a arbitragem internacional nos contratos administrativos...

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM DIREITO POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO LOURENIA MOREIRA GOMES A ARBITRAGEM INTERNACIONAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS FIRMADOS POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ 2006

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM DIREITO

POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO

LOURENIA MOREIRA GOMES

A ARBITRAGEM INTERNACIONAL NOS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS FIRMADOS POR SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ

2006

LOURENIA MOREIRA GOMES

A ARBITRAGEM INTERNACIONAL NOS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS FIRMADOS POR SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Campos – FDC, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Políticas Públicas e Processo. Orientador: Prof. Dr. Dwight Cerqueira Ronzani.

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ

2006

LOURENIA MOREIRA GOMES

A ARBITRAGEM INTERNACIONAL NOS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS FIRMADOS POR SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de

Direito de Campos – FDC, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em

Políticas Públicas e Processo.

Aprovada em ....... de....... de 2006.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Dwight Cerqueira Ronzani Faculdade de Direito de Campos Orientador

Prof. Dr. Leonardo Greco Faculdade de Direito de Campos

Prof. Dr. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes Faculdade Estácio de Sá

À minha família, fonte de inspiração na

busca incessante pelo conhecimento,

por todo apoio e incentivo.

“A modernidade é um projeto

inacabado”.

Habermas

RESUMO

Dada as inúmeras mudanças decorrentes do avanço científico e tecnológico, verifica-se igualmente uma evolução das relações jurídicas. O que se espera, pois, do legislador é que sejam produzidas normas que acompanhem as necessidades da sociedade e que essas normas se adaptem às suas exigências. Nesse contexto, destacam-se os conflitos originados das relações comerciais internacionais que envolvem, inclusive, controvérsias nas quais estão envolvidas as sociedades de economia mista. Tais entidades inserem-se no contexto da Administração Pública indireta, submetidas a um regime jurídico híbrido, com maior ou menor influência do direito público em razão da atividade que exercem. Firmam, portanto, contratos administrativos precedidos de licitação, aqui incluídas as internacionais. Instaurada a lide que tenha por objeto os citados contratos, busca-se, normalmente, sua resolução pelo judiciário, nem sempre capaz de oferecer uma resposta rápida e eficaz. A arbitragem surge, então, como meio alternativo aos aludidos conflitos, sobretudo no que diz respeito aos contratos internacionais, na era da globalização, sem, contudo, comprometer a soberania estatal que não sofre limitações quando um Estado abre mão da sua imunidade jurisdicional diante de direitos patrimoniais disponíveis e na prática de atos de gestão. A sociedade de economia mista, portanto, ao atender aos requisitos apontados, atende à chamada arbitrabilidade objetiva e, assim, torna-se, inicialmente, capaz de se submeter a uma cláusula arbitral. Ocorre que o legislador brasileiro, quando da edição da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, houve por bem limitar a resolução de conflitos no âmbito das licitações, mesmo as internacionais, ao foro nacional, conforme se depreende do § 2.° do artigo 55 do citado diploma legal, principal óbice à arbitragem internacional nos contratos administrativos de uma forma geral. Contudo tal dispositivo merece críticas quando analisado ao lado de outros, como o § 1.° do artigo 173 e o inciso VII do artigo 4.°, ambos da Constituição Federal de 1988, bem como quando confrontado com a tendência global do mercado em se ajustar às regras previstas no mercado internacional, que igualmente passam a valer para as empresas estatais quando inseridas nesse contexto. Palavras-chave: Globalização. Soberania. Jurisdição. Arbitragem Internacional.

Contratos Administrativos. Licitações. Estado. Administração Indireta.

ABSTRACT

Given the innumerable changes stemming from scientific and technological advancements, one can equally notice an evolution in legal relations. Thus, what is expected from legislators is that they produce norms which move in tandem with the needs of society and that these norms adapt to society’s demands. In this context one can highlight the conflicts originating from international business relationships regarding controversies involving the mixed economy societies. Such entities are inserted in the context of the indirect Public Administration submitted to a hybrid legal system with a higher or lower influence of the public law due to the activity they perform. Therefore, administrative contracts are signed after a tender application, here including the international ones. In case of a controversy, whose objects are the afore mentioned contracts, one normally searches for a solution through the Legal System, which not always is able to offer a quick and effective answer. Arbitration is then the alternative means to settle the above mentioned conflicts, especially in respect of international contracts in these times of globalization, without, however, compromising state sovereignty, which does not suffer limitations when a State let go of its legal immunity before the patrimonial rights available and in the practice of management acts. Thus, the mixed economy society, when meeting the appointed requirements, complies with what is called objective arbitration and so becomes initially capable of submitting to an arbitration clause. The Brazilian legislator, when passing the 1993 8.666 Law, decided to limit conflict solution in terms of tenders, even the international ones, to the national jurisdiction according to what is understood from the Article 55, 2nd § of the mentioned law, which is the main impediment to international arbitration in administrative contracts in general. However, such Article deserves some criticism when analyzed together with other ones such as the Article 173 § 1st and the Article 4th, subsection VII, both from the 1988 Federal Constitution, as well as when confronted with the global market tendency of adjusting to the rules forecast in the international market, which become equally valid for state companies when inserted in this context. Key words: Globalization. Sovereignty. Jurisdiction. International Arbitration. Administrative Contracts Tenders. State. Indirect Administration.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8

1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA............................................................. 9

1.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA............................. 9

1.2 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA............................................................. 14

2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E LICITAÇÕES........................................... 17

2.1 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS................................................................... 17

2.1.1 Conceito e Disciplina Normativa................................................................ 18

2.1.2 Características............................................................................................. 20

2.1.3 Formalização e Cláusulas Essenciais....................................................... 21

2.1.4 Extinção do Contrato.................................................................................. 23

2.2 LICITAÇÕES.................................................................................................... 24

2.2.1 Conceito e Princípios................................................................................... 24

2.2.2 Modalidades.................................................................................................. 25

2.2.3 Fases do Processo Licitatório..................................................................... 27

2.2.4 Licitações Internacionais............................................................................ 29

3 ARBITRAGEM...................................................................................................... 33

3.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL..................................................................... 33

3.2 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM....................................................... 38

3.3 ARBITRAGEM INTERNA E INTERNACIONAL................................................ 42

3.4 A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS............................. 45

3.4.1 Histórico........................................................................................................ 45

3.4.2 Arbitrabilidade Objetiva e Arbitrabilidade Subjetiva................................. 47

3.4.3 A Arbitragem nos Contratos Administrativos e o Princípio da

Legalidade.............................................................................................................. 52

3.4.4 A Arbitragem Internacional e a Imunidade de Jurisdição....................... 60

3.4.4.1 O Princípio da Imunidade de Jurisdição.................................................... 60

3.4.4.2 A Imunidade de Jurisdição no Contexto da Arbitragem Internacional....... 61

3.4.5 A Arbitragem Internacional nos Contratos Administrativos Firmados

por Sociedades de Economia Mista.................................................................... 69

4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 73

5 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 77

INTRODUÇÃO

Não restam dúvidas de que a sociedade tem sofrido mudanças significativas, sejam

elas políticas, econômicas ou sociais. Ponto a ser destacado reside no processo da

globalização, que, aliado ao neoliberalismo, tem como objetivo a eliminação

gradativa das fronteiras nacionais e a intervenção mínima do Estado nas relações

entre os particulares.

Nesse contexto, destacam-se as relações contratuais internacionais, nas quais se

incluem os contratos administrativos, que, por sua vez, em razão do interesse

envolvido e das partes contratantes, apresentam certas especificidades. Ocorre que

tais peculiaridades não os distanciam dos demais contratos quando da identificação

de determinadas características, como a imprescindibilidade do objeto lícito e a

vontade das partes em transacionar.

Levando-se em consideração que uma das principais características da arbitragem

reside justamente na importância dada ao princípio da liberdade de contratar, e que

a legislação brasileira permite a participação de pessoas físicas ou jurídicas

internacionais como partes nos contratos administrativos nacionais, questiona-se

acerca de eventual óbice da submissão dos contratos administrativos firmados por

sociedade de economia mista à arbitragem internacional.

A necessidade de tal questionamento dá-se pelo fato de que vem tomando corpo o

sistema arbitral para resolução de litígios como um meio alternativo à jurisdição

estatal, sobretudo em razão de inúmeras vantagens, como a tomada de decisões

com significativa rapidez. Entretanto, a legislação brasileira acerca do tema

encontra-se, ainda, confusa e contraditória, trazendo incertezas àqueles que têm

interesse em celebrar contratos administrativos com cláusula compromissória eletiva

de foro arbitral, o que faz com que o tema se torne significativo ponto de discussão e

pesquisa.

1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA

1.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Administração Pública diz respeito a entes e organizações que exercem função

administrativa.1 No plano objetivo, tem-se que a Administração Pública se revela

pelo conjunto de bens e direitos imprescindíveis à realização da função

administrativa. No plano subjetivo, a expressão vincula-se ao conjunto de pessoas e

de órgãos que exercem a função administrativa.

O Estado tanto pode desenvolver atividades administrativas por si mesmo, como

pode delegá-las a outros sujeitos. Na primeira hipótese, ocorre a centralização. Já

quando o Estado transfere o exercício dessas atividades a terceiros, ocorre a

descentralização.

Nesse contexto, a expressão Administração Pública abrange as duas situações

acima postas, compreendendo a Administração direta, quando o Estado exerce a

função administrativa através de seus órgãos desprovidos de personalidade jurídica,

e a Administração indireta, correspondente às pessoas jurídicas, de direito público

ou de direito privado, criadas pelo Estado para exercerem determinadas atividades

administrativas.

Complementando a idéia posta acima, conclui-se que a Administração direta se

caracteriza por atuar hierarquicamente ligada à Chefia do Poder Executivo,

enquanto a Administração direta se prende à simples supervisão do citado poder

(RONZANI, 2000).

A estrutura da Administração Pública foi tema do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de

fevereiro de 1967, que, apesar das inúmeras modificações legislativas sofridas,

continua em vigor. O Decreto-Lei procurou diferenciar a Administração direta da

indireta, contextualizando-as no cenário das pessoas jurídicas integrantes da

Administração Pública. De acordo com o artigo 4.°, inciso I, da aludida norma, a

1 A função administrativa pode ser definida como a atribuição de um encargo a uma determinada

pessoa, física ou jurídica, seja ela de direito público seja de direito privado, que tem o dever de alcançar o interesse público, servindo-se para tanto do poder jurídico que lhe é igualmente conferido, entretanto, limitado pelo ordenamento jurídico.

Administração direta federal compreende os serviços integrados na estrutura

administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. O inciso II, por sua

vez, define a Administração indireta como aquela composta por autarquias,

empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas (JUSTEN

FILHO, 2005).

As entidades da Administração Pública indireta decorrem da descentralização e são

as seguintes: autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de

economia mista. Cada uma delas possui personalidade jurídica própria diversa da

personalidade jurídica da entidade maior a que se vincula.2 Portanto, são sujeitos de

direitos e possuem seus próprios encargos, exercendo atividades e praticando atos

em seu próprio nome.

A Administração indireta ou descentralizada, em suma, caracteriza-se por um

desdobramento da própria Administração Pública. Contudo tal desdobramento tem

por fim a criação de entidades dotadas de personalidade jurídica própria, sujeitas ao

regime jurídico público ou privado, dependendo da atividade que venha a

desempenhar conforme a determinação de sua lei criadora ou autorizadora.

Independentemente de a Administração Pública indireta encontrar-se sob o regime

jurídico de direito público ou de direito privado, deverá obedecer aos princípios

administrativos previstos no artigo 37 da Constituição, no caso os princípios da

legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência

(BRASIL, 1988).

Não obstante a obediência aos princípios acima citados, José dos Santos Carvalho

Filho (2005) destaca outros três, que dizem respeito essencialmente à

Administração Pública indireta. O primeiro deles é o princípio da reserva legal, visto

que a criação de tais entidades só ocorre mediante manifestação do Poder

Legislativo e do Executivo no processo de formação da lei instituidora, em

atendimento ao disposto no inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal.3 O

2 A Administração Pública indireta decorre do fenômeno chamado descentralização, caracterizado pela delegação do exercício de determina atividade estatal a entes dotados de personalidade jurídica própria. A citada delegação é conferida pela Administração direta, seja pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, seja pelos Municípios, que se tornam a entidade maior, à qual se vinculam as entidades por elas criadas. 3 Art. 37, inciso XIX. Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.

princípio do controle é aquele pelo qual toda pessoa integrante da Administração

indireta se vincula à entidade maior da Administração direta que a criou. O terceiro e

último princípio é o da especialidade. Cabe ao Estado identificar as atividades que

serão delegadas à Administração indireta, uma vez que não é qualquer atividade

que se torna objeto do processo de descentralização. Dessa forma, deve a lei

criadora da entidade descentralizada definir qual será a atividade que por ela será

exercida, atendendo ao princípio da especialidade.

A Administração Pública indireta compreende, de um lado, as autarquias e

fundações, dotadas de personalidade jurídica de direito público, e, de outro, as

empresas estatais, submetidas ao regime jurídico de direito privado com influência

do direito público.

Cabe aqui ressaltar acerca da polêmica natureza jurídica das fundações. Para tanto,

há duas correntes. A primeira defende a existência de dois tipos de fundações

públicas: as que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado e as que

ostentam personalidade jurídica de direito público. Estas últimas são caracterizadas

como verdadeiras autarquias, normalmente denominadas fundações autárquicas.

A distinção entre fundações públicas e privadas é defendida por Di Pietro (2005), no

sentido de que o Poder Público, ao instituir uma fundação, poderá dotá-la de

personalidade jurídica de direito público ou privado. Tal raciocínio leva em

consideração a possibilidade de aplicação, no direito público, da distinção feita pelo

Código Civil de 1916 entre duas modalidades de pessoas jurídicas de direito

privado: associações e sociedade de um lado e fundações de outro, distinção que foi

mantida no novo Código.

A segunda corrente defende que todas as fundações são dotadas de personalidade

jurídica de direito privado, mesmo quando instituídas pelo Poder Público. Contudo tal

entendimento restou prejudicado com o advento da Constituição de 1988. Nesse

sentido opinou José dos Santos Carvalho Filho (2005) na defesa de que, seja em

nível federal ou estadual, seja em nível distrital ou municipal, as fundações

sobrevivem de recursos públicos originados do orçamento das entidades estatais

que as criaram e às quais se vinculam. Daí a dificuldade em caracterizar as

fundações como privadas.

A Administração Pública de direito privado, por sua vez, é constituída pelas

empresas públicas e pelas sociedades de economia mista. O Decreto-Lei n.º 200/67

(BRASIL, 1967), alterado pela redação do Decreto-Lei n.° 900, de 29 de setembro

de 1969, deixou claro, no artigo 5.º, incisos II e III, que tanto a empresa pública como

a sociedade de economia mista são entidades dotadas de personalidade jurídica de

direito privado, criadas mediante autorização por lei específica, conforme disposição

do inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal.

Tais entidades, conforme dito, não são dotadas de personalidade jurídica de direito

público, não estando, portanto, subordinadas, integralmente, ao regime jurídico de

direito público. Ocorre que também não estão vinculadas totalmente ao direito

privado. A intensidade dessa vinculação é determinada caso a caso, dependendo da

atividade que desenvolvem.

O artigo 173 da Constituição Federal prevê as situações em que o Estado poderá

atuar na exploração de atividade econômica, ressalvadas as exceções

constitucionais, em atendimento aos imperativos da segurança nacional ou relevante

interesse público. Nesse caso, o Estado deverá subordinar-se ao regime próprio da

iniciativa privada (BRASIL, 1988).

Por sua vez, o artigo 175 do mesmo diploma legal, prescreve que incumbe ao Poder

Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos, diretamente ou através de

licitação, mediante contrato seja de concessão, seja de permissão. É possível que

tais serviços sejam delegados a particulares, entretanto não estarão sujeitos ao

princípio da livre iniciativa. Significa dizer que não apenas devem seguir o regime

jurídico de direito privado, mas, sobretudo, devem atender aos princípios da

Administração Pública.

As empresas estatais, que representam a Administração Pública indireta com

personalidade jurídica de direito privado, subordinam-se, portanto, a regimes

jurídicos diversos, que serão determinados conforme sejam exploradoras de

atividade econômica ou prestadoras de serviço público.

Contudo destaca-se que, embora seja atribuída significativa importância à

identificação da atividade que exercem as entidades estatais, tendo em vista que tal

identificação reflete sua submissão a regimes jurídicos diversos, atualmente é

possível verificar a acumulação de diferentes atividades exercidas por uma mesma

empresa estatal, de forma que não é possível afirmar que ela tenha por objeto tão-

somente o serviço público ou apenas uma determinada atividade econômica

(JUSTEN FILHO, 2005). Como exemplos pode-se citar a Empresa de Correios e

Telégrafos e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica.4

Tal assertiva deve ser levada em consideração, tendo em vista que, no futuro, a

distinção feita acerca da atividade exercida pela Administração Pública indireta

poderá restar superada, em razão dos argumentos acima postos. Até lá, a devida

identificação do regime jurídico ao qual se submete uma entidade estatal ainda tem

como uma de suas sustentações justamente a distinção entre a prestação de serviço

público e a exploração de atividade econômica.

1.2 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Denominam-se empresas estatais aquelas que são administradas e controladas pelo

Poder Público, de forma direta ou indireta. São empresas estatais as empresas

públicas e as sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias.

Merece destaque o fato de que, conforme assevera Marçal Justen Filho (2005), a

aplicação de técnicas organizacionais próprias da atividade privada deu origem a

empresas estatais dotadas de características similares às das empresas privadas.

Levando-se em consideração que ainda assim se submetem aos princípios

inerentes à Administração Pública, é de se concluir que se submetem a um regime

jurídico híbrido, na medida em que ora são regidas pelas regras direcionadas à

4 A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) tem por objeto não apenas o serviço público postal, mas também outras atividades, como o “SEDEX 10” – postagem diferenciada que compete, inclusive, com empresas da iniciativa privada. No mesmo sentido, a Infraero, encarregada de gerir inúmeros aeroportos no Brasil, levando em consideração que nesses locais são desenvolvidas inúmeras atividades, pertencentes tanto à iniciativa pública – movimentação de aeronaves −, como à iniciativa privada – comércio desenvolvido nos aeroportos.

iniciativa privada, ora se vinculam às regras direcionadas à consecução do interesse

público, que, por sua vez, sempre deverá ser objetivado.

Como visto anteriormente, as empresas estatais têm como objeto a exploração de

atividade econômica ou a prestação de serviço público. Embora tal distinção seja

encarada como algo que no futuro poderá despir-se da importância que hoje lhe é

atribuída, ainda é de suma relevância na identificação do grau de utilização do

regime jurídico de direito público, maior nas que prestam serviço público e menor

nas que exploram atividade econômica.

Na verdade, diz-se que o regime jurídico dessas entidades tem natureza híbrida, em

razão da influência de normas do direito privado e do direito público.

As sociedades de economia mista, por sua vez, são formadas por capital privado e

público, sendo este último predominante. Seu conceito pode ser extraído do inciso III

do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 200/675, que fornece os elementos necessários à sua

caracterização como entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,

criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade

anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou à

entidade da Administração Indireta (BRASIL, 1967).

Os incisos XIX e XX do artigo 37 da Constituição Federal, por sua vez, determinam

que somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição

de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei

complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação, e que depende

de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades

mencionadas, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada

(BRASIL, 1988).

São, portanto, instituídas mediante autorização legal, o que as submetem ao

princípio da legalidade, e revestem-se da forma de sociedade anônima. A citada

autorização legal não pode ser indeterminada ou ilimitada; a norma especifica seu

objeto e limites de atuação.

Cabe ressaltar que o predomínio do capital público se dá pelo fato de que a maioria

das ações com direito a voto deve pertencer à entidade que criou a sociedade de

5 Redação dada pelo Decreto-Lei n.° 900/69.

economia mista, seja a União, Estado-Membro, Distrito Federal, Município, seja

entidade da Administração indireta.

Como exemplos de sociedades de economia mista destacam-se o Banco do Brasil e

a Petrobras.

As empresas subsidiárias, previstas no inciso XX do artigo 37 da Constituição

Federal, são igualmente criadas mediante autorização legal e ligadas à entidade

estatal criada pelo Estado. Ou seja, o Estado, pelo procedimento da

descentralização, cria uma determinada entidade estatal, seja ela uma empresa

pública, seja uma sociedade de economia mista, que, por sua vez, passa a gerir

uma nova sociedade mista, também criada por lei, tendo, inclusive, a maioria de

suas ações (BRASIL, 1988).6

Ressalva se faz necessário ao enunciado do inciso III do artigo 5.º do Decreto-Lei n.°

200/67, alterado pelo Decreto-Lei n.° 900/69, pelo qual fica definido que a sociedade

de economia mista tem como objeto a exploração de atividade econômica (BRASIL,

1967). O mesmo se dá com o previsto no § 1.° do artigo 173 da Constituição

Federal7, segundo o qual a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública,

da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade

econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

Ocorre que, na verdade, a sociedade de economia mista também pode ser

prestadora de serviço público, fato que não é de todo incomum. Nesse contexto,

vale mencionar o entendimento de José dos Santos Carvalho no sentido de que os

conceitos não são incompatíveis, na medida em que a atividade econômica constitui

um gênero em seu sentido mais abrangente, visando à utilização de recursos para a

satisfação de necessidades. Dessa forma, levando em consideração que

determinados serviços públicos têm por fim a utilização de recursos também para a

satisfação de necessidades, só que públicas, é possível concluir que tais serviços

são espécie do gênero atividade econômica (CARVALHO FILHO, 2005).

Vê-se, portanto, que é preciso fazer uma análise da legislação que define as

sociedades de economia mista com a devida cautela, atentando, sobretudo, ao fato

de que, como entes da Administração Pública indireta, devem ser criadas por lei

6 Cabe ressaltar que a mesma lei instituidora da entidade estatal poderá prever a criação de sua eventual subsidiária. 7 Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1988.

para desempenharem determinada atividade econômica ou prestarem determinado

serviço público, sempre controladas pela entidade que as criou, submetidas a um

regime jurídico híbrido, sobretudo aos princípios previstos no artigo 37, caput, da

Constituição Federal (BRASIL, 1988).

2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E LICITAÇÕES

2.1 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Contrato, no âmbito civil, refere-se à relação jurídica oriunda de um acordo de

vontades pelo qual os pactuantes se obrigam reciprocamente a cumprir, em sua

totalidade, os termos insertos na avença, tendo, por isso, como elementos

fundamentais a consensualidade e a vinculação jurídica das cláusulas para ambos

os contratantes (pacta sunt servanda).

O conceito acima exposto deve ser adequado e complementado quando a

Administração deseja realizar acordo visando à implementação de determinado

interesse público por meio da concretização de um “contrato”, uma vez que existem

normas específicas de observância obrigatória nesse tipo de relação jurídica (por

exemplo, a alteração unilateral dos termos contratuais – observando os direitos

patrimoniais da parte contrária −, a existência de cláusulas exorbitantes, a

preponderância do interesse público sobre o particular, a fiscalização por parte da

Administração Pública, entre outros).

Os contratos realizados entre a Administração Pública e o particular podem ser

divididos em dois grupos: contratos de direito privado da Administração (regidos

preponderantemente pelo direito privado ou empresarial) e contratos administrativos

(regidos pelo direito administrativo).

Odete Medauar (2005), sem fugir dessa classificação, mas apresentando uma nova

visualização, apresenta a seguinte tipologia: contratos administrativos clássicos,

regidos pelo direito público; contratos semipúblicos, regidos parcialmente pelo direito

privado; e figuras contratuais recentes, como os convênios e os contratos de gestão

regidos precipuamente pelo direito público.

O eminente especialista em direito administrativo, Celso Antonio Bandeira de Mello

(2006, p. 579-580) , discorda da denominação contrato administrativo, entendendo

que [...] tem sido utilizada de maneira imprópria e muito infeliz, porque propiciadora

de equívocos, apesar de reconhecer a preponderância dessa configuração pela

doutrina brasileira, [...] praticamente unânime e sem oposição jurisprudencial.

Destaca que as cláusulas imutáveis em benefício da Administração devem ser

consideradas como alheias ao contrato e, sendo alheias, não são contratuais.

Portanto só existe contrato no que diz respeito às cláusulas mutáveis, passíveis de

influência do contratado. O restante pode ser caracterizado como ato unilateral da

Administração Pública em razão da sua supremacia.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 utiliza-se do termo

“contrato” quando disciplina sobre a concessão de serviço público, entendendo-a

como a mais adequada.

Mesmo considerando as ressalvas analisadas pelo professor Bandeira de Mello, a

doutrina majoritária, tanto no Brasil como na França, prefere a estipulação “contrato

administrativo” para estabelecer as relações jurídicas específicas travadas entre a

Administração e o particular.

2.1.1 Conceito e Disciplina Normativa

O contrato administrativo, tido como o ajuste entre a Administração e o particular,

tem o interesse público como foco norteador das relações jurídicas, além de dispor

de normas específicas e princípios próprios do direito administrativo, visando à

proteção da coletividade e do interesse público.

Preceitua o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal que compete

privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em

todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e

fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

obedecendo ao disposto no artigo 37, inciso XXI, e para as empresas públicas e

sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, § 1.°, inciso III. A União,

pois, deve editar normas de interesse geral, e os demais entes federativos, normas

específicas (BRASIL, 1988).

Os contratos administrativos são regulados pela Lei n.º 8.666, de 21 de junho de

1993, conhecido como o Estatuto dos Contratos e Licitações Públicas, por conter em

seu texto normativo o delineamento e princípios próprios relacionados aos contratos

administrativos, bem assim às licitações (BRASIL, 1993a).

As empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, quando

explorarem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de

prestação de serviços, segundo preceitua o artigo 173, § 1.º, inciso III, da

Constituição Federal de 1988, obedecerão a estatuto jurídico próprio.

Ocorre que ainda não foi produzido tal diploma normativo. Desse modo, na ausência

de legislação específica, às empresas públicas, sociedades de economia mista e

suas subsidiárias aplica-se a Lei n.º 8.666/93 até a produção da norma.

Entre os contratos administrativos clássicos, segundo a denominação da Prof.ª

Odete Medauar (2005, p. 251-252), encontram-se os seguintes:

a) contrato de obras: caso a realização da obra seja feita por particulares (execução

indireta), poderá ser por empreitada por preço global (preço certo e total),

empreitada por preço unitário (preço por unidades determinadas), tarefa (mão-

de-obra relacionada a pequenas obras, com ou sem fornecimento de materiais) e

empreitada integral;

b) contrato de serviços: a doutrina estabelece divisão entre os serviços da seguinte

forma: comuns – quando não se exige habilitação específica para a realização do

serviço, técnico-profissionais – quando há a necessidade de habilitação

específica, e técnico-profissionais especializados – quando é executado por

profissionais habilitados e de notória especialização;

c) contrato de compra ou contrato de fornecimento;

d) contrato de concessão: disposto sob quatro modalidades, a saber: concessão de

serviço público, concessão de serviço público precedida de obra pública (também

denominada concessão de obra pública), concessão de uso de bem público e

concessão de direito real de uso;

e) permissão de serviço público formalizada por contrato de adesão.

2.1.2 Características

São próprias dos contratos administrativos as seguintes características:

a) presença da Administração Pública num dos pólos da relação jurídica, seja a

Administração direta, seja indireta;

b) formalidade, tendo em vista que os contratos administrativos devem observar

determinados requisitos, como no caso de ser precedido, regra geral, por

licitação;

c) comutatividade entre as obrigações pactuadas previamente entre as partes;

d) caráter intuitu personae, na medida em que o contratante eleito pela

Administração, regra geral, não pode ser substituído por outro, como no caso da

subcontratação possível apenas dentro dos limites estabelecidos pela legislação;

tal fato se dá em razão de que há um critério objetivo, mediante procedimento

específico, no qual é escolhida a parte contratante com a Administração, motivo

pelo qual o contrato se caracteriza como intuitu personae;

e) bilateralidade, caracterizada pelo fato de que sempre haverá direitos e

obrigações para ambas as partes;

f) presença de cláusulas exorbitantes.

Quanto à presença de cláusulas exorbitantes, destaca-se que a supremacia da

Administração Pública sobre o particular nos contratos administrativos tem como

fundamento a proteção de uma finalidade pública, possuindo o ente uma série de

prerrogativas (cláusulas exorbitantes ou de privilégio).

As formalidades legais (tanto externas quanto internas) dos contratos firmados pela

Administração Pública têm peculiaridades específicas, que devem ser observadas.

Por sua vez, as cláusulas exorbitantes, denominadas “prerrogativas” pela legislação,

estão arroladas no artigo 58 da Lei n.º 8.666/93 (BRASIL, 1993a).

O § 1.º do artigo acima citado dispõe que as cláusulas econômico-financeiras e

monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia

concordância do contratado. Já o § 2.º estabelece que, na hipótese do inciso I desse

artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que

se mantenha o equilíbrio contratual.

Cumpre mencionar que as cláusulas acima citadas são previstas justamente em

razão da supremacia do interesse público sobre o privado, a serem diagnosticadas

em cada caso. Não deve, portanto, o administrador público delas se utilizar com o

intuito de beneficiar ou prejudicar partes ou terceiros envolvidos mediante critérios

subjetivos e pessoais.

2.1.3 Formalização e Cláusulas Essenciais

A formalização diz respeito ao aspecto de exteriorização do contrato. Sendo a

formalidade dos contratos administrativos uma característica ínsita aos mesmos, os

termos de ajuste devem ser pactuados por meio de instrumento escrito, salvo as

exceções previstas no artigo 60, parágrafo único, da Lei n.º 8.666/93 (BRASIL,

1993a).8

8 Art. 60. [...] Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5%

Antes da formalização contratual, no entanto, a nota de empenho deverá ser

previamente emitida.

O instrumento contratual torna-se obrigatório nas hipóteses de concorrência e de

tomada de preços, bem assim nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam

estabelecidos nos limites dessas duas modalidades de licitação, sendo facultativo

nos demais casos em que a Administração puder substituí-lo por outros

instrumentos compatíveis, a exemplo da carta-contrato, nota de empenho de

despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço (artigo 62 da Lei

n.º 8.666/93).

É também dispensável o termo de ajuste contratual, independentemente do valor,

nos casos de compra com entrega imediata e integral de bens adquiridos, dos quais

não resultem obrigações futuras, incluindo a assistência técnica, conforme se

depreende do artigo 62, § 4.º, da Lei n.º 8.666/93 (BRASIL, 1993a).

Os contratos e possíveis alterações posteriores por meio de aditamentos serão

lavrados nas repartições próprias, que deverão manter arquivo cronológico dos

mesmos, bem como do registro dos extratos, exceto quando forem relacionados a

direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório

de notas (artigo 60 da Lei n.º 8.666/93).

Quanto ao conteúdo e à eficácia dos contratos, o artigo 61 e seu parágrafo único

preceituam que todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus

representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do

processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes

às normas dessa Lei e às cláusulas contratuais.

As cláusulas essenciais, por sua vez, são [...] aquelas indispensáveis à validade do

negócio jurídico e estão discriminadas nos incisos do artigo 55 da Lei n.º 8.666/93

(CARVALHO FILHO, 2005, p. 162).

Vê-se, portanto, que devem os contratos administrativos atender, sobretudo, as

regras estabelecidas pela legislação.

(cinco por cento) do limite estabelecido no artigo 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

2.1.4 Extinção do Contrato

O contrato extingue-se pelo cumprimento do seu objeto; pelo término do prazo

quando o mesmo for previamente estipulado; quando houver a impossibilidade de

sua execução, seja material seja jurídica; quando for identificado vício de legalidade,

fato que o invalida.

A rescisão é outra forma pela qual o contrato administrativo será extinto e ocorre

antes do término do contrato, em razão da vontade expressa por uma das partes,

que formalmente assim o deverá fazer.

De acordo com o artigo 79 da Lei n.º 8.666/93, há três modalidades de rescisão:

amigável, administrativa e judicial. A rescisão amigável caracteriza-se pela

formalização do distrato, no qual as partes, de comum acordo, traçam os direitos e

as obrigações decorrentes da rescisão. A rescisão administrativa, como o próprio

nome anuncia, parte da iniciativa da Administração, com base na inexecução do

contrato, em fatores impeditivos ou prejudiciais à sua execução, bem como em

razões de interesse público. Por fim, a rescisão judicial, normalmente de iniciativa do

contratado insatisfeito com o descumprimento por parte da Administração, é

determinada através de provimento jurisdicional, podendo, inclusive, estabelecer o

pagamento de eventual indenização (BRASIL, 1993a).

Admite-se, ainda, a rescisão mediante arbitragem. Apesar de não haver regulação

específica sobre o tema, podendo-se contar com poucos dispositivos legais9, a

doutrina majoritariamente tem entendido pela possibilidade de adoção do citado

instituto em contratos administrativos. Nesse sentido, defende José dos Santos

Carvalho Filho (2005).

2.2 LICITAÇÕES

9 Quanto ao tema, destaca-se a Lei de Arbitragem – Lei n.º 9.307, de 23 de julho de 1996, e a Lei n.º 11.079, de 30 de dezembro de 2004 que regulam as parcerias público-privadas. Esta última prevê, em seu artigo 11, inciso III, a possibilidade de adoção da arbitragem para dirimir conflitos contratuais entre a Administração e o parceiro privado.

2.2.1 Conceito e Princípios

Licitação é o processo administrativo que antecede os contratos realizados pela

Administração. Compreende várias fases e tem por fim indicar, por meio de critérios

objetivos, aquele que vai ser contratado, conforme prevê o inciso XXI do artigo 37 da

Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Regulando o dispositivo constitucional, trata do tema a norma, anteriormente citada,

Lei n° 8.666/93 – Lei de Licitações. Em seu artigo 119, prevê que as sociedades de

economia mista, empresas e fundações públicas, entidades controladas direta ou

indiretamente pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal

deverão editar regulamentos próprios, devidamente aprovados pela autoridade

superior a que são vinculados, observado o disposto no referido estatuto (BRASIL,

1993a).

No tocante às entidades que explorem atividade econômica, conforme dito

anteriormente, prevê o artigo 173, § 1.° da Constituição Federal um regime jurídico

próprio para as empresas estatais, que compreende o regime pertinente às

licitações e contratos (inciso III) (BRASIL, 1988). É possível concluir, pela leitura dos

dispositivos legais supracitados, que pretendeu o legislador estabelecer um regime

jurídico diferenciado para a Administração indireta, talvez no sentido de lhe conferir

maior flexibilização. Contudo, enquanto a matéria não for devidamente regulada, tais

entidades devem ser submetidas ao previsto na Lei n.° 8.666/93.

Além dos princípios constitucionais básicos a serem seguidos, previstos no artigo

37, caput, da Constituição Federal – legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência (BRASIL, 1988), torna-se necessário que sejam atendidos

ainda:

a) vinculação ao instrumento convocatório, segundo o qual devem as partes ater-se

ao disposto no edital; na verdade, trata-se de uma segurança para os

contratantes, na medida em que as regras são estipuladas previamente e assim

devem ser mantidas;

b) julgamento objetivo, ligado ao princípio da vinculação ao instrumento

convocatório, já que os critérios admitidos para a seleção do contratante devem

ser objetivos e previstos expressamente, de forma que todos tenham

conhecimento e possam competir de forma isonômica;

c) probidade, ligada à honestidade, à impessoalidade e à moralidade com que

devem agir os administradores públicos, na busca pelo contratante que atenda

as exigências da Administração dentro dos critérios objetivos traçados no

instrumento convocatório.

Destaca-se que o princípio da igualdade está ligado, essencialmente, às condições

de competição que devem ser asseguradas a todos os participantes. Dessa forma,

nacionais e estrangeiros devem concorrer de forma isonômica, sem privilégios nem

discriminações em decorrência da nacionalidade dos contratantes. Tal princípio é de

significativa importância no contexto das licitações internacionais.

2.2.2 Modalidades

As modalidades de licitações, bem como a definição de cada uma delas, estão

previstas na Lei n.° 8.666/93, em seu artigo 22: a concorrência, a tomada de preço,

o convite, o concurso e o leilão (BRASIL, 1993a). A escolha, pela Administração, de

uma das modalidades apontadas tem como fundamento o valor do contrato, ou,

ainda, o objeto a ser licitado.

Nas três primeiras modalidades previstas – concorrência, tomada de preços e

convite –, há necessariamente uma preocupação com o valor do contrato, valor este

que ditará qual das modalidades será adotada no procedimento de eleição do futuro

contratado, conforme determina o artigo 23 da Lei de Licitações.

Com exceção do convite, as modalidades acima citadas dependem de publicação de

aviso, contendo um resumo do edital, com indicação do local onde os interessados

poderão obter o texto completo, bem como as informações acerca do certame

licitatório. No caso do convite, a divulgação é feita por carta, seguida de afixação de

cópia do instrumento convocatório em local apropriado.

No que diz respeito à concorrência, destaca-se que a lei prevê tal modalidade, com

relação não apenas ao valor do contrato, mas também ao seu objeto, quando, por

exemplo, a Administração pretenda adquirir ou alienar bens imóveis,10 quando há

licitação de caráter internacional11 e quando o contrato tem por fim a concessão de

direito real de uso.

A modalidade de concurso objetiva a escolha de trabalho técnico, artístico ou

científico, visando, sobretudo, ao caráter intelectual. Inicialmente não há uma

escolha prévia daquele a ser contratado pela Administração, sendo estabelecida

uma espécie de prêmio ou remuneração a ser paga ao vencedor, que, por sua vez,

deverá ceder os direitos patrimoniais sobre seu trabalho à Administração, caso

contrário não terá direito a receber o prêmio.

Tendo em vista a significativa inclinação para um critério subjetivo na escolha do

projeto na modalidade de concurso, é preciso que os membros da comissão tenham

conhecimento técnico do tema em discussão, evitando, assim, que seja desviado o

interesse público no decorrer do julgamento.

O leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de

bens móveis inservíveis para a Administração, ou de produtos legalmente

apreendidos ou penhorados, ou ainda para a alienação de bens imóveis cuja

aquisição haja derivado de procedimento judicial ou de dação em pagamento.

Na citada modalidade, regra geral, vence aquele que oferecer o maior lance, que

deve ser igual ou superior ao da avaliação. As regras pertinentes ao leilão estão

previstas no artigo 53 da Lei de Licitações.

Por fim, tem-se a modalidade denominada pregão, instituída por Medida Provisória

editada em 4 de abril de 2000, regulamentada pelo Decreto n.º 3.555, de 8 de

agosto de 2000, destinado à aquisição de bens e serviços comuns, qualquer que

seja o valor da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de

propostas e lances, em sessão pública (BRASIL, 2000a). Posteriormente, a Lei n.°

10.520, de 17 de julho de 2002, disciplinou o instituto do pregão como nova

modalidade de licitação a ser utilizado pelos Estados, pelos Municípios, pelo Distrito

Federal e pela União (BRASIL, 2002).

10 Vide artigo 19 da Lei de Licitações. 11 Vide artigo 23, § 3.° da Lei de Licitações.

Cabe, ainda, destacar que o pregão poderá ser realizado por meio da utilização de

recursos da tecnologia da informação, conforme regulamentação específica editada

pelo Decreto 3.697, de 21 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000b).

2.2.3 Fases do Processo Licitatório

A licitação tem início com o procedimento administrativo interno, no qual são

elaboradas as regras para o certame licitatório, como a definição do objeto e os

recursos hábeis para tanto.

Após a fase interna, tem início a fase externa com a audiência pública. Esta deverá

ser realizada antes da publicação do edital sempre que o valor estimado para uma

licitação for superior a cem vezes o valor previsto para a concorrência de obras e

serviços de engenharia, conforme preceitua o artigo 23, inciso I, alínea “c” da Lei de

Licitações (BRASIL, 1993a).

A audiência tem por fim divulgar a licitação pretendida, tornando-a pública para a

população interessada. De acordo com o artigo 39 do mesmo diploma legal, a

audiência deverá ser divulgada pelos mesmos meios previstos para a publicidade e

realizada com antecedência mínima de quinze dias antes da publicação do edital.

Segue-se a elaboração e publicação do edital, que, por sua vez, deverá ser

aprovado pela assessoria jurídica competente. Dessa forma, tem o edital o poder de

vincular as partes contratantes, entretanto, é possível aos interessados, ou a

qualquer cidadão, impugná-lo no prazo estipulado por lei.12

O edital não é utilizado quando da realização de convite, visto que, na citada

modalidade de licitação, o instrumento convocatório é a carta-convite na qual são

estabelecidas as regras do certame.

Após esta fase inicial, segue-se a habilitação dos participantes, oportunidade na qual

é verificado se eles atendem as condições previstas no edital. São elas: a

12 O prazo é de cinco dias antes da data designada para a abertura dos envelopes da habilitação, conforme preceitua o § 1.° do artigo 41 da Lei de Licitações.

habilitação jurídica, a qualificação técnica e econômico-financeira, a regularidade

fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7.° da Constituição

Federal.13

A habilitação é seguida pela fase de julgamento das propostas através de critérios

previstos no edital, que assim são classificados como os tipos de licitação: menor

preço, melhor técnica, técnica e preço e maior lance ou oferta.14 Atendido um desses

critérios, as propostas são listadas, da primeira às subseqüentes.

Verificando-se que inexistem nulidades ou irregularidades nas fases até então

realizadas, segue-se a homologação do julgamento, que tem por objetivo a

confirmação por parte da autoridade competente superior e, finalmente, a

adjudicação do objeto da licitação, ou seja, o momento no qual se atribui ao

vencedor do certame o citado objeto.

Cabe ainda ressaltar que a lei prevê casos de dispensa e inexigibilidade de

licitações. Na dispensa, em tese, haveria a possibilidade de realização do certame

licitatório e de competição, entretanto, em razão de alguma peculiaridade que

envolve o caso, optou o legislador pela ausência de sua obrigatoriedade. De forma

taxativa, o legislador previu os casos de licitação dispensada, que trata das

hipóteses em que a própria lei determina que não seja realizado o processo

licitatório, ao lado da licitação dispensável, segundo a qual, ao contrário da

dispensada, haveria a possibilidade jurídica de sua realização, mas a lei a dispensa.

Estão previstas, respectivamente, nos artigos 17 e 24 da Lei de Licitações (BRASIL,

1993a).

A inexigibilidade, por sua vez, decorre da própria inviabilidade da licitação, ao

contrário da dispensa. Ocorre quando a competição é inviável, porque só existe um

objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração, conforme

prevê o artigo 25 do citado diploma legal.

13 Versa o artigo sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. No caso do inciso XXXIII, tem-se a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito, e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de menor aprendiz, a partir dos quatorze anos. 14 Critério utilizado nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

2.2.4 Licitações Internacionais

Levando-se em consideração que existem hoje inúmeras relações traçadas entre a

maioria dos Estados no contexto mundial, sobretudo com o surgimento, no segundo

pós-guerra, de inúmeros organismos internacionais, destaca-se a grande influência

que as normas internacionais exercem nos ordenamentos jurídicos nacionais. Nesse

contexto, o conceito de soberania estatal, aliado ao de jurisdição, traz como

conseqüência a realidade da limitação dos poderes do Estado na ordem

internacional.

Ocorre que, na maioria dos casos, tais normas internacionais ainda devem

submeter-se às Constituições dos Estados, que traçam os limites de sua aplicação.

Devem-se, pois, analisar as normas e procedimentos sobre licitações editados por

organismos internacionais sob a luz da legislação nacional, sobretudo diante dos

princípios constitucionais.

O caráter nacional ou internacional de uma licitação decorre da discricionariedade

da Administração quando da elaboração do edital licitatório, que poderá ser

publicado não apenas nos limites da jurisdição brasileira, mas também além das

fronteiras nacionais. Contudo, cabe ressaltar que a inexistência de publicidade

internacional não impede a participação de interessados estrangeiros.

Ocorre que, nas licitações que têm por fim atrair competidores estrangeiros,

havendo, portanto, divulgação em nível internacional, é possível que os recursos

utilizados para a contratação sejam oriundos de organismos financeiros

internacionais de que o Brasil faça parte, bem como do Banco Mundial ou do Banco

Interamericano de Desenvolvimento.

Dessa forma é possível identificar duas formas de licitação internacional no contexto

do ordenamento jurídico brasileiro. De um lado, licitações internacionais que tenham

a participação de investidores privados e, de outro, licitações internacionais

financiadas por organismos internacionais. Inexiste, portanto, regra geral única

constante da Lei n.° 8.666/93. Tal diferenciação tornou-se possível com a adesão do

Brasil, em 1944, nos Estados Unidos, à Convenção de Bretton Woods15, passando a

15 Na Convenção de Bretton Woods, foi criado o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), ou, ainda, Banco Mundial. Trata-se de um órgão internacional que tem por

admitir que, nas licitações internacionais financiadas por organismos internacionais

de que o país faça parte, ou por agências estrangeiras de cooperação, haja sua

submissão às regras determinadas pelos respectivos financiadores do processo

licitatório (ASSONI FILHO, 2004).

Assim, preceitua o artigo 42, § 5.º, da Lei n.º 8.666/93 que poderão ser admitidas na

respectiva licitação as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções

ou tratados internacionais devidamente aprovados pelo Congresso Nacional, bem

como as normas e procedimentos daquelas entidades, inclusive quanto ao critério

de seleção de proposta mais vantajosa para a Administração, quando financiadas

por organismos internacionais (BRASIL, 1993a).

Verifica-se, portanto, que as normas nacionais contidas na Lei n.º 8.666/93 devem

ser aplicadas e utilizadas pelos licitantes e pelos órgãos da Administração Pública

nas licitações financiadas com recursos provenientes de empréstimo internacional,

admitindo-se, contudo, condições provenientes de tratados internacionais

devidamente ratificados pelo Executivo.

Existem ainda outros artigos da Lei de Licitações que tratam da licitação

internacional (BRASIL, 1993a).

O primeiro deles é o artigo 3.°, que, no § 1.°, inciso II, e no § 2.°, busca atender ao

princípio constitucional da isonomia, garantindo que os contratantes sejam tratados

de forma igualitária e imparcial, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

O artigo 23, § 3.°, por sua vez, estabelece como regra nas licitações internacionais

que a modalidade de concorrência seja a utilizada, abrindo exceção para a

modalidade de tomada de preços, quando houver um cadastro internacional de

fornecedores do objeto da licitação, e o convite, quando não houver no Brasil

nenhum competidor qualificado a fornecer o objeto da licitação.

Já o artigo 55, § 2.°, da Lei n.º 8.666/93 trouxe regra imprecisa e lacunosa, gerando

incerteza acerca da possibilidade de submissão do Estado nacional à jurisdição

estrangeira, compreendendo a arbitragem internacional, ao prever o foro brasileiro

para dirimir qualquer questão relativa aos contratos administrativos, salvo disposição

do § 6.° do artigo 32 do citado diploma legal.

fim auxiliar os países em desenvolvimento através de recursos financeiros a serem investidos em projetos de caráter social de infra-estrutura.

O § 6.º diz respeito a: a) licitação internacional para a aquisição de bens e serviços

cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo

financeiro internacional de que o Brasil faça parte, ou por agência estrangeira de

cooperação; b) contratação de empresa estrangeira para a compra de equipamentos

fabricados e entregues no exterior; c) aquisição de bens e serviços realizada por

unidades administrativas com sede no exterior.

Ocorre que o dispositivo em questão, ao tratar da eleição do foro nacional para os

contratos administrativos, traz um comando positivo, e não um comando negativo

proibindo a eleição do foro estrangeiro. Tal assertiva dá margem a dúvidas quanto à

admissibilidade de convenção arbitral internacional.

De outra sorte, o inciso XV do artigo 23 da Lei n.° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,

que trata das concessões de serviço público, prevê como uma das cláusulas

essenciais dos contratos de concessão, a relativa ao foro e ao modo amigável de

solução das divergências contratuais (BRASIL, 1995a).

Não obstante o fato de que a arbitragem não pode ser conceituada como “modo

amigável” de solução de conflitos, parte da doutrina defende uma interpretação

ampliativa do citado dispositivo e, assim, conclui pela possibilidade da utilização da

arbitragem em contratos administrativos, desde que estes sejam dotados de

arbitrabilidade objetiva, ou, ainda, tenham por objetivo direitos patrimoniais

disponíveis.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 233), nesse sentido, entende pela

necessidade da adoção de uma das modalidades “amigáveis” de solução de

conflitos nos contratos da Administração Pública.

Adilson de Abreu Dallari (2001, p. 798-799) vai além, ao defender não só uma

interpretação ampliativa do inciso XV do artigo 23 da Lei n.° 8.987/95, mas também

uma espécie de obrigação. Defende ainda que, ao optar pela arbitragem, a

Administração não está transigindo com o interesse público, mas escolhendo uma

alternativa, normalmente mais célere e, portanto, mais hábil, para a defesa do

interesse público. Dessa forma, a legislação que porventura venha a tratar da

arbitragem nos contratos administrativos não tem o condão de tornar o Judiciário

inacessível à Administração, ao contrário, proporciona uma alternativa, que pode ser

utilizada com maior ou menor intensidade para certas espécies de conflitos.

Verifica-se que o tema traz significativas discussões, sobretudo nos casos de

ausência de clareza na legislação que versa sobre o assunto. Carece, pois, o

ordenamento jurídico brasileiro da edição de normas que venham a solucionar as

dúvidas postas, de forma a gerar segurança aos que contratam com o Estado.

3 ARBITRAGEM

3.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

Fora da esfera do Judiciário, a arbitragem é o meio de solução de conflitos mais

utilizado, diferente da conciliação e da mediação. A mediação é o mecanismo

alternativo de caráter extrajudicial e autônomo que privilegia melhor comunicação

entres as partes e o restabelecimento das relações sociais, com o auxílio de um

mediador. O objetivo principal da mediação é, dessa forma, não a busca do direito a

ser aplicado ao conflito, mas a busca do acordo através do diálogo entre as partes

envolvidas na controvérsia percebendo-se como indivíduos sociais capazes para

tanto. O mediador, no papel de cooperador, tem como funções coordenar a

discussão entre as partes, ressaltando as convergências e divergências em torno do

objeto do conflito de interesses, e, conseqüentemente, motivar a busca de

alternativas para a solução do conflito, bem como auxiliar as partes a descobrir seus

reais interesses, permitindo que o acordo firmado por elas seja justo, eqüitativo e

duradouro.

Na conciliação, o que se busca é um acordo, é a resolução do conflito através de

concessões mútuas; não havendo acordo, frustrada é a conciliação. O conciliador,

ao contrário do mediador, que visa à comunicação entre as partes, pode sugerir às

partes o que fazer, pode opinar sobre o caso. Na mediação, a solução não é

sugerida: estimula-se o diálogo entre as partes, para que assim possam sozinhas

administrar seu conflito.

Uma mediação, portanto, pode ser bem sucedida mesmo sem culminar em um

acordo, bastando que tenha facilitado o diálogo entre as partes e despertado sua

capacidade de se entenderem sozinhas. O mesmo não se verifica na conciliação.

Apesar de os institutos acima apontados terem como elemento principal a

pacificação da crise entre as partes envolvidas, a arbitragem, ao contrário dos

demais, requer a intervenção de um terceiro desinteressado no conflito, requer a

decisão – laudo arbitral −, proferida por um árbitro previamente escolhido.

Ocorre que, na era da globalização, quando surge o capital apátrida, em razão da

união dos Estados em blocos, conseqüência da flexibilização das fronteiras, surge

um novo conceito de soberania. Torna-se, portanto, necessário, que sejam

implementados novos sistemas de controle, sobretudo em se tratando de relações

contratuais que envolvam os Estados. É nesse contexto que ganha importância o

citado meio de solução extrajudicial de controvérsias, seja ele interno, seja

internacional, porquanto tem por fim a solução rápida, sigilosa e imparcial, [...]

ostentando ainda neutralidade ideológica e baixos custos a médio prazo (ALVES,

2006).

Conforme defende José Luís Esquível (2004, p. 78), as vantagens associadas à

arbitragem dizem respeito ao caráter mais reservado do processo, à possibilidade da

escolha de árbitros especificamente qualificados para a matéria envolvida, à

celeridade decorrente de um procedimento mais simplificado que o aplicado pela

Jurisdição estatal, à possibilidade de uma maior imparcialidade quando em jogo

interesses desconectados do Estado no qual será proferido o laudo e à possibilidade

de execução da sentença arbitral já que caracterizada como título executivo judicial.

De outro lado, aponta como desvantagem o custo com o pagamento dos honorários

de árbitros e com o funcionamento do tribunal arbitral que pode exceder as custas e

os honorários gastos com um processo ajuizado perante a jurisdição estatal.

Ponto a merecer destaque reside na diferenciação entre arbitragem

institucionalizada e arbitragem ad hoc. Aquela caracteriza-se pela intervenção de

uma instituição especializada de caráter permanente procurada pelas partes com o

objetivo de solucionarem seus conflitos mediante a arbitragem, abrindo mão do

Estado-juiz. Tal situação pode ser verificada nos centros de arbitragem que

funcionam junto das câmaras de comércio ou de indústrias ou de outras associações

profissionais, os quais se caracterizam por possuírem um regulamento de arbitragem

e uma organização própria.

De outra sorte, a arbitragem ad hoc é aquela na qual o tribunal arbitral é constituído

por árbitros e regras previamente determinados pelas partes, sem, pois, a

intervenção de uma instituição com as características acima apontadas.

No Brasil, a arbitragem foi prevista na Constituição Federal de 182416, entretanto, o

citado método de solução de conflitos não era efetivamente utilizado, deixando a

cargo do Judiciário tal tarefa.

Seguindo essa tendência, o Código Comercial de 1850, ainda vigente, previu, em

seu artigo 294, e em caráter obrigatório, a arbitragem nas causas entre sócios e

sociedades comerciais durante a existência da sociedade ou companhia, sua

liquidação ou partilha.

No mesmo sentido enunciou o Regulamento 737, vigente em 1858, que, em seu

artigo 411, exigia o juízo arbitral para a solução de litígios que tivessem por objeto

causas comerciais. Contudo, posteriormente, a Lei n.º 1.350, de 14 de setembro de

1866, revogou os dispositivos que privilegiavam a solução arbitral, caindo a matéria

em desuso.

Ainda em se tratando de nossa legislação interna, destacam-se os Códigos de

Processo Civil de 1939 e 1973, que já fizeram menção à instituição da arbitragem.

A arbitragem foi igualmente prevista na Lei dos Juizados Especiais, Lei n.° 9.099, de

26 de setembro de 1995, que admitiu o julgamento através de “juízo arbitral”, com

árbitro previamente escolhido pelas partes, podendo, inclusive, decidir por eqüidade,

16 “Art. 160. Nas cíveis e nas penaes civilmente intentadas poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes”. Nota-se que a Carta de 1824 não faz nenhuma distinção entre laudos arbitrais nacionais e estrangeiros. Contudo é possível concluir que tal distinção surgiu com o Decreto n.º 6.982, de 27 de julho de 1878, ao determinar, em seu artigo 14, que “As sentenças arbitrais estrangeiras uma vez que tenham sido homologadas por tribunais estrangeiros são suscetíveis de homologação pelo Supremo Tribunal Federal”, resultando no entendimento dominante, à época, na Suprema Corte Nacional, acerca da necessidade da dupla homologação dos laudos arbitrais estrangeiros, ou seja, da imprescindibilidade de homologação judicial dos laudos em seu país de origem antes de serem submetidos ao Pretório Excelso.

sujeitando o laudo à homologação judicial por sentença irrecorrível (BRASIL,

1995b).17

Por fim, em 1996, ganhou o instituto da arbitragem normatização específica com a

edição da Lei n.° 9.307 (BRASIL, 1996). Inicialmente, houve grande discussão

acerca da constitucionalidade da citada norma, ao argumento de que estaria tirando

do cidadão seu direito de acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do artigo 5.° da

Constituição Federal, que assim determina: A lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL, 1988, p. 8).

O citado preceito constitucional é interpretado como um direito público subjetivo à

jurisdição inerente a qualquer indivíduo. Dessa forma, o primeiro questionamento a

ser feito é sobre a existência do monopólio, exercido pelo Judiciário, na função de

solucionar conflitos de interesse. Em sendo a resposta afirmativa, entender-se-ia

pela inconstitucionalidade do juízo arbitral.

Ocorre que, após calorosos debates, restou pacificado pelo Supremo Tribunal

Federal que a Lei de Arbitragem – Lei n.º 9.307, de 23 de julho de 1996, não estaria

ferindo preceitos constitucionais e, portanto, não haveria que se falar em

inconstitucionalidade, conforme se verifica no Agravo Regimental em Sentença

Estrangeira n.º 5.206-7 (DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003).18

No plano internacional, o Brasil assinou o Protocolo de Genebra, de 192319, bem

como ratificou a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial

17 Tais disposições estão contidas nos artigos 25 e 26 da Lei n.° 9.099/95. 18 Agravo interposto contra decisão do então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Sepúlveda Pertence, que havia negado pedido homologatório de laudo arbitral proferido na Espanha – em litígio envolvendo empresa com sede na Suíça em face de empresa brasileira – sem a respectiva homologação do Judiciário espanhol, com base nos precedentes da Corte. A empresa suíça interpôs agravo regimental em face da decisão, ressaltando que, na época, ainda não vigia a Lei de Arbitragem – Lei n.º 9.307/96. Durante a votação do agravo, foi suscitada, incidentalmente, a inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem pelo Ministro Moreira Alves, tornando-se necessária a manifestação do Procurador Geral da República e dos demais ministros do STF, conforme previsão do artigo 176 do Regimento Interno do Supremo. Votaram contra a constitucionalidade os Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira. Votaram a favor os Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Marco Aurélio, Carlos Velloso e a Ministra Ellen Gracie. 19 Promulgada através do Decreto n.º 21.187/32, pelo qual restou constatada a equiparação entre cláusulas e compromissos arbitrais. Assim determina seu artigo 1.°: “Cada um dos Estados contratantes reconhece a validade, entre as partes submetidas respectivamente à jurisdição de Estados contratantes diferentes, do compromisso ou da cláusula compromissória pela qual as partes num contrato se obrigam, em matéria comercial ou em qualquer outra suscetível de ser resolvida por meio de arbitragem por compromisso, a submeter, no todo ou em parte, as divergências que possam resultar de tal contrato, a uma arbitragem, ainda que esta arbitragem deva verificar-se num país diferente daquele a cuja jurisdição está sujeita qualquer das partes no contrato”.

Internacional, do Panamá, de 197520, e a Convenção Interamericana sobre Eficácia

Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de Montevidéu21, de

1979, que versa sobre o reconhecimento de laudos arbitrais proferidos no exterior, e,

para tanto, identifica os requisitos para sua homologação. Recentemente, o Brasil

ratificou a Convenção de Nova York de 1958, através do Decreto n.° 4.311, de 23 de

setembro de 2002.22

Cabe destacar que, com a vigência da Convenção de Nova York, qualquer Estado-

Membro poderá declarar que somente irá aplicá-la quando estiverem envolvidos

laudos proferidos pelos contratantes. Contudo o Brasil não fez tal ressalva, portanto,

as regras valem para laudos arbitrais de qualquer país, seja ele membro ou não da

citada convenção, o que se caracteriza por uma postura em favor da arbitragem.

Outro ponto a merecer destaque encontra-se no artigo III da Convenção de Nova

York, dada a polêmica que certamente irá surgir em torno do tema. Trata-se da

interpretação que sugere a possibilidade da execução dos laudos arbitrais

estrangeiros sem a chancela do Superior Tribunal de Justiça, órgão competente

para tanto, após o advento da Emenda Constitucional n.º 45, 8 de dezembro de

2004. Prevê o citado artigo:

[...] cada Estado signatário reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará em conformidade com as regras de procedimento do território no qual a sentença é invocada, [...] (sendo que) não serão impostas condições substancialmente mais onerosas ou taxas ou cobranças mais altas do que as impostas para o reconhecimento ou a execução de sentenças arbitrais domésticas (BRASIL, 2004a).

Comparando o processo de execução dos laudos arbitrais nacionais com o dos

estrangeiros, verifica-se que uma das principais diferenças reside justamente na

necessidade de homologação, pelo Superior Tribunal de Justiça, das decisões

proferidas fora do País, o que, de certa forma, pode ser considerado uma condição

mais onerosa. Contudo há tendência de que tal interpretação não venha a

20 Promulgada pelo Decreto n.° 1.902/96. 21 Promulgada pelo Decreto n.° 2.411/97. 22 Também denominada Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Já foi ratificada por pelo menos 133 países, o que lhe confere significativa importância e contribui para uma uniformização da matéria em nível internacional, gerando, inclusive, segurança jurídica para os investidores estrangeiros, ao constatar que um laudo arbitral proferido fora do Brasil deverá atender, sobretudo, a citada Convenção, não ficando, pois, dependente do que prescreve a legislação nacional.

prevalecer, visto que o laudo arbitral estrangeiro, na qualidade de título executivo

judicial, igualmente estrangeiro, se submete à regra constitucional que prevê a

homologação de sentenças proferidas fora do território brasileiro, mediante

exequatur, incluindo aqui o citado laudo (DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 45).23

No âmbito do Mercosul, o Brasil ratificou o Protocolo de Cooperação e Assistência

Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, de 199224,

aprovou o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, de 199825,

e o Acordo sobre Arbitragem Comercial entre Mercosul, Bolívia e Chile, de 1998.26

3.2 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

Torna-se fundamental a identificação da natureza jurídica da arbitragem, sobretudo

quando da verificação da aplicação do princípio da imunidade de jurisdição, tema a

ser discutido oportunamente no presente estudo.

Segundo a obra de Jacob Dolinger e Carmem Tibúrcio (2003), há quatro teorias que

buscam identificar a natureza jurídica da arbitragem: a teoria jurisdicional, a teoria

contratual, a teoria mista (jurisdicional / contratual) e a teoria autônoma.

De acordo com a teoria jurisdicional, os árbitros são equiparados aos juízes togados,

partindo-se do pressuposto de que deve o Estado controlar e regular todas as

arbitragens que ocorrem em seu território. A jurisdição, pois, não é atividade

exclusivamente estatal, sendo possível que seja delegada a terceiro. Tal assertiva

tem como fundamento os artigos 18 e 31 da Lei n.° 9.307/96 – Lei da Arbitragem –,

na qual existe a previsão de que árbitros sejam considerados juízes de fato e de

direito, uma vez que suas decisões são títulos executivos judiciais que prescindem

23 Destaca-se que, após a Emenda Constitucional n.º 45/04, a competência para homologação de sentenças estrangeiras passou a ser atribuída ao Superior Tribunal de Justiça, conforme nova redação do artigo 105, inciso I, alínea “i”. 24 Protocolo de Las Leñas, ratificado pelo Decreto n.° 2.067, de 12 de novembro de 1996. Conforme se depreende do citado protocolo, ainda não há a necessidade da homologação pelo Superior Tribunal de Justiça dos laudos arbitrais provenientes de países do Mercosul. Entretanto, o laudo poderá ser enviado diretamente pelo judiciário de um país-membro através de carta rogatória, o que, de certa forma, pode agilizar seu processo de execução. 25 Ratificada pelo Decreto n° 4.719, 4 de junho de 2003. 26 Decreto Legislativo n.° 843 de 2001.

de homologação do Judiciário para produzir efeitos (DOLINGER; TIBÚRCIO,

2003).27

Para a teoria contratual, a partir do momento em que as partes pactuam acerca da

escolha pelo juízo arbitral em detrimento da jurisdição estatal, tem-se, sobretudo, a

vontade das partes como premissa maior, o que caracteriza a natureza contratual da

arbitragem. Defende-se que a jurisdição é manifestação da soberania e, portanto,

atividade monopolizada pelo Estado.

A teoria mista, por sua vez, argumenta no sentido de que a arbitragem é

convencional conforme sua origem e jurisdicional em razão da função que exerce. É,

portanto, uma intermediária entre as duas teorias acima apontadas.

Por fim, tem-se a teoria autônoma, ligada à arbitragem internacional. De acordo com

esta teoria, o referido instituto deve ser desvinculado de qualquer ordenamento

jurídico nacional, ou seja, prega-se pela sua anacionalidade.

A respeito do princípio constitucional do acesso à justiça, convém esclarecer que a

escolha pela solução de conflitos mediante arbitragem significa nada mais do que a

renúncia à jurisdição estatal em favor de uma outra solução de cunho privado,

normalmente mais célere e custosa. Entretanto, não há que se falar na ausência de

prestação jurisdicional, ainda que essa esteja limitada pela falta de coercibilidade do

juízo arbitral e presente na jurisdição estatal. O fato é que em ambas há uma

decisão com um resultado, decisão que também é considerada título executivo

judicial, conforme determina o ordenamento jurídico brasileiro.28

Vale mencionar o trabalho realizado na doutrina francesa por Henry Motulsky, ao

defender a natureza jurisdicional da arbitragem. Seu estudo baseia-se, sobretudo,

em: (I) descaracterizar o argumento de não ser a sentença arbitral ato jurisdicional

pela falta de força executória e (II) pelas inúmeras confrontações e analogias que

fazia entre a atividade do árbitro e do juiz togado (MOTULSKY, apud BAYER, 2003,

p. 35).

27 Defendem a natureza jurisdicional da arbitragem os seguintes autores: Carlos Alberto Carmona (Das boas relações entre juízes e os árbitros.); Sálvio de Figueiredo Teixeira (Arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade da corte comunitária.); Humberto Theodoro Júnior (A arbitragem como meio de solução de controvérsias.); Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (CPC comentado e legislação.); Pedro Batista Martins (Arbitragem através dos tempos: obstáculos e preconceitos à sua implementação no Brasil até o advento da Lei 9.307/96); José Maria Rossani Garcez (A arbitragem na era da globalização). 28 Artigo 31 da Lei n.º 9.307/96.

Ainda na defesa da natureza jurisdicional da arbitragem, tem-se o modelo de

Charles Jarroson. Discípulo de Motulsky, o autor identificou certos critérios básicos

para a caracterização da citada natureza do juízo arbitral. Jarroson (apud BAYER,

2003, p. 35) divide a análise do ato jurisdicional em dois critérios, o formal e o

material.

Segundo o critério formal, a natureza do ato jurisdicional não deve ter como

fundamento o órgão do qual emana, já que tais órgãos também praticam atos de

natureza não jurisdicional. De igual sorte não merece ser acolhida a tese de que um

ato é jurisdicional em razão da sua natureza procedimental, visto que, no bojo de

processos administrativos, se encontram distintos atos de natureza procedimental.

Por fim, ainda com relação ao critério formal, a eficácia de um ato não determina se

ele é jurisdicional por não serem determinantes os efeitos da coisa julgada.

Por sua vez, de acordo com o critério material, a análise do ato jurisdicional não

deve ater-se à sua finalidade, por esta decorrer apenas da lógica. No mesmo

sentido, o ato não deve ser considerado jurisdicional em razão de sua estrutura de

decisão, igualmente verificada na arbitragem; ou em razão da existência da lide, que

também ocorre no citado instituto.

Carreira Alvim (apud BAYER, 2003, p. 35), por sua vez, traz interessante análise

acerca da jurisdicionalidade da arbitragem, ao discorrer acerca dos princípios

informadores do citado instituto, quais sejam: investidura, aderência ao território,

indelegabilidade, indeclinabilidade, juiz natural e inércia. Tais princípios são

encontrados, essencialmente, na jurisdição estatal. Contudo é possível inseri-los no

contexto da arbitragem, com os devidos ajustes e de forma satisfatória, conforme

defende o citado autor.

Modelo ainda a ser destacado reside nos estudos do jurista uruguaio Couture (apud

BAYER, 2003, p. 37), ao defender, igualmente, a natureza jurisdicional da

arbitragem. Primeiramente, o autor distinguiu três elementos inerentes ao ato

jurisdicional: forma, conteúdo e função. No que diz respeito à forma, torna-se

necessária a presença das partes, dos juízes e dos procedimentos determinados

pela lei, todos, destaca-se, presentes na arbitragem. Com relação ao conteúdo, tem-

se a busca pela solução do conflito instaurado, capaz de, ao final, adquirir

autoridade de coisa julgada, situação igualmente verificada no juízo arbitral. Por fim,

a função decorre da atividade de dirimir conflitos por aqueles que possuem

competência para tanto, outorgada por lei, como ocorre com o juiz togado e com o

árbitro.

De acordo com Couture, a jurisdição pode ser definida como função pública

realizada pelo Estado, em conformidade com os preceitos legais que o direcionam à

tutela requerida pela parte, com o objetivo de dirimir seus conflitos e controvérsias

com relevância jurídica, mediante decisões com autoridade de coisa julgada,

eventualmente passível de execução (COUTURE, apud BAYER, 2003, p. 37).

A partir da definição acima transcrita, torna-se possível concluir que a arbitragem é

função pública, visto que decorre de lei e segue princípios constitucionais e

processuais previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Dispõe de um árbitro que

diz o direito das partes, o qual atende ao disposto em lei, mesmo que seja para

dirimir conflitos que tenham por objeto apenas direitos disponíveis, inclusive com

autoridade para proferir decisões que, como dito anteriormente, fazem coisa julgada.

Diante de tais conclusões, é possível verificar que o único traço essencial inerente à

jurisdição estatal que não está presente no instituto da arbitragem reside na

coercibilidade, no poder de execução das decisões proferidas. Contudo a ausência

desse elemento não pode significar, por si só, que inexista jurisdição ao se falar em

arbitragem.

Irineu Strenger (1996), por sua vez, em sua obra Arbitragem Comercial

Internacional, traz um capítulo cujo título é, justamente, Da jurisdição arbitral,

fazendo alusão ao tema no sentido de corroborar as idéias até agora postas,

acentuando o fato de que, em se tratanto de arbitragem internacional, existe a

possibilidade da intervenção de uma determinada instituição internacional capaz de

suprir eventuais carências do juízo arbitral.

Vê-se, portanto, que parcela considerável da doutrina entende que tem a arbitragem

natureza jurisdicional. Contudo é preciso destacar que o citado instituto se soma à

jurisdição estatal como alternativa para solução de conflitos, de sorte que uma não

anula a outra.

Em se tratando da arbitragem internacional, objeto do presente estudo, destaca-se

que, quanto à sua natureza jurídica, há uma forte tendência, nos últimos tempos, em

relacioná-la à teoria autônoma, última das quatro mencionadas inicialmente,

admitindo-se, pois, uma desvinculação do processo arbitral da lei do local onde esse

processo é realizado, [...] sendo isto justificado pela sua natureza realmente

internacional e pelo fato de que o tribunal arbitral não integra o Judiciário local

(DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 96). Essa tendência já chegou a ser adotada pelo

Judiciário da França29 e dos Estados Unidos.30

3.3 ARBITRAGEM INTERNA E INTERNACIONAL

Após a arbitragem ser definida como a técnica que tem por fim a solução de

controvérsias ou, ainda, de conflito de interesses, por um ou mais árbitros eleitos

pelas partes envolvidas mediante acordo de vontade, não restam dúvidas acerca da

sua natureza de pacificação social, sem a intervenção do Estado, através da figura

do magistrado.

Resta agora diferenciar a arbitragem interna da internacional. A importância dessa

diferenciação reside, essencialmente, em três razões: determina a lei que regula a

arbitragem, determina a jurisdição estatal capaz de intervir no procedimento arbitral

quando necessário e identifica eventuais critérios de internalização de uma sentença

arbitral quando caracterizada como estrangeira.

Contudo não é tarefa fácil identificar a citada diferenciação. Existem inúmeros

critérios, como o local da sede do tribunal arbitral, a nacionalidade ou o domicílio das

partes envolvidas, o critério da proximidade, a lei processual a ser aplicada ao

procedimento da arbitragem, bem como a nacionalidade dos contratos que tenham

porventura instaurado o conflito a ser solucionado mediante arbitragem.

Com relação ao critério pertinente aos contratos, não basta diferenciá-lo tão-

somente com base na nacionalidade das partes ou no local da execução do

contrato. É preciso, sobretudo, identificar se há interesses comerciais em nível

internacional.

29 Parte Especial: Arbitragem comercial internacional. Decisão da corte de apelação de Paris, Primeira Câmara, 14.01.97, editado no Journal de Droit Internacional, segundo Dolinger e Tibúrcio (2003, p. 750-754). 30 Parte Especial: Arbitragem comercial internacional. Decisão do US District Court of District of Columbia, 31.06.96, editado em Revue de L’ Arbitrage, de acordo com Dolinger e Tibúrcio (2003, p. 439).

É preciso, pois, identificar a natureza do litígio e dos interesses das partes

contratantes. Cabe ressaltar que este é o critério adotado pela Câmara de Comércio

Internacional, entidade que abriga um dos mais importantes tribunais de arbitragem,

a Corte Internacional de Arbitragem (ALVES, 2006).

O critério a ser adotado vai depender da legislação interna de cada país. No caso do

Brasil, tem-se o parágrafo único do artigo 34 da Lei n.° 9.307/96 (BRASIL, 1996),

que assim determina: Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido

proferida fora do território nacional. Dessa forma, adotou o legislador brasileiro o

critério do local da sede do tribunal arbitral onde for proferido o laudo.

Em se tratando de laudo arbitral estrangeiro, havia uma tendência jurisprudencial do

Supremo Tribunal Federal de que a referida decisão, para ser submetida ao

Judiciário Brasileiro, deveria antes ser homologada judicialmente no país onde teria

sido proferida. Contudo, com o advento da Lei de Arbitragem – Lei n.º 9.307/9631 –,

tal entendimento deixou de persistir, bastando o exequatur do Pretório Excelso para

que um laudo arbitral estrangeiro tenha validade no ordenamento jurídico brasileiro.

Verifica-se, pois, que a arbitragem internacional é tema abordado pela jurisprudência

brasileira, que passa por modificações significativas, as quais visam, sobretudo, à

adequação à legislação atual e à cooperação jurisdicional internacional.

Torna-se imperioso destacar que, quando as parte não escolhem, previamente, o

direito material aplicável na solução do conflito a ser dirimido pela arbitragem,

caberá ao árbitro solucionar eventual conflito de normas no espaço quando diante

de uma arbitragem internacional. O conflito de normas no espaço tem como base o

fato de que cada país é soberano no limite de seu território ou, ainda, de sua

jurisdição. Dessa forma, a legislação por ele elaborada só terá validade dentro desse

limite. Ocorre que as leis internas costumam ser diferentes umas das outras, e,

assim, diante de uma relação jurídica que venha a ultrapassar tais limites, indaga-se

sobre a norma a ser aplicada. Tem-se, portanto, o conflito de normas no espaço.

Conclui-se, então, que, além da importância de se identificar a nacionalidade da

31 Art. 35 – Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal.

arbitragem, é preciso ainda identificar o direito material aplicável ao caso concreto

quando as partes não dispuserem previamente a respeito.32

Em junho de 1985, foi criada pela UNCITRAL33 uma espécie de Legislação

Comercial Internacional, um conjunto de regras de arbitragem composto de 41

artigos que regulamentam os procedimentos, desde a notificação das partes até a

sentença.

Outros tribunais também adotaram regras uniformes referentes ao procedimento de

arbitragem, que, na maioria dos casos, não divergem muito umas das outras.

Importante questão a ser identificada, como mencionado anteriormente, é

justamente o direito material a ser aplicado, que usualmente se dá conforme a sede

do local da arbitragem, e que, dada a diversidade de regras nesse sentido, pode

fazer surgir os conflitos de normas no espaço.

Dentre os tribunais arbitrais no plano internacional, destacam-se a Corte

Internacional de Arbitragem, com sede em Paris34; a American Arbitration

Association (AAA), nos Estados Unidos35; a London Court of Arbitration; a Câmara

de Comércio de Estocolmo; a Câmara de Comércio de Tóquio e a Corte Permanente

de Arbitragem36, que dispõe de uma secretaria em Haia. No Brasil, tem-se a

Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, criada na cidade

de São Paulo, em 1978.

3.4 A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

32 Cabe ressaltar que, diante de um conflito de normas no espaço, a escolha da norma aplicável em conflitos a serem solucionados, seja pela jurisdição estatal, seja pela arbitragem, não é de todo ilimitada. As partes devem, sobretudo, respeitar as normas de ordem pública vigentes no local e à época do conflito. 33 United Nations Comission for Internacional Trade Law (Comissão das Nações Unidas para a Legislação Comercial Internacional). Dentre as principais regras, tem-se: seguir o que foi determinado pelas partes; na falta de indicação da lei material a ser aplicada ao caso, utilizar o tribunal a norma designada pela regra de conflito indicada ao caso concreto, e, finalmente, decidir o tribunal livremente desde que assim tenham previsto as partes envolvidas no conflito. 34 Datada de 1923, funciona em mais de trinta países e está vinculada à Câmara de Comércio Internacional (CCI). 35 Entidade de natureza privada, sem fins lucrativos, especializada em responsabilidade civil e dedicada aos conflitos na área do comércio. 36 Na verdade, trata-se de um conjunto de árbitros disponíveis, e não necessariamente de uma corte.

3.4.1 Histórico

A arbitragem como meio de solução de conflitos é originalmente um instituto

proveniente do direito privado, praticado há séculos. No contexto do direito

administrativo, deu-se de modo diferente, tendo em vista que a utilização da

arbitragem só não é mais antiga em razão da juventude desse ramo do direito, saído

da Revolução Francesa e [...] baptizado pelo célebre arrêt Blanco, de 8 de fevereiro

de 1873 (ESQUÍVEL, 2004, p. 78).

A questão no Brasil, igualmente, não se encontra pacificada. Inicialmente, destaca-

se a regra contida no § 1.° do artigo 775 do Decreto n.° 15.783, de 8 de novembro

de 1922, que regulamentou o Código de Contabilidade da União, que previa como

uma das cláusulas do contrato administrativo a que declarasse competente o foro

nacional brasileiro para dirimir quaisquer questões relativas a esse contrato.

Verifica-se que já havia uma tendência em determinar a obrigatoriedade de cláusula

que declarasse competente o foro nacional para dirimir conflitos que tivessem por

objeto contratos administrativos firmados com pessoas estrangeiras.

A Lei n.° 5.662, de 21 de junho de 1971, que transformou o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social em empresa pública, em seu artigo 5.°

autorizava a instituição a realizar operações bancárias necessárias ao

desenvolvimento nacional, bem como a aceitar a inserção de cláusula arbitral em

seus contratos, típica dos contratos internacionais (BRASIL, 1971).

No mesmo sentido, o Decreto-Lei n.° 1.312, de 18 de julho de 1974, autorizou o

Tesouro Nacional a aceitar cláusulas e condições comuns às operações com

organismos financeiros internacionais, como o arbitramento para a resolução de

conflitos que porventura viessem a surgir das operações viabilizadas mediante

contratos (BRASIL, 1974).

O Decreto-Lei n.° 2.300, de 21 de novembro de 1986, que tratava das licitações,

previa a obrigatoriedade de cláusulas que declarassem competente o foro do Distrito

Federal para dirimir controvérsias relacionadas aos contratos administrativos,

vedando, de forma expressa, a utilização da arbitragem, em seu artigo 45, parágrafo

único (BRASIL, 1986).

Ulteriormente, foi promulgado o Decreto-Lei n° 2.348, de 24 de julho de 1987, que

alterou diversos artigos do Decreto-Lei n.º 2.300/86. Dentre as modificações

trazidas, destaca-se a possibilidade do arbitramento para casos excepcionais, como

no caso da concorrência internacional para a aquisição de bens ou serviços cujo

pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismos

internacionais de que o Brasil faça parte, ou no caso de contratação de empresas

estrangeiras para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior,

desde que tenha havido prévia autorização do Presidente da República (BRASIL,

1987).

As exceções acima postas estavam previstas no § 13 do artigo 25 do Decreto-Lei n.º

2.300/86, alterado pelo Decreto-Lei n.º 2.348/87. Ao interpretar o citado dispositivo,

Jacob Dolinger (apud MEDEIROS, 2003, p. 76) afirma que restou claro que deve ser

mantida a regra geral da imunidade de jurisdição do Estado Brasileiro, segundo a

qual somente é possível abrir mão do foro do Distrito Federal nas hipóteses

previstas. Contudo, para o autor, não ficou claro se a hipótese do § 13 do artigo 25

permitia somente o juízo arbitral ou também a eleição do foro estrangeiro.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.° 2.300/86 foi revogado expressamente pela Lei n.°

8.666/93, que passou a versar sobre o tema de licitações. Conforme discutido

anteriormente, o artigo 55, § 2.°, da Lei n.º 8.666/93 trouxe regra imprecisa e

lacunosa, gerando incerteza acerca da possibilidade de utilização da arbitragem nos

contratos administrativos, representando, dessa forma, um retrocesso, ao criar

obstáculos à utilização da arbitragem internacional (BRASIL, 1993a).

No tocante à arbitragem interna, segundo Dallari (2001) e Wald (2003), citados por

Medeiros (2003, p. 79), parte da doutrina veio a entender pela possibilidade de sua

utilização nos contratos administrativos, tendo como argumento o artigo 54 da Lei n.º

8.666/93. O referido dispositivo prevê que os contratos administrativos de que trata

essa Lei se regulem pelas suas cláusulas e pelos seus preceitos de direito público,

aplicando-se, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as

disposições de direito privado (BRASIL, 1993a).

Com o advento da Lei n.º 8.987/95, que versa sobre as concessões e permissões de

serviço público, houve uma inovação acerca do tema, com a previsão, no inciso XV

do seu artigo 23, do “modo amigável” de solução das divergências contratuais como

uma das cláusulas essenciais do contrato de concessão (BRASIL, 1995a).

A doutrina, nesse ponto, divide-se quanto à possibilidade de extensão do citado

dispositivo aos demais contratos administrativos, ponto a ser discutido em item

específico no presente trabalho. Fato é que, ainda carece o ordenamento jurídico

brasileiro de lei específica que verse sobre o tema para que controvérsias, como a

apontada, deixem de existir.

3.4.2 Arbitrabilidade Objetiva e Arbitrabilidade Subjetiva

O estudo da viabilidade da submissão da Administração indireta à arbitragem, seja

ela interna, seja internacional, deve passar, necessariamente, pela questão da

arbitrabilidade. A arbitrabilidade, por sua vez, deve ser compreendida sob o aspecto

subjetivo, que diz respeito à capacidade daqueles que podem submeter-se a

arbitragem, e sob o aspecto objetivo, relacionado à matéria passível de ser objeto de

transação, e assim passível de ser arbitrável. Neste último caso, têm-se os direitos

patrimoniais disponíveis.

No tocante à arbitrabilidade subjetiva, é preciso levar em consideração o princípio da

legalidade, segundo o qual a Administração deve agir sempre com base na lei.

Defende-se, num primeiro momento, que a inserção de cláusula arbitral em um

contrato administrativo só será permitida mediante lei autorizativa.

A legislação brasileira dispõe no sentido de que a arbitrabilidade subjetiva esteja

ligada às pessoas capazes ou, ainda, aos que têm a faculdade de transigir. Assim

determina o artigo 1.° da Lei de Arbitragem – Lei 9.307/96: As pessoas capazes de

contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos

patrimoniais disponíveis (BRASIL, 1996).

No mesmo sentido dispõe o novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de

2002), em seu artigo 85: É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para

resolver litígios entre pessoas que podem contratar (BRASIL, 2002b).

Não restam dúvidas acerca da capacidade da Administração Pública indireta, já que

dotada de personalidade jurídica própria, seja ela de direito público, seja de direito

privado. O problema reside na questão da arbitrabilidade objetiva, tendo em vista a

indisponibilidade do interesse público.

Nesse contexto, em consonância com o artigo 1.° da Lei de Arbitragem, o artigo 25

do mesmo diploma legal determina que, sobrevindo no curso da arbitragem questão

que envolva direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não,

dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à

autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral

(BRASIL, 1996).

Em razão da citada indisponibilidade, há quem defenda que todos os interesses

envolvendo as relações contratuais firmadas pelo Estado são indisponíveis, portanto

não há que se falar na possibilidade de submissão da Administração à arbitragem.

Ocorre que tal entendimento não deve prevalecer.

Afirma Carlos Alberto Carmona que são arbitráveis as causas que não versem sobre

temas relativos aos interesses fundamentais da coletividade, que não devem ser

resguardados mediante reserva específica, e que, portanto, as partes podem dispor

dessas causas quando diante de controvérsias (CARMONA, 1998, p. 56).

Vale mencionar o entendimento de Eros Roberto Grau (apud OLIVEIRA, 2005), de

que não se deve confundir interesse público, sempre indisponível, com direitos

patrimoniais públicos, categoria na qual se inserem bens passíveis de alienação,

como os bens dominicais, por exemplo, disponíveis, portanto. Dessa forma, a

Administração, sempre que puder contratar, o que importa em disponibilidade de

direitos patrimoniais, sem que isso implique disponibilidade do interesse público,

poderá, de igual sorte, convencionar cláusula arbitral.

Destaca-se que bens públicos são aqueles que pertencem a entes estatais e que

têm por fim imediato e mediato o interesse público. Sobre tais bens incidem normas

específicas, diferentes das normas que regem os bens privados.

Levando-se em consideração o critério da sua destinação ou afetação, os bens

públicos podem ser classificados em bens públicos de uso comum do povo, bens de

uso especial, ou seja, utilizados para o cumprimento das funções públicas, e bens

públicos de caráter dominical, os que são destinados à utilização pelo Estado para

fins econômicos, na qualidade de particular, ou, ainda, que não possuem uma

destinação específica.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 99, traz a classificação acima apontada,

deixando claro, contudo, que os bens públicos pertencentes às pessoas jurídicas de

direito público são espécie do gênero bens públicos, que por sua vez estão divididos

em bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais (BRASIL,

2002b).

Verifica-se, pois, que os bens tanto de uso comum como de uso especial estão sob

o domínio público do Estado; já os bens dominicais estão sob o domínio privado do

Estado. A importância dessa diferenciação reside no fato de que aqueles estão no

rol dos direitos patrimoniais indisponíveis da Administração, enquanto os bens

dominicais fazem parte dos direitos patrimoniais disponíveis.

A afetação está ligada, pois, à atribuição de uma destinação a um bem público, para

que este satisfaça as necessidades coletivas e estatais, no caso os bens de uso

comum e os de uso especial. Os bens dominicais não são afetados, pois não são

aplicados no desempenho das funções próprias da Administração.

Contudo é possível que um bem dominical venha a ser um bem de uso comum do

povo ou de uso especial, desde que ocorra sua devida afetação. A desafetação, por

sua vez, é o procedimento contrário; caracteriza-se pela mudança da destinação de

um bem público. Via de regra, visa incluir bens de uso comum ou de uso especial na

categoria de bens dominicais para possibilitar sua alienação. Cabe ao Estado, pois,

de forma discricionária, quando lhe convier, afetar ou desafetar um determinado bem

público, o que conseqüentemente o tornará um direito disponível e alienável, ou um

direito indisponível. Neste último caso, inviável será a arbitragem, ao contrário das

situações em que os bens públicos forem desafetados, portanto, alienáveis e

disponíveis.

Ao conceituar direitos disponíveis, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (apud

OLIVEIRA, 2005, p. 590) afirma que são todos os interesses e direitos que possam

ser valorados mediante uma determinada expressão patrimonial, e que, assim,

podem ser objeto de contratação.

Caio Tácito, citado por Oliveira (2005, p. 590), por sua vez, defende o tema

utilizando o mesmo raciocínio, admitindo, ainda, a convenção de arbitragem nos

contratos administrativos desde que compatível com a disponibilidade dos bens

envolvidos no certame.

Pedro Batista Martins (apud MEDEIROS, 2003, p. 87) trata do tema procurando

diferenciar os atos de império, ligados às atividades do Estado, preponderantemente

de utilidade pública, dos atos de gestão, de caráter privado e desprovidos das

prerrogativas do direito. Identificada a diferença, defende o autor que prevalece o

entendimento pela possibilidade da arbitragem, inclusive a de caráter internacional,

no que diz respeito aos atos de gestão.

No caso das sociedades de economia mista, objeto do presente estudo, vale

ressaltar que, conforme visto anteriormente, as empresas estatais têm como objeto a

exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. Embora tal

distinção seja encarada como algo que no futuro poderá despir-se da importância

que hoje lhe é atribuída, ainda é de extremo relevo na identificação do grau de

utilização do regime jurídico de direito público, maior nas que prestam serviço

público e menor nas que exploram atividade econômica.

Uma das significativas importâncias da diferenciação acima apontada reside

justamente na questão da disponibilidade ou não dos direitos patrimoniais

envolvidos. A empresa estatal que desenvolve atividade econômica em sentido

estrito, ao contrário daquelas que são prestadoras de serviço público, possui regime

próprio das empresas privadas, portanto, tem direitos patrimoniais disponíveis,

condição imprescindível para que possa submeter-se à arbitragem, interna ou

internacional.

É preciso, portanto, identificar no objeto social da empresa paraestatal a prestação

do serviço público do exercício da atividade econômica, já que, no primeiro caso, se

tem a supremacia do interesse público sobre o privado e, conseqüentemente,

direitos patrimoniais indisponíveis. Já no segundo caso, tem-se a ausência da

supremacia do interesse público, e, assim, o direito é disponível.

Conclui-se, de início, que a arbitragem só poderá ser utilizada como meio de solução

de conflitos pelas sociedades de economia mista que exerçam atividades

econômicas diante de direitos patrimoniais disponíveis. Entretanto, com o advento

da Lei n.º 8.987/95, tal argumentação tornou-se passível de críticas, já que o inciso

XV do artigo 23 do citado diploma legal prevê, como uma das cláusulas essenciais

dos contratos de concessão, o “modo amigável” para a resolução de conflitos

contratuais (BRASIL, 1995a).

Ademais, quando uma sociedade de economia mista se utiliza da arbitragem como

meio de solução de controvérsias contratuais, seja ela de cunho empresarial – ao

argumento de que estão em voga direitos disponíveis –, seja ela prestadora de

serviço público – tendo em vista o disposto no inciso XV do artigo 23 da Lei n.º

8.987/95 –, deve ser levado em consideração que, mais do que legítimo, seu uso é

recomendável, porque privilegia uma forma mais célere, atendendo, pois, ao

interesse público.

Aliada às argumentações postas, cabe destacar os ensinamentos de Adilson Abreu

Dallari (2001, p. 66) sobre o tema. Defende o autor que o problema não é a falta de

base legal, mas, sim, a impossibilidade de se recorrer ao Judiciário quando

convencionada a arbitragem para a solução de conflitos. Conclui o citado autor que

tal questão, por si só, não é suficiente para impedir a Administração Pública de se

utilizar da arbitragem, pois, quando opta pelo instituto, não está transigindo com o

interesse público, nem sequer deixando de defendê-lo através de hábeis meios. Ao

contrário, está fazendo a escolha por uma opção que poderá ser mais vantajosa, o

que representa, enfim, a defesa do interesse público aliado ao princípio da eficiência

constitucional.

Na defesa pela utilização da arbitragem por sociedades de economia mista, sem,

contudo, fazer distinção acerca das atividades que desenvolvem – de cunho

empresarial ou prestadora de serviço público –, vale ainda mencionar o

entendimento de Arnold Wald (2003, p. 377-378), no sentido de que as sociedades

de economia mista, por estarem submetidas a um regime jurídico diferenciado do

regime ao qual se submete a Administração direta, em razão do disposto no § 1.° do

artigo 173 da Constituição Federal, não podem ser afastadas da possibilidade de

sujeitarem suas divergências contratuais da arbitragem, desde que convencionado.

3.4.3 Arbitragem nos Contratos Administrativos e o Princípio da

Legalidade

Conforme preceitua o artigo 37 da Constituição Federal, entre outros princípios,

deve a Administração Pública, direta ou indireta, da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, obedecer ao princípio da legalidade. De acordo com esse

princípio, a Administração Pública, além de só poder fazer o que não é vedado por

lei, igualmente só pode agir de acordo com o que é permitido por lei (BRASIL, 1988).

Conclui-se, de início, que a submissão da Administração à arbitragem, seja ela

nacional, seja internacional, só será possível desde que haja previsão legal nesse

sentido.

Contudo, trata-se de uma visão estática da ordem jurídica, sobretudo do ponto de

vista da Administração Pública, conforme assevera Ada Pellegrini Grinover (2003, p.

380), valendo-se das idéias de Arruda Alvim. Alega a autora que defender Estado de

Direito como submissão à lei, inserida no contexto das grandezas sociais, é uma

visão estática da ordem jurídica, não podendo a Administração limitar-se nesse

sentido, desde que objetive a consecução do interesse público.

Odete Medauar (2005, p. 143), ao discorrer acerca dos quatro clássicos significados

do princípio da legalidade37 apontados pelo francês Eisenmann, conclui que o último

significado – a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena –,

se assim entendido, iria paralisá-la, já que haveria necessidade de um comando

específico para cada ato ou medida editados pela Administração.

Almiro Couto e Silva, citado por Ada Pellegrini Grinover (2003, p. 380), defende que

a Administração, quando transaciona, se sujeita ao direito privado: Cabe-lhe, pois,

transigir da mesma maneira como os particulares, suprimindo dúvidas quanto à

invalidade de ato jurídico, o qual é assim por ela mantido. Não fica o Estado inibido

de proceder dessa maneira pelo princípio da legalidade que rege a Administração

Pública.

Em se tratando das sociedades de economia mista, cumpre destacar a natureza

híbrida do seu regime jurídico, no qual o direito é parcialmente derrogado pelo direito

público. Ocorre que, levando em conta a personalidade jurídica de direito privado

das aludidas entidades, conclui-se que estas devem ser submetidas,

37 Os quatro significados são: a) a Administração pode realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer.

essencialmente, ao direito privado, salvo quando diante de normas expressas de

direito público.

Não obstante os argumentos acima postos, bem como a falta de técnica do

legislador na elaboração do artigo 23, inciso XV, da Lei n.º 8.987/95, quando se

refere à [...] possibilidade de resolução de conflitos através do modo amigável como

uma das cláusulas essenciais dos contratos administrativos, verifica-se que há

previsão legal para que a Administração Pública se submeta à arbitragem, desde

que estejam em voga direitos patrimoniais disponíveis, requisito imprescindível a

qualquer arbitragem.

A crítica deve residir no fato de que não são todos os contratos administrativos

passíveis de tal submissão. Como bem assevera Luis Roberto Barroso (2003, p.

620), não se deve, portanto, admitir a arbitragem nos contratos administrativos de

forma geral; deve-se buscar tal admissão em dispositivos legais aplicáveis ao caso,

e não em justificativas que tenham por base longínquas referências legislativas que

não convencem.

Segundo defendem os autores Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena

Villela Souto (2004, p. 242), no artigo Arbitragem em Contratos Firmados por

Empresas Estatais, até mesmo um típico contrato administrativo, como é o caso da

concessão de serviços públicos, admite a arbitragem, porquanto nesse tipo de

contrato existem aspectos que são puramente patrimoniais [...] e não podem ser

confundidos com os aspectos de serviço, esses sim, recobertos pela

indisponibilidade.

Nesse contexto, defende igualmente Toshio Mukai (1999, p. 460), ao discutir acerca

do inciso XV do artigo 23 da Lei n.° 8.987/95, destacando que a possibilidade da

previsão contratual de modo amigável é a maior inovação do citado diploma legal,

na medida em que à Administração caberá, quando conveniente, abrir mão de

certos interesses em favor de outros mais relevantes, incluindo aqui a possibilidade

de se utilizar da arbitragem, procedimento que, em determinadas circunstâncias, é

capaz de trazer soluções aos conflitos de maneira mais rápida e eficiente do que o

Judiciário, eleito na maioria dos casos. Contudo, ressalta o autor que não caberá a

solução amigável sobre direitos indisponíveis, não passíveis de transação, bem

como sobre controvérsia que tenha por objeto a declaração de inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo.

Destaca-se que parte da doutrina passou a interpretar de forma extensiva o inciso

XV do artigo 23, admitindo que o citado dispositivo constitui uma permissão genérica

à utilização da arbitragem nos contratos administrativos, e não somente nos

contratos de concessão e permissão. Nesse sentido, defende Caio Tácito, citado por

Suzana Domingues Medeiros (2003, p. 82).

De outra sorte, Luís Roberto Barroso (2003) critica a interpretação extensiva dada

ao inciso XV do artigo 23 da Lei n.° 8.987/95, na medida em que a previsão legal foi

expressa para os contratos vinculados à concessão e permissão de serviço público.

Se o legislador quisesse estender a arbitragem a outros contratos, assim o teria

previsto.

Cabe ressaltar importante e precursor julgado do Supremo Tribunal Federal, que,

em sessão plenária realizada em 1973, seguindo posicionamentos anteriores,

prestigiou o juízo arbitral nas relações privadas do Estado. Nesse expressivo

julgado, o eminente Ministro Bilac Pinto cita o voto do Ministro Godoy Ilha, do

Tribunal Federal de Recursos, que deixou assente nos anais daquela Corte:

[...] Juízo arbitral – Na tradição do nosso direito o instituto do Juízo Arbitral sempre foi admitido e consagrado, até mesmo nas causas contra a Fazenda. Pensar de modo contrário é restringir a autonomia contratual do Estado, que, como toda pessoa sui juris pode prevenir o litígio pela via do pacto de compromisso, salvo nas relações em que age como Poder Público, por insuscetíveis de transação. Natureza consensual do pacto de compromisso – O pacto de compromisso, sendo de natureza puramente consensual, não constitui foro privilegiado nem tribunal de exceção, ainda que regulado por lei específica. Princípios de instituto jurídico – Os princípios informativos de um instituto jurídico de direito privado podem ser modificados ou até mesmo postergados por norma legal posterior Cláusula de irrecorribilidade – A cláusula de irrecorribilidade de sentença arbitral é perfeitamente legítima e não atenta contra nenhum preceito da Carta Magna, sendo também dispensável a homologação judicial dessa sentença, desde que, na sua execução, seja o Poder Judiciário convocado a se pronunciar, dando assim, homologação tácita ao decidido (BRASIL, 1974a. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2006).

O caso acima citado diz respeito a uma ação ajuizada pelos espólios de Henrique

Lage e de Renaud Lage com o objetivo de receber indenização fixada por juízo

arbitral, em razão da incorporação, pela União, ao patrimônio nacional, dos bens e

direitos das empresas chamadas Organizações Lage, ao argumento de que restava

caracterizado o estado de guerra.

Tendo em vista as significativas dificuldades em se chegar a um acordo quanto ao

tema, foi expedido o Decreto-Lei n.° 9.521, de 26 de julho de 1946, que previa a

possibilidade da fixação do valor a ser indenizado por meio do juízo arbitral.

Foi proferido laudo pelo juízo arbitral, composto por Raul Gomes de Matos, membro

do juízo indicado pela União, Antônio Sampaio Dória, indicado pelos autores, e

Manoel da Costa Manso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, fixando

o valor indenizatório. Contudo, com a mudança de governo, o então Procurador-

Geral da República pronunciou-se no sentido de entender como inconstitucional a

instituição do juízo arbitral, por se caracterizar tribunal de exceção, vedado pela

Constituição de 1946. Com isso, restou impossibilitado o pagamento da quantia

determinada.

A questão foi levada ao Judiciário. A pretensão dos autores foi acolhida em primeira

instância. O Tribunal Federal de Recursos, por sua vez, manteve a decisão de piso.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal confirmou os entendimentos anteriores,

decidindo pela legalidade do juízo arbitral, conforme verificado na decisão acima

transcrita.

Instado a pronunciar-se sobre a possibilidade da arbitragem nos contratos

administrativos, o Tribunal de Contas da União julgou, inicialmente, pela sua

inadmissibilidade, por falta de autorização legal e ofensa a princípios básicos de

direito público (BRASIL, 1993b).

Nessa oportunidade, o Tribunal destacou que faltava autorização legal, tendo em

vista o disposto no Decreto-Lei n.º 2.300/86 e na Lei n.º 8.666/93. O referido

Decreto-Lei previa a possibilidade de utilização de juízo arbitral em contratos

celebrados pela Administração Pública quando o contrato fosse celebrado com a

pessoa física ou jurídica domiciliada no estrangeiro (parágrafo único do artigo 45).

Contudo a Lei n.º 8.666/93 não repetiu o exato teor do aludido Decreto-Lei revogado,

deixando de admitir expressamente até mesmo aquela hipótese de juízo arbitral

contemplada anteriormente (BRASIL, 1993a).

De outro lado, entendeu também aquela Corte de Contas que a utilização de juízo

arbitral em contratos administrativos afrontaria uma série de princípios de direito

público, entre eles o da supremacia do interesse público sobre o interesse privado; o

da indisponibilidade de interesse público pela Administração; o da inalienabilidade

dos direitos concernentes a interesses públicos; o do controle administrativo ou

tutela; o da vinculação do contrato ao instrumento convocatório e à proposta que lhe

deu origem.

Com a edição da Lei de Concessões n.º 8.897/95, o Tribunal de Contas da União

reviu o seu entendimento anterior e passou a admitir a inclusão da arbitragem,

desde que as cláusulas que fossem julgadas pelos árbitros não ofendessem o

princípio da legalidade e o da indisponibilidade do interesse público.

Ora, se for admitida a “transação” como forma de solução de litígios em contratos de concessão, em que o Poder Público e o concessionário fazem “concessões mútuas” (Código Civil, art. 1.025) para a solução amigável das divergências contratuais, não deve haver qualquer empecilho a que se admita a utilização de árbitros. A interpretação teleológica do Art. 23, inciso XV, da Lei n.º 8.987/95 deve concluir que o legislador utilizou a expressão “modo amigável de solução de divergências” em oposição a “solução jurisdicional de controvérsias”. [...] A utilização da arbitragem encontra, portanto, fundamento legal, sendo descabido falar-se em violação do princípio da legalidade, e constitui forma célere e econômica para a solução de litígios em contratos de concessão, podendo apenas trazer vantagens para a Administração Pública. Deve-se concluir, portanto, que a utilização de árbitros possui amparo legal (Lei 8.987/95) e apresenta-se conveniente para a Administração Pública, não sendo mais possível após o advento da legislação mencionada, falar-se em ilicitude da cláusula do Contrato de Concessão celebrado (BRASIL, 1995c, p. 7.277).

O citado ministro defendeu, ainda, em seu voto, que não se devem incluir, na parte

da arbitragem, cláusulas que não observem estritamente os princípios da legalidade

e da indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que esses princípios não

pertencem aos direitos disponíveis e, por conseqüência, ficam fora do juízo arbitral.

[...] ressalvando somente que o DNER deve cuidar de não incluir, na parte da arbitragem, cláusulas que não observem estritamente os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público [...] o juízo arbitral terá sempre de conformar-se àqueles princípios fundamentais, e por isso – e enfatizo este ponto – sempre que o laudo contrariar tais princípios, o responsável pelo órgão público contratante fica obrigado a recorrer à Justiça contra o laudo. Assim entendida a questão, penso que efetivamente se pode aceitar que a Lei n.º 8.987/95 tenha vindo inovar na matéria – e só assim se pode interpretá-la, sob pena de inconstitucionalidade (BRASIL, 1995c, p. 7.277). .

Acompanhando o que dispõe a Lei de Concessões, a Lei n.° 9.472, de 16 de julho

de 1997, que versa sobre Telecomunicações, em seu artigo 93, inciso XV, prevê que

os contratos de concessão devem indicar o foro e o modo para solução extrajudicial

dos conflitos que porventura venham a surgir em decorrência das relações

contratuais (BRASIL, 1997a). A diferença entre os dispositivos legais mencionados

reside na denominação dada ao instituto: “solução amigável” na Lei de Concessões

e “solução extrajudicial” na Lei Geral de Telecomunicações.

A Lei do Petróleo, Lei n.° 9.478, de 6 de agosto de 1997, em seu artigo 43, inciso X,

foi além, ao prever, expressamente, a possibilidade da arbitragem internacional

como uma das cláusulas essenciais do contrato (BRASIL, 1997b) .

Em análise ao citado diploma legal, destaca-se o entendimento trazido por Suzana

Domingues Medeiros (2003, p. 84), quanto aos artigos 20 e 27 da citada norma, por

suscitarem dúvidas se se referem a uma arbitragem propriamente dita ou a um

procedimento administrativo de solução no âmbito da agência reguladora. De toda

sorte, trata-se de instrumento valioso quanto ao tema em debate e reflete uma

tendência do mercado internacional, que se aproxima cada vez mais da arbitragem

para a resolução de conflitos internacionais, por vezes dotada de maior

imparcialidade do que o Judiciário estatal.

A Lei n.° 10.433, de 24 de abril de 2002, que autoriza a criação do Mercado

Atacadista de Energia Elétrica (MAE), por sua vez, em seu artigo 2.° previa,

igualmente, o instituto da arbitragem no contexto dos contratos administrativos

(BRASIL, 2002c). Revogada com o advento da Lei n.º 10.848, de 15 de março de

2004, que trata da comercialização de energia elétrica, manteve-se a possibilidade

da utilização do citado instituto por empresas públicas e pelas sociedades de

economia mista, suas subsidiárias ou controladas, titulares de concessão, permissão

e autorização, conforme disposto em seu artigo 4.°, §§ 5.° e 6.º (BRASIL, 2004b).

Quando da elaboração da norma acima citada, houve uma preocupação do

legislador não apenas em prever, expressamente, a arbitragem como meio de

solução de controvérsias nos contratos administrativos que envolvessem a Câmara

de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), mas também em definir quais

seriam os direitos disponíveis acerca do tema, ou seja, houve uma preocupação

com a questão da arbitrabilidade objetiva.

O Novo Código Civil dedicou um capítulo ao compromisso – capítulo XX –,

admitindo-o, seja judicial seja extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas

capazes de contratar. Em seu artigo 852, veda o compromisso com temas que

tenham por objeto questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que

não tenham caráter estritamente patrimonial. Vê-se, portanto, que o citado diploma

legal não proibiu expressamente a submissão da Administração ao instituto da

arbitragem.

Com relação ao tema, cabe destacar que, recentemente, o Governo Federal

submeteu à consulta pública proposta de elaboração de uma nova lei de

contratações de bens e serviços pela Administração Pública para substituir a Lei n.°

8.666/93, que prevê a arbitragem nos contratos administrativos no § 2.° do artigo

136:

Art. 136. Conforme o caso, devem constar do termo de contrato cláusulas que disponham sobre: [...] § 2.° Os contratos da Administração podem prever meios para solução extrajudicial de conflitos, inclusive por juízo arbitral (BRASIL, apud DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 402).

De outra sorte, a proposta da Emenda Constitucional de n.° 29, que mais tarde deu

origem à Emenda Constitucional n.° 45/04, sobre a Reforma do Poder Judiciário,

previa, em sua redação original, a proibição, pela Administração, da utilização da

arbitragem nos contratos internacionais:

Art. 11. O art. 98 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 98 [...] § 1.° Ressalvadas as entidades de direito público, os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei (BRASIL, apud DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 402).38

Felizmente a citada Emenda, quando em vigência, deixou de trazer tal proibição, na

medida em que foi acolhida proposta do Senador Romeu Tuma (do PFL/SP),

derrubando a proibição imposta às entidades de direito público de recorrer à

arbitragem, incluída pelo Governo no projeto de Parceria Público-Privada (PPP). Tal

proibição seria um retrocesso na legislação brasileira, já que seria posto de lado um

38 Na oportunidade, a obra não faz menção expressa à Emenda Constitucional n.º 45/04, até porque, na data da publicação do livro, ainda não estava em vigência. Na verdade, a obra menciona “Emenda constitucional, constante do projeto de reforma do Poder Judiciário”, não restando dúvidas de que se trata da citada Emenda n.º 45. Vide também ALVES, 2006.

mecanismo alternativo de solução de controvérsias adotado no contexto da

sociedade tanto nacional como internacional.

Verifica-se, portanto, que, apesar das divergências até então apontadas, houve

significativo avanço na legislação brasileira acerca da arbitragem, interna ou

internacional, no sentido de permiti-la para a resolução de conflitos que envolvam

direitos patrimoniais disponíveis no contexto dos contratos administrativos, tendo em

vista, inclusive, a preocupação com o princípio da legalidade. Contudo o

ordenamento jurídico brasileiro ainda carece de norma que venha a regular o tema,

criando uma permissão genérica à utilização da arbitragem nos contratos celebrados

pela Administração Pública.

3.4.4 A Arbitragem Internacional e a Imunidade de Jurisdição

3.4.4.1 O Princípio da Imunidade de Jurisdição

A imunidade de jurisdição decorre do princípio par in parem non habet imperium – o

princípio de igualdade das nações e o princípio da soberania. Dessa forma, um

Estado não pode ser submetido à jurisdição de outro, buscando-se, pois, limitar a

solução de controvérsias que envolvam o Estado ao Judiciário local.

Inicialmente, a imunidade de jurisdição de um Estado era tida como absoluta,

indiferentemente do tema a ser discutido na lide instaurada. Contudo tal

entendimento foi modificado no sentido de ser admitida a possibilidade da

relativização da citada imunidade, sobretudo em razão da participação dos Estados

como partes no mercado internacional na prática de atos de gestão, atos que em

sua maioria poderiam ser praticados por particulares.

A imunidade de jurisdição será absoluta ou relativa, dependendo da natureza ou do

objeto do ato estatal submetido a juízo. O critério que determina se um ato praticado

pelo Estado goza de imunidade absoluta ou relativa reside na sua caracterização

como um ato de império ou um ato de gestão. O ato de império diz respeito à própria

soberania, enquanto o ato de gestão é aquele que o Estado pratica no uso de suas

prerrogativas, comuns também a todos os cidadãos.

A imunidade de jurisdição estende-se, ainda, não apenas ao Estado Federal, mas

também às suas subdivisões políticas e administrativas, assim como às empresas

integrantes da Administração indireta. Adotaram tal entendimento as legislações dos

EUA, da Austrália, do Canadá, da África do Sul, do Reino Unido, de Cingapura, do

Paquistão. A doutrina brasileira segue tal posicionamento (DOLINGER; TIBÚRCIO,

2003, p. 394).

A jurisprudência brasileira adotou a imunidade absoluta até o ano de 1989, quando o

Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento acerca do tema ao negar

imunidade de jurisdição à República Democrática Alemã, em causa de natureza

trabalhista (BRASIL, 1990, p. 11.828). Na oportunidade, foi analisada a questão da

diferenciação entre atos de império e atos de gestão, na busca pela identificação da

hipótese em que havia a relativização da imunidade de jurisdição.

Nesse sentido, a imunidade de jurisdição tende a ser limitada ao mais restrito

sentido dado aos atos de império, como às questões que envolvem nacionalidade,

direitos políticos, função pública, serviço militar, entre outras (REZEK, 2002, p. 170).

3.4.4.2 A Imunidade de Jurisdição no Contexto da Arbitragem

Internacional

A possibilidade da submissão da Administração Pública indireta, mais precisamente

as sociedades de economia mista, à arbitragem internacional, além de trazer a

discussão acerca da arbitrabilidade objetiva e da arbitrabilidade subjetiva, passa

pela questão da imunidade de jurisdição.

Tendo em vista a ausência de norma legal específica que verse sobre o tema, a

doutrina vem tentando esclarecer as dúvidas acerca da submissão acima citada.

Contudo os entendimentos sobre tema não são pacíficos, havendo, portanto,

divergências na doutrina brasileira.

Em análise à renúncia da imunidade de jurisdição como possível elemento

necessário à submissão do Estado à arbitragem internacional, convém destacar dois

aspectos. O primeiro está relacionado justamente à indagação se tal submissão

implica necessariamente renúncia à imunidade de jurisdição. Outro aspecto a ser

analisado reside na possibilidade de, após celebrado o contrato administrativo,

surgido o conflito e instaurada a arbitragem, poder o Estado argüir a invalidade da

mesma com base em sua imunidade de jurisdição.

Nesse contexto, caso tenha sido prevista expressamente, no contrato administrativo,

cláusula compromissória e renúncia à imunidade de jurisdição, a discussão terá

como objeto a legalidade de tal cláusula. De outra sorte, se não houver a previsão

expressa acerca da citada renúncia, a doutrina apontará que ela foi tácita

(DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 409-410).39

No entanto, é preciso diferenciar a arbitragem patrocinada pelo International Centre

for Settlement of Investiment Disputes (ICSID)40, instaurada com base em tratados

internacionais firmados por um Estado, que, por sua vez, não poderá argüir

imunidade de jurisdição, da arbitragem na qual esse mesmo Estado aceitou firmar

cláusula compromissória em contrato privado. Nesse caso, caberá discussão acerca

da imunidade de jurisdição, que poderá ser levantada quando diante dos atos de

gestão praticados pelo Estado.

A dificuldade reside justamente em se distinguir atos de gestão de atos de império,

bem como os critérios e normas aplicáveis para tal diferenciação. Está-se diante,

portanto, de um conflito de normas no espaço a merecer a devida qualificação

mediante regras trazidas pelo direito internacional privado.

39 Autores citados: Georges Delaume (Judicial decisions related to sovereing immunity and transnational arbitration); R. Luzzato (State contracts and transnational arbitration); Mauro Rubino-Sammartano (International commercial arbitration and the municipal law of states). 40 De sigla inglesa, significa Centro Internacional para a Regulação de Diferenças Relativas a Investimentos (CIRDI). Criado pela Convenção de Washington, entrou em vigor em 1966. Apesar de ser uma organização internacional com funcionamento independente, está ligada ao Banco Mundial, também conhecido como Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). A Convenção obriga os países ratificantes a reconhecer e executar os laudos proferidos em uma arbitragem do CIRDI. Trata-se, portanto, de uma arbitragem regida e instaurada com base no direito internacional público, apesar de envolver partes privadas em face de um Estado nacional. O Brasil ainda não ratificou a citada Convenção.

O primeiro elemento de conexão a ser observado no presente caso é a lei do Estado

litigante. Significa dizer que, na busca pela conceituação de atos de império e atos

de gestão, a resposta será encontrada nas regras determinadas pelo ordenamento

jurídico do Estado litigante.

Uma segunda opção seria a lei eleita pelas partes para a solução do conflito de

mérito. Caso não tenha havido a eleição de uma norma pelas partes, caberá ao

árbitro identificar a mais adequada ao caso e assim utilizá-la. Dessa forma, a

qualificação da questão prévia – conceito de atos de gestão e atos de império –

seguirá a qualificação da questão principal ou de mérito.

Na defesa pela natureza jurisdicional da arbitragem, é possível que a lei aplicável

seja a da sede da arbitragem, comparando-se o juízo arbitral à jurisdição estatal.

Ter-se-ia nesse caso uma alusão ao elemento de conexão lex fori, segundo o qual

deve prevalecer a lei do foro no qual foi instaurada a demanda. Ocorre que tal

entendimento merece críticas, na medida em que é possível que a lei da sede da

arbitragem esteja desconectada do mérito da questão, uma vez que não é de todo

incomum que as partes elejam para a solução de seus conflitos um tribunal arbitral

que não esteja ligado à sua nacionalidade, ao seu domicílio ou ao local da

celebração ou execução do contrato. De fato, o que se busca na arbitragem

internacional é uma espécie de “anacionalidade” dos seus laudos arbitrais, ou,

ainda, a deslocalização que a caracterize realmente como “internacional”

(STRENGER, 2003).

Não obstante as regras de conexão acima apontadas, não resta dúvida acerca da

possibilidade de submissão dos contratos administrativos à arbitragem internacional,

sobretudo quando em jogo atos de gestão praticados pela Administração. Na

verdade, trata-se da verificação da arbitrabilidade objetiva anteriormente apontada.

Segundo a obra de Jacob Dolinger e Carmem Tibúrcio (2003, p. 415), a

jurisprudência arbitral tem entendido, de forma unânime, que a cláusula

compromissória representa uma renúncia à imunidade de jurisdição. A partir do

momento em que é firmada pelo Estado, tal cláusula deverá ser respeitada, até

mesmo quando forem praticados atos de império, tendo em vista o princípio da boa-

fé e da pacta sunt servanda.

Para tanto, a citada obra enumera casos julgados pela arbitragem da Câmara do

Comércio Internacional (CCI) que corroboram tal entendimento. Em um deles, o

caso n.° 11.559, julgado em 2002, o tribunal arbitral sediado em Paris recusou a

alegação das requeridas, empresas brasileiras integrantes da Administração Pública

indireta, de que a cláusula arbitral por elas firmada era inválida, com base no que

prevê o ordenamento jurídico brasileiro (DOLINGER; TIBÚRCIO, p. 418). 41

Merece crítica o entendimento que defende a possibilidade da submissão do Estado

à arbitragem internacional, mesmo quando são praticados atos de império. Tais atos

estão ligados à preponderância do poder político estatal. Impõem-se, no caso,

cláusulas e condições acordadas no ordenamento de direito público, cujo conteúdo

não seja passível de transação, ou, ainda, direitos indisponíveis. Posto isso, não

podem ser submetidos à arbitragem, seja ela interna, seja internacional, justamente

em razão da falta de um dos requisitos para tanto, a disponibilidade dos direitos

envolvidos, ou melhor, a falta de arbitrabilidade objetiva.

Haroldo Valladão (1978, p. 151) defende a impossibilidade de renúncia de foro e de

imunidade de jurisdição pelo Brasil.

Pontes de Miranda (1995), por sua vez, seguindo o mesmo raciocínio, alega que o

direito à imunidade jurisdicional é irrenunciável. Para tanto, argumenta que o artigo

125 da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda

Constitucional n.º 1/69, que corresponde hoje ao artigo 109 da Constituição de 1988,

previa a competência, no caso absoluta, dos juízes federais para processar e julgar

causas em que a União, autarquias e empresas públicas federais fossem partes ou

tivessem interesse na lide. Dessa forma, seria inadmissível que a Administração

Pública fosse submetida a jurisdição estrangeira.

José Carlos de Magalhães (apud DOLINGER; CARMEM TIBÚRCIO, 2003, p. 404)

criticou o posicionamento de Pontes de Miranda, admitindo a possibilidade de que o

Estado se submetesse à arbitragem. Para tanto, alega que o artigo 125 fixava

competência interna do Poder Judiciário, situação que não estava ligada à

competência internacional, esta, sim, prevista nos artigos 88 e 89 do Código de

Processo Civil.

41 Decisão não publicada.

Há quem defenda ser inadmissível a renúncia à imunidade de jurisdição para atos

de império quando ausente tal permissão em nível constitucional, já que a

Constituição é a forma clássica de expressão da vontade soberana de um Estado.

Segue por esse raciocínio Luiz Carlos Sturzenegger, que, ao final, complementa:

Silente a Constituição, incorporado o princípio da imunidade de jurisdição e de execução ao direito interno, colocada a questão em sintonia com a concepção dominante no campo internacional e, sobretudo, observado o princípio de direito público, segundo o qual não é lícito atuar senão na forma autorizada pela lei, disso se conclui que: a) no silêncio da única fonte com poderes para permitir ao Estado brasileiro renunciar à imunidade assegurada pelo direito internacional, não podem seus órgãos representativos fazê-lo, quando da prática, no exterior, de atos qualificados de jus imperii; b) se se tratar de atos que não sejam como tal qualificados, a questão da renúncia à imunidade simplesmente não se coloca (STURZENEGGER, apud DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p 404).

Vê-se que a preocupação do citado autor reside na discussão acerca da renúncia à

imunidade de jurisdição em se tratando de atos de império, concluindo pela

impossibilidade de tal renúncia, salvo quando houver previsão expressa para tanto.

De outra sorte, torna-se necessário destacar que, quanto aos atos de gestão, a

imunidade sob comento é relativa, concluindo-se, a contrario sensu, que não há

necessidade de previsão constitucional para que o Estado Brasileiro abdique de sua

imunidade de jurisdição quando diante de tais atos.

Tal assertiva vem a fortalecer a defesa pela possibilidade de submissão da

Administração Pública, sobretudo das sociedades de economia mista, à arbitragem

internacional, desde que presentes atos de gestão do Estado, e não atos de império,

ou, ainda, como prevê a própria lei de arbitragem brasileira, direitos patrimoniais

disponíveis, direitos em que não estejam em jogo questões ligadas à soberania

nacional.

Acompanhando o entendimento de Luiz Carlos Sturzenegger, defende Júlio Marino

de Carvalho (1991, p. 45) que, por ser a imunidade de jurisdição um atributo de

soberania estatal, sua renúncia possui natureza constitucional. Contudo trazer tal

previsão no bojo de uma constituição não seria de boa técnica, na medida em que

um dispositivo genérico pode muito bem ter poder abrangente sobre o assunto.

Defende ainda que o dispositivo constitucional que mais se aproxima do tema em

voga é o artigo 49, inciso I, que atribui ao Congresso a competência exclusiva para

resolver sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou

compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Por fim, destaca o autor que, de

toda sorte, a renúncia do estado só pode ser definida por ato congressual, porquanto

envolve evidente problema de soberania pátria.

Por sua vez, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001, p. 231) admite a submissão

do Estado Brasileiro à jurisdição estrangeira e à arbitragem internacional,

fundamentando seu posicionamento no artigo 4.°, inciso VII, da Constituição. Tal

preceito normativo prevê, como um dos princípios que regem o Brasil nas relações

internacionais, a solução pacífica dos conflitos. Nesse sentido, o Estado não está

apenas autorizado, está obrigado constitucionalmente aos meios de solução

amigável, compreendendo a arbitragem, inclusive com relação aos direitos

indisponíveis, quando comparados aos valores sacrificados para tanto.

Na prática da arbitragem internacional, um Estado bem como suas empresas

estatais, salvo exceções, não podem invocar sua incapacidade jurídica, perante seu

direito interno, de celebrar uma convenção de arbitragem. Nesses casos, os

tribunais arbitrais, quando diante de tal questão, costumam fundamentar suas

decisões com base no princípio da boa-fé, princípio largamente utilizado na

arbitragem internacional (RECHSTEINER, 2001, p. 145).

Rechsteiner (2001, p. 146) defende ainda: Conforme a doutrina mais autorizada, a

celebração de uma convenção de arbitragem por um Estado estrangeiro (ou uma de

suas empresas estatais) constitui renúncia tácita à sua imunidade de jurisdição.

A celebração de uma convenção de arbitragem, portanto, implica renúncia tácita à

imunidade de jurisdição. Contudo tal assertiva não se aplica aos litígios que

envolvam a execução de bens pertencentes à Administração, seja ela direta, seja

indireta, situados em território alheio, mesmo quando o laudo a ser executado esteja

baseado em um ato de gestão estatal. Dessa forma:

[...] o Estado estrangeiro não tem que aceitar a execução de seus bens, após a sentença arbitral, bem como perante medidas cautelares, decretadas pelo tribunal arbitral e confirmadas pelo juiz estatal competente. Para ensejar tais conseqüências a renúncia deverá ser expressa (RECHSTEINER, 2001, p. 147).

É igualmente defeso a um Estado, em virtude de sua soberania e, assim, do seu

poder exclusivo de legislar em seu território nacional, alterar normas até então

vigentes, que venham a interferir nos contratos administrativos que contenham

cláusula arbitral.

A prática da arbitragem internacional tem negado reconhecimento a esse tipo de

alteração na legislação interna, quando tem por objetivo tornar nula uma convenção

de arbitragem já celebrada anteriormente com um particular. Tal atitude é vista como

violação ao princípio da boa-fé, que rege tais relações no contexto internacional.

Argumentando na defesa da relativização da imunidade de jurisdição acerca do

tema em voga, Cláudio Vianna de Lima conclui que, se um Estado possui o direito

de ação diante da jurisdição de outro país, de igual sorte pode renunciar a esse

direito de ação valendo-se do juízo arbitral no exterior. Conclui ainda que,

[...] se, no âmbito interno, em se cogitando de contrato público, predominantemente regido pelo Direito Privado, o Estado pode, no exercício do IUS GESTIONIS, portanto sem o uso da autoridade (IUS IMPERII), firmar convenção de arbitragem, sendo o conflito relativo a direito patrimonial disponível e não se cogitando de casos de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira [...], com ressalva dos princípios da conveniência e efetividade, cabe a arbitragem também (LIMA, apud DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 406).

Jacob Dolinger, ao tratar do tema, inicialmente defende a impossibilidade da

submissão do Estado Brasileiro à arbitragem internacional. Contudo, em palestra

proferida em 18 de junho de 2001, em Brasília, organizada pelo Instituto Rio Branco

em parceria com a Advocacia Geral da União e com o Centro de Estudos de Direito

Internacional (CEDI), reviu tal posicionamento, tendo em vista as modificações da

jurisprudência brasileira (que passou a aceitar a imunidade relativa para os Estados

estrangeiros e assim sua submissão à jurisdição brasileira) e o desenvolvimento do

direito internacional. Passou, portanto, a admitir que o Estado Brasileiro, com

relação aos atos de gestão por ele praticado, pudesse submeter-se à jurisdição

estrangeira, em respeito ao princípio da reciprocidade que orienta, entre outros, o

direito internacional (DOLINGER; TIBÚRCIO, 2003, p. 409).

Cabe ressaltar que a submissão de um Estado à arbitragem internacional, bem

como a de suas entidades dotadas de personalidade jurídica própria, não é de todo

estranha à comunidade internacional. De acordo com Eduardo Silva Romero (2003,

p. 289), inúmeras pessoas jurídicas de direito público e seus contratantes privados

estrangeiros já recorreram ao sistema de arbitragem da CCI. Os números nesse

sentido são: 67 dos 541 pedidos de arbitragem submetidos à Corte em 2000

envolveram uma ou diversas entidades públicas ou semipúblicas oriundas da

Europa Central e do Leste, da Ásia do Sul e do Leste, da África Sub-Saariana e da

América Latina. Já em 2001 foram 49 dos 566 casos.

No contexto da arbitragem internacional, o ICSID desempenha papel importante na

solução de controvérsias que envolvam Estados, suas empresas estatais e

investidores estrangeiros. A citada instituição toma como base legal a Convenção

Internacional relativa à Solução de Controvérsias sobre Investimentos entre Estados

e Nacionais de outros Estados, assinada em Washington em 18 de março de 1965.42

Acerca da obrigatoriedade da via arbitral na solução de controvérsias no contexto da

promoção e proteção de investimentos estrangeiros regulados por tratados

internacionais, é preciso destacar que o mesmo não se dá com os litígios entre

investidores estrangeiros e nacionais, ou seja, entre particulares, quando não ocorre

a citada obrigatoriedade (RECHSTEINER, 2001, p. 150).

3.4.5 A Arbitragem Internacional nos Contratos Administrativos

Firmados por Sociedades de Economia Mista

Inicialmente, levando-se em consideração, sobretudo, as sociedades de economia

mista, procurou-se fazer a distinção entre as empresas estatais que têm como objeto

a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público, com o

objetivo de identificar o grau de utilização do regime jurídico de direito público, maior

nas que prestam serviço público e menor nas que exploram atividade econômica.

42 Até a presente data não se tem notícia de que o Brasil tenha ratificado a citada Convenção.

A diferenciação acima apontada torna-se relevante para a identificação da

disponibilidade ou não dos direitos patrimoniais envolvidos. A empresa estatal que

desenvolve atividade econômica em sentido estrito, ao contrário daquelas que são

prestadoras de serviço público, possui regime próprio das empresas privadas e,

assim, tem direitos patrimoniais disponíveis, condição imprescindível para que possa

submeter-se à arbitragem. Já no segundo caso, tem-se a ausência da supremacia

do interesse público e, assim, o direito é indisponível.

É possível, após uma análise perfunctória do exposto acima, concluir que a

arbitragem só pode ser utilizada como meio de solução de conflitos pelas

sociedades de economia mista que exerçam atividades econômicas, uma vez que

diante de direitos patrimoniais disponíveis.

De outra sorte, vale destacar que, com a edição da Emenda Constitucional n.º 19/88,

foram alterados os artigos 22, inciso XVII, e 173 da Constituição Federal. Com o

advento dos citados preceitos normativos, parte da doutrina passou a entender que

o inciso III do § 1.° do artigo 173 da Constituição teria eficácia imediata e que, assim,

as empresas estatais exploradoras de atividade econômica não estariam sujeitas à

Lei de Licitações.

Dessa forma, admitindo-se como correta a interpretação acima posta, não há que se

falar da aplicação do § 2.° do artigo 55 da Lei n.º 8.666/93 às empresas estatais que

explorem atividade econômica. Portanto, é possível concluir pela possibilidade de

submissão dessas entidades à arbitragem.

Contudo, apesar de grande parte da doutrina entender pela possibilidade da

utilização da arbitragem nos contratos administrativos, tal entendimento não pode

ser justificada por essa linha de raciocínio. Na falta de um estatuto jurídico a que se

refere o § 1.° do artigo 173 da Constituição, deve-se aplicar a Lei n.º 8.666/93,

posição defendida por Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2003, p. 604), ao registrar

que a maioria da doutrina assim entende, e por Celso Antônio Bandeira Mello (apud

MEDEIROS, 2003, p. 93).

Na verdade, fazendo uma análise inversa, com o advento da Lei n.º 8.987/95, que,

em seu artigo 23, inciso XV, prevê como uma das cláusulas essenciais dos contratos

de concessão o “modo amigável” para a resolução de conflitos contratuais, passou-

se a entender que, justamente com relação às empresas estatais prestadoras de

serviço público, estaria sanada a questão da arbitrabilidade subjetiva imprescindível

à arbitragem.

A esse respeito, vale destacar recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça do

Paraná, no qual a Companhia Paranaense de Energia (Copel) ajuizou ação

declaratória de nulidade de cláusula arbitral e de obrigação de não fazer em face da

UEG Araucária Ltda.

Alegou a Copel, em síntese, que, não obstante o fato de que teria firmado contrato

com a UEG, no qual constava cláusula compromissória, não poderia submeter-se à

arbitragem, tendo em vista sua condição de sociedade de economia mista e

concessionária de serviço público. Requereu, portanto, a declaração da nulidade da

citada cláusula e a condenação da UEG a se abster de prosseguir com o

procedimento arbitral iniciado.

Foi deferida a tutela antecipada pretendida pela autora, contra a qual foi interposto

agravo de instrumento pela parte ré. Contudo o recurso foi julgado prejudicado,

tendo em vista que foi proferida sentença de primeiro grau (GLEBER, 2003).

A sentença de primeiro grau tomou como base para sua argumentação o acórdão da

2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (GLEBER, 2003),

segundo o qual a existência de compromisso arbitral não pode afastar a apreciação,

pelo Poder Judiciário, de qualquer questão, conforme preceitua o inciso XXXV do

artigo 5.º da Constituição Federal.

Todavia tanto o acórdão supracitado como a sentença de primeiro piso merecem

críticas. Na oportunidade em que foi proferido o citado provimento jurisdicional, já

havia sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal que a manifestação de

vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e

a permissão legal dada ao juiz para que substituísse a vontade da parte recalcitrante

em firmar o compromisso, não ofendiam o artigo 5°, inciso XXXV da Constituição

Federal.

No mérito, a sentença proferida em questão defendeu que as sociedades de

economia mista prestadoras de serviço público, ao contrário das que exploram

atividade econômica, não estariam sujeitas ao regime privado. Afirmou ainda que,

independente do regime jurídico de tais entidades, devem elas obedecer aos

princípios previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Apesar de sustentar que os contratos firmados pela Copel estariam submetidos ao

regime jurídico de direito público, a sentença não negou a possibilidade de tais

contratos se submeterem à arbitragem. Na verdade, foi rechaçada a escolha pelas

partes de uma instituição arbitral estrangeira, no caso a CCI, visto ter sido ferido o

previsto no artigo 55, § 2.°, da Lei de Licitações, que exige a presença de cláusula

que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir eventuais

conflitos existentes nos contratos administrativos.

Sobre tal entendimento pronunciou-se Eduardo Gleber (2003, p. 204),

argumentando que o equívoco da sentença de primeiro piso, tendo em vista a

argüição do § 2.° do artigo 55 da Lei n.º 8.666/93, reside em considerar como foro

concorrente o juízo arbitral instaurado pela Corte de Paris, quando na verdade são

os árbitros dotados de poderes jurisdicionais, e não as instituições arbitrais. Significa

dizer, não obstante a natureza jurisdicional da arbitragem, são os árbitros investidos

na função judicante, e não a instituição. Nesse sentido, cabe ao tribunal arbitral

julgar e à instituição arbitral administrar o procedimento segundo as regras adotadas

previamente pelas partes.

Cabe, ainda, ressaltar o entendimento dos desembargadores Nério Spessato

Ferreira e Munir Karam a respeito da questão, que, ao votarem, de forma unânime,

junto com o relator do Agravo Regimental interposto em face da decisão que

concedeu a suspensão dos efeitos da sentença de primeiro grau, na Medida

Cautelar Inominada 0160213-7, ajuizada pela Copel, assim defenderam:

[...] a Copel concordou expressamente com a resolução do litígio por meio da arbitragem, de modo que não lhe é dado pretender obstar o regular processamento do procedimento arbitral. [...] E é evidente que a competência para apreciar a validade da cláusula arbitral é primeiramente do juízo arbitral e depois do STF por ocasião da homologação da sentença arbitral estrangeira (BRASIL, apud GLEBER, 2003, p. 208).43

43 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. 3.ª Câmara Cível. Agravo Regimental n.° 160.213-7/01. Relator: Desembargador Ruy Fernando de Oliveira, 29 set. 2004. Informações sobre a decisão trazidas por GLEBER (2003). Cabe ressaltar que, com a Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, a competência para homologar sentenças estrangeiras, incluídos aí os laudos arbitrais estrangeiros, passou para o Superior Tribunal de Justiça.

Houve, na verdade, uma sucessão de batalhas que se travaram no Tribunal de

Justiça do Paraná, envolvendo inúmeras liminares e agravos, ora entendendo pela

possibilidade de submissão da sociedade de economia mista à arbitragem

internacional, ora negando tal possibilidade, voltando-se os julgadores para a

anulação da cláusula arbitral no contrato celebrado entre a Copel e a UEG Araucária

Ltda. Por fim, destaca-se que até a presente data não se tem notícia do desfecho do

julgamento acima posto, verificando-se que a matéria carece de amplo debate na

busca por soluções a casos como este apresentado, sobretudo pelo fato de que a

possibilidade de a Administração indireta celebrar contratos internacionais passíveis

de submissão à arbitragem igualmente internacional não é de todo incomum.

Vê-se, portanto, que inexiste fundamento jurídico convincente para se recusar às

sociedades de economia mista a possibilidade de submissão à arbitragem, mesmo

quando presente o interesse público, desde que caracterizada a disponibilidade

patrimonial do direito objeto do contrato pactuado.

4 CONCLUSÃO

Diante das questões até então apontadas, torna-se possível concluir que parte da

doutrina entende pela impossibilidade da arbitragem nos contratos administrativos

sem a devida autorização legal, conforme ensina Luís Roberto Barroso (2003, p.

627).

De outro lado, há autores que defendem a possibilidade de submissão da

Administração indireta à arbitragem de uma forma mais ou menos ampla. Este último

entendimento pode ainda ser dividido em três correntes:

a) Uma das correntes defende a possibilidade da arbitragem nos contratos

administrativos com base no que dispõe o artigo 54, caput, da Lei n.º 8.666/96.

Dessa forma, admitindo-se a aplicação, mesmo que supletiva, de princípios

norteadores da teoria geral dos contratos, torna-se possível, inclusive, a submissão

da resolução de conflitos à arbitragem, perfeitamente possível nos contratos de

caráter privado.

A crítica feita a essa corrente reside no fato de que, não obstante a falta de

fundamentação legal da arbitragem no âmbito dos contratos administrativos de uma

forma geral, mas, ao contrário, a existência da imposição do artigo 55, § 2.°, da Lei

n.º 8.666/93 quanto ao foro nacional para a solução de controvérsias, não se pode

permitir a utilização de institutos do direito privado de forma indiscriminada, aos

quais se deve recorrer apenas após esgotadas as alternativas legais e teóricas para

fundamentar a arbitragem nos contratos administrativos.

b) Uma segunda corrente reza o entendimento de que a submissão do Estado à

arbitragem só será possível em casos específicos, como, por exemplo, o das

empresas estatais prestadoras de serviço público, conforme prevê a Lei n.º 8.987/95

em seu artigo 23, inciso XV (BRASIL, 1995a). Tem-se aqui uma permissão

generalizada segundo a qual a arbitragem pode ser adotada em qualquer

circunstância, desde que a situação esteja inserida no contexto do citado preceito

legal.

Quanto a essa corrente, cabe ressaltar alguns apontamentos, na medida em que

uma permissão específica a um tipo de contrato administrativo, no caso os que

dizem respeito às concessões de serviço público, não pode ser entendida como uma

permissão genérica para todo e qualquer tipo de contrato celebrado com a

Administração Pública. Se fosse essa a intenção do legislador, assim o teria feito,

não optando, pois, por uma permissão específica de “solução amigável”.

c) Uma terceira corrente prega justamente a possibilidade da submissão de

empresas públicas e sociedades de economia mista à arbitragem, desde que tais

entidades sejam exploradoras de atividade econômica, em razão de estarem

sujeitas ao regime jurídico de direito privado, conforme prevê o § 1.° do artigo 173 da

Constituição Federal (BRASIL, 1988).

De igual sorte, merece críticas a terceira corrente apontada. Não restam dúvidas de

que o caráter privado estabelecido pela Constituição para orientar o regime jurídico

das empresas estatais está limitado aos princípios de direito público que vinculam a

Administração direta, como o princípio da legalidade, que também deve ser

obedecido.

Por fim, é possível encontrar respaldo legal, doutrinário e até mesmo jurisprudencial

para que as sociedades de economia mista, prestadoras de serviço público, ou

exploradoras de atividade econômica, possam submeter-se à arbitragem.

No que diz respeito à arbitragem internacional, de igual sorte é possível concluir pela

possibilidade de sua utilização como meio para a resolução de conflitos oriundos de

contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista,

principalmente tendo em vista que, diante de atos de gestão que tenham por objeto

direitos patrimoniais disponíveis, é possível que o Estado, seja a Administração

direta, seja a indireta, renuncie à sua imunidade de jurisdição e assim possa

renunciar ao foro nacional para dirimir tais conflitos.

Ademais, não obstante o disposto na Lei de Arbitragem brasileira que, em seu artigo

34, adotou como critério para definir um laudo estrangeiro o local onde foi proferido,

bem como o fato de que o § 2.° do artigo 55 da referida Lei prevê o foro brasileiro

como o competente para solucionar controvérsias relacionadas aos contratos

administrativos, cabe ressaltar que caracterizar arbitragem como internacional não

se limita a tal critério, no caso o elemento de conexão lex fori. Na verdade, há uma

tentativa pela desnacionalização desses laudos, tendo em vista que não é de todo

incomum que as partes elejam tribunais desconectados de suas nacionalidades,

domicílios ou local da constituição da obrigação pactuada (BRASIL, 1996).

Nesse contexto, cumpre destacar que, no âmbito tanto econômico e político, como

da justiça, houve significado avanço, sobretudo no sentido de aproximação dos

povos. Não apenas os indivíduos são parte desse avanço, mas também os Estados

soberanos e suas entidades, como as sociedades de economia mista.

Posto isso, tendo em vista que

� as sociedades de economia mista são capazes de celebrar contratos

internacionais, dotadas, portanto, de arbitrabilidade subjetiva;

� há previsão legal na Lei n.º 8.987/95, que dispõe sobre o regime de

concessão e permissão da prestação de serviços públicos, estabelecido no artigo

175 da Constituição Federal, em seu artigo 23, inciso XV, como um dos requisitos

desses contratos, de cláusulas relacionadas ao foro e ao modo amigável de solução

das divergências contratuais, concluindo-se pela possibilidade de submissão desses

contratos à arbitragem e à eleição de um foro que não seja necessariamente o

nacional (BRASIL, 1988);

� o artigo acima citado trata de uma permissão genérica aos contratos

administrativos, visto que, se há tal permissão para os contratos de concessão de

serviços públicos, cuja natureza traz a inserção do interesse público mais do que em

qualquer outro contrato, e assim devem maior observância aos princípios que regem

a Administração Pública, de igual sorte essa permissão poderá servir aos demais

contratos, atendendo, pois, ao requisito da arbitrabilidade objetiva;

� estando em jogo interesses patrimoniais disponíveis, também presentes na

Administração Pública, e, conseqüentemente, a prática de atos de gestão, torna-se

possível que uma sociedade de economia mista renuncie, expressa ou tacitamente,

à sua imunidade de jurisdição, e assim possa submeter a resolução de seus

conflitos contratuais a um foro estrangeiro;

� a arbitragem internacional, para assim ser caracterizada, não deve ater-se ao

critério da sede do tribunal, sobretudo pelo fato de que há uma tentativa pela

desnacionalização dos laudos arbitrais;

� o ordenamento jurídico brasileiro deve procurar adequar-se às exigências

internacionais acerca do tema, tendo em vista que, no Brasil, licitações

internacionais são realizadas e, conseqüentemente, contratos administrativos,

igualmente internacionais, são celebrados; não pode, portanto, ficar o Brasil alheio

ao que ocorre em outros ordenamentos jurídicos ou, ainda, no contexto da

sociedade internacional;

� a submissão dos contratos administrativos à arbitragem não apenas deixa de

ser um desrespeito ao princípio da legalidade, mas também, ao contrário, atende a

outros princípios, como ao da eficiência, na medida em que a arbitragem como meio

de solução de conflitos tende a ser uma alternativa diante da morosidade da

jurisdição estatal; ademais, o direito deve ser estável, estabilidade esta que não

pode ser caracterizada como estática, já que deve acompanhar as necessidades

sociais, políticas e econômicas da sociedade.

É possível concluir que não há razão para se negar às sociedades de economia

mista eventual submissão à arbitragem internacional, em razão dos argumentos

postos. Tal assertiva vem corroborar a prática mundial acerca do tema, na medida

em que a alegação de imunidade de jurisdição por empresas estatais, sobretudo

pelas que são orientadas pelo regime jurídico de direito privado, não pode ser

utilizada como subterfúgio para descumprimento de cláusulas e compromissos

arbitrais firmados por essas entidades, ou, ainda, como obstáculo à submissão

destas ao juízo arbitral internacional. De igual sorte, deve o Judiciário ponderar de

maneira cautelosa ao acatar tal alegação, sob pena de criar um cenário

caracterizado pela falta de cumprimento, por empresas estatais brasileiras, de

compromissos internacionais, o que pode gerar considerável falta de credibilidade

ao Brasil, no mercado internacional, e, assim, a fuga de investimentos internacionais

imprescindíveis ao crescimento de um país em desenvolvimento.

5 REFERÊNCIAS

ALVES, E. C. A arbitragem internacional. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2006.

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