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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU MESTRADO EM RELAÇÕES PRIVADAS E CONSTITUIÇÃO HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005. CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS CAMPOS DOS GOYTACAZES 2005

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOSCENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU

MESTRADO EM RELAÇÕES PRIVADAS E CONSTITUIÇÃO

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.

CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS

CAMPOS DOS GOYTACAZES2005

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CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Campos,Centro Universitário Fluminense – UNIFLU –como requisito para obtenção do título deMestre em Relações Privadas e Constituição.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco.

CAMPOS DOS GOYTACAZES2005

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CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Campos,Centro Universitário Fluminense – UNIFLU –como requisito para obtenção do título deMestre em Relações Privadas e Constituição.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco.

Aprovado em: 18 de abril de 2006.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Leonardo Greco.UNIFLU-Faculdade de Direito de Campos

Profª. Drª.Margarida Maria Lacombe CamargoUniversidade Gama Filho

Prof.Dr.Sidney César Silva GuerraUNIFLU-Faculdade de Direito de Campos

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Às minhas filhas, Carla Gabriela eFernanda, pela compreensão e estímuloaos meus ideais.

.

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Tudo que os homens fazem, sabem ouexperimentam só tem sentido na medidaem que pode ser discutido. Haverá talvezverdades que ficam além da linguagem eque podem ser de grande relevância parao homem no singular. Mas, os homens noplural só podem experimentar osignificado das coisas por poderem falar eser inteligíveis entre si e consigo mesmos.

Hannah Arendt.

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RESUMO

O presente trabalho diz respeito a uma abordagem da gênese dos direitosfundamentais, sua evolução, fundamentos e núcleo consignados na Constituição daRepública e dos mecanismos constitucionais destinados a garantir a eficácia dessesdireitos, analisados tanto sob o prisma do Estado quanto dos particulares, bem comoperquirindo o significado e o alcance da cláusula da abertura ou da não tipicidadedos direitos fundamentais, consignado no § 2º do artigo 5º da Constituição,passando ao estudo da hermenêutica constitucional e trazendo à colação asprincipais teorias nacionais e estrangeiras, colocando a seguir então às principaisespécies de métodos de interpretação jurídica, a fim de investigar sob a eficácia quese pode atribuir aos direitos fundamentais, principalmente à vida, bem mais preciosoda pessoa, trazida ainda a questão dos princípios e regras. Isto posto, analisar-se-áa hermenêutica constitucional efetivamente aplicada ao direito fundamental vidaatravés do estudo das manifestações jurisprudenciais consignadas nos acórdãosdos tribunais superiores (STF e STJ) a fim de identificar e delimitar a efetividade daaplicação desse direito pelo poder judiciário nacional.

Palavras-chave: Constituição Federal, Direitos Fundamentais, HermenêuticaConstitucional, Vida.

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ABSTRACT

The present work talks about an approach of the genesis of the basic rights, itsconsigned evolution, beddings and nucleus in the Constitution of the Republic andthe constitutional mechanisms destined in such a way to guarantee the effectivenessof these rights, analyzed both under the prism of the State as well as the particularones, also investigating the meaning and the reach of the clause of the opening orthe vagueness doctrine of the basic rights, consigned in § 2º of the article 5º of theConstitution, passing to the study of constitutional hermeneutics and bringing light tothe main national and foreigner theories and, after then to the main species ofmethods of legal interpretation, in order to investigate under the effectiveness if theycan attribute the basic rights, mainly to life, the most precious gift of a person,bringing still the question of the principles and rules. This settled, it will analyzeconstitutional hermeneutics effectively applied to the basic right of life through thestudy of the consigned judgment manifestations in the sentences of the superiorcourts (STF and STJ) in order to identify and to delimit the effectiveness of theapplication of these rights for the national judiciary power.

Key-words: Federal Constitution, Basic Rights, Constitutional Hermeneutics, Life.

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................05ABSTRACT...............................................................................................................06INTRODUÇÃO..........................................................................................................09

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................................111.1 Gênese dos Direitos Fundamentais....................................................................111.1.1 Evolução dos Direitos Fundamentais...............................................................111.1.2 Direitos Fundamentais: teorias.........................................................................151.1.3 Núcleo dos Direitos Fundamentais...................................................................231.2 Constituição e Direitos Fundamentais.................................................................321.2.1 Princípios e Regras..........................................................................................331.2.2 Conflito entre Regras e Colisão de Princípios..................................................411.2.3 Da Dignidade da Pessoa Humana....................................................................421.2.4 Garantias Constitucionais.................................................................................441.2.5 A Garantia do Devido Processo Legal..............................................................481.3 Mecanismos Constitucionais de Garantia............................................................511.4 Eficácia dos direitos fundamentais perante o Estado e perante os particulares..521.5 Significado e Alcance do art. 5º, §2º, da Constituição Federal............................561.6 Direito Fundamental à vida..................................................................................601.7 Restrições aos Direitos Fundamentais................................................................62

2. A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL..............................................................652.1 Hermenêutica e Constituição...............................................................................652.1.1 A Constituição Aberta de Peter Häbele.............................................................762.1.2 Hermenêutica concretizante de Konrad Hesse.................................................782.1.3 Concretização Constitucional em Canotilho......................................................802.2 Métodos de Interpretação Jurídica.......................................................................842.2.1 A Importância da Linguagem.............................................................................852.2.2 Da Análise Semiótica........................................................................................902.2.3 A Fundamentação das Decisões.....................................................................1032.2.4 As Principais Espécies de Interpretação Jurídica...........................................1042.2.4.1 O método Gramatical...................................................................................1052.2.4.2 O método Exegético.....................................................................................1052.2.4.3 O Método Lógico..........................................................................................1062.2.4.4 O Método Histórico-Evolutivo.......................................................................1072.2.4.5 O Método Sociológico..................................................................................1082.2.4.6 O Método sistemático...................................................................................1092.2.4.7 O Método Teleológico e Axiológico..............................................................110

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2.2.4.9 O Método Tópico..........................................................................................1112.2.5 Quanto ao Resultado Interpretativo.................................................................113

3. ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES VERSUS HERMENÊUTICAAPLICADA AO DIREITO FUNDAMENTAL VIDA.......................................115

3.1 Introdução...........................................................................................................1153.2 Acórdãos dos Tribunais Superiores acerca do direito à vida.............................1173.2.1 Da responsabilidade do Estado na questão do direito à vida.........................1173.2.1.1 Recurso Especial n. 656979........................................................................1173.2.1.2 Recurso Especial n. 662.033.......................................................................1173.2.1.3 Recurso Especial n. 271.286.......................................................................1183.2.1.4 Recurso Especial n. 770.969.......................................................................1193.2.2 Tratamento de saúde e direito à vida.............................................................1253.2.2.1 Recurso Especial n. 249.026.......................................................................1253.2.2.2 Recurso Especial n. 226.835.......................................................................1263.2.2.3 Recurso Especial n. 681.012.......................................................................1263.2.3 Medicamento e direito à vida..........................................................................1303.2.3.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 17.903..........................1303.2.3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade..........................................................1313.2.3.3 Agravo Regimental em Recurso Especial n. 757.012.................................1313.2.3.4 Recurso Especial n. 242.859.......................................................................1323.2.3.5 Recurso Especial n. 689.587.......................................................................1323.2.3.6 Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0......................1333.2.4 Direito à vida e direito ao aborto.....................................................................1373.2.4.1 Habeas Corpus n. 47.371............................................................................1373.2.4.2 Habeas Corpus n. 84.025-6.........................................................................1383.2.5 Tratamento de saúde no exterior e aquisição de aparelho auditivo...............1433.2.5.1 Recurso Especial n. 616.460.......................................................................1433.2.5.2 Agravo Regimental na Suspensão de Segurança n. 1.467.........................1443.2.5.3 Mandado de Segurança n. 8.740.................................................................1453.2.6 Hermenêutica Constitucional do direito à vida e as Cortes Superiores do

país.............................................................................................................148CONCLUSÃO...........................................................................................................150REFERÊNCIAS........................................................................................................154

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INTRODUÇÃO

A definição do bem jurídico vida para a dissertação presente é

decorrência de sua alta importância para o estudo que envolve, no seu entorno, a

hermenêutica jurídica para a promoção de direitos fundamentais, conforme

delimitado no projeto de dissertação apresentado junto à Faculdade de Direito de

Campos. Daí a delimitação mais focada no referido bem jurídico que é, sem dúvidas,

o que gera mais polêmicas no quadro nacional, tendo em vista a prática do conceito

de cidadania hoje afirmado difusamente.

Inicialmente, para o melhor delineamento dos temas do presente

trabalho, aborda-se a gênese dos direitos fundamentais firmando a sua evolução

histórica e conceitual na legislação contemporânea, na doutrina que identifica os

seus fundamentos consignados na Constituição da República e os mecanismos

constitucionais destinados a garantir a eficácia desses direitos, analisados tanto sob

o prisma do Estado quanto dos particulares, bem como perquirindo o significado e o

alcance da cláusula da abertura ou da não tipicidade dos direitos fundamentais

consignado no § 2º do artigo 5º da Constituição.

Firmadas tais premissas, passa-se ao estudo da hermenêutica

constitucional trazendo à colação as principais teorias nacionais e estrangeiras

acerca do próprio conceito de Constituição, e logo a seguir então uma abordagem

sob aos métodos de interpretação jurídica, a fim de delimitar a máxima eficácia que

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se pode atribuir aos direitos fundamentais, nessa investigação especialmente ao

direito à vida bem mais precioso da pessoa, colocada ainda a questão dos princípios

e regras do conflito destas e a colisão de princípios fundamentais e da ponderação

destes.

Ao abordar a hermenêutica constitucional do direito à vida, enquanto

direito mais elementar da pessoa humana, trar-se-á à colação o entendimento

jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de

Justiça acerca de alguns temas polêmicos: no direito à vida, inclusive em função da

moléstia letal AIDS; no que tange à concessão de medicamento com desconto para

idosos, também implicando aqui direito à vida, com relação à saúde destes sujeitos;

e, sob o cumprimento de normas obrigacionais no atendimento médico-hospitalar

dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas, também relacionado o caso de aborto

de feto anencefálico.

Isto posto, pretende-se na investigação empreendida aqui analisar a

hermenêutica constitucional efetivamente aplicada aos direitos fundamentais, com

enfoque no direito à vida, através do estudo das manifestações jurisprudenciais

consignadas nos acórdãos dos tribunais superiores (STF e STJ) a fim de identificar e

delimitar a aplicação desses direitos pelo poder judiciário nacional, e ao mesmo

tempo visualizar os mecanismos de proteção e garantia a esses direitos em caso de

sua violação.

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CAPÍTULO I – DIREITOS FUNDAMENTAIS.

1.1 GÊNESE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1.1 Evolução dos Direitos Fundamentais

Os antecedentes históricos dos direitos fundamentais fazem referência

a um direito superior, não estabelecido pelos homens, mas dado a este pelos

deuses, o que guarda consonância com as obras teológicas, como a Suma

Teológica de Tomás de Aquino, no século XIII, na qual suprema é a lei eterna de

Deus, abaixo dela vigentes duas leis: de um lado a lei divina revelada ou declarada

pela Igreja e do outro lado a lei natural gravada na natureza humana que o homem

descobre por meio da razão. Abaixo de todas acima, a lei humana positivada pelo

legislador. 1

A primeira declaração de direitos fundamentais da modernidade foi a

Virgínia Bill of Rights ou a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12-

11-1776, que era uma das treze colônias Inglesas no então atual país dos Estados

Unidos. É considerada pela Doutrina como a primeira Declaração de Direitos

propriamente dita, porque estruturava o regime democrático e a limitação do poder

1 TEMER, Michel. Elementos de Direito constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 8-10.

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estatal. 2

Contudo, na França, em 26-8-1789, a Assembléia Nacional promulgou

a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 17 artigos, entre eles os da

igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação

política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria

penal, presunção de inocência, liberdade religiosa, livre manifestação do

pensamento, resultando consagrada a França no trato com os direitos humanos

fundamentais. 3

O item 1.1 da Declaração e Programa de Ação de Viena, no país da

Áustria, adotada na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de junho de

1993, assenta a Teoria Jusnaturalista, concebendo esta em que “os direitos

humanos e liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres

humanos: a sua proteção e promoção são responsabilidade dos Governos.” 4

Entretanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas, de 10-12-1948, diz da necessidade dos direitos da

pessoa humana serem protegidos pelo império da lei. 5

Num intermédio, Alexandre de Moraes leciona que ambas as teorias

devem coexistir, asseverando a importância da formação de uma consciência social

fixada em uma ordem ao mesmo tempo superior, universal e imutável (vertente da

teoria jusnaturalista) a embasar e dar substrato para o legislador reconhecer a

existência dos direitos fundamentais de modo a torná-los positivados (teoria

2 MORAES, Guilherme Braga Pena de. Dos Direitos Fundamentais - Contribuição para uma Teoria.São Paulo: LTr, 1997, p. 45.3 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais- Teoria Geral comentários aos arts.1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 2ª. Edição. SãoPaulo : Atlas, 1998, p. 34.4 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit, p. 28.5 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit p. 34.

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positivista) e, portanto, parte do Ordenamento Jurídico. 6

Norberto Bobbio, sobre o assunto, discorre que são os direitos acerca

dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepcionais,

nem com relação a esta ou aquela categoria, mesmo restrita, de membros do gênero

humano (é o caso, por exemplo, do direito de não ser escravizado e de não sofrer

tortura). Porém, até entre os chamados direitos fundamentais, são bem poucos os

que não entram em concorrência com outros direitos também considerados

fundamentais, e que, portanto, não imponham, em certas situações e em relação a

determinada categoria de sujeitos, uma opção.7

Para Cançado Trindade, a idéia de direitos humanos e sua

manifestação é tão antiga quanto as civilizações, tendo ocorrido em diferentes

culturas e em movimentos históricos sucessivos na afirmação da dignidade da

pessoa humana, na luta contra as formas de dominação, exclusão, despotismo e

arbitrariedade. 8

A respeito do que fala Cançado Trindade, vale lembrar que Sócrates, á

em priscas eras (427 a.C), desenvolvia uma filosofia cujo ponto alto era justamente a

dignidade humana, tendo Platão, em apologia a Sócrates, revelado que o seu

mestre lutava não por um regime político, mas por um princípio mais alto, o da

dignidade humana 9.

O caráter analítico, pluralista e pragmático dirigente, regulamentista da

Constituição Federal de 1988, refletiu no Título II - Dos Direitos e Garantias

Fundamentais -, projetando sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos,

6 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit., p. 35.7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro :Camus, 1992, p.20.8 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 485.9 PLATÃO. Apologia a Sócrates in Coleção Mestres Pensadores. São Paulo: Escala Editores, 2005,p.35.

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além de outros direitos fundamentais contidos nos demais títulos da Constituição,

sem prejuízo de outras disposições infraconstitucionais que possuam a mesma

natureza.

O desdobramento analítico imprimido na Constituição de 1988,

mormente no que diz respeito aos direitos fundamentais, revela uma certa

desconfiança do legislador infra-constitucional e uma vontade de salvaguardar

reivindicação e interesses contra possível desconstituição dos Poderes.10

Alexandre de Moraes faz um relato da evolução histórica desses

direitos humanos fundamentais e seu reconhecimento na modernidade,

asseverando que o constitucionalismo moderno teve sua origem formal nas

Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, que remonta a 14-

9-1787, quando se verificou a independência das treze colônias, com a Declaração

da Virgínia, de 16 de junho de 1787, e a Declaração de Independência dos Estados

Unidos da América, de 4-7-1776, assim como com o advento da Revolução

Francesa de 1791, tendo como características a organização do Estado e a limitação

do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.

Entretanto, há antecedentes históricos como o da Magna Carta Libertatum ( 1215 ),

a Petiton of Right ( 1628 ), o Habeas Corpus Act ( 1679 ), a Bill of Rights ( 1689 ), o

Act of Seattlement ( 1701 ). 11

10 Em decorrência de ter sido a Constituição Federal de 1988 elaborada logo após um período deforte autoritarismo do governo militar que vigorou no país por 21 anos, e ainda sob a lembrança dasrestrições as liberdades, o legislador constituinte deu relevância e reforço ao aspecto dos direitosfundamentais , como igualmente acontece nas demais Constituições pós período de opressão,ditadura, na superação de regimes autoritários, como aconteceu com a Constituição italiana de 1947,a Lei Fundamental da Alemanha, 1949 e, mais recentemente com Constituição da RepúblicaPortuguesa de 1976 e a Espanhola de 1978, que, em verdade, exerceram grande influência noConstituinte Nacional na elaboração da Carta em vigor. Neste sentido, vide SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 75.11 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais. São Paulo : Atlas,2000, p. 36.

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1.1.2 Direitos Fundamentais: teorias

Tem-se que podem ser visualizados os direitos fundamentais dentro de

três teorias:

a) Teoria Jusnaturalista – mediante a qual estes direitos são

superiores, imutáveis e inderrogáveis e não são criados pelo legislador, são

inerentes à consciência humana. 12

Essa Teoria parte da idéia de que na sociedade há valores e

pretensões humanas legitimadas pela própria circunstância e aspectos puramente

humanos e naturais, convalidados em si mesmos, não decorrentes de atos

normativos expedidos pela autoridade estatal, mas funcionam como verdadeiros

limitadores desta.13

O Jusnaturalismo está associado à cultura grega, onde uma justiça

inata, universal, necessária já era propalada por Platão na sua obra Da República,

também divulgada por Cícero em Roma, considerada como a razão decorrente da

natureza das coisas, por já estar na consciência humana no sentido do bem. Seria,

então, uma lei imutável, irrevogável, e não anulável.14

Na idade média o jusnaturalismo significava conteúdos teológicos

decorrentes da vontade divina. Na época medieval continuou a prevalecer o direito

natural, mas objetivo e material, imanente à pessoa, misturado aos princípios morais

consagrados ou não na legislação, perceptíveis pela inteligência humana,

abrangendo os deveres das pessoas para consigo mesmas, para com os outros e

para com Deus. O fundamento é o bem que a consciência determina, não devendo

12MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional, Op. cit., p. 34.13BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito ConstitucionalBrasileiro in A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e RelaçõesPrivadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.19.14 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito ConstitucionalBrasileiro in A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e RelaçõesPrivadas,Op. cit, p.19.

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lesar ao próximo. O direito natural não depende do legislador, pois reconhece por si

mesmo os comandos, como, por exemplo, o dever de preservar a própria vida e de

não matar a outrem. Essa concepção inicial teológica cedeu lugar a uma doutrina

jusnaturalista formal, a partir do século XVII, fundada na razão humana.15

O direito natural constituiu a base filosófica para dar justificação ao

direito positivo de modo a assim servir de guia ao legislador a encontrar seus

primeiros fundamentos. Entretanto, não de forma a interferir no pensamento jurídico

genuíno diante dos problemas reais da política jurídica, independentemente de

considerar os postulados de que o direito deveria estar conforme a natureza da

pessoa.16

Alf Ross afirma que os direitos naturais estariam por detrás dos direitos

subjetivos positivados.17

O direito natural conduzia à idéia de uma virtude suprema na qual

centrava-se a justiça e a verdadeira realização do direito e que os problemas de

justiça são de distribuição, equivalendo à demanda da igualdade na distribuição de

vantagens e obrigações ou encargos. Tal pensamento foi desenvolvido por

Pitágoras, no século IV antes de Cristo, a partir do que, então, a justiça passou a ser

visualizada no sentido da igualdade apresentada sob inúmeras variantes.18

A compreensão de igualdade é no sentido de que os iguais devem ser

tratados da mesma maneira. Esta idéia está dirigida a todos e a cada um segundo

seus méritos, a cada um segundo sua contribuição, segundo suas necessidades e

sua capacidade. Entretanto, de forma correlata, deve ser reconhecido o tratamento

15DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 17. ed. São Paulo : Saraiva,2005, p.36-38.16ROSS, Alf. 4. ed. Sobre El Derecho Y La Justicia. Tradução por Genaro Carrió Argentina :Universitária de Buenos Aires, 1977, p. 258.17 Ibidem, p. 258.18 ROSS, Alf. Sobre El Derecho Y La Justicia, Op.cit. p. 261.

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desigual aos desiguais na vertente do pensamento aristotélico, sendo justo que se

faça aí distinção para atender a pautas da desigualdade entre as pessoas diferentes,

sempre marcadas na história da humanidade, como uma exigência racional, um trato

diferenciado mas igual a todos os que pertençam a classes diferenciadas, mediante

critérios objetivos e regras dadas, para impor limites a quem toma a decisão no caso

concreto, obedecendo aos princípios de justiça que repudiam a arbitrariedade.19

John Locke propõe a instauração de um governo civil, ao efeito de

sanar as deficiências do direito natural, projetando o poder político dividindo-o em

três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, fundado num pacto

social a transferir ao Estado a garantia dos direitos naturais e das liberdades pelo

regime liberal-democrático.20

No século XIX, há fortes reações contra o jusnaturalismo em face do

historicismo, sociologismo e positivismo. Contudo há um retorno ao naturalismo com

Del Vecchio, Helmut Coing e outros antipositivistas.21

Del Vecchio considerava que a natureza é o real empírico, onde se

realizam os fenômenos ligados por vínculos causais, sendo o ser humano uma

partícula da natureza a interagir com o todo, e se visualizada a concepção

teleológica dos fenômenos resultará como uma ordem valorativa a dar vida à

matéria. Assim o direito deve levar em conta a concepção metafísico-teleológica da

natureza da pessoa e não seu caráter fenomênico. Para este Autor, a natureza

humana funda-se na moral e o jusnaturalismo colabora no aperfeiçoamento das

normas de sua interpretação como elemento integrador do direito positivo.22

19 ROSS, Alf. Sobre El Derecho Y La Justicia, Op. Cit., p. 263-266.20 LOCKE, John. Essays on the law of Nature. Oxford-Clarendon : Leyden, 1954, p.40.21 MACHADO NETO. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 84.22 DEL VECHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Antonio José Brandão. 4. ed.Coimbra : Almedina, 1972, p. 36

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Hugo Crótius teria formulado a mais célebre distinção de direito natural

e direito positivo, na sua obra De Jure Belli et Pacis, sendo o primeiro destinado a

demonstrar o que é moralmente correto ou incorreto, necessário por si mesmo só o

comando divino como arquiteto da natureza, de modo que natural é a lei inscrita por

Deus no coração do ser humano, como base ao segundo que tem como finalidade a

sua regulamentação como o propósito da consecução do bem-estar coletivo.23

b) Teoria Positivista – que explica que estes direitos devem estar

necessariamente consolidados na normativa, devendo estar positivados no

ordenamento jurídico, resultado da discussão dentro do regime democrático através

da soberania popular. 24

Segundo esta Teoria a idéia de direito é daquele que é declarado pela

autoridade, desprendido do direito natural ou mesmo a este ignorando, originada da

Teoria da Norma Posta de Hans Kelsen, considerando estranhos ao objeto do direito

os valores inseridos na norma. 25

A Teoria Positivista considera a ciência como único conhecimento

verdadeiro, onde não penetram fundamentos teológicos ou da metafísica, que não

são demonstrados, esse conhecimento científico é objetivo, valendo a descrição do

ato normativo, sem mais indagações. 26

O pressuposto da prevalência do positivismo ancorava-se no

pensamento de que os cidadãos devem obediência às leis de seu país, ainda que

não estejam de acordo com as leis naturais, por força do contrato social e do

princípio pacta sunt servanda, pensamento que está em consonância com a Teoria

23 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Icove, 1990, p. 20-25.24 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional, Op. Cit, p. 34.25 COELHO, Fábio Ulhoa. Para Entender Kelsen. 2. ed. São Paulo : Max Limonad, 1999, p. 22.26 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos... Op. cit., p.27

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Política Absolutista da época. 27

A comunidade deve estar baseada no governo e na lei. O juiz não é um

rei que recebe as leis diretamente de Deus e que decide extraindo as suas decisões

esotericamente. Há que considerar a supremacia da lei. 28

Por este pensamento, o direito positivo alicerça-se em si mesmo e

pelos seus próprios meios, independentemente de moral.29

Esta separação entre direito e moral também se desenvolve na

Constituição, afirmando Kelsen que a validade da ordem jurídica positiva não

depende de sistema de moralidade e que a norma jurídica é válida

independentemente da ordem moral. 30

A moral então, serve para o controle interno comportamental da própria

consciência, não institucionalizada.31 Na verdade a moral não paira mais sobre o

direito.32

O direito positivo estaria estigmatizado pela dualidade, embasado em

normas sociológicas e normas estatais, funcionando de maneira simultânea, a

primeira consistente nos conteúdos materiais que permeiam a sociedade e as

estatais como posições ideológicas introduzidas na ordem jurídica pelo Estado, uma

vez que detentor do império da lei. 33

Entretanto, como ao direito não cabe apenas atuar conforme a

realidade, mas também de modo a transformá-la, o direito não poderia ser apenas

um dado, mas também uma criação, de modo a estabelecer as condutas sociais do

27 ROSS, Alf. Op. cit., p. 259-26028 Ibidem, p. 273-274.29 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 190.30 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 104 e 106.31 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Op.cit p. 99.32 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3. ed. SãoPaulo : Malheiros, 2005, p. 82.33 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, Op. cit., p. 82.

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dever ser para equilibrar as relações e garantir a paz na sociedade.34

A Inglaterra contribuiu para a formação da Teoria Positivista através de

idéias desenvolvidas por Thomas Hobbes, Jeremy Bentham, este último influenciado

pelo italiano Beccaria no sentido da soberania da lei e a subordinação do juiz à

mesma. Para Bentham a moral não revela verdades eternas sendo apenas opiniões

tradicionais e que o direito deveria estar alicerçado no empirismo. O direito tem um

objetivo em si mesmo e a política jurídica é a doutrina que ensina como alcançar

este objetivo. A Autoridade que administra o direito deve sentir-se obrigada pelas

palavras da lei e pelas outras fontes do direito. Interessante notar que a Inglaterra

apesar de ter contribuído para a elaboração da Teoria Positivista através de alguns

de seus filósofos, notadamente Hobbes e Bentham, não fundou o seu direito nas

codificações. 35

Os franceses pretenderam a construção de um ordenamento ou um

sistema com base nas normas da natureza, contudo, uma vez inscritas no direito

positivo este estaria sediado então nos códigos, o direito estaria na lei. Estava

estabelecida a escola da exegese, que era quase que uma unanimidade na França.

Os critérios eram quase mecânicos e sem perquirição de valores. 36

Olivier Wendel Holmes afirma ser a ciência positiva a única válida para

conceber-se o direito, mostrando-se descrente quanto à observação de valores. É

contrário às convicções de John Austin, de que a lei é feita pelos juízes e pelos seus

próprios princípios e de acordo com a opinião da comunidade, não pelo soberano. 37

Segundo Bobbio, o juspositivismo define-se pelo elemento coação e

considera a norma como o comando do Direito, e que o Ordenamento Jurídico é o

34 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos. Op. cit., p.19.34 Ibidem, p.19.35 ROSS, Alf. Op. cit, p. 317-321.36 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 51.37 WENDEL HOLMES, Olivier . The Common Law. Boston, 1945, p.157.

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berço do Direito, de onde o Juiz deve extrair sua decisão, segundo o dogma da

coerência e da completude.38

O direito positivo está ligado à formação do Estado moderno, com o

reconhecimento de uma estrutura monista concentrando no Estado todos os

poderes, entre eles o de ser o elaborador do direito. Anteriormente, na sociedade

medieval, o direito era estabelecido e reconhecido pela sociedade civil delineado

pelo costume, na manifestação reiterada e consensual de comportamentos

uniformes, constantes.39

Thomaz Hobbes funda a teoria do Estado Moderno na qual afirma o

poder exclusivo do soberano para pôr o direito como forma de assegurar o poder

absoluto do Estado.40

Hobbes faz um paralelo entre o direito positivo e o direito natural,

reconhecendo que existem leis naturais, mas questiona se tais leis são obrigatórias,

vez que a pessoa pode respeitar ou não as leis naturais por uma questão de

consciência perante si mesmo, perante Deus, mas não teria obrigatoriedade diante

dos outros. 41

Hobbes afirma que no estado da natureza haveria uma anarquia e que

para sair desse estado seria necessário criar um Estado com força, soberano sobre

todos, que estabelecesse regras, onde todos estariam obrigados mediante coação

imposta pelo Estado, numa afirmação categórica de que a não é a sapiência, mas

sim a autoridade que cria a lei.42

O pensamento de Hobbes é no sentido de que o direito é proferido por

38 WENDEL HOLMES, Olivier . The Common Law. Boston, Op. Cit,. p. 132.39 Ibidem, p. 27.40 HOBBES, Thomaz. O Leviatã. Tradução de Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 204-205.41 Ibidem, p. 206.42 Ibidem, p. 204-205.

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quem tem poder para isso, negando valor à Common Law.43

O Positivismo pretendeu ser a filosofia da regulação para colocar

ordem no caos da natureza e da sociedade. 44

c) Teoria Moralista - que fundamenta os direitos humanos na

consciência moral e na experiência de um determinado povo. 45

Segundo essa teoria os valores morais dariam a direção ao agir pelo

reconhecimento do outro igualmente como ser de direito, ser dotado de dignidade de

maneira a tornar possível e correta a convivência na sociedade, tendo por base um

conteúdo humanista que deve ser refletido pela própria norma jurídica que

verdadeiramente a fundamente e que garanta conseqüência positiva na sua

aplicação, afirmando Perelman que as leis e os regulamentos politicamente justos

são os que não são arbitrários porque correspondem às crenças, às aspirações e

aos valores da comunidade política.46

Considera ainda a teoria moral que está cada vez mais ultrapassado

o antagonismo entre o do direito positivo e o direito natural, e que a busca pela

aplicação do direito ao caso concreto vai além dessas considerações, observando os

aspectos humanistas, morais e econômicos. 47

A filosofia do direito é parte integrante da filosofia prática, ou seja, da

moral e o ideal de direito outra coisa não é senão um ideal do bem que é objeto da

moral, razão pela qual os direitos encontram sua legitimidade na medida em que

observados os aspectos da moral de um povo, e particularmente, os direitos

43 HOBBES, Thomaz. O Leviatã, Op. Cit., p. 206.44 SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente. Vol. I, São Paulo: Cortez, 2000, p.141.45 Ibidem, p. 34-35.46 PERELMAN, Chain. Ética e Direito. Tradução de Maria E. Galvão Pereira. São Paulo: MartinsFontes, 2002, p. 192.47 Ibidem, p. 392.

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fundamentais que devem ser observados universalmente, abrangem a moral.48

Tal teoria assenta a crença de que o direito nasce da moral e a ela

se destina e que as normativas devem estar impregnadas de conteúdos da

moralidade historicamente concretizada e em transformação nas vivências humanas,

que se solidificam em uma lei certa, abstrata, rígida, que é a lei jurídica, na medida

em que deve ter em consideração que o exercício ilimitado de um direito pode

constituir-se em uma injustiça exigindo a observação da finalidade daquele que

pretende o exercício de um determinado direito, e se tal ação não é ilícita, de modo

a romper com a boa fé e efetivar-se como prática maliciosa e fraudulenta, o que é

inaceitável no direito.49

Dessa forma, a teoria reconhece a autoridade do direito como uma

concepção positivada na norma, mas que necessariamente observe a moral na sua

elaboração pelo legislador ou no momento de sua aplicação pelo juiz ou

administrador como idéia geral de justiça, legitimando a sanção que só a moral não

concebida dentro dos contextos jurídicos normativos não pode impor.50

A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não

consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram

insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir entre si.

1.1.3 - Núcleo dos Direitos Fundamentais

É inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade (art. 5º, caput, in fine). Eis o rol que externa o núcleo dos direitos

fundamentais positivados na Constituição Federal. Não são esses os únicos direitos,

48 DEL VECHIO, Giorgio. Op. cit, p. 23-93.49 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos,1972,p. 60-61.50 BERGEL, Jean-Louis. Méthodes Du Droit-Théorie Génerale Du Droit. Marseille : Dalloz, 1985, p. 48

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mas são aqueles nos quais se fundam os demais. No presente trabalho, estaremos

dando ênfase ao direito à vida. Para José Afonso da Silva:

A vida, no texto constitucional (art. 5º., Caput), não será consideradaapenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional,peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica, maiscompreensiva. Sua riqueza significativa e de difícil apreensão porque é algodinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própriaidentidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com aconcepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo suaidentidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida paraser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo eincessante contraria a vida. 51

O direito à vida constitui a fonte primária de todos os outros bens

jurídicos. De nada valeria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais,

como igualdade, intimidade, segurança, liberdade, propriedade, se não erigisse a

vida humana num desses direitos.

Os direitos fundamentais classificam-se em direitos de primeira,

segunda e terceira geração, conforme foram sendo reconhecidos pelo direito

positivado, sendo tais, respectivamente, os direitos e garantias individuais de

liberdade, de igualdade e de fraternidade que vem a ser, precisamente, o histórico

lema da Revolução Francesa. Assim, temos: I) direitos de primeira geração:

liberdades civis e políticas; são direitos negativos, pois exigem a abstenção do

Estado em não invadir a esfera das liberdades públicas; II) direitos de segunda

geração: igualdade de direitos econômicos, sociais e culturais; são direitos positivos,

pois exigem a ação do Estado no sentido de promover a igualdade de

oportunidades; III) direitos de terceira geração: denominados direitos de

solidariedade ou fraternidade, protegem os direitos relativos ao meio ambiente, ao

patrimônio comum da humanidade; são direitos que se referem à fraternidade e à

51 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 254.

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solidariedade humana, direitos difusos e coletivos. 52

Paulo Bonavides fala, ainda, de uma quarta geração de direitos, os da

democracia, do pluralismo e da informação, que protegeriam os cidadãos a despeito

da nacionalidade que detenham. Trata-se da teoria que defende a universalização

de direitos em face da globalização dos direitos fundamentais, para a qual parece o

mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência, segundo a qual a

soberania de um país pode ser relevada quando se constata que o mesmo não

respeita os direitos fundamentais da pessoa humana, numa espécie de limitação à

idéia de soberania nacional. 53

Afirma, ainda, o constitucionalista, que os direitos de segunda, terceira

e quarta gerações não se interpretam, concretizam-se. E que é exatamente na

esteira dessa concretização que reside o futuro da globalização política. 54

Desenvolvendo seu pensamento sobre os direitos de quarta geração

na democracia globalizada, diz Paulo Bonavides que (...) na democracia globalizada,

o homem configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o

centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema.

Esses direitos de quarta dimensão compreenderiam o futuro da cidadania e o porvir

da liberdade de todos os povos, e através dos quais seria possível a globalização

política.55

A globalização seria entendida não apenas com vias a interesses

econômicos, mas também no de universalidade da pessoa em todos os aspectos,

como meio para atingir valores supremos como a justiça social e a dignidade da

pessoa humana. A globalização que interessa verdadeiramente é a que coloca o

52 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit., p. 45.53 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 529.54 Ibidem, p. 529.55 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit,, p. 556.

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homem no centro de tudo, base axiológica como razão primordial da sociedade e do

Estado, fincado nos direitos fundamentais, eis que estes, como afirma Paulo

Bonavides, são a bússola das Constituições. 56

Etienne-Richard Mbaya, da Universidade de Köln, defende, na mesma

linha de Paulo Bonavides, a existência de uma quarta dimensão de direitos

fundamentais, exemplificando a democracia, visualizada como a democracia direta,

como o principal desses direitos, ressaltando ser este um princípio contemporâneo a

conferir legitimidade a todas as relações, desde a cidadania à internacionalidade, de

forma a que, internamente, possa servir como resistência à opressão e,

externamente, possibilitar uma intervenção militar lícita supranacional ao efeito de

banir na esfera internacional as ditaduras e os regimes antidemocráticos, focada a

democracia como direito de todos os povos e nações.57

Desta forma, a democracia que o Estado Democrático de Direito

realiza diz respeito a uma convivência social plantada numa sociedade livre, justa e

solidária (art. 3º, inciso II da CF/88) em que todo o poder emana do povo e em

proveito do mesmo deve ser exercido, destacado pelo respeito ao pluralismo de

idéias (art. 5º. Inciso IX), culturas (art. 215-216) e etnias (art. 5º. Inciso XLII),

desenvolvendo-se pelo diálogo entre opiniões e pensamentos (art. 5º. Inciso IV)

divergentes e sendo possíveis formas diferenciadas de organização e interesses

diferentes, o pluralismo político (art. 14), partidário (art. 17), dos meios de informação

IV) econômico (170), com respeito à livre iniciativa sem que haja opressão,

conferindo liberdades, viabilizando-se condições econômicas para seu pleno

exercício.58

56 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Op. Cit, p. 553.57 MBAYA, E.R. apud GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: Análise de sua ConcretizaçãoConstitucional. Curitiba : Juruá, 2003, p. 70.58 SILVA, JOSÉ Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Op. cit, p.109.

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No Preâmbulo da Carta Magna Pátria, está consignado este

compromisso com a sociedade nacional e internacional, por ser tarefa fundamental

do Estado Democrático de Direito instaurar o regime democrático, verbis:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia NacionalConstituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar oexercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos deuma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmoniasocial e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluçãopacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, aseguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Seja na Ordem Nacional, ou Internacional, pois que os direitos

fundamentais da pessoa humana estão estabelecidos nas Constituições da maior

parte das nações, a preocupação não é tanto mais com o reconhecimento desses

direitos, mas sim com a sua proteção, como salienta Norberto Bobbio, em que o

problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de

justificá-los, mas de protegê-los. 59

O Direito Fundamental, como um direito supranacional, revelando-se

pelo reconhecimento internacional e pelo postulado de sua efetivação por garantias

de proteção encontra eco em muitos documentos internacionais, como o Tratado de

Roma, que fala do Tribunal Penal Internacional, por exemplo. Pode-se falar,

também, do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, sediado em

Luxemburgo, além do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, na cidade de

Estrasburgo (estes últimos fazem parte do processo de Internacionalização do

sistema constitucional), sendo um fenômeno a constitucionalização no continente

europeu, como bem salienta José Vieira Ribas que a consolidação do processo da

União Européia, através do Tratado de Mastricht, exemplifica uma

internacionalização do sistema constitucional em detrimento dos próprios textos de

59 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Op. Cit, p. 24.

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Constituição nacionais . 60

Tal fato aponta para o surgimento de uma constelação de proteção dos

Direitos Fundamentais. Essa rede protetiva vem-se firmando por meio das diretivas

desse citado bloco econômico, como também, pelas decisões judiciais resultantes

dos Tribunais Europeus de Justiça e de Direitos Humanos. Esse caráter aberto do

Direito Comunitário possibilitará um grande grau de adaptação no campo dos

Direitos Fundamentais diante das demandas da modernização reflexiva como foi

imaginado por Beck. 61

Conforme afirmado supra, os direitos fundamentais de primeira

geração são direitos civis e políticos. Os de segunda geração, os direitos sociais,

culturais e econômicos relacionados ao trabalho, produção e previdência. Os de

terceira geração, o direito ao desenvolvimento, a comunicação e ao meio ambiente.

Já os de quarta geração, aqui, são os direitos que vão ao sentido da globalização

política, tais quais os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. 62

Nos direitos fundamentais de primeira geração podem ser

compreendidos os direitos a liberdades individuais, na obrigatoriedade de abstenção

do Estado frente aos mesmos. Os de segunda geração são chamados prestacionais,

aqueles do Estado perante o indivíduo, tais quais a assistência social, a educação, a

saúde. Cultura e trabalho são liberdades materiais concretas.

Na Constituição Pátria os direitos fundamentais de segunda geração

encontram-se a partir do seu artigo 6º. Dessa forma, a saúde é um direito de

segunda geração que cabe ao Estado prover, mediante ações positivas para garantir

sua efetividade.

60 RIBAS, José Vieira, A Constituição Federal de 1988 e um Modelo de Direitos Fundamentaisincompleto. in CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988-1998 Uma Década de Constituição Riode Janeiro:Renovar,1999, p.98.61 Ibidem,. p. 98.62 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. Cit, p. 45.

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Os direitos fundamentais de terceira geração são aqueles que têm a

finalidade de proporcionar à pessoa as devidas condições de vida em paz, em um

meio ambiente equilibrado, a comunicabilidade, podendo assim considerá-los como

direitos difusos universalizados, asseverando Ingo Wolfgang Sarlet que podem ser

incluídos nos direitos de terceira geração aqueles de garantia contra a manipulação

genética, do direito de morrer com dignidade e do direito à mudança de sexo. Os

direitos de quarta geração, por sua vez, são os direitos relacionados ao exercício da

democracia, do pluralismo e da informação. 63

Em suma, os direitos fundamentais são ligados a valores como a vida,

a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a segurança, a

propriedade, a dignidade da pessoa humana, ao pluralismo e a democracia. Esses

direitos, hoje, devem ser visualizados e considerados mediante a globalização como

universalizados, portanto, imponíveis na e perante a comunidade internacional.

Com isto, a princípio, assumem estes o caráter de direitos negativos,

que importam uma restrição à ação do Estado para, posteriormente assumirem uma

postura ativa, exigindo ações positivas do Estado na promoção dos mesmos. Desta

forma, os direitos fundamentais são os direitos da pessoa humana e devem ser

universalmente reconhecidos, não importa em que ordem constitucional faça parte.

Para que se estabeleça o Estado Democrático de Direito, é essencial o

respeito aos direitos fundamentais. Por conta deste princípio é que são

características relevantes dos direitos fundamentais os seguintes elementos:

imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, universalidade,

inviolabilidade, efetividade, interdependência e complementaridade. 64

A imprescritibilidade significa que os direitos fundamentais não se

63 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit, p. 49.64 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit, p. 41.

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perdem por decurso de prazo; a inalienabilidade, diz respeito à impossibilidade de

transferência dos direitos fundamentais, eis que inerente a cada ser humano, não

podendo ser transferido onerosa ou gratuitamente; a irrenunciabilidade é a

característica realmente marcante, posto que inadmissível a renúncia à vida e a

práticas que atentem contra a mesma; a universalidade compreende a ampla

abrangência desses direitos de cada indivíduo, independentemente de sua origem,

nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; a inviolabilidade

ligada ao sentido de que esses direitos devem ser respeitados pelas autoridades e

por todos os comandos legais infraconstitucionais, sob pena de responsabilidade

civil, penal e administrativa daquele que violar direito fundamental; desdobra-se aí,

na característica da efetividade, posto que tão importante quanto o reconhecimento

dos direitos fundamentais é a sua garantia e concretização, através de mecanismos

até mesmo coercitivos com esse fim; a interdependência, relacionada a previsões

constitucionais para atingirem as finalidades de garantias ao exercício dos direitos

fundamentais, como por exemplo, para o exercício do direito de liberdade de

locomoção, a garantia do habeas corpus, e sendo somente permitida a constrição

física em caso de flagrante delito ou determinação por autoridade competente; e, por

fim, a complementaridade, significando que os direitos fundamentais devem ser

interpretados em conjunto e não isoladamente, de modo a que alcancem a fruição

harmônica dos mesmos e dos fins previstos pelo legislador constituinte. 65

Para José Afonso da Silva, os direitos fundamentais:

(...) correspondem a situações jurídicas subjetivas de vantagem, sem asquais a pessoa humana não sobrevive, convive ou se realiza, dotada deeficácia jurídica mediante reconhecimento formal e efetividade material emfavor de seu titular. 66

65 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit, p. 41.66 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Op. cit, p. 176-177.

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Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais são sempre

direitos humanos, tendo-se em conta que o seu titular será sempre um ser humano,

mas que, embora direitos humanos e direitos fundamentais sejam utilizados como

sinônimos, os direitos fundamentais são os positivados nas Constituições dos

Estados e os direitos humanos aqueles reconhecidos internacionalmente em

documentos internacionais, como segue sua lição infra:

(...) o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do serhumano, reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucionalpositivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitoshumanos guardaria relação com os documentos de direito internacional,por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humanocomo tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordemconstitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos ospovos e tempo de tal sorte que revelam um inequívoco carátersupranacional. 67

Norberto Bobbio relaciona os direitos fundamentais com a prática da

democracia, afirmando que:

(...) direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessáriosdo mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos eprotegidos não há democracia, sem democracia, não existem condiçõesmínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, ademocracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãosquando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá pazestável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quandoexistirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas domundo. 68

José Afonso da Silva afirma que é recente o reconhecimento dos

direitos fundamentais em textos explícitos e declaração de direitos e que os mesmos

embora catalogados não se esgotam aí, e que com a evolução da humanidade

surgem novos direitos a compor os desdobramentos dos direitos fundamentais. 69

Ricardo Lobo Tôrres associa os direitos políticos com os direitos

fundamentais, já que se integram naqueles por sua dimensão reivindicatória, por

67 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p. 33.68 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia. Op. cit., p. 1569 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. cit., p. 153-154.

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permitirem a concreta ação da cidadania concernente aos direitos fundamentais. 70

Face aos riscos quanto ao respeito e concretização dos direitos

fundamentais, fazem-se cada vez mais importantes as garantias constitucionais para

segurança em relação aos mesmos. Nesse aspecto Ricardo Lobo Tôrres afirma que

as garantias constitucionais são de excepcional importância via seus instrumentos

processuais para a defesa e concretização dos direitos fundamentais, com a

atualização dos seus valores, através do mandado de segurança, mandado de

injunção, o próprio processo tributário administrativo, que fazem parte do Direito

Processual Constitucional. 71

O conteúdo essencial dos direitos fundamentais tem como base a

dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se na verdade em limite material a

ação legislativa. Desta forma, vê-se que proteção aos direitos existem, mas a forma

de condução desta proteção hoje tem se mostrado um enigma passível de todo tipo

de hermenêutica, conforme será visto mais adiante. 72

1.2 – CONSTITUIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O direito de acesso à justiça, à tutela jurisdicional e ao processo e

julgamento por um tribunal independente e imparcial são direitos fundamentais do

cidadão. Assim está expresso no Inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal,

que diz não excluir, (...) da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a

direito, normativa que garante a todos uma prestação jurisdicional efetiva, mormente

aos direitos fundamentais.

70 TÔRRES, Ricardo Lobo. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.268.71 Ibidem, p.13.72 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p 114.

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1.2.1 Princípios e Regras

Alexy considera que a teoria dos direitos fundamentais é estrutural,

primariamente analítica, pois investiga as estruturas como conceitos de direitos

fundamentais, influência destes no sistema jurídico e a sua fundamentação. Seu

material mais importante é a jurisprudência do Tribunal Constitucional. 73

Na estrutura dos direitos fundamentais, segundo Alexy, é importante a

distinção entre regras e princípios, uma vez que essa diferença é a base, o alicerce,

a pedra angular e a chave para solução dos problemas centrais da dogmática dos

direitos fundamentais, como expressa verbis:

[...] ella constituye la base de la fundamentación iusfundamental y es unassclave para la soluciónde problemas centrales de la dogmática de losderechos fundamentales. Sin ella, no puede existir uma teoria adecuada delos limites, ni uma teoria satisfactoria de la colisión y tampoco uma teoriasuficiente acerca del papel que juegan los derechos fundamentales em elsistema jurídico. 74

De modo que a distinção entre regras e princípios constitui-se em

verdadeiro pilar da teoria dos direitos fundamentais. Regras e princípios devem ser

visualizados sob o conceito de norma, porque ambas dizem o que deve ser, ambas

podem expressar mandato, permissão ou proibição. As regras são aplicáveis ao

modo tudo ou nada. A partir do momento em que os pressupostos de fato referidos

na regra estejam presentes na circunstância concreta e sendo válidos, deve ser

aplicada e pronto. 75

Assim, um critério comum utilizado para diferenciar os conceitos de

princípios e de regras é um maior ou menor grau de abstração entre ambos (regras,

73 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de EstúdiosConstitucionales, 1997, p. 87.74 Tradução: (...) ela constitui a base da fundamentação jurídica e é uma chave para a solução deproblemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela, não pode existir uma teoriaadequada de limites, nem uma teoria satisfatória da colisão, tampouco uma teoria suficiente acercado papel dos que julgam os direitos fundamentais no sistema jurídico (Idem, ibidem, p. 81-82).75 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo :Martins Fontes, 1999, p.24.

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um menor grau, princípios, maior, por serem mandatos de otimização, isto é, que se

impera realizar em maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e

reais). As regras não apresentam a mesma flexibilidade que os princípios, ou são

cumpridas ou não, exatamente como são propostas, sem maiores considerações.

Para Alexy, a diferença entre regras e princípios não é de grau, mas sim de

qualidade, pois os princípios determinam que o direito seja concretizado na maior

medida possível, dentro da realidade existente e das possibilidades jurídicas, mas,

apesar da diferença regras e princípios são normas jurídicas que dizem o que deve

ser e conduz a razões para juízos concretos. 76

No conflito de regras, quando impossível uma cláusula de exceção,

quando uma regra deve ser considerada inválida, pode ser solucionado o problema

através de critérios como lex posterior derogat legi priori , lex specialis derogat legi

generali . 77

Na colisão de princípios, a resposta deve ser visualizada pela

verificação do peso e importância dentro do caso apresentado, pela ponderação dos

interesses opostos, fornecidos pelo caso concreto. Os princípios abrangem tanto

direitos individuais como coletivos. Os conflitos das regras ocorrem na dimensão de

sua validade.78

O termo princípio vem do latim principium, com significações

semânticas variadas, podendo expressar começo, início, origem, ponto de partida,

regra, norma, referir-se a elementos, rudimentos e convicções. Na ciência jurídica

tem importante papel de organizador do sistema e atingir os resultados

informadores, elemento axiológico e estruturante do Ordenamento, sendo por isso

76 ALEXY, Robert. Op cit. p. 87.77 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dosSantos. 10. ed. Brasília : UNB, 1999, p. 91-97.78 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 111.

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normas jurídicas de grau superior, num patamar hierarquicamente acima das normas

comuns, que ao mesmo estão subordinadas.79

A Norma significa um preceito de direito, norma de conduta e forma

abstrata do que deve ser. Deve conter todos os elementos que regulam a conduta,

que tutelem situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, submetendo a realizar

a prestação, ação ou mesmo a abstenção em favor de outrem. 80

Princípios são proposições com maior grau de abstração, diretivas ou

características que permeiam o desenvolvimento de uma ciência, é o fundamento

que contém em si mesmo a razão de alguma coisa, ainda, norma de conduta,

alicerce, base. 81 Normas de otimização, para que algo seja feito da melhor forma

possível, sem a obrigatoriedade do tudo ou nada, dentro da reserva do possível,

assim entendido dentro da realidade fática e possibilidades jurídicas.82

Regra é proposição jurídica, norma, que disciplina e rege alguma

conduta. 83 Espécie de norma que impõe, permite ou proíbe, que é ou não é

cumprida. 84

Ronald Dworkin restringe o alcance dos princípios, dizendo que os

mesmos só devem referir-se a direitos individuais. 85

O objetivo de Dworkin é uma teoria do direito que inclua a moral como

questão alusiva à política jurídica, denominando-o de “direito como integridade” que,

segundo o mesmo, exprime uma virtude política que pede ao legislativo que

promulguem leis moralmente coerentes, que é o Princípio Legislativo e que os juízes

aceitem a lei nesse sentido moral, que é o Princípio do Judiciário. Segundo esse

79 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 86-87.80 SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das Normas Constictucionais.Op. cit, p. 42.81 DINIZ, Maria Helena. Op. cit, p. 717.82 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente. Coimbra : Coimbra Editora, 1983, p. 42.83 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 109.84 CANOTILHO, J.J.Gomes. Constituição Dirigente, Op. cit., p.42.85 DWORKIN. Ronald. Op. cit., p. 111.

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último Princípio, os juízes devem identificar os direitos como advindos de uma única

autoridade que é o que chama de comunidade personificada, isto é, que derivem da

prática da comunidade jurídica. Assim procedendo, segundo o jurista, estariam

enquadrados no Princípio Judiciário de Integridade. 86

O juiz que aceitar o Princípio da Integridade pensará que o direito que

têm os litigantes está definido e terão estes uma decisão dele, na melhor concepção

daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigem ou permitem à época em

que se deram os fatos e a integridade exige que essas normas sejam coerentes. 87

Afirma este Autor que a integridade é uma virtude ao lado da justiça, da

eqüidade e do devido processo legal. Ainda aqui, repisa que as proposições

jurídicas para serem verdadeiras devem ser provenientes do Princípio de Justiça, da

Equidade e do Devido Processo Legal; que de fato ofereçam a melhor interpretação

jurídica da comunidade. O juiz deve orientar-se pela teoria que lança melhor luz

sobre a prática jurídica da comunidade. Para tanto, são necessários o raciocínio

judicial e o balanceamento dos princípios, pois para o mesmo, a integridade diz

respeito a princípios. 88

Para Alexy, por sua vez, os princípios implicam em conexão com a

máxima da proporcionalidade, em seus três desdobramentos, a adequação, a

necessidade, considerada esta como a aplicação de um meio mais benigno, e a

proporcionalidade em sentido estrito. 89

Assim, da máxima de proporcionalidade em sentido estrito infere-se

que os princípios são mandatos de otimização, com relação às possibilidades

jurídicas, de adequação com relação às possibilidades fáticas, e de necessidade,

86 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 21387 Ibidem, p. 263.88 Ibidem, 264.89 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 111.

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considerada como um fim que deve ser alcançado de modo que afete o menos

possível a pessoa. O Princípio da Proporcionalidade é inerente ao Estado

Democrático de Direito.90

É o Princípio da Proporcionalidade que permite o sopesamento dos

demais princípios e dos direitos fundamentais, compatibilizando os interesses

envolvidos. Alexy assevera que não pode haver uma adequada dogmática de

direitos fundamentais, sem a teoria dos princípios. 91

Dessa forma, pode-se perceber que os princípios devem revelar os

valores básicos de uma sociedade. Norberto Bobbio ensina que ao lado dos

princípios gerais expressos há os não expressos, aqueles que se podem tirar por

abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais. 92

Celso Antonio Bandeira de Mello assim define princípio, verbis:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposiçãofundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes oespírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, noque lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dosprincípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes dotodo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio émuito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma deilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípioatingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversãode seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço ecorrosão de sua estrutura mestra. 93

Canotilho considera os princípios como a alma da Constituição, e os

classifica em: 1) Fundamentais; 2) Politicamente Conformadores; 3) Os Impositivos;

4) Garantistas. Os Fundamentais são aqueles que são introduzidos na consciência

jurídica e exercem importante função de fundamentar a Ordem Jurídica em que se

90 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: LúmenJúris, 2002, p. 96.91 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 25.92 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia. Op. cit, p. 15.93 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo : RT, 1980, p.230.

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insere. Os Politicamente Conformadores são aqueles que explicitam as valorações

políticas fundamentais do legislador constituinte. Os Impositivos são os que

determinam aos órgãos do Estado a realização de fins e tarefas e, finalmente os de

Garantia, que estabelecem a forma direta e imediata de uma garantia para fazer

prevalecer o direito para o cidadão. 94

A Corte Constitucional Italiana define princípios como sendo

orientações e diretivas de caráter geral e fundamental, coordenadas e extraídas

racional e sistematicamente das normas em um determinado momento histórico a

formarem todo o tecido do Ordenamento Jurídico. 95

Os quatro primeiros artigos da Constituição Brasileira vêm tratando dos

princípios fundamentais. Os princípios exercem pelo menos três funções no Direito:

função fundamentadora da Ordem Jurídica, função orientadora do intérprete, função

de fonte subsidiária. A função fundamentadora, enquanto valor, fundamenta a

Ordem Jurídica na qual está inserido o princípio. 96 São idéias básicas para o direito

positivo e para a operação de interpretação, ainda elemento integrador de lacunas.

Paulo Bonavides considera como a viga mestra do sistema. 97

O Supremo Tribunal Federal vem absorvendo a dimensão de

funcionalidade dos princípios e, bem de ver, o voto do Ministro Celso de Mello,

proferido na PET-458/CE, cujo julgamento deu-se em 26-02-1988, verbis:

O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se comodever inderrogável do poder público. A ofensa do Estado a esses valores -que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papelsubordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos-introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo,a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmentedesiguais entre indivíduos e o poder. 98

94 CANOTILHO, J.J.G. Direito Constitucional. 6a. Ed., Coimbra: Almedina, 1993, p.170-174.95 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 230.96 Ibidem, p. 232.97 Ibidem, p. 265.98 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Petição 458-CE. Relator Ministro Celso de Mello. Brasil : DiárioOficial, publicação em 26 de fevereiro de 1988. Disponível em www.stf.gov.br, acesso em 05.07.2005.

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Função orientadora do intérprete é o ponto de partida e guia na

perquirição do sentido das normas. 99 Quando a regra admitir mais de uma

interpretação, deve ter prevalência aquela que mais se afinar com os princípios.

Mas, se restringir ou estender seu significado, admite-se que possa proceder a

interpretação extensiva ou restritiva, a calibrar o alcance da regra com o princípio.

Entretanto, na ausência de regra específica, caracterizando-se, pois, a lacuna, e na

busca da solução, eis que Ordenamento inadmite um non liquet, deve pautar-se a

interpretação pelos princípios. 100

O art. 4º. do Decreto- Lei nº. 4.657, de 04 de setembro de 1942, (Lei

de Introdução ao Código Civil) serve de sustento à tese de utilização dos princípios

como fonte subsidiária do sistema quando dispõe que nos casos em que a lei for

omissa o juiz decidirá utilizando-se da analogia, dos costumes e dos princípios

gerais do direito, como elementos integradores do Ordenamento Jurídico.101

Na esfera jusconstitucional, os princípios encabeçam o sistema,

guiando e fundamentando as demais normas, sendo mesmo fonte primária do

direito. 102

A Teoria dos Princípios é um mecanismo antes de tudo colocado pelo

legislador constitucional à disposição do intérprete e aplicador da lei em face de sua

maior abstração e abertura, na medida em que ocorrendo as transformações sociais,

as interpretações vão se adaptando às transformações políticas, transcendendo a

literalidade, atualizando a interpretação sem mudar o texto normativo.103

Dentro da análise, é pertinente lembrar que assim ocorre na Suprema

Corte Norte Americana em relação à Constituição. É que aquela Corte, em

99 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit, p. 04.100 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 183.101 ROCHA, José Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 47.102 BONAVIDES, Paulo, Op. cit., p. 263.103 Ibidem, p. 07.

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sucessivas ocasiões, entendeu que o racismo era legal, por exemplo, no caso Dred

Scott versus Sandford, julgamento ocorrido em 1857, negando a condição de

cidadão a um escravo. Numa outra ocasião, contudo, já em 1896, numa segunda

fase de observação do assunto, no caso Plesse versus Ferguson, a Corte adotou a

doutrina do equal, but separate, que consistia em reconhecer o negro como igual,

mas admitindo a convivência separada. Na terceira fase de apreciação do mesmo

assunto, no caso Brown versus Board of Education, decidido em 1954, a mesma

Corte interpretando a mesma Constituição, deu pela inconstitucionalidade da

segregação racial de estudantes negros nas escolas públicas.104

Jürgen Habermas pretende a interpretação dos direitos fundamentais a

partir da teoria do discurso. O princípio do discurso, entendido como princípio da

democracia, deve ser considerado da seguinte forma: são válidas as normas de

ação nas quais todos os possíveis atingidos podem dar o seu assentimento na

qualidade de participantes racionais. 105

Assim é na visão de Habermas, sob o argumento de que o direito não

somente exige aceitação, mas verdadeiro reconhecimento de seus endereçados.

Para a legitimação do ordenamento estatal representado na forma da lei, é

necessária a fundamentação desenvolvida pela argumentação e do discurso para

que chegue a pontos de vista comuns, num processo democrático e comunicativo,

com o reconhecimento dos direitos subjetivos, desobrigando ao titular do direito a

vinculação aos mandamentos morais ou a qualquer outra restrição que não seja

aquela estabelecida na lei pelo processo democrático. 106

É que, enquanto a moral abrange a todas as pessoas naturais, sem

104 MORAES. Maria Celina Bodin de. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 10.105 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Tradução de FlávioBeno Siebenei Ghler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p.142.106 Ibidem, p. 69.

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limites, o universo jurídico localizado no espaço e tempo rege seus membros na

proporção em que assumem uma condição de portadores artificiais de direitos

subjetivos.107

1.2.2 - Conflito entre Regras e Colisão de Princípios

O conflito entre regras denomina-se antinomia, que significa dizer a

existência de uma incompatibilidade entre ambas dentro de um mesmo ordenamento

jurídico e validade que conduzirá a eliminação de uma delas desse mesmo sistema,

por uma escolha do intérprete.108

A colisão entre princípios levará à análise e ponderação do peso e

importância de cada um dentro da situação concreta, eis que um não se sobrepõe

ao outro, uma vez que tem a mesma dignidade hierárquica, não implicando na

eliminação do mesmo da ordem jurídica, como acontece com as regras, mas tão

somente o afastamento pelo intérprete de um para aplicação de outro que se

encontre em testilha, vetorizado na real intenção do sistema jurídico, numa opção

teleológica de critérios políticos e sociais.109

A atribuição de peso e importância, no entanto, não é faculdade

discricionária do intérprete e aplicador, eis que esse está vinculado ao sistema geral

que emerge da Ordem Jurídica, notadamente da Constituição, com a observação

dos aspectos lingüísticos, sistemáticos e funcionais.110

Como se percebe então, os princípios servem para dar atualidade à

norma, colaborando com sua interpretação, pois a maneira de interpretá-los evolui

com o tempo, atualizando os valores.

107 HABERMAS, Jürgen, Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade, Op cit, p. 70.108 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Op. cit, p.93-94.109 GRAU, Eros Roberto. Op. cit, p 194.110 Ibidem, p. 196.

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1.2.3 Da Dignidade da Pessoa Humana

José Afonso da Silva, na abordagem sobre a dignidade da pessoa

humana, diz que esse princípio dá seqüência hierárquica aos preceitos de respeito à

integridade física e psíquica das pessoas, pela consideração dos pressupostos

materiais mínimos para o exercício da vida e respeito pelas condições de liberdade e

convivência social igualitária. 111

Ingo Wolfgang Sarlet diz que a dignidade da pessoa humana, na

condição de valor-fonte, (princípio normativo), atrai o conteúdo dos Direitos

Fundamentais e pressupõe o reconhecimento, a garantia e a proteção dos direitos

em todas as dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os

Direitos Fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando a

própria dignidade, que é um pressuposto do Estado Democrático de Direito

Brasileiro. 112

Afirma ainda este Autor que a dignidade da pessoa humana deve ser

considerada na pessoa em sua individualidade, que a faz merecedora de respeito e

consideração por parte do Estado e da Comunidade, no que implica exatamente em

um complexo de direitos e deveres fundamentais contra todo ato aviltante,

degradante, desumano e a garantia de uma existência dentro de condições mínimas

para uma vida saudável e a compartilhar a própria existência com os outros seres

humanos. 113

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, seguindo a

orientação mundial, pela primeira vez, estabelece como fundamento da República

Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) que, segundo

111 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. Cit., p. 96.112 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 87.113 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988, Op. Cit,, p. 62.

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Alexandre de Moraes, consagra uma dupla concepção: a) um direito individual

protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos

e (b) um dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes,

expresso pela exigência do indivíduo em respeitar a dignidade de seu semelhante,

da mesma forma que a Constituição exige que a respeite. 114

Ingo Wolfgang Sarlet, em relação à dupla concepção da dignidade,

assevera ser na verdade limite e tarefa dos poderes estatais e da mesma forma da

comunidade como um todo, entendido como responsabilidade de todos e de cada

um ao mesmo tempo numa dimensão defensiva e prestacional da dignidade que por

dizer respeito a direitos humanos constitui-se, ao mesmo tempo nessa dúplice visão

de limite e tarefa de todos perante cada um. 115

A dignidade da pessoa humana é algo que não pode ser perdido nem

alienado, e que se constitui no limite do poder público. É tarefa imposta ao Estado,

que deve desenvolver ações para a fruição, exercício e preservação da dignidade,

posto que se questione até que ponto pode a própria pessoa realizar ela própria,

absoluta ou parcialmente as suas necessidades existenciais básicas, ou se para

tanto dependerá da atividade prestacional do Estado e da própria comunidade em

que vive.116

A dignidade resguarda o mínimo existencial, levando-se em conta a

circunstância do ser humano, impedindo o seu ultraje, ainda que se trate de um

criminoso, de modo que a Constituição Pátria veda, expressamente, a pena de

morte, prisão perpétua, banimento, tortura e penas cruéis (Art. 5º, Incisos XLVII e

XLVIII).

114 MORAES, Alexandre. A Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo : Atlas, 2002, p. 129.115 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. Op. cit., p. 47-48.116 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana, Op. cit., p. 49.

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É importante destacar que a base de justificação dos Direitos

Fundamentais não se encontra apenas no Direito Positivado, mas fundamentação

filosófica, política e jurídica nos fatos da vida, e seus desdobramentos diretamente

relacionados aos seus membros (as pessoas) e suas circunstâncias fáticas, tendo

como alicerce ou pilar a dignidade da pessoa humana.117

Alexy, discorrendo sobre a questão dos direitos fundamentais, diz que

estes podem ser observados mediante teorias diferentes, entre elas, pela teoria

histórica, que serve para explicar o surgimento dos direitos fundamentais, a teoria

filosófica que busca sua fundamentação, a teoria sociológica que investiga as

funções dos direitos fundamentais no contexto social. 118

1.2.4 – Garantias Constitucionais

Os direitos fundamentais resultariam inócuos, contudo, se não fossem

assegurados por garantias a tutelar tais direitos. São as chamadas garantias

constitucionais a conferir-lhe a efetividade, eis que a simples afirmação desses

direitos não significa a sua intangibilidade, eis que podem ser violados, sendo

indispensáveis medidas que os tornem plenamente exeqüíveis. Assim, se alguém

tem por ameaçado, por exemplo, o direito constitucionalmente assegurado de ir e vir,

o instituto do habeas corpus é o remédio que se utiliza quando esse direito é

ilegalmente violado, ou ainda, da mesma forma quando subtraído o direito ao devido

processo legal e imposta determinada decisão judicial ou administrativa, de

constrição de determinado bem sem que tenha a pessoa feito parte da relação

processual, podendo ser aplicado o remédio do mandado de segurança, por atingir

117 SARMENTO, Daniel, A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no DireitoComparado e no Brasil in BARROSO, Luiz Roberto, Org. A nova Interpretação Constituciona:Ponderação, Direitos Fundmaentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro- São Paulo: Renovar, 2003.,p. 30.118 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 27.

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direito líquido, certo e exigível, reconhecido e positivado na Constituição Federal, ao

processo justo, com paridade de partes, com o direito ao devido processo legal e

seus desdobramentos, ampla defesa e os recursos à mesma inerentes. Trata-se de

proteção subjetiva das liberdades.119

Importante considerar que os direitos e garantias fundamentais

positivados na Constituição não são ilimitados. Não é porque detêm o status de

fundamentais que podem ser contrapostos de forma irrestrita nem absoluta contra

quaisquer outros interesses. Afinal, pode acontecer um choque de interesses entre

pessoas que detenham todos os direitos fundamentais frente ao caso concreto.

Tanto ao legislador quando ao titular são impostos limites: de um lado, o correto uso

das liberdades e do outro, não conceber o abuso que viesse a comprometer o

exercício dos direitos fundamentais.120

Assim, se ocorresse tal choque entre detentores de direitos comuns,

ainda que constitucionalmente assegurados, a solução seria simples: dar-se-ia

precedência aos detentores dos direitos fundamentais. Mas como resolver a questão

quando o choque se dá entre detentores de direitos fundamentais? A solução reside

na via interpretativa, por meio da qual será necessário reduzir o âmbito de alcance

de um dos direitos fundamentais à vista do outro, que possa ser considerado ainda

mais fundamental.

Por exemplo, o direito à vida e à liberdade são ambos direitos

fundamentais, mas não resta dúvida de que aquele é mais fundamental que este.

Assim, o direito à liberdade terá que ser mitigado se entrar em choque com o direito

à vida. Mas nem mesmo o direito à vida é ilimitado, em caso de guerra externa, por

exemplo, é cabível, no sistema brasileiro, a pena de morte, o que configura uma

119 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit., p. 42.120 Ibidem, p. 27.

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clara restrição a esse direito, assim como há o permissivo legal de se tirar a vida de

outrem se em legítima defesa. 121

Mas, afinal, quais são os direitos e garantias fundamentais? Em

primeiro lugar, aqueles assim agrupados no título próprio da Constituição Federal,

quais sejam: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade

e direitos políticos. Também, outros direitos esparsos pela Constituição Federal e

que possam ser considerados como fundamentais, e ainda há aqueles que nem

sequer figuram expressamente na Constituição, mas que emanam dos princípios

adotados por nosso povo, além de outros, ainda, reconhecidos em tratados

internacionais assinados pelo Brasil. Isso porque os direitos e garantias expressos

na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil

seja parte (art. 5º, § 2º).

O Constituinte pátrio inspirou-se na Lei Fundamental da Alemanha e

também na Constituição Portuguesa de 1976 para a elaboração da dogmática

jurídica dos direitos fundamentais, excluindo os termos que existiam

tradicionalmente no Brasil, dentro do texto constitucional anterior, que falava em

Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros . 122

Há distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos. Os

direitos fundamentais são aqueles positivados no direito constitucional positivo de

um Estado, e os direitos humanos relacionam-se com os documentos de direito

internacional. 123

Habermas afirma que os direitos fundamentais se manifestam como

direitos positivos de matiz constitucional, não sendo mera expressão de direitos

121 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit ,p. 28.122 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p. 35-36.123 Ibidem, p. 37.

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morais. 124

Os direitos fundamentais estão assegurados na Constituição pátria e

os instrumentos para assegurar sua efetividade e respeito também estão

assegurados na própria Carta. O direito à tutela jurisdicional é uma garantia

processual e ao mesmo tempo um direito fundamental. A garantia da tutela pelo

Poder Judiciário enseja oportunidade de interposição de medidas judiciais para fazer

valer os direitos fundamentais. O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem de

1789 consigna que Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é

assegurada... não tem Constituição.” 125

A tutela jurisdicional se desenvolve a partir da provocação ao judiciário

pela via do acesso ao judiciário para receber a resposta sobre o pedido formulado,

tanto envolva uma relação entre os particulares quanto esses e o Estado. A garantia

de acesso à justiça está prevista no art. 5º. Inciso XXXV da Constituição da

República de 1988.126

O instrumento para o exercício dessa tutela é o processo, que é

legitimado por linhas-mestras estabelecidas pela própria Constituição mediante a

imposição de sanção em decorrência da não observância dos preceitos

fundamentais, consistindo em verdadeira garantia para a efetivação e eficácia dos

direitos.127

Assim é que a própria Constituição estabelece alguns princípios

direcionados ao desenvolvimento do processo seja na matéria constitucional ou

124 HABERMAS, Jügen. Direito e Democracia...Op. cit.. 42.125 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo. In Novos EstudosJurídicos Revista Trimestral do Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Ciência Jurídica daUNIVALI. Santa Catarina : UNIVALI, 1995, p.14.126 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo. In Novos EstudosJurídicos Revista Trimestral do Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Ciência Jurídica daUNIVALI. Santa Catarina : UNIVALI, 1995, p.14127 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil 15ª ed. São Paulo :Malheiros, 2005, p. 214.

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qualquer outro tipo de conteúdo, seja cível, penal, trabalhista, que são os seguintes

princípios: o devido processo legal, a inafastabilidade do controle jurisdicional, o da

igualdade, da liberdade, do contraditório e ampla defesa, juiz natural, publicidade e o

duplo grau de jurisdição, além da exigência técnica da motivação das decisões,

como projeção do princípio do due process of law.128

1.2.5 A Garantia do Devido Processo Legal

O art. 5º. Inciso LIV da Constituição da República estabelece a garantia

do devido processo legal, colocando a salvo o cidadão jurisdicionado de que não

padecerá privação de sua liberdade nem de seus bens sem que possa submeter-se

ao devido processo legal, aí inserido o direito do contraditório e da produção da

ampla defesa, que se desdobra na interposição de recursos a tribunais superiores,

caso as decisões de órgãos inferiores não atendam as suplicas aduzidas, não

podendo, ainda, ser atingido por qualquer decisão da qual não tenha sido parte ou

da qual não tenha o direito de manifestação.129

O devido processo legal implica como que na atração de todos os

demais princípios e garantias constitucionais do processo civil, posto que o devido

processo legal envolve a oportunidade e o desenrolar das práticas amparadas pelos

demais princípios norteadores do processo, a inafastabilidade do controle judicial,

da igualdade entre as partes, do juiz natural, garantia do contraditório, da ampla

defesa, da liberdade, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de

jurisdição, e ainda da exigência técnica da motivação das decisões judiciais.130

A técnica da Motivação traduz um corolário do princípio do Estado

Democrático de Direito, fazendo com que o Juiz tenha que, ao proferir uma decisão,

128 DINAMARCO, Cândido Rangel, Op. Cit., p. 216.129 Ibidem, p. 264.130 Ibidem, p. 265.

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dizer o porquê, os fundamentos, as razões que conduziram ao desfecho, que poderá

gerar efeitos na esfera de direito de um jurisdicionado, servindo de entrave à prática

da arbitrariedade. 131

A motivação das decisões dos atos judiciais serve para dar

transparência e possibilitar o controle pelas partes e pela sociedade, configurando-

se, na verdade, num verdadeiro discurso explicativo de modo a dar validade à

decisão dentro de um vértice racional que seja reconhecido e aceito dentro da

comunidade onde é aplicada e no seu momento histórico vivenciado.132

Todos estes mecanismos que se desenvolvem no devido processo

legal tem como propósito último a promoção de um processo justo, que possa em

todo o seu curso ensejar a paridade das armas ou meios a serem utilizados pelas

partes numa performance equilibrada. 133

Para viabilizar a garantia efetiva dos direitos humanos e fundamentais,

há também ampla possibilidade de acesso às Cortes Internacionais, uma vez que

esses direitos estão consagrados em quase todos os países do mundo e existem

sistemas supranacionais para possibilitar a sua eficácia e exercer o seu controle,

como a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos

Humanos, por exemplo.134

Pode-se concluir então que a garantia a esses direitos fundamentais

viabiliza-se através de determinados remédios que a própria Constituição

disponibiliza para efetivar a provocação do Estado através do Poder Judiciário, com

o propósito de resguardar, corrigir, reparar ilegalidades ou abuso e ainda fazer

131 DINAMARCO, Cândido Rangel, Op. Cit., p. 197.132 TARUFFO, Michele. La Motivatione Della Sentenza Civile. Vol. 14. Itália: Cepam Padova, 1975, p.118.133 TARUFFO, Michele, Op.cit. 266.134 GRECO, Leonardo, Novos Estudos Jurídicos – Revista Trimestral do Curso de Pós-GraduaçãoStrictu Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI. Op. cit., 1995, p.13.

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cessar constrangimento a direitos humanos e fundamentais. Esses remédios são

denominados de garantias constitucionais, sendo certo que alguns desses não

necessariamente precisam ser formulados perante o judiciário, como é o caso do

direito de petição e de certidão perante a administração pública, só sendo

necessária a via judicial caso seja negado o direito pretendido perante a

administração. Outros, entretanto, como o Mandado de Segurança, o Habeas

Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, a Ação Popular, são ações

constitucionais que devem ser exercitadas perante o Judiciário.

Nesse fio de idéia, constata-se que o direito processual é instrumento

de grande importância para efetivação das garantias e efetivação dos direitos

fundamentais e não se separa da Constituição, eis que, mais que um instrumento

técnico, revela-se um verdadeiro instrumento ético de efetivação dessas garantias

até porque como ramo do Direito Público, o Direito Processual finca seus

fundamentos na própria Constituição e no Direito Constitucional, fixando a estrutura

de seus Órgãos, na medida em que através dos mesmos o Estado deverá cumprir a

sua obrigação de distribuição de Justiça, estabelecendo, para tanto, também a

dimensão dos poderes dos juízes, a subordinação à jurisdição, o direito de ação e

de defesa, seus modos de exercício, o duplo grau de jurisdição e outros, assim como

a função do Ministério Público e a assistência judiciária. 135

Todas essas garantias estão inseridas na própria Constituição, mas, de

todo modo, a superioridade da Constituição é a maior garantia do jurisdicionado que,

além de elencar os meios para proteção dos direitos fundamentais, que podem ser

utilizados pelos interessados prejudicados, envolve todo o Poder Judiciário nesta

tarefa quando prevê um sistema concentrado e um sistema difuso de controle da

135 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. SãoPaulo: Bushatsky, 1975, Apresentação, e p. 4-5.

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constitucionalidade, na forma dos artigos 102, Inciso I Letra “o” e o art. 5º. Inciso

XXXV da Constituição da República, adotando o sistema misto, numa conjugação do

sistema americano, que é difuso, com o sistema europeu que é concentrado. 136

O art. 60, § 4º. Inciso IV, da Constituição da República impede a

proposta de emenda à Constituição que vise abolir os direitos e garantias

individuais, consubstanciando-se em núcleo intangível e mesmo esfera protetiva e

garantidora eficaz dos direitos fundamentais, ostentando, portanto dignidade de

Cláusula Pétrea.137

O Processo é influenciado por fatores históricos, sociológicos e

políticos, assim como a própria Constituição que se interpreta mediante a

observação dessas forças.138

O Direito Processual é de grande importância para a garantia dos

direitos, notadamente o Direito Processual Constitucional, para a tutela de direitos

fundamentais.139 E assim é porque de nada valeriam as liberdades dos indivíduos se

não pudessem estes proceder a reivindicações e até mesmo defenderem-se perante

os Tribunais, estes que têm efetivamente a atribuição de concretizá-los.140

1.3 MECANISMOS CONSTITUCIONAIS DE GARANTIA

As garantias dos direitos humanos e fundamentais são objeto do

Direito Processual Constitucional, que trata dos institutos processuais de tutela

constitucional dos direitos fundamentais, dos conflitos entre órgãos do Estado e de

136 SCHAFER, Jaio Gilberto. Direitos Fundamentais: Proteção e Restrições.Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2001, p. 56.137 Ibidem, p. 49.138 Ibidem, p. 06139 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit p.6.140 CAPPELLETTI, Mauro. Diritto di Azione e di Difesa e Funzione Concretizzatrice dellaGiurisprudenza Costituzionale, in Giurisprudenza Cost;. 1961, p. 1284.

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tutela dos princípios e normas da própria Constituição. Destacam-se entre elas o

Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Mandado de Injunção, o Habeas Data,

a Ação Popular, chamadas ações constitucionais típicas apropriadas para assegurar

o gozo dos direitos violados ou que estejam na iminência de serem violados, ao lado

das ações de controle judiciário de constitucionalidade das leis. 141

1.4 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PERANTE O ESTADO E

PERANTE OS PARTICULARES

O § 1º do art. 5º. Da Constituição da República, de cunho

principiológico, impõe que os órgãos estatais e os particulares outorguem a máxima

eficácia e efetividade aos direitos fundamentais, enquanto considerados como

mandados de otimização ordenadores de que sejam concretizados na maior medida

possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais. 142

A outorga dos direitos fundamentais de aplicação imediata no Brasil,

que vincula diretamente tanto ao Estado quanto aos particulares, a teor do § 1º. do

art. 5º. da Constituição, guarda relação com a assimetria social que constitui o

tecido populacional numa desigualdade real que exige do legislador, do aplicador e

intérprete do direito especial esforço para equilibrar as relações, atento a princípios

como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana e da função social

da propriedade e nessas condições implementar a aplicação imediata. 143

A eficácia da norma jurídica deve ser entendida como sua capacidade

141 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.,.p.7-8.142 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit, p.373143 TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os Chamados Microssistemas e a Constituição: premissaspara uma reforma legislativa. In TEPEDINO, Gustavo, (Organizador), Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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de realização das metas inseridas na mesma pelo legislador. 144

Canotilho destaca, no complexo assunto da vinculação direta e

horizontal dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas, um ponto que

não pode deixar de ser analisado, que é justamente a desigualdade em face da qual

deve ser resguardado um núcleo irredutível pessoal, que de forma alguma pode

deixar de ser considerado. 145

Assim é porque a circunstância social pátria recomenda a adoção da

vinculação direta dos direitos fundamentais às relações privadas entre os

particulares, sem mediação legislativa, como quis o legislador constitucional, em

face de preocupação com a exploração de pessoa a pessoa, em que faz todo

sentido que as entidades privadas devam respeitar de forma direta os direitos

garantidos constitucionalmente a teor do artigo 5º, § 1º. da Constituição Federal.

Em face de ser o Brasil uma sociedade muito injusta e assimétrica, na

qual ainda vivem abaixo da linha da pobreza mais de 54 milhões de habitantes, e 15

milhões abaixo da linha da miséria, segundo estatísticas, patente a desigualdade

social que nem mesmo precisa ser averiguada, com instituições e pessoas que

preservam o ranço escravocrata, apresenta-se um cenário em que se justifica a

tutela dos direitos fundamentais nas relações privadas para banir a opressão, a

exploração e a violência, elementos da realidade social que serviram para que

direitos fundamentais, na esfera jurídico-privada e no ordenamento pátrio, fossem

estabelecidos de forma direta e imediata, numa escolha feita pelo próprio

Constituinte.146

No Brasil, há sempre a vinculação direta dos direitos fundamentais aos

144 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas constitucionais. 6. ed., 3ª Tiragem. São Paulo:Malheiros, 2004, p.66.145 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Edição. Coimbra : Almedina, 1992, p. 612.146 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais...Op. cit, p. 247.

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particulares, haja ou não desigualdades de forças nas relações jurídicas. As

empresas e também as pessoas individualmente têm o dever de sujeitar-se ao

respeito e observância dos direitos fundamentais. 147

Ingo Wolfgang Sarlet, sobre o assunto, manifesta-se favoravelmente

pelo reconhecimento da eficácia dos direitos fundamentais frente ao particular, mas

observando que a solução para a questão deve ser feita através da ponderação com

a observância do princípio da autonomia privada do particular. 148

Gustavo Tepedino também comunga com a idéia da eficácia direta dos

direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas, na vertente da humanização e

solidarização do Direito Civil, tendo como pilar a dignidade da pessoa humana. 149

Portanto, os direitos fundamentais se projetam e têm eficácia não só

perante o Estado, mas também perante os particulares verificando-se que seus

conteúdos materiais vinculam-se à dignidade da pessoa humana. A expressão

dignidade da pessoa humana encontra-se colocada na Constituição de uma forma

semântica, aberta à interpretação para que possa ser preenchido o seu real

significado no momento da concretização. 150

Vale transcrever a Ementa do Acórdão proferido no Recurso

Extraordinário nº. 158215-4/RS, proferido pela 2ª Turma, cujo Relator foi o Ministro

Marco Aurélio, enfocando o direito fundamental previsto no art. 5º, Inciso LV da

Constituição da República ao devido processo legal:

147 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares...,Op. cit, p. 256.148 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais...Op. Cit., p. 152,153 .149 TEPEDINO, Gustavo. . O Código Civil, os Chamados Microssistemas e a Constituição: premissaspara uma reforma legislativa. In TEPEDINO, Gustavo, (Organizador), Problemas de Direito Civil-Constitucional Op. Cit., p. 49.150 BARCELOS, Ana Paula. A Eficácia dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade daPessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.198.

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COOPERATIVA-EXCLUSÃO DE ASSOCIADO- CARÁTER PUNITIVO-DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associadodecorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância dodevido processo legal, viabilizando o exercício da ampla defesa. 151

No Superior Tribunal de Justiça, pode ser exemplificado o caso que

envolveu o Habeas Corpus nº. 12.547-DF, cujo Relator foi o Ministro Ruy Rosado de

Aguiar, em que, embora a Corte não estivesse assumindo nenhum compromisso

com nenhuma das teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais na esfera

privada, assim restou ementada:

HABEAS CORPUS. Prisão Civil. Alienação fiduciária em garantia. PrincípioConstitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos Fundamentais aigualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra deinterpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil dadevedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra deum automóvel-táxi, que se elevou. Em menos de 24 meses, de R$18.700,00para R$ 86.858,24 a exigir que o total da remuneração da devedora, peloresto do tempo provável de vida, seja consumido com o pagamento dosjuros. Ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual e aosdispositivos da LICC sobre o fim social da lei e obediência aos bonscostumes. Artigos 1º.,III, 3º., 5º. Caput da CR. Arts. 5º. E 17 da LICC. DL911/67. Ordem deferida. 152

O Ministro Relator, na análise da questão, abordou as teorias da

eficácia direta e indireta os direitos fundamentais e manifestou-se em favor da

eficácia direta e horizontal dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas,

dando realce, entretanto, que a discussão ou aplicação das teorias, uma ou outra,

no caso, seria prescindível, eis que patente a possibilidade de aplicação direta do

princípio da dignidade da pessoa humana, a cláusula geral do art. 17 da Lei de

Introdução ao Código Civil sobre Ordem Pública e Bons Costumes, a norma de

hermenêutica que recomenda aplicação da lei aos fins sociais. A eficácia dos direitos

fundamentais nas relações privadas se aplica às restrições neste trabalho

abordadas, uma vez que os particulares são igualmente detentores de direitos

151 Disponível no site www.stf.gov.br. Acesso em 05.07.05.152 Disponível no site www.s.tj.gov.br. Acesso em 05.07.05.

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fundamentais, sendo necessária à ponderação, ao efeito de solução da colisão dos

mesmos, de uma análise do caso concreto, exercício que recairá ao intérprete e

aplicador da lei.153

1.5 SIGNIFICADO E ALCANCE DO ART. 5º, §2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A inspiração para a elaboração do conteúdo do art. 5º, §2º, da

Constituição Federal veio do próprio Direito Constitucional pátrio Republicano, de

1891, que por sua vez teve base na IX Emenda Constitucional dos Estados Unidos

da América. A IX Emenda da Constituição dos EUA contém regra de interpretação

para aplicação em caso de omissão de previsão formal do texto constitucional de

modo que a sua ausência não implica a impossibilidade do reconhecimento de um

direito fundamental, uma vez que não é exaustivo o catálogo constitucional. 154

O art. 5º, §2º, da CRFB/88 tem caráter conceitual aberto dos direitos

fundamentais positivados em outras partes da Constituição e até mesmo em

tratados internacionais e convergindo para a possibilidade de reconhecimento de

direitos fundamentais não escritos, implícitos ou decorrentes do catálogo e do

regime e princípios constitucionais. 155

Os direitos implícitos, aparelhados aos direitos individuais explícitos,

podem ser compreendidos como aqueles que estão subentendidos e não

enumerados nas garantias fundamentais dos direitos individuais decorrentes do

regime e dos tratados internacionais. 156

A Constituição Pátria, ao referir-se a direitos decorrentes do regime e

153 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares. Op. cit, p. 271.154 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos 0Fundamentais. Op. cit, p. 97.155 Ibidem, p. 83.156 SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. Cit. p. 38.

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dos princípios, estabelece a abertura para reconhecimento de direitos fundamentais

não-escritos, abrangendo, portanto, os não positivados, estando aí entendidos os

direitos implícitos, em face da abertura do art. 5º, § 2º, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, conferindo função hermenêutica à atribuição da noção

de direitos implícitos. 157

Assim é porque nem a Constituição nem outro texto pode especificar

todos os direitos, ou mencionar todas as liberdades. As leis ordinárias, a própria

doutrina e a jurisprudência, os tratados internacionais, vão completando o sistema.

Entretanto, nenhuma inovação se admite que seja antagônica ao regime, nem aos

princípios firmados pela Constituição. Do que pode-se inferir que é constitucional

não somente o que está escrito na Constituição mas assim também tudo o que pode

ser deduzido do sistema, e de forma universal aqueles expressos nos tratados

internacionais dos quais o Brasil faça parte.”.158

Para identificação desses direitos implícitos, decorrentes das garantias

e direitos individuais e dos princípios, há que ser considerado que a Constituição

pátria, no Título I, art. 1º. a 4º. trata dos princípios fundamentais e assenta seu

alicerce básico do Estado Social e democracia de Direito da República Federativa,

serve de bússola norteadora para o alcance das expressões “regime” e “princípios”,

uma vez que, compatibilizados com o sentido dos direitos do catálogo de direitos

fundamentais, eis que os direitos integrantes do catálogo e os que não são, sejam

escritos ou não, guardam relação com os princípios fundamentais da Constituição.

Por exemplo, o direito à vida relaciona-se diretamente com a dignidade da pessoa

humana, os direitos políticos relacionam-se com o princípio democrático. 159

157 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Op. cit, p. 99.158 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16. edição. Rio de Janeiro : Forense,1997.p. 175.159 Ibidem, p 106.

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O art. 1º, Inciso III da Constituição que abriga a dignidade de pessoa

humana como fundamento do Estado Democrático de Direito é o valor unificador de

todos os direitos fundamentais, e, serve também para legitimar o reconhecimento

dos direitos fundamentais implícitos. 160

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca ao ser

humano, sendo irrenunciável, inalienável, não pode ser retirada, pois lhe é inerente,

ensejando a faculdade de autodeterminação de cada um. É a capacidade de tornar-

se consciente de si mesmo e de autodeterminar-se. 161

O legislador ao referir-se a regime e princípio , deixou abertura à

garantia e reconhecimento de outros direitos que a evolução e o tempo revelassem,

consagrando, portanto, o princípio da eqüidade e da construção jurisprudencial ,

informadores do direito anglo-americano, presentes também, no sistema jurídico

pátrio, entendido regime como forma de associação política, e os princípios da

Constituição, fontes geradoras de direito, além da lei. 162

Perez de Lüno, afirma que “a dignidade da pessoa humana constitui

não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas e

humilhações, mas, implica também, num sentido positivo o pleno desenvolvimento

da personalidade de cada indivíduo. 163

Sendo a Constituição, um código, tem de admitir-se que ela é um

sistema convencional em que a autoridade constituinte define, no essencial, as

condições de uso. As normas constitucionais entendem-se, assim, como

significantes prescritivos. 164

160 MAXIMILIANO, Carlos, Op. Cit, p. 107.161 Ibidem, p.115.162 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit, p. 99.163PEREZ LUNÕ ,Antonio E.. Derechos Humanos.stado de Derecho Y Constituición, 5ª. Edição.Madrid: Tecnos, 1995.p. 318.164 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente. Coimbra: Coimbra editora, 1983, p. 479-487.

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Essa maior proteção que imprimiu o Legislador Constituinte na Carta

de 1988 reafirma-se pela inclusão deste rol nas cláusulas pétreas do art. 60 § 4º. da

Constituição Federal, construindo um cinturão de proteção dos direitos fundamentais

em face de possíveis ações do Constituinte derivado.

Então, os direitos fundamentais podem ser organizados em três

grupos: a) o dos direitos expressos na Constituição; b) o dos direitos implícitos

decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Constitucional e c) o dos

direitos expressos nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil. 165

A Constituição Federal cita expressamente os brasileiros e

estrangeiros residentes no país (art. 5º, caput) como destinatários desses direitos. O

estrangeiro que esteja em visita ao país fica, portanto, ao largo dessa proteção

constitucional? A resposta é negativa. Temos, no caso, uma aparente lacuna na

redação constitucional.

Entre os destinatários incluem-se, na verdade, em uma interpretação

sistemática da Constituição Federal, os estrangeiros residentes ou não-residentes no

país, bastando apenas que estejam no território nacional. E as pessoas jurídicas?

Também, a doutrina entende que são destinatárias de todos os direitos

fundamentais a ela aplicáveis, pois protegê-las significa salvaguardar, em última

análise, as pessoas que estão por trás desses empreendimentos. 166

Os direitos fundamentais devem ser analisados à luz do princípio da

unidade da Constituição. 167

E, a compreensão desses direitos implica também na abordagem de

temas compartilhados como a filosofia jurídica e política. Em havendo conflito, como

165 HABERLE, Peter. A Sociedade Aberta dos Intérpretes.Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Sérgio Luiz Fabris, 1997, p.55.166 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op. Cit, p. 82-83.167 SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. Cit., p.86.

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já neste trabalho abordado, devem ser resolvidos mediante os mecanismos da

ponderação e harmonização dos princípios em pauta. 168

1.6 DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA

A integridade física e moral do indivíduo, como não poderia deixar de

ser, é preocupação externalizada em vários pontos da Constituição Federal. O texto

constitucional determina, a título de exemplo, que ninguém será submetido à tortura

nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III). Constitui crime de tortura

(Lei 9.455/97, art. 1º, caput): i) constranger alguém com emprego de violência ou

grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter

informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, para provocar

ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de discriminação racial ou

religiosa; ii) submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego

de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de

aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Logo se vê que a tortura

não se limita aos maus tratos físicos, sendo também assim considerada a grave

ameaça ou o que quer que cause sofrimento mental.

Os crimes dolosos contra a vida não são julgados por magistrados,

mas pela própria sociedade, através de representantes comuns do povo, como

previsto na Constituição da República, que institui o júri popular, com a organização

dada pela lei infra-constitucional, possibilitando que o acusado seja julgado pelos

seus pares, pessoas que tenham convivência no mesmo lugar, assegurados a

plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a

168 SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais.,Op. Cit., p. 86.

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competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII).

O direito à vida compreende um patamar adequado com a própria

condição humana, incluindo o direito à alimentação, vestuário, assistência médico-

odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais, inclusive o direito

ao meio ambiente saudável, o que deve ser garantido pelo Estado, respeitados os

princípios da cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho,

livre iniciativa, ressaltando-se, por importante, que tais direitos, inerentes à vida,

devem ser garantidos desde a concepção (vida intra-uterina) para efeitos de

promoção e proteção. 169

Assim deve ser considerado, inclusive, porque o art. 2º. da Lei nº.

10.406, de 10 de janeiro de 2.002 (Código Civil Brasileiro) diz que, verbis: A

personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a

salvo desde a concepção os direitos do nascituro . Tal previsão já existia na Lei nº.

3.071, de 01 de janeiro de 1916, cuja previsão encontrava-se no seu art. 4º.

O nascituro, devidamente representado pela mãe, pode ser parte no

plano processual, como autor ou réu. 170

A penalização do aborto (art. 124 do Código Penal) é, na verdade, um

meio de proteção à vida, antes mesmo do nascimento, considerando que a proteção

da vida inicia-se desde a concepção, sendo protegida não só extra, mas também

intra-uterina, excetuando-se, tão somente o aborto terapêutico, com vias a preservar

a vida da gestante quando não há outro modo e quando a gravidez resulta de

estupro. 171.

O Pacto de San José da Costa Rica, datado de 22-11-1969, ratificado

pelo Brasil em 25-9-1992, estabelecido pela Convenção Americana de Direitos

169 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit. p. 87-88.170 Ibidem, p. 89.171 Ibidem, p.90.

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Humanos, também se reporta à proteção da vida desde a concepção como consta

de seu artigo 4º, que diz que toda pessoa tem o direito a que se respeite a vida.

Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção.

Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 172

Não há direito subjetivo à morte. O direito à vida é um direito de

conteúdo positivo, de modo que o ordenamento jurídico-constitucional não admite a

eutanásia, ou seja, o direito de exigir a exterminação ou tirar a própria vida, sendo

esta prática do suicídio, previsto na legislação penal pátria como crime à indução ou

instigação ao suicídio, como do art. 122 do Código Penal. 173

1.7 RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Canotilho observa que a questão da restrição dos direitos é complexa

no direito constitucional, pois em havendo possibilidade de ocorrer colisão com

outros direitos e bens também constitucionalmente protegidos, há que ser feita a

ponderação de bens e a concordância prática entre esses bens. Nesse

procedimento poderá ocorrer uma limitação ou diminuição do âmbito material de

incidência da norma, estreitando o núcleo protegido, sem dúvida a interferir na

plenitude do direito fundamental. 174

Essas restrições podem ser de duas espécies: strictu sensu, ou

expressas na própria Constituição, ou ainda em leis infraconstitucionais com a

autorização da própria Constituição, e restrições imanentes, aquelas não escritas na

Constituição, mas decorrentes do seu sistema.

172 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit., p. 90.173 Ibidem, p.92.174 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Edição. Coimbra: Almedina, 1993, p. 601.

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Essa idéia decorre da necessidade de compatibilização dos direitos

antagônicos e esses frente aos bens coletivos, como observa Alexy.175

A liberdade de expressão e manifestação de pensamento é direito

fundamental previsto no artigo 5º. Inciso IV da Constituição da República, mas

recebe restrição quando veda o anonimato. A Inviolabilidade de domicílio

consagrada na Carta Magna encontra restrição quando possibilita o ingresso na

casa mesmo sem autorização do morador, em casos de Flagrante Delito ou desastre

em que é necessário prestar socorro a vítimas. A liberdade de associação sofre

restrição quando pretendida para fins paramilitar. O direito a propriedade sofre

restrição quando o Poder Público necessita de ocupar tal propriedade em caso de

iminente perigo público. E o direito à liberdade, limitado pela incidência de prisão em

caso de dívida por alimentos e depositário infiel. 176

Há previsão constitucional de restrição de direitos, também, por

ocasião do estado de defesa, como aos direitos de reunião, de sigilo de

correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica, a teor do art. 136, § 1º,

inciso I, letras “a” e “c” e, durante o estado de sítio, restringindo o direito de

locomoção, o sigilo das comunicações como a prestação de informação pela

imprensa, radiodifusão e televisão, o direito de reunião, a inviolabilidade de domicilio

e o direito de propriedade, na forma do art. 139.177

Hesse afirma que essas limitações têm a tarefa de coordenar e

garantir os direitos e liberdades, que não podem ser consideradas como ilimitadas

ou de uso indiscriminado de modo a afetar outros bens jurídicos de terceiros ou da

própria sociedade. Assim coordenados haverá possibilidade de maior âmbito de

175 ALEXY, Robert.,Op cit p.268.176 SCHAFER, Jairo Gilberto. Op. cit, p. 92-95..177 MENDES, Gilmar Ferreira.Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade:estudos de

direito Constitucional .3ª. Edição. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 29.

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eficácia de mais direitos de uns e de outros, como assim pensou o legislador

constitucional em relação à eficácia dos direitos fundamentais178.

Os direitos fundamentais, embora tenham eficácia imediata, para o

alcance de sua máxima efetividade social, não pode desprezar a organização e

adaptação à vida real, de modo a evitar o abuso e mesmo a violação dos direitos

fundamentais. 179

Canotilho afirma a possibilidade de restrições aos preceitos

garantidores de direitos e liberdades desde que sempre através da lei. 180

Dada a importância dos direitos fundamentais, a doutrina mais

moderna, considera que a restrição a determinados direitos não deve ater-se tão

somente à questão da reserva legal, mas ainda considerar a compatibilidade da

restrição com o princípio da proporcionalidade, a propósito de aferir a adequação

dos meios utilizados e os fins perseguidos, a necessidade ou exigibilidade de sua

utilização, como forma de evitar o excesso, a exorbitância e a desproporcionalidade

na aplicação da restrição, para salvaguarda dos direitos constitucionalmente

protegidos e a justeza da solução. 181

178 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional. Da República Federal da Alemanha. Tradu.De Luiz Afonso Heck. Porto alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 271.179 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de1976.2ª. edição. Coimbra: almedina, 2001, p. 405.180 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição.Coimbra: Almedina,1998., p. 1080.181 MENDES, Gilmar Ferreira.Op. Cit.,p. 49-50.

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CAPÍTULO II – A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

2.1 HERMENÊUTICA E CONSTITUIÇÃO

O estudo prévio da noção de Constituição torna-se fundamental para

se edificar uma teoria da interpretação.

É Hans Kelsen quem bem explica a superioridade hierárquica da

Constituição, reportando-se que a ordem jurídica é uma construção escalonada de

normas de diferentes níveis hierarquicamente colocadas, não estando todas no

mesmo plano. Mas, sua unidade resulta da conexão de validade de uma norma

estar de acordo com outra norma, uma servindo de base para a produção de outra

norma, pressupondo todas as normas fundamentais, que é o fundamento pelo qual

todas as normas encontram a sua validade de criação. 182

Para Kelsen, o direito é concebido como um sistema de normas que

retiram os seus fundamentos de uma norma superior. Esse aspecto do fundamento

da norma ser retirado de outra norma superior, denominada pelo mesmo como

hipotética ou fundamental, é a que valida todas as demais normas. Para Kelsen, não

há porque se questionar sobre valores que sustentam o direito, bastando visualizar

as regras para conhecer o direito. A norma fundamental de Kelsen possui um caráter

182 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed., tradução.de João Baptista Machado, Coimbra,Armênio Amado, 1979, p. 310.

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hipotético: suposta sua validade, podendo ser considerado válido o sistema jurídico

que sobre ela extrai o seu fundamento, entendido, portanto, que nesse aspecto está

radicada a soberania da ordem jurídica do estado, no contexto da unidade e da

validade do sistema escalonado ou hierárquico das normas. Mas, observa-se um

impasse em sua teoria, pois se a norma fundamental é um pressuposto de todas as

demais normas, não há lugar para o problema de seu fundamento. 183

A norma constitucional, segundo Cappelletti, é mais genérica e vaga,

nela inseridos conceitos justamente predeterminados a uma atuação criativa para

adaptar-se às mutações da vida e aos valores dela decorrentes enquanto questões

fáticas, sendo mesmo a concepção moderna da norma constitucional no sentido de

tentar previamente definir no direito positivo questões que assim não se pode fazer

de forma absoluta, em face de estar a sociedade moderna alicerçada no pluralismo,

com variedade de idéias, presente em todos os domínios. 184

Assim, a filosofia dos valores passou a fundamentar a ciência do

direito, consubstanciada pela axiologia jurídica. 185

A filosofia dos valores filia-se na Alemanha à Escola de Baden, onde

Radbruch foi representante, alicerçada na idéia de que são os valores que irão

permitir a distinção de fatos e personalidades históricas, o essencial e o não

essencial.186 Os valores podem não ser a realidade, mas estão nela inseridos, dando

significação e suporte aos fatos e à sua dinâmica, e o direito é o fato referido a

valores. 187

183 REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998 p. 167.184 CAPPELLETTI, Mauro, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado,tradução Aroldo Plínio Gonçalves, revisão, José Carlos Barbosa Moreira, 2ª. edição, Sérgio AntônioFabris Editor, Porto Alegre, 1992,p . 130.185 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 17ª. Edição. São Paulo:Saraiva, 2005, p. 47.186 RADBRUCH, Gustav. Filosófia do Direito. Tradução. Prof. L. Cabral Moncada. 6ª. Edição-Coimbra: Armênio Amado, 1997, p.p.14-19.187 RADBRUCH, Gustav. Op. cit. p.21.

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A interpretação constitucional envolve uma investigação e uma

mediatização semântica dos enunciados lingüísticos. 188

Habermas afirma que o que torna viável a razão comunicativa é o meio

lingüístico, através da linguagem natural usada pelos co-partícipes sociais no

mundo, viabilizada pela racionalidade lingüística que conduz ao entendimento.189

A comunicação viabilizada pelos sinais, a interpretação dos mesmos

pode ser considerada como marco central da lingüística. 190

Através do agir comunicativo pelo meio lingüístico, discutido entre os

participantes da sociedade pela via democrática, mediante argumentos e

justificativas plausíveis, expressam-se as pretensões de verdade. 191

Os argumentos podem ser aceitos e considerados válidos quando há

um intercâmbio com standards ou modelos construídos racionalmente de modo a

servir de alicerce aos mesmos, mas pode ser que sejam apresentados argumentos

que suplantem os modelos racionalmente já exercitados.192

A moderna concepção de organização social é composta por diversos

grupos sociais, econômicos, políticos, culturais, científicos que tentam implantar e

realizar suas concepções e seus modos de vida. Cabe salientar que tais grupos, por

vezes, se mostram conflituosos ou contraditórios e, dessa forma, indaga-se como

poderiam esses grupos conviver harmoniosamente nessa sociedade.

A Constituição brasileira é marcada por forte pluralismo e

corporativismo o que dificulta mais ainda o processo de interpretação.

As Constituições são feitas para perdurarem indefinidamente no tempo.

188 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit.. 1080.189 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. Tradução. Flávio BenoSiebenei Ghler. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Vol. I, p. 20.190 Ibidem, p. 32.191 Ibidem, p. 32.192 Ibidem, p. 57.

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Para tanto, são construídas, em sua grande totalidade, por termos imperfeitos,

incompletos, que comportam a dinâmica social. Assim, o sistema constitucional não

é caracterizado por ser cerrado ou auto-suficiente, mas ao contrário, aberto ao

mundo da vida, dinâmico, sujeito a evoluções que lhe permitam acompanhar as

mudanças nos projetos e valores vigentes na sociedade.

Assim, para o direito constitucional a importância da interpretação é

fundamental, pois, dado o caráter aberto e amplo da Constituição, os problemas de

interpretação surgem, com maior freqüência que em outros setores do ordenamento,

cujas normas são mais detalhadas. 193

Por mais simples e clara que seja uma norma jurídica, a sua aplicação

exige uma extração de seus signos, de seus termos, o seu sentido, a sua

interpretação. Há, sem sombra de dúvidas, dificuldades neste processo, de modo

significativo quando se trata de direitos fundamentais como a liberdade, a igualdade

a dignidade da pessoa humana, privacidade, no momento em que o aplicador tem

de proceder a questionamento jurídico, ético e político. Margarida Maria Lacombe

Camargo, nesse sentido diz que para nós, o direito apresenta-se jungido à própria

hermenêutica, uma vez que a sua existência, enquanto significação depende da

concretização ou da aplicação da lei em cada caso julgado . 194

A abertura semântica e estrutural não é defeito das disposições

constitucionais, mas virtude, porque decorre da natureza da Constituição como

ordenamento marco, como norma fundamental, como sistema normativo aberto de

princípios e regras, e da finalidade da Constituição, que é a de ser uma estrutura

normativa básica da sociedade com eficácia abrangente e duradoura. É a abertura

193 HESSE, Konrad – Escritos de Derecho Constitucional, 2ª. Edição. Tradução. Pedro Cruz VillalouMadrid: Centro de Estudos Constitucional, 1992. p. 34194 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito. 3ª. Edição. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 17.

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da Constituição que permite a mutação constitucional, evitando o processo

constituinte originário e derivado permanente, com resultados políticos e jurídicos

nem sempre seguros, previsíveis e desejáveis para a vida social. Canotilho, ao

cuidar da Hermenêutica Constitucional, assim se manifestou: O recurso ao texto

para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a

identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termos lingüísticos: o texto

da norma é o sinal lingüístico ; a norma é o que se revela ou designa . 195

O texto não se sustenta por si mesmo, dele será extraída a norma pela

interpretação que lhe será dada, com atribuição do sentido. 196

Como o texto constitucional é composto muitas vezes de termos

genéricos e vagos, requer, para sua realização, que seja, então, interpretado. A

interpretação é um fenômeno histórico, situado e datado. Portanto, o sentido que se

dá à Constituição varia de contexto histórico para contexto histórico, sendo assim,

variante no tempo. A idéia é a de que as ações humanas, orientadas para

finalidades, encontram-se inseridas em um porquê histórico da mesma forma que o

intérprete é um ser historicamente orientado e que faz parte da tradição. 197

Margarida Maria Lacombe Camargo acentua que a ciência do direito

corresponde a um acontecer e como tal cabe mesmo ser interpretado conforme os

valores determinantes que comandam sua ação, e que, portanto, o método do direito

é um método tópico-hermenêutico, compreendida cada situação em função da

tradição histórica e que seu instrumental é argumentativo. 198

195 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitucional. Op. Cit., p. 1075.196 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil.In A Constituição do Direito – a constituição Como Lócus da Hemenêutica Jurídica. Organizador:André Gustavo Correia de Andrade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2.003, p. 34.197 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito, Op.cit, p. 17198 Ibidem, p. 17.

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Gadamer apresenta como condição e ponto de partida para a

compreensão na atividade hermenêutica a questão dos preconceitos inerentes ao

pensamento humano, decorrentes da tradição na qual está inserido, resultado de

dados da realidade histórica. 199 Esclarece, contudo, que o investigador se volta ao

passado motivado pelo acontecimento presente e seus interesses dentro do

movimento da própria vida. 200 Porém, adverte que o procedimento hermenêutico

não pode ancorar-se na tradição como uma continuidade ininterrupta e

inquestionável, mas como algo que foi dito e que pode colaborar na pré-

compreensão do conteúdo investigado face às familiaridades e estranhezas que a

própria tradição revela, sendo justamente nesse entremeio que a hermenêutica deve

atuar, porque a compreensão não pode ser entendida como um comportamento

apenas reprodutivo, mas também produtivo. 201

A compreensão é sempre um resultado interpretativo, e para que a

mesma seja atingida, a linguagem é reconhecida como um momento estrutural. 202

Para Gadamer a linguagem representa o próprio mundo do ser

humano, como o seu estar-aí, de modo que a linguagem só tem existência no fato

de que nela se representa o mundo.203

A respeito da interpretação jurídica, Gadamer pondera que o intérprete

pode voltar-se para o sentido originário e histórico do assunto tratado na norma em

análise, mas, não devendo prender-se à intenção daqueles que elaboraram a lei,

pela razão de que as circunstâncias vão mudando com o passar do tempo, exigindo

que seja novamente extraída a função contida no texto da lei, mediante a sua

199 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. 6ª. edição. Tradução Flávio Paulo Meurer. Rio deJaneiro: Vozes, 2004, p. 368

200 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, Op. cit, p.377.201 Ibidem, p.391-392.202 Ibidem, p.406.203 Ibidem, p. 572.

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atualidade, mediante o estar-aí, o ser presente.204 Assim deve ser porque a tarefa

da interpretação consiste em concretizar a lei, ou seja, é o próprio ato da aplicação

da norma ao caso concreto.205 Para tanto, é necessário a utilização da dogmática

jurídica, suas teorias, estas que não são perfeitas a ponto de constituir-se a

aplicação da lei num simples ato de subsunção, mas implicando num procedimento

hermenêutico-interpretativo para extração do sentido e alcance do conteúdo

normativo.206

A Constituição não é o simples texto eleito pelo Poder Constituinte

originário, mas o resultado sempre temporário de sua interpretação, e diz-se

temporário, porque o processo da vida é dinâmico e próprio, a mutação

historicamente consolidada mediante a transformação operada na sociedade de

uma determinada época e lugar, razão pela qual os termos utilizados orbitam na

vagueza, incluídos aí o catálogo de direitos fundamentais, de modo a permitir ao

intérprete adequar a aplicação ao momento em que esta se opera, uma vez que é

extraída da estrutura básica da sociedade, como expressa Robert Alexy. 207

A interpretação constitucional esteve e está muito vinculada a uma

sociedade fechada, vale dizer, aos juízes e aos procedimentos formalizados. Nesse

modelo, está legalmente legitimado para interpretar o texto maior somente aquele

escasso rol de pessoas que compõem o processo constitucional nas Cortes

Constitucionais, ou seja, o juiz, as partes e seus respectivos advogados, o Ministério

Público, mas, ainda que adstrita à interpretação constitucional a esse estrito rol de

intérpretes, para tanto Luiz Roberto Barroso considera que devem ser observados

princípios específicos e instrumentais para a interpretação constitucional, como

204 GADAMER, Hans-Georg. Op. cit ,p.429.205 Ibidem, p.432.206 Ibidem, p. 433207 ALEXY, Robert. Op. Cit.,22-23

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sendo, o da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade,

interpretação conforme a Constituição, unidade, razoabilidade e efetividade 208.

O Princípio da supremacia da Constituição serve para o controle de

constitucionalidade dos atos normativos que obriga a que todos os atos normativos

estejam compatíveis com a Constituição, sob pena de não subsistirem. 209

O Princípio da presunção de constitucionalidade significa que em

respeito à independência dos poderes, o Judiciário deve militar em favor da

preservação da lei editada, só declarando a inconstitucionalidade do ato normativo

quando seja efetivamente inequívoca.210

O art. 97 da Constituição da República estabelece o quorum da maioria

absoluta dos membros do órgão Especial dentro dos Tribunais para a declaração de

inconstitucionalidade de lei, ou ato normativo do poder público. Podendo, ainda, ser

viabilizada medida cautelar suspensiva da eficácia da norma dita inconstitucional, na

forma do art. 102, Inciso I, letra “p”.

A interpretação conforme a Constituição exige que as normas

infraconstitucionais sejam interpretadas sempre de acordo com as emanações

constitucionais, afastando-se quaisquer interpretações que possam conflituar ou

estar em descompasso com a Interpretação conforme a Constituição, de modo que a

escolha da linha de interpretação conserve a harmonia com a Constituição, com a

exclusão de qualquer outra que viesse a contrastar com a Constituição, servindo de

mecanismo de controle de constitucionalidade, sendo entre as possíveis

interpretações a mais compatível com a Constituição. 211

O Princípio da unidade da Constituição considera que o eixo central

208 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 2ª. edição. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 150.209 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit., p. 150.210 Ibidem, p. 161.211 Ibidem, p. 174-176.

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que alicerça todo o sistema é a Constituição da República, origem de todas as

normas, e, portanto, conferindo unidade ao Ordenamento. Não havendo hierarquia

entre as normas constitucionais, que se identificam por igual dignidade, mas,

mediante as tensões decorrentes de valores e bens jurídicos contrapostos que

podem surgir no caso concreto, o princípio em comento deve ser viabilizado pela

interpretação sistemática de modo a harmonizar as tensões, mediante utilização dos

princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos na Constituição, até porque essa

é a idéia e a essência da Constituição, ser uma ordem unitária na vida política e

social do Estado. 212

O Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade, ligado à

garantia do devido processo legal, e ao Estado Democrático de Direito, permite ao

Poder Judiciário espaço para adentrar ao mérito dos atos legislativos e

administrativos, enfim aos atos do Poder Público, de modo a observar se os meios

empregados pelo legislador se compatibilizam com os fins a que se destinam,

aferindo se estão de acordo com a justiça, entendidos como valores que tenham

correspondência com o senso comum dentro do contexto de um determinado

momento e lugar. Deve ser analisada a razoabilidade dentro da Lei, ou interna,

verificando-se a relação racional e proporcional dos elementos motivadores da

norma. Da mesma forma, a razoabilidade externa, se a adequação, os meios e os

fins estão alinhados ao texto constitucional, sem o que não poderá ser legítima ou

não será razoável ante a Constituição, devendo ser observada ainda a

proporcionalidade em sentido estrito, que significa a verificação da relação custo

benefício dos danos causados e os resultados a serem obtidos com a ponderação

entre o custo e o benefício da medida, de modo a justificar a interferência na esfera

212 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit., p. 181-184.

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de direito das pessoas, ou melhor, dizendo, se as vantagens serão de modo a

superar a desvantagens. 213

Na concepção de Willis Santiago Guerra Filho, esses três aspectos

desenvolvidos na teoria do princípio da proporcionalidade, como concebidos no

Direito Alemão (que optou pelo uso do termo proporcionalidade ao invés de

razoabilidade)214 e irradiado para outros Ordenamentos, repartem-se em três

princípios parciais como sendo, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o

princípio da adequação e o princípio da exigibilidade.215

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito a determinar uma

correspondência entre o fim a ser alcançado por uma norma e o meio empregado,

que seja juridicamente o melhor possível, sem ferir a dignidade da pessoa humana e

embora possa haver desvantagem para o direito de uma pessoa ou da coletividade,

a vantagem para os interesses de outra devem superar aquelas desvantagens.216

O princípio da adequação e o da exigibilidade determinam que o meio

escolhido se preste, dentro do que é faticamente possível, para o alcance da meta

ou fim perseguido, revelando-se adequado. E mais, o meio deve além de revelar-se

adequado, mostrar-se exigível, no sentido de não haver outro igualmente eficaz ou

menos danoso ao direito. 217 Há, contudo, no Brasil, uma forte resistência ao controle

judicial de mérito dos atos normativos do Poder Público, considerada a reserva de

um espaço de discricionariedade do agente público, e os princípios de conveniência

e oportunidade. 218

213 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 198-209.214 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e Concretização dos Direitos Sociais no Brasil. In AConstituição do Direito a Constituição como Lócus da Hermenêutica Jurídica (Organizador: AndréGustavo Correia de Andrade). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.183.215 GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª. edição.São Paulo, 2.001, p. 70.216 Ibidem, p. 71.217 Ibidem, p.71.218 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit, p. 213.

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Portugal e Alemanha fazem previsão expressa desse princípio em suas

Cartas Constitucionais. 219

No Brasil o princípio da proporcionalidade existe como norma implícita

esparsa no texto constitucional, e se infere também do princípio da igualdade e do

devido processo legal, podendo ser visualizado nos artigos 5º., Inciso V, X, XXV e

LIV; art. 7º. Incisos IV, V e XXI; art. 36, § 3º; art. 37 Inciso IX; art. 40, Inciso V; art.

71, Inciso VIII;art. 84, + único; art. 129, Incisos II e IX; art. 170, caput ; art. 173, caput

e § 3º, 4º. E 5º.; art. 174 § 1º. E art. 175, Inciso IV, integrando o Direito

Constitucional Brasileiro. 220

O princípio da Efetividade serve para fazer valer a força normativa da

Constituição, sua concretização no mundo dos fatos, face à imperatividade e à

busca da máxima eficácia das normas Constitucionais. A efetividade depende da

eficácia da norma, que é elemento integrante dos três planos de análise do ato

jurídico, assim considerados a existência, que se perfaz uma vez presentes seus

elementos constitutivos, agente, objeto e forma, a validade, uma vez preenchidos os

requisitos legais autorizadores de sua formulação e a compatibilização com o

Ordenamento, sem os quais estará invalidado o ato. A Eficácia, entretanto,

representa a produção dos efeitos da norma, de modo que assim será na medida em

que sirva para atingir os fins colimados à sua produção, traduzindo, assim, a sua real

aptidão para aplicação, exigibilidade e executoriedade da norma, considerada a

eficácia dentro desse contexto, viabilizada está a possibilidade de efetividade da

norma, como aptidão para a o seu real cumprimento pela sociedade, concretizando-

se o objetivo normativo no mundo dos fatos, realizando-se o Direito. 221.

219 TAVARES, Paulo Armínio. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição. Riode Janeiro: Renovar, p. 5.220 BONAVIDES. Paulo. Op. cit. p, 395.221 Ibidem, p. 219-220.

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2.1.1 A Constituição Aberta de Peter Häberle

A nova hermenêutica concebida como “Constituição aberta” de Peter

Häberle é alvo de muitas polêmicas, tendo recebido muita influência da tópica de

Viehweg. 222

Häberle pensa a interpretação constitucional por uma pluralidade de

intérpretes, os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e

grupos, refletindo a pluralidade social. 223

Häberle afirma que a interpretação constitucional sempre foi feita por

uma sociedade fechada, como sendo os intérpretes jurídicos e aqueles envolvidos

no processo constitucional. Face de tal constatação defende uma mudança,

afirmando que o processo interpretativo deve ser democratizado, aberto à

interpretação dos cidadãos formadores de opinião, uma vez que a interpretação

adstrita aos órgãos oficiais não atende a mensagem pluralista abrigada na

Constituição e que tal atividade interpretativa diz respeito a todos. 224

O alargamento do rol de intérpretes, como imaginado por Häberle, é,

segundo ele, conseqüência da necessidade que todos defendem da integração da

realidade no processo de interpretação constitucional, e esses intérpretes seriam os

que compõem a realidade pluralista, sob a premissa de que todo o que vive no

contexto regulado por uma norma é, direta ou indiretamente, um intérprete dessa

norma, o destinatário da norma seria, na verdade, participante ativo do processo

hermenêutico, não tendo sentido a interpretação constitucional estar restrita a

intérpretes oficiais. 225

222 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes daConstituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição.Trad.Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997, p. 13.223 Ibidem, p. 13.224 Ibidem, p. 17/43.225 Ibidem, p. 15.

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Häberle, baseado na existência de uma sociedade democrática, aberta

e pluralista, sustenta sua teoria ancorado na premissa de que todo aquele que vive a

constituição está legitimado a interpretá-la. E, portanto não havendo como conceber

ou mesmo pensar uma interpretação da constituição sem a participação do cidadão

ativo e sem as discussões públicas; que servem para a efetiva legitimação da

interpretação da lei fundamental, constituindo-se mesmo tal participação um direito

fundamental relativo a efetivo exercício da cidadania, ademais tendo o cidadão o

dever de promover os direitos fundamentais nas suas relações jurídico-privadas,

necessita interpretá-los. 226

Fundado nestes argumentos Häberle propõe uma nova tese sobre a

interpretação da Constituição, na qual vincula todos os órgãos do Estado, todos os

seguimentos de representação pública denominada pelo mesmo de potências

públicas, todos os cidadãos e grupos, verbis:

No processo de interpretação constitucional estão potencialmentevinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas,todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se umelenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes daConstituição. 227

Nesse fio de idéias, faz, então, distinção entre interpretação em sentido

estrito e em sentido lato. A primeira é feita pelos intérpretes jurídicos oficiais da

Constituição. A segunda é a interpretação aberta da Constituição, feita pela

sociedade aberta dos intérpretes. 228 Para Paulo Bonavides somente a união das

duas interpretações pode conferir aos direitos fundamentais e a democracia

pluralista a efetiva seriedade, tanto na prática como na teoria. 229

226 HABERLE, Peter, Op. cit, p. 36-37.227 Ibidem, p. 13.228 Ibidem, p. 117-143 .229 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, p. 467.

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Então, a teoria de Häberle é voltada para a pragmática. 230

2.1.2 Hermenêutica Concretizante de Konrad Hesse

A teoria concretizante de Konrad Hesse, parte do pressuposto de que a

Constituição não é um pedaço de papel como afirmara Ferdinand Lassale, mas uma

Constituição Jurídica de força normativa, verdadeira força própria motivadora e

ordenadora da vida do Estado 231

A interpretação para Hesse tem importância decisiva a assegurar a

preservação da força normativa da Constituição, e para efetivação da “ótima

concretização da norma” eis que para Hesse a interpretação adequada é aquela que

consegue concretizar de forma excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa

dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. 232

Para Hesse, na linha de Canotilho, interpretação Constitucional é

concretização, de modo que afirma o intérprete constitucional não pode

compreender o conteúdo da norma de um ponto situado fora da existência histórica,

por assim dizer arquimédico, senão somente na situação histórica concreta, na qual

ele se encontra, cuja maturidade informou seus conteúdos de pensamento e

determina seu saber e seu (pré) juízo. Do que se conclui que para Hesse a

interpretação só é possível frente ao caso concreto.233

Para Hesse, o problema da concretização constitucional envolve três

elementos; I – a norma a ser concretizada; II – ao entendimento prévio (pré-

compreensão) do intérprete; III – ao problema concreto a ser resolvido. 234

230 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, p. 461.231 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 9-11.232 Ibidem, p.22-23.233 Ibidem, p.31-32.234 Ibidem, p. 62.

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O princípio da unidade da Constituição impõe ao intérprete, que a

norma constitucional nunca seja interpretada isoladamente, mas sempre em

conexão com as demais normas constitucionais, sistematicamente. Para tanto,

propõe Hesse cinco princípios específicos de interpretação constitucional: a unidade

Constitucional, concordância prática, exatidão funcional, efeito integrador, força

normativa da Constituição. 235

O princípio da unidade da Constitucional direciona o intérprete a que

proceda à interpretação pela conexão e interdependência dos demais elementos da

Constituição, nunca isoladamente, ao efeito de evitar contradições, assemelhando-

se ao método sistemático da hermenêutica jurídica geral. 236

O princípio da concordância prática, conhecido também como princípio

da harmonização, implica uma coordenação de bens protegidos jurídico-

constitucionalmente, de forma a buscar a realização deles sem ter que significar

sacrifício dos demais, chegando-se ao princípio da proporcionalidade. 237

O princípio da exatidão funcional é aquele que impõe limites à

atividade interpretativa mais diretamente. O intérprete deve manter no quadro das

suas atribuições de competência, guardando relação com o princípio da separação

dos poderes. O princípio do efeito integrador está associado ao da unidade

Constitucional direcionando a que o intérprete deve dar preferência a soluções que

produzam efeito criador e conservador da unidade , com a integração política e

social. Já o princípio da força normativa da Constituição direciona o intérprete no

sentido de dar à norma constitucional a interpretação atualizadora do seu conteúdo

normativo, mantendo a sua eficácia através dos tempos. 238

235 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Op. cit, p.146.236 Ibidem, p..65.237 Ibidem, p. 66238 ibidem, p.68-69.

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Há um princípio, o da máxima efetividade, que não abordado por

Hesse, mas apontado por Canotilho, que serve a determinar que o intérprete atribua

à norma constitucional o sentido que lhe dê maior eficácia.239

2.1.3 - Concretização Constitucional em Canotilho

Canotilho explica o fenômeno da concretização da norma

Constitucional, pelo processo de densificação de regras e princípios, que vai do

texto enunciativo para a norma concreta e ainda assim, como um resultado

intermediário porque somente a descoberta efetiva da norma de decisão poderá

efetivamente permitir a solução com a concretização.” 240

Para Canotilho, portanto, a concretização é ao mesmo tempo um

método e um processo. Um método quando estabelece diversos parâmetros

hermenêuticos para a interpretação da Constituição, e um processo quando utiliza o

método proposto. 241

Alerta para a necessidade de compreensão entre norma e formulação

da norma, em face de distinção entre o enunciado da norma, que é qualquer

enunciado do texto normativo, e a norma em si, que é o sentido ou o significado

advindo do enunciado, dispondo Canotilho que a proposição textual exige

interpretação e que a norma já é parte de um texto interpretado e revelado, de cujo

conteúdo se extraiu o real significado que pressupõe a concretização. 242

O significado normativo derivado dos vários símbolos lingüísticos

expressos na norma constitucional é resultado da busca interpretativa, para a qual

239 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 2ª. edição. Coimbra:Almedina, 1998, p. 1075. 240 Ibidem, p.1075241 Ibidem, p.1085.242 ibidem, p.1076.

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Canotilho sugere três dimensões: I – a procura do direito contido na norma

constitucional; II – investigação desse direito se implica na discrição do significado

do enunciado; III – o produto da interpretação é o significado.243

Salienta que é necessário a estruturação de operadores da

concretização delineando métodos válidos para a interpretação visando à adequada

aplicação das normas constitucionais. 244

É que os operadores do direito, aplicadores da Constituição, têm

responsabilidade de atribuir um sentido e significado legítimo e não arbitrários dos

enunciados lingüísticos das normas constitucionais, através da investigação do

conteúdo semântico do texto, do que está dito na lei constitucional, isto é, a mens

legis, pois a interpretação está condicionada a características sociais históricas que

detêm determinados meios lingüísticos próprios decisivos na extração do

significado.245

Os princípios advindos de uma realidade social fornecem elementos

axiológicos para a interpretação, servindo como farol a guiar o intérprete no contexto

da lógica sistêmica da Constituição. Assim o princípio se amolda na medida do caso

concreto interagindo mediante proposta da realidade da vida, visando à

concretização das aspirações sociais promovendo sua eficácia. Alexandre de

Moraes explica que interpretar significa desentranhar o próprio sentido das palavras

da lei, deixando implícito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem

guardado, entranhado, portanto, em sua própria essência. 246

Para Celso Bastos, interpretar é atribuir sentido ou um significado ao

texto. E assim é porque os preceitos normativos na verdade são abstrações da

243 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Op. cit, p. 1075.243 Ibidem, p. 1074-1075.244 Ibidem, p. 1082.245 Ibidem, p.1083. 246 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional- 9ª. Edição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 810.

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realidade e para que possam cumprir sua finalidade diante de infindável número de

situações para as quais o legislador não pode fazer todas as previsões, faz-se

mesmo necessário apelar para um alto nível de abstração e generalidade nos textos

normativos.247

Dentro do mister interpretativo, os princípios têm grande relevância, já

que, através deles, também, serão dadas soluções ao caso posto, mormente

aqueles chamados difíceis. Não que os princípios se coloquem acima do direito ou

além do direito, mas porque os mesmos exercem uma ação direta e imediata por

serem capazes de conformarem os comandos político da Constituição, como

elemento integrador do sistema, aptos a operarem a concretização, facilitadores do

processo hermenêutico-interpretativo colocado à disposição do operador do direito,

como firme referência. 248

Dentre outras funções os princípios cumprem a função mister de ser o

critério superior de interpretação e aplicação das demais normas; face ao seu

caráter axiológico funciona como uma amálgama, atualizando-se como tempo e

amoldando-se aos valores eleitos.249

Pode-se mesmo afirmar que a análise da hermenêutica constitucional

não pode ser concebida sem a observância dos princípios albergados na

Constituição. 250

Entretanto, o processo de interpretação deve ater-se ao que está

positivado no texto, bem distante de chegar às vias de invenção ou de que o sentido

seja incompatível com o delineado na Constituição.

247 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª. Edição. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2002, p. 304.248 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana nasConstituições Abertas e Demográticas In CAMARGO, Margarida Maria Lacombe(Organizadora).1988-1998 Uma Década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 p. 113.249 CRUZ E TUCCI, José Rogério (Org.). Garantias Constitucionais no Processo Civil. São Paulo: RT,

1999, p. 94.250 BASTOS, Celso Ribeiro, Op. Cit. p. 167.

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A palavra hermenêutica tem origem no latim hermeneuticus , de raiz

grega ”hermeneuei , que tanto em grego como em latim dizem respeito às atividade

intelectuais, a lembrar a ponte que fazia o denominado deus Hermes, que no

mundo mitológico era quem traduzia as mensagens dos deuses às pessoas e,

portanto, conhecia a linguagem dos homens e a linguagem dos deuses. Era

conhecido pelos seus dotes de disfarces e procurava impor-se pelo convencimento e

não pela força. Era a comunicação do Olimpo e o mundo dos homens, era um deus

menos guerreiro porque suas armas eram a persuasão e o convencimento. Daí

algumas das características com a hermenêutica empregada para a descoberta do

sentido das proposições normativas. 251

A Hermenêutica Constitucional contemporânea realiza-se mediante o

processo argumentativo, balisada na realidade social e no Estado Democrático de

Direito, considerado o universo. (espaço/tempo/lugar) onde se encontra a pessoa

humana, e sua circunstância. Nesse sentido, Miguel Reale expõe que a

hermenêutica jurídica é sempre a expressão da estrutura histórico-cultural na qual

ela se insere e se desenvolve, só podendo e devendo ser apreciada no respectivo

contexto. 252

Luis Recaséns Siches demonstra sua preocupação com a real

importância da pessoa no universo, posto que não é uma estrela ou um pedaço da

natureza, mas é revestida de consciência, resultado de sua natureza física e

psíquica, e que todos esses fatores deveriam ser observados para a efetivação

plena dos direitos fundamentais da pessoa humana. 253

251CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Uma Década de Constituição (Organizadora). Rio deJaneiro: Renovar, 1999 p. 369-370.252REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo:Saraiva, 1998.p. 72-75.253CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. In Cadernos SEAF, ano 1, nº. 1, agosto de 1978. ApudCOELHO, Luiz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, P. 151.

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Recaséns Siches nos diz que na vida humana nada existe de

concluído, de perfeito, é um fazer contínuo e que a vida humana é a tarefa de se ir

fazendo, dentro do mundo que lhe é dado, mundo em que o ser humano se acha

inserido e que não é escolhido por ele. Mas a vida é também um suceder ininterrupto

de opções e cada ser humano tem uma margem de opções e, se opta, é

responsável pela sua opção. 254

A circunstância de cada um é o mundo de cada um e compreende o

particular psiquismo de cada um, o próprio corpo singular de cada um e a natureza

cósmica, física e biológica que circunda cada um. O homem é ele mesmo e sua

circunstância , segundo a lição de Ortega Y Gasset. 255

O direito, principalmente nos dias atuais, é implementado por uma

dinâmica mais acelerada. As normas jurídicas, contudo, não acompanham a

transformação social geradora desses direitos, ocorrendo um descompasso entre o

fato social e a previsão do texto normativo. Diante de tal fenômeno, cabe ao

intérprete, alicerçado nos princípios, atualizar o mesmo, tornando possível sua

garantia e eficácia.256

2.2 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

A Hermenêutica jurídica tradicional coloca a questão dos

procedimentos interpretativos no centro de sua problemática. Consideramos hoje o

254 RECASÉNS SICHES, Luiz. La Nueva Filosofia de la Interpretacion Del Derecho. México: Porrua,1963,p. 151.255 WERNER, Goldschmidt, Introducción al Derecho, Buenos Aires, I Encontro Brasileiro de Filosofiado Direito.João Pessoa, 1980. Tb “ Perspectiva Trialista de la Axiologia Dikelogica”, in El Derecho,Universidad Católica Argentina, Fevereiro de 1980. Apud COELHO, Luiz Fernando . Lógica Jurídica eInterpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, P. 151/152.256 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3ª. Edição.São Paulo: Malheiros, 2005., Prefácio, p.3.

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problema superado. Dentro da hermenêutica jurídica atual, o problema crítico

prepondera sobre o metodológico, mais adiante, contudo, são apresentados no

presente trabalho alguns métodos de interpretação a título de ilustração. 257

2.2.1 A Importância da Linguagem.

A linguagem é o meio pelo qual a pessoa pode-se comunicar, e isto

pode ocorrer de diversos modos. As palavras, como forma de linguagem, nem

sempre têm o mesmo sentido, o mesmo significado, são passíveis de variações

dentro dos contextos em que venham a estar, e mais, esse mesmo conjunto de

palavras pode estar maculado por erros gramaticais, inclusive de pontuação que

podem, mesmo ao mais atento, induzir à confusão. Daí porque compete ao

intérprete, mesmo diante de textos supostamente claros, investigar o seu propósito,

mais das vezes, hermeticamente enclausurados aguardando justamente a abertura

pela análise, de seu significado, do seu sentido através de um verdadeiro

entendimento de sua mensagem. Nesse sentido, Maria Helena Diniz, assevera que

indubitavelmente é necessária a interpretação da norma jurídica, mesmo que se

pense que há clareza decorrente da mesma, posto que pode ser duvidosa, devendo

ser observados seus fins, os seus precedentes históricos e as conexões com os

fatos sociais a serem considerados no momento da aplicação da norma.258

Carlos Maximiliano, por sua vez, afirma que o íntérprete tem o dever de

proceder a pesquisa entre a norma em abstrato e o caso concreto posto, num

cambiamento entre a norma e o fato, tornando assim possível a verdadeira aplicação

do Direito. Descobrir o sentido da norma é mesmo essencial, para então depois

verificar o seu alcance mediante o caso colocado, desvendando tudo que a norma

257 COELHO, Luiz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, p. 203.258 DINIZ, Maria Helena.Op.cit. p. 381.

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contém, aprimorando, dessa forma, o mister interpretativo, eis que as normas são

produzidas em termos gerais, muito dependendo de que sejam interpretadas de

acordo com os valores cambiantes das mutações sociais. 259

Para Genaro R. Carrió, em seu aprofundado estudo sobre linguagem,

conceitua que a mesma é a mais rica e completa ferramenta da comunicação entre

os homens, mas que esta ferramenta poderosa nem sempre funciona bem. 260

Carrió adverte que, antes de mais nada, é preciso fazer uma

investigação quanto ao significado da palavra, quando afirma que frente a qualquer

enunciado que aparece no texto da teoria jurídica e que satisfaz antes de sair à

busca de argumentos, uma asserção é dizer um enunciado que se propõe a

descrever um certo estado de coisa ou é uma recomendação disfarçada em um

enunciado dissimulado, onde se trata de afirmar certo estado de coisas

descrevendo-as com linguagem apropriada, ou é ainda uma advertência de que tal

palavra será utilizada exclusivamente com determinado sentido ou, ainda, é uma

definição que simplesmente recorre ao uso central ou típico de um vocábulo? 261

Continua a reflexão sobre a questão com outras indagações e

reflexões como se a definição persuasiva é um recurso técnico empregado pelo

autor para obter do leitor a aprovação de suas leis, colocando mais abaixo do manto

protetor de uma palavra rica com carga emotiva e desprovida de significado

descritivo, ou como se outro tipo de afirmação paradigmática não tem outro fim

senão de afirmar algo importante que até então os teóricos haviam desconhecido?

Este tipo de investigação sob exame prévio é fundamental aos juristas pelo fato

comum de prescindir dele o abrigo que esta atitude cautelosa pode proposperar, em

259 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª.edição. Rio deJaneiro:Forense,1997, p. 19-20.260 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje. Buenos Aires: Abelledo Perrot, 4ª. Edição,1998, p.17.261 Ibidem, p.26.

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muitas polêmicas claramente prescindíveis.262

Exemplifica o autor que, em primeiro lugar, as palavras podem levar a

uma ambigüidade e imprecisão face à sua aparência comum, como também em

segundo lugar; que nem todas as palavras são usadas em todos os contextos para

conotar as mesmas propriedades. Num determinado contexto, se alguém pergunta o

que quer dizer a palavra rádio, não há outra saída a não ser contestando com outra

pergunta: em que frase ou oração, pois se for um aparelho elétrico que serve para

escutar música e notícias, pode ser também um metal descoberto, que denote um

elemento químico. O exemplo desse autor demonstra que o significado das palavras

está em função do contexto lingüístico das situações como são usadas. 263

Entretanto, embora as palavras e expressões jurídicas possam revelar-

se ambíguas e imprecisas, não significa que não tenham significado determinável.

Elas podem existir exatamente para dar ao intérprete o ajuste necessário de

aplicação da lei no caso concreto, como de ver e constatar-se nos conceitos

jurídicos indeterminados, não implicando nesses um espaço discricionário para ser

ocupado como o aplicador quiser, mas sim uma oportunidade de aplicação das

noções historicamente e coerentemente implantadas pela dogmática.264

Cabe salientar, nesse ponto, e antes de mais nada, que doutrinadores

como Carlos Maximiliano e Celso Bastos esclarecem que há diferença entre

Hermenêutica e Interpretação, eis que a hermenêutica pode ser visualizada como

perquirição a questão em abstrato, apenas no campo da hipótese, e a interpretação

opera-se frente ao caso concreto posto, a reclamar solução. Dentro dessa linha de

idéias assim se manifesta Carlos Maximiliano dizendo que às vezes uma palavra é

262 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje. Op. cit, p.26.263 Ibidem, p. 29.264 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3ª. Edição.São Paulo: Malheiros, 2005,.p. 220-235..

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substituída pela outra, incidindo em erro. A hermenêutica é então uma teoria

científica de métodos que auxiliam na arte de interpretar. Já a interpretação

propriamente dita é o ato de descobrir e fixar o sentido e alcance das normas.265 Já

Celso Ribeiro Bastos atribui também o caráter artístico à interpretação, esta que não

é neutra e fria como a hermenêutica, tendo a árdua tarefa de convencer e persuadir

pelo reconhecimento do resultado final, este que deve ser condizente exatamente

com o que se extrai da norma e não da opinião do intérprete.266

Assim, não se pode interpretar a norma jurídica contrariamente ao bem

comum; deve-se ter sempre em mente que a lei é elaborada sempre visando o bem

comum, mesmo que aplicada individualmente, levando-se em conta que o bem

comum temporal, do momento de sua aplicação, assim consideradas justas e boas,

não pode prejudicar a coletividade, de modo que contra esta não pode ser

interpretada.

Ao proceder à tarefa interpretativa, o intérprete deve afastar-se das

paixões, admirações, preferências pessoais e ater-se ao caso concreto com suas

específicas particularidades e circunstâncias, sem extrapolar a própria norma jurídica

ou divorciar-se do bem comum.

Nesta tarefa o intérprete não pode substituir o Legislador, e assim

pretender criar o sentido, mas deve tão somente desentranhá-lo, explicá-lo: o que

passar disso caracteriza-se em voluntarismo, ou decisionismo, que não é desejável

no campo do Direito, pelo contrário, é até mesmo abominável, pois que espalha

insegurança, tudo aquilo que não deseja o destinatário das normas, eis que,

verdadeiramente, a segurança jurídica é o alicerce inafastável do Direito, em que

consiste sua própria finalidade, devendo ser visualizado que a regularidade é

265 MAXIMILIANO, Carlos. Op.cit. p. 106.266 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional.,Op.cit., p. 22.

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intrinsecamente ligada à vida a trazer a paz e tranqüilidade, objetivo maior do Direito,

a pacificação social pela proposição prévia de suas normas e a sua eficaz aplicação,

pela adequada interpretação que significa mesmo a garantia dada pelo Estado

Democrático de Direito. 267

Nesta sede, com o termo hermenêutica, se faz referência à

prospectiva filosófica que assume e compreende como componente essencial da

constituição histórico-ontológica da vida humana, como estrutura do modo humano

de estar no mundo, através da lingüística e da experiência. Nesta perspectiva

hermenêutica, a compreensão é um caso particular de aplicação a uma situação

concreta e determinada. 268

O aspecto lingüístico, indubitavelmente, deve ser observado na

investigação hermenêutica-interpretativa face constituir modos de manifestação, e

no caso específico de textos legais a etimologia, que é o estudo da origem das

palavras e a semântica, que é o estudo do significado das palavras vão influenciar

diretamente na ação interpretativa a conduzir ao conhecimento do sentido, da

explicação da mensagem extraída do texto. 269

É que, no Direito, enquanto norma de conduta, não são admitidas

normas jurídicas verbalizadas e, assim, são apresentadas na forma escrita através

das leis e demais atos normativos e das decisões judiciais. 270

Na verdade, são signos lingüísticos que correspondem ao alicerce do

trabalho hermenêutico, embora não só os mesmos, eis que os fatos históricos,

sociais, contextos da vida real, existenciais, circundam a expressão lingüística dos

267 PASTORE, Baldassare. Per um `ermeneutica Dei Diritti Umani.Torino: G. Giappichelli Editore,2003, Introduzzione.268 Ibidem.269 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica. texto extraído do site: http://wwwl.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=50. p. 1 ,capturado em 10/02/05.270 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica, Op. Cit., p. 02.

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signos, que isoladamente, sem uma perspectiva do mundo como o mundo se

manifesta, orbitam na vagueza expressando-se através de palavras denotativamente

imprecisas271.

A aplicação do direito por ser uma decisão que visa a pacificação dos

conflitos sociais, não pode ser unicamente um raciocínio lógico-formal, mas

vinculado principalmente a discursos que articulem valores.272

2.2.2 – Da Análise Semiótica

A Semiótica é concebida como a ciência que procura estudar a

significação da linguagem. Situações verbais e não verbais, visuais, auditivas, o

sentido dos sinais, símbolos, dos signos. 273

Distingue tal ciência três campos de investigação dos signos

lingüísticos, considerada a linguagem como parte integrante da semiótica, a análise

sintática, a semântica e a pragmática. A Sintaxe trata da relação formal dos signos

entre si, no seu conjunto, não isoladamente. A Semântica apresenta o significado do

signo isoladamente, a sua compreensão mediante o objeto correspondente ao signo.

E a Pragmática, como significado do signo mediante o sujeito ao qual se dirige ou

que o produz. 274

A análise semântica estuda o vínculo, a ligação do signo com a

realidade e o contexto textual e, no caso dos textos legais, ainda dentro de todo o

sistema jurídico, visando o significado correto dos signos. O que for impreciso

denomina-se conotação (ambigüidade/ vagueza/ imprecisão) em oposição à

denotação (sentido exato, monológico, inequívoco). É muito comum o texto jurídico

271 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica, Op. Cit, p. 02.272 Ibidem, p. 03.273 COELHO, Luiz Fernando. Op.cit, p. 73.274 Ibidem, p.73.

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conter palavras imprecisas. De alguma forma isso acontece de propósito, para

permitir ao intérprete ou mesmo ao aplicador da lei, também intérprete, a

possibilidade do reenvio a todo o sistema, a realidade histórica e social, para pautas

de valoração do caso concreto, não engessando os sentidos do texto, de forma a

permitir uma mobilidade do sistema. 275

Por outro lado acontece de alguns textos legais definirem os

significados dos signos lingüísticos na própria semântica, o que é sobremodo

criticado por muitos pelo fato de tal prática comprimir o exercício da interpretação,

sua extensão e alcance, o que não combina com os delineamentos da ciência

jurídica que necessita produzir normas com signos ou palavras de sentido amplo,

com o propósito de não inviabilizar o mais possível à aplicação da mesma aos casos

da vida, da realidade, do caso concreto. 276

A análise sintática procura verificar o sentido do signo dentro de sua

posição coloquial, mediante as regras da gramática, sob a consideração de que os

signos, na análise sintática, devem obedecer às regras da linguagem, no contexto

gramatical, e assim, ordenadamente emitir sua mensagem, importando-se a sintaxe

com a posição dos signos entre si na oração e não somente o significado individual

ou em si mesmo considerado do signo, diretamente ligado à realidade,

isoladamente, como acontece na semântica, mas servindo a analise sintática para

promover uma ideal análise em conjunto com a semântica, de modo a depurar a

interpretação, pois separa os elementos da oração, seus termos integrantes

principais e acessórios, que viabilize uma melhor compreensão. É por assim dizer,

do que se tem conhecimento, que a análise formal dos signos, pela sintaxe,

mediante a análise gramatical, da qual se utiliza, para, dividindo o texto, proceder a

275 COELHO, Luiz Fernando. Op.cit, p. 73.276 Ibidem, p.74.

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uma perquirição mais adequada que descortine um entendimento mais amplo. 277

A Pragmática é a relação existente entre os signos na vertente do uso

dos mesmos em relação a quem está usando ou para qual uso se determina, isto é,

da linguagem de quem usa e para quem se destina. A Pragmática analisa, de um

lado, o uso concreto da linguagem, com vistas a seus usuários, na prática lingüística;

e, de outro lado, estuda as condições que governam essa prática. Seria, então, a

Pragmática a ciência do uso lingüístico e seus estudiosos esperam explicar antes a

linguagem do que a língua. 278

Sendo dessa forma, não se pode negar a grande importância da

pragmática em face de ser o direito positivo permeado de textos imprecisos, vagos

reclamando a disponibilização do recurso à argumentação, a articulação, ao discurso

em vias de proceder ao convencimento para aplicação da norma ao caso concreto,

onde os sinais analisados pela via pragmática podem apontar a diretriz que mais se

coadune ao caso ensejador da decisão.

Portanto, a semântica, a sintaxe e a pragmática, utilizadas pela

semiótica na busca do sentido dos signos, não se separam, mas verdadeiramente se

completam, separadas apenas pela questão gramatical. 279

O que se quer dizer é que os signos são analisados isoladamente e

dentro do contexto gramatical a completar-lhes o sentido, o significado, posto que as

frases e orações manifestam-se de forma declarativa, interrogativa, exclamativa e

imperativa.

Karl Engish a respeito afirma que as proibições e prescrições

277 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p.73.278 Ibidem, p. 74.279Por exemplo: O tapete é vermelho. O é artigo. Tapete é substantivo. É, um verbo. Vermelho éadjetivo considerado como qualidade ou especificidade do substantivo. A sintaxe observa essaconexão das palavras na oração, que é importante para a compreensão e explicação do texto. Idem,ibidem, p. 282-317.

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constantes dos comandos normativos são verdadeiros portadores do sentido da

norma veiculada na direção do destinatário, construídas a partir de proposições

lingüísticas e gramaticais contidas nos códigos. 280

Todos esses aspectos da sintaxe são de grande importância no

discurso jurídico, a partir da significação do Direito, mas na interpretação jurídica não

pode ser observada apenas a sintaxe do texto legal, das considerações gramaticais,

sendo este apenas o primeiro momento ou, por assim dizer, o ponto de partida da

investigação interpretativa para alcance inicial de determinados sentidos. Para a

perfeita interpretação do texto legal é preciso visualizar o texto em si mesmo

considerado como uma mensagem jurídica a ser compreendida, analisado diante do

sistema, do ordenamento, a bem dizer, dentro dos recursos da exegese, de

determinados métodos, porque o Direito tem linguagem e forma próprias de

transmitir suas mensagens, sendo esta a razão pela qual na verdade, mais do que a

linguagem corrente, o que importa é o sentido técnico jurídico. 281

Nesse raciocínio, pode-se dizer que a questão da constitucionalidade

das normas infra-constitucionais são vistas sob o parâmetro da sintaxe, pois

analisada a compatibilidade dessas normas dentro do sistema jurídico. Desta forma,

há ainda uma outra classe de normas jurídicas a que devemos prestar particular

atenção: as normas atributivas, aquelas que conferem direitos subjetivos, como as

garantias fundamentais do direito constitucional. 282

A respeito, Miguel Reale, diz que para a interpretação das normas

jurídicas, não é possível somente o uso da lógica formal e nem a simples análise

lingüística, mas mediante os contextos históricos pelo problematicismo e pela

280 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1996, p 39.281 Ibidem, p. 139.282 ENGISH, Karl. Op .cit, p. 40.

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razoabilidade que envolvem a questão a ser desvendada. 283

Habermas faz a análise do direito sob o prisma da linguagem,

mediante a comunicação entre as pessoas dentro de seus contextos de vida e de

suas práticas, em face da real dimensão de faticidade em que implica o Direito, de

modo a manter, através da linguagem, um diálogo que possa possibilitar o

compreender, conforme aduz infra:

Quem observa ou opina que ou quem tem a intenção de , assumeuma atitude objetivante em face de algo no mundo. Ao contrário, quemparticipa de processos de comunicação ao dizer algo e o compreender oque é dito quer se trate de uma opinião que é relatada, uma constataçãoque é feita, de uma promessa ou ordem que é dada, quer se trate deintenções, desejos, sentimentos ou estados de ânimo que são expressos - ,tem sempre que assumir uma atitude performativa. Essa atitude admite amudança entre a terceira pessoa ou a atitude objetivante, a segunda pessoaou a atitude conforme as regras e a primeira pessoa ou a atitude expressiva.A atitude performática permite a orientação mútua por pretensões devalidade (verdades, correção normativa, sinceridade) que o falante ergue naexpectativa de uma tomada de posição por sim/não da parte do ouvinte. 284

Então, para Habermas, as normas se justificam através do discurso ou

do agir comunicativo extraído do mundo da vida. A isso denomina-se argumentação

com o propósito de conduzir a decisão racional, considerado o princípio da

democracia, de que dependeria para a real validade das leis. Assim, desde que os

princípios jurídicos se fundem num processo comunicativo de formação de opiniões,

de vontades, em que as pessoas de uma sociedade possam gozar de uma igual

participação haverá legitimidade, validade extraída da faticidade as suas normas. 285

Habermas funda sua doutrina na Teoria do Discurso, dentro do

contexto da esfera pública, assim considerada a possibilidade de comunicação (agir

comunicativo) de cada indivíduo pelo meio lingüístico ou performativo, e assim

desenvolve a sua Teoria considerando que os princípios jurídicos, especialmente os

283 MIGUEL REALE. Prefácio ao livro Lógica Jurídica e Interpretação das Leis in COELHO, LuizFernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, XII.284 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 42.285 ibidem, p. 92.

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fundamentais, entre eles o da democracia, são justificados e legitimados antes

mesmo de serem inseridos na Constituição, posto que trata-se da constatação fática

do mundo, da vida, o falar com o outro, a comunicabilidade entre as pessoas.

Dessa forma, expressa Habermas que o Direito legítimo é resultado do poder

comunicativo, que se transforma em poder administrativo ou político por assim dizer,

por esta troca comunicativa, democrática, que, observando os fatos da vida e

discutidos através da oportunidade de argumentação desenvolvida, produzirem-se

legitimamente as normas que deverão reger determinada sociedade, oportunizadas,

na maior medida possível, iguais liberdades subjetivas de ação. 286

Já Alexy, ao pronunciar-se sobre a questão da fundamentação jurídica,

afirma que a discussão ética atual, influenciada metodologicamente sobre toda a

lógica moderna, a linguagem, a argumentação e a decisão, demonstram que não é

possível concluir por uma única resposta material certa, mas que são possíveis

procedimentos que condicionem a argumentação e a decisão pela prática racional,

abarcada por uma versão especialmente promissora de uma teoria moral

procedimental, que pode-se chamar de discurso prático racional.287

Sobre a base da argumentação jusfundamental, Alexy informa:

La Base de la argumentación iusfundamantal puede dejando de ladoalgunas diferencias importantes ser caracterizada, como la de laargumentación jurídica general, com los términos ley , preceentes y dogmática . Com respecto a estos términos se dirá aqui tan solo loindispensable para exponer que la argumentación iusfundamental esposible como argumentación racional. 288

Como lei, pode-se entender os textos das disposições jusfundamentais

286 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Op. Cit, p. 92.287 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 530.288 Tradução: “A base da argumentação jusfundamental pode – deixado de lado algumas diferençasimportantes – ser caracterizada, como a da argumentação jurídica geral, como os termos “lei”,“precedentes” e “dogmática”. Com respeito a estes termos diz-se aqui tão somente o indispensávelpara expor que a argumentação jusfundamental é possível como argumentação racional (ibidem, p.533).

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e aquilo que expressa a vontade do legislador constitucional, considerando-se aí,

segundo Alexy, a forma de interpretação semântica e genérica, nesta última,

observando-se a interpretação subjetivo-teleológico que direciona os fins vinculados

pelo legislador constitucional nas disposições jusfundamentais. Entretanto, podem

vir a compor o processo interpretativo o método sistemático e histórico de forma

complementar.289

Os precedentes judiciais servem, também, para o objetivo

argumentativo jusfundamental. Os precedentes são julgados reiterados formulados

pelos Tribunais Constitucionais. 290

A chamada dogmática é a teoria jurídica que, como já mencionado

linhas acima, Alexy divide em três etapas, a analítica, a empírica e a normativa, e no

caso da argumentação jusfundamental, interessa a teoria normativa, que assim seria

denominada de teoria material de direitos jusfundamentais, que deve ser

fundamentada referindo-se ao texto da Constituição, ao sentido que pode ser

extraído da norma jusfundamental e aos precedentes dos Tribunais Constitucionais.

Mas, para Herbert Hart, há uma limitação quanto à natureza da

linguagem e da comunicação e o que podem ofertar para a interpretação, porque a

própria linguagem e mesmo outra forma comunicativa depende ela mesma de

interpretação. Afirma o Autor que há um limite não só quanto às regras, mas em

todos os campos de experiências, próprios à orientação e à natureza da linguagem,

mesmo diante de fatos simples que se repetem constituindo-se em casos

semelhantes, familiares, nos quais pode até haver um assentimento geral nas

decisões, mas frente a posições contra ou a favor, criar uma crise de comunicação,

na qual a solução deverá ser dada por aquele que estiver incumbido de decidir, e

289 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 533.290 Ibidem, p. 534.

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proceder as escolhas dentro das alternativas abertas, verificando-se aí, sem dúvida,

uma margem de discricionariedade de quem vai decidir, calibrada pela linguagem

que pode até mesmo deixar um poder de discricionariedade muito amplo. 291

É aquilo que se denomina de textura aberta das orações, motivadas

pelo próprio uso da linguagem, através das palavras que a compõem ínsita a

linguagem natural, pela sua ambigüidade. Com relação à textura aberta Hart procura

justificar que:

A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de condutaem que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelostribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz dascircunstâncias, entre interesses conflituantes que variam em peso, de casopara caso. 292

É que, no que diz respeito à linguagem utilizada pelos parlamentos ou

pelos precedentes, estas não oferecem muita segurança mediante o caso concreto,

não garantindo uma coerência, pelo que, como já mencionado, abre-se a

discricionariedade ao juiz que deverá escolher entre as diversas opções oferecidas

pela norma. Na verdade, não se trata de uma escolha arbitrária ou irracional, mas

balizada pela norma. Hart afirma que isso é natural pela própria condição humana

da impossibilidade de prever todos os casos, todas as questões futuras, pelo que o

direito deverá ser formulado dentro dos termos e conceitos de textura aberta, que

pode variar de acordo com a classificação da coisa a qual é aplicada, do que

resultará a necessária intervenção humana de forma discricionária. 293

Para Hart, então, seria equivocado o pensamento dos formalistas de

não admitirem o sistema de escolhas no momento de aplicação de norma de textura

aberta. Entretanto, critica o absoluto ceticismo dos realistas. Não aceita que o direito

291 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Tradução de Maria Ribeiro Mendes. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1972, p. 138.292 Ibidem, p. 148.293 Ibidem, p. 174.

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é somente aquilo que deriva dos tribunais. Hart aceita o espaço ocupado pelos

céticos no sistema jurídico, mas em espaço limitado aos casos difíceis que se

encontram na penumbra, onde a textura é aberta, havendo aí margem de

discricionariedade.

Nos casos em que a textura é aberta, Hart afirma que a previsão de

solução do caso deve ser em conformidade.294

Não se pode deixar de ter em vista, contudo, que as manifestações

vulgares ou simples da atividade jurídica são facilmente reconhecidas por todos, e

quase que mecanicamente resolvidas, entretanto, diante dos problemas mais

elevados e gerais, aqueles denominados hard cases , que encontram-se na

penumbra, quando se trata de situar a idéia do Direito, de determinar-lhe os

elementos essenciais, de distingui-la de outros objetos e categorias afins, surgem

dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente para resolver.295

A respeito da textura aberta, Carrió salienta que há uma característica

de vagueza das palavras resultando na textura aberta da oração que se constitui em

uma enfermidade incurável das palavras enquanto linguagem material. 296

Ronald Dworkin afirma não haver espaço para a discricionariedade dos

juízes nos casos difíceis, desenvolvendo um ideário voltado a que através da teoria

da adjudicação, não se deixe espaço para a discricionariedade judicial, não do modo

como pensado por Hart. Afirma que o sistema jurídico não pode ser visualizado tão

somente como regras, mas princípios e policies, estas últimas que são metas

políticas que pretendem ser atingidas pelo governo. Dworkin insere os princípios no

sistema jurídico, na tarefa da adjudicação, de modo a demonstrar que assim, o

espaço deixado aos magistrados seja bastante restringido, e, uma vez inseridos os

294 HART, Herbert L. A, Op. Cit, p. 138.295 Ibidem, p. 139.296 CARRIÓ, Genaro Op. cit, p. 35-36

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princípios e policies na atividade de aplicação do direito, não estariam fora do

sistema jurídico e aplicando elementos estruturantes deste, não se confundindo com

os seus próprios valores. Ancora seu pensamento no exercício dos Princípios da

Integridade, Legislativa e Judiciária, que pede aos legisladores e aos juízes que

identifiquem o direito como advindos de uma só autoridade, a comunidade

personificada, assim procedendo conforme as práticas da comunidade jurídica,

ajustando-se ao Princípio moral de Integridade, encontrado o direito dentro do que

concebe a comunidade personificada e não fora dela. 297

Dworkin critica o modelo positivista de Hart, no que diz respeito à

discricionariedade judicial, apontada por Hart em casos de inexistência de uma

norma exata para aplicação a um caso concreto, onde, na ocasião, segundo Hart, o

Juiz tem espaço para decidir discricionariamente. 298

Concorda que o direito não pode oferecer resposta a todos os casos

que se apresentam, mas que o pensamento de Hart em que nos casos difíceis não

existe resposta correta está equivocado, criticando tal tese, pois para Dworkin, há de

ser encontrada a resposta correta. 299

Um caso pode ser considerado difícil seja porque existem várias

normas que determinam sentenças distintas, porque sejam contraditórias ou porque

não existe norma aplicável. 300

Dworkin afirma que para os caso difíceis existem respostas corretas

tendo em vista o material jurídico composto por diretrizes, princípios e normas,

sendo suficiente para a elaboração da resposta correta. Afirma que sua teoria

justifica a melhor questão dos casos difíceis. Dentro dessa teoria desenvolve a idéia

297 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 199.298 Ibidem, p. 200.299 Ibidem, p. 201.300 Ibidem, p. 199.

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de que o juiz deve buscar critérios que justifiquem a decisão que devem ser

consistentes com essa teoria, pois nos casos difíceis deve recorrer aos princípios, e

propõe um modelo de juiz que seja capaz de buscar solução para os casos difíceis,

como o imaginário juiz Hércules, que estabelece como modelo. 301

As regras funcionariam ao modo tudo ou nada (all ou nothing). Posto o

fato, a regra se aplica sem maiores indagações, admitindo-se as exceções apenas

pelas mesmas previstas.

Alexy, entretanto, afirma que, diferentemente do que pensa Dworkin,

nem todas as regras possuem caráter definitivo, podendo conter exceções nelas não

previstas, desde que estas exceções estejam fundadas em princípios. 302

Os princípios são razões que podem levar à decisão, mas que admitem

várias conclusões. Pode ocorrer colisão entre os princípios, ocasião em que o

intérprete e aplicador deverá conferir peso e importância a cada um desses, e a

viabilidade de harmonização dos mesmos.

No conflito de normas, apenas uma deverá ser aplicada,

desaparecendo a outra. Quanto aos princípios, por terem a mesma dignidade e

hierarquia, deve ser feita a ponderação de peso e importância diante do caso

concreto.

Assim, para Dworkin, o juiz não decide casos difíceis de forma

discricionária e embora a própria lei não apresente elementos absolutos para a

decisão, o direito oferece os próprios critérios que deverão ser observados pelo

mesmo, como os princípios e policies.303

Afirma, ainda Dworkin que, mesmo onde haja textura aberta, estão,

portanto, os juízes obrigados e condicionados por princípios que integram o direito,

301 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 202.302 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 98-103.303 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 81

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eis que são os mesmos que direcionam os sentidos. E, assim, condicionados a

decidir conforme a lei, e, na penumbra, pelos princípios e policies, afasta a

discricionariedade exacerbada pensada pelos realistas. Para Dworkin, o juiz não

pode criar o direito, mas, tão somente aplicá-lo de acordo com o contexto oferecido

pela comunidade personificada, considerando que a interpretação será aceita se

efetivamente de acordo com a prática reiterada da comunidade jurídica, devendo o

juiz encontrar o direito em decisões do passado para julgar o presente, e de acordo

com os motivos que levaram o legislador a promulgar a lei, cabendo ao juiz aplicar o

direito como ele é e não como pensa que é. 304

Dworkin, portanto, critica Hart contra a afirmação de que os juízes

possuem poder discricionário na decisão de casos difíceis no direito, sendo

veemente em afirmar que as partes têm o direito a uma decisão de acordo com o

ordenamento jurídico preexistente. Afirma, ainda, que o direito não pode ser

visualizado independentemente da moral, referindo-se à moralidade política, dentro

dos padrões do governo democrático.

Para Dworkin, a prática interpretativa consiste em três fases: l) Pré-

interpretativa – com a identificação de regras e princípios, com paradigmas

experimentais para fins de dar sustentação aos argumentos que desenvolverá

dentro dos identificados fatos ou a prática social a ser interpretada; 2) Interpretativa

– o intérprete e aplicador do direito deve proceder a uma justificação, que significa

dizer os argumentos de moral e política dos elementos envolvidos de modo a

ajustarem-se aos elementos delineados na fase pré-interpretativa, ou seja, aos fatos

e às práticas sociais, de modo a que o intérprete não se sinta como que inventando

o direito; e 3) Pós-interpretação – o intérprete formula reformas à prática jurídica

304 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 81.

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existente, com decisão que se fundamente eficazmente em razões aceitas pelo

menos pela maioria da comunidade. Essas três fases fazem parte de um processo

unitário. 305

Para Dworkin, o direito como integridade exige que os casos similares

sejam tratados de maneira similar, condenando o decisionismo. Deve considerar o

critério valorativo de identificação da norma jurídica. O juiz deve estar comprometido

com o ideal político de integridade. 306

Eros Roberto Grau nega a existência da discricionariedade judicial,

afirmando que o juiz ao deparar-se com lacunas normativas, ainda assim, tem o

dever de tomar as decisões vinculado aos princípios gerais do direito, de modo

algum podendo produzir normas livremente. Esse autor, na linha de Dworkin,

repudia a discricionariedade mediante a textura aberta. A abertura dos textos do

direito, para viabilizar a sua constante sintonia com a realidade, não significa que o

intérprete esteja liberado do seu compromisso com o sistema, com o ordenamento

Jurídico, sua fonte real de inspiração, sob pena de assim não procedendo, subverter

o texto. 307

Então, a interpretação deve ser orquestrada exatamente dentro de um

juízo de legalidade e não alicerçada no terreno movediço da oportunidade ou

discricionariedade, que não se confunde com a liberdade de pensar, esta jungida ao

sistema, ao ordenamento, não em espaço de criação do direito, mas sim de

aplicação do mesmo.308

A interpretação científica começa coletando dados para depois

305 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 82.306 BARROSO, Luiz Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade.Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da lei deImprensa. RTDC, vol. 16. out/dez 2003, p.61.307 GRAU, Eros Roberto. Op. cit, p 207.308 Ibidem, p. 209.

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interpretá-los, e se desenvolve a Teoria da Interpretação a partir da prática

dominante, de modo que qualquer relato da interpretação deve ser verdadeiro, por si

mesmo considerado.309

Um participante do processo de interpretação, mediante a prática

social proposta, atribui à mesma um valor e verifica os objetivos que pretenda

expressar, porque a interpretação deve por em prática uma intenção. 310

Devem ser consideradas as implicações da interpretação, de modo que

até mesmo as intenções concretas e detalhadas podem ser problemáticas.

2.2.3 A Fundamentação das Decisões

A atividade argumentativa e decisória é obrigação do magistrado, de

fundamentar e justificar as razões que o levaram a determinada decisão, aquelas

provenientes das operações mentais do mesmo. Assim é para que possam ser

atingidos a finalidade, o controle e a possibilidade de impugnação, contrariedade e

reavaliação do decidido perante as partes, perante a opinião pública e perante os

tribunais superiores.

Segundo Luiz Roberto Barroso, na atividade interpretativa o intérprete

não faz escolhas próprias, mas revela o que já se contém na norma de modo que o

juiz desempenha um papel técnico de aplicador e não de criador do direito.311

A linguagem é um instrumento construtivo e não elemento absoluto do

conhecimento no direito. A questão do valor, que é a relação entre o objeto e o

sujeito, precisa ser observada. 312

309 DWORKIN, Ronald. Op .cit, p. 60-63.310 Ibidem, p. 64.311 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª. Edição. São Paulo:

Saraiva, 1998, p . 98.312 MIRANDA, Pontes. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Atualizador Wilson Rodrigues Alves.Campinas: Bookseller, 2000, p. 233.

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A linguagem constitucional, em face de assentar normas

principiológicas e esquemáticas, é mais aberta, vaga, com um maior grau de

abstração, deixando para o intérprete um espaço para revelar a mensagem do

conteúdo inserido na norma e adaptar-se ao momento de sua aplicabilidade e

concretização. 313

A lei, contudo, não é o direito. A regra jurídica apenas se conexa com a

realidade daquele momento histórico. O intérprete deve buscar a noção da realidade

social, mediante a sua estática e a sua dinâmica, porque sem estas circunstâncias

estaria adstrito tão somente às suas próprias noções particulares. 314

2.2.4 – As Principais Espécies de Interpretação Jurídica

Os métodos de interpretação são mecanismos e instrumentos através

dos quais o intérprete busca a melhor compreensão e justificação para a solução do

ato interpretativo. Pode ser mesmo considerada uma estratégia de justificação. O

objeto da interpretação jurídica deve constituir-se do próprio direito a ser

interpretado, que se encontra semioticamente representada nos seus textos. O

intérprete, em verdade, deve, mais que descobrir e compreender o sentido e alcance

da norma, buscar a sua realização prática, efetivamente. A interpretação jurídica é

um ato do intelecto, cognoscitiva, que deve resultar nesse sentido e alcance prático,

que deverá exprimir a ordem que emana da sociedade nas relações

intersubjetivas.315

Vários são os métodos que podem ser utilizados, mas havendo

destaque para alguns considerados principais pela dogmática. Entre eles o método

gramatical, o exegético, a lógica do razoável, histórico-evolutivo, sociológico,

313 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Op. Cit., p.101-102.314 MIRANDA, Pontes. Op. cit, p. 115.315 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 203-204.

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sistemático, teleológico ou finalista, e a tópica.316

2.2.4.1 O método gramatical

Literal, filológico ou léxico, é um método tradicional, que remonta à era

romana, de correntes jurídicas formalistas, que assenta suas premissas na idéia do

sentido literal das palavras, no qual os vocábulos são examinados quer isolada

quer sintaticamente na oração, com sentido unívoco, limitando a interpretação. Em

dias atuais deve ser considerado um ponto de partida, mas não um único

mecanismo do processo interpretativo. Esse método ganha relevo quando o texto

da norma é veiculado em língua estrangeira. É considerado um método ingênuo

posto que a ciência do direito que se funda nos fatos da vida, impossível observar-se

apenas as palavras e signos lingüísticos, sem transcender aos significados da

lógica. 317

Norberto Bobbio propõe um discurso jurídico mais purificado e rigoroso

na elaboração dos textos jurídicos, na jurisprudência e na lei de modo a torná-la

mais técnica, em que os termos sejam mais especificamente ligados à ciência

jurídica.318

2.2.4.2 O método exegético

A escola da exegese formou-se na França, no início do Século XIX,

considerando que todo o direito estaria nos códigos e não haveria outra fonte, de

modo que o intérprete deveria apenas aplicar a lei. Foi elaborado em torno do

modelo napoleônico, a partir do Código Civil Francês de 1804, privilegiando

316 ANDRADE, Cristiano José de. O Problema dos Métodos da Interpretação Jurídica. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1992, p. 22.317 Ibidem, p. 31.318 BOBBIO, Norberto. Contribuición a la Teoria Del Derecho. Tradução. De Alfonso Ruiz Miguel.Valência: Fernando Torrres, 1980, p.187-188.

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sobremodo a norma, e assim o direito estaria contido nas normas emanadas do

Estado. O campo de discricionariedade do juiz seria quase nenhum, restringido a

declaração do que pretendeu o legislador na elaboração da norma, havendo até

previsão de sanção para juízes que violassem a aplicação do direito fora desse

padrão. Tal método adequava-se com facilidade para época na qual foi

implementado. Na atualidade, contudo, não tem muita pertinência e aplicabilidade,

haja vista a sociedade dinâmica, plural e globalizada dos dias atuais. Não significa

dizer, contudo, que não se deve proceder a uma investigação ou observação do

processo genético da norma, no sentido de perquirir qual o valor originário e histórico

subjetivo no qual se envolveu o legislador, na produção da normativa, e que se

constituiu em sua razão de ser, que acaba contribuindo para a conclusão

interpretativa.319

Esse método buscava satisfazer a ideologia burguesa da segurança

em face do absolutismo e garantir o implemento das atividades capitalista.320

2.2.4.3 O método lógico

O método que analisa a lei em seu conjunto harmônico no sistema

jurídico geral volta-se a mens legislatoris. A lógica jurídica não se identifica com a

lógica formal, mas com sua lógica própria, específica, que busca o sentido máximo

de justiça efetiva, de modo que obedecerá a lógica do razoável, preconizada por

Luis Ricaséns Siches, aquela cujo critério busca a maior justiça, na vertente da

razão projetada sobre assuntos humanos, pontos de vista axiológicos, eis que a

concretização do direito não se faz de modo mecânico, mas mediante considerações

de valores decorrentes da realidade social, de modo que a lógica formal, do tipo

319 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 32.320 Ibidem, Op. cit , p. 34.

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físico-matemático não está apta para a solução de problemas humanos eis que

neutra a valores éticos, políticos, jurídicos, e as normas são carregadas de dimensão

axiológica.321

A lógica do razoável se funda na equidade aristotélica, na busca da

solução mais justa e razoável, manejada por uma operação lógico-valorativa,

revitalizando e atualização a norma jurídica numa perspectiva de um objetivismo

atualista, compreendido que a lógica do razoável está circunscrita a critérios

objetivos valorativos que são extraídos da própria norma, sempre dentro de

contextos de atualidade. 322

2.2.4.4 O método histórico-evolutivo

Desenvolve-se a partir da observação das circunstâncias do momento

da criação da norma em cotejo com a atualidade da aplicação da mesma, fazendo-

se um levantamento das condições históricas, da finalidade e do sentido sua da

criação. Podem ser utilizados na investigação os trabalhos preparatórios (debates

dos parlamentares) e exposição de motivos, que são os motivos sociais ocasionais

que marcam a criação da lei.

A observação do intérprete deve ser feita das condições histórico-

interna, que dizem respeito às transformações pelas quais o próprio instituto passou,

como for a área da análise, por exemplo, o Direito de Família, o Direito de

Propriedade, o Direito de Empresa e outros. Já as condições histórico-externas são

como marco da evolução do direito diante de suas fontes, mormente a legislativa,

aquelas remotas e as próximas, considerando ainda as condições histórico-sociais

321 RECASÉNS SICHES, Luis. La Nueva Filosofia de la Interpretación Del Derecho. México: Porrua,1963, vol 1,p. 180- 186 -194.322 ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antonio Pinto de Carvalho. Rio deJaneiro : Edições de Ouro, 1990, p.136.

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que motivaram a edição da norma a ser interpretada. 323

Este método procura libertar o intérprete da opção pela investigação da

vontade do legislador, posto que um tanto quanto utópica, de modo que a norma

jurídica, ao ingressar no Ordenamento, liberta-se da pessoa do legislador e passa a

ter vida própria, prevalecendo os seus contextos histórico-evolutivos motivadores. 324

A interpretação histórico-evolutiva encontra justificação também em

face da vagueza, ambigüidade e textura aberta dos signos informadores da

linguagem normativa, que é uma linguagem natural, mormente dentro da

Constituição. O conteúdo da norma pode ser atualizado sem que seja necessária a

mudança do texto, posto que as redefinições conotativas ou denotativas são

baseadas em fatores axiológicos, advindo dos valores sociais do momento de sua

aplicação. O art. 5º. da Lei de Introdução ao Código Civil encampa o método

histórico-evolutivo, assim como o teleológico.325

O método histórico tem relevante pertinência na interpretação

constitucional, eis que se reporta ao substrato dos valores históricos que dão origem

às Constituições, das emanações sociais que servem de alicerce às proposições

que estão aptas as mutações ou não dentro dos conceitos abertos e vagos próprios

das normas constitucionais, servindo de orientação e ponto de referência para o

intérprete e aplicador da norma.326

2.2.4.5 O método sociológico (político-social)

O intérprete deve observar as funções e comportamentos das

323 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 216-217.324 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 36.325 Ibidem, p. 39.326 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição .Op. cit, p. 126.

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instituições sociais (político/cultural/econômico) no contexto em que ocorrem, dentro

da sua atualidade. O juiz deve aplicar a norma dentro da medida e de acordo com as

necessidades da sociedade contemporânea.327

O intérprete ao ter de aplicar uma norma que tenha 50 anos de criação,

certamente não pode estar definitivamente vinculado a perquirir a razão ou à

vontade do legislador, mas sim qual o seu fundamento racional da atualidade para

que assim possa decidir, o que denomina-se hoje de objetividade atualista, cuja

tendência à primazia nos cânones da interpretação da norma encontra grande

aceitação.328

2.2.4.6 O método sistemático

O intérprete compara a lei dentro do sistema normativo geral e

confronta com outros textos, de modo a harmonizá-la com o sistema jurídico. O

método sistemático disputa com o teleológico a primazia no processo interpretativo.

O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um

organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que

convivem harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade

do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser

interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as

conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. A

Interpretação então pode ser visualizada mediante o todo, a unidade e a

particularidade. 329

O sistema deve ser analisado diante da interdisciplinaridade, de modo

que o intérprete deve ter conhecimentos básicos de sociologia, economia, política e

327 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição .Op. cit, p. 40.328 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 40-41.329 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição Op. cit, p. 127-128.

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filosofia para bem aproximar-se da solução a ser aplicada ao caso concreto. O

método sistemático, portanto, interage nessa abrangência. 330

A norma constitucional não deve ser visualizada isoladamente, pois

pode não expressar seu real sentido e até mesmo entrar em contradição com uma

outra norma. É preciso que seja cotejada mediante todo o sistema, dentro da

perspectiva de unidade do Ordenamento Jurídico. No Brasil, a intepretação

sistemática é com freqüência utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. 331

2.2.4.7 O método teleológico e axiológico

O intérprete deve observar, na investigação, os fins e valores das

mensagens normativas. Perquirir o porquê e para que do conteúdo da norma, sua

finalidade, seu propósito ínsito na mensagem normativa observando o valor

apreciado pelo legislador para a elaboração da norma, pois a norma nasce para e

mediante um propósito, uma finalidade que lhe serve de fundamento, considerando

o direito como constatação e uma criação teleológica.332

A interpretação jurídica deve nortear-se pela finalidade da norma,

buscando, observando e compreendendo o fim colimado pelas expressões, como

elemento fundamental para desvendar o sentido e alcance da norma, visualizando o

fim objetivado, considerando as condições sociais daqueles para a qual foi

elaborada, pois a verdade da normativa está no seu propósito, eis que seu destino é

atuar sobre a vida e sua realidade. 333

A finalidade primeira do Direito é o assegurar à pessoa suas condições

vitais, compreendidas estas além das condições físicas, outras tantas que, segundo

330 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 216.331 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição , Op. Cit., p. 127-129.332 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 56.333 MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit, p. 150.

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seus critérios, podem propiciar um real valor. 334

Uma vez que a elaboração de leis pressupõe regularização de fatos da

vida, que nascem das relações sociais dos indivíduos, visualizados individualmente

como formadores e co-partícipes da coletividade e desses com o Estado, sendo ora

os indivíduos, ora o Estado, sujeito-fim das regras de direito, estas derivam em

função das razões e dos fins constatados pelo legislador como elementos

axiológicos fundamentadores da produção legislativa. 335

Assim, pelo método teleológico e axiológico, a interpretação jurídica

deve nortear-se pela finalidade contida na norma pela observação dos valores

inseridos na mesma, buscando observar o fim pretendido, pois nenhuma lei de

determinado tempo e espaço pode ser compreendida sem a análise das condições

sociais do povo.

2.2.4.8 O método tópico

O método tópico é aquele que leva o intérprete a pensar o problema a

partir de determinados pontos de partida, considerados por Theodor Viehweg topoi

são determinados pontos reconhecidos empregados a favor ou contra a questão

posta, dos quais o intérprete pode-se utilizar como instrumentos auxiliares na

aplicação tópica do caso efetivamente concreto. 336

Os argumentos desenvolvidos na tópica funcionam de forma

silogística, tendo nas premissas apresentadas questões semelhantes que podem ser

observadas pelo intérprete. A escolha de uma diretriz é feita mediante pontos de

vista considerados comuns e aceitos, decorrentes do fato concreto e não a partir da

334 Ibidem, p. 57.335 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 244-245.336 VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução de T.S. Ferraz Jr. Brasília: UNB, 1979,p.27.

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norma. 337

A palavra topos quer dizer lugar comum. Os topoi, são justamente

aqueles argumentos previamente formulados e desenvolvidos pela retórica que

visam a persuasão, a adesão por suas próprias proposições demonstradas no caso

concreto, a partir do qual podem ser extraídas soluções.338

Cícero considerou a tópica mais que uma dialética, mas uma

verdadeira práxis argumentativa previamente aceita em circunstâncias comuns

tendentes ao exercício retórico para justificar decisões assemelhadas ou que

pudesse servir de premissa. 339

A tópica faz parte de uma busca de novas tentativas de hermenêutica e

interpretação, principalmente hodiernamente quando as leis, face às rápidas

transformações sociais ocorridas principalmente a partir de meados do século XX,

não apresentam conceitos precisos, mas permeados pela vagueza nos conceitos

jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais, caracterizados pela incerteza e

extensão dos conteúdos e em face de que as palavras da lei são palavras da

linguagem natural, não são precisamente termos técnico-jurídicos, abrindo, portanto,

a busca doutrinária dentro dos pressupostos da tópica e da retórica para adequar ao

direito os fatos e valores da vida, emanados do desenvolvimento social. 340

Canotilho, sobre a tópica usada como método de interpretação

constitucional, destaca algumas particularidades:

I caráter prático de interpretação constitucional, visto que como todainterpretação jurídica, procura resolver problemas concretos. II- caráteraberto, fragmentário ou indeterminado das normas constitucionais; III-preferência pela discussão do problema em virtude da abertura daConstituição que não permite qualquer dedução subsuntiva a partir delamesma.341

337VIEHWEG, Theodor. Op. cit, p.27.338 Ibidem, p. 88-89.339 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p.71-72.340 Ibidem, p.72.341 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição .Op. cit, p. 1070.

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2.2.5 – Classificação Quanto ao Resultado Interpretativo

Quanto ao resultado derivado da atividade hermeneuta, podem se

concentrar três eventos distintos:

a) Declarativo: Ocorre nos casos em que haja dúvida, mas que é

esclarecida por estar em harmonia entre a letra da lei e a mens legis, isto é, a letra

da lei coincide com a mensagem contida na norma emitida pelo legislador,

consubstanciando-se então no sentido literal da norma.342

O signo lingüístico traz em si mesmo uma transmissão bifásica

revelada como significante e significado. O significante é a transmissão acústica ou

gráfica da mensagem, o significado a impressão psíquica do som emitido, da grafia,

da imagem, como atuam nas teias mentais de quem recebe visualizando ou

escutando na formação dos conceitos decorrentes desses sons e imagens. Desta

forma, os signos lingüísticos podem sofrer uma mutação por vários fatores externos

de concepções emanadas do próprio seio social, com possibilidade de variação do

seu significante-significado. Dessa forma, o contexto lingüístico e a situação humana

é que vão servir como base para determinar o seu sentido. 343

b) Restritivo: Quando é preciso restringir o significado da lei, pela

amplitude de sua expressão literal não corresponder com seu real sentido, melhor

dizendo, quando o legislador disse mais quando queria dizer menos, é possível

proceder à interpretação restritiva, muito comum quanto às regras gerais, às que

estabelecem benefícios, às punitivas e às de natureza fiscal. 344

Assim, também, todas as regras que restrinjam direitos ou garantias

constitucionais devem ser interpretadas restritivamente. Da mesma forma as que

estabelecem exceções. O raciocínio que servirá para restringir o sentido da norma

342 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p.114.343 Ibidem, p.114.115.344 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Op. cit, p.114-115.

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deve ter como base elementos axiológicos e teleológicos que nortearam o propósito

dirigido na formulação da norma, pelo pressuposto de que todo ato normativo tem

uma razão de ser e onde cessa essa razão de ser, cessa também o seu alcance. 345

c) Extensivo: Quando é necessário ampliar o sentido da norma para

além do contido na sua letra, de modo inverso, quando o legislador disse menos do

que queria dizer, fazendo-se necessária a interpretação extensiva. Os elementos

para a extensão dos sentidos da norma encontram-se implicitamente no próprio

conteúdo conforme o pensamento legislativo da mesma viabilizando a sua

ampliação dentro das mensagens emitidas pelo legislador reveladas na própria

norma, mas na mesma não consignada expressamente. 346

Quando se trata de tipos cerrados, como no Direito Penal, em face do

princípio da legalidade, (art. 1º. Do Código Penal), o intérprete deve evitar a

interpretação extensiva. A interpretação extensiva não se confunde com analogia,

eis que na primeira o sentido está implícito na norma que existe, na analogia não há

sentido explicito porque falta a norma, ou seja, há lacuna, esta que deverá ser

preenchida através da integração, por um caso apenas semelhante. 347

345 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 117-118.346 Ibidem, p.118.347 Ibidem, p. 117-118.

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CAPÍTULO III – ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES VERSUS

HERMENÊUTICA APLICADA AO DIREITO FUNDAMENTAL VIDA

3.1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo foram selecionados acórdãos que exprimem o

posicionamento dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal – STF – e

Superior Tribunal de Justiça – STJ) acerca do direito fundamental à vida, positivado

na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

No intuito de investigar o posicionamento jurisprudencial das cortes

superiores acerca da hermenêutica constitucional aplicada ao direito fundamental

vida, foram analisados julgados que possuem temáticas como o direito à saúde e a

responsabilidade do Estado em provê-la, a possibilidade de saque do FGTS para

garantir tratamento a portadores de HIV, de fornecimento de medicação contra

doenças mórbidas, como a Hepatite “C”, a questão do aborto anencefálico, a

manutenção de desconto concedido por lei a idosos na compra de medicamentos, o

fornecimento de medicamentos de forma gratuita a portadores do vírus HIV, o

tratamento de saúde no exterior dentro outros direitos relevantes para o estudo do

caso presente, observando se os tribunais superiores, em si, atribuem a máxima

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eficácia ao direito fundamental vida, tida como o bem mais precioso da pessoa

humana, possuindo grande relevância na atualidade, tendo em vista as constantes

tentativas de violações, na maior parte das vezes intentadas pelo próprio Estado.

A metodologia empregada na interpretação dada aos casos nas

jurisprudências será determinada pelo exame das decisões, com o fito de

estabelecer qual a linha hermeneuta utilizada para dar balize às questões sobre o

bem jurídico vida, alcançando, assim, o intuito da presente dissertação.

Por mais simples que possa parecer o texto da norma e, em especial, o

texto constitucional, no qual em grande parte os termos ou os signos lingüísticos

utilizados pelo Legislador são os da linguagem comum, principalmente aqueles

pertinentes aos direitos fundamentais, sua aplicação exige uma extração do sentido

de seus signos, até porque a interpretação constitucional envolve uma investigação

e uma mediatização semântica dos enunciados lingüísticos. 348

Há, sem sombra de dúvidas, dificuldades neste processo, de modo

significativo quando se trata de direitos fundamentais, eis que estes não são

absolutos e podem ser objeto de ponderação frente aos outros direitos

fundamentais, mas as dificuldades são ultrapassadas na medida em que o julgador

fundamenta suas decisões orientadas por juízos de valor, que serão analisados

após a apresentação sucinta do rol dos ementários das decisões envolvidas na

presente análise.

348 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 2ª. Edição.Coimbra:Almedina, 1998, p. 1080.

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117

3.2 ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO DIREITO À VIDA

O presente item é composto de dezoito jurisprudências que,

pesquisadas com o esmero de atender aos objetivos desta dissertação, trarão os

subsídios para a análise hermeneuta em que cada julgado apresenta, de ambas as

Cortes Superiores – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça –

apresentando, após a exposição de cada qual em seu item, um comentário geral

acerca de cada grupo temático, como se expõe a seguir.

3.2.1 Da Responsabilidade do Estado na questão do direito à vida

Abaixo, apresentam-se quatro jurisprudências acerca do assunto,

oriundas do Superior Tribunal de Justiça, infra.

3.2.1.1 Recurso Especial n. 656.979 349

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOADESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTOGRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS.1. Em sede de recurso especial, somente se cogita de questão federal, enão de matérias atinentes a direito estadual ou local, ainda mais quandodesprovidas de conteúdo normativo.2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva do Município parafigurar em demanda judicial cuja pretensão é o fornecimento de próteseimprescindível à locomoção de pessoa carente, portadora de deficiênciamotora resultante de meningite bacteriana.3. A Lei Federal nº 8.080/90, com fundamento na Constituição da República,classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado.4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal eMunicípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros oacesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ouabrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves.5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é dereconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva dequaisquer deles no pólo passivo da demanda.6. Recurso especial improvido. (grifos nossos). 350

349 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Medida Cautelar n. 7.492-SP. Relatora Minª. Laurita Vaz,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.350 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.

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3.2.1.2 Recurso Especial n. 662.033. 351

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. MENOR POBRE. OBRIGAÇÃODO ESTADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE.1. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar aentrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecermedicamento essencial à saúde de menor pobre, especialmente quandosofre de doença grave que se não for tratada poderá causar,prematuramente, a sua morte.2. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública emdefesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício demenor pobre. Precedentes: REsp 296905 PB e REsp 442693 RS.3. O Estado, ao se negar a proteger o menor pobre nas circunstâncias dosautos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha acidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violentade atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.4. Embargos de declaração conhecidos e providos para afastar a omissão ecomplementar, com maior precisão, a fundamentação que determinou oprovimento do recurso para reconhecer a legitimidade do Ministério Público,determinando-se que a ação prossiga para, após instrução regular, ser omérito julgado. 352

3.2.1.3 Recurso Especial n. 271.286 353

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídicaindisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própriaConstituição da República (art. 196). Traduz bem jurídicoconstitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneiraresponsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar

políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aoscidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal eigualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde

além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas aspessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito àvida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de suaatuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-seindiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, aindaque por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Ainterpretação da norma programática não pode transformá-la em promessaconstitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita noart. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entespolíticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa doEstado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucionalinconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativasnele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, ocumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável deinfidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental doEstado. (...). O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas dedistribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelasportadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais daConstituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, naconcreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida

351 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL N. 662.033, RIO GRANDE DO SUL,Rel. Ministro José Delgado, disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

352 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..353 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,

Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

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e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nadapossuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de suaessencial dignidade. Precedentes do STF. 354

3.2.1.4 Recurso Especial n. 770.969 355

ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTOMÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTASPÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, CAPUT E § 5º DO CPC.1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e datutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidascoercitivas, chamadas na lei de "medidas necessárias", que têm comoescopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas.2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas daexpressão "tais como", o que denota o caráter não-exauriente daenumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistradoa escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades decada caso concreto.3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutelaao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutelaantecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso jádecidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas pararesguardar as exceções do art. 1º da Lei 9.494/97.4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/88 não se aplica aospagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, demodo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada emjulgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedidaestá relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação dasnormas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é avida.6. Recurso especial improvido. 356

Nos julgados em análise, de origem do Superior Tribunal de Justiça,

ficou afirmado o caráter teleológico-sistemático na interpretação da norma,

relevando, de um lado, a obrigação positiva do Estado, assim entendido como todos

os entes federativos, na obrigação da prestação da saúde como direito correlato ao

da vida, de forma solidária, e a posição de instituições judiciárias, como o Ministério

Público, na aptidão para mover ação em favor de menor pobre, para a defesa do

direito indisponível à saúde sem prejuízo de, noutro julgado, determinar a imediata

reserva pelo poder público em qualquer de suas instâncias de valor para o custeio

354SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.355SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 770.969, Rel. Min Castro Meira, Disponível

no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005356 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.

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de tratamento de saúde, para garantir e fazer prevalecer o direito fundamental à

vida, de aplicação imediata, ex vi do que dispõe do § 1º. Do art. 5º. e art.196 da

Constituição.

No entanto, o Tribunal Excelso delimita competências. Mas mesmo

assim, abstendo-se de julgar o mérito, por não lhe pertencer à causa em que impõe

deveres a Municípios e Estados, acaba por provocar, via reflexa, a análise do direito

à vida em prol do pólo passivo do recurso.

Nessas jurisprudências, ficou manifesta a opinião de que a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis solidários pela

promoção, proteção e recuperação da saúde junto ao indivíduo, e para tanto devem

empreender ações positivas para o seu cumprimento ao efeito de tutelar o direito à

vida, sob pena de assim não procedendo submeterem-se a procedimentos judiciais

no pólo passivo para serem compelidos ao cumprimento desse dever, que emerge

da extração do sentido da norma fundamental que protege o bem maior da pessoa

humana que é a vida, refletida no direito a saúde no mais integral conteúdo.

Analisando a composição normativa do direito à saúde, positivado na

Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 24, Inciso XII, prevê o

mesmo que temas como previdência social, proteção e defesa da saúde serão

elaboradas a partir de uma regulamentação de forma geral pela União, enquanto os

Estados e Municípios normatizarão de forma particular a distribuição destes direitos.

Não obstante isto, o dever é solidário entre todos os entes federativos, a teor de uma

interpretação teleológica-finalista.do art.196 da Constituição, quando atribui esse

dever ao Estado assim considerado como o poder público em todos os seus níveis

de competências.

No que tange à sua prática, concretizando o direito à saúde, a

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competência administrativa relaciona-se não à elaboração de leis, mas à execução

das determinações normativas e dos serviços públicos, através de políticas sociais e

econômicas a serem realizadas pela pessoa jurídica de direito público, seja a União,

os Estados-membros e Município co-responsáveis, co-obrigados na tarefa.

Tal competência pode ser exclusiva de cada ente ou comum da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em sendo comum, compete a

todos a promoção de ações conjuntas, devendo haver cooperação entre eles. A

competência administrativa comum é prevista no artigo 23 da Constituição Federal e

tem por objetivo a proteção de forma ampla dos interesses elencados neste

dispositivo, tendo em vista, ainda, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar

em âmbito nacional. O artigo em comento dispõe, em inciso II:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal edos Municípios:II cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia daspessoas portadoras de deficiência(...)

Tendo em vista que o objeto pretendido é universal, a saúde é

competência administrativa comum das três esferas de poder, não havendo que se

falar em responsabilidade da União, ou do Estado e, muito menos, apenas do

Município restrita à elaboração de normas gerais. A competência administrativa, em

que os interesses gerais e locais se coincidem, atribui aos três entes federados o

poder-dever de realizar ações efetivas, e não de elaborar e regulamentar normas,

simplesmente, por um ou outro ente federativo.

Percebe-se, pois, que a saúde é direito de todos e dever do Estado,

conglomerando, neste ínterim, todos os entes federativos, sendo sua execução feita

diretamente por qualquer um dos entes, solidariamente. Para tanto é que foram

estabelecidas as normas relativas ao SUS – Sistema Único de Saúde,

regulamentado pela Lei Federal 8.080/90, nas quais também é possível extrair a

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responsabilidade solidária dos entes, conforme demonstrado abaixo:

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos einstituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administraçãodireta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui oSistema Único de Saúde (SUS).Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privadoscontratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS),são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 daConstituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:(...)IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cadaesfera de governo:a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;(...)XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanosda União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação deserviços de assistência à saúde da população;

Esclareça-se que o supracitado inciso IX, do artigo 7º, prevê a

descentralização dos serviços para os Municípios, de nada retirando a

responsabilidade dos outros entes em garantir que o serviço seja prestado com

eficiência. Aliás, cumpre a tais entes o repasse de verbas aptas à garantia da

execução dos serviços. Devem responder, pois, pelo descumprimento de suas

obrigações estabelecidas e aquelas reflexas que podem surgir, como é o caso da

jurisprudência estudada. Por conta disto é que mesmo que tenham efetivado o

repasse e cumprido para com seus deveres, são ainda partes legítimas, vez que a

legitimidade é aferida em abstrato, como se extrai do art. 196 da Constituição, que

atribui esse dever Estado considerado como o poder público em geral, ademais

porque, a palavra saúde, na análise semiótica e sob o prisma da sintaxe ou do

contexto dentro da oração, denota o direito fundamental da á vida, através do qual

se desdobram todos os demais, irrenunciável, inalienável, gravado com a garantia

de clausula pétrea, oponível em face do Estado, em qualquer nível de Poder.

No mesmo sentido, o julgado que trata da posição do Ministério Público

na representação de menor pobre, destaca-se no texto, para balize da relação

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processual analisada no recurso, ser dever institucional do Parquet a busca da

tutela do direito à saúde de menor pobre, ao qual o Estado nega prestação desse

direito, omite-se na garantia do direito fundamental da saúde, violando seu dever

constitucional, atentando contra a dignidade e a vida.

Desta forma é que se impõe, por força da Carta Magna, em seus vários

dispositivos fundamentais, o dever ao Poder Público assim considerado o Município,

os Estados e a União de procurar a solução rápida e eficiente ao paciente, de modo

a preservar-lhe a saúde e bem estar, independente de se averiguar de quem é a

responsabilidade. Havendo negativa por qualquer um desses Entes em solucionar o

problema do paciente, o Estado estará criando um impasse e uma situação de

ineficácia completa do preceito constitucional ao direito fundamental à vida, violando

seu dever de cuidado e preservação da saúde da pessoa humana.

Pelo imperativo maior de que o direito à saúde encontra-se

intrinsecamente ligado ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à

assistência social e à solidariedade, não pode ser inviabilizada por inoperância

administrativa ou processual, pelo que todos os entes federativos não devem se

furtar ao cumprimento deste direito, hoje em dia tão vilipendiado por conta das

políticas governamentais mínimas de um lado e, por outro, de uma doutrina populista

que transforma o direito em favor e, conseqüentemente, o direito à vida em uma

concessão condicional, nunca voluntária, ao cidadão brasileiro. O legislador, ao

estabelecer a obrigatoriedade por parte do Estado em todas as suas esferas de

poder, da garantia e promoção da saúde, que reflete diretamente no direito à vida,

assim procedeu, levando em consideração, também, a realidade fática nacional de

efetiva assimetria social a reclamar uma maior rede de proteção, pois, como

declarado na jurisprudência STJ RE n. 271.286, no sentido de que direito à saúde,

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além de ser conferido como direito fundamental que assiste a todos, representa

conseqüência indissociável do direito à vida, cuja omissão pelo Poder Público cria

um grave comportamento inconstitucional.

Os acórdãos enfocados, quando reconhecem a responsabilidade

solidária do Estado na prestação do direito à saúde, ou admitem ser função

institucional do Ministério Público buscar a prestação jurisdicional para que o Estado

seja compelido ao fornecimento de medicamento essencial à vida de menor, pois a

falta desse medicamento pode levar a morte, ou quando desobrigam o Estado ao

regime de precatórios, possibilitam o bloqueio e imediata liberação dos valores para

custeio de despesas com o tratamento de saúde do desamparado, e declaram

como direito público subjetivo à saúde o tratamento a portadores do vírus da AIDS.

Verifica-se uma interpretação teleológica a extrair da norma a sua finalidade que é a

promoção e proteção da saúde correspondente à garantia do direito fundamental a

vida, aplicando o princípio da proporcionalidade levando em conta a adequação e a

necessidade da medida em face de não haver outra que propicie maior otimização

do comando constitucional, sendo as vantagens maiores do que as desvantagens,

que possam resultar para o cumprimento do efetivo e pleno exercício do direito

fundamental à vida.

Destaca-se, também, que a análise hermenêutica guardou uma

estrutura sociológica e sistemática, uma vez que coteja o fato social que produz a

norma, tendo especial atenção para os mais desassistidos no Sistema Único de

Saúde, bem como também guarda consonância com o método sistemático, ao

colacionar a lei que abrange este mesmo sistema como desdobramento do que

estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, compondo,

nas conexões das normas que regem o direito à vida, facetado no direito à saúde,

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um resultado extensivo ao caso, principalmente no que tange ao caso dos

precatórios, mais explícita na jurisprudência do STJ RE-RS 770.969.

Sem prejuízo da presente jurisprudência, o reflexo processual causado

na análise de competências, delimitações ou aspectos formais do processo vencido

pelo recorrente ganhou um reflexo material, quando o próprio mérito acabava por ser

indiretamente analisado, como condição sine qua non de promoção do direito à vida

e à saúde, responsabilizando, em todos os julgados apresentados, o Estado, num

todo, pela prestação de tal direito fundamental, pela promoção do direito à cidadania

plena e à dignidade da pessoa humana, em especial àqueles que poucos recursos

possuem para fazer gozo de tal direito indissociável a todos.

A garantia do exercício de um direito fundamental é reflexo do Estado

Democrático de Direito, pois significa a efetividade de um valor discutido e

reconhecido democraticamente pelos participantes do processo democrático, que

não pode ser desrespeitado pelo Estado, mas sim verdadeiramente implementado.

3.2.2 Tratamento de saúde e direito à vida

Da análise presente, colacionam-se três outras jurisprudências do STJ,

infra:

3.2.2.1 Recurso Especial n. 249.026. 357

FGTS. LEVANTAMENTO, TRATAMENTO DE FAMILIAR PORTADOR DOVÍRUS HIV. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. É possível o levantamento do FGTS para fins de tratamento de portadordo vírus HIV, ainda que tal moléstia não se encontre elencada no artigo 20,XI, da Lei 8036/90, pois não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria dalei, e sim considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção dolegislador, mormente perante o preceito maior insculpido na ConstituiçãoFederal garantidor do direito à saúde, à vida e a dignidade humana e,levando-se em conta o caráter social do Fundo que é, justamente,assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessidade básicas e deseus familiares.2. Recurso Especial desprovido.358

357 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 249026-PR. Relator Min. José Delgado,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

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3.2.2.2 Recurso Especial n. 226.835. 359

Acórdão recorrido que permitiu a internação hospitalar na modalidadediferença de classe , em razão das condições pessoais do doente, quenecessitava de quarto privativo. Pagamento por ele da diferença de custodos serviços. Resolução nº 283/91 do extinto INAMPS. O art. 196 daConstituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação deassistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadãoaos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direitoà saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraçosimpostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou dedificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação dacitada Resolução nº 283/91 do INAMPS, que veda a complementariedade aqualquer título, atentou para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, ode assistência à saúde. 360

3.2.2.3 Recurso Especial n. 681.012. 361

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II,DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DEPILHAS PARA O FUNCIONAMENTO DE APARELHOS AUDITIVOS EMFAVOR DE MENOR. SAÚDE.DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIOAD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201DO DA LEI N.º 8.069/90.1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origempronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos.Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, osargumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizadostenham sido suficientes para embasar a decisão.2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidadeativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor demenor, o fornecimento de pilhas para o funcionamento de aparelhosauditivos.3. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interessestransindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuaishomogêneos.4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania nocontrole dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais doart. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série deinstrumentos processuais de defesa os interesses transindividuais, criou ummicrosistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade daadministração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação CivilPública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentosconcorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.5. Deveras, é mister conferir que a nova ordem constitucional erigiu umautêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interessestransindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dosmesmos.6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final dodisposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses

358 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.359 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 226.835, Rel. Min. Ilmar Galvão,

Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005360 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.361 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 681.012, Rel. Min Luiz Fux, Disponível no

site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005

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indisponíveis.7. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinaçãoideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP paraexternar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever dafamília, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou aoMinistério Público a incumbência de promover a defesa dos interessesindividuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuiçõesprevistas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF,arts. 127 e 129).8. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto daCriança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum,maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos deordem pública que regulam a matéria.9. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam aautorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando alegalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como"substituição processual".10. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E.STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes:REsp n.º 706.652/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de18/04/2005; REsp n.º 664.139/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira,DJ de 20/06/2005; e REsp n.º 240.033/CE, Primeira Turma, Rel. Min. JoséDelgado, DJ de 18/09/2000).11. Recurso especial provido. 362

As três jurisprudências apresentadas, de origem do Superior Tribunal

de Justiça, no trato da questão da obrigação do Estado no tratamento de enfermos,

apontam, também, para uma interpretação teleológica.

No primeiro caso, trata-se de decisão em que o STJ pautou por uma

interpretação teleológica e extensiva da Lei nº. 8036/90, alusiva ao FGTS, no seu

art. 20 para a solução da questão apresentada, eis que essa norma prescreve,

enumeradamente as possibilidades de saque do fundo de garantia por determinados

motivos. Levando em consideração o direito à vida como bem universal e

inalienável, sempre objeto de promoção social estatal, o Poder Judiciário, na

evidência da ameaça a este bem, procurou dar uma interpretação extensiva e

teleológica à questão apresentada.

362 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.

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Buscou o intérprete extrair do texto normativo a sua finalidade, o seu

sentido, os valores impregnados na mesma, embora não estivesse expressamente

prevista na norma a referência à possibilidade de saque de FGTS para tratamento

de portador do vírus HIV. Mas em face das circunstâncias fáticas da gravidade da

enfermidade conhecida como síndrome da deficiência imunológica, tão prejudicial à

saúde e à vida da pessoa quanto às neoplasias malignas, estas que encontram-se

expressamente autorizada para saque pela lei nº.8.036/90, art.20, inciso XI,

entendeu que o rol expresso nos parágrafos e incisos do aludido artigo não é

taxativo, mas exemplificativo, e que considerando os valores consignados na norma,

como o bem estar social e a proteção ao trabalhador acometido de doença grave e o

amparo a sua família, seria perfeitamente possível o deferimento de levantamento

de verbas existentes na conta do FGTS. 363 E remete o julgado ao pensamento

teleológico-sociológico do fundo, no sentido de proporcionar melhora nas condições

sociais do trabalhador, nisto incluído a sua família, e possibilidade de custeio das

necessidades do filho do recorrido que se encontra em estado terminal de AIDS,

como aqui se transcreve, infra:

O FGTS é do trabalhador e pode ele ser utilizado nas suas necessidadesprementes e de doenças graves. Não teria nenhum sentido o trabalhadorestar com doença grave, sem condições de pagar tratamento, ficar impedidode usar a poupança, que é dele. É verdade que o legislador previu apenasneoplasia maligna como causa para autorizar o levantamento do FGTS (art.20, XI, da Lei 8036/90). É nestes momentos que o julgador deve procurar,no espírito da lei, a decisão justa, usando, inclusive, o disposto no art. 5º daLei de Introdução ao Código Civil e atendendo aos fins sociais da lei.364

Indiscutivelmente, o princípio da dignidade da pessoa humana está

atendido em toda sua plenitude neste julgado, na vertente de uma hermenêutica

sociológica, sistemática e teleológica, com um resultado extensivo que garante, o

caráter social do fundo que é, justamente, o de assegurar ao trabalhador o

363 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..364 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..

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atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares, em homenagem ao

preceito maior esculpido na Carta Maior da dignidade humana, da saúde e da vida,

estes dois últimos direitos fundamentais maiores de todo o Estado Democrático de

Direito.

No segundo e terceiro casos, a atenção se volta para a assistência à

saúde, em que o mesmo não poderá sofrer embaraços impostos por autoridade

administrativa, no sentido de reduzir ou dificultar o acesso à saúde, como primazia

do direito à vida.

Caso muito comum, noticiado nos jornais e demais manchetes, está a

questão da superlotação dos hospitais e o não-trato aos desamparados no Sistema

Único de Saúde. O mesmo, sob a herança do extinto INAMPS – Instituto Nacional de

Amparo à Previdência Social e à Saúde – mantém o critério de leitos, sendo comum

a acomodação de muitos em um só espaço. No entanto, mesmo atendidos os

critérios internacionais de internação hospitalar, há casos em que a reserva em

quarto próprio é necessário, sob pena de ineficácia do tratamento aplicado.

É o caso da segunda jurisprudência, cuja situação sofreu a apreciação

do Judiciário e, com base na hermenêutica teleológico-sociológica, pautada num

resultado extensivo, resolve obrigar ao Poder Público a proceder à reserva e custeio

de quarto para paciente cujo estado de saúde assim exigia, por entender que o

sistema de saúde deve atender, ainda que exista resolução em contrário, ao cidadão

na exata medida de sua necessidade num momento tão delicado para o ser humano

como quando se encontra acometido de moléstias de tratos difíceis.

Na terceira jurisprudência a questão relativa à legitimidade do

Ministério Público para ingressar com ação visando assegurar direito fundamental a

menor, enquanto representado por aquele em ação de seu interesse, obteve

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assentimento do Tribunal, considerando atribuição institucional do Ministério Público

pugnar por direitos indisponíveis, no caso o direito à vida, pela via da assistência à

saúde, pelo atendimento dos dispositivos propostos no Estatuto da Criança e do

Adolescente e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em

decisão favorável ao paciente, reflexo da técnica hermenêutica sistemática,

teleológica e tópica utilizada, cujo resultado declarativo afirmou o direito que assiste

ao menor.

3.2.3 Medicamento e direito à vida

De maior densidade, os temas apresentam duas jurisprudências do

Supremo Tribunal Federal e quatro do Superior Tribunal de Justiça, como a seguir.

3.2.3.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 17903. 365

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE.FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO.PORTARIA/MS Nº 863/02.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito àsaúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais eeconômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas otratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maiordignidade e menor sofrimento.2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal nãoobjetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. Olaudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa eterapêutica "comprovadamente mais eficaz", além de propiciar ao pacienteuma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamentoanteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas seapresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia daterapêutica tradicional.3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferiorhierarquia (Portaria/MS n. 863/02) não pode fazer tábula rasa do direitoconstitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concretatrazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação porparte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no únicolaudo médico anexado aos autos.4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtençãode tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial,quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte oefeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadroclínico.

365 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Ordinário em MS n. 17903-MG. Relator Min. CastroMeira, Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

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5. Recurso provido.366

3.2.3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.435-3. 367

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.452/01, do Estado do Rio deJaneiro, que obrigou farmácias e drogarias a conceder descontos a idososna compra de medicamentos. Ausência do periculum in mora, tendo emvista que a irreparabilidade dos danos decorrentes da suspensão ou nãodos efeitos da lei se dá, de forma irremediável, em prejuízo dos idosos, dasua saúde e da sua própria vida. Periculum in mora inverso. Relevância,ademais, do disposto no art. 230, caput, da CF, que atribui à família, àsociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, defendendosua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Precedentes:ADI n. 2.163/RJ e ADI n. 107-8/AM. Ausência de plausibilidade jurídica naalegação de ofensa ao art. 7º da Constituição Federal, tendo em vista queesse dispositivo estabelece mecanismo de restituição do tributoeventualmente pago a maior, em decorrência da concessão do desconto aoconsumidor final. Precedente: ADI n. 1.851/AL. Matéria relativa áintervenção do Estado-membro no domínio econômico relegada ao examedo mérito da ação.Medida liminar indeferida.

3.2.3.3 Agravo Regimental em Recurso Especial n. 757012. 368

AGRAVO REGIMENTAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.PACIENTE PORTADOR DE EPILEPSIA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE. CORRETA VALORAÇÃO DAPROVA.1. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimentogratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de Epilepsia.2. O Sistema Único de Saúde SUS, visa a integralidade da assistência àsaúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que delanecessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restandocomprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinadamoléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, estedeve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantiaà vida digna.3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a suapretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vezassegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, comode sabença, é direito de todos e dever do Estado.4. O Estado é parte legítima para figurar no pólo passivo nas demandas cujapretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde depessoa carente.5. A violação do art. 535 do CPC ocorre quando há omissão, obscuridadeou contrariedade no acórdão recorrido. Inocorre a violação posto não estaro juiz obrigado a tecer comentários exaustivos sobre todos os pontosalegados pela parte, mas antes, a analisar as questões relevantes para odeslinde da controvérsia.6. In casu, ''A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos edelineados no decisório recorrido não implica no vedado reexame domaterial de conhecimento.''.

366 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.367 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n. 2.435-3,RIO DE JANEIRO. Relator Min.Ellen Gracie : Disponível no site www.stf.gov.br, acesso em07.07.2005.368 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL N.757012, RIO DE JANEIRO; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2005/0092547-0,Rel. Ministro Luiz Fux, disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

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7. Agravo Regimental desprovido. 369

3.2.3.4 Recurso Especial n. 242.859. 370

Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis àaquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento.Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e196 da Constituição Federal. Decisão que teve por fundamento centraldispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estadodo Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da ConstituiçãoFederal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos apessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aosdispositivos constitucionais apontados. 371

3.2.3.5 Recurso Especial n. 689.587. 372

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO-MEMBROPELO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO.PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARTE VENCEDORA REPRESENTADAPELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. CONDENAÇÃO DO ESTADODO RIO GRANDE DO SUL AO PAGAMENTO DA VERBA ADVOCATÍCIA.IMPOSSIBILIDADE. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR.PRECEDENTE DA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO.Ausência de prequestionamento dos artigos 10 e 12 da Lei n. 6.360/76 edivergência jurisprudencial não-demonstrada. Ainda que assim não fosse,predomina neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo oqual há responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios pelofornecimento gratuito de medicamentos às pessoas desprovidas derecursos financeiros.Precedentes."O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental queassiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucionalindissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esferainstitucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sobpena de incidir, ainda que por censurável omissão, em gravecomportamento inconstitucional"(STF AGRE 271.286/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000).No que concerne aos honorários advocatícios, a colenda Primeira Seção, naassentada de 10.12.2003, quando do julgamento do EREsp 493.342/RS, darelatoria do eminente Ministro José Delgado, firmou entendimento nosentido de que, se a parte vencedora foi representada em juízo pelaDefensoria Pública Estadual, é indevida acondenação do Estado ao pagamento da verba advocatícia. A Defensoria éórgão do Estado, sem personalidade jurídica própria, razão pela qual seconfundem na mesma pessoa o credor e o devedor. Precedentes.Recurso especial provido em parte, para afastar a condenação em

369SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.370SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.371SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.372SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 689.587, Rel. Min. Franciulli Netto,

Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.

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honorários advocatícios. 373

3.2.3.6 Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0. 374

COMPETÊNCIA - AGRAVO DE INSTRUNENTO TRÂNSITO DOEXTRAORDINÁRIO. A teor do disposto no § 2° do artigo 544 do Código deProcesso Civil, cabe ao relator proferir decisão em agravo de instrumentointerposto com a finalidade de alcançar o processamento do extraordinário.O crivo do Colegiado ocorre uma vez acionada a norma do artigo 545,também do Código de Processo Civil, no que previsto agravo inominadocontra a decisão prolatada.SAÚDE - PROMOÇÃO - MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 daConstituição fornecimento, pelo Estado, Federal assegura dosmedicamentos aos necessitados os indispensáveis ao restabelecimento dasaúde, especialmente quando em jogo doença contagiosa como é aSíndrome da Imunodeficiência Adquirida.

As decisões estão em consonância com as normas constitucionais e

infraconstitucionais de proteção ao direito à vida. Os Tribunais conferiram uma

eficácia ótima ao presente caso para o resguardo do direito fundamental à vida,

atendendo aos elementos axiológicos e teleológicos, ressaltando a força normativa

da Constituição na argumentação desenvolvida, como sustenta Konrad Hesse, não

permitindo que o texto constitucional significasse apenas proposições sem

efetividade e promessas vãs ou apenas um pedaço de papel como anteriormente

afirmara Ferdinand Lassale.375

Analisando os acórdãos em estudo, verifica-se que o dilema vivido pela

recorrente é quanto à medicação que deve ser ministrada para sua sobrevivência. O

Estado, por um lado, diz que tanto faz ser ministrado um medicamento ou outro, o

que importa é que ambos têm validade para tratamento da moléstia. Ocorre que,

ficou comprovado através de laudo médico, que um sanearia a doença, enquanto

outro apenas amenizaria os efeitos desta. De outro modo, a iniciativa privada age

373SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.374SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0, RioGrande do Sul. Rel. Min. Marco Aurélio, disponível no site www.stf.gov.br, acesso em 07.11.2005.375 HESSE,Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 9-11.

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contra o desconto compulsório de medicamentos para idosos, conferido através de

edição de legislação do Estado do Rio de Janeiro, numa ação direcionada à

proteção da saúde e da vida, através da chamada intervenção estatal no domínio

econômico e, ao mesmo tempo nega medicamentos mais eficazes no trato da

epilepsia e na concessão gratuita de medicamentos contra o vírus HIV.

Adotam os julgados, em geral e com base no primeiro analisado

(recurso ordinário em mandado de segurança 17903-MG, STJ), o elemento

dogmático-constitucional, ao dizer que é incontroverso que o Estado, por força do

que preceitua o art. 196 da Constituição da República, está obrigado a fornecer,

gratuitamente, medicamentos à população que deles necessite. 376 Também o

Supremo Tribunal Federal analisa a questão abraçando a relevância do dever

estatal de amparar a saúde dos cidadãos, em especial os idosos, conforme

determinado pela ADIn 2.435-3 RJ.

Desta forma, o direito à saúde, consentâneo do direito à vida, é um

fundamento da pessoa humana que deve ser preservado a todo custo,

principalmente quando comprovado os custos para a manutenção desta, do qual o

Poder Público não pode se furtar.

O Superior Tribunal de Justiça analisou todos os casos, ora enfocados

neste item dentro de uma hermenêutica sociológico-extensiva (Agravo Regimental

em Recurso Especial n. 757012-RJ) e sistemático-declarativa (Recursos Especiais

242.859 e 689.587) e dentro dos princípios constitucionais, coadunando elementos

axiológicos, teleológicos e dogmático-constitucionais.

Os princípios da razoabilidade/proporcionalidade foram utilizados como

medidores de conseqüências a partir dos julgados acima, bem como a promoção do

376 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.

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direito à vida, um dos mais importantes, e declarados aqui como tal, direitos

fundamentais.

A questão do fornecimento de medicamentos para idosos, de um lado,

e para o tratamento da AIDS, de outro, assumem as temáticas centrais nestes

casos.

No que tange ao último caso apresentado no rol supra, decide o

Relator, o Ministro Celso de Mello, e já consolidando o seu entendimento no

desacolhimento do recurso. A legitimidade jurídico-constitucional da decisão em

causa é inquestionável, pois, fundado no art. 196 da Carta Maior há o

reconhecimento da obrigação solidária que o Município ora Agravante tem de

fornecer, gratuitamente, medicamentos a paciente portadores de HIV nas condições

neste já afirmadas.

O questionamento da decisão pelo vencido demonstra atividade para

procrastinação do feito, e protelação da concretização do direito da paciente ora

Agravada, já que o termo do art. 196 assim garante o benefício, como pressuposto

do direito à vida, o direito à saúde. 377

Estabelecido o confronto entre proteger a inviolabilidade do direito à

vida e à saúde, (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer um interesse financeiro

e secundário do Estado, entende o Ministro que razões de ordem ético-jurídica

impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito

indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por

força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos,

instituído em favor de pessoas carentes.

A posição colocada acima, firmada pelo reconhecimento dos

377 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal eigualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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programas assistenciais aos portadores de HIV, só tende a confirmar o caráter de

direito fundamental conferido à vida, com a previsão no caput do art. 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil ou, um gesto de apreço à vida e à

saúde das pessoas, especialmente aquelas que nada têm e nada possuem, a não

ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.

Em relação a todos estes fatores que fazem do direito à saúde,

consectário do direito à vida, um direito fundamental, apoiado em direitos

fundamentais individuais e sociais, impõe ao Estado um vínculo institucional

inadiável com o dever de efetivar políticas no sentido de satisfazer a estas

demandas, não bastando apenas que se reconheça a mera existência deste direito,

mas que se faça efetivo em programas de assistência contínua e especial, e, em

especial:

(...) naqueles casos em que o direito como o direito à vida se qualificacomo prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, doEstado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprioordenamento constitucional. 378

Pode-se extrair das palavras finais do Ministro Relator, em conclusão,

que o simples fato de ser o direito à vida essencial a todos e garantia obrigatória por

parte do Poder Público fez com que se qualificasse como prestador de relevância

deste mesmo direito. E assim, não há como a Justiça fechar os olhos diante da

anormalidade do descumprimento da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 por parte do Estado, mormente no que diz respeito a um valor dos mais

relevantes, que é o direito à vida. Apontando repertório jurisprudencial, em

atendimento à hermenêutica tópica, afirma então a decisão no sentido de negar o

recurso de agravo e mantendo a decisão do Relator.

Observando as características do julgado acima, a decisão tem por

378 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.

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prática uma hermenêutica teleológica, sistemática, simplesmente determinando a

execução da medida constitucional em favor do desamparado. Numa visão geral do

fenômeno hermeneuta, vislumbra-se a consonância dos Tribunais Superiores, (STF

e STJ) na aplicação dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil,

bem como no atendimento das tendências hermenêuticas mais atinentes à

interpretação aberta da norma constitucional, em favor do direito fundamental a vida.

3.2.4 Direito à vida e direito ao aborto

Trata-se de duas jurisprudências, uma de cada Corte Superior,

definindo, a seu modo, a questão sobre a liberdade reprodutiva face ao direito à vida

universalmente tutelado.

3.2.4.1Habeas Corpus n. 47.371. 379

Sabe-se que o direito à vida, abrangendo a vida uterina, assegurado pelodogma do caput do artigo 5° do Texto Constitucional, é inviolável. Todavia,esse elementar direito não se apresenta absoluto, admitindo exceçõesconforme prescreve o artigo 128, e seus incisos do Código Penal. (...)Entendo, no presente caso, que deve predominar a autonomia da vontadeda gestante, pois não se pode impor a uma mulher e também à sua famíliaque suporte, por longo tempo, os riscos e o peso, moral e físico, de umagestação que é incompatível com a vida intra-uterina e fatal em cem porcasos. A opção da mulher pela evolução ou não da gestação do fetoanencefálico é um direito que deve ser respeitado, pois somente ela sabe osofrimento físico e psicológico que suportará tanto para realizar o abortocomo para gerar um ser em completa inviabilidade como pessoa, com vidaautônoma, fora do útero materno. É o relatório. Decido. A meu ver, émanifesto o não cabimento deste 'habeas corpus'. Com efeito, (...) no caso,a hipótese é mais grave, porquanto o que se pretende é que seja concedidaliminar por esta Corte substitutiva de duas denegações sucessivas dessaliminar pelos relatórios de dois Tribunais inferiores a ela, mas dos quais umé superior hierarquicamente ao outro. A se admitir essa sucessividade de'habeas corpus', sem que o inferior tenha sido julgado definitivamente para aconcessão da liminar 'per saltum', ter-se-ão de admitir conseqüências queferem princípios processuais fundamentais, como da hierarquia dos grausde jurisdição e o da competência deles, porquanto: a) se concedida aliminar pelo relator do 'habeas corpus' nesta Corte, estarão prejudicados os'habeas corpus' interpostos perante o Superior Tribunal de Justiça e oTribunal Regional Federal, pela impossibilidade de estes, examinando omérito que é o mesmo da liminar concluírem pela improcedência dopedido, por terem de cassar necessariamente, até por causa do mesmofundamento, a liminar concedida, no âmbito de sua competência, por Juiz

379 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 47.371 – Goiás. Ministro Felix Fischer.Disponível no site www.stj.gov.br, acessado em 30.09.2005.

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que é hierarquicamente superior. b) com isso, obtêm-se indiretamente que,por falta de competência, não é permitido diretamente, ou seja, que orelator do 'habeas corpus' nesta Corte conceda liminar contra despacho dejuiz de primeiro grau: e c) se se entender, ao contrário, que, com aconcessão da liminar pelo relator nesta Corte, não ficam prejudicados osjulgamentos dos 'habeas corpus' que tramitam no Tribunal Regional Federale no Superior Tribunal de Justiça, ter-se-á de admitir que, se o primeirodeles julgar o 'writ' perante ele interposto, e que visa ao mesmo fim a quevisam os interpostos sucessivamente diante do Superior Tribunal de Justiçae do Supremo Tribunal Federal, e o indeferir, esse acórdão não só cassaráa liminar concedida pelo Ministro desta Corte, como também tornaráprejudicado o julgamento pela Turma a que ele pertence do próprio 'habeascorpus', além de tornar prejudicado o julgamento do 'writ' impetrado tambémjunto ao Superior Tribunal de Justiça, violando por duas vezes o princípio dahierarquia de jurisdição pela cassação de liminar deferida por Juiz superior epor impedir que o Tribunal superior (e, no caso, são dois) delibere, emdefinitivo, contra o julgado pela Corte inferior. Em face do exposto, eresolvendo a presente questão de ordem, voto no sentido de não conhecerdo presente "habeas corpus", ficando prejudicado, assim, o pedido deliminar". (...) No caso em tela, a r. decisão judicial que autorizou aintervenção cirúrgica para a interrupção da gravidez restou calcada emlaudos médicos que confirmam que o feto em formação apresenta acrania-exencefalia-anencefalia, o que inviabilizaria a vida extra-uterina. Por outrolado, a r. decisão que indeferiu a liminar não pode ser consideradateratológica, haja vista as doutas manifestações de em. Ministros doPretorio Excelso no julgamento do HC nº 84025-6/RJ, bem como nosdebates na ADPF nº 54. A própria Lei nº 9.434/97 (transplante de órgãos),fixando como momento da morte do ser humano o da morte encefálica,indica que a quaestio não diz, necessariamente, com as causas depermissão mas, isto sim, com a adequação típica. (...) Na linha dosfundamentos insculpidos na Súmula nº 691 do Pretório Excelso, denego aliminar. Com urgência, encaminhem-se os autos à douta Subprocuradoria-Geral da República. P. I. Brasília (DF), 26 de setembro de 2005. MINISTROFELIX FISCHER Relator. 380

3.2.4.2 Habeas Corpus n. 84.025-6. 381

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. REALIZAÇÃO SUPERVENIÊNCIA DOPARTO. IMPETRAÇÃO PREJUDICADA DE ABORTO1. Em se tratando de habeas corpus preventivo, que vise a autorizar apaciente a realizar aborto, a ocorrência do parto durante o julgamento dowrit implica a perda do objeto.2. Impetração prejudicada. 382

Estabelece-se, desta vez com sede no Supremo Tribunal Federal, o

conflito entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade, pautadas ambas na

dignidade da pessoa humana, princípio da República Federativa do Brasil.

380 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.381 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus n. 84025-6, Rio de Janeiro. Rel. Min. Joaquim

Barbosa, disponível no site www.stf.gov.br, acesso em 07.11.2005.382 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.

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A questão do aborto é um tema há muito debatido em todas as

sociedades contemporâneas, provocando insegurança manifesta no conflito

jurisprudencial dos Tribunais Superiores quando se trata da constitucionalidade do

aborto para fins terapêuticos. O tema traz à luz novamente a questão do aborto,

envolvendo mais do que a questão da hermenêutica jurídica, mas também questões

filosóficas, religiosas, éticas, morais, e ainda todos os segmentos da sociedade.

Cumpre inicialmente trazer esclarecimentos quanto ao intitulado aborto

eugênico à luz da doutrina penal. Acerca do tema, faremos uso das esclarecedoras

lições de Guilherme de Souza Nucci, sustentadas algumas vezes pelos Tribunais

Superiores na análise do tema:

Algumas decisões de juízes têm autorizado abortos de fetos que tenhamgraves anomalias, inviabilizando, segundo a medicina atual, a sua vidafutura. Seriam crianças que fatalmente morreriam logo ao nascer ou poucotempo depois. Assim, baseando-se no fato de que algumas mães,descobrindo tal fato não se conformam com a gestação de um sercompletamente inviável, abrevia-se o sofrimento da mãe e autoriza-se oaborto. O Juiz invoca por vezes a tese da inexigibilidade de conduta diversa,por vezes a própria interpretação da norma penal que protege a vidahumana e não falsa existência, pois o feto só está vivo por conta doorganismo materno que o sustenta. A tese da inexigibilidade, nesse caso,teria dois enfoques: o da mãe que suportando gerar e carregar no ventreuma criança de vida inviável; o do médico, julgando salvar a genitora doforte abalo psicológico que vem sofrendo. 383

Do que se depreende do último HC colacionado neste item, a questão

se acirrou no cenário nacional, principalmente após a decisão monocrática em sede

cautelar do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, que

autorizou o aborto de feto anencefálico nos autos a Argüição de Descumprimento de

preceito Fundamental – ADPF 54 – do Distrito Federal movida pela Confederação

Nacional dos Trabalhadores da Saúde, sob o patrocínio do jurista Luiz Roberto

Barroso, decisão de eficácia imediata e efeito vinculante que gerou perplexidade nos

mais diversos setores da sociedade e indignação a muitos representantes do meio

383NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª. Edição. Asão Paulo: Revista dosTribunais, 2005, p. 521.

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jurídico, sendo posteriormente cassada pelo pleno da mesma Corte. Eis o teor da

liminar:

Como registrado na inicial, a gestante vive diuturnamente com a tristerealidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderáse tornar um ser vivo. Se assim é e ninguém ousa contestar -, trata-se desituação concreta que foge à glosa própria do aborto que conflita com adignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade.384

A decisão liminar que autorizou o Aborto foi cassada pelo próprio

Supremo Tribunal Federal, convocando ainda Audiência Pública, até o momento

sem data marcada, não havendo ainda qualquer decisão definitiva de mérito por

parte desta corte.

Uma das questões principais sobre o aborto terapêutico é a

insegurança jurídica gerada pela divergência jurisprudencial nas cortes brasileiras,

mormente entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que

muito pouco tem contribuído à elucidação da questão, mas ao contrário, mais

perplexidade tem trazido ao cenário nacional.

Tal divergência, entretanto, traz à reflexão uma das questões mais

importantes ou mais valiosas do Direito e que atualmente constitui cerne da Teoria

Político Constitucional contemporânea: Qual o papel do Judiciário? Quais os seus

limites? O Juiz é aplicador ou criador da lei ?

O Supremo Tribunal Federal, em outro momento, ao tornar inócuo o

remédio constitucional do Mandado de Injunção por impossibilidade de legislar

positivamente por invasão de poderes, importante princípio da República, que diz

respeito à independência e harmonia dos três poderes, Legislativo, Executivo e

Judiciário, na forma do que dispõe o art. 2º da Constituição, tornou absolutamente

ineficaz uma disposição constitucional embora seja institucionalmente seu guardião.

Isto posto, acredita-se estar em jogo mais do que autorizar ou não a prática do

384 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.

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aborto, mas decidir questão que cabe ao poder Legislativo, como legítima expressão

popular, na qual repousa a democracia.

Nesse sentido, importantes as considerações feitas por Ives Gandra

Martins, jurista que compôs a comissão que elaborou a Lei que instituiu a Ação por

Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, verbis:

Discute-se, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) n.º 54, em tramitação perante a Suprema Corte do País, se, à luz deuma técnica exegética retirada de países europeus de regimesparlamentaristas, poderia ou não o Poder Judiciário, no vácuo legislativo,fazer as vezes de Poder Legislativo e produzir direito novo.Por esta denominada "interpretação conforme a Constituição" - adotada nodireito alemão e raramente utilizada naquele país parlamentarista -poderiam os juízes, por variadas razões (lentidão na tramitação das leis noCongresso Nacional, ausência de texto legislativo promulgado, desinteressedo Legislativo de produzir norma a respeito de determinada matéria), à luzdos princípios constitucionais vigentes em nosso país, elaborar normasgerais e abstratas, que assim passariam a integrar o ordenamento, não porforça da elaboração legislativa, mas sim da elaboração pretoriana.Em outras palavras, a questão saber se, sempre que provocado, o PoderJudiciário, à semelhança da Corte Constitucional na Alemanha, poderiasuprir o Poder Legislativo, gerando a norma que o Poder Legislativo nãoproduziu.Creio que, se a tese defendida pelos autores da ADPF n.º 54 prosperar,toda a democracia brasileira correrá risco, visto que não serão osrepresentantes do povo (deputados e senadores), mas apenas 11 ilibadoscidadãos e juristas renomados - mas que não são políticos e foramescolhidos por um homem só (presidente da República) -, que poderão ditaro direito a ser seguido pelos brasileiros.Não se discute, na ADPF 54, apenas a questão se o anencéfalo poderia serabortado, matéria que, a meu ver, cabe ao Congresso definir. O que sediscute - e esta é a grande questão que me preocupa e à maioria dosoperadores do direito - é se pode ou não o Supremo Tribunal Federallegislar, substituindo o Congresso Nacional, sempre que se entender queeste não esteja exercendo bem suas funções, estando os 11 ministrosautorizados a produzir as leis que as duas Casas Legislativas nãoproduziram. 385

O assunto conduz, em retrospectiva, à discussão travada entre Ronald

Dworkin e Herbert Hart. O primeiro não admite espaço para discricionariedade dos

juízes nos casos difíceis, quando devem ser obedecidos os princípios da integridade

e do devido processo legal, e que o juiz não pode criar o direito, mas aplicá-lo de

acordo com o que está emoldurado na comunidade personificada, entendida como a

385MARTINS, Ives Gandra. Pode o STF legislar? Artigo publicado no Jornal O Estado de São Pauloem 10 de Novembro de 2004, p. A-2.

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prática da comunidade jurídica para dar legitimidade e possibilitar o assentimento as

decisões, e mesmo que haja na lei texturas abertas que ao juiz cabe aplicar o direito

como ele é e não como pensa que é, buscando na comunidade personificada os

fundamentos para dizer o direito.386

Dworkin fala que o direito não pode ser visualizado independentemente

da moralidade política, esta representada pelos padrões do governo democrático,

através da participação daqueles que poderão ser atingidos pela norma, na

discussão de sua elaboração que é justamente a participação popular, e, portanto

condena o decisionismo. Hart, entretanto, desenvolve uma teoria na qual admite

que no direito há texturas abertas, que comportam a discricionariedade do juiz e que

é natural que assim seja em face da impossibilidade de previsão pelo ser humano de

todas as circunstâncias. Assim, nesse momento forma-se uma penumbra, deixando

uma margem de discricionariedade sujeita à intervenção humana. 387

No caso presente, a crise deixada pelas jurisprudências em comento

tratou de até onde o julgador poderia “legislar”, ou dizer sobre tal fato que ainda não

havia sido previsto na legislação, por conta da exigência da viabilidade do feto para

que ele fosse considerado pessoa humana. Embora não tenha ocorrido o julgamento

do mérito no Supremo Tribunal Federal, e em razão da perda do objeto, tendo em

vista o nascimento da criança, o Ministro Joaquim Barbosa elaborou o seu voto, e

procedendo à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo Direito, vida

extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendeu que

deveria prevalecer a dignidade da mulher, o seu direito à liberdade de escolha,

daquilo que melhor representasse seus interesses pessoais e suas convicções, e

manifestava-se por conceder a ordem, cassando a liminar do Superior Tribunal de

386 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p.81.387 HART. Herbert L.A. Op. cit., p. 148.

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Justiça, de modo a permitir que fosse interrompida a gravidez, estendendo,

igualmente, a ordem ao corpo médico e paramédico que se envolva em possível

evento hospitalar dessa natureza, conforme trecho do voto do referente Ministro

Relator abaixo:

(...) não existe um real conflito entre bens jurídicos detentores de idênticograu de proteção jurídica. Há, na verdade, a legítima pretensão da mulherem ver respeitada sua vontade de dar prosseguimento à gestação ou deinterrompê-la, cabendo ao direito permitir esa escolha, respeitando oprincípio da liberdade, da intimidade e da autonomia privada da mulher.Nesse ponto, portanto, cumpre ressaltar que a procriação, a gestação, enfimos direitos reprodutivos, são componentes indissociáveis do direitofundamental à liberdade e do princípio da autodeterminação pessoal,particularmente da mulher, razão por que, no presente caso, ainda commaior acerto, cumpre a esta Corte garantir seu legítimo exercício, noslimites ora esposados.Lembro que invariavelmente essa concepção fundada no princípio daautonomia ou liberdade individual da mulher é a que tem prevalecido nascortes constitucionais e supremas que já se debruçaram sobre o tema.388

Tendo em vista a presença de apenas um voto por conta do caso, e a

perda do objeto ter ocasionado o fim do provimento – e, de certa forma, do debate

público que gerara em seu entorno – não pode ser observada a tendência do

Egrégio Tribunal na resolução do assunto.

3.2.5 – Tratamento de Saúde no Exterior e Aquisição de Aparelho

3.2.5.1 Recurso Especial nº 616.460 389

RETINOSE PIGMENTAR. TRATAMENTO MÉDICO EM CUBAVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, pormaioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e José Delgado, negarprovimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro TeoriAlbino Zavaski. Votaram com o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki os Srs.Ministros Denise Arruda e Francisco Falcão (voto-desempate).Brasília, 15de fevereiro de 2005. 390

1. Sobre o tema ora em discussão, a Primeira Seção desta Corte, no MS n.

388 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.389 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº.616.460- DF. Relator Ministro Luiz

Fux. Disponível no site www.stj.gov.br, acessado em 17-11-2005.390 SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA. Loc. cit.

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8.895 DF, julgado pela 1ª Seção em 22.10.2203, considerou legítima aproibição de tratamento médico no exterior financiado pelo Ministro daSaúde (Portaria 763 1994). Naquela ocasião, proferi voto nos seguintestermos:"Estamos diante de um caso típico de direito fundamental social, oschamados direitos à prestação, que não são infinitos ou absolutos. Emqualquer país do mundo estão sujeitos às possibilidades do Estado. São,portanto, direitos sob reserva de possibilidade social , como os conceitua adoutrina (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais naConstituição Portuguesa de 1976 , 2ª ed., Almedina, p. 59).Oxalá pudéssemos, em nome da Constituição, concedendo liminares,resolver os graves problemas brasileiros de saúde, de alimentação, dehabitação, de educação. Claro que é muito angustiante a situação descritanos autos. Quem não se angustia e se sensibiliza numa situação dessas?Entretanto, que elementos temos no mandado de segurança para duvidardo ato da autoridade que diz que o tratamento pretendido não érecomendável cientificamente? Que autoridade, nós, juízes, temos paraduvidar disso? Não vejo como não considerar legítima a opção doadministrador, ainda mais fundada no parecer. Ponhamo-nos no papel dequem tem o dever técnico de administrar a escassez de recursos num Paíspobre como o nosso, e de fazer as opções políticas para dar-lhes melhordestinação. Portanto, não há como ter presente, no caso, direito líquido ecerto a obter do Estado a liberação da vultosa quantia necessária aoatendimento individual da impetrante.Não há dúvida de que a saúde é um direito fundamental, mas, também écerto, não se trata de direito absoluto. Ele será atendido na medida daspossibilidades, inclusive, financeiras, da sociedade. No caso, ademais, háuma recomendação técnica contrária, que o Judiciário não tem autoridadecientífica para contestar.Com tais fundamentos, acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora,denegando a ordem."391

3.2.5.2 Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 1.467 392

AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. UNIÃO.TRANSPLANTE DE ÓRGÃO NO EXTERIOR. ALEGADA LESÃO À ORDEMADMINISTRATIVA E À SAÚDE PÚBLICA. EFEITO MULTIPLICADOR.1.Cabe à Administração fixar e autorizar os tratamentos e remédios quedevem ser fornecidos à população, sempre com vistas a garantir asegurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias, em territórionacional. Questão relativa a matéria de Política Nacional de Saúde. Riscode lesão à ordem pública administrativa configurado.2.A determinação contra legem que obriga o Estado brasileiro a fornecertodas as condições para que a agravante requerida faça cirurgia de elevadocusto no exterior, havendo quem a faça no país, tem potencial de lesionar asaúde pública, constituindo-se precedente para um número indefinido deoutras situações semelhantes.3.Regimental não provido.393

391 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.392 SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA. Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº.1.467-

DF. Relator Ministro Edson Vidigal. Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 17-11-2005.393 SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA. Loc. cit.

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3.2.5.3 Mandado de Segurança n. 8740. 394

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DOENÇA CONGÊNITAGRAVE.MIELOMENINGOCELE INFANTIL. NECESSIDADE DETRATAMENTO POR MEIO DE APARELHO TERAPÊUTICO NÃOFABRICADO NO PAÍS. DEVER DO ESTADO. DIREITOFUNDAMENTAL ÀVIDA E À SAÚDE.1. O direito à saúde, expressamente tutelado pela Carta de 1988,veio seintegrar ao conjunto de normas e prerrogativasconstitucionais que, com o status de direitos e garantias fundamentais, tempor fim assegurar o pleno funcionamento do estado democrático de direito,pautado na mais moderna concepção de cidadania.2. Não se pode generalizar a aplicação da norma que veda ao Estado aconcessão de auxílio financeiro para tratamento fora do País, aponto deabandonar, à sua própria sorte, aqueles que,comprovadamente, não podemobter, dentro de nossas fronteiras,tratamento que garanta condiçõesmínimas de sobrevivência digna.3. Não havendo no País equipamento terapêutico apropriado ao tratamentoda enfermidade, justifica-se que o Estado disponibilize recursos para a suaaquisição no exterior, não podendo servir de óbice às pretensões do doente,necessitado, argumentos fundados em questões burocráticas, de cunhoorçamentário.395

No assunto referente à permissão para tratamento de saúde no

exterior, submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça no Recurso

Especial nº. 616.460, no qual é questionada a autoridade da Portaria nº. 763, de 07-

4-1994 do Ministério da Saúde, que inadmite o custeio de tratamento no exterior, a

Corte, entendeu, embora reconhecendo os graves problemas de saúde dos

brasileiros, que não pode, em nome da Constituição, resolvê-los através de

concessão de liminares, havendo de ser sopesada a questão da escassez de

recurso de um país como o Brasil, onde o administrador tem de fazer opções para

conferir adequada destinação a esses recursos, não havendo direito líquido e certo à

liberação de vultosa importância para tratamento individual do paciente no exterior,

conferindo autoridade à portaria, uma vez que a saúde é um direito fundamental mas

não é absoluto, devendo ser atendido na medida do possível e das condições

394 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Mandado de Segurança nº. 8740. Relator: João Otávio deNoronha Disponível no site www.stj.gov.br. Acesso em 17-11-2005.

395 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.

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financeiras da sociedade.

Assim procedendo o Tribunal pautou por uma interpretação baseada

na aferição da razoabilidade/proporcionalidade da decisão administrativa de não

conceder valores para custeio de tratamento de saúde no exterior, para não adentrar

no mérito da decisão, pois caracterizaria usurpação de poder, tendo em vista que

fora ato do Poder Executivo, e na análise, entendeu que haveria risco de lesão à

ordem administrativa e ao próprio sistema de saúde pública do país, e que a medida

é razoável, adequada e necessária pois o Estado não pode arcar com custos

elevados de tratamento de saúde de brasileiros.

No segundo Acórdão desse item, o Tribunal seguiu a mesma linha de

entendimento e de interpretação na análise tópica, no pensamento de que guarda

razoabilidade/proporcionalidade à decisão administrativa em não conceder liberação

de valores para custeio de tratamento de saúde no exterior, pois determinação em

contrário caracterizaria potencialidade de lesão à saúde pública, havendo de ser

considerado, ainda, que o art. 198 da Constituição restringe a autorização de

serviços conveniados e tratados ao território nacional, sendo uma limitação diminuta

mediante a excelência do valor da vida, mas que apresenta-se real perante as

condições do Estado e de não poder atender a todas essas demandas

No estado da natureza o Estado constitui uma anarquia e que para sair

dessa anarquia faz-se imperioso criar um Estado com força e com reconhecida

soberania.396 Mas é o próprio Estado, através de sua Constituição que impõe limites

em face dele mesmo, na medida em que assume obrigações prestacionais e de

garantia na exata medida de suas possibilidades e forças financeiras de modo que a

decisão de negar o custeio de tratamento no exterior encontra supedâneo na

396 HOBBES, Thomaz.O Leviatã. Tradução de Alex Martins. São Paulo:Martin Claret, 2.004,p. 204-205.

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argumentação racional da realidade econômico-financeira do país, com justificativa

que pode expressar pretensão de verdade e que pode ser aceita por ter sido

discutida na via democrática por ocasião da própria formação do Estado brasileiro e

da elaboração de sua Constituição, que foi outorgada processada pelo meio

lingüístico e comunicacional, como do pensamento habersiano.397

Os limites impostos ao próprio Estado estão relacionados a valores, a

pautarem a interpretação como fatores determinantes dessa percepção,

compreensão, como afirma Margarida Maria Lacombe Camargo398 Sem prejuízo da

importância do valor da vida e da conservação da mesma por um determinado

tratamento de saúde no exterior de um cidadão brasileiro, a preservação do Estado

que embora responsável pela garantia prestacional , mas em face de sua

impossibilidade econômica de suportar os dispêndios entende não poder ser

compelido a autorizar o tratamento de saúde no exterior sob pena de ocasionar um

desequilíbrio econômico, mormente em se abrindo o precedente, em face do

princípio da igualdade, onde, assim, deveria igualmente custear a mesma

oportunidade aos demais membros da sociedade que do tratamento no exterior

necessitasse, o que seria impossível, de modo que se sobrepôs o valor da

preservação geral da sociedade.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça atribuído ao caso em

comento, é fixado com base na leitura e interpretação do momento histórico do país,

de sua realidade econômica. Não significa dizer que, mais adiante, num novo

contexto histórico da nação esse entendimento não possa ser diferente, quando haja

397 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. Tradução. Flávio BenoSiebenei Ghler. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Vol. I, p. 20.

398 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito, Op.cit, p. 17

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respaldo econômico dentro da reserva de possibilidade social399 a proporcionar em

igualdade de condições aos cidadãos o tratamento no exterior para alguma espécie

de doença que assim recomende, sem levar o Estado a ruína, caberá aí ao

intérprete, atualizar o texto normativo e adequar a situação fática e histórica do

acontecer no mundo400

Assim, no que diz respeito a tratamento de saúde no exterior, a

tendência do Superior Tribunal de Justiça é a de negar a tutela e conferir

razoabilidade à negativa do Poder Executivo em não liberar recursos para custeio

para garantir o tratamento fora do país.

Entretanto, no terceiro acórdão, que diz respeito à aquisição de

aparelho terapêutico não fabricado no país, na vertente da interpretação sociológica,

ponderou que não pode ser generalizada a proibição para custeio de tratamento no

exterior e que em não havendo aparelho terapêutico no Brasil para tratamento de

enfermidade, deve o Estado disponibilizar numerário para arcar com tal despesa,

não podendo constituir óbice a tal a questão orçamentária.

3.2.6 Hermenêutica constitucional do direito à vida e as Cortes

Superiores do país.

Da leitura dos textos dos Acórdãos analisados nessa dissertação,

extrai-se que a tendência da hermenêutica dos Tribunais Superiores (STF e STJ)

quanto ao direito fundamental à vida, nos seus desdobramentos necessários para

adequada fruição, especialmente quanto ao aspecto da saúde, é a interpretação

399 ANDRADE, José Carlos Vieira.Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de1976,2ª.edição. Lisboa: Almedina, p. 59 apud SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especialnº. 616-460-DF.Relator Ministro Luiz Fux, disponível nosite www.stj.gov.br, acessado em 17-11-2005.

400 GADAMER, Hans-Georg.Verdade e Método. 6ª. Edição.Tradução Flávio Paulo Meurer. Rio deJaneiro: Vozes, 2004,p. 328

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teleológica-finalística, sistemática e sociológica, com fundamento nos princípios e

prerrogativas constitucionais, numa conjugação metodológica direcionada para os

fins sociais e o interesse coletivo contido na norma.

Particularmente quanto a cada caso apresentado, não foi possível

localizar julgados do Supremo Tribunal Federal no que tange ao assunto “da

responsabilidade do Estado na questão do direito à vida”, não obstante se observe

que, em outros tópicos, ficava bastante delineado que o STF, tanto quanto o STJ,

quando em frente a questões que envolviam o direito fundamental à vida, e os riscos

de sua violação, posicionaram-se, na sua grande parte das decisões, pela garantia

deste direito em função de sua primazia, balizado em princípios constitucionais,

como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/1988) e do Estado

Democrático de Direito, para a garantia do exercício da cidadania.

Daí decorre afirmar, sem prejuízo da conclusão que virá em breve, que

os Tribunais Superiores, nos limites da investigação presente, estão consoantes com

a proteção do direito à vida, bem escolhido como tema fundamental deste trabalho

científico, coadunando-se com as teorias nacionais e estrangeiras pertinentes aos

direitos fundamentais e aos métodos de interpretação jurídica, numa atividade

hermenêutica que, embora não ficasse expressa no teor dos julgados estudados,

dos mesmos podem ser extraídas.

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CONCLUSÃO

1) Os antecedentes históricos dos direitos fundamentais remontam à

própria existência da civilização humana, e têm origem num direito superior ou

anterior ao direito positivado.

2) O Direito Fundamental à vida é o maior e mais importante bem a ser

tutelado pelo Direito, e conta com os mais amplos mecanismos constitucionais de

garantia a fim de assegurar sua efetividade e proteção, sendo inadmissível a sua

restrição a não ser em casos excepcionais e constitucionalmente previstos.

3) O direito à vida, incluindo a integridade física e moral do indivíduo, é

preocupação externalizada em vários pontos da Constituição Federal, quando

determina que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou

degradante (art. 5º, III) e ainda constitui crime de tortura (Lei 9.455/97, art. 1º, caput):

i) constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe

sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão

da vítima ou de terceira pessoa, para provocar ação ou omissão de natureza

criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa; ii) submeter alguém, sob

sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a

intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou

medida de caráter preventivo. Logo se vê que a tortura não se limita aos maus tratos

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físicos, sendo também assim considerada a grave ameaça ou o que quer que cause

sofrimento mental.

4) No artigo 196, em conexão com o Caput do art. 5º, ambos da

Constituição Federal, está estabelecido o dever do Estado, em todas as suas

esferas de poder, na promoção da saúde, para garantir a efetiva fruição do direito

fundamental a vida, direito de todos os cidadãos.

5 ) Os crimes dolosos contra a vida são considerados de um gravame

tal que se entende que devam ser julgados não por magistrados, mas pela própria

sociedade, através de representantes comuns do povo. Assim, é reconhecida a

instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de

defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII). Se provocar lesão ao

patrimônio jurídico vida, o ajuizamento da sanção penal será à altura da importância

deste objeto, através do ajuizamento de ação penal pública e de todos os outros

ritos necessários para a afirmação social da importância da preservação deste bem,

cabendo também ao Estado este devido mister.

6) Os Tribunais Superiores têm conferido ao Direito Fundamental vida

a mais ampla abrangência e efetividade, na medida do possível, inclusive em face

de omissões do Poder público, para resguardo do Estado Democrático de Direito,

vislumbrados os resultados no item 3.2.6 do Capítulo último, dedicado ao estudo dos

acórdãos e das posições hermenêuticas apresentadas por ambos os Tribunais

Superiores – STJ e STF.

7) O presente trabalho trilhou por uma análise investigativa sobre a

hermenêutica aplicada pelos Tribunais Superiores do Poder Judiciário nacional, mais

precisamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em que,

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analisadas as tendências de interpretação jurídica acerca de casos concretos sobre

o direito fundamental vida, fica concluído que, ainda que o referido direito seja objeto

de tutela e ação do referido Poder Judiciário, devem os Tribunais Superiores

atentarem ao fato de que os direitos fundamentais, como qualquer outro direito,

sofrem de mutação ao longo do tempo, no que tange ao seu significado e alcance

interpretativo, uma vez que as transformações sociais demandam uma constante

releitura do seu conteúdo e abrangência, principalmente na adequação dos

instrumentos que garantam sua efetividade, uma vez que a própria Constituição não

pode admitir formas prontas de interpretação, cabendo sempre atualização.

8) Da investigação procedida nesse trabalho, pode-se concluir que os

Tribunais Superiores, ao cuidarem do Direito Fundamental vida, apresentaram uma

tendência à aplicação de uma hermenêutica voltada para a interpretação

metodológica teleológica-finalística, sistemática e sociológica, pautada por vezes pela

aferição da razoabilidade/proporcionalidade, procurando sempre e na medida do

possível, dar relevo ao direito à vida, garantido o direito à distribuição gratuita de

medicamentos e à possibilidade de saque do FGTS para os portadores de HIV, de

fornecimento de medicação contra doenças mórbidas, como a Hepatite “C”, à

manutenção de desconto concedidos por lei a idosos na compra de medicamentos, o

dever do Estado em liberar verba para aquisição de aparelho terapêutico não

fabricado no Brasil a portador de doença congênita grave como a mielomeningocele

infantil, entre outros, somente tendo que prover de maneira diversa quando e

mediante a consideração de questão atinente a inviabilidade do Estado e da

sociedade em arcar com pesados ônus de tratamentos de saúde no exterior.

9) Assim, espera-se que, através de todo o marco teórico

apresentado acima, o Poder Judiciário Nacional possa se orientar dentro do que os

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princípios constitucionais apresentam, bem como utilizar, devidamente, dos métodos

de interpretação e construção de direitos, de forma que possa, com o tempo, assistir

ao máximo de cidadãos possíveis, cujo resultado, tão desejado como a própria vida,

é a realização da cidadania plena, pautada em uma dignidade à pessoa humana

também plena e irrestrita.

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