Estado Democrático de Direito brasileiro, e a garantia de viver num meio ambiente

ecologicamente equilibrado é reflexo desse princípio. Mas a livre iniciativa também é

garantia individual e princípio da ordem econômica.

É patente a possibilidade de conflito entre direitos fundamentais. O

conflito entre preservação do meio ambiente e livre exercício da atividade econômica

e direito de propriedade são constantes.

A subsunção do direito, como método de interpretação para afastar as

possíveis contradições existentes no sistema jurídico, não é técnica suficiente para

interpretação do direito no caso de colisão entre direitos fundamentais22. Há casos

em que dois ou mais direitos fundamentais entrarão em colisão, devendo-se aplicar

o método da ponderação de interesses para a escolha de qual deles deverá

prevalecer.

Para Daniel Sarmento,

A teoria jurídica tradicional concebe o Direito como um sistema unitário, completo e coerente, estruturado em forma de pirâmide, em cujo vértice é situada a Constituição. O predicado da coerência do ordenamento jurídico impede, segundo tal concepção, a existência de antinomias reais entre as suas normas. Todos os conflitos normativos são considerados como meramente aparentes, devendo ser resolvidos através de critérios formais, definidos de antemão pelo ordenamento. Assim, seria sempre possível precisar com base em procedimentos puramente lógicos, a norma aplicável a cada caso concreto, de modo que, definidos os fatos, poder-se-ia, através de simples silogismo, extrair todas as suas conseqüências jurídicas. (...) A análise da dinâmica do sistema judicial demonstra que nem sempre é a lógica formal que reina nesta seara, sendo imanente ao fenômeno jurídico a existência de certa dose de criatividade por parte dos seus operadores, sobretudo no campo constitucional. Profundamente infiltrada pela política, a Constituição alberga um grande número de normas enunciadas de modo

22 “A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas

originais de realização da vontade da Constituição. Não importa um desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na apliação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórica, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca do sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente”. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. BARROSO, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 331.

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vago e aberto, fraqueando ao intérprete um largo espaço para valorações subjetivas, nas quais inevitavelmente o fator ideológico acaba aflorando. 23

O conflito entre normas da Lei Fundamental é freqüente:

(...) é certo que a Lei Fundamental constitui uma unidade. O princípio da unidade da Constituição, encarecido pela Corte Suprema alemã como cânone mais importante da hermenêutica constitucional, impõe ao intérprete a tarefa, nem sempre trivial, de buscar harmonia entre os ditames da Lei Maior, solucionando situações de tensão que tendem a se deflagrar em seu seio. 24 (...) A Constituição não configura um simples repertório de normas isoladas, traduzindo-se antes um sistema unitário, cujos elementos são interdependentes. Assim, a busca dos limites e significados de cada princípio tem de considerar também as outras normas e valores plasmados na Lei Fundamental. 25

Segundo a lição clássica, são três os critérios para solução dos

conflitos nos casos concretos. O critério cronológico é aquele que postula que, entre

duas normas incompatíveis, deve prevalecer a posterior. O critério hierárquico, por

seu turno, determina que, no confronto entre regras jurídicas inconciliáveis, deve ser

aplicada a de estatura superior. E o critério da especialidade impõe que, na colisão

entre duas regras, prevalece a mais especial, em detrimento da mais geral. Esses

métodos não são eficientes para superação de conflitos entre direitos fundamentais.

A resolução de conflitos entre direitos fundamentais requer uma análise

da situação concreta em que emergiu o conflito. O equacionamento das tensões

princípiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as

quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada cânone

constitucional em confronto. A técnica de decisão que, sem perder de vista os

aspectos normativos do problema, atribuiu especial relevância às suas dimensões

fáticas, é o método de ponderação de bens.

23 SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. TORRES, Ricardo

Lobo (org.) Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed., 2001, p. 35/36. 24 SARMENTO, Daniel. Ibidem, p. 37. 25 SARMENTO, Daniel. Ibidem, p. 38.

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Tal método promoveu uma revolução na metodologia do direito, ao

pugnar pela substituição do método clássico de subsunção fático-formal, baseado

em conceitos jurídicos dogmáticos e estáticos, por uma técnica muito mais fecunda

de avaliação dos interesses em jogo, refratária ao formalismo e aberta à realidade

da vida social.

Ao realizar a ponderação, deve o aplicador do direito verificar se o caso

concreto está sob a proteção de mais de um princípio. Em caso afirmativo, deve

iniciar a ponderação, impondo o intérprete compreensões recíprocas sobre os bens

jurídicos protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo,

em que a restrição a cada bem seja a mínima indispensável à sua convivência com

o outro.

O princípio da proporcionalidade deve ser observado em todas as

restrições recíprocas entre os princípios constitucionais. Para conformar-se a tal

princípio, uma norma jurídica deverá, a um só tempo, ser apta para os fins a que se

destina, ser a menos gravosa possível para que se logrem tais fins, devendo causar

benefícios superiores às desvantagens que proporciona.

A ponderação de bens deve, assim, reverenciar o princípio da

proporcionalidade em sua tríplice dimensão. Desta sorte, a compreensão de cada

interesse em jogo, em caso de conflito entre princípios constitucionais, só se

justificará na medida em que: (a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do

interesse contraposto, (b) não houver solução menos gravosa, e (c) o benefício

logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao

interesse antagônico. Deve-se buscar a ponderação de interesses de modo a

preservar o meio ambiente e permitir a atividade econômica, utilizando

racionalmente os recursos ambientais, evitando-se o desperdício.

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Como adverte José Afonso da Silva, é importante que se tenha em

mente que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do

homem, é que há de orientar todas as demais formas de atuação no campo da tutela

do meio ambiente. Portanto, ele é fator preponderante, que deverá estar acima de

quaisquer outras considerações, como as de desenvolvimento, de respeito ao direito

de propriedade, de iniciativa privada, também garantidos no texto constitucional, mas

que não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando

se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, o instrumento para proteger um

valor maior: a qualidade de vida. 26

O homem tem o direito fundamental de viver num meio ambiente

ecologicamente equilibrado e o direito fundamental ao desenvolvimento. Há que se

buscar a conciliação desses dois direitos fundamentais por meio do desenvolvimento

sustentável, que “consiste no progresso da atividade econômica compatível com a

utilização racional dos recursos ambientais. Representa a rejeição do desperdício,

da ineficiência e do desprezo por esses recursos”. 27

2.2. A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei nº 6.938,

de 31 de agosto de 1981, tem como fundamento o artigo 8º, inciso XVII, alíneas “c”,

“h” e “i”, da Constituição de 1969, que conferiam à União competência para legislar

sobre defesa e proteção da saúde, florestas e águas, sendo recepcionada pela

26 SILVA, José Afonso da, Ibidem, p. 44. 27 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Ibidem, p. 12.

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Constituição de 1988, em que tal competência está prevista nos artigos 22, IV, 24, VI

e VIII, e 225. 28

Na Lei 6.938/81, estão definidos e constituídos os objetivos, as

diretrizes, o conteúdo geral, os fins, os mecanismos, o sistema e os instrumentos da

Política Nacional do Meio Ambiente.

A política ambiental terá de ser parte integrante das políticas

governamentais, compatibilizando-se com os objetivos de desenvolvimento

econômico-social, urbano e tecnológico. 29 As diretrizes da Política Nacional de Meio

Ambiente serão formuladas em normas e planos destinados a orientar a ação dos

Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos

Municípios no que se relaciona à preservação da qualidade ambiental e à

manutenção do equilíbrio ecológico, com as quais as atividades empresariais

públicas e privadas serão exercidas em consonância segundo o art. 5º, Lei 6.938/81.

Importante observar que

não entra na discricionariedade governamental formular ou não as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente, por meio de normas específicas e de planos. A Constituição exige a elaboração e execução de plano de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. Não cabe ao Governo Federal a liberdade de escolha de sua conveniência e oportunidade. Cabe-lhe apenas relativa liberdade de escolha de seu conteúdo. É relativa essa liberdade porque hão de ser observados os objetivos e princípios que a lei fixou para a política ambiental. 30

Os princípios e os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente

estão no art. 2º e 4º da Lei 6.938/81, respectivamente e

quando a Lei 6.938/81 (art. 5º) diz que as diretrizes hão que observar os princípios estabelecidos no art. 2º está afirmando que as proposições-

28 Cf. José Afonso da Silva “As diretrizes, o conteúdo geral, os objetivos, os fins, os mecanismos, o

sistema e os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente são definidos e constituídos pela citada Lei 6.938/81, mas a anterior Lei 6.902, de 27.4.1981, sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental é parte dessa Política na medida em que regula um de seus instrumentos. Tanto é assim que o Decreto 88.351, de 1º.6.1983, regulamenta ambas aquelas leis” (SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 54).

29 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 144. 30 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 145.

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diretrizes (art. 5º) hão que fundamentar-se nas proposições-princípios (art. 2º) e que só valem enquanto aferirem com estas 31.

Os princípios da Política Nacional de Preservação do Meio Ambiente a

serem observados pelo Poder Público são: I – consideração de que o meio ambiente

é um patrimônio público; II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e

do ar; III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV –

proteção dos ecossistemas, com preservação de áreas representativas; V – controle

e zoneamento das atividades potenciais ou efetivamente poluidoras; VI – incentivos

ao estudo e à pesquisa de tecnologia orientados para o uso racional e a proteção

dos recursos ambientais; VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII – recuperação de áreas degradadas; IX – proteção das áreas ameaçadas de

degradação; X – educação ambiental a todos os níveis de ensino.

O objeto da Política Nacional de Preservação do Meio Ambiente “é a

preservação, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental própria à vida, com

finalidade de assegurar, no país, as condições adequadas ao desenvolvimento

socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da

pessoa humana” 32 atendidos os princípios citados acima.

Os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, enunciados no art.

4º da Lei 6.938/81, de acordo com José Afonso da Silva,

São metas concretas que a execução da política ambiental visa realizar como condição para a efetivação do objeto e da finalidade por ela perseguidos. Os objetivos, referidos no art. 4º, embora assinalados com precisão conceitual, não raro têm características de princípios informadores da política ambiental a ser executada. 33

O primeiro objetivo é a compatibilização do desenvolvimento

econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio

ecológico. O segundo é a definição de áreas prioritárias de ação governamental

31 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 145. 32 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 147. 33 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 147.

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relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União,

dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Tal fim já estava

na Lei 6.803/80, que estabelece diretrizes para o zoneamento industrial das áreas

críticas de poluição. O terceiro objetivo é o estabelecimento de critérios e padrões de

qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e ao manejo de recursos

ambientais.

Os outros objetivos são: o desenvolvimento de pesquisas e de

tecnologias nacionais orientadas para o uso racional dos recursos ambientais, a

difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, a divulgação de dados e

informações ambientais e a formação de uma consciência pública sobre a

necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico,

preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização

racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio

ecológico propício à vida.

2.3. INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente estão previstos

no art. 9º a 18 da Lei 6.938/81 e, segundo José Afonso da Silva,

são medidas, meios e procedimentos pelos quais o Poder Público executa a política ambiental tendo em vista a realização concreta de seu objeto, ou seja, a preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. São de variada natureza e podem ser agrupados em instrumentos de intervenção ambiental, instrumentos de controle ambiental e instrumentos de controle repressivo. Os instrumentos de intervenção ambiental são mecanismos normativos com base nos quais o Poder Público intervém no meio ambiente para condicionar a atividade particular ou pública ao fim da Política Nacional do Meio Ambiente. 34

34 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 149.

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Esses instrumentos são: I – o estabelecimento de padrões de

qualidade ambiental; II – o zoneamento ambiental; III – a avaliação de impactos

ambientais; IV – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo

poder público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental,

de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas (art. 9º, I, II, III e VI, da Lei

6.938/81).

Ainda de acordo com José Afonso da Silva,

São instrumentos de controle ambiental todos aqueles atos e medidas destinados a verificar a observância das normas e planos que visem à defesa e recuperação da qualidade e do meio ambiente e do equilíbrio ecológicos. Esse controle é exercido sempre pelo Poder Público, mas pode ser de iniciativa dele ou de interessados particulares. Os instrumentos de controle repressivos visam corrigir os desvios da legalidade ambiental pela aplicação de sanções administrativas, civis ou penais. 35

Sendo os instrumentos de controle ambiental todos aqueles destinados

a verificar a observância das normas e planos que visem à defesa e à recuperação

da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, interessam para o presente

estudo os instrumentos específicos da política urbana que tenham como objetivo

garantir a qualidade do meio ambiente urbano.

E, entre os instrumentos que detêm o Poder Público para controlar o

cumprimento das diretrizes da política urbana, interessa o estudo dos instrumentos

tributários, mais especificamente o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU.

35 SILVA, José Afonso da, Ibidem, p. 140/150.

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3. A POLÍTICA URBANA E O MEIO AMBIENTE URBANO

A Constituição de 1988 reservou capítulo destinado à política urbana36,

onde está previsto que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder

público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de

seus habitantes”, conforme dispõe o art. 182. 37

A política urbana determina que a propriedade urbana cumpre sua

função social quando atende à exigências fundamentais de ordenação da cidade

expressas no plano diretor (art. 182, § 2º). Entre os requisitos para o atendimento da

função social da propriedade urbana, está a proteção do meio ambiente urbano para

garantia de bem-estar de seus habitantes.

36 Cf. Eros Roberto Grau “a expressão política pública designa atuação do Estado. Toda atuação

estatal é expressiva de um ato de intervenção. O Estado Moderno atua, enquanto tal, intervindo na ordem social. A mera produção do Direito (onde a instauração de uma ordem jurídica, estatal), a simples definição das esferas do privado e público – esta última concebida como o universo dentro do qual gravitam os interesses tidos como públicos (e que, por isso, encarnam “questões públicas”) – desde logo consubstanciam expressões de atuação interventiva estatal”. (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 18. Apud MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental: a função do tributo na preservação do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2005, 1. ed., 5. tiragem, p. 35).

37 Cf. Gisele Cittadino “as normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais revelam programas de ação ou afirmações de princípios e não possuem uma regulamentação perfeita e completa, sendo quase sempre pouco descritivas, vagas e esquemáticas. Concretizar o sistema de direitos fundamentais, portanto, pressupõe uma atividade interpretativa tanto mais intensa, efetiva e democrática quanto maior for o nível de abertura constitucional existente” (CITTADINO, Giselle. Ibidem, p. 19).

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Para Carlos Ari Sundfeld, a política de desenvolvimento urbano traçada

na Constituição de 1988 delimitou o campo temático do direito urbanístico brasileiro

(a política espacial das cidades e dos instrumentos para sua implantação), os

conceitos do direito urbanístico (função social da propriedade urbana, planejamento

urbanístico, utilização compulsória etc.), determinou seus objetivos (desenvolvimento

urbano, regularização fundiária, proteção ambiental etc.) e pôs muitos instrumentos

à sua disposição (desapropriação urbanística, licença urbanística, plano diretor etc.).

38

De acordo com Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Renata Marques

Ferreira, o Poder Constituinte de 1988 articulou a vida da pessoa humana com o

meio, o espaço em que vive, regrando, no plano superior, o meio ambiente artificial,

que compreende o espaço construído e as complexas necessidades que envolvem

uma ou mais pessoas em determinado território. Disciplinou a cidade como bem de

uso comum (bem ambiental) e criou orientação jurídica estruturando a política de

desenvolvimento urbano, com dois objetivos fundamentais: ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais das cidades e garantir o bem-estar de seus

habitantes.

A política de desenvolvimento urbano deverá ser executada pelo Poder

Público municipal em proveito da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,

CRFB/1988) e segundo diretrizes gerais fixadas em lei. Para isso, o Poder

Constituinte fixou regras destinadas a assegurar o meio ambiente artificial

sustentável, observando uma diretriz geral destinada a tutelar as necessidades vitais

da pessoa humana moradora da cidade: 1) terra urbana; 2) moradia; 3) saneamento

38 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais (art. 2º). DALLARI, Adilson

Abreu e FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 48/49 e 51.

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ambiental; 4) infra-estrutura urbana; 5) transporte; 6) serviços públicos; 7) trabalho;

8) lazer 39.

Qual é o espaço urbano? É o espaço da cidade?

As primeiras cidades, 40 de acordo com José Afonso da Silva

formaram-se por volta do ano 3.500 a.C., mas o fenômeno urbano só se manifestou

de forma significativa a partir da primeira metade do século XIX 41. E o autor adverte

que

nem todo núcleo habitacional pode receber o título de “urbano”. Para que um centro habitacional seja conceituado como urbano torna-se necessário preencher, no mínimo, os seguintes requisitos: (1) densidade demográfica específica; (2) profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação; (3) economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural; (4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios. Não basta, pois, a existência de um aglomerado de casas para configurar–se um núcleo urbano. 42

José Afonso da Silva entende que

o centro urbano no Brasil só adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma em Município. Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal. 43

E conclui que

do ponto de vista urbanístico, um centro populacional assume característica de cidade quando possui dois elementos essenciais: (a) as unidades edilícias – ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais; (b) os equipamentos públicos – ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinados à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover-se diretamente e por sua própria conta (estradas, ruas, praças, parques,

39 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco e FERREIRA, Renata Marques. Direito Ambiental Tributário.

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 22/23. 40 Luiz Henrique Antunes Alochio traz interessante escorço histórico sobre a cidade, desde a Cidade-

Aldeia na Pré-História, passando pela cidade no Oriente Próximo, Cidade Livre na Grécia, Cidade em Roma, Cidades Européias (Idade Média), Cidades na Renascença, Cidades na Revolução Industrial, na época Pós-Revolução Industrial e chegando à cidade Contemporânea in ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Do Solo Criado (Outorga Onerosa do Direito de Construir): Instrumento de Tributação para a Ordenação do Ambiente Urbano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 1-24.

41 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, 4. ed., p. 19/20. 42 Ibidem, p. 24. 43 Ibidem, p. 25/26.

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jardins, canalização subterrânea, escolas, igrejas, hospitais, mercados, praças de esportes etc.). 44

Utiliza-se o termo urbanização “para designar o processo pelo qual a

população urbana cresce em proporção superior à rural. Não se trata de mero

crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana”, fenômeno

surgido com a Revolução Industrial. 45

A concentração urbana traz transtornos (desorganização social, com

carência de habitação, desemprego, problemas de higiene e de saneamento

básico), deteriorando o ambiente urbano. Para a solução desses problemas surge a

urbanificação, que pode ser definida como o

processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana, que é a reurbanização, ou na criação artificial de núcleos urbanos, como as cidades novas da Grã-Betanha e Brasília. O termo “urbanificação” foi cunhado por Gaston Bardet para designar a aplicação dos princípios do urbanismo, advertindo que a urbanização é o mal, a urbanificação é o remédio. 46

Os problemas da urbanização a serem resolvidos pela urbanificação

deram origem ao urbanismo como técnica e ciência. 47 Lúcia Vale Figueiredo define

o Direito Urbanístico como “o conjunto de normas disciplinadoras do ordenamento

urbano”. 48

Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, interessa ao urbanismo

a ação do Estado nos campos do Poder de Polícia, dos Serviços Públicos e do Fomento Público, em tudo o que diga respeito a disciplina dos espaços habitáveis, bem como o estudo de instrumentos jurídicos postos à disposição do Estado, das demais entidades morais e dos indivíduos, para que a convivência nas comunidades se processe nos melhores níveis de segurança, salubridade, decoro, estética, funcionalidade e conforto 49.

44 Ibidem, p. 26. 45 Ibidem, p. 26. 46 SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 27. 47 “Como técnica e ciência interdisciplinar que é, o urbanismo correlaciona-se com a cidade industrial,

como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos, nascidos da urbanização e agravados com a chamada “explosão urbana” do nosso tempo”. SILVA, José Afonso da. Ibidem, p. 27/28.

48 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005, 2. ed., p. 33.

49 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1977, 2. ed., p. 60.

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Para José Afonso da Silva,

concebeu-se o “urbanismo”, inicialmente, como arte de embelezar a cidade. Esse conceito, porém, evoluiu no sentido social, tanto quanto evoluirá o conceito de “cidade”, que tende a expandir-se além do perímetro urbano. Assim concebido, “o urbanismo é uma ciência, uma técnica e uma arte ao mesmo tempo, cujo objetivo é a organização do espaço urbano visando ao bem-estar coletivo – através de uma legislação, de um planejamento e da execução de obras públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação do corpo e do espírito, circulação no espaço urbano” 50.

O urbanismo passa a incluir não só a cidade, mas todo o território,

englobando o setor urbano e o rural. Dessa forma, “o urbanismo objetiva a

organização dos espaços habitáveis visando à realização da qualidade de vida

humana”. 51 Assim, pode-se concluir que a Política Urbana traçada pelo Poder

Constituinte de 1988 é destinada não apenas à área urbana da cidade, mas também

à rural.

Ainda sobre a disciplina urbanística assevera Lúcia Vale Figueiredo

que “a preservação do patrimônio coletivo, histórico-cultural, estético e da ‘higidez do

meio ambiente’, como diz Sérgio Ferraz, faz parte, também, da disciplina urbanística,

vez que interferirá no ordenamento urbano”. 52

Como o presente trabalho tem como objeto o IPTU – Imposto Predial e

Territorial Urbano, que incide somente sobre os imóveis localizados na zona urbana,

como será demonstrado adiante, sua utilização como instrumento de proteção do

meio ambiente urbano limitar-se-á à zona urbana das cidades.

50 “Essa concepção [do urbanismo] formara-se nos Congressos Internacionais de Arquitetura

Moderna (CIAM), consolidando-se na famosa Carta de Atenas. Segundo o CIAM de 1928, “o urbanismo é a ordenação dos lugares e dos locais diversos que devem abrigar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas manifestações, individuais e coletivas. Abarca tanto as aglomerações urbanas como os agrupamentos rurais. O urbanismo já não pode estar submetido exclusivamente às regras do esteticismo gratuito. É, por sua essência mesma, de ordem funcional. As três funções fundamentais para cuja realização deve velar o urbanismo são: 1º) habitar; 2º) trabalhar; 3º) recrear-se. Seus objetivos são: a) a ocupação do solo; b) a organização da circulação; c) a legislação” (SILVA, José Afonso da. Ibidem, 2006, p. 30/31).

51 SILVA, José Afonso da. Ibidem, 2006, p. 31. 52 Ibidem, p. 35.

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3.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E APROVEITAMENTO DO SOLO

URBANO

O direito de propriedade é garantia fundamental, de acordo com o art.

5º, XXII, da CRFB de 1988.

Lúcia Vale Figueiredo adverte que “o direito de propriedade (ou

qualquer outro direito) só poderá ter a feição, o perfil traçado pelo ordenamento

jurídico de determinado país, em dado momento histórico”. 53

O direito de propriedade traçado pela Constituição vigente não é

absoluto. Está limitado pelo atendimento da função social da propriedade, conforme

art. 5º, XXIII, da CRFB/1988 54. E a ordem econômica está fundada nos princípios da

propriedade privada e da função social da propriedade, como se depreende do art.

170, II e III, da CRFB/1988.

Como disse Lúcia Vale de Figueiredo. “o direito de propriedade, como

concebido atualmente, sofreu nítida transformação, passando do ius utendi, fruendi

et abutendi para adquirir o perfil de propriedade social. Isto não só no Brasil, mas

também noutros países”. 55 E continua dizendo que

53 Ibidem, p. 22. 54 O direito de propriedade está, portanto, plenamente garantido pela nossa Constituição, abrangendo

os direitos de usar, gozar e dele dispor mas, como veremos no item seguinte, sempre condicionado aos limites da função social. É considerado um direito fundamental, primordial e, nos dizeres de José Afonso da Silva, inalienável, imprescritível e irrenunciável. Não se permite sequer à sociedade que esta abdique de tal garantia constitucional. [...] Muito mais do que um regramento constitucional, mais do que ocorreria em um Estado de Direito, na atual ordem suprema é a propriedade um comando derivado da vontade popular e dirigido aos representantes dos poderes estatais que devem zelar por sua preservação, com a função social que lhe é inerente. [...] O direito de propriedade pode, porém, sofrer limitações como a desapropriação, a requisição ou o confisco, esta última limitação somente cabível em nosso direito quando do uso da propriedade para fins ilícitos (PEIXOTO, Marcelo Magalhães e CARDOSO, Lais Vieira. O princípio do não confisco e os limites do direito de propriedade. FISCHER, Octávio Campos (Org.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 228/231).

55 FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Ibidem, p. 22.

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Cabe verificar, pois, a conformação dada pelo Estado moderno à propriedade, como nítida preocupação de delineá-la não mais apenas à luz dos interesses individuais. Mesclam-se, de conseguinte, os interesses individuais com os sociais, que o Estado impende perseguir. Aparece a propriedade com função marcadamente social. E, em decorrência da função social da propriedade, surge toda a preocupação com o próprio Direito Urbanístico. Os institutos vão aparecendo e se fortalecendo na medida da necessidade da compatibilização entre a propriedade com a função social e os direitos individuais. 56

A propriedade tem de atender sua função social. Mas o que é função

social da propriedade?

A propriedade era concebida como o direito meramente individual do

proprietário de usar, gozar e dispor de seu bem, conforme concepção emanada dos

códigos do século XIX, dentre eles o nosso Código Civil de 1916. 57 O único limite

era a não-violação à lei. A Constituição de 1988 rompeu com o conceito clássico de

propriedade, prescrevendo que essa deve cumprir sua função social, tendo dito

Gustavo Tepedido que

A propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade. (...) A despeito, portanto, da disputa em torno do significado da noção de função social, poder-se-ia assinalar, como patamar de relativo consenso, a capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura de domínio, inserindo-se em seu ‘profilo interno’ e atuando como critérios de valoração do exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um “massimo sociale. 58

O Código Civil de 2002, 59 ao garantir ao proprietário a faculdade de

usar, gozar e dispor da coisa, prescreveu que

o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,

56 FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Ibidem, p. 22. 57 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1ª de janeiro de 1916. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>.

Acesso em 21.07.2005. 58 TEPEDIDO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, 2. ed., p. 280/282. 59 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>.

Acesso em 21.07.2005.

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bem como evitada a poluição do ar e das águas. (art. 1.228, § 1º, do Código Civil de 2002).

O direito civil atual consagra a função social da propriedade,

determinando ao proprietário que exerça seu direito em consonância com os

princípios constitucionais.

A propriedade “transforma-se em instrumento para a realização do

projeto constitucional”. 60 Pode-se dizer que a função social da propriedade é aquela

estabelecida no programa constitucional.

A política de desenvolvimento urbano, ou seja, o programa

constitucional traçado para a propriedade urbana, tem como objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes, conforme art. 182 da CRFB/1988.

As diretrizes gerais da execução da política urbana 61 foram

regulamentadas pela Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, que instituiu o Estatuto

da Cidade.

60 TEPEDIDO, Gustavo, Ibidem, p. 286. 61 “Planejamento e gestão não são termos intercambiáveis, por possuírem referenciais temporais

distintos e, por tabela, por se referirem a diferentes tipos de atividades. Até mesmo intuitivamente, planejar sempre remete ao futuro: planejar significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou, para dizê-lo de modo menos comprometido com o pensamento convencional, tentar simular os desdobramentos de um processo, o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios. De sua parte, gestão remete ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista necessidades imediatas. O planejamento é a preparação para a gestão futura, buscando-se evitar ou minimizar problemas e ampliar margens de manobra; e a gestão é a efetivação, ao menos em parte (pois o imprevisível e o indeterminado estão sempre presentes, o que torna a capacidade de improvisação e a flexibilidade sempre imprescindíveis), das condições que o planejamento feito no passado ajudou a construir. Longe de serem concorrentes ou intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos e complementares. (DE SOUZA, Marcelo Lopes. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, 3ª ed., p. 46). Sobre urbanismo e planejamento urbano, disse Marcelo Lopes de Souza, que “em países com uma larga tradição e uma cultura de planejamento consolidada, o planejamento urbano é, de fato, um campo que congrega os mais diferentes profissionais. Nele colaboram não apenas arquitetos, mas também cientistas sociais de diferentes formações, destacando-se os geógrafos, sem contar com a colaboração prestada por especialistas em Direito Urbano. [...] Urbanismo e planejamento urbano não são, portanto, sinônimos, nem o primeiro esgota o segundo. [...] Planejamento urbano (o qual deve, aliás, ser sempre pensado junto com a gestão, sendo um complemento indissociável), sugere, por conseguinte, um contexto mais amplo que aquele representado pelas expressões Urbanismo e Desenho Urbano. O planejamento urbano inclui o Urbanismo (ou o Desenho Urbano, como

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O Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse

social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da

segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”,

conforme parágrafo único do art. 1º. O objetivo da política urbana deve ser buscado

com a observância das diretrizes gerais estabelecidas nos incisos I a XVI, do art. 2º

do Estatuto da Cidade, tendo dito Odete Medauar que

O caput do art. 2º fixa como objetivo da política urbana o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Nas funções sociais da cidade se entrevê a cidade como locus não somente geográfico e de mera reunião de pessoas, mas como o espaço destinado a habitantes, ao trabalho, à circulação, ao lazer, à integração entre os seres humanos, ao crescimento educacional e cultural. Ao mencionar as funções sociais da propriedade urbana, como base certamente no art. 5º XXIII, da Constituição Federal, o dispositivo ressalta o direcionamento da propriedade urbana a finalidade de interesse geral, como as quais há de se conformar ou conciliar o direito individual de propriedade, não mais dotado de caráter absoluto. 62

E, de acordo com o art. 182, § 3º da Constituição de 1988, a

propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor urbano. 63 Na

forma regulamentada pelo Estatuto da Cidade

a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei (art. 39).

Conclui-se que será cumprida a função social da propriedade urbana

quando ocorrer sua funcionalização por meio do desenvolvimento de suas funções

sociais (moradia, trabalho, circulação, lazer, integração entre os seres humanos,

preferirem); o último é um subconjunto do primeiro. [...] O importante, seja lá como for, é não confundir as duas coisas, tomando a parte (o Urbanismo) pelo todo (o campo interdisciplinar do planejamento urbano)". SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, 3ª ed., p. 56 e 58/59.

62 MEDAUAR, Odete e ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 10.07.200 1, Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17.

63 Cf. André Osório Gondinho “na definição constitucional, a propriedade urbana cumprirá a sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenamento da cidade, expressas no plano diretor, que é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. TEPEDINO, Gustavo (Coordenador). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 416/417).

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crescimento educacional e cultural, preservação do meio ambiente etc.), observadas

as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade e as prioridades estabelecidas no Plano

Diretor Urbano, aprovado pela Câmara Municipal. O plano diretor, que é obrigatório

para cidades com mais de vinte mil habitantes, é instrumento básico da política de

desenvolvimento e expansão urbana, de acordo com o art. 182, § 1º da CRFB/1988

e com o art. 40 do Estatuto da Cidade.

O direito de propriedade urbana poderá, portanto, sofrer limitações em

prol do pleno desenvolvimento das funções sociais e do adequado aproveitamento

do solo urbano, tendo dito Paulo Affonso Leme Machado que a

ordem urbanística é o conjunto de normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos. A ordem urbanística deve significar a institucionalização do justo na cidade. Não é uma “ordem urbanística” como resultado da opressão ou da ação corruptora de latifundiários ou especuladores imobiliários, porque aí seria a desordem urbanística gerada pela injustiça 64.

3.2. INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA

Como visto, a política urbana foi regulamentada pelo Estatuto da

Cidade e, entre as diretrizes gerais da política urbana prevista no artigo 2º do

estatuto, temos:

Art. 2º I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano,

64 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 11. ed., 2003,

p. 368/369.

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de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

O Estatuto da Cidade prevê em seu artigo 4º os instrumentos para o

planejamento municipal:

Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: (...) III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social;

O plano diretor é de suma importância para a política de

desenvolvimento urbano. Está regulado no Capítulo III, do art. 39 ao 42, do Estatuto

da Cidade, sendo parte integrante do processo de planejamento municipal. 65

De acordo com Luiz Henrique Antunes Alochio,

sob a bandeira de ordenação adequada do espaço urbano, a tarefa não pode ser encarada como exclusividade de uma ciência, merecendo

65 BRASIL. Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001). Disponível em

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 21.07.2005. Dispõe: Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei. Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. § 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo. § 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos. § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. § 5o (VETADO) Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. § 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas. § 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido. Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo: I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei; II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle.

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participação conjunta de vários atores nesse mesmo cenário. Arquitetos e urbanistas, construtores e empreendedores, o Poder Público e os operadores do direito, entre outros, têm capacidade de produzir ações que repercutem sobre a qualidade do ambiente construído. As ferramentas da nova intervenção urbana, em geral multidisciplinares, como o são o solo criado e as operações urbanas, por exemplo, necessitam de apreciação de juristas, arquitetos, urbanistas e outros, para que tenhamos em nossas cidades, não meros instrumentos de restrição, ou simples formas de manutenção do poder privado dos especuladores imobiliários, mas, ao revés, algo que conduza a cidade contemporânea ao encontro da feição que deixará impressa na história para as próximas gerações. 66

O Plano Diretor Urbano é parte integrante do processo de

planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o

orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas, como se

depreende do art. 40, § 1º do Estatuto da Cidade. O planejamento deve

obrigatoriamente, ser adotado pela Administração Pública e observado pelos

administrados.

A Constituição de 1988 determina que

É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o adequado aproveitamento, sob pena sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovado pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (art. 182, § 4º, CRFB).

O poder público municipal está expressamente autorizado pelo Poder

Constituinte de 1988 a exigir do proprietário do solo urbano não edificado,

subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, podendo

utilizar os seguintes instrumentos: a) parcelamento ou edificação compulsórios; b)

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; e c)

desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.

66 ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Do Solo Criado (Outorga Onerosa do Direito de Construir):

Instrumento de Tributação para a Ordenação do Ambiente Urbano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24.

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Os instrumentos da política urbana, previstos na Constituição de 1988,

dependem para serem implementados pelos Municípios, da prévia aprovação do

plano diretor pela Câmara Municipal, na forma prescrita no art. 41, III, do Estatuto da

Cidade. O plano diretor será obrigatório para as cidades

I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da

Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de

influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou

nacional. (art. 41, do Estatuto da Cidade).

Constata-se que o Estatuto da Cidade traçou normas gerais de direito

urbanístico, para cumprimento da função social da propriedade e do adequado

parcelamento do solo, objetivando alcançar o equilíbrio do meio ambiente urbano. A

utilização dos instrumentos para alcance desses objetivos depende da elaboração,

por parte dos Municípios, do plano diretor e de leis específicas.

De acordo com Carlos Ari Sundfeld,

De um lado, será preciso que, por meio do plano diretor editado por lei (arts. 39-42), o Município formule o planejamento, tomando necessariamente as seguintes decisões, relacionadas a vários dos instrumentos urbanísticos previstos pelo Estatuto da Cidade: a) delimitar as áreas urbanas em relação às quais se poderá exigir o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (art. 5º, caput, c/c o art. 42, I); b) fixar o coeficiente de aproveitamento básico dos terrenos para fins de edificação (art. 28, § 2º); c) fixar o coeficiente de aproveitamento máximo dos terrenos para fins de edificação (art. 28, § 3º); d) indicar as áreas em que o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente básico e até o limite do coeficiente máximo, mediante outorga onerosa (art. 28, caput); e) indicar as áreas em que será permitida a alteração onerosa do uso do solo (art. 29). Além disso, o plano deverá fornecer as bases para que leis específicas delimitem as áreas em que incidirá o direito de preempção (art. 25) e aquelas em que serão realizadas operações consorciadas (art. 32); bem como para que a lei municipal autorize a transferência do direito de construir (art. 35). Depois, outras leis municipais deverão: [...] b) relativamente ao IPTU progressivo: fixar sua alíquota (art. 7º, § 1º) [...] 67

O plano diretor estabelecerá a ordenação a ser observada

obrigatoriamente pelos munícipes na construção do meio ambiente urbano.

O Estatuto da Cidade adotou como diretrizes gerais afetas ao direito

tributário a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira

67 Ibidem, p. 52/53.

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e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a

privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos

diferentes seguimentos sociais (art. 2º, inciso IX) e a recuperação dos investimentos

do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art. 2º,

inciso X). E, além do imposto predial e territorial urbano, prevê outros instrumentos

tributários e financeiros destinados à ordenação das cidades: a contribuição de

melhoria, os incentivos e benefícios fiscais e financeiros (art. 4º, inciso IV, "a" a "c").

O Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU é um dos instrumentos

tributários de intervenção urbanística, podendo, portanto, ser utilizado com o objetivo

de preservar o meio ambiente urbano, para atendimento da função social da

propriedade e adequado parcelamento do solo urbano.

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4. DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL

Entre os instrumentos de preservação do meio ambiente encontram-se

os tributos, podendo-se falar de um Direito Tributário Ambiental.

que pode ser definido como o ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia, promoção ou preservação de bens ambientais. 68

Regina Helena Costa diz que podemos entender por tributação

ambiental a utilização de instrumentos tributários com a finalidade de gerar receitas

para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental e para orientar o

comportamento social para a preservação do meio ambiente. 69

Juntamente com o sistema adotado no Brasil de “comando e controle”,

consistente na edição de comandos particulares para que sejam adotados

comportamentos coerentes com a preservação ambiental, somado ao controle

decorrente do exercício do Poder de Polícia da Administração Pública, pode ser

adotado concomitantemente um sistema de tributos ambientais, de modo a intervir

na atividade econômica e no comportamento social, para estimular a prática das

condutas ambientalmente corretas e desestimular condutas atentatórias ao meio

ambiente. 70

A tributação ambiental pode prestar inestimável serviço à preservação

do meio ambiente, contribuindo para um desenvolvimento sustentável 71. Para tanto,

68 TORRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária e ambiental –

os limites dos chamados “tributos ambientais”. TORRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 102.

69 COSTA, Regina Helena. Tributação, Ecologia e Meio Ambiente. In: Congresso Brasileiro de Direito Tributário, XIII, 1999, São Paulo. Revista de Direito Tributário. São Paulo, Malheiros, nº 78, p. 73.

70 COSTA, Regina Helena. Ibidem, p. 74. 71 Cf. José Marcos Domingues de Oliveira: “a utilização das espécies tributárias quer para suprir

recursos à prestação de serviços públicos ambientais, quer fundamentalmente para orientar a atuação dos contribuintes em face do meio ambiente, carece, entretanto, de sistematização e enfoque jurídico próprio que lhe revelem as virtudes e justifiquem sua adequação a princípios

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é importante observar que o direito tributário, assim como o direito ambiental, está

sistematizado no texto constitucional. O Sistema Constitucional Tributário traçado na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é extremamente rígido e

não deixa margem para o legislador infraconstitucional, de forma que as Unidades

da Federação, ao exercerem a competência tributária que lhes foi outorgada,

deverão observar os limites impostos pelo Poder Constituinte. 72 Noutras palavras,

as Unidades da Federação somente poderão instituir os tributos expressamente

previstos no texto constitucional, existindo apenas duas exceções: a competência

residual da União Federal para instituir, mediante lei complementar, impostos não

previstos no art. 153 da CRFB/1988, desde que sejam não-cumulativos e não

tenham fato gerador ou base de cálculo próprios daqueles já discriminados na

Constituição (art. 154, I, CRFB/1988) e outras fontes destinadas a garantir a

manutenção ou a expansão da seguridade social (art. 195, § 6º c/c 154, I,

CRFB/1988).

Essa rigidez constitucional é um obstáculo ao aproveitamento de

experiências em tributação ambiental de outros países, onde não há tal rigidez, o

fundamentais da tributação, como a legalidade e a destinação pública dos tributos, já agora iluminados pelo grande princípio do “segundo Estado de Direito”, na expressão de PAULO BONAVIDES, que é o princípio da proporcionalidade” (OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário e o Meio Ambiente – Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita; Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 09).

72 Nos países de Constituição rígida e de controle judiciário das leis e atos administrativos, os princípios que a Ciência das Finanças apurou em sua compósita formação política, moral, econômica ou técnica são integradas em regras estáveis e eficazes. Funcionam como limitações constitucionais ao poder de tributar. Nenhuma constituição excede a brasileira, a partir da redação de 1946, pelo zelo com que reduziu as disposições jurídicas aqueles princípios tributários. Nenhuma outra contém tantas limitações expressas em matéria tributária financeira. Por isso mesmo, a interpretação e a aplicação daqueles dispositivos não podem dispensar as elaborações da Ciência das Finanças, velha fonte de onde afinal promanaram. O sistema tributário movimenta-se sob complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais. De modo geral, em virtude da rígida discriminação de rendas esboçadas no Ato Adicional de 1834 e que progressivamente se estabeleceu no país desde a Constituição de 1891 e que atingiu ao máximo depois da Emenda nº 18, de 1965, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estão adstritos às normas inflexíveis de competência. Elas limitam o poder de tributar de cada uma das pessoas de Direito Público. O Fisco de cada entidade pública só decretará o tributo que lhe foi expressamente atribuído (...) (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1977, 5. ed., p. 02/03).

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que impõe à doutrina brasileira tarefa de construção sobremodo original na

tributação ambiental. 73

Além das regras de competência, deverão ser observados os direitos

fundamentais74 e os princípios constitucionais tributários como limites ao poder de

tributar. Segundo Aliomar Baleeiro, os princípios constitucionais funcionam como

“limitações constitucionais ao poder de tributar” 75. Os princípios constitucionais são

meras especializações ou explicitações dos direitos e garantias individuais 76.

Para começar, ditos princípios traduzem no imo em suas expansões projeções de direitos fundamentais, ou melhor, no miolo, são garantias de direitos fundamentais, notadamente capacidade, liberdade, dignidade humana, propriedade e igualdade, além de valores republicanos, federalistas e solidaristas. 77

Para instituir tributos com objetivo de tutelar o meio ambiente o

legislador deverá observar tais limites. As Unidades da Federação poderão instituir

apenas os tributos cujas competências lhes foi outorgada pelo Poder Constituinte.

Não há espaço para criação de novos tributos além daqueles já expressamente

enumerados no texto constitucional (com exceção da competência residual da

União).

4.1. PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL

73 TORRES, Heleno Taveira. Ibidem, p. 97. 74 No direito tributário, a proteção dos direitos fundamentais se faz por intermédio das imunidades,

implícitas ou expressamente declaradas na Constituição. A imunidade é intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional (Cf. Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. 3: Direitos Humanos e Tributação: Imunidades e Proibição de Discriminação, p. 51.). TORRES, Ricardo Lobo Torres, Valores e princípios no direito tributário ambiental. TORRES, Heleno Taveira (organizador). Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25.

TORRES, Ricardo Lobo Torres, Valores e princípios no direito tributário ambiental. TORRES, Heleno Taveira (organizador). Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25.

75 BALEEIRO, Aliomar. Ibidem, p. 04. 76 BALEEIRO, Aliomar Baleeiro. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar; atualizado por

Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 7. ed., p. 14. 77 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,

2006, 9. ed., p. 198.

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Conjugando os princípios constitucionais tributários com os princípios

constitucionais ambientais, pode-se alcançar uma sistematização do direito tributário

ambiental e obter os princípios do direito tributário ambiental.

De forma não exaustiva, uma vez que não se devem restringir os

princípios (§ 2º, do art. 5º e 150, caput, ambos da CRFB/1988), são princípios do

direito tributário ambiental: o princípio da legalidade tributária; princípio da

anterioridade; princípio da irretroatividade; princípio da tipicidade; princípio da

capacidade contributiva; princípio do não-confisco; princípio da não-afetação de

receita; princípio que afirma o direito de propriedade e que esta atenda sua função

social; princípio da prevenção; princípio do poluidor-pagador e princípio do usuário-

pagador. Nos subitens abaixo os princípios serão individualmente analisados.

4.1.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da legalidade já aparece no art. 5º, I, da CRFB/1988 e o da

legalidade tributária, reforçando aquele primeiro, no art. 150, I, da CRFB/1988, de

forma que é vedado instituir ou majorar tributo sem lei que o estabeleça.

Num Estado Democrático de Direito, a legalidade não deve ser aferida

apenas no sentido formal (se a lei foi emanada do Poder Legislativo). 78 É preciso

que a lei esteja de acordo com as garantias e os princípios constitucionais, sob pena

78 A legalidade formal, vimos de ver, depõe nos parlamentos, ou seja, no Poder Legislativo, a

competência para instituir tributos (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 213).

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de sua inconstitucionalidade. 79 A legalidade deve ser aferida, portanto, formal e

materialmente.

O Poder Constituinte de 1988 asseverou que “todo o poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos

desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único, CRFB/1988). Desta forma, o princípio

significa que a tributação deve ser decidida não pelo chefe de governo, mas pelos

representantes do povo. 80 A Magna Carta de 21 de junho de 1215 já enunciava tal

regra “no taxation whithout representation” (n. 12 e 14). 81 Como dizia Pontes de

Miranda, a legalidade da tributação significa o povo tributando a si próprio. O povo,

titular do poder, autorizando por meio de seus representantes eleitos para fazer leis,

ficando o chefe do Poder Executivo, que cobra os tributos, na dependência da

autorização do povo, por meio de seus representantes eleitos. 82

Há exceções ao princípio da legalidade formal previstas na

Constituição. No caso de iminência ou guerra (art. 154, II, CRFB) e no caso

calamidade pública, estando em recesso o Congresso Nacional, tais tributos

poderão ser instituídos sem lei formal. 83 Há possibilidade de majoração ou

minoração de alguns tributos por ato do Poder Executivo (imposto de importação,

imposto de exportação, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre

79 Não basta, agora, no Estado Democrático de Direito, a mera adequação do ato administrativo ou

da lei (stricto sensu) a literalidade dos preceitos constitucionais. Os direitos fundamentais, no nosso sistema atual, como prescritos na Constituição, se tornam imperativos e têm aplicação imediata (art. 5º, parágrafo 1º), e não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (idem, parágrafo 2º). Temos então que, em decorrência, a lei tributária (e com maior razão a exigência tributária, seja a referente a tributo, seja a relativa às chamadas obrigações acessórias) deve respeitar não apenas os preceitos constitucionais (no sentido meramente normativo, ou seja, de regras formais) mas - e principalmente - os princípios consagrados de forma expressa ou implícita no regime (notadamente o regime democrático e social). NOGUEIRA, Alberto. Os Limites da Legalidade tributária no Estado Democrático de Direito (Fisco x Contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa). Rio de Janeiro: Renovar, p. 28/30.

80 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 214. 81 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva,

2004, 6. ed., p. 11. 82 Apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 221. 83 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 222.

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operações de crédito, câmbio e seguro ou relativos a títulos ou valores mobiliários),

desde que observados os limites estabelecidos em lei (art. 153, § 1º, CRFB/1988).

É preciso destacar, com grande pesar, que, confrontando a doutrina

predominante e os princípios consagrados no Estado Democrático de Direito, o

Supremo Tribunal Federal admite a utilização de medida provisória em matéria

tributária. 84

Fora as exceções constitucionalmente previstas, os tributos somente

poderão ser instituídos ou majorados por lei, em seu sentido formal e material. 85

Do tronco do princípio da legalidade ao longo da história, floresceram

os princípios da anterioridade, da tipicidade e da irretroatividade, que serão, em

seguida, examinados. 86

4.1.2. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da anterioridade tributária, ou da não-surpresa, impede a

cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei

que os instituiu ou majorou (art. 150, III, b, CRFB/1988) e antes do decurso de

noventa dias da data em que tenha sido publicada a lei que instituiu ou majorou o

tributo (art. 150, III, c, CRFB/1988 – acrescentado pela EC 42/2003).

84 Tanto quanto o Direito Penal, o Direito Tributário registra, ao longo de sua evolução histórica, a luta

indormida dos povos para submeter o poder dos governantes ao primado da legalidade. O jus puniend e o jus tributandi foram, antanho, absolutos. Hoje, todavia, repete-se por toda a parte: nullum tributum, nulla poena sine lege. Assim o quer a consciência jurídica hodierna. Estado de Direito e legalidade na tributação são termos equivalentes. Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado de Direito. E, pois, liberdade e segurança tampouco existirão (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 213).

85 Entre nós, como está na Constituição de 1988, o princípio da legalidade tributária exige lei em sentido formal (instrumento normativo proveniente do Poder Legislativo) e material (norma jurídica geral e impessoal, abstrata e obrigatória, clara, precisa, suficiente (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 221).

86 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 216.

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Para Sacha Calmon,

o princípio da anterioridade expressa a idéia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam, com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus negócios e atividades 87.

As particularidades do princípio da anterioridade, em relação a cada

tributo, estão previstas no § 1º do art. 150, CRFB/1988, de modo que, em alguns

casos, exige-se apenas a anterioridade, ou apenas a anterioridade nonagesimal, ou

nenhuma delas.

A vedação contida no inciso III, b, do art. 150, que estabelece a

anterioridade nonagesimal, não se aplica à fixação da base de cálculo do IPTU;

alterada a base de cálculo do IPTU por lei, poderá ser cobrado no primeiro dia do

exercício seguinte sem observar o prazo de noventa dias.

Antes da EC 42/2003, esse princípio era, muitas vezes, inócuo, pois

era comum a instituição ou majoração de tributo no dia 31 de dezembro: observada

apenas a anterioridade, já poderia ser cobrado no dia 1º de janeiro do ano seguinte.

Agora, o contribuinte tem, pelo menos, noventa dias para não ser pego

completamente de surpresa.

4.1.3. PRINCÍPIO DA TIPICIDADE

Extensão do princípio da legalidade, o princípio da tipicidade exige que

a lei tributária, instituidora do tributo, contenha todos os elementos necessários à

conformação do fato jurídico tributário (hipótese de incidência ou fato gerador

abstrato) e conseqüência jurídica imputada ao sujeito que realizou tal fato jurídico

(dever jurídico). A lei tributária não pode conter espaços a serem preenchidos pelos

87 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 214.

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aplicadores, sob pena de abrir possibilidade de interpretação aplicativa do Executivo,

que, como é tradição em nosso país, sempre interpretará de forma a aumentar a

arrecadação. 88

Sacha Calmon Navarro Coelho diz que a tipicidade, ou precisão

conceitual, é outro nome da legalidade material. Primeiramente, a tipicidade diz

respeito ao conteúdo da lei (norma), enquanto a legalidade formal tem a ver com o

veículo (lei). Em segundo lugar, engloba o fato jurígeno-tributário e o conseqüente

dever jurídico (sujeitos ativos e passivos, bases de cálculo, alíquotas, como, onde,

quando pagar o tributo); tipifica rigorosamente o descritor e o prescritor da norma

jurídica tributária. Em terceiro lugar, a tipicidade tributária é cerrada para impedir que

o aplicador da norma interfira na sua configuração pela via interpretativa ou

integrativa. Neste ponto, o Direito Tributário é mais rígido que o Direito Penal, que a

lei permite ao juiz, ao sentenciar, fixar a pena com dosimetria, diminuir e afrouxar

posteriormente a pena. 89

A lei tributária deverá conter, exaustivamente, todos os critérios

necessários à configuração do fato imponível, sob pena de não haver incidência

tributária, sendo vedado ao aplicador o suprimento da omissão. Disse Ricardo Lobo

Torres que “a norma tributária, em virtude do princípio da legalidade, deve, de

acordo com o art. 97 do CTN, descrever a circunstância da vida apta a deflagrar a

obrigação principal, indicar o sujeito passivo e fixar alíquota e base de cálculo”. 90

Prescreve o art. 97 do Código Tributário Nacional

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, sua redução, ressalvando o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

88 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 219. 89 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 219/220. 90 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, 9.

ed., p. 216.

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III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do dispositivo no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

Verifica-se que o Código Tributário Nacional dispõe, enfaticamente,

que somente a lei pode estabelecer as matérias relacionadas acima, que, em

conjunto, formam a própria estrutura da norma tributária: definição do fato gerador,

fixação das bases de cálculo e alíquotas, majoração do tributo e mais a estatuição

das infrações à lei fiscal e de suas penalidades. Consagra o princípio da tipicidade,

que é exauriente (legalidade material). Conceituar exaustivamente, tipificando tudo o

que diz respeito às matérias acima exalta o princípio da tipicidade 91.

José Marques Domingues de Oliveira, por causa da constante

evolução científica dos estudos sobre o meio ambiente, defende a tipicidade aberta

para a tributação ambiental, “caracterizada pela ‘indeterminação conceitual’ inserida

nos tipos tributários ambientais”. 92 O mesmo posicionamento têm Cláudia Campos

de Araújo, Maria Isabel Reis Ferreira, Patrícia Castilho e Simone Marques dos

Santos, ao dizerem que

a tipicidade extrafiscal possui como fundamento uma tipicidade aberta, a qual é muito mais flexível e condizente à realidade existente, uma vez que o meio ambiente e sua proteção se apresentam de forma dinâmica e em constante evolução. Isto não quer dizer que esta tipicidade aberta beira as margens da inconstitucionalidade, mas sim que essa indeterminação de conceitos na lei tributária certamente é o fim constitucionalmente legítimo para que se atinja, no caso em tese, a proteção ambiental. 93

91 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 220/221. 92 OLIVEIRA, José Marques Domingues de. Ibidem, p. 62. 93 ARAÚJO, Cláudia Campos de; FERREIRA, Maria Isabel Reis; CASTILHO, Patrícia et al. Sistema

Tributário e Meio Ambiente. JR, Arlindo Philippi; ALVES, Alaôr Caffé. Questões de Direito Ambiental. São Paulo: Sigmus Editora, 2004, p. 390.

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José Marques Domingues de Oliveira entendendo os conceitos “sadia

qualidade de vida”, atividade “potencialmente poluidora”, “significativa degradação”

94, entre outros, previstos na Lei 6.938/1981 e demais leis afetas ao meio ambiente,

estando sujeitos à alteração em decorrência da constante evolução da ciência,

justificariam a utilização do poder regulamentar da Administração Pública 95 para

definir tais conceitos, observados os limites estabelecidos em lei e utilizando-se de

critérios científicos. No caso de se admitir tal possibilidade, os critérios científicos

deverão vincular a Administração 96, não deixando margem à discricionariedade. 97

A doutrina majoritária não admite tal possibilidade, tendo dito Marcelo

Guerra Martins, ao examinar o caso da Contribuição para Aposentadoria Especial

instituída pela Lei 9.732/1998, que

Não é concebível que a norma administrativa delimite a incidência de qualquer tributo, que deve ser previamente disposto em lei, sob pena de ofender o princípio da estrita legalidade tributária, insculpido no art. 150, I da Constituição Federal. Já foi exaustivamente afirmado que o princípio da legalidade é elemento básico do direito tributário. Só mediante lei é possível a criação e a majoração de qualquer tributo. Assim sendo, para que fosse possível a plena exigência da exação em testilha, seria necessária a edição de lei que delimite as expressões atividade preponderante, risco leve, médio e grave, sob pena de ofender o art. 150, I da Constituição Federal e, ainda, o art. 97, IV, do Código Tributário Nacional 98.

No sistema tributário brasileiro, não há margem, como visto acima,

para utilização da tipicidade aberta.

4.1.4. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE 94 OLIVEIRA, José Marques Domingues de. Ibidem, p. 68/69. 95 OLIVEIRA, José Marques Domingues de. Ibidem, p. 73/74. 96 Cf. Hely Lopes Meirelles: “Poder vinculado é aquele que o Direito Positivo – a lei – confere à

Administração Pública para a prática de ato de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizado por AZEVEDO, Eurico de Andrade, ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Manoel. São Paulo: Malheiros, 1997, 22. ed., p. 101).

97 Cf. Hely Lopes Meirelles: “Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo” (Ibidem, p. 102).

98 MARTINS, Marcelo Guerra. Impostos e Contribuições Federais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 415.

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Entre as limitações ao poder de tributar, o poder constituinte de 1988

previu o princípio da irretroatividade da lei tributária (art. 150, III, "a"), impedindo que

a nova lei alcance fatos ocorridos antes de sua eficácia.

A regra já havia sido prevista pelo constituinte de 1988, quando

garantiu que a nova lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada (art. 5º, XXXVI).

Na realidade, a limitação contida no art. 150, III, “a”, seria dispensável.

Porém, a doutrina relata que a repetição da matéria, no sistema constitucional

tributário, teve como objetivo repelir os abusos já cometidos, especialmente pela

União Federal, que, em diversas ocasiões, havia tentado atingir fatos passados ao

instituir tributos. 99

A eficácia da lei tributária surgirá após o transcurso do prazo da

anterioridade já tratado no item 4.1.2.

4.1.5. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A Constituição estabelece que

sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (art. 145, § 1º, CRFB/1988) .

Ao instituir o tributo, o ente tributante deverá observar a capacidade

contributiva do sujeito passivo da relação jurídica tributária; sua possibilidade de

contribuir, com base em suas riquezas.

99 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 115/116.

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Importante observação foi feita por Heleno Taveira Torres ao destacar

o princípio da capacidade contributiva:

Por ser o princípio da capacidade contributiva o único critério admitido pela Constituição para distinções de regimes e tratamentos entre contribuintes, quando estes se encontram em condições análogas, o recurso ao exercício do poder de polícia, salvo para o caso de criação de taxas (art. 145, II, CF), como meio para fundamentar efeitos de extrafiscalidade à qualquer situação, somente poderá ser aplicado nos exíguos casos para os quais a Constituição autoriza o seu uso, a exemplo das hipóteses do art. 153, § 1º, da CF, das contribuições de intervenção no domínio econômico, da progressividade ou mesmo da seletividade no IPI e no ICMS.100

Este princípio será analisado mais detidamente no caso específico do

IPTU progressivo, no item 5.3.

4.1.6 PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO

Entre as limitações constitucionais do poder de tributar, há vedação à

utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV, CRFB/1988). Essa vedação

traduz o princípio do não-confisco.

Além de observar a capacidade contributiva, tratada no item anterior, o

ente tributante não poderá utilizar o tributo com efeito de confisco. A doutrina e a

jurisprudência não se desenvolveram a ponto de determinar objetivamente quando

um tributo tem efeito de confisco. No entanto, caso específico do IPTU, objeto do

presente estudo, existem critérios que possibilitam a verificação do confisco, como

será visto adiante no item 5.2.

4.1.7 PRINCÍPIO DA NÃO-AFETAÇÃO DA RECEITA

100 TORRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária e ambiental –

os limites dos chamados “tributos ambientais”. TORRES, Heleno Taveira (organizador). Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 138.

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A principal finalidade da tributação é fazer frente aos gastos advindos

da prestação pelo Estado de serviços públicos. 101

A não-afetação da receita significa que o resultado obtido com a

arrecadação do tributo é destinado ao caixa único do governo, para cobrir os gastos

gerais do Estado, de acordo com a previsão orçamentária. Já a receita afetada

destina-se a orçamento autônomo ou a custeio de gastos públicos específicos

(como, v. g., a seguridade social) e/ou extraordinários. 102 A regra é a não-afetação

da receita. As exceções, ou seja, as possibilidades de afetação da receita estão

discriminadas na Constituição.

As normas constitucionais orçamentárias estão contidas na seção II do

cap. II do título VI, denominada “Dos Orçamentos”, artigos 165 a 169 da Constituição

de 1988, advertindo Ricardo Lobo Torres que aquelas abrangem também as normas

sobre controle da execução orçamentária (arts. 70 a 75), o orçamento do Poder

Judiciário (art. 99) e a fiscalização orçamentária dos Municípios (art. 31). 103

Além dos princípios e normas constitucionais orçamentárias devem,

ainda, ser observadas a Lei de Responsabilidade Fiscal veiculada pela Lei

Complementar nº 101/2000 104 e a Lei 4.320/1964. 105

101 Cf. Werter Botelho: “Desta forma, a tributação é parte integrante da atividade financeira do Estado,

devendo, portanto, ser estudada não como um compartimento estanque, mas em consonância com as normas jurídicas que integram o Direito Financeiro”(BOTELHO, Werther. Da Tributação e Sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 51).

102 BOTELHO, Werther. Ibidem, p. 60. 103 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,

9. ed., 153. 104 BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

“Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 08.11.2005.

105 BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Dispõe sobre: Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 08.11.2005.

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Para Ricardo Lobo Torres, a Constituição Orçamentária “constitui” o

Estado Orçamentário, que é dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas,

especialmente a tributária, como instrumento de realização das despesas. 106

A receita dos impostos, destinada a cobrir os gastos gerais do Estado,

não pode ser vinculada ao meio ambiente por expressa vedação constitucional (art.

167, IV, CRFB/1988).

Art. 167. São vedados: IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvada a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita prevista no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo (redação dada pela EC 42, de 19.12.2003).

Sobre a afetação, disse Werther Botelho que

A tributação afetada à destinação específica é regida por regra distinta, vale dizer, os ingressos são a medida dos gastos. Este é o seu ponto de excepcionalidade, justificador do seu estudo em separado. Neste caso o objetivo da tributação não é fazer frente a um gasto público geral (Impostos) ou aos custos de uma contraprestação específica (Taxas e Contribuições de Melhoria). Agora a finalidade é o financiamento de um investimento ou despesa de caráter extraordinário ou específico e ainda viabilizar a seguridade social. (...) Os recursos oriundos da imposição obrigatoriamente afetada se destinam a orçamento autônomo ou estão vinculados a despesa específica. 107

A afetação ou vinculação das receitas, no sistema tributário e

orçamentário brasileiro, somente pode ocorrer em relação as demais espécies

tributárias, como as taxas (decorrentes do exercício do poder de polícia, que

prestam a remunerar o gasto do Estado para exercício desse poder e as decorrentes

de utilização de serviço público específico e divisível), às contribuições sociais (cuja

receita é destinada ao caixa da seguridade social) e às contribuições parafiscais.

106 Ibidem, p. 153. 107 BOTELHO, Werther. Ibidem, p. 85.

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Há quem defenda a afetação da receita auferida com os impostos

ambientais, devido à sua natureza extrafiscal, em prol do meio ambiente. 108 Em que

pese ser o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito

fundamental, tal fato não justifica a afetação da receita auferida com os ditos

impostos ambientais, quando há disposição constitucional expressa em contrário. 109

Em se admitindo a afetação da receita dos impostos em prol do meio ambiente,

abrir-se-ia precedentes para afetação de receitas em prol da saúde, educação,

segurança, moradia (entre outros direitos fundamentais), comprometendo o sistema

orçamentário traçado na Constituição.

4.1.8. PRINCÍPIO QUE AFIRMA O DIREITO DE PROPRIEDADE

A Constituição afirma o direito de propriedade, entre as garantias e

direitos individuais (art. 5º, XXII, CRFB/1988), no entanto, como já visto no item 3.1,

a feição, o perfil desse direito não foi traçado pela Constituição vigente como um

direito absoluto (aliás, nenhum direito é absoluto, nem os direitos fundamentais o

são).

A garantia ao direito de propriedade está limitada pelo atendimento da

função social da propriedade, conforme art. 5º, XXIII, da CRFB/1988. E a ordem 108 OLIVEIRA, José Marques Domingues. Ibidem, p. 83/98. No mesmo sentido: (...) a tributação

ambiental possui um objetivo pré-determinado e específico, ou seja, a defesa do meio ambiente, incontestável sua natureza extrafiscal, tornando-se perfeitamente possível a afetação da sua receita. A vinculação da receita, no caso de proteção ao meio ambiente, não poderia ser considerada como inconstitucional. Existindo exceções ao princípio da não-vinculação, ou seja, quando não for possível a aplicação deste princípio, por causa de fatores relevantes, (como é o caso da proteção ambiental), torna-se impossível ater-se à rigidez do princípio, e não ser retirada a garantia constitucional de proteção ao meio ambiente. Ademais, trata-se de um direito difuso, que deve se sobrepor consideravelmente ao formalismo legal (ARAÚJO, Cláudia Campos de; FERREIRA, Maria Isabel Reis; CASTILHO, Patrícia; et. al. Sistema Tributário e Meio Ambiente. JR, Arlindo Philippi; ALVES, Alaôr Caffé. Questões de Direito Ambiental. São Paulo: Sigmus Editora, 2004, p. 391/391).

109 Cf. Regina Helena Costa “a Constituição terá que ser emendada para isso, porque sabemos que a receita gerada por impostos não pode ser afetada como regra” (COSTA, Regina Helena. Tributação, Ecologia e Meio Ambiente. In: Congresso Brasileiro de Direito Tributário, XIII, 1999, São Paulo. Revista de Direito Tributário. São Paulo, Malheiros, nº 78, p. 79)

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econômica está fundada nos princípios da propriedade privada e da função social da

propriedade, como se depreende do art. 170, II e III, da CRFB/1988.

O direito de propriedade foi garantido pelo poder constituinte,

entretanto, agora, a propriedade tem de atender ao perfil social, ou seja, a

propriedade tem de atender sua função social.

Não bastassem as disposições constitucionais, o Código Civil de 2002

prescreve que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas

finalidades econômicas e sociais, de modo a garantir o equilíbrio ecológico (art.

1.228, § 1º, do Código Civil de 2002).

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, com

sua funcionalização por meio do desenvolvimento de suas funções sociais (moradia,

trabalho, circulação, lazer, integração entre os seres humanos, crescimento

educacional e cultural, preservação do meio ambiente etc.).

O direito de propriedade urbana sofre as limitações em prol do pleno

desenvolvimento das funções sociais e do adequado aproveitamento do solo

urbano.

4.1.9 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

O princípio da prevenção é de fundamental importância, pois, na

maioria das vezes, o dano ambiental é irreversível é irreparável.

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Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, o princípio da prevenção

tem tido suma importância, elevado à categoria de megaprincípio do direito

ambiental. 110

Na ECO-92 está presente, constando no Princípio 15:

Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente.

O princípio da prevenção está previsto no caput do art. 225 da

Constituição de 1988, ao prescrever que é dever do Poder Público e de toda a

coletividade proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras

gerações.

A efetivação do princípio pode se dar por meio da educação ambiental

e de instrumentos como o estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), o manejo

ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas etc. 111 No caso

do meio ambiente urbano, o plano de desenvolvimento urbano, manifesto pelo plano

diretor, é primordial para o alcance do princípio da prevenção.

Como já mencionado no início do Capítulo 4, a tributação ambiental

pode ser adotada juntamente com o sistema de “comando e controle”, de modo a

intervir na atividade econômica e no comportamento social, para estimular a prática

das condutas ambientalmente corretas. Eis o ponto de toque entre este princípio e a

tributação ambiental, o que pode ser vislumbrado pelo exemplo de Celso Antônio

Pacheco Fiorillo na concessão de benefícios fiscais concedidos às atividades que

110 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2003, 4. ed., p. 37. 111 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ibidem, p. 37.

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atuem em parceria com o meio ambiente, especialmente para as atividades que

utilizem de tecnologias limpas. 112

A imposição de multas àqueles que não observarem o princípio não

tem espaço na tributação ambiental, pois não há possibilidade de imposição de

tributos aos atos ilícitos, conforme se depreende do conceito legal de tributo

concebido no art. 3º do Código Tributário Nacional.

4.1.10 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

A preservação ao meio ambiente exige prestações positivas do Estado

que demandam custos. Não seria justo atribuir a todos, aos que poluem e aos que

não poluem o meio ambiente, a responsabilidade de arcar com as despesas das

atividades do Estado voltadas à preservação do meio ambiente.

Diante disso, define-se o princípio do poluidor-pagador como “exigência

de que o poluidor arque com os custos das medidas de prevenção e controle da

poluição”. 113

Para Fernando Alves Correia, “o princípio indica, desde logo, que o

poluidor é obrigado a corrigir ou recuperar o meio ambiente, suportando os encargos

daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar com a ação poluente”. 114

Sobre o princípio do poluidor-pagador, aplicável especificamente ao

direito tributário ambiental, disse Ricardo Lobo Torres que

O princípio do poluidor-pagador sinaliza no sentido de que os potenciais poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo pagamento das despesas estatais relacionadas com a precaução e a prevenção dos riscos ambientais. É princípio de justiça porque busca evitar que repercuta sobre a

112 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ibidem, p. 37. 113 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário e o Meio Ambiente – Proporcionalidade,

Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 14. 114 Apud José Marcos Domingues de Oliveira. Ibidem, p. 14.

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sociedade a obrigação de suportar os custos da sustentação do meio ambiente sadio. O princípio do poluidor-pagador está ligado à idéia de internalização de eventuais prejuízos ambientais, sem a qual seria repassada para terceiros a responsabilidade pela carga tributária necessária a garantir os riscos ambientais. O poluidor, que se apropria do lucro obtido em suas atividades poluentes, não pode externalizar negativamente a poluição que produz. 115

Não seria justo que o poluidor auferisse os lucros com a atividade

econômica e deixasse para toda a coletividade a absorção das denominadas

“externalidades negativas” geradas em seu processo de produção juntamente

com o produto a ser comercializado.

O poluidor-pagador, que deve pagar pela poluição, de acordo com

Maria Alexandre de Souza Aragão, é aquele que tem poder de controle sobre

as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo, portanto, preveni-

las ou tomar precauções para evitar que elas ocorram. 116

Esse princípio, ao ser utilizado na política fiscal para onerar

aqueles que promovem atividades com potencial evidência de dano ao meio

ambiente, encontra restrição no direito tributário brasileiro, que veda a

instituição de tributo como sanção a ato ilícito, consoante disposto no art. 3º

do Código Tributário Nacional. 117 Não é possível, portanto, instituir tributos

como sanção ao ato ilícito do poluidor-pagador.

Deve-se ter cuidado, ainda, para que a aplicação desse princípio

não venha legitimar práticas poluidoras ou danosas ao meio ambiente de

115 TORRES, Ricardo Lobo. Valores e Princípios no Direito Tributário Ambiental. TORRES, Heleno

Taveira (org.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 27. 116 ARAGÃO, Maria Alexandre de Souza. O Princípio do Poluidor Pagador. Pedra Angular da Política

Comunitária do Ambiente. Coimbra: Coimbra Ed., 1997, p. 136. Apud TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, p. 27.

117 TORRES, Heleno Taveira. Ibidem, p. 102/103.

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grandes proporções, mediante simples contraprestação patrimonial, 118

gerando direito à poluição mediante o pagamento de tributos.

Com as cautelas devidas, o princípio poderá ser aplicado na

tributação ambiental, como defendido por José Marcos Domingues de Oliveira,

podendo o Estado cobrar do poluidor os gastos despendidos na atividade

estatal de preservação, recuperação, fiscalização e monitoramento ambientais,

bem como mediante a graduação da tributação para incentivar atividades,

processos produtivos ou consumos environmentally friendly (literalmente,

amistosos, não-poluidores), e desistimular o emprego de tecnologias

defasadas, a produção e o consumo de bens not environmentally friendly

(nefastos à preservação ambiental). 119

4.1.11 PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR

O princípio do usuário-pagador está previsto na Lei da Política Nacional

do Meio Ambiente, ao prescrever “imposição, ao poluidor e ao predador, da

obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de

contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (art. 2º,

VII, da Lei nº 6.938/81).

Sobre o princípio, disse Henri Smets que

em matéria de proteção do meio ambiente, o princípio usuário-pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. Este princípio tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas pelo utilizador. De outro lado, o princípio não justifica a imposição de taxas que tenham por efeito aumentar o preço do recurso a

118 TORRES, Heleno Taveira. Ibidem, p. 105. 119 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Ibidem, p. 26.

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ponto de ultrapassar seu custo real, após levarem-se em conta as externalidades e a raridade. 120

Como adverte Paulo Affonso Leme Machado,

o uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia 121.

A cobrança pela utilização dos recursos ambientais não seria possível,

segundo entendimento exposto por Ricardo Lobo Torres.

A imunidade tributária às vezes decorre também do conceito de “bens públicos de uso comum do povo” (art. 99 do Código Civil), “como rios, mares, estradas, ruas e praças”, que se distinguem perfeitamente de bens públicos de uso especial ou dominicais. Por isso mesmo tais bens não podem ser alienados, a sua fruição é gratuita, sobre o consumo inexiste a incidência de impostos e o Estado ou as concessionárias só estão autorizados a cobrar remuneração (preço público) pelo direito de uso, observado o princípio do usuário-pagador. 122

Diante da impossibilidade de instituição de tributos pela utilização de

recursos ambientais, o princípio do usuário-pagador não teria aplicação ao direito

tributário ambiental.

Embora não tenha natureza de tributo, e o objeto do presente trabalho

é a tributação ambiental, oportuno citar a participação no resultado da exploração e

compensação financeira pagas pelo utilizador dos recursos minerais ao Estado, que

encontra fundamento no art. 20, § 1º, CRFB/1988, que podem ser utilizadas para

materializar o princípio do usuário-pagador.

São bens da União (art. 20, CRFB): os recursos naturais da plataforma

continental e da zona econômica exclusiva (inciso V); os potencias de energia

hidráulica (inciso VIII); os recursos minerais, inclusive os do subsolo (inciso IX). É

120 SMETES, Henri. Le Principe Utilisateur-Payeur pour la Gestion Durable des Ressources

Naturalles. Apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, 11ª ed., p. 53.

121 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, 11ª ed., p. 53.

122 TORRES, Ricardo Lobo Torres, Valores e princípios no direito tributário ambiental. TORRES, Heleno Taveira (organizador). Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25.

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assegurado, nos termos da lei, a Estados, a Distrito Federal e a Municípios, bem

como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da

exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de

energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma

continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira

por essa exploração (art. 20, § 1º, CRFB/1988).

Ao legislador, caberá a opção pela participação no resultado da

exploração ou compensação financeira pela exploração dos recursos naturais

(petróleo, gás natural, utilização de recursos hídricos e exploração ou produção de

recursos minerais) pertencentes à União, a ser paga pelos concessionários,

permissionários ou autorizados. A receita será distribuída entre a União, os Estados,

o Distrito Federal e os Municípios.

A compensação financeira devida na exploração de petróleo e recursos

minerais, e na geração de energia elétrica, é receita originária, devida pelos que

exploram comercialmente bens públicos, não tendo natureza jurídica de tributo.

Esses pagamentos, a título de compensação financeira ou participação

no resultado da exploração, como propõe Heleno Taveira Torres, poderiam ensejar

“a formação de fundos especiais, voltados à proteção do ambiente natural, sua

preservação e até mesmo recomposição, sem prejuízo das obrigações contratuais

assumidas pelas partes contratantes para esse mesmo fim”. 123

A proposta do professor Heleno Taveira Torres encontra, inclusive,

previsão expressa na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que, em seus

123 TORRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributárias e a ambiental

– limites dos chamados “tributos ambientais. TORRES, Heleno Taveira (organizador). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 113.

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artigos 4º, VII e no art. 14º, § 3º, determina o dever de impor ao “usuário do meio

ambiente” uma “contribuição pela utilização dos recursos ambientais”. 124

4.2. FISCALIDADE, EXTRAFISCALIDADE E PARAFISCALIDADE

As receitas auferidas pelo Estado podem ser classificadas em

Derivadas e Originárias. As derivadas são provenientes da economia privada,

recolhidas por intermédio dos tributos, ingressos parafiscais e multas; as Originárias

decorrem da exploração do patrimônio do Estado, abrangendo os preços públicos,

as compensações financeiras e os ingressos comerciais. 125

A fiscalidade do tributo é a função arrecadatória, constituindo os

tributos a principal fonte de receita pública do Estado, necessária à sua manutenção

e na prestação dos serviços gerais aos cidadãos. A extrafiscalidade é uma forma de

intervenção estatal na economia, deixando-se absorver pela fiscalidade, constituindo

a dimensão finalista do tributo. 126

A parafiscalidade, por sua vez, ocorre quando a receita não é

destinada ao Estado, mas ao Parafisco, aos órgãos que não integram o núcleo da

administração do Estado, ditos paraestatais, incumbidos de prestar serviços

paralelos e inessenciais. 127 Como exemplo, citam-se as contribuições recolhidas em

124 Cf. José Marcos Domingues de Oliveira: “Essa norma, inserida na Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente (art. 4º, VII), não tem redação escorreita do ponto de vista jurídico, porque se refere a “contribuição”, quando a espécie tributária cabível é a taxa retributiva dos serviços públicos correspondentes à fiscalização e à recuperação ambiental, conforme decorre do art. 145 da Constituição Federal e do art. 77 do Código Tributário Nacional, sendo que a designação correta da alternativa financeira não tributária para a cobrança pelo uso de bens públicos (recursos ambientais) seria genericamente o preço financeiro e no caso específico de recursos hídricos a “outorga de água” (Proteção Ambiental no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, vol. 184, p. 106/112, abr./jun./1991. Apud OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Ibidem, p. 15).

125 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, 9. ed., p. 166. 126 TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, p. 167. 127 TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, loc. cit.

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favor das entidades de classe, que têm como objetivo fiscalizar o exercício das

profissões regulamentadas.

O Código Tributário Nacional estatui que a natureza jurídica específica

do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo

irrelevantes a destinação legal do produto da arrecadação (art. 4º, II). O preceito

legal diz que a destinação da receita auferida com os tributos é irrelevante para a

determinação da natureza jurídica do tributo. Com o pagamento do tributo estará

extinta a relação jurídica tributária. A destinação da receita será regulada pelo Direito

Financeiro.

Do preceito acima, poder-se-ia concluir à primeira vista que, para o

direito tributário, não importa a destinação da receita auferida com o tributo. A

destinação importaria apenas ao direito financeiro. Há entendimentos nesse sentido,

assim como entendimentos em contrário, que chegam a defender que tal dispositivo

legal foi derrogado pela Constituição de 1988. 128

Ao se tratar de políticas públicas, conforme conceitua Eros Roberto

Grau, no sentido de atuação do Estado para intervir na ordem social, 129 a

extrafiscalidade é de suma importância, pois é por meio dela que o Estado poderá

utilizar o tributo para intervir na economia, estimulado ou desestimulando condutas.

No caso dos impostos, em que é vedada a vinculação da receita por expressa

vedação contida no art. 167, IV, CRFB/1998 (ver item 4.1.4 supra), como o IPTU,

que é objeto deste estudo, a extrafiscalidade é a única possibilidade de utilização do

imposto como instrumento de garantia do meio ambiente ecologicamente

equilibrado.

128 Werter Botelho considera que o art. 4º do CTN foi derrogado pela Constituição de 1988, diante das

exceções constitucionalmente previstas, de tributos cuja receita é afetada, como as Contribuições e os Empréstimos Compulsórios (BOTELHO, Werther. Ibidem, p. 60).

129 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 18. Apud MODÉ, Fernando Magalhães. Ibidem, p. 35.

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Os tributos podem ter caráter fiscal, quando o objetivo é arrecadação e

obtenção de receita, e extrafiscal, quando o objetivo principal na sua instituição não

é a obtenção de receita, mas a intervenção na atividade dos particulares, como

forma de incentivar ou desestimular certas condutas.

Para Aliomar Baleeiro, autor que empreendeu profundo estudo sobre

as Ciências das Finanças, o objetivo clássico da Ciência das Finanças é o estudo da

atividade fiscal, desempenhada com o fim de obter e aplicar recursos para o custeio

dos serviços públicos. Mas tendência é o alargamento do campo de investigação

para abranger os efeitos extrafiscais da atividade financeira, a fim de que o Estado

possa exercê-la segundo diretrizes econômicas, políticas, morais e sócias. Os

fenômenos econômico e financeiro são interligados, de modo que as finanças

públicas sofrem as conseqüências da estrutura e da conjuntura econômicas e, ao

mesmo tempo, podem modificar profundamente a face destas.

Surge, então, a idéia de utilizar-se o instrumental financeiro para

provocar deliberadamente certos resultados econômicos e políticos, como a

promoção de políticas ambientais tendentes a garantir o meio ambiente

ecologicamente equilibrado. A Ciência das Finanças age como orientadora das

Políticas Públicas para fins extrafiscais, bem como observa e descreve fatos e

instituições ou investiga causas e efeitos. E, ao ser aplicada, indica os meios para

alcançar determinado fim no campo da atividade financeira do Estado, inclusive para

intervenção do governo na sociedade, isto é, sua utilização extrafiscal. 130

De acordo com Aliomar Baleeiro, o qual assevera que as Ciências das

Finanças engloba o Direito Financeiro e o Tributário, a Política Fiscal é aquela

130 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Atualizado por Dejalma de Campos;

Rio de Janeiro: Forense, 2004, 16ª ed., p. 9.

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relativa aos tributos ou que os toma por instrumento de ação, sendo parte integrante

da Política Financeira. 131

Ao tratar da autonomia do Direito Tributário e Financeiro, Baleeiro disse

que

O Direito Financeiro é compreensivo do conjunto das normas sobre todas as instituições financeiras – receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal – ao passo que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente e a despeito de qualquer contra-indicação etimológica, ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precisamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, como sujeito passivo. O Direito Fiscal é o sub-ramo do Direito Financeiro que apresenta maior desenvolvimento doutrinário e maior riqueza de diplomas no Direito Positivo dos vários países. Alguns deles já o codificaram, como o Brasil, com o projeto de Osvaldo de Aranha e Rubens Gomes de Souza, hoje integrado na Lei nº 5.172, de 1996 (...) 132.

A Política Fiscal é parte integrante das Políticas Públicas, tendo dito

Aliomar Baleeiro que

Quando os impostos são empregados como instrumento de intervenção ou regulação pública, a função fiscal propriamente dita, ou “puramente fiscal’, é sobrepujada pela funções “extrafiscais”. A sua técnica é, então, adaptada ao desenvolvimento de determinada política, ou diretriz 133.

Nessas situações, o tributo passa a ser utilizado com fundamento no

poder de polícia, de acordo a doutrina dos constitucionalistas e financistas norte-

americanos, que distinguem os tributos cobrados com base no “poder de tributar” e

os exigidos com fundamento no “poder de polícia”. “Praticamente, essa distinção

131 Todas as aplicações práticas da teoria financeira se enquadram na Política Financeira, da qual a

Política Fiscal é parte integrante. Mas o uso tem reservado à palavra “fiscal” o sentido de “tributário”. Etimologicamente, “fiscal” deveria ser sinônimo de financeiro, isto é, aquilo que é pertinente ao Erário, quer receita, quer despesa. Política Fiscal, consoante esse uso, deveria ser aquela relativa aos tributos ou que os tomasse por instrumento de ação. (...) “Fiscal” e “Fisco” provêm do latim fiscus, fisci, canastra ou recipiente onde os romanos recolhiam as rendas e tributos. Por metonímia, veio a significar o próprio conteúdo, os dinheiros públicos, e passou a sinônimo de “erário” (BALEEIRO, Aliomar. Introdução à Ciência das Finanças. Atualizador CAMPOS, Djalma de. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 16. ed., p. 29).

132 BALEEIRO, Aliomar. Ibidem, p. 37. 133 BALEEIRO, Aliomar. Ibidem, p. 189.

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corresponde à de “impostos puramente fiscais” e “impostos com funções

extrafiscais”, ou regulatórias”. 134

Alfredo Augusto Becker, utilizando os estudos de Aliomar Baleeiro,

entende a “tributação extrafiscal como instrumento do intervencionismo estatal”, 135

afirmando que

a principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo. 136

Alfredo Augusto Becker acentua que o direito positivo tem natureza

instrumental, dizendo que construí-lo e manejá-lo é uma Arte a serviço de uma

Política específica, 137 como, p.ex., a Política Urbana delineada pelo Poder

Constituinte e regulada no Estatuto da Cidade, para garantia de um meio ambiente

urbano ecologicamente equilibrado.

Para Becker, freqüentemente o povo (ou determinado grupo social),

por não compreender as exigências do bem comum, não as pratica ou não está

disposto a aceitá-las, especialmente quando o Estado procura introduzir numa

sociedade individualista princípios da solidariedade social. O Estado, para impedir,

ou desestimular determinado fato social, poderá criar regra jurídica que o declare

ilícito ou criar tributo extrafiscal, com caráter proibitivo. A intervenção do Estado será

indireta no caso de opção pelo tributo extrafiscal. O recebimento do tributo extrafiscal

“proibitivo” é o objetivo secundário do Estado. Aliás, nesses casos, a percepção do

134 Cf. o autor, a Suprema Corte Americana adota critérios diferenciados ao analisar a

constitucionalidade dos tributos exigidos com fundamento no “poder de polícia”. BALEEIRO, Aliomar. Ibidem, p. 190.

135 BECKER, Alfredo Augusto. Ibidem, p. 219. 136 Ibidem, p 587/588. 137 BECKER, Alfredo Augusto. Ibidem, p. 213.

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tributo contraria o objetivo do Estado, que é o reflexo econômico-social que

resultante da circunstância de os indivíduos evitarem a hipótese de incidência do

tributo “proibitivo”, ou dela se absterem. 138

O Direito Tributário é instrumento fundamental do Estado para intervir

na economia, 139 de forma que o finalismo fiscal estará presente na construção

jurídica de todos e de cada tributo, de modo consciente e desejado, coexistindo com

o caráter fiscal 140. Inexiste tributo que se possa dizer puramente fiscal ou extrafiscal,

apenas verifica-se que, por vezes, um aspecto predomina sobre o outro. 141

Como visto acima, constata-se que a tributação extrafiscal consiste na

utilização do tributo como instrumento de intervenção do Estado para efetivação de

suas Políticas Públicas.

O princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de

nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CRFB/1988), ainda na metade do

Século XX, já havia sido suscitado por Fábio Monteiro de Barros como justificador da

intervenção do Estado na economia, ao dizer que “um muito maior intervencionismo

estatal na ordem social e na economia privada é necessidade inadiável, pois só

deste modo se restituirá à pessoa humana sua dignidade”. 142 E nada mais

verdadeiro, uma vez que a história comprovou a falácia pregada pelo liberalismo

clássico, de que a mão invisível do mercado era suficiente para regular a economia,

dispensando a intervenção do Estado.

138 BECKER, Alfredo Augusto. Ibidem, p. 591/592. 139 BECKER, Alfredo Augusto. Ibidem, p. 593. 140 BECKER, Alfredo Augusto. Ibidem, p. 597. 141 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 162. 142 BARROS, Fábio Monteiro de. Finança Púlbica e Intervencionaismo. Sorocaba: 1958, p. 23. Apud

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 3. ed., 1998, p. 589.

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José Marcos Domingues de Oliveira destaca o caráter extrafiscal e

finalístico do tributo ambiental, 143 como forma de estimular condutas sociais em prol

do meio ambiente, por meio de incentivos fiscais e desestimular condutas poluidoras

via tributação mais onerosa. 144

Adentrando o tema específico deste estudo, disse a professora Regina

Helena Costa que “pelo princípio da função social da propriedade é que vamos

encontrar a interseção entre o direito urbanístico e o direito tributário. Cabe apontar,

então, o ponto de toque entre ambos: a extrafiscalidade”. 145 A utilização do IPTU

como instrumento da Política Urbana terá, portanto, caráter preponderantemente

extrafiscal.

4.3. O TRIBUTO AMBIENTAL

Segundo a definição legal, “tributo é toda prestação pecuniária

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa

plenamente vinculada” (art. 3º, CTN). Trata-se, portanto de: (i) prestação pecuniária;

(ii) compulsória; (iii) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir; (iv) que não

seja sanção por ato ilícito; (v) instituída por lei; (vi) cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada.

143 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Ibidem. 144 Alberto Nogueira vai mais além ao dizer que “o direito a um ambiente tributário limpo e respirável

insere, segundo pensamos, a impositividade no campo da “ecologia fiscal”, expressão aqui utilizada no sentido próprio (insuportável nível de imposição tributária), e não no de função extrafiscal, ou seja, de sujeitar “o agente poluidor do ambiente” a uma tributação mais forte, tal como exposto, no Brasil, como brilho de sempre, por JOSÉ MARQUES DOMINGUES DE OLIVEIRA” (NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 174).

145 COSTA, Regina Helena. Instrumentos Tributários para a Implementação da Política Urbana. DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (organizadores). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.104.

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O Código Tributário Nacional estatui que a natureza jurídica específica

do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação (art. 4º). Adverte

Paulo de Barros Carvalho que, de acordo com o critério constitucional, deverão ser

analisados em conjunto o fato gerador e a respectiva base de cálculo, para se

identificar qual a espécie tributária, em decorrência das disposições constitucionais

contidas no art. 145, § 2º e 154, I, da CRFB/1988 146. Mediante análise do fato

gerador e da respectiva base de cálculo poder-se-á saber a natureza do tributo –

imposto, taxa ou contribuição de melhoria, não importando a denominação legal

atribuída pelo legislador (art. 4º, I, CTN).

E consta, ainda, no CTN, que é irrelevante a destinação legal do

produto da arrecadação (art. 4º, II). O preceito legal quer dizer que a destinação da

receita auferida com os tributos é irrelevante para a determinação da natureza

jurídica do tributo. Com o pagamento do tributo, estará extinta a relação jurídica

tributária. A destinação da receita será regulada pelo Direito Financeiro. 147

Em que pese o entendimento majoritário acima exposto, Werter

Botelho defende a importância da destinação da receita auferida com os tributos,

considerando, inclusive, que o art. 4º do CTN foi derrogado pela Constituição de

1988, diante das exceções constitucionalmente previstas, de tributos cuja receita é

afetada, como as Contribuições Sociais 148.

146 Cf. Paulo de Barros Carvalho “no direito brasileiro, o tipo tributário se acha integrado pela

associação lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo. O binômio, adequadamente identificado, com revelar a natureza própria do tributo que investigamos, tem a excelsa virtude de nos proteger da linguagem imprecisa do legislador” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1999, 11. ed., p. 23).

147 Cf. Paulo de Barros Carvalho “o inciso II vem como um aviso providencial: o destino que dê ao produto da arrecadação é irrelevante para caracterizar a natureza jurídica do tributo. Coincide, a ponto, com o limite do campo de especulação do Direito Tributário, que não se ocupa de momentos ulteriores à extinção do liame fiscal. Aquela entidade que vier a preencher os requisitos estipulados no art. 3º do Código Tributário Nacional será, juridicamente, um tributo, a despeito da destinação que for atribuída aos valores arrecadados” (CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 24).

148 BOTELHO, Werther. Ibidem, p. 60.

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No item anterior, que trata da extrafiscalidade, demonstra-se que esta é

característica dos tributos ambientais, com caráter finalístico, objetivando a

intervenção na economia e a transformação social.

Heleno Taveira Torres adverte que, para justificar a criação de um

tributo ambiental, deve-se partir de um motivo constitucional, 149 cuja matriz

constitucional é a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225,

CRFB/1998). E, ainda, tomar o cuidado para que, a pretexto de garantir esse direito

fundamental, seja ampliada a carga tributária sem nenhum vínculo com a atividade

estatal de proteção ao meio ambiente. 150 Adiante, diz Heleno Taveira Torres que “a

finalidade, vista como “motivo constitucional” para o exercício da “competência”

legislativa em matéria tributária, é algo sobremodo diverso da finalidade como

emprego da receita pública”. 151

Para Ricardo Berzosa Saliba, a extrafiscalidade tem motivação

financeira, não repercutindo na relação jurídica tributária. O tributo será ambiental

quando se “averiguar se dentro da estrutura de possíveis tributos ambientais, existe

motivação constitucional, ou seja, finalidade que diga respeito a defesa e

preservação do meio ambiente”. 152

Como visto, existem entendimentos de que a extrafiscalidade por não

ser afeta à relação jurídica tributária, mas apenas à questão financeira que é

posterior àquela relação jurídica, não pode ser utilizada na identificação do tributo

ambiental. 153

149 TORRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária e ambiental –

os limites dos chamados “tributos ambientais”. TORRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 97.

150 TORRES, Heleno Taveira. Ibidem, p. 101. 151 TORRES, Heleno Taveira. Ibidem, p. 104. 152 SALIBA, Ricardo Berzosa. Fundamentos do Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Quartier Latin,

2005, p. 76. 153 Cf. Ricardo Berzosa Saliba:”Tendo em vista que os tributos são também para o Estado uma forma

de intervir na ordem social, é que vislumbramos neste segmento a possibilidade de sua incidência

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Embora não haja consenso na doutrina em relação à extrafiscalidade

dos tributos ambientais, é pacífico que a motivação constitucional, a garantia do

meio ambiente ecologicamente equilibrado, como motivo que levou à instituição do

tributo, seja critério identificador dos tributos ambientais. Essa motivação pode ser

identificada em qualquer dos critérios da regra matriz de incidência tributária. 154

Valiosíssima a lição de Paulo de Barros Carvalho para o deslinde da

questão.

Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que se há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico utilizado é invariavelmente o mesmo, modificando-se a finalidade do seu manejo. 155

A citação acima se amolda perfeitamente ao posicionamento exposto

neste trabalho, e o desenvolvimento do tema já permite a definição dos tributos

ambientais.

sobre fatos que estejam ligados à questão ambiental, levando-se sempre em conta que sua estrutura normativa tributária deve estar vinculada ao meio ambiente, pois só dessa forma é que o efeito por ela provocado condicionará certos comportamentos sociais para um direcionamento positivo. Na verdade, trata-se esta particularidade, dentro do campo impositivo tributário, da melhor técnica para se obter resultados positivos para a defesa da preservação do meio ambiente, haja vista que se fossemos analisar sob a ótica financeira, evidentemente estaríamos nos referindo a extrafiscalidade. Em outras palavras, cremos que o tributo cujo efeito normativo acabe provocando alterações em certos comportamentos sociais, é no nosso entender, o melhor instrumento para ser empregado na ordem ambiental, afora é claro, os incentivos fiscais” (SALIBA, Ricardo Berzosa. Fundamentos do Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 285).

154 Ainda Cf. Ricardo Berzosa Saliba: “Se um determinado ente público pretende utilizar seu poder tributário para com a defesa e preservação do meio ambiente, a estrutura da norma criadora dessa pretensa exação deve ter marcas voltadas a esse fim, ou seja, demonstração da existência de uma motivação ambiental, de que o desembolso de quantia aquele título, vai pela sua respectiva peculiaridade, trazer direta ou indiretamente benesses para que o meio ambiente se torne ecologicamente equilibrado, incluindo para tosos que necessitam de uma adequada qualidade de vida, inclusive das futuras gerações, conforme prescreve o já versado constitucional art. 225 e tantos outros que tratam também sobre a mesma matéria. Ressalta-se que essas observações nada mais são do que o reflexo daquilo que está objetivamente definido na Constituição Federal. Esses motivos aos quais estamos nos referindo devem estar presentes nos tributos, inclusive nos chamados ambientais, pois serão eles que na verdade vão qualificar sua validade, serão eles, os critérios necessários que indicarão a finalidade do tributo” (SALIBA, Ricardo Berzosa. Ibidem, p. 270).

155 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 162/163.

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O tributo ambiental não poderá fugir às regras delimitadas no sistema

constitucional tributário e nas normas complementares estatuídas no Código

Tributário Nacional. Deverão ser observados todos os limites ao poder de tributar, os

princípios constitucionais tributários e a harmonia com os princípios do direito

ambiental. Não há que se falar em tipicidade aberta e afetação da receita dos

impostos.

Nem será possível criar novas espécies tributárias, mas somente

aquelas já previstas na Constituição, com exceção da competência residual da

União Federal, que poderá instituir impostos não previstos no art. 153, desde que

sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios

daqueles já discriminados na Constituição e outras fontes destinadas a garantir a

manutenção ou a expansão da seguridade social, em ambos os casos mediante lei

complementar (art. 154, I e art. 195, § 6º, CRFB/1988). 156

Os tributos ambientais serão caracterizados pela motivação

constitucional da garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na

elaboração das políticas públicas ambientais.

E os tributos ambientais serão, ainda, caracterizados pela função

preponderantemente extafiscal, sem olvidar da fiscalidade necessária à geração de

receitas para consecução dos fins do Estado (inclusive os fins em prol do meio

ambiente), cuja finalidade será intervir na economia e no comportamento social,

como instrumento de desestímulo às condutas ambientalmente incorretas, por meio

da taxação mais onerosa dessas condutas indesejadas, ou como estímulo às

condutas ecologicamente corretas via incentivos fiscais. Serão, sempre,

156 No mesmo sentido: TORRES, Heleno Taveiras. Ibidem, p. 109.

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instrumentos das políticas públicas ambientais, inclusive, da política urbana, objeto

deste trabalho.

A conclusão está de acordo com o conceito exposto por Regina Helena

Costa, embora o conceito adotado pela autora seja um pouco mais abrangente. 157

157 Cf. a autora: “Universalmente, tributos ambientais são aqueles cuja criação tem por fundamento

questões ambientais, ou, então, aqueles que possuem efeitos ambientais independentemente das razões que levaram à sua instituição. Assim, temos tributos ambientais em ambos os casos: aqueles instituídos por esse fundamento, como também aqueles que, não tendo por escopo a questão ambiental, na prática, quando de sua exigência, acabam produzindo efeitos ambientais” (COSTA, Regina Helena. Tributação, Ecologia e Meio Ambiente. In: Congresso Brasileiro de Direito Tributário, XIII, 1999, São Paulo. Revista de Direito Tributário. São Paulo, Malheiros, nº 78, p. 74).

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5. IPTU – IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO

O Poder Constituinte outorgou aos Municípios a competência para

instituir o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, conforme prescrito

no art. 156, I, da Constituição de 1988 158.

Determina a Constituição em seu art. art. 146, III, “a”, que

cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre, definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

O Código Tributário Nacional159 e o Decreto-Lei nº 57/66 foram

recepcionados com status de Lei Complementar. Esses diplomas legais

estabelecem em seus artigos 32 a 34 e 15, respectivamente, as normas gerais sobre

o IPTU: fato gerador, base de cálculo e contribuintes.

158 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. O § 1º do art. 156 originariamente

prescrevia que: “o imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”, mas teve sua redação alterada e foram incluídos os incisos I e II pela Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21.07.2005.

159 BRASIL. Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966). Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21.07.2005.

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5.1. REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPTU

O Código Tributário Nacional prevê que a obrigação tributária surge

com a ocorrência do fato gerador (art. 113, § 1º, CTN).

Fato gerador é expressão utilizada pelo legislador e pela doutrina

clássica para designar dois institutos jurídicos distintos: o fato gerador in abstrato

(hipótese legal) e o fato gerador in concreto (fato jurídico). 160

Paulo de Barros Carvalho adotou os termos hipótese tributária e fato

jurídico tributário, designando a hipótese legal e o fato jurídico, respectivamente. 161

Foi ele quem melhor expôs a norma jurídica tributária, como afirmou Sacha Calmon

Navarro Coelho, 162 e a designou de regra matriz de incidência tributária. 163

A norma jurídica tributária ou regra matriz de incidência tributária

incidirá quando ocorrer a subsunção, ou seja, quando o conceito do fato (fato

jurídico tributário) guardar absoluta identidade com o conceito desenhado

abstratamente na hipótese (hipótese tributária). 164

Realizado o fato jurídico tributário, nascerá a relação jurídica tributária,

165 surgindo para o sujeito passivo (contribuinte ou responsável) a obrigação de

pagar o tributo devido e, para o sujeito ativo, o dever de exigi-lo. Nos termos do

CTN, nascerá a obrigação tributária (art. 113, § 1º).

160 Geraldo Ataliba designou os dois institutos de hipótese de incidência e fato imponível, para

identificar o fato gerador in abstrato e o fato gerador in concreto (ATALIBA, Geraldo Ataliba. Hipótese de Incidência. São Paulo: Malheiros, 1993, 5. ed., 2 tiragem). Cf. Ricardo Lobo Torres, na língua portuguesa, “sem prévia convenção, o “fato imponível” pode ser tomado na acepção abstrata, o que não resolve o problema lingüístico” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário, p. 217).

161 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1999, 11. ed., p.

172/173. 162 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,

2006, 9. ed., p. 425. 163 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 174. 164 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem. 165 Para tal conclusão deve-se adotar como premissa a natureza declaratória do lançamento tributário

(art. 142, CTN).

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Para que ocorra a incidência tributária, para o fato jurídico tributário ser

tido como tal, o fato praticado deve preencher todos os critérios previstos na regra

matriz de incidência tributária, em observância ao princípio da tipicidade (ver item

4.3.1.).

O antecedente da hipótese das normas jurídicas representa sempre a

descrição de um fato – é o descritor. No descritor na regra matriz de incidência

vamos encontrar três critérios identificadores do fato jurídico tributário: a) critério

material; b) critério pessoal; e c) critério temporal. 166

O conseqüente da norma é a parte do juízo hipotético que estipula a

regulação da conduta, prescreve os direitos e obrigações para as pessoas

envolvidas de alguma forma no fato jurídico tributário – é o prescritor. No prescritor,

encontram-se os critérios para identificar os sujeitos envolvidos na relação jurídica e

o comportamento a ser observado por cada um. Noutras palavras, prescreve a

conduta a ser praticada pelos sujeitos da relação jurídica. Os critérios são dois:

critério pessoal, que identifica o sujeito ativo e o passivo da relação jurídica tributária;

e critério quantitativo, que, na norma jurídica tributária, é composto pela base de

cálculo e pela alíquota, em que se encontram as grandezas utilizadas no

dimensionamento do fato jurídico tributário, para apuração da quantia que será paga

a título de tributo. 167

Da análise do texto constitucional e das normas gerais estabelecidas

em lei complementar, extrai-se a regra matriz de incidência tributária do IPTU.

166 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 176, 178/179. 167 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 199/200.

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Adotando a teoria de Paulo de Barros, Sacha Calmon sintetiza a regra

matriz de incidência tributária do IPTU, conforme esquema abaixo: 168

Hipótese de incidência Conseqüência ou comando

Critério material – ser proprietário ou possuidor de imóvel

Critério temporal – durante determinado lapso de tempo de um ano-calendário

Critério espacial – nos limites urbanos de

um município brasileiro

Critério pessoal – sujeito ativo: o município da situação do imóvel; sujeito passivo: o proprietário ou possuidor (a posse como

expressão do domínio)

Critério quantitativo – o valor venal do imóvel, como base de cálculo sujeitada às

alíquotas previstas na legislação local

Presentes todos os critérios acima identificados, ocorre o fato jurídico

tributário, nascendo a relação jurídica tributária e sua conseqüência, qual seja, a

obrigatoriedade de pagamento do tributo. Segue outro esquema explicativo dado por

Sacha Calmon: 169

Hipótese de incidência – fato previsto como jurígeno

Conseqüência jurídica – dever tributário decorrente

Aspecto material – o fato em si Aspecto temporal – condições de tempo Aspecto espacial – condições de lugar Aspecto pessoal – condições e qualificações relativas às pessoas envolvidas com o fato.

A quem pagar (sujeito ativo) Quem deve pagar (sujeito passivo) Quanto se deve pagar (base cálculo e alíquotas ou valor fixo, adições e subtrações) Como pagar Quanto pagar Onde pagar

Os critérios serão analisados individualmente nos subitens seguintes.

5.1.1. CRITÉRIO MATERIAL DO IPTU

O critério material da regra matriz de incidência faz referência a um

comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de

168 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 425/426. 169 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Ibidem, p. 428.

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espaço e de tempo (critérios espacial e temporal). Trata-se do núcleo composto por

um verbo mais um complemento. 170

O núcleo da regra matriz de incidência é ser proprietário, ter o domínio

útil ou a posse de bem imóvel (condicionado pela circunstância de espaço – na zona

urbana).

O critério material do IPTU é a propriedade predial e territorial urbana,

o domínio útil ou posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, como definido

na lei civil, localizado na zona urbana do Município (art. 156, I, CRFB e art. 32, CTN).

5.1.2. CRITÉRIO ESPACIAL DO IPTU

O critério espacial do IPTU, segundo o CTN, é o perímetro urbano do

Município, ou seja, o critério é a localização do imóvel. Ficam excluídos da incidência

deste impostos os imóveis situados na zona rural (sujeitos ao ITR – Imposto

Territorial Rural, de competência da União Federal – art. 153, VI, CRFB).

Prescreve o Código Tributário Nacional que, para efeito do IPTU,

entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou postos de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado (art. 32, § 1º, CTN).

E, ainda de acordo com o CTN,

a lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior” (art. 32, § 2º, CTN).

170 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 179/180.

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Verifica-se que as áreas urbanas e as urbanizáveis ou de expansão

urbana são distintas. A lei complementar autoriza que a lei municipal considere

essas últimas como se fossem urbanas.

Sobre as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, disseram Márcio

Schneider Reis e Edgar Neves da Silva, atualizadores da obra Direito Municipal

Brasileiro, escrita por Hely Lopes Meirelles:

As áreas urbanizáveis e de expansão urbana, declaradas como tais por lei municipal, configuram zonas urbanas para efeitos de IPTU desde que constantes de loteamentos destinados a atividade urbana, aprovados pelo Ministério da Agricultura, após exame dos respectivos projetos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, nos termos do art. 32, § 2º, do CTN e do art. 16 do Decreto-lei 57, de 18.11.1966. Alerte-se que estas áreas não estão submetidas àquelas exigências próprias da zona urbana – até porque, se assim fosse, seriam propriamente urbanas, e não urbanizáveis (§ 2º do art. 32 do CTN: “A lei municipal pode considerar urbanas...”) 171.

O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o art. 12 da Lei

5.868/1972, na parte que revogou o art. 15 do Decreto-lei 57, de 18.11.1966, ao

julgar o RE 140.773, tendo sua eficácia suspensa pela Resolução nº 9, de 7.6.2005,

do Senado Federal. 172 De acordo com entendimento firmado pela 1ª Seção do

Superior Tribunal de Justiça, o Decreto-Lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, que

alterou dispositivos sobre o lançamento e cobrança do Imposto Territorial Rural,

prescreveu, em seu art. 15, como critério para incidência do ITR, a utilização do

imóvel, excluindo da incidência do IPTU os imóveis situados no perímetro urbano

utilizados comprovadamente em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou

agro-industrial.

TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA. LOCALIZAÇÃO. DESTINAÇÃO. CTN, ART. 32. DECRETO-LEI N. 57⁄66. VIGÊNCIA. 1. Ao ser promulgado, o Código Tributário Nacional valeu-se do critério topográfico para delimitar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade

171 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. REIS, Márcio Schneider e SILVA, E Edgar

Neves da (atualizadores). São Paulo: Malheiros, 2006, 14. ed., p. 206/207. 172 MEIRELLES, Hely Lopes. Ibidem, p. 208/209.

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Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, incidiria o IPTU; se na zona rural, incidiria o ITR. 2. Antes mesmo da entrada em vigor do CTN, o Decreto-Lei nº 57⁄66 alterou esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial. 3. A jurisprudência reconheceu validade ao DL 57⁄66, o qual, assim como o CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. Assim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN deve ser analisado em face do comando do art. 15 do DL 57⁄66, de modo que não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber quaisquer das destinações previstas nesse diploma legal. 4. Recurso especial provido. (RESP 492.869 – PR (200300116119-3), 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 15.02.2005, à unanimidade)

No voto do acórdão acima, consta, em síntese, o seguinte. Após a

promulgação do CTN, foi editado o Decreto-Lei 57/1966, que em seu art. 15

prescreveu que o disposto no art. 32 do CTN não abrange o imóvel que seja

utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial,

incidindo sobre tais imóveis o Imposto Territorial Rural – ITR. Posteriormente a

matéria foi tratada no art. 6º e no parágrafo único da Lei 5.868/1972, que se tornou

inaplicável após ser declarada formalmente inconstitucional pelo STF (RE 93.850-8-

MG) e suspensa pela Resolução 313/83 do Senado Federal. Finalmente vieram as

Leis 8.847/1994 e 9.393/1996, que dispuseram sobre o ITR.

De acordo com o entendimento firmado pelo STF, mencionado nesse

voto, o Decreto-Lei 57/66 foi recepcionado pelo Constituição de 1967 com status de

lei complementar, que alterou a disposição contida no art. 32 do CTN, antes mesmo

que este diploma entrasse em vigor. O Decreto-Lei n. 57⁄66 foi recepcionado como

lei formal e com natureza complementar pela C.F. de 1967 e pela EC 01/1969. Por

isso, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de que foi Relator Ministro Xavier de

Albuquerque, no RE 76.057 (RTJ 70⁄479), decidiu: imposto territorial urbano não

incide sobre imóvel utilizado na exploração agropastoril, ainda que situado nos

limites da zona urbana, definida em lei municipal. Negação de vigência, pelas

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instâncias ordinárias, ao art. 15 do DL 57, de 18.11.66, modificador da norma

contida no art. 32 do Código Tributário Nacional. No mesmo sentido, confira-se o

RESP 472.628, Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ de 27.09.2004.

No mesmo sentido, é doutrina constante na obra de Hely Lopes

Meirelles, com atualização de Márcio Schneider Reis e Edgar Neves da Silva:

Deste modo, o critério topográfico adotado pelos arts. 29 e 32 do CTN foi relativizado, em parte, pelo critério da destinação econômica do imóvel – ficando assim, o imóvel localizado na área urbana, mas utilizado em exploração extrativa e vegetal agrícola, pecuária ou agroindustrial, excluído da incidência do imposto municipal. 173

Com base no entendimento do STF, do STJ e doutrinário acima,

conclui-se que o critério espacial do IPTU será o perímetro urbano do Município, na

forma definida no art. 32 do CTN, e as áreas urbanizáveis e de expansão urbana

definidas em lei municipal constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos

competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, na forma do art.

32, § 2º, CTN, excluindo sua incidência quando o imóvel situado no perímetro

urbano for utilizado comprovadamente em exploração extrativa vegetal, agrícola,

pecuária ou agro-industrial.

5.1.3. CRITÉRIO TEMPORAL DO IPTU

O critério temporal é compreendido como o grupo de indicações que

oferecem elementos para saber, com exatidão, o preciso instante em que acontece o

fato jurídico tributário, nascendo a relação jurídica tributária entre o sujeito ativo e o

sujeito passivo. 174 Noutras palavras, permite a demarcação do momento em que

nascerá a obrigação tributária, obrigando o sujeito passivo (proprietário, detentor do

173 MEIRELLES, Hely Lopes. Ibidem, p. 209. 174 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 185.

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domínio útil ou possuidor do imóvel) ao recolhimento do imposto devido ao sujeito

passivo.

De acordo com Valéria Furlan,

Compete ao legislador municipal estipular a data na qual considerar-se-á nascida a relação jurídico-tributária, que poderá ser bienal, anual, semestral ou trienal, num determinado dia ou, até mesmo, diariamente, consoante seu alvedrio. Regra geral, tem-se escolhido o ano civil 175.

É comum a escolha pelo dia 1º de janeiro, momento em que nascerá a

obrigação tributária, como, por exemplo, no Código Tributário Municipal de

Cachoeiro de Itapemirim – art. 50, da Lei 5.394, de 27 de dezembro de 2002. 176

5.1.4. CRITÉRIO PESSOAL DO IPTU

No critério pessoal de qualquer regra matriz de incidência, sempre

haverá o sujeito ativo e o sujeito passivo da relação jurídica tributária.

O sujeito ativo da obrigação tributária é “o credor, aquele que tem o

direito de exigir de outrem o cumprimento da obrigação”, 177 figurando no pólo ativo

da relação jurídica tributária e possuindo o poder-dever de exigir o cumprimento da

obrigação. No caso do IPTU, sujeito ativo é o Município (art. 156, I, CRFB) e o

Distrito Federal (art. 147, CRFB).

O sujeito passivo da obrigação tributária é o “devedor, isto é, a pessoa

obrigada a cumprir a prestação que constitui o objeto da obrigação que o sujeito

ativo tem o direito de exigir” 178. Será sempre um particular, pessoa física ou jurídica,

175 FURLAN, Valéria C. P. IPTU. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 89. 176 BRASIL. Lei 5.394, de 27 de dezembro de 2002. Instituiu o Código Tributário Municipal de

Cachoeiro de Itapemirim – ES. Dispõe: “Art. 50. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no primeiro dia de janeiro de cada exercício financeiro”. Disponível em <www.pmci.gov.br>. Acesso em 04.07.2006.

177 SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária; São Paulo: Editora Resenha Tributária Ltda., 1975, edição póstuma, p. 89.

178 Ibidem, p. 91.

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pois os entes da federação não podem tributar uns aos outros em decorrência da

imunidade recíproca. Estão protegidos o patrimônio, a renda e os serviços dessas

entidades, e de suas autarquias. Essas vedações não se aplicam quando esses

fatos estiverem relacionados com exploração de atividade econômica regida pelas

normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou

pagamento de preços ou tarifas pelos usuários, nem exonera o promitente

comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Ao contrário do sujeito, ativo já identificável na hipótese da regra matriz

de incidência, o sujeito passivo, que também deve estar abstratamente definido na

lei instituidora do tributo (v.g. aquele que praticar operação relativa à circulação de

mercadoria, aquele que auferir renda ou provento de qualquer natureza etc),

somente será identificado com a ocorrência in concreto do fato hipoteticamente

previsto em lei. Ou seja, com a ocorrência do fato jurídico tributário. Geraldo Ataliba

disse que a “hipótese de incidência indica o critério para a identificação do sujeito

passivo – e não a determina imediatamente – porque só o fato imponível se

relaciona com alguém determinado”. 179

No caso do IPTU, o sujeito passivo é proprietário do imóvel predial e

territorial urbano, o titular do seu domínio útil, ou seu possuidor a qualquer título (art.

34, CTN).

5.1.5. CRITÉRIO QUANTITATIVO DO IPTU

Finalmente, discutir-se-á o critério quantitativo do IPTU obtido com a

conjugação da base de cálculo e da alíquota.

179 Hipótese de Incidência Tributária, São Paulo: Malheiros, 1993, 5. ed., 2ª tiragem, p. 77.

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Paulo de Barros Carvalho define a base de cálculo como a grandeza

instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, destinada, primordialmente, a

dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico

tributário, para que, combinado com a alíquota, seja determinado o valor da

prestação pecuniária. 180

A base de cálculo é o critério da regra matriz de incidência que

demonstra a capacidade contributiva do sujeito passivo. No caso do IPTU, a base de

cálculo é o valor venal do imóvel (art. 33, CTN), desconsiderando-se o valor dos

bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito

de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade (art. 33, parágrafo

único, CTN).

A alíquota será fixada na lei municipal, observando-se as delimitações

estabelecidas na Constituição, em que originariamente, era previsto no § 1º do art.

156 que “o imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei

municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”.

Esse dispositivo teve sua redação alterada pela Emenda Constitucional nº 29, de

13.09.2000, que incluiu os incisos I e II ao art. 156.

De acordo com a redação dada ao art. 156 da CRFB/1988 pela EC nº.

29/2000, a alíquota poderá ser progressiva em razão do valor do imóvel (art. 156, §

1º, I, CRFB/1988) e diferenciada de acordo com a localização e uso do imóvel (art.

156, § 1º, II, CRFB/1988), sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere

o art. 182, § 4º, inciso II, CRFB/1988.

A alíquota poderá, ainda, como já havia concebido o poder constituinte

originário, ser progressiva no tempo como aplicação de pena ao proprietário do solo

180 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 235.

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urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, com o objetivo de promoção do

adequado aproveitamento do solo urbano (art. 182, § 4º, inciso II, CRFB).

A autorização do Poder Constituinte para instituição de alíquota

progressiva do IPTU deve-se restringir aos casos expressamente previstos na

Constituição, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação

Declaratória de Constitucionalidade – ADC 8-MC:

Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional - CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II; art. 195, § 9º (contribuição social devida pelo empregador) - inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição" (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello DJ 04/04/03)181.

Antes da EC 29/2000, o STF vedava a utilização de alíquota

progressiva em razão do valor do imóvel, 182 vindo a editar a Súmula 688:

Sumula 688 do STF: É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Diversamente do que dispunha o texto original (resultado da

manifestação da soberania popular exercida por meio do poder constituinte

originário), em decorrência da atual redação do texto constitucional, os municípios

181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADC 8 - MC, Medida Cautelar na Ação Declaratória de

Constitucionalidade nº 08. Disponível em: <http:///www.stf.gov.br>. Acesso em: 25 de julho de 2005. 182 "Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, Lei nº 10.805/89, que deu nova redação

ao art. 7º, incs, I e II, Lei nº 6.989/66, do Município de São Paulo. Inconstitucionalidade dos dispositivos sob enfoque reconhecida em precedente Plenário desta Corte (RE 204.27-5), por instituir alíquotas progressivas alusivas ao IPTU, em razão do valor do imóvel, com ofensa ao art. 182, § 4º, II, da Constituição Federal, que limita a faculdade contida no art. 156, § 1º, à observância do disposto em lei federal e à utilização do fator tempo para a graduação do tributo." (RE 227.473, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10/03/00) "No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal." (RE 153.771, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/97). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http///www.stf.gov.br>. Acesso em 25.07.2005.

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poderão instituir o IPTU com as seguintes alíquotas, além da alíquota padrão: 1)

alíquota progressiva em razão do valor do imóvel (art. 156, § 1º, I); 2) alíquota

diferenciada de acordo com a localização e o uso do imóvel (art. 156, § 1º, II); e 3)

alíquota progressividade no tempo como aplicação de pena ao proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, com o objetivo de promoção do

adequado aproveitamento do solo urbano (art. 182, § 4º, inciso II). 183

No capítulo 6, será analisada a possibilidade e os critérios de utilização

por parte dos municípios dessas alíquotas (diferenciadas e progressivas) como

instrumentos urbanísticos, com objetivo de atender à função social da propriedade

urbana e o adequado aproveitamento do solo urbano.

5.2. CAPACIDADE TRIBUTÁRIA E NÃO CONFISCO

A Constituição permite a aplicação da alíquota progressiva,

diferenciada e progressiva no tempo, mas também estabelece dentre os princípios

gerais do Sistema Tributário Nacional, o seguinte:

sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (art. 145, § 1º, CRFB) .

Entre as limitações constitucionais do poder de tributar há vedação à

utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV, CRFB).

183 Para tanto é necessário admitir a possibilidade de ampliação das competências tributárias pelo

Poder Constituinte derivado. Esse não é o entendimento de Mizabel Derzi: "a grande massa das imunidades e dos princípios consagrados na Constituição de 1988, dos quais decorrem limitações ao poder de tributar, são meras especializações ou explicações dos direitos e garantias individuais (legalidade, irretroatividade, igualdade, generalidade, capacidade econômica de contribuir, etc.), ou de outros princípios estruturais, como a forma federal de Estado (imunidade recíproca dos entes públicos estatais). São, portanto, imodificáveis por emenda, ou mesmo por revisão, já que fazem parte daquele núcleo de normas irredutível, a que se refere o art. 60, § 4º, da Constituição" (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. DERZI, Mizabel de Abreu Machado (atualizadora). Rio de Janeiro: Forense, 2003, 7. ed., p. 14).

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Ao instituir o IPTU, o município deverá observar a capacidade

contributiva do sujeito passivo da relação jurídica tributária, sua possibilidade de

contribuir, com base em suas riquezas.

Disse Sandra A. Lopez Bardon que

O IPTU, como imposto que é, deve obedecer ao princípio da capacidade contributiva, que está disposto no § 1º do art. 145 da Constituição Federal. Exige-se que a tributação seja modulada de forma a adaptar-se à riqueza dos contribuintes. Cada lei tributária deve ater-se às manifestações dessa riqueza, sem destruir sua base criadora. O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana incide sobre o direito de propriedade de imóvel urbano. 184

Na base cálculo, repousa importante identificador da capacidade

contributiva, pois é nela que o legislador pode identificar eventos que ostentem

signos da riqueza do contribuinte, 185 tendo dito Paulo de Barros Carvalho

Da providência contida na escolha de fatos presuntivos de fortuna econômica decorre a possibilidade de o legislador, subsequentemente, distribuir a carga tributária de maneira eqüitativa, estabelecendo, proporcionalmente às dimensões do evento, o grau de contribuição dos que dela participaram. Exsurge aqui a chamada capacidade contributiva relativa ou subjetiva, fator lógico de discriminação que atua decisivamente para que se realize o princípio jurídico da igualdade tributária. (...) No Brasil, o sistema do direito positivo exibe, em todas as figuras tributárias conhecidas, a observância do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos escolhidos denotam signos de riqueza. Como decorrência, em todos eles há uma base de cálculo e, com isso, campo para o exercício da diretriz da igualdade. 186

Incidindo o IPTU sobre a propriedade predial e territorial urbana, a

capacidade contributiva terá como parâmetro o imóvel. Sobre tal princípio, no

tocante ao imposto em questão, Sandra A. Lopez Bardon conclui que

para o princípio da capacidade contributiva ser obedecido é necessário, por exemplo, que o proprietário do imóvel de alto padrão, situado em bairro residencial elegante, seja mais tributado que o proprietário também de um imóvel de alto padrão, mas localizado na periferia. Esse procedimento justifica em razão da diferença de valor venal de ambos os imóveis, pois a localização, em região elegante e de alto padrão ou periférica, acarreta variação substancial no valor do bem tributado 187.

184 BARBON, Sandra A. Lopez. Do IPTU. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 85. 185 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 241. 186 Ibidem, p. 241/242. 187 BARBON, Sandra A. Lopez. Ibidem, p. 87.

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Fica claro que o proprietário de imóvel de maior valor, especialmente

aqueles suntuosos, localizados em bairros nobres, tem mais capacidade contributiva

que os proprietários de imóveis mais simples localizados em áreas menos nobres e

periféricas, devendo ser observado o princípio contido no art. 145, § 1º, CFRB.

Além de observar a capacidade contributiva, o município não poderá

utilizar o tributo com efeito de confisco. A doutrina e a jurisprudência não se

desenvolveram a ponto de determinar objetivamente quando um tributo tem efeito de

confisco. Pode-se dizer, no caso do IPTU, que haverá confisco quando o tributo

atingir tal valor que elimine a riqueza representada pelo bem imóvel. Ou seja, com o

passar dos anos, quando o valor anualmente recolhido aos cofres municipais

alcançar ou até ultrapassar o valor do imóvel.

5.3. PROGRESSIVIDADE

Os impostos podem ser proporcionais (graduação) ou progressivos.

A graduação decorre da proporcionalidade em relação à base de

cálculo, o que se materializa pela aplicação de alíquotas fixas ou uniformes, sempre

na mesma proporção, independentemente da base de cálculo do tributo. 188 Uma

única alíquota, um valor fixo, será aplicável a uma base de cálculo variável. 189 O

IPTU será proporcional quando tiver apenas uma alíquota, invariável,

independentemente do valor venal do imóvel (que corresponde à sua base de

cálculo).

188 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Barueri: Manole,

2004, p. 41. 189 MARTINS, Ives Gandra da Silva; BARRETO, Ayres F. IPTU: por Ofensa a Cláusulas Pétreas, a

Progressividade Prevista na Emenda nº 29/2000 é Inconstitucional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 80, p. 110, 05/2002.

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A progressividade, por sua vez, manifesta-se por meio de alíquotas

crescentes e progressivas, em decorrência do aumento da respectiva base de

cálculo. 190 Ocorre quando da elevação da matéria tributável, ou de elemento que a

componha, decorra o aumento da alíquota. 191 Progressivo é “relativo ou pertencente

a um tipo de taxação na qual a alíquota cresce conforme o aumento da renda

tributável”. 192 O IPTU será progressivo quando a alíquota for majorada à medida

que aumente o valor venal do imóvel, ou seja, quanto maior a base de cálculo, maior

a alíquota.

O poder constituinte de 1988 estabeleceu como princípio geral o da

proporcionalidade e, como princípio específico, o da progressividade. A regra é que

os impostos sejam proporcionais. A alíquota progressiva, portanto, somente poderá

ser aplicada aos casos expressamente previstos no texto constitucional. 193

Ives Gandra da Silva Martins e Ayres F. Barreto entendem que a

progressividade implica desigualdade uma vez que extrapola a proporcionalidade, e,

de acordo com o critério de discriminação adotado, desconsidera o princípio da

capacidade contributiva. Para eles, apenas a proporcionalidade observa a

capacidade contributiva. A progressividade teria motivações extrafiscais e somente

pode ser aplicada nas situações expressamente autorizadas pelo constituinte. 194

Noutro extremo, Mary Elbe Queiroz entende que a progressividade é

corolário dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, com fundamento

na justiça fiscal e social, na busca do equilíbrio das desigualdades sociais. Por meio

da progressividade haveria uma distribuição mais justa da carga tributária, pois

190 QUEIROZ, Mary Elbe. Ibidem, p. 41. 191 MARTINS, Ives Gandra da Silva; BARRETO, Ayres F. Ibidem. 192 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de

Janeiro: Objetiva. 193 MARTINS, Ives Gandra da Silva; BARRETO, Ayres F. Ibidem, p. 109. 194 Ibidem.

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aqueles que têm mais contribuiriam com uma fatia maior de seu patrimônio. 195

Seguindo o raciocínio da autora, os proprietários de imóveis com valor venal maior

demonstram ter mais capacidade contributiva, razão pela qual, por uma questão de

justiça fiscal, devem arcar com parcela maior de seu patrimônio.

Paulo de Barros Carvalho entende que a progressividade não está

relacionada à essência do tributo, por se tratar de expediente que procura atender

valores de justiça no implemento da atividade impositiva estatal. Para ele, a

progressividade assume caráter de providência arrecadatória e funciona como

instrumento de extrafiscalidade. 196

Não obstante a controvérsia sobre a progressividade, atenta-se ou não

ao princípio da capacidade contributiva, é certo que a progressividade no IPTU

poderá ser utilizada para consecução dos objetivos da política urbana, como

instrumento de extrafiscalidade, para desestimular o uso da propriedade urbana que

não atente para sua função social.

Mas adverte Elizabeth Nazar Carrazza que

Admitir-se a progressividade exarcebada, no campo da extrafiscalidade, de maneira quase irrestrita, é dar ao legislador carta branca. Parece mais consetâneo com o sistema normativo vigente, que a extrafiscalidade venha a ser utilizada dentro de limites de razoabilidade. Afora as hipóteses expressamente previstas na Lei Maior, que não configuram, rigorosamente falando, hipóteses de confisco de natureza tributária, deve acautelar-se o legislador ao atuar neste campo. Os excessos, quando não claramente explicitados, são passíveis de impugnação judicial 197.

Ao mesmo tempo em que a autora alerta sobre o risco da

progressividade, caso ela seja utilizada de maneira irrestrita, admite que, no caso de

195 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza; Barueri: Manole,

2004, p. 40/41. 196 CARVALHO, Paulo de Barros. “Legalidade” in V Congresso Brasileiro de Direito Tributário – São

Paulo, 1991. São Paulo: RT, 1991, p. 58, Apud QUEIROZ, Mary Elbe. Ibidem, p. 40/41. 197 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade. Igualdade e Capacidade Contributiva.

Curitiba: Juruá, 1992, p. 72, Apud BARBON, Sandra A. Lopes, Ibidem, p. 93.

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alguns impostos, e cita como exemplo o IPTU, a exarcebação de alíquotas pode

chegar a um limite quase insuportável, mas que é admitido pelo sistema. 198

Nesse sentido, a medida do não-confisco deverá ser examinada sobre

outra perspectiva em se tratando de tributo extrafiscal, tendo dito ainda Regina

Helena Costa que:

Assim, na tributação extrafiscal, exercida mediante exigência de imposto, o princípio da capacidade contributiva, orientador dessas espécies tributárias, cede ante a presença de interesse público de natureza social ou econômica que possa ser alcançado mais facilmente se se prescindir de sua graduação consoante a capacidade econômica do sujeito. Em outras palavras, em razão da extrafiscalidade autorizada está a utilização de expedientes para o atingimento de outros objetivos que não a mera obtenção de recursos, homenageados pela ordem constitucional, como, por exemplo, a função social da propriedade, a proteção ao meio ambiente etc. 199

O tributo não pode ser utilizado, com efeito de confisco, devendo

respeitar a garantia ao direito de propriedade, mas a propriedade deve cumprir sua

função social, e o IPTU progressivo poderá ser utilizado como instrumento coercitivo

para que o proprietário assim proceda.

Por fim, cabe transcrever a opinião de Werther Botelho, para quem a

a tributação poderia ser definida, com (sic) alhures, como uma forma de ataque à propriedade privada. Paralelamente, o direito a esta mesma propriedade é expressamente garantido pelo Texto Constitucional, ressalvando-se, entretanto, sua função social (art. 5º, XXII e XXIII). Destarte, o legislador constituinte procurou regular a propriedade de forma a garantir sua dupla função, ou seja, fonte de direitos e deveres para os particulares e de recursos para o poder público. Esta aparente dualidade de funções assumidas pela propriedade será harmonizada dentro do sistema tributário pela aplicação dos princípios da progressividade e não-confisco. A proibição constitucional da utilização de uma exação com efeitos confiscatórios pode ser entendida, em termos gerais, como uma reiteração do princípio de garantia da propriedade privada, sendo a utilização progressiva do tributo uma fonte de possibilitar o exercício de sua função social. 200

198 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Ibidem, p. 93. 199 COSTA, Regina Helena. Instrumentos Tributários para a Implementação da Política Urbana.

DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (organizadores). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.104.

200 BOTELHO, Werther. Ibidem, p. 122.

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6. IPTU E O MEIO AMBIENTE URBANO

O IPTU, como instrumento da política urbana, terá caráter

eminentemente extrafiscal, pois não há possibilidade de afetação da receita auferida

com impostos por expressa vedação constitucional contida no art. 167, IV, CRFB,

devendo destinar a receita ao caixa único e determinar sua aplicação de acordo com

estabelecido no orçamento, atendendo ao disposto no Plano Diretor Urbano. 201

De acordo com a doutrina de Marcelo Lopez de Souza,

Em planejamento e gestão urbanos, os tributos não interessam sob o ângulo estritamente fiscal, vale dizer, de seu potencial de arrecadação. Tão ou mais importante é, na verdade, a extrafiscalidade dos tributos, isto é, a sua capacidade de permitirem que outros objetivos que não somente o de arrecadação sejam perseguidos – seja o desestímulo de práticas que atentem contra o interesse coletivo (minimamente salvaguardado, na Constituição de 1988, por meio do princípio da “função social da propriedade”), seja a promoção da redistribuição indireta de renda, sejam a orientação e o disciplinamento da expansão urbana, seja, ainda, o incentivo a determinadas atividades 202.

A seguir, serão estudadas as regras para utilização do IPTU como

instrumento da política urbana, com objetivo de alcançar a efetivação da função

social da propriedade e do aproveitamento do solo urbano.

201 Cf. Paulo de Bessa Antunes, o Plano Diretor Urbano funciona “como instrumento básico da política

de desenvolvimento e expansão urbana, ele é parte integrante e indissociável do processo de planejamento municipal. Tanto o plano plurianual como as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, 7. ed., p. 359).

202 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, 3. ed., p. 226.

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6.1. IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO

O IPTU progressivo no tempo tem seu fundamento constitucional no

art. 182, § 4º, II, que está situado dentro do Capítulo destinado a Política Urbana.

Diante das normas gerais estabelecidas na Constituição e no Estatuto

da Cidade203 sobre a política urbana, sem olvidar dos princípios constitucionais

tributários e das normas gerais contidas no CTN já tratadas acima, o IPTU

progressivo no tempo poderá ser aplicado ao proprietário de imóvel urbano que

deixar de atender a notificação do Poder Executivo Municipal, que, objetivando a

implementação da política urbana, por meio de lei específica, determinar o

parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não

edificado, subutilizado ou não utilizado, de área incluída no plano diretor urbano (art.

5º, Estatuto da Cidade).

Considera-se subutilizado o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao

mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente (art. 5º, § 1º, I,

Estatuto da Cidade). Esses imóveis vazios nos centros urbanos são fruto de

especulação imobiliária dos proprietários que aguardam a valorização para auferirem 203 BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade): Do parcelamento, edificação ou

utilização compulsórios. Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 1º Considera-se subutilizado o imóvel: I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; II - (vetado); § 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumpriemnto da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis. § 2º A notificação far-se-á: I - por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração; II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I. § 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a: I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente; II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento. § 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo. Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21.07.2005.

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maiores lucros com sua comercialização. Isso, em áreas já dotadas de infra-

estrutura técnica e social instalada pelo Estado, forçando o crescimento urbano para

outras regiões, comprometendo o planejamento traçado pelo poder público

municipal e provocando o encarecimento per capita dos serviços de utilidade

pública. 204

Marcelo Lopes de Souza define muito bem a razão da aplicação do

IPTU progressivo no tempo, ao dizer que

A rationale do instrumento é, assim, a seguinte: se toda a coletividade (nesse caso, especificamente, os contribuintes) custeia a infra-estrutura, e não esquecendo também dos problemas da escassez de moradia e da geração de grandes vazios urbanos devido à atividade especulativa em larga escala (esse último problema sendo co-responsável por uma exagerada expansão horizontal das cidades), seria mais que razoável exercer uma forte pressão sobre esses proprietários. O que dizer, porém, de uma situação em que não haja suficiente infra-estrutura já instalada, coisa que é típica dos espaços de periferia urbana no Brasil? Sob tais circunstâncias, adotar a progressividade no tempo do IPTU pareceria, talvez, punir indevidamente o proprietário, pois este poderia alegar que não seria conveniente ou razoável promover um loteamento em área desprovida de equipamentos. É lógico que esse tipo de argumento poderia não passar de uma bela desculpa esfarrapada, já que a esmagadora maioria dos loteamentos de baixo status é aberta sem qualquer infra-estrutura e em desconformidade com o que se encontra previsto na Lei Federal 6.766 de 1979 (conhecida como Lei Lehmann); entretanto, para evitar fornecer aos grandes proprietários urbanos um álibi, o Estado deve, justamente, cumprir sua parte: dotar de infra-estrutura, naquilo que lhe couber – isto é, sem abdicar de cobrar que os loteadores cumpram o que a lei deles exige! -, aquelas áreas que se destinem à expansão do tecido urbano. 205

Antes da aplicação do IPTU progressivo no tempo, o contribuinte

deverá ser notificado a parcelar, edificar ou utilizar compulsoriamente o solo urbano

não edificado. A notificação deve conter as condições e o prazo para cumprimento

da obrigação.

Não cumprida a obrigação nas condições e no prazo estabelecido, o

Município procederá à aplicação do IPTU progressivo no tempo, mediante

204 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro; São Paulo: Malheiros, 2000, 3. ed., p. 440. 205 Ibidem, p. 230/231.

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majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos (art. 7º, Estatuto da

Cidade).

O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei

específica que determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios

do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado e não excederá duas

vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por

cento (art. 7º, § 1º, Estatuto da Cidade). 206 O IPTU progressivo é, portanto, aplicado

como penalidade ao proprietário que não utiliza ou subutiliza o imóvel. 207

O Estatuto da Cidade (art. 7º, § 2º) prescreve que não cumprida a

obrigação após o quinto ano da cobrança do IPTU progressivo no tempo, o

Município manterá a cobrança pela alíquota máxima de quinze por cento até que se

cumpra a referida obrigação. Já em seu art. 8º, determina que, decorridos cinco

anos de cobrança do imposto progressivo no tempo, sem que o proprietário tenha

cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá

proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Interpretando-se sistematicamente esses dispositivos legais e o

princípio do não confisco, conclui-se que, atingida a alíquota máxima, a cobrança do

IPTU progressivo no tempo não poderá estender-se por mais de cinco anos, pois a

manutenção da alíquota de quinze por cento redundará em confisco. Ultrapassado

esse prazo, não cumprida a obrigação estabelecida pelo Município, caberá a este

proceder a desapropriação do imóvel, mediante pagamento de títulos da dívida

pública.

206 Cf. Marcelo Lopes de Souza “em termos concretos, o que ocorre, uma vez tendo sido introduzida a

progressividade do imposto, é que, após a notificação, pelo Estado, da obrigatoriedade de edificação ou parcelamento, e não tomando o proprietário, transcorrido um determinado prazo (por exemplo, um ano), qualquer providência, o valor lançado no IPTU virá a sofrer uma constante majoração anual, sob a forma de um crescente percentual de acréscimos” (DE SOUZA, Marcelo Lopes, Ibidem, p. 228).

207 MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à lei nº 10.257, de 10-7-2001. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11.

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Embora existam autores que sustentem o contrário, defendendo a

possibilidade de cobrança do IPTU progressivo no tempo com a alíquota máxima por

tempo indeterminado, 208 o posicionamento defendido neste trabalho está de acordo

com entendimento de Regina Helena Costa:

As normas contidas nesses dois parágrafos do art. 7º fazem refletir quanto à constitucionalidade de seus comandos. Cabe lembrar que o art. 150, IV, do Texto Fundamental veda às pessoas políticas a utilização de tributo com efeito de confisco. Em estudo monográfico acerca do princípio da capacidade contributiva definimos confisco como a absorção total ou substancial da propriedade privada pelo Estado sem a correspondente indenização. (...) a manutenção da exigência fiscal pela alíquota máxima além do prazo de cinco anos, caso não seja cumprida a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado a que se refere o art. 5º da lei, revela-se descabida, pois, indubitavelmente, nesta hipótese o confisco restará consumado. Portanto na continuidade da inadimplência do proprietário urbano quanto a essa obrigação, o único meio de que pode dispor o Município é, inquestionavelmente, a desapropriação (art. 8º), sob pena de vulneração do princípio da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco. 209

E Marcelo Lopez de Souza manifestou-se advertindo que:

(...) a cobrança do IPTU progressivo não há de prosseguir, é evidente, indefinitivamente. Após um determinado prazo, a ser estipulado (prazo esse variável conforme o município, segundo o que estiver disposto no seu plano diretor), depois de lançada a cobrança do valor majorado mediante a aplicação de alíquota “z”, que é a alíquota máxima a ser prevista, se acaso o proprietário insistir em não tomar qualquer providência, o poder público pode desapropriar o imóvel, na forma da lei. 210

Cabe ainda ressaltar que é vedada a concessão de isenções ou de

anistia relativas à tributação progressiva no tempo (art. 7º, § 3º, Estatuto da Cidade).

Antes do advento do Estatuto da Cidade, e dentro de uma realidade

econômica diferente da atual, José Afonso da Silva, em obra publicada em 2000,

havia escrito que

o imposto sobre a propriedade territorial urbana é de pequena rentabilidade, de sorte que, numa economia inflacionária como tem sido a nossa, a carga que ele pode implicar ao proprietário é menor do que a taxa inflacionária, e

208 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. Ibidem, 2006, p. 431; MEIRELLES, Helly

Lopes. Direito Municipal Brasileiro. REIS, Márcio Schneider e SILVA, E Edgar Neves da (atualizadores). São Paulo: Malheiros, 2006, 14. ed., p. 210.

209 COSTA, Regina Helena. Instrumentos tributários para a política urbana. DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 111/112.

210 Ibidem, p. 229.

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assim o proprietário prefere sofrer-lhe o ônus a alienar o terreno ou nele edificar, pois que em regime altamente inflacionário a propriedade imobiliária passou a ser reserva de valor, também. Se o plano Real, como se espera, condicionar uma economia não-inflacionária, é evidente que a progressividade do tributo passará a ser um instrumento de grande valia para a ordenação urbanística, mormente se também for regulada a compulsoriedade do parcelamento e edificação mencionada no citado art. 182, § 4º, da CF, com a conseqüente definição da desapropriação ali prevista com pagamento de títulos da dívida pública. O conjunto desses mecanismos jurídicos pode trazer efeitos benéficos à atividade urbanística do Poder Público. 211

Hoje, a realidade econômica é outra. A inflação encerrou o ano de

2005 em, aproximadamente, 5,4%, próxima da meta de 5,1% estabelecida pelo

Banco Central, e a projeção para 2006 é de inflação abaixo da meta. 212 Em

contrapartida, o Estatuto da Cidade, que regulou o art. 182 da CRFB, possibilita

aplicação de IPTU progressivo no tempo que pode atingir alíquota de 15%.

Sobre a instrumentalidade do IPTU progressivo no tempo com objetivo

de efetivação da função social da propriedade e aproveitamento do solo urbano,

entende Marcelo Lopez de Souza que

é, como poucos, capaz de colaborar decisivamente para a tarefa de imprimir maior justiça social a cidades caracterizadas, simultaneamente, por fortíssimas disparidades sócio-espaciais e uma especulação imobiliárias desenfreada. Ele é, enfim, graças à suas potencialidades de coibição da atividade especulativa em larga escala e de geração de recursos direcionáveis para a dotação de infra-estrutura e regulação fundiária de

211 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro; São Paulo: Malheiros, 2000, 3. ed., p.

440/441. 212 A inflação poderá encerrar 2005 próxima de 5,1%, a ambiciosa meta perseguida pelo Banco

Central (BC), o que era considerado praticamente impossível há poucos meses. Com o impacto do câmbio sobre os índices de preços e a expectativa de que o dólar suba pouco até o fim do ano, os analistas passaram a revisar para baixo suas previsões para o IPCA - índice que é referência para o regime de metas. As projeções do mercado caíram de 6,39% em maio para os atuais 5,67% e há apostas que já chegam a 5,4%. Mais que a redução do ritmo de atividade econômica, resultado da política de juros estratosféricos, os analistas apontam a valorização do câmbio e outros choques de oferta - caso do tombo dos preços dos alimentos - como os principais fatores que derrubaram as estimativas. O dólar acumula queda de 11,5% no ano. O mercado projeta cotação entre R$ 2,50 e R$ 2,60 para dezembro. Mesmo com um cenário em que o BC já projeta para 2006 uma inflação abaixo da meta, o Copom anunciou ontem a manutenção da taxa Selic em 19,75% ao ano, pela segunda vez consecutiva. De setembro a maio, a taxa subiu 3,75 pontos percentuais. O breve comunicado divulgado após a reunião não dá nenhuma pista sobre quando a taxa poderá cair. Só informa que, por unanimidade, a Selic foi mantida em 19,75% ao ano, sem viés. Comparando a taxa Selic com a inflação esperada para os próximos 12 meses, de 4,97%, o juro real brasileiro está em 14,1% - o maior do mundo. (LAMUCCI, Sérgio; GUIMARÃES, Luiz Sérgio; SOUZA, Alex Ribeiro de. Inflação cai e se aproxima de meta "quase impossível”. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/veconomico/?show=index&mat=3158764&edicao=1144&caderno=83&news=1&cod=f4244ad5&s=1. Acesso em 21.07.2005.

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áreas residenciais segregadas, capaz, como poucos, de colaborar tanto para evitar a formação de vazios urbanos e o problema da “urbanização em saltos”, quanto para superar ou, ao menos, minorar a espoliação urbana contundentemente apontada por Lúcio KOWARICK (1983, 2000), tão típica das cidades brasileiras (e de outros países do “Terceiro Mundo”) 213.

O IPTU progressivo no tempo é, sem sombra de dúvidas, um dos

instrumentos de que pode dispor o poder público municipal para coibir a

especulação imobiliária. 214

Marcelo Lopez de Souza adverte, ainda, sobre os cuidados a serem

observados na instituição do IPTU progressivo no tempo para verificar se,

efetivamente, o terreno é objeto de especulação imobiliária, evitando-se injustiças a

pretexto de se fazer justiça social. Diz que a primeira coisa a ser feita é definir o

tamanho mínimo (metragem de superfície) a partir do qual um terreno, se mantido

ocupado, poderá ser alvo da tributação progressiva no tempo. E é preciso considerar

que um terreno não precisa estar totalmente desocupado para se admitir que a

função social da propriedade não esteja sendo atendida. Se a superfície realmente

ocupada for muito inferior à total do terreno, poderá corresponder a uma

subutilização. De acordo com o município e suas particularidades, tanto metragem

mínima quanto, no caso da subutilização, as proporções (que devem ser variáveis

conforme o tamanho da propriedade, segundo faixas de tamanho), podem ser

diferentes. O plano diretor deverá, obrigatoriamente, estabelecer o conteúdo

concreto desses parâmetros embasados em estudo da realidade social do

município. 215

Conclui-se, em síntese, que o IPTU progressivo no tempo poderá ser

instituído pelos Municípios, pois o art. 182 da Constituição de 1988 foi

regulamentado pelo Estatuto da Cidade, observando-se os seguintes requisitos: 1)

213 Ibidem, p. 226/227. 214 Ibidem, p. 227/229. 215 Ibidem, p. 230.

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plano diretor urbano; 2) lei específica exigindo que o proprietário do solo urbano,

situado em área incluída no plano diretor, não edificado, subutilizado ou não

utilizado, promova seu adequado aproveitamento; 3) notificação exigindo que o

proprietário promova o adequado aproveitamento, parcelando ou edificando o

imóvel, estabelecendo o prazo e as condições a serem observadas; 4) não atendida

a notificação poderá ser cobrado o IPTU progressivo no tempo; 5) o valor da alíquota

a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica que determinar o

parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não

edificado, subutilizado ou não utilizado, não podendo exceder duas vezes o valor

referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento; 6)

atingida a alíquota máxima, a cobrança somente poderá persistir por cinco anos, sob

pena de ficar caracterizado o tributo com efeito de confisco; 7) após o quinto ano

consecutivo de cobrança progressiva na alíquota máxima, sem que o proprietário

promova edificação ou parcelamento compulsórios, o Município deverá desapropriar

o imóvel com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente

aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas

anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros

legais.

6.2. IPTU COM ALÍQUOTA DIFERENCIADA DE ACORDO COM A LOCALIZAÇÃO

E O USO DO IMÓVEL

O Poder Constituinte Originário de 1988 havia autorizado aos

Municípios instituir IPTU progressivo “nos termos da lei municipal, de forma a

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assegurar o cumprimento da função social da propriedade” (redação original, art.

156, § 1º, CRFB/1988). 216

Atualmente, prevê o § 1º, do art. 156 da CRFB/1988 que (com redação

dada pela EC nº. 29/2000), sem prejuízo da progressividade no tempo a que se

refere o art. 182, § 4º, inciso II, o IPTU poderá ser progressivo em razão do valor do

imóvel (art. 156, § 1º, inciso I) e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização

e o uso do imóvel (art. 156, § 1º, inciso II).

O IPTU progressivo em razão do valor do imóvel não é objeto deste

trabalho, pois sua instituição não tem o condão de estimular a utilização da

propriedade em atenção à função social desta. Esta modalidade possibilita apenas

que os contribuintes com maior poder aquisitivo contribuam com maior vulto para a

municipalidade.

O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária realizada no dia

24/09/2003, editou a Súmula 668:

É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. 217

Serviram de precedentes os julgamentos da Corte Suprema abaixo.

A progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que

não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é

admissível, para o fim extra-fiscal de assegurar o cumprimento da função social da

propriedade, se obedecidos os requisitos previstos da Constituição Federal (art. 182,

§§ 2º e 4º). (RE 167.654-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Correa, j. 25/03/97, DJ

18/04/1997).

216 Art. 156. § 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos da lei municipal,

de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 217 BRASIL. Disponível em <http:www.stf.gov.br>. Acesso em 11.06.2006. http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp

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Pelo fato do IPTU ser um imposto real, sob o império da atual

Constituição não é admitida sua progressividade fiscal, quer com base

exclusivamente no seu artigo 145, § 1°, porque esse imposto tem caráter real que é

incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do

contribuinte, quer como arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional

(genérico) com o artigo 156, § 1º. A interpretação sistemática da Constituição

conduz à conclusão de que o IPTU, com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II

do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal,

do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, § 1º. Portanto, é

inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda

exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1°, aplicado com as limitações

constantes dos §§ 2° e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal (RE

153.771-0/MG, Tribunal Pleno, Rel. para acórdão Min. Moreira Alves, j. 20/11/1996,

DJ 05/09/1997). No mesmo sentido é o RE 194.183-9/SP (Tribunal Pleno, Rel. Min.

Moreira Alves, j. 05/06/1997, DJ 05/09/1997) e o RE 199.281-6/SP (Tribunal Pleno,

Relator Min. Moreira Alves, j. 11/11/1998, DJ 12/03/1999).

Constata-se a impossibilidade de instituição alíquotas progressivas,

condicionadas pelo valor do imóvel, por ofensa ao art. 182, § 4º, II, da Constituição

Federal, que limita a faculdade contida no art. 156, § 1º à observância do disposto

em lei federal e à utilização do fator tempo para graduação do tributo (RE 179.273-

6/RG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 04/06/1998, DJ 11/09/1998). No

mesmo sentido é o RE 199.969-1/SP (Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j.

27/11/1997, DJ 06.02.1998) e o RE 232.063-1/SP (1ª Turma, Rel. Min. Octavio

Gallotti, 09/02/1999, 18/06/1999).

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A única hipótese de progressividade das alíquotas do IPTU admitida na

Constituição IPTU é a do art. 182, § 4º, II, destinada a assegurar o cumprimento da

função social da propriedade urbana: precedente específico (RE 179.273, Galvão,

4.6.98, DJ 11.9.98) (RE 175.535-1/RG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, j. 17/06/1999, DJ 13.08.1999). No mesmo sentido é RE 210.586-4/SP

(Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10/06/1999, DJ 17/09/1999).

Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de

que o IPTU progressivo somente poderia ser instituído validamente, antes da

Emenda Constitucional 29/2000, na hipótese do art. 182, § 4º, combinado com art.

156, § 1º da CRFB/1988, ou seja, o IPTU progressivo no tempo, já tratado no item

6.1 deste trabalho.

Conclui-se, portanto, que o Poder Constituinte Originário, conforme

pacificado pelo Supremo, previu apenas uma possibilidade de instituição de IPTU

progressivo, que é o que se extrai dos julgados acima tratados.

Se, antes da emenda constitucional, somente se admitia uma única

possibilidade de IPTU progressivo (o progressivo no tempo), a criação de outras

hipóteses via emenda constitucional é válida?

Trata-se de praxe legislativa cada vez mais usada no Brasil: o STF

declara a inconstitucionalidade de determinado tributo; depois, o Congresso

Nacional promulga Emenda Constitucional constitucionalizando aquilo que, diante do

poder constituinte originário era inconstitucional. Pode-se denominar tal estratégia

de constitucionalização de inconstitucionalidade. Exemplo disso é o caso da taxa de

iluminação instituída pelos municípios, reiteradamente declarada inconstitucional

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pelo STF, 218 depois veio a EC 39/2002 e acrescentou o art. 149-A ao texto da

CRFB/1988 criando a CIP – Contribuição de Iluminação Pública 219.

Surge, então, o seguinte questionamento: o poder constituinte instituído

pode ampliar as hipóteses de cobrança do IPTU progressivo e criar a cobrança com

alíquota progressiva em razão do valor do imóvel e diferenciada de acordo com o

uso ou a utilização do imóvel, como pretendido pela EC 29/2000? Essa emenda

instituiu, validamente, tais modalidades de IPTU?

Para responder a tal questionamento, faz-se necessário tecer breves

considerações sobre o Poder de Tributar e seus limites.

6.2.1 – PODER DE TRIBUTAR E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Como já mencionado neste trabalho, o sistema constitucional tributário

brasileiro é rígido, de modo que as competências tributárias estão expressamente

descritas no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e as

Unidades da Federação somente poderão instituir os tributos cujas materialidades já

foram descritas no texto constitucional. Devem, ainda, ser observados os direitos

fundamentais e os princípios constitucionais tributários que funcionam como

limitações constitucionais ao poder de tributar. 220

218

EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93. Tributo de exação inviável, posto ter fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos em epígrafe, que instituíram a taxa do município. BRASIL. Disponível em <http:www.stf.gov.br>. Acesso em 12.06.2006.

219 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

220 Sobre a eficácia jurídica disse Ana Paula de Barcellos: “A norma em geral, não apenas a jurídica, transita na seara da possibilidade e da liberdade, isto é: daquilo que é possível acontecer e do que o homem, no exercício de sua liberdade, pode decidir fazer. A nota de juridicidade vem com a

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A liberdade é direito fundamental e, de acordo com Ricardo Lobo,

Torres “há uma relação profunda e essencial entre liberdade e tributo, que vem se

ampliando no discurso da evolução do Estado Financeiro, pelo que se pode cogitar

de uma liberdade fiscal”. 221 E prossegue dizendo que

de feito, o tributo nasce da autolimitação da liberdade: reserva-se pelo contrato social um mínimo de liberdade intocável pelo imposto, garantindo através dos mecanismos das imunidades e dos privilégios, que se transferem do clero e da nobreza para o cidadão; mas se permite que o Estado exerça o poder tributário sobre a parcela não excluída pelo pacto constitucional, donde se conclui que a própria liberdade institui o tributo. 222

O autor conclui que “o tributo nasce no espaço aberto pelas liberdades

fundamentais, o que significa que é totalmente limitado por essas liberdades”. 223 É a

liberdade da sociedade que requer e justifica a limitação da autoridade política. 224

Para Paulo de Barros Carvalho,

as pretensões impositivas do Estado, na esfera do Direito Tributário, atingem duas prerrogativas fundamentais do cidadão, quais sejam os direitos de propriedade e de liberdade. Instalando o vínculo, ver-se-á o sujeito passivo tolhido na sua liberdade, jungindo-se ao cumprimento de certa prestação, e, bem assim, ameaçado em seu patrimônio, porque a exigência fiscal se arma ao escopo de obter nele uma parcela pecuniária. 225

Hector B Villegas afirma que a tarefa do direito constitucional tributário

é regular o poder de império estatal, impedindo a “potestade” tributária (ou o poder

capacidade de impor pela força, se necessário, a realização dos efeitos pretendidos pela norma ou, ainda, de associar algum tipo de conseqüência ao descumprimento da norma, capaz de provocar, mesmo que substantivamente, a realização do efeito normativo inicialmente previsto ou seu equivalente. Isso é o que Karl Larenz qualifica como ordenação de vigência, característica típica de cada proposição jurídica. Trata-se, na nomenclatura contemporânea, da eficácia jurídica – eficácia juridicamente qualificada – por força da qual, uma vez desrespeitada uma norma, podem ser exigidas providências diante do Judiciário, instituição responsável por sua imposição coativa. (...) Se as normas constitucionais são normas jurídicas (...) também elas pretendem produzir efeitos que deverão ser levados a cabo coativamente se necessário” (BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 32/39).

221 TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia; Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 01.

222 TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, p. 03. 223 TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, p. 04. 224 ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, 6. ed., p. 40. 225 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p. 185.

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tributário), ou seja, a faculdade do Estado de criar, unilateralmente, tributos, cujo

pagamento será exigido das pessoas submetidas a sua competência. 226

O Estado não é o detentor dessa “faculdade”. Essa teoria já está

superada. Agora, o Estado é apenas a entidade incumbida de exercer esse papel,

de acordo com o direito da sociedade ou, mais objetivamente, com o direito de cada

contribuinte. 227

Em sua origem, o tributo significou violência do Estado em face do

particular. A mudança ocorreu quando os modernos Estados constitucionais

passaram a garantir os direitos das pessoas, decidindo que a potestade tributária

somente seria exercida mediante lei. 228

A legalidade é a condição do exercício do poder do Estado. Num

Estado Democrático de Direito, como a nossa República Federativa do Brasil de

1988, a legalidade não deve ser aferida apenas no sentido formal (se a lei foi

emanada do Poder Legislativo). É preciso que a lei esteja de acordo com as

garantias e os princípios constitucionais, sob pena de sua inconstitucionalidade. A

legalidade deve ser aferida, portanto, formal e materialmente (ver item 4.1.1 supra,

onde foi tratado o princípio da legalidade). 229

Alberto Nogueira defende a reconstrução dos direitos humanos da

tributação com o surgimento de uma nova concepção de contribuinte, agora como o

senhor do tributo e não o seu servo. 230

“O poder de tributar nasce do espaço aberto pelos direitos humanos e

por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a

226 B. VILLEGAS, Hector. Curso de finanzas, derecho financeiro y tributário. Buenos Aires:

Dipalma,1995, 5. ed. Apud NOGUEIRA, Alberto. Ibidem, p. 96. 227 NOGUEIRA, Alberto. Ibidem, p. 97. 228 HÉCTOR B. VILLEGAS. Curso de finanzas, derecho financeiro y tributário. Apud NOGUEIRA,

Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 97. 229 NOGUEIRA, Alberto. Ibidem, p. 97. 230 Ibidem, p. 117.

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permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais”,

como disse Ricardo Lobo Torres, 231 tendo concluído que a verdadeira sede do

poder de tributar está na Declaração dos Direitos Fundamentais (art. 5º, CRFB/1988)

e na Declaração dos Direitos do Contribuinte e de suas garantias (art. 150 a 152,

CRFB/1988). 232

Alberto Nogueira defende que, numa teoria geral do direito tributário,

três elementos são fundamentais: “1º) quem tributa (quem é o titular do poder de

tributar); 2º) contra quem se tributa (quem sofre os efeitos desse poder); e, 3º) o

objeto da tributação e como esta é exercida”. 233

Alberto Nogueira chega à seguinte conclusão: o povo é titular do poder

de tributar; o Estado é apenas representante do povo. Todos devem pagar os

tributos, observando-se o princípio da igualdade (ou seja, apenas aqueles que têm

capacidade para contribuir). E o objeto do tributo é o bem comum da sociedade. 234

Essa conclusão está de acordo com os demais entendimentos

doutrinários expostos e se amolda ao Estado Democrático de Direito concebido pelo

Poder Constituinte de 1988, como consta no preâmbulo da Constituição da

República Federativa do Brasil:

Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a

231 TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidade e isonomia. Rio de

Janeiro: Renovar, 1995, p. 13. 232 Ibidem, p. 103. 233 NOGUEIRA, Alberto Nogueira. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Renovar: Rio

de Janeiro, 1996, p. 88/89. 234 Ibidem, p. 126/128.

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proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

E o Poder Constituinte garantiu que “todo poder emana do povo, que o

exerce por meio de seus representantes eleitos diretamente, nos termos desta

Constituição” (art. 1º, parágrafo único, CRFB).

6.2.2 – A EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000

O poder de tributar, que pertence ao povo-nação, tem como limite as

liberdades públicas (os direitos e garantias individuais).

O povo-nação, ao exercer sua soberania popular, manifesta pelo Poder

Constituinte Originário, abre mão de parcela de sua liberdade para autorizar que o

Estado (que é apenas seu representante) retire parcela de seu patrimônio, de sua

propriedade privada, em prol da coletividade. Neste exato momento restringiu o

direito de propriedade ao condiciona-lo à observância da função social da

propriedade.

A Constituição é obra do poder constituinte originário. O poder

constituinte antecede a Constituição, que está subordinada àquele. A idéia de

existência de um poder que estabelece a Constituição, a organização fundamental

de um Estado, surge no século XVIII, associada à idéia de Constituição escrita. 235

Foi Emmanuel Joseph Sieyês (1748-1836), ou Abade ou Padre Sieyês, o autor da

doutrina do Poder Constituinte, segundo o qual a Constituição de um Estado é obra

de um Poder Constituinte que é anterior à Constituição (aqui entra o pacto). O Poder

235 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte; São Paulo: Saraiva, 1999, 3. ed., p.

03.

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Constituinte gera os Poderes do Estado, os poderes constituídos e é superior a

estes. 236

Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que o supremo poder

pertence ao povo; a soberania é do povo. Portanto, o Poder Constituinte é o povo,

embora seja o titular do poder quem jamais o exerça. É ele um titular passivo, ao

qual imputa uma vontade constituinte sempre manifesta por um grupo político, que

recebe delegação do povo para estabelecer a Constituição. São “representantes

extraordinários” dele, conforme expressão de Sieyês. 237

O Poder Constituinte pode se manifestar via Revolução ou Reforma.

No caso de reforma, é instaurada uma Assembléia Constituinte, que recebe da

nação o poder para criar um novo Estado. A Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 é fruto de reforma constitucional, pois foi editada por uma

Assembléia Constituinte convocada pela Emenda n. 26, de 27 de novembro de

1985. 238 À época, ficou caracterizada o momento denominado pela teoria

constitucional como situação constituinte, pois a nação brasileira clamava pela

redemocratização do país e teve efetiva participação na elaboração da nova

Constituição. 239

236 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 10/12. 237 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 33. 238 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p.37. 239 Cf. José Afonso da Silva: “As discussões em torno da normalização democrática e da

institucionalização do Estado de Direito deixaram de ser digressões das elites. Tomaram a rua. As multidões que acorreram, ordeira, mas entusiasticamente, aos comícios em prol da eleição direta do Presidente da República interpretaram o sentimento da Nação, em busca do reequilíbrio da vida nacional, que só pode consubstanciar-se numa nova ordem constitucional, em uma Constituição que refaça o pacto social e interprete as tendências populares mediante atuação de uma Assembléia Nacional Constituinte (...) Todos sentem que o Brasil vive aquele momento histórico que a teoria constitucional denomina situação constituinte, situação que se caracteriza pela necessidade de criação de normas fundamentais, consagradoras de nova idéia de direito, informada pelo princípio da justiça social, em substituição ao sistema autoritário que nos vem regendo há vinte anos. Aquele espírito do povo que transmuda em vontade social, que dá integração à vontade política, já se despertara irreversivelmente, como sempre acontece nos momentos históricos de transição, em que o povo reivindica e retorna o seu direito fundamental primeiro, qual seja, o de manifestar-se sobre a existência política da Nação e sobre o modo desta existência, pelo exercício do poder constituinte originário, mediante uma Assembléia Nacional Constituinte” (SILVA, José Afonso da. Poder

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O Poder Constituinte é ilimitado (sob uma perspectiva positivista; na

realidade até está limitado pelos direitos humanos fundamentais universalmente

reconhecidos 240) e supremo. De sua supremacia, decorre que ele deve,

obrigatoriamente, ser observando por todos os Poderes constituídos, repelindo tudo

aquilo que lhe for contrário.

O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição e institui os

Poderes, normalmente seguindo a divisão de Montesquieu, Executivo, Legislativo e

Judiciário. Além dos três poderes, normalmente é instituído também um outro poder,

que é o Poder Constituinte instituído, ou Poder Constituinte derivado.

Há duas espécies de Poder Constituinte derivado ou instituído: o poder

de revisão da Constituição e o Poder Constituinte dos Estados-Membros da

Federação para instituírem suas respectivas Constituições.

O Poder Constituinte instituído é limitado, ao contrário do Poder

Constituinte originário, e possui três características. Em primeiro lugar é derivado do

Poder Constituinte originário e encontra neste seu fundamento. A segunda

característica é sua subordinação, estando limitado pelas regras de fundo

estabelecidas pelo Poder Constituinte originário (pelas cláusulas pétreas). A terceira

característica é seu condicionamento, pois ele está sujeito às regras de forma

estabelecidas pelo Poder Constituinte originário, que estabelecem o procedimento

para as emendas à Constituição. 241

Caso o Poder Constituinte instituído viole as regras de fundo (as

cláusulas pétreas) ou as regras de forma, importa na inconstitucionalidade do ato

Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição); São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17 e 19).

240 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 75/76. 241 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 112.

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que o editar. Assim, tal ato será nulo e írrito como o deve declarar o órgão para tanto

competente, que é o Poder Judiciário. 242

Como visto acima (ver capítulo 6.2), o Supremo Tribunal Federal firmou

entendimento de que o IPTU progressivo no tempo (art. 156, § 1º c/c art. 182, § 4º

da CRFB/1988) era o único IPTU progressivo admitido pelo Poder Constituinte

Originário. A ampliação das hipóteses de progressividade foi feita pela EC 29/2000,

que autorizou os municípios a instituir o IPTU progressivo em razão do valor, do uso

e da localização do imóvel. Foi visto, ainda, que a regra é que os tributos sejam

proporcionais, somente admitindo-se a progressividade nos casos expressamente

autorizados na Constituição (ver item 5.3 sobre a progressividade).

A nação é o titular do poder de tributar e a instituição de tributo. Por

representar expropriação patrimonial do contribuinte, somente pode ser autorizada

pelo Poder Constituinte originário. O Poder Constituinte instituído ou derivado não

tem o poder de limitar os direitos fundamentais, impondo restrições ao direito de

propriedade.

Os princípios constitucionais tributários, por serem especificações dos

direitos e garantias individuais, não podem ser restringidos por emendas à

Constituição, porque o Poder Constituinte originário estabeleceu a impossibilidade

de deliberação de emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais (art.

60, § 4º, CRFB).

A doutrina de Américo Lourenço Masset Lacombe é nesse sentido, ao

afirmar o autor que

deve-se ter em mente que o art. 5º da Carta não esgota os direitos e garantias individuais. Isto não só em face do § 2º, do próprio art. 5º, como, também, do próprio texto do art. 150, que, enumerando limitações ao poder

242 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ibidem, p. 113.

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de tributar, possui natureza de direitos e garantias individuais, e, portanto, sendo, de conseguinte, cláusula pétrea. 243

Marcelo Guerra Martins entende que as limitações ao poder de tributar

são direitos individuais dos contribuintes, 244 caracterizando verdadeiras cláusulas

pétreas, imunes a qualquer Emenda Constitucional, não valendo qualquer investida

do poder constituinte derivado quando, por sua manifestação tender a sua abolição

nos moldes do art. 60, § 4º da Constituição Federal. 245

Regina Helena Costa enfatiza que o direito à propriedade privada é

alcançado direta e imediatamente pela tributação, porque implica redução do

patrimônio do sujeito passivo. E, por isso, o poder tributário deve conviver

harmonicamente com os direitos fundamentais, não restringindo ou inviabilizando o

seu exercício 246.

Especificamente em relação ao IPTU progressivo, Celso Fiorillo

Antônio Pacheco e Renata Marques Ferreira disseram que a progressividade do

IPTU somente pode ser aplicada com a finalidade de assegurar o cumprimento da

função social da propriedade, conforme interpretação sistemática dos artigos 156 e

182 da CRFB/1988. Somente o Poder Constituinte originário poderia prever

exceções para aplicação da progressividade no caso dos impostos reais, razão pela

qual entendem que a emenda em questão violou cláusulas pétreas. 247

243 LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo:

Malheiros, 1996, p. 82. 244 Cf. o autor “essas limitações devem ser consideradas como um direito individual do contribuinte,

na medida em que a tributação nada mais é do que ingerência do Estado na propriedade que, por previsão expressa, é indiscutivelmente um direito individual (CF, art. 5º, XXII). Não se pode negar que quando o Estado tributa está retirando parcela do patrimônio (propriedade) de alguém. Assim sendo, as questões que envolvem a tributação estão intimamente amalgamadas à propriedade, motivo pela qual, sendo esta inequívoco direito individual, as garantias e regras constitucionais relativas aos tributos também assim devem ser consideradas” (MARTINS, Marcelo Guerra. Impostos e Contribuições Federais; Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 82).

245 MARTINS, Marcelo Guerra, Ibidem, p. 84. 246 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 80/81. 247

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 93/99.

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Conclui-se que o poder tributário pertence à nação, que o exerce

abrindo mão de parcela de sua liberdade e de sua propriedade ao constituir o

Estado, ao exercer o poder constituinte originário. A nação brasileira previu no texto

constitucional de 1988 a proporcionalidade como regra da tributação. As exceções

previstas para a imposição da progressividade somente podem ser previstas pelo

poder constituinte originário. A EC 29/2000 ao ampliar as hipóteses de

progressividade, instituindo o IPTU progressivo em razão do valor, do uso e da

localização do imóvel, violou cláusulas pétreas sendo, portanto, inconstitucional.

6.2.2.1 – A MANIFESTAÇÃO DO STF SOBRE A EC 29/2000

Como visto de forma exaustiva, o STF firmou o entendimento de que

apenas o IPTU progressivo no tempo foi autorizado pelo Poder Constituinte

originário. E que, antes da Emenda Constitucional 29/2000 não havia autorização

para a instituição de IPTU progressivo em razão do valor, do uso e da localização do

imóvel.

Agora, a constitucionalidade da emenda está sendo apreciada pelo

Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 423.768-7/SP. O Ministro

Marco Aurélio de Melo proferiu voto admitindo a progressividade trazida pela

emenda, sendo acompanhado por mais quatro Ministros. O julgamento foi

interrompido no dia 28.06.2006 com o pedido de vista do Ministro Carlos Ayres

Britto. 248

O Recurso Extraordinário tem como objeto acórdão proferido pelo

extinto Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, que declarou a inconstitucionalidade

248 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/

ultimas/ler.asp?CODIGO=199913&tip=UN&param=progressivo>. Acesso em 08.07.2006.

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da Lei Municipal 13.250/01, a qual estabeleceu alíquota progressiva para o IPTU

com base no valor venal do imóvel. Consta no voto do Relator, em síntese, o

seguinte: a emenda constitucional não afastou direito ou garantia individual. No

julgamento do RE 153.771, preponderou a conclusão de que a progressividade do

IPTU apenas seria possível nos termos do artigo 182, § 4º, da CRFB/1988,

presente o planejamento urbano. Mesmo antes da EC 29/2000, o Ministro Marco

Aurélio já admitia que a progressividade, em observância ao princípio da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CRFB/1988), se restringia aos ditos

impostos pessoais, podendo também ser aplicada aos impostos classificados como

reais, como o IPTU (conforme seu voto proferido no RE 234.105-3/SP). 249 Agora,

no relatório ora analisado, entendeu que a EC 29/2000 não afastou direito ou

garantia individual, porque o texto primitivo da Carta autoriza a progressividade dos

impostos e a consideração da capacidade econômica do contribuinte, não se

cuidando de inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a

249 O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, estimaria perceber melhor a

óptica de V. Exa., pois não participei do julgamento do leading case sobre a matéria, que foi, justamente, o do Recurso Extraordinário n 153.771. V. Exa, faz a leitura do § 1º do artigo 145 no sentido de abranger todo e qualquer imposto? Leio o preceito para minha reflexão, para minha tranqüilidade maior quanto à conclusão a que vou chegar acerca do tema: Art. 145 (...) § 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pesoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. A meu ver não temos, no teor do dispositivo, qualquer distinção, qualquer limitação quanto ao alcance do que nele se contém. O alvo do preceito é único, a estabelecer uma gradação que leve à justiça tributária, ou seja, onerando aqueles com maior capacidade para o pagamento do imposto. Se essa premissa é, para mim, correta, inafastável, não cabe distinguir, aqui, a espécie de imposto. Levo em conta o Imposto Predial e Territorial Urbano, um imposto devido pelo proprietário do imóvel e que tem como base, para a segurança do pagamento, o próprio imóvel, portanto, o direito real de propriedade. Senhor Presidente, o que autoriza a mudança da estrutura do tributo é o próprio texto constitucional, ao prever - considerado o justo, e o Direito está direcionado ao justo - seja levada em conta a capacidade econômica do contribuinte, ou seja, ao eleger esse elemento como fundamental para estabelecer-se o quantum devido. A colocação é salutar, porque não posso colocar na mesma vala alguém que adquire um bem imóvel com valor de mercado igual a vinte mil reais daquele que adquire um bem avaliado no mercado em milhões de reais. Dir-se-ia: a diferença já está na base de incidência da percentagem. Todavia, se fosse assim, não teríamos o teor do § l do artigo 145 da Constituição Federal. Por isso, peço vênia àqueles que diverge da fundamentação de V. Exa. para subscrevê-la. É o meu voto. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=RE&processo=234105&origem=IT&cod_classe=437>. Acesso em 08.07.2006).

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patrimônio. E que Tribunal de origem estendeu o conceito de cláusula pétrea, de

forma incompatível com o preceito do § 1º do artigo 145 e o do artigo 156, § 1º, na

redação primitiva. E que o STF ao apreciar texto da Carta anterior à Emenda, não

havia assentado a impossibilidade do instituto da progressão do IPTU em

consideração do valor venal do imóvel, apenas indicando a possibilidade de haver

a progressão no tempo de que cogita o inciso II do § 4º do artigo 182 da

Constituição Federal. 250

O entendimento firmado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello não está

de acordo com o defendido neste trabalho, nem com o parecer de Ives Gandra da

Silva Martins e Ayres F. Barreto, em que se afirmou que a Emenda Constitucional

29/2000 é inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas, entre outros argumentos,

porque a regra é que os impostos sejam proporcionais, somente admite-se a

progressividade nos casos autorizados pelo Poder Constituinte originário, sendo

vedado ao Poder instituído criar novas hipóteses de progressividade. 251

250 ERDELYI, Maria Fernanda. Justiça tributária. Cinco ministros do STF admitem o IPTU progressivo.

Consultor Jurídico. Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/45779,1>. Acesso em 08.07.2006.

251 MARTINS, Ives Gandra da Silva; BARRETO, Ayres F. IPTU: por Ofensa a Cláusulas Pétreas, a Progressividade Prevista na Emenda nº 29/2000 é Inconstitucional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 80, p. 105/126, 05/2002.

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7. CONCLUSÃO

As conclusões alcançadas com as pesquisas realizadas neste trabalho

são as seguintes:

Todos têm direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado como garantia da sadia qualidade de vida, cabendo ao Poder Público e a

toda coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações. A tutela constitucional ao meio ambiente abrange meio ambiente natural,

artificial, cultural e do trabalho. O meio ambiente artificial é compreendido pelo

espaço urbano construído.

A política urbana traçada pelo poder constituinte, a ser executada pelo

Poder Público municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. As diretrizes

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gerais da política de desenvolvimento urbano estão regulamentadas no Estatuto da

Cidade. O Poder Público Municipal deve estabelecer sua política de

desenvolvimento urbano em seu plano diretor.

A tributação ambiental é um dos instrumentos de que dispõe o Poder

Público Municipal para dar efetividade a seu plano de desenvolvimento urbano,

desenvolvendo as funções sociais da cidade e garantindo o bem-estar de seus

habitantes.

Para utilizar a tributação ambiental, as unidades da federação deverão

observar o sistema tributário e ambiental traçados pelo poder constituinte de 1988. A

interpretação sistemática desses sistemas, com a observância obrigatória dos

princípios pertinentes, culmina na sistematização do direito tributário ambiental

brasileiro.

O direito tributário ambiental brasileiro, diante da rigidez do sistema

constitucional tributário que define as materialidades possíveis para instituição de

tributos, distribuindo as competências tributárias aos entes da federação, não

permite a criação de novos tributos. A única exceção, já admitida pelo poder

constituinte originário de 1988, é a competência residual da União para instituir

outros impostos, além daqueles já discriminados no texto constitucional, e outras

fontes de custeio para a seguridade social.

Como conseqüência desta rigidez constitucional, o que se admite é a

utilização dos tributos já existentes como instrumentos de intervenção na economia

e no comportamento da sociedade, através da elaboração de políticas fiscais com o

fim de alcançar as metas traçadas pelas políticas públicas ambientais. Admite-se, a

criação de novos tributos, apenas por meio do exercício da competência residual da

União. Mas não é aconselhável a utilização desta competência residual para a

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criação de tributos ditos ecológicos, porque a carga tributária brasileira já atingiu

patamares absurdos que, infelizmente, são concomitantes com os péssimos serviços

públicos prestados pela Administração Pública.

Os tributos ambientais devem observar os princípios tributários, não

havendo exceção por se tratar de tributos cujo fundamento é a preservação ou a

proteção do meio ambiente. As espécies tributárias deverão obedecer a seus

regramentos específicos. Não há espaço para tipicidade aberta.

Os tributos ambientais terão duas características marcantes. A primeira

é que serão delimitados com motivação na efetivação da garantia do meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Essa motivação poderá ser verificada em qualquer dos

critérios da regra-matriz de incidência tributária. A segunda característica é a

extrafiscalidade manifesta através por meio do caráter finalístico do tributo cujo

objetivo é intervir na atividade econômica, buscando uma transformação nas

condutas sociais sempre a favor do meio ambiente.

No caso dos impostos, não se admite a vinculação de receitas, por

expressa vedação constitucional. Eles somente poderão ser utilizados como

instrumentos das políticas públicas ambientais, uma vez que não podem gerar

receitas vinculadas ao meio ambiente. A característica marcante dos impostos

ambientais que serão utilizados para coibir condutas ambientalmente incorretas e

estimular as condutas em prol do meio ambiente, será a extrafiscalidade.

Os municípios poderão utilizar o IPTU progressivo no tempo como

instrumento da política urbana, na busca do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e da garantia do bem-estar de seus habitantes, observando-se os

seguintes requisitos: 1) plano diretor urbano; 2) lei específica exigindo que o

proprietário do solo urbano, situado em área incluída no plano diretor, não edificado,

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subutilizado ou não utilizado, promova seu adequado aproveitamento; 3) notificação

exigindo que o proprietário promova o adequado aproveitamento, parcelando ou

edificando o imóvel, estabelecendo o prazo e as condições a serem observadas; 4)

não atendida a notificação poderá ser cobrado o IPTU progressivo no tempo; 5) o

valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica que

determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano

não edificado, subutilizado ou não utilizado, não podendo exceder duas vezes o

valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento; 6)

atingida a alíquota máxima, a cobrança somente poderá persistir por cinco anos, sob

pena de ficar caracterizado o tributo com efeito de confisco; 7) após o quinto ano

consecutivo de cobrança progressiva na alíquota máxima, sem que o proprietário

promova a edificação ou o parcelamento compulsórios, o Município deverá

desapropriar o imóvel com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão

previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,

em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e

os juros legais.

O IPTU progressivo em razão do valor do imóvel (art. 156, § 1º, inciso

I) e aquele com alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e uso do imóvel

(art. 156, § 1º, inciso II), instituídos pela EC nº. 29/2000, não poderão ser instituídos

validamente pelos municípios porque a emenda está eivada de

inconstitucionalidade.

A inconstitucionalidade decorre da violação de cláusulas pétreas, pela

criação pelo poder constituinte derivado de nova modalidade de IPTU progressivo,

não contemplada pelo poder constituinte originário. A violação ocorreu porque o

princípio geral contido na Constituição garante que os impostos serão proporcionais,

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somente admitindo-se a progressividade nos casos expressamente previstos no

texto constitucional original.

Esse entendimento está embasado, inclusive, no entendimento firmado

pelo Supremo Tribunal Federal a partir do RE 153.771-0/MG, que culminou com a

edição da Súmula 668. O IPTU progressivo no tempo, aplicável com sanção ao

contribuinte que não observasse a função social da propriedade (art. 156 c/c art.

182, § 4º, CRFB/1988), era a única modalidade de IPTU progressivo previsto pelo

poder constituinte originário.

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