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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 7 - Dezembro de 2005 7 DIREITOS AUTORAIS: A HISTÓRIA DA PROTEÇÃO JURÍDICA Allan Rocha de Souza* SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A trajetória da proteção. 3. O fim do século XIX e a primeira metade do século XX. 4. A Segunda Metade do Século XX. 5. Conclusões RESUMO: O presente artigo trata da proteção jurídica dos Direitos Autorais. Para tanto, a análise apóia- se numa perspectiva histórica, focando principalmente os acontecimentos relevantes à sua compreensão no Brasil. Incorporar-se-aqui as reflexões sobre a fase inicial da proteção nos países estrangeiros relevantes, a regulamentação internacional da matéria expressa nos tratados internacionais e as teorias justificadoras da proteção concedida. ABSTRACT: This article deals with the legal protection of Author’s Rights. The analyses put forward herein takes on a historical perspective, maily focusing on the relevant circunstances for its comprehension in Brazil. There will be taken up reflections on the initial phase of protection in the relevant foreign countries, the international regulation by intternational treaties and the justification theories of the given protection. * Mestre em Direito, Professor de Direito da FDC, Advogado.

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ALLAN ROCHA DE SOUZA 7

DIREITOS AUTORAIS: A HISTÓRIA DAPROTEÇÃO JURÍDICA

Allan Rocha de Souza*

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A trajetória da proteção.3. O fim do século XIX e a primeira metade do séculoXX. 4. A Segunda Metade do Século XX. 5. Conclusões

RESUMO: O presente artigo trata da proteçãojurídica dos Direitos Autorais. Para tanto, a análise apóia-se numa perspectiva histórica, focando principalmente osacontecimentos relevantes à sua compreensão no Brasil.Incorporar-se-aqui as reflexões sobre a fase inicial daproteção nos países estrangeiros relevantes, aregulamentação internacional da matéria expressa nostratados internacionais e as teorias justificadoras daproteção concedida.

ABSTRACT: This article deals with the legalprotection of Author’s Rights. The analyses put forwardherein takes on a historical perspective, maily focusing onthe relevant circunstances for its comprehension in Brazil.There will be taken up reflections on the initial phase ofprotection in the relevant foreign countries, the internationalregulation by intternational treaties and the justificationtheories of the given protection.

* Mestre em Direito, Professor de Direito da FDC, Advogado.

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1. Introdução

O presente artigo trata da proteção jurídica dosDireitos Autorais. Para tanto, a análise apóia-se numaperspectiva histórica, focando principalmente osacontecimentos relevantes à sua compreensão no Brasil.Incorporar-se-aqui as reflexões sobre a fase inicial daproteção nos países estrangeiros relevantes, aregulamentação internacional da matéria expressa nostratados internacionais e as teorias justificadoras daproteção concedida.

Dividiu-se este artigo em três partes, representandocada, uma etapa da proteção, determinadas em razão dasmudanças em sua conformação conceitual, integrando astransformações nacionais, internacionais e estrangeiros.Neste sentido, a primeira parte trata dos primórdios daproteção, abrangendo a Antiguidade, principalmente oDireito Romano, a Idade Média e o período Renascentista,seguidos de uma inquirição sobre os eventos ocorridosdurante os séculos XVII a XIX, tanto aom relação ao“copyright” na Inglaterra como o Direito de Autor francês,concluindo esta primeira parte com a regulamentaçãojurídica dos direitos autorais durante o Império no Brasil. Asegunda parte analisa os desenvolvimentos legislativosdo fim do século XIX, com o advento da Convenção deBerna, de 4 de maio de 1886, da primeira ConstituiçãoRepublicana de 1891, e da lei 496, de 1 de agosto de 1898,denominada Medeiros e Albuquerque, prosseguindo até ofim da Segunda Guerra Mundial, incluindo aí o Código Civilde 1916. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, uma novasérie de acordos internacionais foram implementados,indicando uma mudança no tratamento dos direitosautorais, que vieram a influenciar legislações nacionaisao redor do mundo. Entre estes acordos internacionaisencontram-se a Declaração Universal dos Direitos doHomem, a Convenção Universal e as revisões daconvenção de Berna. Este terceiro período transcorre da

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Segunda Guerra Mundial até o advento da regulamentaçãoespecial da Lei 5.988 de 1 º de Dezembro de 1973, incluindoas suas alterações posteriores.

2. Da trajetória da proteção

A espiritualidade da criação, a autoria, já havia sidoreconhecida na Antiguidade e a materialidade também.Estas estariam ligadas à singularidade dos manuscritos.1

Os gregos reconheciam a autoria de seus filósofos,valorizando a sua condição e status, o que resultaria emretorno econômico com as atividades remuneradas queexerceriam em razão de seus escritos.

No entanto, quando se discute a proteção literáriaem Roma, três são as teses dos negadores da existênciada proteção literária: o silêncio de sua legislação; ainexistência de viabilidade econômica; e razões de ordemjurídica.2 A inexistência de uma legislação especial não éargumento decisivo. O silêncio pode ao mesmo temposervir de fundamentação a teorias adversas. A verificaçãodeve se dar indiretamente, após uma análise dacomplexidade do ordenamento sobre o qual incide aquestão. Neste sentido, no Direito romano possivelmentepodia-se pleitear reparação pelos danos aos direitosmorais do autor,3 através da actio injuriarium, comaplicabilidade, por exemplo, em situações de plágio ou usoindevido do nome.

A inexistência de condições para inúmerasreproduções, que eram trabalhosas e dispendiosas, não

1 COLOMBET, Claude. Propriété littéraire et artistique. Paris: Dalloz, 1997. p. 1-3.2 DOCK, Marie Claude. Etude sur le droit d’auteur. Paris: Pichon et R. Durand-Auzias, 1963. p. 9-19.3 CASELLI, Piola. Codice del diritto di auttore: commentario. Torino: Torinese,1943. v. 25. p. 1. Apud Costa Netto, José Carlos. Direito Autoral no Brasil.São Paulo: FTP, 1998. p. 30.

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é impeditivo ao reconhecimento de utilidade econômicada obra resultante da criação, basta lembrar do papel dosbibliopola e librarius, o último responsável pelo equivalenteàs bibliotecas atuais, e aquele encarnando o papel doseditores e livreiros hodiernos.4 A questão da valoraçãomaterial em Roma pode ser observada também atravésdo instituto da Acessão, do qual o autor da obra intelectualobtém a propriedade do objeto móvel físico sobre o qual éexpressa, sendo considerado acessório frente à obracriativa.5 A existência deste instituto jurídico nos obriga areconhecer em Roma a concepção da imaterialidade comoobjeto de proteção. E, neste sentido, se pronunciaramGaius6 e Justiniano,7 argumentando a acessoriedade dosuporte material frente ao conteúdo intelectual da obra,reconhecendo assim a imaterialidade como bem jurídicoprotegido, contrapondo-se à material na qual se inscreve,8

como é até hoje. Segundo Moreira Alves:

A pictura é a representação de figuras,mediante o emprego de tintas, sobretela alheia. No direito clássico divergiamos juristas (Gaio, Inst. II, 77-78): unsentendiam que as tintas acediam à tela,e, assim, o proprietário dela se tornavaproprietário do quadro; outros eram deopinião contrária – o quadro passava àpropriedade do pintor. Justiniano (Inst.,I, 33-34) seguiu a segunda opinião.9

4 DOCK, Marie Claude. Op. cit., p. 12-13.5 MAYNZ, Charles. Cours de droit romain. Paris: A. Durard & Redone-Lauriel,1886. p. 722. “Justinien a statué, pour la peinture considérée comme art, quela main d’ouvre l’emporte sur la matière, tandis que la simple opérationd’appliquer des couleurs sur une surface ne constitue q’une acession enfaveur du propriétaire de la surface.”6 GAIUS, Inst. II, 12. DOCK, Marie Claude. Op. cit. p. 16.7 JUSTINIANO, Inst. II, 2 pr. Apud DOCK, Marie Claude. Op. cit. p. 16.8 DOCK, Marie Claude. Op. cit., p. 16-17.9 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense,1998. p. 299.

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A identificação da autoria já detinha, neste período,amplo reconhecimento e densidade. A consciência dosautores dos direitos sobre a criação, porém, ainda quepresente na Antiguidade, ampliou-se aos poucos notranscurso da história. Assim, apenas nos espaços ondehouve viabilidade econômica para reprodução dosoriginais estabeleceu-se uma produção e circulaçãolucrativa de bens culturais sustentáveis – livros, no caso– e a demanda por uma proteção. É equivocado, portanto,falar da inexistência de uma proteção à propriedade literáriana Antiguidade, especialmente em Roma. O que parecemais acertado é que as estruturas sociais e econômicaspara o seu aparecimento e proteção estavam não sópresentes, mas se apresentaram efetivamente, ainda queindiretamente e localizadas.

Na Idade média, a reprodução material se davaprincipalmente nos monastérios, provavelmente sem finslucrativos, objetivando principalmente a disseminação detemas religiosos. A identificação da autoria não erarevelada, pois a elaboração e reprodução da obra eraexecutada dentro do monastério, dificultando ou atéimpedindo a autoria individual.10 Pode-se considerar quehavia, na organização da produção cultural da Idade Médianestes locais, a estrutura primária das futuras obrascoletivas. Paralelamente, existiam os escritos de conteúdopolítico, cujo ganho essencial era o reconhecimento daautoria, e sua consequente divulgação. Além disso, nesteperíodo, têm-se as apresentações públicas de caráterliterário e representativo,11 que podem ser descritos comoantecessores dos direitos de representação, complementodos direitos de reprodução na configuração dos direitospatrimoniais. Pode-se identificar, então, um intenso

10 STEWARD, Stephen M. International copyright and neighboring rights.Londres: Butterworths, 1983. p. 13-14. Apud COSTA NETTO, José Carlos.Direito Autoral no Brasil. São Paulo: FTP, 1998. p. 30.11 Ibid., p. 30.

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movimento de idéias, ainda que em círculos restritos. Etambém de uma proteção jurídica que consiste naconcentração de direitos sobre o original e a suareprodução nas mãos dos Abades, situação esta constanteatravés da Idade Média.12

Já no início da Era Moderna, a invenção daimpressora, por Gutenberg em 1436, e do papel, em 1440,possibilitaram a reprodução dos livros em uma escalainfinitamente superior ao conhecido então. A facilidade dereprodução, a alfabetização de um maior número depessoas e a uma produção literária mais intensa ediversificada dá origem a um período de eclosão cultural –a Renascença – e, concomitantemente, de uma indústriacultural, destacando-se os impressores e vendedores delivros, inicialmente na França. É de fundamental importânciaa existência destes intermediários entre o autor e o público,pois aqueles não possuíam meios de divulgação edistribuição, tão-pouco recursos para a impressão. Osprivilégios consistiam em direitos de exclusividade nareprodução e distribuição de material impresso, por tempodeterminado, porém renovável. Inicialmente de cinco anos,algumas décadas depois estendidos para 10 anos, eposteriormente em perpetuidade.13

A primeira configuração jurídica específica para aproteção dos direitos de criação foram os privilégiosconcedidos pela Coroa aos livreiros, em razão dos seusinvestimentos no instrumental de impressão, protegendo-os assim da concorrência alheia.14 Também objetivava-se, com os privilégios, a divulgação das obras clássicase a disseminação da erudição.15 Os privilégios não podem,

12 DOCK, Marie Claude. Op. cit., p. 60-61.13 Ibid., p. 65.14 ASCENSÃO, José Oliveira. Direito de autor e direitos conexos. Lisboa:Coimbra, 1992. p. 1315 DARRAS, Alcide. Du droit des auteurs & des artistes dans les rapportsinternationaux. Paris: Arthur Rousseau, 1887. p. 168-170.

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contudo, ser confundidos com os direitos autoraispropriamente ditos, pois as suas funções e justificativassão diversas destes últimos, contra os quais serão opostospor ocasião dos embates nos séculos XVII e XVIII, visandoa implantação destes mesmos direitos. Suas justificativaseconômicas consistem no risco que implicam oinvestimento de formação de uma gráfica associada a umaestrutura de divulgação e difusão, compondo-se de umainterdição a todos os demais, que não o privilegiado, deimprimir ou vender a obra privilegiada.16 Os privilégios eramuma instituição de salvaguarda industrial destinados aindenizar os editores dos custos gerais de publicação edos riscos comerciais da empreitada.17 Em um segundomomento, explicavam-se por serem uma constataçãooficial de uma situação preexistente, passando, no terceiromomento, a ser entendido como sendo uma graça fundadana justiça.18

Em 1578 foram suspensos os privilégios sobre obrasantigas, que foram consideradas de domínio público,introduzindo, pela primeira vez, este conceito no âmbitodos direitos sobre os bens resultantes da criação literária,autorizando apenas aqueles sobre obras novas.19 Estasituação teve reveses nas décadas vindouras, com osdecretos de 1618 e 1649, instigando um embate entre osdefensores do uso livre da obra e os que, com o apoio darealeza, pregavam a perpetuidade dos privilégios, obtidaem 1723, e causando a concentração dos privilégios nasmãos dos livreiros parisienses,20 que apoiavam a realeza,em oposição aos livreiros de outras regiões e defensoresda liberdade comercial, inspirados pelo emergenteparadigma liberal. A concessão dos privilégios apenas às

16 DOCK, Marie Claude. Op. cit., p. 65-75.17 Ibid.18 DARRAS, Alcide. Op. cit. p. 17219 Ibid., p. 65-75.20 Ibid., p. 65-75.

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novas obras, além de instituir o domínio público de obrasda criação, instigou a consciência dos autores da época,uma vez que os livreiros necessitavam de material originalpara exercer a sua atividade. Um novo conflito emergiaassim no horizonte: que viria a extinguir a existência dosprivilégios, com uma natureza diversa destes, surgiacomo conceito e, neste momento, ainda apenaspretensão, o direito de autor, que viria a substituir osprivilégios. Este embate será explorado neste trabalho emdois contextos distintos: na Inglaterra e França.

Estabelecidos os privilégios, que podem serconsiderados como direitos editorias, passam-se àsquestões da necessidade ou não de sua cessão específicapelo autor-criador. Questionava-se se bastaria a aquisiçãodo original pelos editores para que houvesse a cessãodos direitos de reprodução ou seriam estes últimosindependentes do exemplar.21 Durante o século XVII e iníciodo século XVIII, surgia um outro elemento, ligado aoemergir da sociedade civil, relacionado ao sentimento anti-monopolista e ao emergir da construção dos direitos dacoletividade sobre os escritos literários.22 Apresenta-seassim uma segunda questão, onde debate-se sobre aperpetuidade ou não destes direitos. A intensidade destedebate ultrapassa as elites políticas e jurídicas e abrangea sociedade mais ampla, inclusive os próprios autores ecríticos que, na falta de meios eficientes de se fazeremouvidos pelos círculos do poder, expressavam as suasposições em seus trabalhos e criticismo literário.23

Os conflitos neste período envolvem, em umprimeiro plano, os editores e os autores sobre a titularidade

21 RECHT, Pierre. Le droit d’auteur: une nouvelle forme de propriété: histoire ettheorie. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1969. p. 20-21.22 ROSE, Mark. Nine-tenths of the law: the english copyright debates and therhetoric of the public domain. Law & Contemporary Problems, v. 66, p. 77-78,winter/spring 2003.23 ENGLERT, Hilary Jane. The work and the book: locating literary value andproperty in eighteenth-century Britain. Tese de Doutorado. The Johns HopkinsUniversity, 2002. p. 3-5.

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dos direitos de reprodução e o modo de sua transmissão,e, em um segundo patamar, os conflitos entre aspretensões destes na perpetuidade destes direitos e ospleitos da emergente sociedade civil em uma limitação aestes direitos.24 A limitação aos privilégios reais inglesesocorreu em 1623, mas o debate atravessou o século, tantoque, ao fim do século XVII, por ocasião da discussão doLicensing Act, Locke apresentou um Memorandum, emrazão da rediscussão sobre os privilégios, “unindo osargumentos anti-monopolistas com o preocupaçãoIluminista da circulação do conhecimento.”25

Estes debates tiveram influência no Copyright Act,da Rainha Ana, promulgado em 10 de abril 1710. Este atoreconhecia os autores como titulares dos direitos, eestabelecia limites temporários à proteção, impondoprazos de 21 anos para os livros já impressos e 14 anospara novos livros, com a possibilidade de uma renovaçãose o autor ainda estivesse vivo ao fim do primeiro termo.Mesmo após a promulgação do Ato de 1710, os debatescontinuavam intensos perante os tribunais. Dois casosforam marcantes para a efetiva implementação dalegislação. O primeiro, Millar v. Taylor, em 1769, declarouos direitos de common-law dos autores e a suaperpetuidade. Em 1774, Hinton v. Donaldson, reverteu adecisão, declarando os direitos autorais como propriedade,mas limitando-a aos termos estabelecidos no Ato de1710.26 Os direitos de cópia ficam então delineados naInglaterra, em fins do século XVIII, como sendo detitularidade dos autores, classificado como propriedade,cujo conteúdo era tópico nevrálgico das discussões edecisões, e limitados no tempo, em razão do interesse dacoletividade. Nos Estados Unidos, a matéria encontrou

24 ROSE, Mark. Authors and owners: the invention of copyright. Londres:Belknap Press, 1995.25 ROSE, Mark. Op. cit., p. 78.26 ROSE, Mark. Op. cit., p. 87.

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abrigo legal primeiramente através de leis estaduais,como a lei de Massachussets regulamentando a matériaem 1783, sendo incluída a proteção na Constituição, de1787, e, posteriormente, em lei federal, através doCopyright Act de 1790.

Os argumentos usados para limitar a propriedadeprovavelmente ecoavam o jurista escocês Lord Kames,que argumentava que o monopólio perpétuo dos livrosseria destrutivo ao saber, à literatura e até ao comérciono médio prazo. Porém, além do ilustrado por LordKames, os argumentos apresentados por Lord Camdematacavam a profissionalização e remuneração dosautores, que deveriam contentar-se com glórias futuras,e os l ivreiros, a quem se referia como “dirtybooksellers.”27 Estes argumentos não foram assimiladosno contexto expansão do liberalismo econômico eintensificação do capitalismo, fomentando reações quepautaram os próximos debates, que antecederam oCopyright Act de 1842, que estendeu o termo para 42anos ou sete anos após a morte do autor. As propostase justificativas de Talfourd e Wordswoth, que acreditavamem um direito natural do autor e propunham a suaperpetuidade, foram rebatidas por Thomas BabingtonMacaulay, que resgatou os argumentos anti-monopolistas, combinando-o com o utilitarismo, concluiuque copyright é monopólio e que produz os mesmosefeitos deste, sendo um mal em si mesmo, porémnecessário como garantia do provimento dos autores,mas que, portanto, “o mal não deve durar um dia a maisque o necessário para assegurar o bem.”28

Pode-se identificar então a superação dos debatesem torno do conteúdo da propriedade na determinação daproteção jurídica a ser atribuída ao copyright. Os debates

27 Ibid., p. 81.28 Ibid., p. 83-84.

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sobre estes direitos deslocaram-se para a questão domonopólio, característica que lhes foi então atribuída, econsiderando as justificativas anti-monopolistas buscava-se estabelecer a extensão da proteção que os mesmosdeveriam possuir, de maneira a equilibrar os interessesdos autores e da coletividade.

A disputa na França entre os livreiros de Paris e osdemais, por conta da extensão dos privilégios, acabou porfortalecer o pleito dos autores, desejosos por estabelecercomo originariamente seus os direitos sobre suas obras,como seus contemporâneos ingleses. A discussão aquitambém foi sobre a inserção destes direitos como sendoou não de propriedade. Em seis de setembro de 1776, oRei Luís XVI, reconhecia a precedência do autor sobre olivreiro, mas o mantinha como privilégio. No dia 30 deagosto de 1777, o Conselho do Rei determina aprecedência do autor, reiterando a perpetuidade destesdireitos. O preâmbulo da determinação, fortementeinfluenciado pela carta de Luís XVI reconhecendo osautores como proprietários, afirma que “os privilégios deimpressão são uma graça fundada na justiça”, com oobjetivo de remunerar os autores pelos seus trabalhos.29

Paralelamente decisões judiciais começavam a serproduzidas, decidindo em favor dos autores e daperpetuidade, como as de 14 de setembro de 1761, e de20 de março de 1777.30 É interessante notar que emboraa precedência em matéria de direitos autorais, na EuropaContinental, seja atribuída à França, Carlos III, da Espanhahavia, em 1763( 14 anos antes da França) consagrado atitularidade exclusiva do autor ou seus herdeiros, emperpetuidade.31

29 DOCK, Claude-Marie. Op. cit., p. 127-128.30 RECHT, Pierre. Op. cit., p. 31.31 JESSEN, Henry Francis. Direitos Intelectuais. Rio de Janeiro: Itaipu, 1967.p. 17. Apud COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 34.

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Os embates também se davam entre artistas dediversas categorias e, por exemplo, entre os autores dotexto e os atores que encenavam suas peças. Esta disputafoi resolvida em favor dos primeiros, e reafirmada nalegislação francesa posterior à Revolução.32 A RevoluçãoFrancesa veio a abolir todos os privilégios, tanto os dosautores quanto o dos livreiros. No entanto, após passadasas emoções e transcorrido o período de exaltação foramestabelecidos os direitos autorais, sob o nome de direitode autor, “que dependem não mais de uma concessãoarbitrária dos poderes públicos, mas da ordem natural eprocedente do fato da criação intelectual.33 Em 19 de janeirode 1791 foram assegurados os direitos de representaçãoe em 24 de julho de 1793 são consagrados os direitos dereprodução; ambos pilares dos direitos patrimoniais. Naspalavras de Le Chapelier, ao relatar o projeto que veio ase tornar o decreto de 1791: “a mais sagrada, a maispessoal de todas as propriedades é a obra fruto do pensardo escritor.”34 Os direitos de representação foramgarantidos aos autores, por toda a sua vida e aos herdeirospor 5 anos após a sua morte. Os direitos de reprodução,que não mais estavam limitados aos livros, mas a todasas criações artísticas, duravam toda a vida dos autores epor 10 anos após a sua morte. O século que se inicioutrouxe a extensão desta proteção e a regulamentação denovas situações, como sobre as obras póstumas, em 22de março de 1806, e sobre as obras publicadas no exterior,de 30 de março de 1852.

Estes desenvolvimentos, na França e na Inglaterra,deram origem, respectivamente, aos sistemas jurídicos

32 SURWILLO, Lisa. Copyright and context: the intellectual property ofnineteenth-sentury Spanish theater. Tese de Doutorado. Universidade daCalifórnia, Berkeley, 2002.33 DESBOIS, Henry. Cours de proprieté litteraire, artistique et industrielle. p.35. Apud DOCK, Claude-Marie. Op. cit., p. 150.34 DOCK, Claude-Marie. Op. cit., p. 151-152.

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do “Droit d’Auteur” e “Copyright”. Neste período superaram-se o conceito de privilégio concedido pelos monarcas parauma situação em que os direitos autorais foramenquadrados como propriedade natural, cujo conteúdo sãoos direitos de representação e reprodução, onde o titularé o criador de qualquer obra artística. O limitação temporaldo exclusivo sobre estes direitos representa a proteçãodos interesses da sociedade civil, com justificativas anti-monopolistas e preocupações com o engrandecimentocultural, isso em um ambiente sócio-cultural deconsideração dos direitos de propriedade como absolutose ilimitados. Entretanto, a lei francesa de 14 de julho de1866 estendeu o prazo de proteção de 5 ou 10 anos para50 anos após a morte do autor, prazo que figurou naConvenção de Berna, duas décadas depois, passando ainfluenciar a legislação dos demais países, queestabeleceu também a categoria de limites atemporais, jádeterminados no sistema anglo-saxão, através do fair use.

Já no Brasil, a Constituição do Império nada estipulousobre os direitos autorais nem na carta de Constituiçãode 1824 ou no ato adicional de 1837, embora tenhaprotegido os direitos dos inventores na primeira, em seuartigo 179, XXVI: “Os inventores terão a propriedade dassuas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhesassegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhesremunerará em resarcimento da perda, que hajam desoffrer pela vulgarisação.” A Lei que “Crêa dous Cursosde sciencias jurídicas e sociaes, um na cidade de SãoPaulo e outro na cidade de Olinda”, de 11 de agosto de1827, em seu artigo 7 º estabelece que:

Os Lentes farão a escolha doscompêndios da sua profissão, ou osarranjarão, não existindo já feitos, comtanto que as doutrinas estejam deaccordo com o systema jurado pelanação, estes compêndios, depois de

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approvados pela Congregação,servirão interinamente; submettendo-se porém a approvação da AssembléiaGeral, e o governo fará imprimir efornecer às escolas, competindo aosseus autores o privilégio exclusivo daobra por dez annos.

A comentar a lei que instituiu os cursos de direito doBrasil, Bittar conclui que “foram os lentes os primeiroscriadores contemplados expressamente com aexclusividade de exploração – embora ainda sobre a formade privilégio e não com o caráter de ‘direito’ – de suasobras.”35 Cumpre notar o atraso jurídico da concessão deprivilégios, tendo a doutrina e legislação internacional jásuperado esta fase do desenvolvimento dos direitos autorais.

O Código Criminal de 1830 estatui a proteção penal aosdireitos autorais, e suas respectivas penas, em seu artigo 261:

Imprimir, gravar, lithografar ou introduzirquaisquer escriptos ou estampas, quetiverem sido feitos, compostos outraduzidos por cidadãos brazileiros, emquanto estes viverem, e dez annos depoisde sua morte, se deixarem herdeiros.Penas: Perda de todos os exemplarespara o autor ou o traductor, ou seusherdeiros, ou, na falta d’eles, do seuvalor e outro, e de multa igual aotresdobro do valor dos exemplares.Se os escriptos ou estampaspertencerem a corporações, a proibiçãode imprimir, gravar, lithografar ouintroduzir durará somente por espaçode dez annos.

35 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. 2. ed. rev.atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 90.

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Mesmo não tendo obtido proteção específica nalegislação civil, exceto para os Lentes na forma deprivilégio, a especificidade do artigo 261 do Código Criminaldo Império nos força a reconhecer a existência destesdireitos também no plano civilista, ainda que indiretamente,pois admite que o contrafator esteja violando um direito,que portanto existe. Finalmente, é possível observar asuperação do conceito destes direitos como privilégios.Este entendimento corrobora a conclusão de Teixeira deFreitas, que afirma que há proteção da imaterialidade.36

Neste mesmo sentido figura Tobias Barreto, emboraressaltando sua insuficiência, dizendo que “Além dasancção penal referir-se sómente a uma ordem de factos,que não abrange a totalidade dos casos possiveis, restasempre de pé a questão de saber, de que natureza é odireito que o codigo alli garantiu.”37 Acrescenta, o mesmoautor, mais adiante, sobre o alcance destes direitos, que:

o direito de autor é garantido entre nóspela lei penal; o que cahe no dominio dalei civil, é simplesmente a indemnisaçãodo mal causado pela violação dessedireito, e isto nada tem a vêr com apersonalidade, mas sómente (tem quever) com o quanti interest, com asrelações economicas do autor.38

Tobias Barreto destaca ainda a importância de sedeterminar “qual a posição que elle deve occupar nosystema da sciencia juridica.”39 E em resposta à própriaindagação, propõe que:

36 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. Rio de Janeiro:Il Garnier, 1896. Nota 1 ao artigo 884.37 BARRETO, Tobias. O que se deve entender por direito autoral. In: Estudosde direito. Sergipe: Ed. do Estado do Sergipe, 1926. Obras completas, v. 2,p. 152-153.38 Ibid., p. 159.39 Ibid., p. 153.

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“a importancia dada ao interesse real,ás relações econômicas do autor, nãosupre nem compensa o que ella temde erroneo. A theoria tomou outrafeição e chegou-se enfim a conceber odireito autoral como uma derivação dapessoa, como um direito classificavelentre os direitos pessoaes.

Neste pé se acha a questão. Os diversos modos deencaral-a e resolvel-a têm todos ainda os seusrepresentantes. Entretanto me parece que a verdade estádo lado dos que seguem o último ponto de vista. O direitoautoral, diz Bluntschli, pertence á classe dos direitosgeraes humanos. A obra é uma expressão do espíritopessoal do auto, um pedaço da sua personalidade.”40

Data de então, através de alguns trabalhos de TobiasBarreto, a introdução no Brasil da visão de que os direitosautorais submetem-se aos direitos da personalidade. Comrelação à natureza jurídica dos direitos autorais, e seuenquadramento na estrutura de Direito Civil, Tobias Barretodiscorda de Teixeira de Freitas, que enquadra sob a teoriada propriedade a natureza dos direitos autorais, comopodemos notar quando explica que “o direito de propriedadecom aplicação comprehensiva, isto é, aos objetosintangíveis – res que tangi non possunt – que in jureconsistunt (embora visíveis) é o vero direito depropriedade.”41

A existência de decisões judiciais reconhecendoestes direitos42 é outro fator indicativo de sua proteçãojurídica no ordenamento jurídico nacional do Império, aindaque sem especificidade. Esta proteção jurídica então teria,a partir da análise civilista do Código Criminal, a seguinte

40 Ibid., p. 157.41 FREITAS, Augusto Teixeira de. Op. cit.42 ASCENSÃO, José Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.2. ed. ref. e ampl. p. 11.

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configuração: (a) apenas os autores brasileiros estariamprotegidos; (b) o autor teria proteção por dez anos; (c) osherdeiros seriam beneficiados por 10 anos após a mortedo Autor; (d) caberia ao Autor o direito exclusivo deutilização econômica da obra; (e) a pessoa jurídica poderiaser titular, ainda que derivado, dos direitos autorais, peloprazo de 10 anos, a partir de sua comunicação ao público.

No fim do Império, com o influxo de novas idéiassobre os direitos autorais, os debates eram intensos ediversificados. Disputava-se sobre a categoria jurídica aoqual devem pertencer os direitos autorais, se era um direitode propriedade, ainda que especial, ou um direito pessoal.

3. O fim do século XIX e a primeira metade do século XX

Durante o século XIX, os ataques à concepção dosdireitos autorais como propriedade, visão dominante eestabelecida legalmente e jurisprudencialmente no fim doséculo anterior, continuavam. Estes ataques partiamprincipalmente dos defensores da determinação dos direitosautorais como inteiramente de domínio público. Intensificadosestavam os argumentos em razão, em parte, dos escritos eidéias de Karl Marx e Proudhorn, na primeira metade do séculoXIX.43 O resultado do embate entre estes dois extremos foi oentendimento de serem os direitos autorais um direito depropriedade limitado temporalmente. Paralelamente, porém,emergia uma nova teoria, a que via os direitos autorais comoresultantes da personalidade do autor, que se projeta e impregnana obra, e que estes, portanto, deveriam ser classificadosdentre os direitos da personalidade.

Na França, Pouillet defendia a classificação destacomo propriedade, embora especial,44 liderando, em sua

43 RECHT, Pierre. Op. cit., p. 55.44 POUILLET, Eugène. Traité theorique et pratique de la propriété littéraire etartistique et du droit de représentation. Paris: Marchal et Billard, 1908. p. 26-30.

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época, a escola da propriedade intelectual. Defendendoposição oposta, encontrávamos Darras, que defendiafortemente a origem destes direitos como sendo os depersonalidade.45 Igualmente influente, Picard caracterizouos direitos autorais, junto com os direitos de propriedadeindustrial, nomeando tais direitos de direitos intelectuais,como sendo direitos a um monopólio exclusivo deexploração comercial, e justificando-se por ser uma a obrauma criação do espírito.46 Com grande influência naAlemanha, Kohler propunha uma classificação inovadora,definindo-os como “propriedade espiritual”, comcaracterísticas próprias, porém essencialmentepatrimoniais e de origens reais, embora reconhecesseprerrogativas morais ao autor.47 De outro lado, na mesmaAlemanha, no mesmo período, Gierke desenvolveu a suateoria personalista, onde propunha que a razão daexistência destes próprios direitos não é outra que não ascaracterísticas pessoais do autor, e que a própriaexistência de patrimonialidade depende e justifica-se emrazão daqueles.48 Nos países de origem anglo-saxão, osembates eram diferentes do resto da Europa, econcentravam-se sobre o entendimento do copyright comopropriedade ou monopólio de exclusivo comercial,tendendo as decisões para a última visão.49

Uma outra vertente relevante ao desenvolvimento dosdireitos autorais é a compreensão da internacionalidadedestes direitos, por não limitação territorial, que é umacaracterística intrínseca das criações, não surtindo osefeitos de exclusividade se a proteção é local apenas, poisreproduções poderiam ser feitas em regiões próximas.50

45 DARRAS, Alcide. Op. cit., p. 47.46 RECHT, Pierre. Op. cit., p. 79.47 Ibid., p. 76.48 Ibid., p. 84.49 STEWARD, Stephen M. Op. cit. Apud COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 33.50 CASELLI, Eduardo Piolla. Del Diritto di Autore. In: Il Direitto Civile ItalianoSecondo la Dottrina e la Giurisprudenza, a Cura di P. Fiori. Napoli: R. Marghieridi Gius, 1890-1925. v. 10, p. 13-14.

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Neste contexto de profundos embates teóricos,reúnem-se em 1878 em torno da Associação Literária eArtística Internacional os principais especialistas damatéria na Europa, e, a partir desta ocasião, promove-seintensamente o reconhecimento legal das prerrogativasdo autor, inclusive as morais.51 A visão dos direitos autoraiscomo propriedade, que dominou do século XIX até meadosdo século XX, parecia diminuída. Cedeu espaço, nospaíses continentais, às visões personalistas e sui generis,seja como propriedade especial ou duplo direito, além dediversas combinações, em versões variadas.

Estava-se descobrindo um novo direito, e este nãose enquadrava nos esquemas paradigmáticos daclassificação dos direitos, ainda do período Romano. Unstentavam reduzir estes novos direitos para enquadrá-losnos paradigmas pré-concebidos, enquanto outrosenxergavam a necessidade de estabelecer uma novacategoria jurídica. Este foi um tempo de ebulição.

Neste contexto de intenso debate, sob o auspício daAssociação Literária e Artística Internacional, de grandeinfluência francesa, o grupo político dominante nestasquestões, em nove de setembro de 1886, apresenta asconclusões dos trabalhos, após a realização de diversasreuniões em capitais européias, tendo iniciado os encontrosem 1883, e apresenta, em sua primeira versão, a Convençãode Berna. Deve ser lembrado que antes da AssociaçãoLiterária e Artística Internacional, a Associação Literária Alemã,em 1871, reuniu-se em uma comissão organizada paraelaborar um projeto de tratado objetivando regulamentar asrelações entre o Império Alemão e os Estados estrangeiros.52

Esta primeira versão foi aditada e completada em 4 de maiode 1896, por um ato adicional e uma declaração interpretativa,vigorando a partir de 9 de dezembro de 1897.

51 RECHT, Pierre. Op. cit., p. 58-60.52 STOYANOVITCH, K. Le droit d’auteur dans le rapport entre la France et les payssocialistes. Paris: Librarie Generale de Droit et de Jurisprudence, 1959. p. 53.

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É digno de nota que a iniciativa em favor da formaçãoda União de Berna, de onde advém a Convenção, veionão dos governos, mas dos próprios autores. Buscava-se neste momento a universalização da proteção aosautores e também a sua uniformização, princípios estesque permanecem até então, além da centralização naUnião de todas as questões referentes a estes direitos.Os princípios essenciais estabelecidos são o dotratamento nacional, através do qual os estrangeiros dospaíses unionistas devem receber o mesmo tratamentodispensado aos nacionais,53 o da proteção automática, quenão deve ser subordinada a procedimentos formaisanteriores,54 e a proteção mínima, que inclui osbeneficiários, as obras e os direitos,55 que não podem serpostergadas pelas legislações nacionais e têm aumentadoprogressivamente com o passar dos anos.56 É de extremarelevância notar que “os principais promotores dacontratação internacional foram, e continuam a ser hoje,os países grandes exportadores de obras intelectuais, querecebem dela uma vantagem mais que proporcional.”57

Revista em Berlim em 1908, no ato assinado em 13de novembro, e entrando em vigor em 9 de setembro de1910, esta versão revista foi promulgada, após oaditamento em Berna em 1914, pelo Decreto 4.541 de 6de fevereiro de 1922. Durante esta Conferência,intensificaram-se os debates sobre a natureza pessoaldestes direitos. Mesmo assim, a Conferência de Berlimnada decidiu a este respeito, tratando apenas doaperfeiçoamento de seus aspectos patrimoniais.58 Revista

53 BITTAR, Carlos Alberto. Princípios aplicáveis em nível internacional, àtutela dos direitos autorais. In NAZO, Georgette (org). A tutela jurídica dodireito de autor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 100.54 Ibid., p. 101.55 DEBOIS, Henry. Op. cit., p. 881.56 ASCENSÃO, José Oliveira. Op., cit. p. 37.57 Ibid., p. 36.58 AZEVEDO, Jose Philadelpho de Barros. Direito moral do escritor. Rio deJaneiro: Alba, 1930. p. 123.

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novamente em Roma em 1928, com assinatura de 2 dejunho, com aplicação a partir de 1º de agosto de 1931,promulgada no Brasil pelo Decreto 23.270 de 24 de outubrode 1933, anulando idêntico decreto anterior de nº 22.120,de 22 de novembro de 1932, foram finalmente introduzidosos direitos morais do autor no plano de proteçãointernacional.59

No Brasil, o primeiro Código Penal da República,promulgado pelo Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890,tratou, em seu Capítulo V, “Dos Crimes Contra aPropriedade Litteraria, Artistica, Industrial e Comercial”, nosartigos 342 até 355. Especificamente com relação aosdireitos autorais, então denominados propriedade literáriae artística, protegia criminalmente os direitos dereprodução e representação, defendendo-os tanto contraa contrafação como contra o plágio, conforme dispostoem seus artigos. O prazo de proteção manteve-se emdez anos após a morte do autor e as penas erampecuniárias, com perda dos exemplares e pagamento demulta em favor do autor, como podemos observar em seuartigo 345,60 que constitui a sua essência.

A Constituição de 24 de fevereiro de 1891, aocontrário da anterior, no Título IV, “Dos CidadãosBrasileiros,” Seção II, “Declaração de Direitos,” em seuartigo 72, inciso 26, dispõe que: “Aos autores de obrasliterárias e artísticas é garantido o direito exclusivo dereproduzi-Ias, pela imprensa ou por qualquer outroprocesso mecânico. Os herdeiros dos autores gozarãodesse direito pelo tempo que a lei determinar.” Garanteassim na primeira Constituição Republicana a existência

59 Ibid., p. 12460 “Art. 345. Reproduzir, sem consentimento do autor, qualquer obra litterariaou artistica, por meio da imprensa, gravura, ou lithographia, ou qualquerprocesso mecanico ou chimico, emquanto viver, ou a pessoa a quem houvertransferido a sua propriedade e dez annos mais depois de sua morte, sideixar herdeiros: Penas – de apprehensão e perda de todos os exemplares,e multa igual ao triplo do valor dos mesmos a favor do autor.”

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dos direitos autorais, a duração durante toda a vida doautor, a transmissão causa mortis por tempo determinado,que, em razão da legislação infra-constitucional penalvigente, é de 10 anos. Por fim, a garantia constitucionalse refere explicitamente a um direito exclusivo,concebendo este direito não como propriedade mas simcomo exclusivo comercial, mesma posição adotadaanteriormente pelos países de common law.

Em 1º de agosto de 1898, promulgou-se a Lei nº496, baseada no projeto de autoria de Augusto Montenegro,que veio a ser denominada Medeiros e Albuquerque, emhomenagem ao seu relator e autor efetivo,61 que foi oprimeiro estatuto civil regulamentando os direitos autoraisdo Brasil. Antes desta, alguns projetos objetivando aproteção dos autores haviam sido propostos, mas nãolograram êxito. Em 1856, Aprigio Justiniano da SilvaGuimarães apresentou o primeiro projeto ao parlamento.Logo após, em 1858, Gavião Peixoto fez o mesmo, e “aquem o primeiro acusou implicitamente de plágio, comboas razões.”62 E em 1875, José de Alencar apresentaum novo projeto, também sem obter sucesso.63 Bittaraponta mais dois projetos nos anos de 1861 e 1893,almejando a regulamentação do assunto, sem, contudo,indicar os seus autores.64 Outro projeto da era republicanade autoria de Pedro Américo foi apresentado, também semlograr continuidade, e sem data especificada.65 Esta Leifoi baseada na Lei Belga de 22 de março de 1886,“representava texto compatível com o estágio evolutivo daocasião,”66 “que honra a nossa cultura, adiantada como

61 ASCENSÃO, José Oliveira. Op. cit., p. 12.62 Ibid., p. 13.63 CHAVES, Antônio. Direito de autor: princípios fundamentais. Rio de Janeiro:Forense, 1987. p. 28.64 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4. ed. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2003. p. 12-13.65 AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 148.66 Ibid., p. 148.

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era a época de sua elaboração.”67 Inovadora, ao proibir asmodificações não autorizadas e instituir o direito denominação, “esse diploma tratou do assumpto, cerca detrinta annos antes do apparecimento das leis que temdisciplinado o direito moral, embora nenhuma vez usasseexpressamente este nome.”68 Embora progressista a Lei,o ordenamento jurídico nacional era conservador ecopiador, e assim teve a Lei 496 duração limitada, “eisque fermentava a idéia de codificação dos direitosprivados.”69

Neste período o Brasil promulgou também acordoscom Portugal e França. Em nove de setembro de 1889assinou com Portugal declaração prevendo a igualdadedos direitos dos nacionais dos dois países, em matériade direitos autorais. O Decreto nº 10.353, de 14 desetembro de 1889, manda executar o ajuste, validando-ono país. O mesmo foi feito com a França, pois em 15 dedezembro de 1913, Brasil e França estabelecem umacordo, que foi aprovado pelo Decreto nº 2.966, em 5 defevereiro de 1915. Em 17 de janeiro de 1912, foi promulgadaa Lei nº 2.577, que estendeu a proteção dos direitosautorais às obras publicadas em países estrangeiros,desde que membros das convenções internacionais,assim o Brasil entra definitivamente no plano de proteçãointernacional das obras criativas.

O projeto primitivo do Código encaminhado porClóvis Beviláqua, dedicou boa parte da exposição demotivos à questão dos direitos autorais.70 Mesmo com odesenvolvimento doutrinário internacional, e até nacional,“optou por seguir a orientação de Von Ihering, colocando odireito do autor entre os reaes, para fazer ressaltar quehavia similaridade entre estas manifestações jurídicas,

67 Ibid., p. 148.68 Ibid., p. 148.69 Ibid., p. 94.70 Ibid., p. 139.

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embora aquelle não se dirigisse a coisas corporeas.”71 Aoutra opção seria a criação da categoria de direitosintelectuais, proposta por Picard, mas que foi consideradaarriscada.72 Hemano Duval considera que, “sob o pontode vista da técnica legislativa, a solução melhorrecomendada seria a de se não tomar partido”,transferindo o problema para a doutrina e jurisprudência.73

Assevera ainda o autor que:

Tal cuidado não teve o legislador pátrioquando incluiu os direitos de autor,inclusive a proteção do direito moral,na categoria do direito das coisas, sobum capítulo especial da propriedade,e em uma época em que os paísesleaders já tratavam da matéria comoela deve ser tratada, isto é, em leiespecial, fora do direito comum, civilou penal, e à semelhança do que jáfizéramos com a excelente Lei 496, do1 º de agôsto de 1898.74

“O projecto primitivo propuzera ainda a perpetuidadepara o direito dos autores. Contra esse modo de verlevantaram-se objecções, que não são muito convincentes.”75

Mais adiante, insistindo neste mesmo argumento, e semponderar os interesses da sociedade nos bens culturais, pordesconhecimento do tema ou absorvido por uma ideologiaindividualista, explica sua posição:

71 Ibid., p. 139.72 Ibid., p. 139.73 DUVAL, Hermano. Direitos autorais nas invenções modernas:doutrina, jurisprudência e legislações comparadas. Rio de Janeiro:Andes, 1956. p. 7.74 Ibid., p. 8.75 BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasilcommentado. 9. ed. atual. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1953. v. 3,p. 203.

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E, uma vez creada essa riquezaimmaterial, não há, em principio, razãotheorica para que se não transmittapelos modos adoptados para atransmissão da riqueza material. Sãorazões de ordem pratica, e uma certaobscuridade de idéias, proprias daphase evolucional, em que se acha odireito autoral, que explicam essafôrma de propriedade menos plena, depropriedade temporaria e revogavel, quea lei imprime ao direito dos autores.76

A comissão revisora modificou diversos artigos doprojeto e propôs a inclusão de novos artigos tratando dosprivilégios de invenção e marcas de fábrica, o que não foiaprovado. O nome também foi alterado de direito autoralpara propriedade literária, científica e artística.“Evidentemente infelizes foram as emendas ao projectoprimitivo que adotaram a expressão propriedade.”77 Contraa técnica adotada insurgiu-se, entre outros, Virgilio SáPereira, que criticou veementemente as alterações dacomissão revisora, defendendo a especialidade da matéria.Ao final, a nova categoria foi encaixada, à força, nasistemática tradicional.78 O projeto de Clóvis Beviláqua nãohavia reproduzido tantos valiosos preceitos da Lei 496.Além disso, a comissão de revisão “alterou a natureza dodireito autoral, para a exdruxula propriedade literaria, quenão é propriedade.”79 Em relação à norma já então emvigor, o Código Civil representou um retrocesso doutrinário,embora tenha contribuído para a efetiva sagração práticadestes direitos. Segundo Bittar:

76 Ibid., p. 203-204.77 AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 140.78 AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 145.79 Ibid., p. 154.

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Assim, inobstante a evolução havidanesse campo – em especial najurisprudência francesa e de outrospaíses europeus, em que já sereconhecia o direito moral de autor -, onosso estatuto civil ateve-se aestruturação da codificação francesa,inserindo estes direitos como depropriedade e com regulamentaçãovoltada para a sua faceta patrimonial,na qual, ademais, acabou por permitira penetração de normas estranhas àsua própria índole.80

Carvalho Santos, ao comentar o Código Civil,defende também a classificação dos direitos autoraiscomo direito de propriedade, ainda que sui generis, “porqueo que há é a fixação de um termo, que uma vez vencido,resolve o direito, não se podendo duvidar que aí êle éconcebido como uma propriedade, se bem queresolúvel.”81

Com a promulgação do Código Civil, a “matéria étratada com a firmeza científica própria do diploma emque se integrou.”82 A matéria foi consagrada em umcapítulo especial da matéria, sob o título “Da PropriedadeLiterária, Científica e Artística”, nos artigos 649 até 673,classificou a matéria no “Direito de Propriedade, consoantea orientação que então prevalecia.”83 Evidencia-se, nestediploma, a proteção a toda forma de utilização econômicada obra criativa, literária, artística ou científica, através dareprodução propriamente dita, ou da representação. Ocódigo não logrou exemplificar as formas de utilização,

80 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 95.81 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 9.ed. Riode Janeiro: Freitas Bastos, 1961. v. 8, p. 403-404.82 ASCENSÃO, José Oliveira. Op. cit., p. 12.83 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 14.

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abrangendo todas as possíveis. O prazo foi ampliado emrelação à lei anterior, que era de 50 anos da publicação,para 60 anos após a morte do autor, mais que os prazosestipulados em outros países, talvez refletindo a visãoultrapassada de seu autor, que acreditava serem estesdireitos de propriedade e, portanto teriam de ser perpétuos.O Código Civil estabelece também os limites destesdireitos centrados no autor. Bevilaqua posiciona-sealertando para as diversas limitações incidentes, quedevem ser observadas:

Outras limitações soffre o direitoimmaterial. Interesses da humanidade,por exemplo, permittem que se executemobras musicaes em concertos debeneficencia, ou em festas populares,sem attenção ao direito exclusivo do autor.O interesse collectivo, sobrepujando oindividual, autoriza a desapropriação dodireito immaterial. Dadas certascircumstancias, um direito immaterialpode ser condemnado por abusivo.84

O código estabelece uma série de limitaçõesexpressas aos direitos autorais, em seu artigo 666, comocasos de não incidência, apontando expressamente ascitações com referência, protege-se a divulgação de obraem forma de notícia e crítica, a cópia única sem finslucrativos, e a reprodução de obras públicas. Esta listasomente pode ser entendida como exemplificativa e nãocomo exaustiva, pois é extremamente improvável que sejapossível exaurir todos os interesses da coletividade e dahumanidade incidentes. Ademais, o fato desta não incluircomo limitações as situações apontadas como relevantes

84 BEVILAQUA, Clovis. Op. cit., p. 205.

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pelo seu autor, implica em dizer que a enumeração é, defato, exemplificativa.

Ao redor dos dispositivos constitucionais e do CódigoCivil, na medida em que desenvolviam-se novastecnologias de comunicação, execução e armazenamento,foi-se intensificando a atividade do legislador, produzindoampla e esparça legislação, das quais aponta-se aquiapenas as consideradas principais. Neste sentido, odecreto 4.790, de 2 de janeiro de 1924, definiu os direitosautorais e instituiu prerrogativas dos titulares paraprotegerem-se dos usos não autorizados. O Decreto5.492, de 16 de julho de 1928, regulamentou a organizaçãodas empresas de diversão pública e locação de serviçosteatrais, sendo uma importante legislação na proteção dosartistas que se apresentavam, podendo-se considerarainda que seu alcance abrange os que viriam a serconhecidos como direitos conexos. O Decreto foi aprovadopelo presidente através de um outro Decreto, o de 18.527,de 10 de dezembro de 1928, obrigando ainda a contrataçãoe remuneração dos artistas e auxiliares. Estes Decretosforam revogados em parte pelo de 20.493 de 24 de janeirode 1946, em razão de seu artigo 133. O Decreto 21.111,de 1º de março de 1932, vem autorizar a execução dosprojetos de radio-comunicação no território nacional,regulamentando o de 20.047 de 27 de maio de 1932,tratando em seu artigo 35 da proteção aos direitos autoraisnas transmissões radiofônicas. A Constituição de 1934manteve em seu corpo normativo a proteção aos direitosautorais. Por fim, temos a proteção penal concedida aosautores contra os infratores, e assim o Decreto-Lei nº2.848, de 7 de fevereiro de 1940, o Código Penal, no títuloIII, Dos Crimes contra a Propriedade Intelectual, capítulo I,protege os autores contra a contrafação e plágio.

Na ocasião da revisão de Berlim de 1908, Kohler,“que sempre havia considerado os aspectos patrimoniaiscomo a essência dos direitos autorais, reconhece, afinalcomo direito duplo (Doppelrecht), resultante do concurso

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dos direitos material e da personalidade.85 Kohler, tantoquanto Picard, já haviam propostos uma concepçãoinovadora destes direitos, diferenciando pois “Picardacrescenta uma quarta categoria a divisão romanaclássica, ao passo que Kohler apenas substitui os direitosreais pela categoria de direitos sobre os bens.86 A partirdaí, porém, notamos um desenvolvimento do entendimentoda natureza destes direitos resultando na admissão daexistência de dois grupos de direitos: morais e patrimoniais.Restava saber se os dois são equiparados, ou submetidosum ao outro, e neste caso, qual teria primazia sobre ooutro, ou ainda se um era absorvido pelo outro. PhiladelphoAzevedo, descreve a questão da seguinte forma:

Reconhecendo, assim, que tantoKOHLER, admittindo uma parcelaadjecta de direitos pessoaes, quantoos partidarios de GIERKE, tolerando,abaixo da personalidade, um acessoriopatrimonial, podem ser approximados,sustenta posição conciliadora, deequilibrio dos dois elementos, e a quedenomima theoria da personalidadepensante, equivalente relação juridicade natureza pessoal – patrimonial.87

Assim, a par das teorias monistas, sejamproprietárias ou personalísticas, temos também, no iníciodo século XX, dominando o cenário doutrinário, as de direitoduplo, que debatiam as relações destes direitos entre si,sugerindo uma classificação sui generis destes direitos.Neste momento, contudo, afastou-se a perspectiva socialdo debate, centrando-se nos direitos dos indivíduos, dos

85 AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 11-12.86 DUVAL, Hermano. Op. cit., p. 10-11.87 DUVAL, Hermano. Op. cit., p. 14-15.

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criadores, e permitindo a intensificação do individualismoem matéria autoral, e “mostrando a injustiça da proteçãodesigual que a lei outorgava ao sabio e ao artista.”88

Chegou-se a prever a “progressiva socialização dapropriedade literaria.”89 Mas, ao contrário desta previsão:

“(...) os factos, que acabamos deapontar, denunciam opposta orientaçãodo direito moderno, que prefereestendel-as aos scientistas, a restringiras garantias reconhecidas e cada vezmais ampliadas em favor dos artistas.Por todo o exposto se vê que, emmatéria de direito autoral, a concepçãoindividualista longe de se enfraquecer,adquire, cada dia, novas forças,apartando-se, assim, da tendenciacontraria, manifestada, nos demaisinstitutos juridicos.”90

Conclusão inevitável é a de que o sistema de DroitD’Auteur, ao qual nos filiamos, concentrou-se em promovera identificação de prerrogativas individuais dos autores,nos planos pessoais e patrimoniais, e avançou, desta vez,não sobre os intermediários e financistas, nas figuras dolivreiro, editor e produtor, mas sobre os interesses dasociedade civil e os direitos da coletividade.

4. A Segunda Metade do Século XX

O período do pós-guerra foi intenso na afirmaçãodestes direitos. No plano internacional, diversas

88 Ibid., p. 29.89 BAILLY, Gustavo Adolpho. Direitos autoraes. Rio de Janeiro: AcademiaBrasileira de Letras, 1930. p. 7-16. Apud AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 29.90 AZEVEDO, Philadelpho. Op. cit., p. 29

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convenções foram firmadas, outras revistas. Expandiu-se o escopo temático das convenções, incluindo tambémpreocupações sobre os direitos conexos aos do autor.Outros grupamentos internacionais e multilateraisdesenvolveram-se ao largo da Convenção de Berna. Noplano nacional o desenvolvimento resultou em umalegislação específica em 1973, finalmente desvinculandoo tema da estrutura codificante, romana em sua essência.

A primeira das convenções internacionais do períodoa serem firmadas foi a Convenção Interamericana deWashington. Anteriormente à sua versão concluída em 22de junho de 1946, em Washington, outras convençõeshaviam sido realizadas, como, por exemplo, no Méxicoem 27 de janeiro de 1902, no Rio de Janeiro, em 23 deagosto de 1906, em Buenos Aires, em 11 de agosto de1910, e em Havana, para revisão da de Buenos Aires, em18 de fevereiro de 1928.91 Algumas destas convençõesforam incorporadas ao Direito Interno: a do Rio de Janeiroatravés do Decreto nº 9.190 de 6 de dezembro de 1911, ade Buenos Aires, com o Decreto nº 11.588 de 19 de maiode 1915. Em 18 de maio de 1949, através do Decreto nº26.675, promulga-se no Brasil a ConvençãoInteramericana sobre os Direitos de Autor em ObrasLiterárias, Científicas e Artísticas, firmada em Washington,em 22 de junho de 1946. Os objetivos desta Convençãosão elucidados em seu preâmbulo, e buscam oaperfeiçoamento recíproco da proteção e a facilitação efomento do intercâmbio cultural interamericano.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tratado assunto no seu artigo 27, em dois incisos, um que tratados direitos da coletividade, inalienáveis e que a todospertencem dispõe que: “I) Todo o homem tem o direito departicipar livremente da vida cultural da comunidade, defruir as artes e de participar do progresso científico e de

91 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 13.

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fruir de seus benefícios.”, enquanto que segunda parte tratados direitos dos autores em si:“II) Todo o homem temdireito à proteção dos interesses morais e materiaisdecorrentes de qualquer produção científica, literária ouartística da qual seja autor.”

Aprovada em 1952, em Genebra, a ConvençãoUniversal é administrada pela UNESCO, “e ésensivelmente menos exigente que a Convenção deBerna.”92 Segundo Ascensão, quatro foram os fatoresfundamentais que a justificam:

1) a pretensão de representar umaconvenção verdadeiramente universal,por oposição a uma Convenção deBerna ainda então demasiadamenteeuropéia;2) a intenção de superar os obstáculosderivados da existência de sistemastecnicamente diferentes, sobretudo oseuropeus e os americanos, medianteo estabelecimento de uma basemínima de protecção, facilmenteaceitável por todos;3) a consagração de uma fórmula paraos Estados Unidos se colocarem nocentro do movimento proteccionista dodireito de autor sem aceitarem asexigências da Convenção de Berna;4) o aprovitamento da UNESCO comoentidade administradora, dada aoposição existente entre a UNESCOe a actual Organização Mundial dePropriedade Intelectual, que ao temponão era ainda agência especializadadas Nações Unidas.93

92 ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 38-39.93 Ibid.

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Esta convenção foi revista em 1971, junto com aConvenção de Berna de forma a integrarem-se. Nasdisposições, especificamente em seu artigo 17, e naDeclaração Anexa, a Convenção Universal estabelece asformas de como se dará este relacionamento entre osdois diplomas internacionais principais. A DeclaraçãoAnexa, de que trata o inciso 2 do artigo XVII da ConvençãoUniversal, contém normas suplementares sobre asconcessões feitas aos países em desenvolvimento. Nestamesma Declaração Anexa, em sua alínea “c”, estabelecea prevalência da Convenção de Berna sobre a ConvençãoUniversal, como pode-se observar a partir da leitura deseu texto.

O advento da Convenção Universal trouxe aduplicidade de sistemas protetivos no plano internacional.Buscava-se assim contrabalançar a geopolíticainternacional sobre os bens imateriais de cunho estético,estruturada a partir da Europa com a União de Berna, coma participação dos Estados Unidos e países socialistascomo atores fundamentais, o que ocorreu em razão daConvenção Universal. Uma vez alcançado o resultadopretendido, tornou-se prioridade a integração entre ossistemas construídos, o que foi feito com a revisão conjuntados dois instrumentos, em 1971. Neste processo deintegração, a União de Berna passa assim a contar com apresença e vozes de potências econômicas que não ospaíses da Europa Ocidental, e ao final assume o papel deprincipal documento internacional de proteção autoral,tornando-se neste processo efetivamente universal.

A Convenção de Berna foi revista novamente em 26de junho de 1948. Esta revisão registrou progressos maissubstanciais que as demais, em termos de garantiasjurídicas de proteção às obras e aos autores.94 Entre estasgarantias encontram-se o prazo mínimo obrigatório e a

94 STOYANOVITCH, K. Op. cit., p. 59.

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proteção necessária das obras listadas. Outra revisão foiefetivada em Estocolmo, em 1967. A principal novidadefoi a inclusão de provisão especial para os países emdesenvolvimento, efetivada em seu artigo 21, ondebuscava-se permitir a estes reservas com relação a algunsdireitos patrimoniais, de forma a compensar sua posiçãode desigualdade com relação aos países desenvolvidos epermitir o desenvolvimento cultural, em conformidade coma aplicação da Convenção sobre os Sociais, Culturais eEconômicos. O Protocolo determinava em seu artigo 1º

que os países em desenvolvimento poderiam se abster,através de reservas, de implementar alguns dos direitospor um período de 10 anos, posteriormente renováveis.Entre as reservas que poderiam ser feitas, estipulada noProtocolo, encontra-se a que permite a exclusão do direitode utilização para fins de ensino, aprendizagem e pesquisa,desde que haja uma compensação para o autor. Em 24de julho de 1971 a convenção de Berna foi novamenterevista, e, posteriormente, em 2 de outubro de 1979,emendada. Esta nova conferência teve por objetivo alteraros incentivos concedidos aos países em desenvolvimento,decididos em Estocolmo, que não fora ratificado pelospaíses desenvolvidos. A Convenção ratificou todos osartigos com exceção do 21 e do Protocolo sobre os Paísesem Desenvolvimento. O novo artigo 21 prevê provisõesespeciais com respeito aos países em desenvolvimento,que passam a ser incluídas em um Anexo, e não mais noProtocolo, que foi retirado e substituído por aquele. O Anexopermitiria a reserva pelos países em desenvolvimento,autorizando a substituição, no que se refere à tradução ereprodução, substituindo o direito exclusivo dos autorespor licenças não exclusivas e não transferíveis.

A Convenção de Roma, que tratou dos direitosconexos, estabeleceu três preceitos fundamentais paraefetivação da proteção a estes direitos. O primeiro serefere à posição complementar e harmônica entre estesdireitos e os direitos autorais propriamente ditos, disposto

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em seu artigo 1º. Logo a seguir, em seu art. 2º, estabeleceos grupos merecedores de proteção. Enfim, a mesmaConvenção prefere não deixar a cargo dos paísessignatários o estabelecimento de um padrão mínimo, semo qual poder-se-ia esvaziar o seu conteúdo, assim,estipula o mínimo de proteção a ser concedido aostitulares dos direitos conexos, que devem ser respeitadospelos signatários, em seu artigo 7 º. Foi realizada tambéma Convenção de Genebra, cujo objetivo principal foiproteger os titulares contra a reprodução não autorizadadas obras, tão preocupados estavam os Estados comrelação à pirataria.

O papel destas convenções é o de promoveremtanto a universalização como a uniformização, ainda queaproximada, dos estatutos autorais locais, e assim,“nesses conclaves, têm sido firmados princípios eorientações que imprimem certa uniformização àlegislação interna dos países participantes.”95 O outroobjetivo dos tratados internacionais é o de estabelecercondições supranacionais de interlocução entre ossistemas existentes.96 Instituídos obedecendopressupostos históricos e culturais diversos, estessistemas, embora distintos, “têm sempre em conta anecessidade de proteção aos titulares de direito comoestímulo à produção intelectual, que funciona comoalavanca na afirmação e no desenvolvimento geral dequalquer país.”97 Assim, os países desenvolvidos investemconsideravelmente em produção cultural, cujas obrasprotegidas pelos direitos autorais, através da exploraçãoeconômica em outros Estados, tornam-se fonte respeitávelde receita, através do pagamento de royalties pela suautilização, e de afirmação e promoção cultural.98

95 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 13.96 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 107.97 Ibid., p. 107.98 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 108.

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No Brasil, a Constituição Federal de 1946, no seucapítulo II, Dos Direitos e Garantias Individuais, artigo 141,que estabelece que “A Constituição assegura aosbrasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade,a segurança individual e à propriedade, nos termosseguintes:” em seu parágrafo 19, determina que “Aosautores de obras literárias artísticas ou científicas pertenceo direito exclusivo de reproduzi-las. Os herdeiros dosautores gozarão desse direito pelo tempo que a lei fixar.”Em 1967, a nova Constituição Federal, também incluíaentre os seus preceitos a proteção aos direitos autorais,também sob os Direitos e Garantias Individuais, como seobserva da análise do seu artigo 150: “A Constituiçãoassegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida,à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termosseguintes:” especificamente em seu inciso 25: “Aosautores de obras literárias, artísticas e científicas pertenceo direito exclusivo de utilizá-las. Esse direito é transmissívelpor herança, pelo tempo que a lei fixar.” Situação mantidapela emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969,em seu artigo 153.

Antes do advento da lei específica sobre o assunto,diversas regras continuaram a ser promulgadas, sobretemas variados e relacionados, ainda que indiretamente,aos direitos autorais. Como por exemplo, a Lei 986, de 20de dezembro de 1949, veio, por exemplo, isentar osdireitos autorais de tributação com o disposto no seu artigo1º. Outra Lei, a 2.415 de 9 de fevereiro de 1955, veioestabelecer a necessidade de autorização do autor pararepresentação e execução pública de sua obra. Em 23 deoutubro de 1958, é promulgada a Lei 3.447, que altera odispositivo 649 do Código Civil então em vigor, extendendoo prazo de proteção destes direitos. O Decreto-lei 980 de20 de outubro de 1969 dispôs sobre a cobrança de direitos

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autorais musicais nas exibições cinematográficas,resolvendo o problema imediato que surgia.

A Lei 4.944, de 6 de abril de 1966, posteriormenteregulamentada pelo Decreto nº 61.123 de 1º de agosto de1967, vem disciplinar especificamente os direitos conexosna arena nacional. A Convenção de Roma já haviareconhecido a existência e atribuído proteção a essesdireitos ditos afins ou vizinhos. Seu reconhecimento sedá a determinadas categorias que auxiliam na criação,produção ou difusão da obra intelectual. Protegem-se osartistas intérpretes e executantes, os produtores musicaise os organismos de radiodifusão. Estas categorias,contudo não parecem ser exaustivas, e neste sentidoChaves aponta ainda o direito de arena, os relativos àcomputação de dados, videojogos, embalagens criativas,e outras mais.99 Cada uma dessas categorias demandaestruturação legal própria. Estes profissionais “criam apartir daquelas preexistentes, adquirindo, quandomeritoriamente desempenhadas, sua própriaindividualidade, como obras interpretadas.”100 No exercíciode sua arte “dão, assim, vida e cor a elaborações que deoutra forma não sairiam do papel, inacessíveis ao grandepúblico, exercendo função decisiva para que o compositorseja compreendido e divulgado.”101 O principal efeito paraos artistas afins foram pecuniários, em razão de seu artigo6º. Os poderes dos titulares dos direitos conexos sãoexpressos de forma inequívoca nos artigos 2º, 3º e 4º dodecreto que a regulamentou. Estes direitos ficam assimestabelecidos de forma inquestionável no ordenamentojurídico nacional, sendo posteriormente complementadospela regulamentação dada pela Lei autoral de 1973, e pelalegislação sobre a profissão dos artistas e radialistas, dofinal dos anos 70.

99 CHAVES, Antônio. Direitos conexos. São Paulo: Ltr, 1999. p. 30.100 Ibid., p. 22.101 Ibid., p. 22.

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Os anos 60 foram profícuos em projetos deformulação de uma lei especial sobre os direitos autorais.Segundo Henry Jessen, este processo teve início:

“como resultante de dois fatoresfundamentais: a necessidade deconsolidar as disposições esparsassobre a matéria de um lado, e de outroas campanhas de descrédito movidasou fomentadas por determinadosusuários da obra musical contra associedades arrecadadoras e que nãofaltavam, comumente, os protestos decertos compositores insatisfeitos,enredados – quantas vezes porignorância ou ingenuidade – nas acerbascríticas às suas entidades autorais.”102

Após alguns projetos no Congresso Nacional, que,contudo, não lograram êxito, por iniciativa do Ministro daJustiça, Mem de Sá, foi designado o Desembargador MiltonSebastião Barbosa, “com o objetivo de refundir e atualizara legislação brasileira relativa aos direitos autorais econexos.”103 Daí resultou o Anteprojeto do Código do Direitodo Autor e Direitos Conexos, constituído de 351 artigos,publicado no D.O.U., em separata, em 16 de junho de 1967.Foi posteriormente nomeada, pelo então Ministro da JustiçaLuiz Antônio da Gama e Silva, uma comissão revisora doprojeto, composta pelos Srs. Ministro do STF Cândido daMota Filho, Desembargador Milton Sebastião Barbosa e oDr. Antônio Chaves. Desacordos entre os membrosresultaram na apresentação de dois projetos: um, maisconservador, do ministro do STF, de 98 artigos, mantendoos critérios tradicionais, e outro, mais inovador, dos demais

102 JESSEN, Henry Francis. Direitos intelectuais. Rio de Janeiro: Itaipu, 1967.Apud CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 33.103 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 41.

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membros, de 198 artigos.104 Sobre o projeto de sua co-autoria, discorre Chaves:

O Projeto, como se vê, enfrentavaproblemas relativos à determinação deautoria, dos atributos do direito deautor, do direito moral, da utilização daobra seja sob forma corpórea como soba incorpórea. Dedicava especialatenção à cessão de direitos,consignados os requisitos que deveconter o respectivo instrumento,esmiuçando os direitos e deveres quecompetem aos autores e aosempresários em geral, para, depois,distinguir as diversas modalidades dasobras, a cada uma consagrartratamento orgânico.105

Diante do impasse, foi encarregado de elaborar umnovo projeto o Dr. José Carlos Moreira Alves, que reduziu oprojeto de código a um projeto de lei, publicado em 28 denovembro de 1973 no Diário do Congresso Nacional, que,ao final, incorporadas as modificações, transformou-se naLei 5.988 de 14 de dezembro de 1973. A motivação para aregulamentação especial da matéria era o de “regular osdireitos autorais e conexos, conferindo-lhes tratamentosistemático e em função da evolução alcançada em matériauniversalmente.”106 Indubitavelmente influenciado pelotratamento estrangeiro dado à matéria pelos paíseseuropeus, que “já haviam disciplinado, em leis apartadas,os direitos em questão, libertando-os do esquemahermético dos códigos, em face de sua natureza especialde direitos de cunho intelectual.”107

104 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 41.105 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 34.106 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 96.107 Ibid., p. 96.

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A legislação, fortemente influenciada pela leifrancesa de 1957, considerada universalmente como ade mais alto grau de proteção conferida aos titulares,108

promoveu diversos avanços, superando os obstáculosjurídicos e preenchendo as lacunas de nossoordenamento, no que se refere à matéria. A versãopromulgada constitui-se de 134 artigos, divididos em 9títulos, e entre os aspectos positivos, com observânciados apontamentos feitos por Chaves109 e Bittar,110 pode-se destacar: (a) a sistematização, concentração eatualização da matéria, inclusive os direitos conexos; (b)o estabelecimento, reconhecimento e diferenciação dosdois planos de direitos, o moral e o patrimonial, conferindo-lhes regulamentação própria; (c) a exigência que ascessões de direitos autorais seja feita por escrito, e que ainterpretação seja restritiva em favor do autor; (d)disciplinou, em separado, os contratos de direitos autorais,tais como edição, encomenda, representação dramáticae produção; (e) criou um órgão de fiscalização, consultae assistência, com relação aos direitos autorais, que foi oConselho Nacional de Direito Autoral; (f) estabeleceu umsistema de percepção de direitos autorais - emboraapenas musicais - concentrado em um Escritório Centralde Arrecadação e Distribuição, o ECAD; (g) a previsão desanções de ordem administrativa e civil para a violaçãodos direitos autorais. Como aspectos negativos podemosapontar a inclusão do Direito de Arena concedido à entidadevinculadora e não ao atleta, mesmo estabelecendo emfavor deste uma remuneração percentual mínima, e a nãoconsolidação total de textos legais anteriores, impedindoa sua revogação e simplificação do sistema.

O artigo 116 da Lei 5.988 criou o Conselho Nacionalde Direito Autoral, definindo-o como sendo “o órgão de

108 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 70.109 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 37-38.110 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 97.

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fiscalização, consulta e assistência, no que diz respeito adireitos do autor e direitos que lhes são conexos.” Suasatribuições, no plano interno, estabelecidas no artigo 117,incluem a fiscalização das associações arrecadadoras edo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, oECAD, a arbitragem nos conflitos, a gerência do Fundode Direito Autoral e a criação de um Centro de Informaçõessobre os Direitos Autorais, e opinar e manifestar-se sobreas questões pertinentes à matéria. No plano internacional,cumpre-lhe zelar pela aplicação dos tratados econvenções no Brasil, autorizar o trabalho dos escritóriosde arrecadação internacionais, opinar sobre as alteraçõespropostas aos instrumentos internacionais e sobre ospedidos de licença compulsória. Sobre as funções doCNDA, Chaves conclui que:

Não podiam ser mais amplas, nemmais importantes, como se vê, paraum país, cioso do desenvolvimento emque se lançou de corpo e alma, asatribuições de um órgão destinado ainfluir decididamente na política dodireito autoral, isto é, naquilo que seespera seja, finalmente, um verdadeiroestímulo às forças vivas da próprianacionalidade, no que têm de maisexpressivo, mais criativo e maisrepresentativo.111

A sua organização, entretanto, só se realizou com oDecreto n º 76.275, de 15 de setembro de 1975. A suasede foi fixada em Brasília e sua composição definida. Seus

111 CHAVES, Antônio. Desenvolvimento do direito de autor no Brasil após a Lein. 5.988/73. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 16, n. 61, p.230, jan.-mar. 1979.

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membros foram indicados posteriormente. Ao analisar asituação do período da implementação do CNDA, Chavesaponta que “a situação em que se encontrava o direito deautor no país era decorrente exatamente da ausência deum órgão superior, seja por parte dos usuários, como dospróprios titulares dos direitos de autor e conexos.”112 Assim,em sua atuação consultiva o CNDA editou e publicou suasdeliberações entre os anos de 1980 e 1988, e seuspareceres entre os anos de 1984 e 1988, através doMinistério da Cultura. O CNDA veio a ser extinto com a Lei8.028, de 12 de abril de 1990, assinada por FernandoCollor, que reestruturou a organização da União com seusministérios e secretarias. Estando submetido ao Ministérioda Cultura, e tendo este sido transformado em umaSecretaria de Cultura, consultiva da Presidência, compostade uma estrutura básica que não incluiu o CNDA, e nemfoi o mesmo transferido para quaisquer outros órgãos, tem-se as suas atividades por encerradas.

Uma das funções mais importantes do CNDA foi aimplantação de um Escritório Central de Arrecadação eDistribuição, o ECAD, previsto no artigo 115 da lei vigente.Mesmo extrapolando os seus atributos legais,113 o CNDAem 1976 instituiu normas determinando a extinção dassociedades arrecadadoras e a concentração da cobrançae distribuição dos direitos em um escritório central para oano de 1977. Após questionamentos jurídicos,114

determinou-se o prazo para submissão dos estatutoselaborados pelas associações arrecadadoras (SICAM,SOCIMPRO, SBACEM e SBAT) para conformação doECAD. Este estatuto foi aprovado pelo CNDA em 22 dedezembro de 1976, com início das atividades para 1º dejaneiro de 1977. A seguir baixaram-se normas paradefinição de percentuais de dedução por parte das

112 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 231113 Ibid., p. 233.114 Ibid., p. 235.

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associações e o ECAD, limitando-os. Seguiu-se com auniformização das tarifas e do sistema de cobrança edistribuição. A constituição do ECAD foi “matéria da maiorimportância e gravidade, ponto de partida para todo odesenvolvimento do direito de autor no Brasil.”115 Deve serressaltado contudo que o ECAD atua especificamente naárea musical, sendo as outras atividades criativas aindadependentes da cobrança e fiscalização direita por partede seus autores.

O artigo 93 da Lei 5.988 institui o pagamento dedireitos autorais sobre obra caída em domínio público. Comisso, ao fazer com que seja necessária a autorizaçãoprévia pela utilização e a cobrança por esta mesmautilização todas as obras não mais pertencentes ao autorpassam a ser patrimônio estatal, e não público e livre comoera de se esperar. A instituição deste sistema significa aapropriação estatal dos bens público, de titularidade dasociedade civil. Em defesa deste instituto, Chavesargumenta que:

Ora, se cabe ao Poder Público defendero direito do autor e a autenticidade dotexto da obra ainda sob domínioparticular, terá forçosamente, e commuita razão, de resguardar aquelas quevencendo o tempo se consagram pelapermanência do interesse de umageração após outra.116

Defende-se aqui que a proteção da autenticidade daobra em domínio público é dever do Estado, através dosórgãos competentes, porém isto não implica o controledo seu uso e nem cobrança pelo mesmo. A sua instituição

115 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 234.116 CHAVES, Antônio. Domínio público em matéria de direito de autor. RevistaForense, v. 273, p. 80.

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no Brasil, através de resolução do CNDA, em 19 de agostode 1976, causou furor. Apoiado por Guilherme Figueiredo,foi combatido veementemente por Carlos Lacerda, amboscom fortes argumentos, sendo o principal a de que asobras caídas em domínio público não favorecem osindivíduos, mas as empresas editoras, ou o seucontrário.117 Uma das motivações para a existência dodomínio público remunerado é a possibilidade dedisponibilizar recursos a organismos responsáveis pelapromoção da cultura e auxiliar os autores,118 e,nacionalmente, encontrava previsão legal nos artigos 119e 120 da Lei de direitos autorais. Em meio aos debatesincessantes e às críticas sobre a sua validade, legalidadee operacionalidade, em 12 de setembro de 1983, a Lei7.123 extingue o domínio público remunerado, revogandoos artigos 93 e 120, I, da Lei 5.988.

Em 24 de maio de 1978 foi promulgada a legislaçãoque complementa a regulamentação da profissão deartista, complementando a proteção artística concedidaem razão da Lei 4.944. A sua interpretação deve serintegrada também com a legislação trabalhista em vigor.Além de regulamentar as relações profissionais com asempresas contratantes, a Lei 6.533 estabelece a definiçãode artista e técnico em espetáculos. Seguiu-se a esta aLei 6.615, de 16 de dezembro de 1978, que estabelece asregras da profissão de radialista definindo-a e apontandoas suas diversas atividades, inclusive as de produção, queenvolvem atuação criativa, em seus artigos 2º e 4º.

A Lei 6.800, de 25 de junho de 1980 dispõe sobrenumeração e fiscalização dos direitos autorais,substituindo o artigo 83 da Lei 5.988, que havia sido vetadona sua promulgação, e determina que:

117 Ibid., p. 83-86.118 Ibid., p. 82.

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Art 1º A Lei nº 5.988, de 14 de dezembrode 1973, passa a vigorar com asseguintes alterações:Art. 83. Os cassetes, cartuchos,discos, videofonograma e aparelhossemelhantes, contendo fitas de registrode som gravadas, não poderão servendidos, expostos à venda, adquiridosou mantidos em depósitos para fins devenda, sem que seu corpo conste, emdestaque e integrando-o de formaindissociável, o número de inscrição noCadastro Geral de Contribuinte - CGC,do Ministério da Fazenda, da empresaresponsável pelo processo industrial dereprodução da gravação.

Que balanço pode ser então feito sobre o adventoda Lei 5.988 de 1973? Antônio Chaves, participante ativode sua elaboração e efetivação, questiona: “Representa,com as inovações que traz no seu bojo, progresso real?Ou, ao contrário, autorizam seus inconvenientes dizer queteria sido melhor deixar tudo como antes?”119

O primeiro problema apontado pelo autor é a nãodivulgação dos projetos de lei, se esta houvesse ocorrido“o projeto Barbosa-Chaves não teria sido tão combatidosem ter sido lido e sem ter sido compreendido, apenaspor ouvir dizer!”120 Segue a este que:

outro grande incoveniente decorre dainsegurança de grande parte dosdispositivos, seja por não ter-secolocado sempre em harmonia com asconvenções de que o Brasil ésignatário, seja do ponto de vista

119 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 93.120 Ibid., p. 94.

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interno, por não ter revogadoexpressamente a legislação anterior,mantendo uma ambiguidade, que muitohá de dificultar o trabalho dos tribunaise dos intérpretes.121

Além dos três problemas apontados, sendo eles faltade divulgação, falta de harmonia internacional eambiguidade legislativa interna, o autor concluideterminando que: “Mas o mais grave pecado da leiconsiste em não definir um critério para a distribuição dosdireitos patrimoniais, ponto básico, nuclear, fundamental,a bem dizer, a razão de ser da própria lei.”122

5. Conclusões

Identifica-se em algumas sociedades da épocaantiga, principalmente com relação aos Gregos eRomanos, o reconhecimento da autoria e um retornoeconômico pela criação, intermediado e resultante davalorização social do autor e do escrito. Porém, a amplitudedo retorno material é sempre condicionada à possibilidadede reprodução economicamente viável, ocorrendo, então,apenas nos espaços que permitiam a economicidade,onde conseqüentemente gerava-se uma demanda porproteção. Com isso, parece equivocado falar deinexistência de proteção aos bens imateriais naAntigüidade, sendo mais acertado apontar a ocorrênciadas estruturas sociais e econômicas para o seusurgimento, que já se apresentava efetivamente, ainda quelocalizadamente ou mesmo indiretamente.

Já na Idade Média, as obras eram primordialmentede caráter religioso, elaboradas nos monastérios

121 Ibid., p. 94.122 CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 94.

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provavelmente com estrutura organizacional primáriaremetendo-nos ao que futuramente viriam a ser as obrascoletivas. Co-existiam principalmente com os escritospolíticos e com as apresentações públicas de caráterliterário e representativo. Identifica-se neste período umaproteção concentrada nos direitos sobre os originais.

O início da Era Moderna trouxe a invenção utilitáriatanto da prensa quanto do papel, possibilitando areprodução de escritos em escala infinitamente superiorao conhecido até então. Ocorre paralelamente, nesteperíodo, a alfabetização de um maior número de pessoase a intensificação da produção literária. A conjunção destesfatores gera a eclosão de uma indústria cultural formadapor impressores e vendedores de livros, incipiente paraos padrões contemporâneos. Surge então, nesta época,a primeira configuração jurídica específica para a proteçãodos direitos de criação, que são os privilégios concedidosem favor de livreiros, com a função de divulgação das obrasclássicas e disseminação da erudição, protegendo-os daconcorrência alheia, e justificados em razão do risco doinvestimento que faziam na formação da gráfica,divulgação e difusão do material. Estes porém não podeser confundidos com direitos autorais, por diferirem emfunção, justificativa e titularidade.

Durante os séculos XVII e XVIII emergiram novosembates em torno das criações artísticas, principalmentena França e Inglaterrra. Inicialmente debatia-se a quemcaberia a titularidade original dos direitos de reproduçãoda obra, que até então focalizava essencialmente na obraliterária, questionando-se se bastaria a aquisição do originalpara obter-se o direito de copiá-lo. Este primeiro embatefoi resolvido em favor dos autores, fazendo emergirjuridicamente a categoria dos direitos autorais. Resolvidasas primeiras questões, passa-se então a debater sobre aextensão destes direitos, se configuram-se perpétuos oudevem ser limitados. As justificativas destas limitaçõesadvém da emergência e posterior fortalecimento da

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sociedade civil, o crescimento do sentimento anti-monopolista, e a construção dos direitos da coletividadesobre os escritos literários.

No Brasil, durante o Império, os direitos autorais nãorecebiam proteção específica na legislação cível – emboraa lei que institui os cursos de direito fazia-lhes referência -, encontrando contudo amparo na área criminal, que proibiaa contrafação, penalizando-a com perda dos exemplarese multa. Mesmo sem proteção específica, pode-se afirmar,junto com Teixeira de Freitas e Tobias Barreto, que osdireitos autorais encontravam sim proteção jurídica noBrasil neste período. Discordam estes autores apenasquanto a sua classificação, se propriedade ou direitos dapersonalidade.

Esta discussão doutrinária sobre a classificaçãodestes direitos refletia o debate na Europa durante o séculoXIX, onde disputavam a categorização destes direitos,questionando se eram direitos de propriedade, ainda queespecial, direitos pessoais, ou direitos de exclusivocomercial, tendendo, neste período, o sistema de Copyrightpara a sua classificação como exclusivo comercial e o deDroit d’Auteur para o seu enquadramento comopropriedade. Influenciados pelas doutrinas socializantes,ataques a quaisquer destas categorizações partiam dosdefensores das criações artisticas como sendointeiramente de domínio público, que alcançaram sucessoparcial na obtenção da delimitação temporal destesdireitos. Ao final do século XIX, neste contexto de intensodebate, sob o auspício da Associação Literária e ArtísticaInternacional, por iniciativa dos próprios artistas, sobre forteinfluência francesa, que era o grupo político dominantenestas questões, elabora-se e constitui-se o primeiroinstrumento jurídico internacional e multilateral de proteçãoaos direitos autorais, a Convenção de Berna, que inauguraa fase de internacionalização destes direitos,estabelecendo também os princípios do tratamentonacional e igualitário a estrangeiros nacionais dos países

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membros da União de Berna, proteção automática eproteção mínima, até hoje vigentes

O advento da República no Brasil constitucionalizouassim como especializou a proteção, que foi inserida naprimeira Consttuição da República bem como organizadaem lei ordinária especializada, a Lei 496 de 1898, além daassinatura de alguns tratados internacionais, bilaterais emultilaterais, sobre o assunto. O próximo momento ocorrea partir da entrada em vigor do Código Civil pátrio, em 1917.Durante a discussão do projeto, ocorreram debates sobresua inclusão em categoria especial, enquanto monopólioou como propriedade, perpétua ou não, sendo aprovadaesta última. Neste documento optou-se assim peloenquadramento destes direitos como propriedade,nomeando-os de propriedade literária, científica e artística,e ateve-se a estruturação da codificação francesa,voltando sua regulamentação unicamente para a facetapatrimonial, o que pode ser visto como um retrocessodoutrinário. Ao código seguiu-se uma grande quantidadede leis extravagantes regulamentando aspectos ignoradospelo código mas que faziam-se necessários para aalmejada efetivação plena destes direitos e adequação aodesenvolvimento tecnológico do período;

Após um período prolífero em Acordos Internacionaismultilaterais, cujos objetivos principais são auniversalização e uniformização dos estatutos autoraislocais, e que foram promovidos intensamente pelos paísesde grande produção cultural e retorno econômico com asreceitas dos bens intelectuais, o ano de 1973 trouxe apromulgação da Lei 5.988, que regulamentou em leiespecial os direitos autorais no Brasil e entre os seusaspectos positivos pode-se destacar a sistematização,consolidação e atualização da matéria em um sóinstrumento legislativo, o estabelecimento ereconhecimento os dois aspectos dos direitos autorais, opessoal e o patrimonial, a criação de um órgão defiscalização, consulta e assistência, que era o CNDA, e

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de um sistema de percepção concentrado de direitos, oECAD, o estabelecimento da forma escrita para ascessões de direitos autorais, a imposição da interpretaçãorestritiva em favor do autor e a previsão de sanções deordem administrativa e civil à sua violação. Falhou contudoao não promover a consolidação total dos textos legaisanteriores, impedindo com isso a revogação destes textose consequente simplificação do sistema.

Os aspectos essenciais observados neste trabalhosão progressiva a ampliação dos tipos de obra protegidose do prazo de proteção concedido, a inclusão dos direitosda personalidade entre os atributos protegidos, aminimização dos direitos da coletividade sobre a obra eseu afastamento do discurso legitimador da proteção, e aefetiva internacionalização destes direitos.

A partir da década de 1970, a proteção dos direitosautorais passa a sofrer um forte influxo de tendênciamonopolizante e economicista, passando a serregulamentada primordialmente pelo seu aspectocomercial, especialmente a partir do advento daOrganização Mundial do Comércio (OMC) e pelo TRIPs,a concentração da titularidade nas corporaçõestransnacionais dos países desenvolvidos, intensificandopor sua vez as tendências do século XX, e alterando asua essência histórica de composição entre direitos dacoletividade e privados do autor.

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