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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007 467 A GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO INDIVÍDUO Rejane Soares Hote * SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Reforma do Judiciário. 3. A Garantia da razoável duração do processo – Anterioridade. 4. A razoável duração do processo como direito fundamental. 5. Considerações finais. Referências. RESUMO: A preocupação central de legisladores e estudiosos do direito é, sem sobra de dúvidas, a busca pelo equilíbrio entre tempo e processo. Tal tema, tem despertado, não desde agora, um vasto número de discussões e reformas que, não tardaram por ensejar a Reforma do Judiciário, implementada por meio da Emenda Constitucional n. 45. A problemática envolvendo a morosidade no trâmite e julgamento de processos chegou a um nível tão devastador, que outra alternativa não restou ao legislador senão elevar a garantia da razoável duração do processo ao patamar de direito fundamental. Trata-se, na realidade, de uma tendência mundial pela busca por um processo justo, que seja capaz de proporcionar segurança jurídica efetiva, solucionando em tempo hábil os conflitos de interesse derivados da vivência em sociedade. Erigir a garantia da razoável duração do processo a direito fundamental foi a medida encontrada com o objetivo de salvaguardar de interesses prejudiciais esta prerrogativa, além é claro, de representar o compromisso firmado pelo Poder Público em favor dos jurisdicionados na incessante luta pelo aperfeiçoamento do aparelho judicial. Palavras-chave: Tempo; Processo; Reforma do Judiciário; Direitos Fundamentais; Aperfeiçoamento do aparelho jurisdicional. * Mestranda em Direito pela FDC, área de concentração em Políticas Públicas e Processos. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UNIG. Bolsista da CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisas Acesso à Justiça e Tutela de Direitos da FDC.

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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007

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A GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DOPROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO

INDIVÍDUO

Rejane Soares Hote*

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Reforma do Judiciário.3. A Garantia da razoável duração do processo – Anterioridade.4. A razoável duração do processo como direito fundamental. 5.Considerações finais. Referências.

RESUMO: A preocupação central de legisladores eestudiosos do direito é, sem sobra de dúvidas, a busca peloequilíbrio entre tempo e processo. Tal tema, tem despertado, nãodesde agora, um vasto número de discussões e reformas que,não tardaram por ensejar a Reforma do Judiciário, implementadapor meio da Emenda Constitucional n. 45. A problemáticaenvolvendo a morosidade no trâmite e julgamento de processoschegou a um nível tão devastador, que outra alternativa não restouao legislador senão elevar a garantia da razoável duração doprocesso ao patamar de direito fundamental. Trata-se, narealidade, de uma tendência mundial pela busca por um processojusto, que seja capaz de proporcionar segurança jurídica efetiva,solucionando em tempo hábil os conflitos de interesse derivadosda vivência em sociedade. Erigir a garantia da razoável duraçãodo processo a direito fundamental foi a medida encontrada como objetivo de salvaguardar de interesses prejudiciais estaprerrogativa, além é claro, de representar o compromisso firmadopelo Poder Público em favor dos jurisdicionados na incessanteluta pelo aperfeiçoamento do aparelho judicial.

Palavras-chave: Tempo; Processo; Reforma doJudiciário; Direitos Fundamentais; Aperfeiçoamento do aparelhojurisdicional.* Mestranda em Direito pela FDC, área de concentração em Políticas Públicas eProcessos. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UNIG. Bolsista daCAPES. Integrante do Grupo de Pesquisas Acesso à Justiça e Tutela de Direitos daFDC.

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RÉSUMÉ: La préoccupation centrale de législateurset studieux du droit est, sans excédent de doutes, la recherchepar l’équilibre il entre temps et la procédure. Tel sujet, a réveillé,non depuis maintenant, un vaste nombre de discussions et desréformes qui, n’ont pas retardé épier l’occasion la Réforme duJudiciaire, mise en oeuvre au moyen de l’AmendementConstitutionnel n. 45. La problématique en impliquant le retarddans le procédure et le jugement de procédures est arrivée à unniveau aussi dévastateur, qu’autre alternative n’est pas restée lelégislateur à ne pas élever à garantie de la raisonnable durée dela procédure à la plate-forme de droit fondamental. Il se traite,dans la réalité, d’une tendance mondiale par la recherche parune procédure juste, que c’est capable de fournir sécurité juridiqueaccomplit, résolvant dans temps habile les conflits d’intérêt dérivésde l’expérience dans société. Ériger la garantie de la raisonnabledurée de la procédure à droit fondamental a été la mesure trouvéeavec l’objectif visant à de sauvegarder d’intérêts néfastes cetteprérogative, outre est clair, visant à de représenter l’engagementaffermi le Pouvoir Public dans faveur des jurisdicionados dansl’incessante lutte pour le perfectionnement de l’appareil judiciaire.

Mot-clés: Temps; Processus; Réforme du Judiciaire;Droits Fondamentaux; Perfectionnement de l’appareiljuridictionnel.

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1. Introdução

Assim como em qualquer atividade humana, constitui ofator tempo elemento decisivo capaz de influenciar e modificardiversas situações da vida.

Em especial para o Direito, o tempo pode ser oresponsável pela criação, modificação e extinção de direitos. Deigual modo, pode transformar-se em motivo de angústia efrustração para aqueles que recorrem ao Estado-Juiz pornecessitarem de seu amparo ou interferência.

Considerado a preocupação central da “Crise doJudiciário”, o tempo investido no trâmite e julgamento de processostornou-se objeto de diversas reformas na busca de se estabelecerprocedimentos mais simples e céleres que atendam efetivamenteaos anseios da sociedade.

A morosidade na tramitação e julgamento de processosé de forma uníssona, uma das maiores contrariedades enfrentadaspor quem recorre ao Judiciário. Gera sentimento de desamparopor parte do detentor da razão e é, por muitas vezes, comemoradavitoriosamente por aqueles que, imbuídos de interesses meramenteegoísticos se utilizam do processo sem cerimônias e/ou maioresdificuldades, transformando-o em instrumento de injustiças econseqüentemente demonstrando a total inefetividade do PoderPúblico em reverter tal situação.

Inúmeras estratégias e projetos foram traçados e aospoucos vão sendo implementados com o intuito de se obter umequilíbrio entre tempo e processo que implique precipuamente,no aumento da qualidade dos serviços prestados pelo Judiciárioque, há tempos, já não pode desfrutar da completa confiança dapopulação.

O que se pretende neste breve estudo é a análise dagarantia da razoável duração do processo na esfera cível, que,como se verá oportunamente, foi erigida a status de direito fun-damental, o que poderia ser explicitado como a busca por umprocesso realmente justo e eficaz em respeito ao valor e a dignidadeque abarcam a todos os indivíduos.

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2. A Reforma do Judiciário

Introduzida no meio jurídico em dezembro de 2004, aEmenda Constitucional n. 45, que ficou comumente conhecidacomo a Reforma do Judiciário, repercutiu relevantemente emrelação ao sistema processual civil brasileiro.Podem ser visualizados na reforma desde um variado número dealterações no Judiciário, a uma série de regras de cunhomeramente processual.

A angústia pela ineficiência de certa parte da máquinajudiciária acabou por motivar tal reforma, que principia com aconsagração do direito individual a uma atividade jurisdicional derazoável duração e a instrumentalização que garanta a celeridadeque a função jurisdicional necessita. Sobre a relevância da reformaapresentada, nos fala Paulo Hoffman:

Independentemente do resultado práticoque venha a ser efetivamente alcançado,não se pode minimizar a relevância e aimportância da EC n. 45, aprovada peloCongresso Nacional. Trata-se de umverdadeiro marco na história recente doJudiciário que, apesar das dificuldadesiniciais de implementação e das críticasque se possa fazer à emenda, devecolaborar para o aprimoramento dosistema como um todo. 1

Tal reforma objetiva, fundamentalmente, facilitar umaatuação mais pronta e eficaz da justiça, eliminando certas mazelascaracterísticas do Judiciário brasileiro, além de coibir a árduademora na entrega da prestação jurisdicional e combater condutas

1 HOFFMAN, Paulo. O Direito à razoável duração do processo e a experiênciaitaliana. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... (et all) (Coord). Reforma doJudiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2005, p. 571.

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descompromissadas por parte dos magistrados, dentre outrasambições.

Resumidamente, as mudanças trazidas pela Reforma doPoder Judiciário consistem na: a) Atividade jurisdicionalininterrupta com a proibição de férias coletivas em todas as áreasda Justiça; b) Criação de novas normas acerca dos deveres edireitos dos magistrados; c) Estabelece algumas regras sobre aestrutura do Poder Judiciário; d) Cria órgão administrativo compoder disciplinar e censório, o Conselho Nacional de Justiça; e)Estabelece ouvidorias de justiça no âmbito das Justiças da Uniãoe dos Estados, visando captar sensações e reclamações doscidadãos em relação aos órgãos do Judiciário; f) Possibilita acriação de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal;g) Na alteração na competência originária e recursal do SupremoTribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, em relação àadmissibilidade de recurso extraordinário e especial; h)Necessidade do requisito da repercussão geral para aadmissibilidade do recurso extraordinário; i) Distribuição imediatade todo feito ou recurso, perante todo juízo ou tribunal; j)Recomenda o automatismo judicial, para que juízes deleguem aserventuários da justiça a prática de atividades administrativas eatos de impulso processual sem cunho decisório; k) Apresentauma série de disposições sobre o Ministério Público; l) Cria umConselho Nacional do Ministério Público e ouvidorias do MinistérioPúblico.

Em que pese cada inovação proposta pela reformaamparar e merecer grandes estudos e discussões, devemos nosater apenas a um breve relato às que de alguma forma estãointerligadas à busca pela celeridade na prestação jurisdicional.

Preliminarmente, podemos citar como a primeiraalteração trazida ao texto constitucional pela EC n. 45, a queacrescentou aos Direitos e Garantias Fundamentais o direito àrazoável duração do processo, modificando a literalidade do incisoLXXLVIII, do art. 5° da Carta Magna, a qual passou a ter aseguinte redação: “A todos, no âmbito judicial e administrativo,são assegurados a razoável duração do processo e meios que

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garantam a celeridade de sua tramitação”.Sem sombra de dúvidas, são devastadores as

consequências da demora na prestação jurisdicional. E o problemachegou a tal nível, que outra saída não restou ao legislador senãoelevar a garantia da razoável duração do processo ao patamarde direito fundamental.

Transparece o referido dispositivo constitucional o que,já há tempos, os melhores estudiosos do direito defendiam, isto é,garantir apenas livre e irrestrito acesso ao Judiciário não ésuficiente. É de salutar importância que a entrega da tutelajurisdicional seja feita em tempo razoável e amparada pelasgarantias fundamentais do processo, de forma que seja possívelao jurisdicionado ter assegurado de forma efetiva o seu direito,dentro de um lapso de tempo razoável.

Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco explicita seuentendimento:

O direito moderno não se satisfaz com agarantia da ação como tal e por isso é queprocura extrair da formal garantia destaalgo de substancial e mais profundo. Oque importa não é oferecer ingresso emjuízo, ou mesmo julgamento de mérito.Indispensável é que, além de reduzir osresíduos de conflitos nãojurisdicionalizáveis, possa o sistemaprocessual oferecer aos litigantesresultados justos e efetivos, capazes dereverter situações injustas. Tal é a idéiade efetividade da tutela jurisdicional,coincidente com a plenitude do acesso àjustiça e a do processo civil deresultados.2

2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 4.ed., São Paulo: Malheiros, 2001, t.2, p. 798.

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Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini acrescenta aindaque de nada adianta a entrega ao jurisdicionado da tutelajurisdicional tardia, tendo em vista que já poderá ter ocorrido operecimento do direito ou este poderá ter perdido o significadopara seu detentor. Logo, preleciona:

ao estabelecer o texto constitucional queo processo tenha duração razoável,prescreve-se que a justiça deva atenderao interesse público de solução decontrovérsias, mediante a atuaçãojurisdicional, de forma breve, mas prontaa ser eficaz. Atende-se aos interesses doEstado-poder e do Estado-sociedade. 3

Dentre as demais modificações perpetradas pela EC n.45, a proibição de férias coletivas em todas as Justiças, suprimindoas chamadas férias forenses, determinando a prestação daatividade jurisdicional de forma ininterrupta, a delegação aserventuários da justiça na prática de atos de administração e demero expediente, sem cunho decisório, estimulando o automatismojudicial e a determinação da distribuição automática de processosem todos os graus de jurisdição, foram as medidas especialmenteencontradas pelos reformadores como meio de se acelerar aoutorga da tutela jurisdicional, revelando a preocupação em seamenizar um dos maiores problemas que afligem o Judiciário e asociedade.

Poder-se-ia dizer igualmente, que a possibilidade daedição de súmulas vinculantes por parte do Supremo TribunalFederal também teria, no entender dos legisladores, dentre seus

3 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O prazo razoável para a duração dosprocessos e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestaçãojurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... (et all) (Coord). Reformado Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 43.

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fundamentos, o de auxiliar na entrega mais rápida da prestaçãojudicial. Tal tema tem elevancado enérgicas discussões no mundojurídico.

Vale transcrevermos alguns posicionamentos acerca dotema.

Cândido Rangel Dinamarco, defensor ferrenho da ediçãode súmulas vinculantes, observa nestas a capacidade de pacificarem tempo relativamente breve a jurisprudência sobre temasrelevantes ligados à ordem constitucional, solucionando oproblema do afogamento dos tribunais. Para tanto, conclui:

Não vejo qualquer ameaça à liberdade doscidadãos nem à independência dos juízes,porque o acatamento a elas seráacatamento a preceitos normativoslegitimamente postos na ordem jurídicanacional, tanto quanto as leis; quememitirá esses preceitos será um órgãoexpressamente autorizado pelaConstituição Federal, e essa autorizaçãoera e é vital para todos que se preocupemcom a presteza na oferta do acesso àJustiça.4

Outro é o entendimento de Ana Maria Scartezzini, qualseja:

Com a devida vivência dos que pensamem sentido contrário, o princípio docontraditório se vê aviltado com a súmulavinculante, pois sendo aquele essencialpara o desenvolvimento válido e regulardo processo, a relação processual só seapresenta válida ao assegurar-se aequânime audiência das partesenvolvidas; (...)

4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil .Vol.1., 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 39.

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Ora, esse princípio se viu aviltado com asúmula vinculante, que poderá ser editadaem hipótese de “grave insegurançajurídica” ou de “multiplicação deprocessos sobre questão idêntica” e serprovocada pelos legitimados àproposição da ação direta deinconstitucionalidade. Ainda que ahipótese de multiplicação de processosidênticos possa ser objetivamente aferida,a “grave insegurança jurídica” é expressãonebulosa, que poderá ensejar por viatransversa a avocação de processospoliticamente danosos para o PoderPúblico, sem que os reais interessadospossam dele participar efetivamente. 5

Por fim, conclui a autora que a justificativa de agilizaçãode processos não se coaduna com a garantia maior de submissãoà apreciação do Poder Judiciário de toda lesão ou ameaça delesão perpetrada a direito individual ou coletivo.

Como se vê, o tema tem despertado acirradas discussões.Em que pese as divergências acima explanadas, vieram assúmulas vinculantes com o condão de agilizar a solução de litígios,na busca de se garantir uniformização no julgamento de casossemelhantes, tudo em nome da efetivação da fórmula “duraçãorazoável do processo”.

Consideram os legisladores e parte da doutrina, seremas súmulas vinculantes um dos meios viáveis capazes de conferirceleridade ao sistema processual, reduzindo parte da abusividadena utilização das vias recursais. Acreditam que reduzindo apossibilidade de recorribilidade das decisões jurisdicionais, pode-se alcançar a estabilidade das decisões gerando uma maiorsensação de segurança jurídica no Brasil.

Na realidade, se sua adoção irá constituir uma afrontaàs garantias fundamentais do processo, uma total violação ao

5 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Op. cit., p. 44-45.

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devido processo legal ou até mesmo um obstáculo à autonomiados magistrados, não sabemos ainda. Por isso, devemos sercautelosos e aguardar o papel que virão a desempenhar no meiojurídico. O terreno ainda é arenoso e é relativamente cedo paraque possamos emitir opiniões concretas acerca da edição desúmulas vinculantes. Infelizmente, teremos que contar com, osque chamam alguns, nosso pior inimigo, o tempo.

Devemos, para tanto, seguir as advertências de TeresaArruda Alvim Wambier:

3. A garantia da razoável duração do processo –Anterioridade

Antes mesmo da expressa disposição no textoconstitucional por meio da EC n. 45, já se podia vislumbrar apresença da garantia da razoável duração do processo no

6 WAMBIER, Terese Arruda Alvim. Súmula Vinculante: desastre ou solução?Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 98, 2000, p. 306.

Se as súmulas atenderem a ‘interesses’,quaisquer que sejam as suas naturezas, enão se limitarem, fundamentalmente, aextrair da lei seu real significado – e nessamedida as súmulas devem ser vistas comoresultado de atividade interpretativa - , aí,certamente, o sistema de súmulasvinculantes terá naufragado. Seguramente,o estrago que se produzirá será muito maisnefasto para a Nação do que aquele queseria produzido por uma singela decisão,cujos efeitos estariam adstritos às partes.É saber se vale ou não a pena correr o risco.Optar-se por correr o risco significa terdisposição e coragem de enfrentar dog-mas e prudência para adotar (e utilizar)institutos que nasceram e sedesenvolveram em sistemas jurídicosdiferentes do nosso. 6

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ordenamento jurídico por meio dos princípios e garantiasfundamentais atinentes à ordem constitucional e a sistemáticaprocessual.

Na realidade a inovação consiste na direta disposiçãodesta garantia em sede constitucional, bem como, precipuamente,a elevação de seu status à direito fundamental do indivíduo, oque lhe confere ressaltada relevância no que toca as demaisalterações perpetradas pela Reforma do Judiciário.

Com efeito, caracteriza-se o Estado Democrático deDireito pela função social que deve desempenhar, garantindo avivência digna e pacífica dos indivíduos enquanto seres que vivemem coletividade, no exercício da atividade jurisdicional, realizandonesse sentido, justiça social.

Quando a atividade jurisdicional não consegue garantir asatisfação jurídica dos litigantes dentro de um período de tempocompatível com a complexidade do conflito envolvido, não háque se falar em justiça social, haja vista já provavelmente terocorrido o perecimento do direito ou mesmo ter tornado inútil seuexercício.

Mauro Cappelletti, em sua visita ao Brasil em 1992, emuma Conferência realizada em Curitiba, nos falou do problemasocial que se depara a ciência processual e o movimento peloacesso à justiça, no qual o processo se revela como espelho dacultura de uma época.

Tornou-se o processo, segundo Cappelletti, a arena daluta por um direito efetivo e não meramente aparente. As garantiasformais do indivíduo foram sendo acrescentadas também pelasgarantias sociais.

Dentro desta dimensão social que aos poucos era incutidaao processo, demonstra o autor a existência de uma concepção“tridimensional” do direito, na medida em que este já não seriavisto somente pela perspectiva de seus produtores ou produtos esim, principalmente, na perspectiva dos “consumidores” do direitoe da justiça.

Visão “tridimensional”, porque tomarantes de tudo, como ponto de partida; (a)

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a necessidade ou o problema social queexige uma resposta no plano jurídico; emsegundo lugar; (b) examina tal resposta,que naturalmente pode ser de naturezanormativa, mas o exame do jurista devesempre estender-se também àsinstituições e aos procedimentosresponsáveis pela atuação de tal resposta;e finalmente; (c) preocupa-se em analisaro impacto dessa resposta jurídica sobre anecessidade ou o problema social, eportanto lhe pesa a eficácia. 7

Por fim, nos fala novamente o autor:

(...) Os conceitos e as categoriasfundamentais já não são, destarte, apenasa jurisdição, a sentença, a execução etc.,mas também a acessibilidade, e porconseguinte o custo, a duração, e em geralos obstáculos – econômicos, culturais,sociais – que com tanta freqüência seinterpõem entre o cidadão que demandajustiça e o procedimento destinado aconcedê-la. (...) 8

Voltando à discussão acerca da razoável duração doprocesso como garantia pré-existente no ordenamento jurídico,já se podia observar anteriormente à EC n. 45 que tal garantiaera abarcada pelo princípio da inafastabilidade do poderjurisdicional.

Consagrado no inciso XXXV do art. 5º da CF, decorredeste princípio a noção de que não é suficiente garantir aojurisdicionado o acesso ao Judiciário, é extremamente relevante

7 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas da Reforma do Processo Civil nas sociedadescontemporâneas. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 65, 1992, p. 130.8 Ibidem, p. 130-131.

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que tal acesso ocorra de forma adequada e seja solucionado olitígio em tempo razoável.

Garante o princípio da inafastabilidade, nos dizeres deLuiz Guilherme Marinoni, uma tutela adequada à realidade dodireito material, isto é, deve igualmente garantir o procedimento,a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meiosexecutórios adequados às peculiaridades da situação de direitosubstancial. 9

Não cabe à lei ou ao Estado excluir da apreciação doJudiciário lesão ou ameaça de direito, o que significa que todos,indistintamente, têm direito de acesso à justiça a fim de se obtera tutela jurisdicional adequada, seja esta preventiva ou reparatóriaem razão de um direito não resguardado ou violado.Trata-se odireito à tutela jurisdicional de um verdadeiro direito subjetivo dese obter a tutela de um bem da vida que lhe pertence, porémainda não atendido, cabendo ao Estado a prestação da aludidatutela, de modo a fazer cumprir a vontade concreta doordenamento jurídico.

Sobre o assunto, Mauro Cappelletti e Bryant Garthsustentam que:

Significa, acima de tudo, o direito de postular o exercícioda jurisdição através de um processo revestido de todas asgarantias fundamentais e processuais.

Como dito, as mais recentes reformas realizadas emnosso sistema processual buscaram a atender as necessidades

9 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: RT,1993, p. 126.10 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução deEllen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.12.

O acesso à justiça pode, portanto, serencarado como requisito fundamental – omais básico dos direitos humanos – de umsistema jurídico moderno e igualitário quepretenda garantir, e não apenas proclamaros direitos de todos. 10

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apontadas pelos estudiosos do direito e dos cidadãos de uma formageral, quais sejam, a carência por efetividade, qualidade etempestividade.

Nesse patamar, podemos seguir as orientações deLeonardo Greco, o qual assevera que:

A tutela jurisdicional efetiva é, portanto,não apenas uma garantia, mas ela própria,também um direito fundamental, cujaeficácia irrestrita é preciso assegurar, emrespeito à própria dignidade humana.O direito processual procura disciplinar oexercício da jurisdição através deprincípios e regras que confiram aoprocesso a mais ampla efetividade, ou seja,o maior alcance prático e menor custopossíveis na proteção concreta dosdireitos dos cidadãos. Isso não significaque os fins justificam os meios. Comorelação jurídica plurissubjetiva, complexae dinâmica, o processo em si mesmo deveformar-se com absoluto respeito àdignidade humana de todos os cidadãos,especialmente das partes, de tal modo quea justiça de seu resultado esteja deantemão assegurada pela adoção dasregras mais propícias à ampla e equilibradaparticipação dos interessados, à isenta eadequada cognição do juiz e à apuraçãoda verdade objetiva: um meio justo paraum fim justo.11

O direito fundamental de acesso à justiça não deve servislumbrado apenas como a garantia ou mero direito de acessoao Judiciário e sim o direito a um processo efetivo, onde estejampresentes todas as garantias constitucionais do sistema processual,

11 GRECO, Leonardo. Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes:Faculdade de Direito de Campos, 2005. p.225.

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como a realização do contraditório e a oportunidade de ampladefesa. Enfim, o acesso “à ordem jurídica justa”.12

Identificando o fundamento principal do processo, KazuoWatanabe sustenta ser imprescindível que o processo “tenha plenae total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina,cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumentoà efetiva realização dos direitos”.13

Por fim, sobre o acesso à justiça e a inafastabilidade dopoder jurisdicional, podemos concluir utilizando as sinceraspalavras de Galdino Luiz Ramos Júnior, estudioso acerca dasgarantias constitucionais do processo:

Daí, defender-se que o acesso à justiçaimplica, outrossim, acesso a homensjustos (Magistrados, Governantes,Legisladores, etc.), capazes de concederbens merecidos e buscados pelos seussemelhantes.Ser justo, inclusive, significa recusar-se aservir interesses mesquinhos e nefastos,relutar diante de preconceitos incutidosno espírito humano, contraditar à ordemposta, lutar contra qualquer tipo deopressão e falsa autoridade.Assim é que a expressão “acesso àjustiça” engloba vários conceitos e,dentre os quais, o sentimento de buscapor garantia de julgamento proferido,subjetivamente, por seres humanosjustos.14

Decorre igualmente a garantia da razoável duração doprocesso da interpretação que se pode extrair do princípio do

12 Expressão criada por WATANABE, Kazuo. Assistência Judiciária e JuizadoEspecial de Pequenas Causas. São Paulo: RT, 1985, p. 161 e ss.13 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. Campinas: Bookseller,1999, p. 21.14 RAMOS JÚNIOR, Galdino Luiz. Princípios Constitucionais do Processo: VisãoCrítica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 39.

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devido processo legal, que prega o direito à estrita observânciadas regras procedimentais, em respeito às garantias fundamentaise processuais.

Partindo da premissa de que não basta apenas o direitoao processo, a um provimento jurisdicional, faz-se extremamentenecessário que esta tutela prestada comporte um resultado útil,efetivo e capaz de atender as expectativas dos jurisdicionados,atendendo à realidade dos fatos. Como nos diz Djanira de Sá, “odireito à efetividade da jurisdição é um direito fundamental ins-trumental, pois sua inefetividade compromete a efetividade detodos os outros direitos fundamentais”. 15

De pouco ou nada adiantará uma Justiça realizada comincompreensível atraso. A demanda que se delonga por tempos etempos, se transforma em instrumento de revolta,descontentamento e indignação para os que dela necessitamansiosamente uma solução de vida.

Do princípio do impulso oficial igualmente pode seraferida a necessidade de que a outorga da tutela jurisdicional sedê de forma adequada e tempestiva.

Em vista deste princípio, o magistrado deve assumir umapostura ativa na condução do processo, devendo assegurar-lheseu regular desenvolvimento, reprimindo eventuaiscomportamentos incondizentes e velando pelo respeito aospreceitos constitucionais e às garantias processuais.

A seu turno, decorre claramente do direito fundamentalà razoável duração do processo a garantia do processo semdilações indevidas.

No entender de Elaine Harzheim Macedo, o processocomo mero instrumento da jurisdição deve ser sepultado,reconhecendo-o como o espaço legítimo onde a jurisdição serealiza, porém, qualificado por características aptas àconcretização do direito e de seu escopo na realização dos fins efundamentos do Estado, constitucionalmente adotados e

15 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo Grau de Jurisdição: conteúdo e alcanceconstitucional. São Paulo: RT, 1999, p. 44.

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assegurados.16

Com efeito, neste modelo de atividade jurisdicional quese busca, não há espaço para delongas de atos processuais quepouco ou nenhum efeito produzirão, atrasos do procedimento,atrasos injustificados para a entrega de documentos pelosdemandantes, dentre outras mazelas, que podem ocasionar odesvirtuamento do que se entende por tempo razoável para otrâmite e julgamento do processo.

Destarte, José Rogério Cruz e Tucci defende a garantiado processo sem dilações indevidas como corolário do devidoprocesso legal. Para tanto aduz:

O processo, como é notório, presta-secomo instrumento de exercício do direitoà jurisdição, sendo que seu desenrolar,com estrita observância dos regramentosínsitos ao denominado due process of law,importa na possibilidade de inarredáveltutela de direito subjetivo material objetode reconhecimento, satisfação ouassecuração em juízo. (...)Não basta, pois, que se assegure o acessoaos tribunais, e, conseqüentemente, odireito ao processo. Delineia-seinafastável, também, a absolutaregularidade deste (direito no processo),com a verificação efetiva de todas asgarantias resguardadas ao consumidor dajustiça, em um breve prazo de tempo, istoé, dentro de um tempo justo, para aconsecução do escopo que lhe éreservado.Em síntese, a garantia constitucional dodevido processo legal deve ser umarealidade durante as múltiplas etapas do

16 MACEDO, Elaine Harzheim. Jurisdição e processo. Crítica histórica eperspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,p. 278-280.

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processo judicial, de sorte que ninguémseja privado de seus direitos, a não serque no procedimento em que este sematerializa se constatem todas asformalidades e exigências em leiprevistas.17

Ante ao exposto, da simples interpretação das garantiasaté então apontadas, nota-se que o direito fundamental à razoávelduração do processo já estava devidamente assegurado aosjurisdicionados antes mesmo da EC n. 45.

4. A razoável duração do processo como direito fundamental

A consagração da razoável duração do processo comodireito fundamental demonstra a necessidade que a atividadejurisdicional atenda à realidade sócio-jurídica a que se destina,atuando como instrumento à efetiva realização de direitos.

Desde as Declarações Formais dos Direitos dos homens,a incorporação dos Direitos Fundamentais aos textosconstitucionais em quase todo o mundo, gerou o desafio daproteção dos direitos e liberdades fundamentais do homem nassociedades modernas.

Atualmente, qualquer texto constitucional contemporâneoque se preze e em qualquer comunidade que tenha como valormáximo a vida humana deve ter consagrado em seu bojo, demodo inquestionável, a defesa dos Direitos Humanos.

Concebidos originariamente como meio de proteção con-tra os abusos praticados pelo Estado, coube igualmente a este aregulamentação e concretização das garantias e prerrogativasdos indivíduos, carecendo igualmente, de ações concretas porparte do Poder Público para sua eficácia e promoção.

Na visão de Antonio-Enrique Pérez Luño os direitos

17 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas.In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (Coord). Garantias constitucionais do processocivil. Homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT,1999. p. 259-260.

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fundamentais são aqueles direitos garantidos pelo ordenamentojurídico positivo, que, na maior parte dos casos, estão na normaconstitucional, e que almejam gozar de tutela reforçada. For-mam um conjunto de faculdades e instituições que, em cadamomento histórico, concretizam as exigências da dignidade, daliberdade, da igualdade humana, as quais devem ser reconhecidaspositivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional einternacional. Possuem um sentido mais preciso e estrito. Poisdescrevem apenas o conjunto de direitos e liberdades jurídicasinstitucionalmente reconhecidas e garantidas pelo direito positivo.São direitos delimitados espacial e temporalmente, cujadenominação responde a seu caráter básico ou fundamentadorao sistema jurídico positivo do Estado de Direito.18

A seu turno, defende a autora Lílian Márcia BalmantEmerique, que os direitos fundamentais são alicerces de umacomunidade organizada política e juridicamente através de umaConstituição, fazendo parte da Constituição formal e material,demonstrando a importância subjetiva e objetiva para aestruturação da ordenança coletiva.19

Os direitos e garantias fundamentais do homem requeremdo Estado uma enorme gama de instrumentos protetivos como,de forma exemplificativa, a realização de políticas públicasdirecionadas à dignidade do indivíduo, bem como ações queobjetivem garantir e promover efetivamente tais direitos, sob penade ao final desempenharem papel meramente ideológico, comvigência apenas formal, sem qualquer possibilidade deconcretização e eficácia material.

Sobre a questão da aplicabilidade e concretização dosdireitos do homem, novamente vale trazer à baila o posicionamentode Lílian Balmant:

18 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 7ª ed. Madrid:Técnos, 1998. p.46-47.19 EMERIQUE, Lílian Márcia Balmant. Direito Fundamental como oposiçãopolítica – Discordar, fiscalizar e promover alternância política. Curitiba: Juruá,2006. p.109.

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Os direitos fundamentais, de acordo como principio da aplicabilidade imediata,requerem dos poderes públicos os meiosnecessários para que alcancem a maioreficácia possível, concedendo-lhes efeitosreforçados em relação às demais normasconstitucionais, pois tal comando é umdos pilares da fundamentalidade formaldos ditos direitos no âmbito daConstituição. Assim, os direitosfundamentais são dotados, em relação àsdemais normas constitucionais, de maioraplicabilidade e eficácia, embora isso nãosignifique que não existam distinçõesquanto à graduação dessa aplicabilidadee eficácia, conforme a forma depositivação, do objeto e da funçãodesempenhada por cada comando. Casoessa condição privilegiada fosse negadaaos direitos fundamentais, acabar-se-ia,em última instância, negando-lhes aprópria fundamentalidade. 20

É aí, justamente, que surgem as seguintes indagações: Oque se tem sido feito no ordenamento jurídico brasileiro pelaconcretização dos direitos e liberdades universais dos homens?Qual o papel do Poder Judiciário? Tem ele auxiliado, ou pelomenos, não obstaculizado, a efetivação de tais prerrogativas? Eo sistema processual, pode ser considerado exemplar? Temalcançado as finalidades a que se propõe?

A bem da verdade é o Judiciário o órgão estatal maispróximo dos cidadãos. É a ele, em tese, que são apresentadas asprimeiras reivindicações sobre desrespeitos a direitos e liberdadefundamentais.

À Justiça cabe, ou pelo menos, deveria caber, aharmonização das relações sociais, a imposição de limites no

20 EMERIQUE, Lílian Márcia Balmant. Op. cit., p.126.

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tocante ao comportamento dos indivíduos em sociedade e arepressão à condutas incondizentes.

Ao erigir a garantia da razoável duração do processo aopatamar de direito fundamental, pretendeu o legisladorsalvaguardar tal prerrogativa dos interesses prejudiciais dequalquer ordem.

Significou, acima de tudo, conferir maior amplitude aotema por meio do compromisso assumido pelo Poder Público emprol dos jurisdicionados, na busca pelo aperfeiçoamento do modocomo é prestada a atividade jurisdicional.

Como já inúmeras vezes tratado, mão basta garantirsomente o acesso ao Judiciário, é necessário garantir a plenaefetivação de direitos reconhecidos em tempo razoável.

Destarte, demonstra a referida modificação, aimprescindível necessidade de se visualizar a sistemáticaprocessual sob a perspectiva constitucional das garantias eliberdades fundamentais do indivíduo. Desta forma, não mais épossível tolerar em um Estado democrático de direito, o processo,como Cândido Rangel Dinamarco já afirmou, fonte perene dedecepções.

Na esteira da codificação dos direitos e garantiasfundamentais do indivíduo, Tratados, Convenções e Pactosinternacionais propuseram-se a incorporar em seus textos,dispositivos referentes à razoável duração do processo.

Estabelece o art. 8º da Convenção Americana de DireitosHumanos, o Pacto San José de Costa Rica, do qual o Brasil ésignatário:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida comas garantias e dentro de um prazo razoávelpor um juiz ou tribunal competente,independente e imparcial, instituído porlei anterior, na apuração de qualqueracusação penal formulada contra ela, oupara que se determinem seus direitos ouobrigações de natureza civil, trabalhista,fiscal ou de qualquer outra natureza.

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A partir da conscientização acerca da necessidade daentrega da prestação jurisdicional em tempo razoável, aConvenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos eLiberdades Fundamentais, também reconheceu, em seu art. 6º,§1º, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de umprazo razoável é uma Justiça inacessível.

Por oportuno, instituiu a citada Convenção a criação efuncionamento da Corte Européia de Direitos Humanos, comsede em Estrasburgo, que, por meio da sua jurisprudênciaestabeleceu alguns critérios para se aferir a razoabilidade daduração do processo, quais sejam: a) a complexidade do caso; b)comportamento das partes; c) o comportamento dos juízes, dosauxiliares e da jurisdição interna de cada país, para verificaçãoem cada caso concreto sobre violação do direito à duraçãorazoável do processo.

Neste contexto, aduz Paulo Hoffman:

Com essa previsão de um processo comum término em prazo razoável, aConvenção Européia dos Direitos doHomem já demonstrava, há mais de 50anos, a importância de que o julgamentodas causas judiciais fosse dotado demecanismos que permitissem uma demoraque não ultrapasse aquela estritamentenecessária, isso quando nem sequer seimaginava que um processo pudessedurar 10, 20 ou até 30 anos, comoinfelizmente, ocorre atualmente em algunscasos. 21

Desse modo, não fica difícil observar já ser relativamenteantiga a tendência mundial na busca por um processo adequadoe justo, que seja capaz de solucionar em tempo hábil, o conflitode interesses colocado a exame do Poder Jurisdicional.

21 HOFFMAN, Paulo. Op. cit., p. 576.

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Destarte, fica igualmente óbvio aferir a noção de apreocupação com a morosidade na tramitação e julgamento delitígios não é exclusivamente nosso. Ao contrário, atinge algunspaíses da Europa, como a Itália, e da América Latina, como aArgentina.

Vários outros sistemas jurídicos estrangeiros também têmse debruçado sobre o tema, na tentativa de diagnosticarempossíveis causas para esse engarrafamento de processos em todasas instâncias e, é claro, encontrarem soluções viáveis que visemacelerar a marcha do trâmite dos processos, sem, contudo,sobrepor a necessidade de celeridade em face das garantiasfundamentais do indivíduo.

O que se busca mundialmente é uma Justiça rápida eefetiva, porém e acima de tudo, sem se perder a qualidade quedeve ser inerente a toda atividade jurisdicional prestada.

5. Considerações Finais

A busca pelo aumento da qualidade dos serviçosprestados pelo Judiciário, bem como o equilíbrio entre tempo eprocesso, acabou por motivar sua reforma, a qual foi implementadapela Emenda Constitucional n° 45, que promoveu inúmerasalterações desde a estrutura do poder jurisdicional a uma sériede regras de cunho processual.

Tal reforma fundamenta-se, precipuamente, naimprescindibilidade em se alcançar uma atuação mais pronta eeficaz da justiça, eliminando certas mazelas características doJudiciário brasileiro, além de coibir a árdua demora na entregada prestação jurisdicional e combater condutasdescompromissadas por parte dos magistrados, dentre outrasambições.

Dentre as principais inovações trazidas pela reforma aotexto constitucional, está a que acrescentou aos Direitos eGarantias Fundamentais o direito à razoável duração do processo,modificando a literalidade do inciso LXXLVIII, do art. 5° da CartaMagna, a qual passou a ter a seguinte redação: “A todos, no

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âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoávelduração do processo e meios que garantam a celeridade de suatramitação”.

Com efeito, já se podia vislumbrar a presença destagarantia no ordenamento jurídico por meio dos princípios egarantias fundamentais atinentes à ordem constitucional e àsistemática processual, mesmo antes da edição da EC n. 45.

A presença da garantia da razoável duração do processocomo direito fundamental demonstra a necessidade de que aprestação da tutela jurisdicional atenda à realidade sócio-jurídicaa que se destina, atuando como instrumento à efetiva realizaçãode direitos.

Não basta facilitar o ingresso à justiça a todos queacreditam ser detentores do direito material, significa, acima detudo, buscar pelo aprimoramento constante da ordem processual,de modo que o processo possa de forma efetiva e tempestivaproduzir soluções satisfatórias para os que dele necessitem.

Não significa, entretanto, aumentar o número de litígiostrazidos ao Judiciário. É imprescindível atender a todos e solucionaros conflitos de todos com qualidade. É necessário, além do mais,pacificar com Justiça.

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