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CADERNOS DA FUNDAO LUS EDUARDO MAGALHES

ENERGIA NOVOS CENRIOSUniversalizao do acesso, uso racional e fontes alternativas para o futuro

Salvador 2002

Governo da Bahia Governador Otto Alencar Secretaria da Infra-Estrutura do Estado da Bahia Secretrio Roberto Mousssallem de Andrade Superintendncia de Energia e Comunicaes Luiz Antnio de Azevedo Santos Diretor de Energia Silvano Ragno Coordenador de Desenvolvimento Energtico Srgio Manzione Coordenador de Energias Renovveis Eduardo Luiz Vianna Doria Fundao Lus Eduardo Magalhes Diretor Geral Geraldo Machado Chefe de Gabinete Ana Librio Diretor de Desenvolvimento e Intercmbio Mrio Jorge Gordilho Diretora de Formao e Aperfeioamento Rosa Hashimoto Diretor Administrativo-Financeiro Ricardo Cerqueira Assessora de Qualidade e Gesto Vera Queiroz Assessora de Comunicao e Marketing Shirley Pinheiro Assessora Jurdica Tnia Simes Assessor Digenes RebouasF977e

Cadernos da Fundao Lus Eduardo Magalhes n 3 2002 by Fundao Lus Eduardo Magalhes 1 edio, outubro de 2002 ISBN 85-88322-03-X Ficha Tcnica Edio e Produo Executiva Assessoria de Comunicao e Marketing Editores Mrio Jorge Gordilho Shirley Pinheiro Sander Scofield Edio das Palestras Osvaldo Soliano Reviso Regina Martins da Matta Projeto Grfico e Editorao Solisluna Design e Editora Impresso Artes GrficasTodos os direitos desta edio esto reservados Fundao Lus Eduardo Magalhes, Terceira Avenida, CentroAdministrativo, Salvador-Bahia-Brasil

Tel **71 370 3044 Fax **71 370 3035 [email protected] www.flem.org.brImpresso no Brasil

Fundao Lus Eduardo Magalhes Energia: novos cenrios / Fundao Lus Eduardo Magalhes Salvador : FLEM, 2002. 208p. (Cadernos FLEM, 3) ISBN 85-88322-03-X 1. Energia. 2. Energia Eltrica. 5. Recursos Energticos. I. Ttulo. II.Srie. CDD 333.79 20 ed.Ficha Catalogrfica: Josenice Bispo de Castro CRB5/581

Sumrio

IntroduoRoberto Moussallem de Andrade Geraldo Machado

06 08 10 13

Os autores ApresentaoEnergia na Bahia: Novos cenrios

Osvaldo Soliano

Universalizao do acesso energia no Estado da BahiaMoiss Sales

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Projeto uso racional de energia na agriculturaRonaldo Flora Coelho

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Energia solar em comunidades do Cear e da BahiaEnergia solar em comunidades no Cear

50 58 65

Jorgdieter AnhaltEnergia solar em comunidades na Bahia

Alfredo da Silva PintoEnergia solar em comunidades rurais na Bahia: O Programa da CAR

Helbeth Lisboa de Oliva

Micro centrais hidreltricas e de biomassa: proposiesCludio Moiss Ribeiro

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Painel de DebatesDesafio de integrar programas e diversificar tecnologias

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Eduardo Doria / Osvaldo Soliano

Aquecimento solar no contexto da crise energticaJos Raphael Bicas Franco

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Conservao de energia eltrica: aprendendo com a crisePaulo Figueiredo de Lima

95

Programa de combate ao desperdcio de energia eltrica no Estado da Bahia Bahia EnergiaSrgio Manzione

106

Co-gerao de energia com gs naturalYonne da Silva Lopes

117

O uso de resduos slidos municipais para produzir energiaMrio Borba

126

Perspectivas, no campo da energia, de mdio e longo prazo para o BrasilJos Goldemberg

135

Biomassa como fonte de energiaCarlos Eduardo Machado Paletta

142

Energia elica e seu futuroCiro Ruiz Filho

152

Aproveitamento de pequenas centrais hidreltricasBento Oliveira Silva

157

Parceria de resultados com os financiadoresWalsey de Assis Magalhes

163

Painel de debatesEnergia renovvel, o grande desafio

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Laura Porto / James Correia

IntroduoO conceito da Universalizao do Atendimento ao usurio de energia eltrica tem sido o marco que norteia o processo de eletrificao rural no estado da Bahia. Com o programa "Luz no Campo", o Governo do Estado, atravs da Secretaria de Infra-Estrutura (SEINFRA), est levando os benefcios da energia eltrica a mais de 150.000 residncias e propriedades rurais no-conectadas rede convencional. O programa, orado em cerca de R$ 350 milhes, tornou-se uma referncia para todo o pas, tendo sido a Companhia de Engenharia Rural da Bahia (CERB) e a COELBA, concessionria executora dos servios, premiadas pelo seus desempenhos. Para aumentar a abrangncia do programa, pleiteamos - e obtivemos - a introduo do uso de sistemas fotovoltaicos dentro do escopo do "Luz no Campo", pois entendemos que o uso de novas tecnologias o grande diferencial que nos permitir vencer os desafios impostos pela Universalizao. Assim, 9.000 sistemas fotovoltaicos residenciais sero instalados em comunidades nas quais a baixa demanda de carga e a grande distncia da rede tornam invivel, atualmente, a sua ligao na rede convencional. Outros programas, como o "Produzir", desenvolvido pela CAR, que instalou mais de 10.000 sistemas fotovoltaicos mediante concesso de financiamento a associaes comunitrias, e o PRODEEM, que usando sistemas fotovoltaicos de bombeamento e energia levou gua e energia para comunidades e escolas distribudas em mais de 70 municpios baianos, exemplificam o compromisso com o desenvolvimento tecnolgico levado a cabo pelo Governo do Estado no af de permitir a essa populao o efetivo ingresso no Sculo XXI e o resgate de sua cidadania pelo acesso energia eltrica e aos benefcios socioeconmicos dela advindos. No cenrio urbano, os resultados mais marcantes so aqueles obtidos com a racionalizao do uso da energia. Em parceria com o Procel, o programa Energizando Bahia alcanar, at o final deste ano, a impressionante cifra de 1,5 milho de estudantes treinados para o uso eficiente da energia eltrica. Cerca de 2.000 professores oriundos de 1.500 escolas esto sendo capacitados nesse processo. Tambm apresenta resultados expressivos o Plano de Combate ao Desperdcio de Energia Eltrica, com uma reduo de 63 MW da demanda na ponta, medida entre 1998 e 2000. O futuro acena com um significativo aumento da oferta de energia no estado, advindo de novos empreendimentos, tanto do setor hidroeltrico - como a Usina de Pedra do Cavalo, recentemente leiloada

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Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

Roberto Moussallem de AndradeSecretrio de Infra-Estrutura do Estado da Bahia

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pela ANEEL, que ofertar 87 MW de energia firme - como daqueles resultantes do aumento do uso do gs natural, que apresenta reduzido impacto ambiental e ter papel relevante na futura matriz energtica do estado. Esta matriz ver tambm, no futuro prximo, o aproveitamento da grande potencialidade dos recursos energticos oriundos de fontes renovveis disponveis no estado. Contamos hoje com o maior parque de sistemas fotovoltaicos instalado na Amrica Latina, totalizando mais de 1,2 MWp instalados entre os diversos programas do estado. Pesquisas realizadas pela Coelba, com recursos da ANEEL, indicam que 10% do potencial elico do pas se localiza na zona oeste do estado. Assim, no foi surpresa o recente anncio da Iberdrola, que marcou o incio dos estudos ambientais visando - com investimento na ordem de US$ 175 milhes - a instalao de um parque de 130 geradores elicos. Esses geradores produziro uma oferta de 200 MW, dez vezes a gerao atual de energia elica no pas. Para vencer os desafios impostos pela questo energtica, o estado precisa integrar seus diferentes programas de energia, de forma a tornlos coesos e sinrgicos, maximizando seu alcance e os seus benefcios. Necessita tambm estar permanentemente conectado s entidades que promovem e fomentam o desenvolvimento tecnolgico, de modo que em seus programas e aes seja adotado o uso da tecnologia mais adequada s suas necessidades e recursos. Finalmente, tambm necessrio criar oportunidades para que diferentes setores da sociedade exponham e debatam suas contribuies e anseios. Dessa forma, ao planejar seus programas de desenvolvimento, o Poder Pblico poder dispor de uma viso acurada de sua metas e dos instrumentos de que dispe para alcan-las. Neste sentido, o evento promovido pela Fundao Lus Eduardo Magalhes no apenas extremamente oportuno em face do momento que vivemos, mas tambm de primordial importncia ao promover o debate de alternativas e necessidades do setor energtico na Bahia.

IntroduoO terceiro caderno da srie Cadernos da Fundao Lus Eduardo Magalhes consolida o que foi discutido no ciclo de palestras Energia: Novos Cenrios, realizado na Fundao, durante os meses de outubro a dezembro de 2001. Aborda os cenrios de energia para a Zona Rural, para as reas Urbanas e Cenrios Futuros: Fontes Renovveis. Alm do debate de um tema atual e de amplo interesse da sociedade, a realidade vivida pelo Brasil, durante a crise de energia, no poderia passar ao largo da agenda da Fundao, no seu propsito de trazer luz temas emergentes de grande relevncia no contexto das polticas pblicas e da governana. Abriu-se, ento, oportuno espao para discusso sobre questes da universalizao do acesso aos servios, dos programas de conservao/eficincia energtica, da cogerao e gerao distribuda, das fontes renovveis de energia, aliadas s solues mais convencionais como as grandes centrais hidreltricas e as trmicas, das novas oportunidades de negcios que decorrem da inovao tecnolgica nesse setor, entre outros tpicos que compem o cenrio energtico futuro do pas. O Ciclo de Palestras no se constituiu apenas de debates em torno de conceitos. Foi tambm recheado por relatos de experincias, de prticas de sucesso, com o registro de solues que, devidamente analisadas, constituem-se em claras sinalizaes para a adoo de polticas pblicas inovadoras, que tirem partido do uso eficiente e mais diversificado da matriz energtica do Estado e abram espao para maior articulao com outras esferas de governo e com a sociedade. O balano dessa iniciativa altamente favorvel, j que mobilizou 21 parceiros para sua realizao, entre agncias reguladoras e rgos de governo, alm da comunidade acadmica, empresas de servios e organizaes no governamentais. Contou igualmente com a participao de palestrantes ilustres, reunindo ao todo 20 apresentaes e uma teleconferncia com o Professor Jos Goldemberg, com repercusso nos meios de comunicao, chegando a atrair 850 participantes em trs rodadas de trabalho, incluindo gestores pblicos, executivos, professores, pesquisadores, tcnicos, estudantes universitrios e demais profissionais especializados envolvidos com a questo energtica e ambiental.

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Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

Cumpre reconhecer o apoio recebido das trs instituies que formaram desde o incio o conselho cientfico para o ciclo de palestras, a Winrock International, a Sociedade Alem de Cooperao - GTZ e o IEEE - Seo Bahia, que propiciaram a escolha dos temas e articulao com os palestrantes. Foi igualmente decisivo o papel da Unifacs de consolidar e prover a edio final dos textos das apresentaes, bem como o apoio recebido da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado da Bahia e da Agncia Nacional do Petrleo para a produo desse ciclo de palestras.Geraldo MachadoDiretor Geral da Fundao Lus Eduardo Magalhes

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Os autoresAlfredo da Silva Pinto Gelogo formado pelo Instituto e Geocincias da Universidade Federal da Bahia, especialista na rea de Hidrogeologia. Atuou na Cerb no Setor de Estudos e Projetos e de Perfurao de Poos Tubulares at 1995, quando iniciou os trabalhos na rea de Energias Renovveis com a utilizao da Energia Solar para Bombeamento D'gua no Estudo da Bahia. Atualmente coordena o Programa de Energias Renovveis da Cerb. Bento Oliveira Diretor Jurdico da Guascor. Ps Graduado em Direito do Trabalho pela Universidade de Taubat, com especializao em Direito de Energia Eltrica pela Fundao Getlio Vargas. Atualmente atua tambm como Diretor de Operaes da Adesg (Associao dos Diplomados da Escola Superior de Guerra). Carlos Eduardo Machado Paletta Engenheiro mecnico do Cenbio - Centro Nacional e Referncia em Biomassa. Mestre em energia pelo IEE - Instituto de Eletrotcnica e Energia da USP. Especialista em gerao de eletricidade a partir de biomassa e desenvolvimento e viabilizao de projetos de utilizao de biomassa como fonte de energia. Ciro Ruiz Filho Engenheiro Eletricista Eletrnico, graduado pela Universidade de Campinas. Atua em empresas do ramo EletroEletrnico. Atualmente gerencia o Departamento de Garantia da Qualidade na empresa Wobben Windpower, tendo participado de vrios projetos de Usinas Elicas.Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

Claudio Moiss Ribeiro Bacharel em Engenharia Eletrnica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com especializao em Processamento de Sinais pela PUC/SP. Atuou como pesquisador na rea de fontes renovveis de energia no Cepel - Centro de Pesquisas de Energia Eltrica, no Rio de Janeiro. Atualmente Gerente do Programa de Energia Renovvel do Winrock International - Brasil. Helbeth Lisboa de Oliva Engenheiro Agrnomo diplomado pela Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, com ps-graduao em Planejamento Agrcola pela Sudene / Pnud e especializaes em Extenso Rural e Aerofotogrametr ia e Fotointerpretao. Atualmente atua no Programa Produzir na Companhia de Desenvolvimento e Ao Regional - CAR.

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Jrgdieter Anhalt Scio e Diretor Tcnico da Braselco - Brasil Energia Solar e Elica Ltda, sendo responsvel pela implementao de sistemas solares nos estados do Cear e Piau e por estudos de energia elica no Cear. Desenvolveu vrios projetos para instituies da Alemanha e, no Brasil, atuou junto ao Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e ao Programa Espacial Brasileiro.Atualmente, tambm diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentvel e Energias Renovveis da German Society for Technical Cooperation - GTZ. Jos Goldemberg Doutor em Cincias Fsicas pela Universidade de So Paulo. Foi Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia e Secretrio de Cincia e Tecnologia, Secretrio do Meio Ambiente e Ministro de Estado da Educao do Governo Federal at agosto de 1992. Atualmente o Secretrio do Meio Ambiente do Estado de So Paulo. Jos Raphael Bicas Franco Engenheiro Metalurgista pela Faculdade de Engenharia Industrial - FEI, com ps Graduao em Administrao Industrial pela Fundao Vanzolini/ Universidade de So Paulo. Atualmente Diretor Tcnico da Soletrol Indstria Comrcio S.A. Mario Borba da Trindade Bacharel em Engenharia Eltrica, Mestre em Engenharia Ambiental, com dezoito anos de experincia tcnica e gerencial no setor pblico e privado. Nos ltimos oito anos tem se dedicado a atividades que combinam gerao de energia e o gerenciamento de resduos, compreendendo, principalmente, a sua utilizao como fonte primria de energia (combustveis). Atualmente oficial de programa da Winrock International - Escritrio Brasil.Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

Moiss Sales Engenheiro Eletricista, graduado em Engenharia Eltrica pela Universidade Federal da Bahia.Trabalha na Coelba desde 1977, onde exerce a funo de Vice Presidente e Diretor de Gesto de Ativos. Osvaldo Soliano Pereira Doutor em Poltica Energtica pela Universidade de Londres, professor da Universidade Salvador - Unifacs e coordenador do Comit de Universalizao do Fornecimento de Energia do Conselho Nacional de Poltica Energtica Paulo Figueredo de Lima Engenheiro eletricista pela Universidade Federal da Bahia, com especializao em estudos e projetos voltados para sistemas eltricos e conservao de energia.Atuou como coordenador do Institute of Electrical and Electronic Engineers

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- IEEE, seo Bahia, e como professor na Escola Politcnica da Universidade Federal da Bahia. Atualmente scio da Ecoluz Consultores Associados S/C Ltda, onde coordena contratos de eficincia energtica. Ronaldo Flora Coelho Engenheiro Agronmico pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, com especializao em Planejamento Agrcola pela Universidade Federal de Viosa e em Uso da Energia em Processos de Produo na Agricultura pela University of Tennessee, USA. Atualmente trabalha na Cemig - Companhia Energtica de Minas Gerais - no desenvolvimento de projetos sobre uso da energia na rea rural. Sergio Manzione Graduado em Administrao pela Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas. Mestrando em Planejamento Energtico pela Escola Federal de Engenharia de Itajub, com ps-graduao em Regulao do Setor Eltrico e Indstria da Energia, pela USP, Unicamp e EFEI.Atualmente coordenador de Desenvolvimento Energtico da Secretaria de InfraEstrutura do Governo do Estado da Bahia. Walsey de Assis Magalhes Formado em Economia pela Faculdade de Economia e Administrao pela USP. Mestre em Economia pela PUC/SP. Foi Superintendente de Planejamento da Light - Servios de Eletricidade do Rio de Janeiro.Atualmente Gerente de Operaes Automticas e Assessor de Diretoria do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. Yonne da Silva Lopes Engenheiro Mecnico, com mais de quinze anos de experincia trabalhando na rea de Petroqumica. Atualmente est na Companhia de Gs da Bahia - Bahiags - como Assistente Comercial para a Grande Salvador na rea de Co-Gerao.

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ApresentaoEnergia na Bahia: Novos cenriosOsvaldo Soliano Pereira*

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Entre os meses de outubro e dezembro de 2001, a Fundao Luis Eduardo Magalhes promoveu um ciclo de palestras objetivando difundir experincias e solues criativas para a gerao de energia eltrica e seu uso racional. Para este ciclo de palestras trs grandes cenrios foram delineados: Cenrios para a Zona Rural, em que a questo da universalizao do fornecimento pano de fundo de todas as apresentaes; Cenrios para reas Urbanas, em que os aspectos relacionados ao uso racional e eficiente da energia foram tratados, particularizando-se os casos da cogerao de energia e aquecimento solar; e, finalmente Cenrios Futuros, em que o foco das exposies foi colocado nas fontes renovveis de energia. Em todos os casos, apesar de uma abordagem geral anteceder as apresentaes, ficou evidente que, na concepo do evento, os problemas pertinentes questo energtica baiana, em particular a universalizao do atendimento, e s oportunidades, em funo da existncia ou disponibilidade de recursos, foram centrais na definio do temrio. Nesta Introduo buscar-se- consolidar as informaes trazidas por todos os palestrantes sobre o mercado, os avanos tecnolgicos, as histrias de sucesso ou lies aprendidas com as experincias implantadas na Bahia ou em outras regies do Pas, as oportunidades de novos negcios em funo da disponibilidade de recursos energticos ou incentivos introduo de novas alternativas tecnolgicas e, finalmente, algumas recomendaes para aes futuras. Tentar-se- seguir, com base nos trs grandes cenrios delineados, o roteiro apresentado inicialmente, concluindo-se com algumas recomendaes mais gerais, resultantes das contribuies dos cenrios individuais. O atendimento da zona rural de grande interesse para o Estado da Bahia, em face do contingente de mais de dois milhes de baianos que ainda no tm acesso aos benefcios que a energia eltrica traz. Esse interesse evidenciado pela implementao de dois programas nacionais na Bahia: o programa Luz no Campo, que no Estado da Bahia administrado pela SEINFRA/CERB e executado pela Coelba, e o PRODEEM, administrado, no Estado, tambm pela SEINFRA.

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Adicionalmente, o Estado da Bahia tem um programa de mitigao da pobreza, o Programa Produzir, conduzido pela CAR, que tem feito substanciais investimentos na eletrificao de reas remotas. O componente do Produzir, que permite a eletrificao de reas remotas com energia solar, tornou-se o maior programa de eletrificao descentralizada da Amrica Latina, em nmero de sistemas. O PRODEEM, tambm fazendo uso da energia solar, j eletrificou centenas de equipamentos comunitrios em localidades rurais no estado. Reconhecidamente, esses programas tm entre si um grande potencial de sinergia. No caso especfico da Bahia, o programa Luz no Campo dever, alm de contemplar o uso do sistema convencional de extenso de rede, fazer uso da energia solar fotovoltaica, que j corriqueiramente utilizada nos dois outros programas. Nos artigos sobre Cenrios para a Zona Rural, apresentam-se no apenas o desenvolvimento desses programas na Bahia, mas tambm algumas experincias em outros estados e, sobretudo, opes de como diversificar o leque de alternativas energticas, de forma a agilizar o processo de universalizao e reduzir custos para o atendimento da meta de se levar energia eltrica a 100% dos baianos num horizonte de curto a mdio prazo. Nos artigos sobre Cenrios para reas Urbanas fica evidenciado o grande potencial existente no estado para se fazer uso mais racional de energia, atravs da implementao de uma srie de medidas de eficientizao e da introduo de formas alternativas, como a energia solar no aquecimento de gua, a cogerao baseada no uso do gs natural e o aproveitamento dos resduos urbanos na gerao de energia eltrica. Essas opes j so comercialmente estabelecidas e tm grande impacto na qualidade de vida das cidades de diversos portes. No que diz respeito aos cenrios de longo prazo, apresentam-se aqui algumas opes tecnolgicas, tambm tecnicamente testadas e comercialmente comprovadas, enfatizando-se seu potencial de utilizao no estado da Bahia. Tratou-se, em particular, da energia elica, do aproveitamento de pequenas centrais hidreltricas e da biomassa proveniente de florestas energticas e de resduos urbanos, tanto de aterros sanitrios como de unidades de tratamento de esgotos. O estado da Bahia dispe de potencial para a utilizao de todas essas fontes e foi ressaltado que elas contam com uma srie de incentivos estabelecidos no mbito da Lei 10.438, recentemente aprovada no Congresso Nacional, alm de com linhas de crdito de agentes financeiros e a possibilidade

de acessar recursos adicionais no mercado de redues de emisses de gases de efeito estufa, uma vez ratificado o Protocolo de Kioto. Em todos o cenrios apresentados foram discutidas as aes que o Poder Pblico poderia adotar na formulao de polticas pblicas, no sentido de consolidar o uso dessas fontes para atender ao crescimento de sua demanda energtica, diversificando a matriz com um menor impacto ambiental e maior garantia de suprimento e com acesso a recursos de diversas fontes. No caso de algumas tecnologias, polticas pblicas poderiam ser delineadas no sentido de incentivar a produo local de equipamentos, ajudando a incrementar o parque industrial no estado.

Cenrios para a Zona RuralSegundo dados do Censo 2000, existem 3.166.760 domiclios na Bahia, dos quais 2.561.916 tm acesso iluminao eltrica, o que significa mais de 600.000 domiclios sem esse benefcio. Devem-se fazer algumas consideraes sobre esse nmero, j que ele se refere ao acesso iluminao eltrica e no necessariamente conexo a uma rede eltrica, o que pode significar um nmero muito maior de domiclios sem acesso a um servio confivel e permanente. Por outro lado, esse nmero no incorpora tudo o que foi feito nos ltimos dois anos no mbito do Programa Luz no Campo. Assim, evidenciada a dificuldade de precisar o universo dos que ainda no dispem de servio regulado de energia eltrica no estado, deve-se considerar que mais de 500.000 domiclios baianos no contam com esse servio. Sales, em seu artigo, fala do desafio de atender 611.000 domiclios, de um investimento da ordem de 1,2 bilho de reais, num prazo de cinco anos, e do processo de cadastramento em curso, cujo objetivo precisar o tamanho do mercado por atender e localizar suas unidades. O processo de localizao certamente fundamental para a deciso sobre como atender o mercado remanescente, o que certamente no dever se dar apenas pela extenso da malha eltrica existente, considerando que o custo hoje cobrado pela Coelba, na faixa de R$ 1.900,00 por domiclio, tender a crescer quando se buscar suprir as reas mais remotas. Nesse sentido, Sales menciona o projeto de instalao de 9.000 kits solares, num investimento total de R$ 18 milhes. Vrias experincias foram apresentadas sobre alternativas de fornecimento ao mercado ainda no-atendido. A CEMIG reporta o programa de pr-eletrificao atravs de painis solares fotovoltaicos, alertando para a necessidade de um processo de capacitao local, visando reduzir custos operacionais e resolver os problemas menores,

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alm de para a montagem de um fundo para cobrir estas despesas. Um outro projeto exposto pela CEMIG o de uma microcentral hidreltrica, que atende um grupo de famlias, mas que tambm requer um nvel razovel de superviso. Mais bem-sucedida a experincia de eletrificao de sistemas de bombeamento de gua por meio de painis fotovoltaicos, embora tambm tenha sido tentada uma experincia com um gasognio, mas com resultados menos satisfatrios. O uso de painis fotovoltaicos foi objeto de vrias apresentaes, quer no bombeamento de gua, quer no atendimento de sistemas comunitrios e domiclios em pequenas comunidades, e se configurou quase como a nica alternativa que vem sendo testada pelos diversos agentes, alm daqueles projetos em fase ainda de concepo fazendo uso de gaseificadores. A alternativa de atendimento com sistemas de combusto interna, movidos a leo diesel, apesar de ser a mais consolidada na Regio Norte, no foi examinada em nenhum dos artigos. Essa alternativa no deve ser completamente descartada num cenrio de busca da universalizao, apesar de sua dificuldade operacional ligada ao acesso ao combustvel, certamente minimizada na Regio Norte, considerando-se que, ali, j se conta com a experincia do seu uso, devido ao emprego do leo diesel nos barcos, s vezes o nico meio de transporte factvel. A CERB apresenta sua experincia na instalao de 195 poos eletrificados atravs de sistemas solares fotovoltaicos, mas enfatiza que nem sempre esta a melhor soluo, enquanto a CAR, que j implantou 609 projetos de eletrificao, reporta que 215 comunidades rurais j so atendidas com sistemas fotovoltaicos, totalizando a instalao de 10.100 sistemas, a um custo global de R$ 13,7 milhes. Todavia a operacionalizao dos sistemas solares tem requerido cuidados e precaues nem sempre implementados. Anhalt lista vrios pontos que potencializam o sucesso da operao de sistemas descentralizados de gerao de energia eltrica. Um primeiro ponto o estgio de maturao das tecnologias levadas ao campo e o padro de qualidade a ser exigido de componentes individuais e do sistema como um todo. Seguem-se, o envolvimento da comunidade no projeto, fazendo-a sentir-se co-partcipe do processo, a capacitao para soluo local de problemas menores, que correspondem maior parte dos casos, a montagem e gerenciamento de fundos rotativos para cobrir as despesas dos reparos e, finalmente, o acesso a peas de reposio, que vo desde baterias, controladores e reatores, a lmpadas, etc..

A CAR reconhece que os projetos de eletrificao, com base na energia solar, em comunidades remotas, requerem um nvel de organizao comunitria elevado para garantir a adeso e o compromisso da associao local com sua manuteno, e uma capacitao que, infelizmente, tem sido deixada a cargo das empresas fornecedoras de equipamentos. Esse nvel de organizao nem sempre existe, e a capacitao, assim como o compromisso com a qualidade dos componentes e sistemas oferecidos, tem variado entre fornecedores, podendo colocar em risco a sustentabilidade de um grande nmero dos sistemas instalados. Pinto lista entre os principais problemas enfrentados na operao e manuteno de sistemas de bombeamento a dificuldade de reposio de componentes, a falta de assistncia tcnica por parte dos fornecedores, a necessidade de capacitao para manuteno e de conscientizao dos usurios sobre as peculiaridades do sistema e, finalmente, o furto de mdulos. Se, por um lado, a operao e manuteno dos sistemas de bombeamento baseados em energia solar tm apresentado alguns problemas, mais complexos so os requerimentos para garantir a sustentabilidade de projetos instalados para atender s demandas comunitrias e domsticas dos moradores de comunidades pequenas e remotas. Sales destaca, entre as limitaes que a concessionria identifica no uso disseminado desses sistemas, a dificuldade em oferecer segurana s placas e em efetuar sua manuteno, alm de limitaes tecnolgicas de alguns equipamentos que demandam um trabalho conjunto de padronizao entre a concessionria e os fornecedores. Ademais, evidente que os sistemas solares so adequados apenas a nichos de mercados bastante remotos e de pequena demanda energtica. Assim, outras alternativas de atendimento precisam ser exploradas. Ribeiro retoma o exemplo das microcentrais hidreltricas, as quais, como mencionado anteriormente, j so exploradas pela CEMIG, e se detm mais detalhadamente na alternativa do uso de gaseificadores - usando a biomassa como matria-prima - que, com pequenas adaptaes, permitem o uso de sistemas convencionais de combusto interna. Todavia, ainda que se considerando as diferentes alternativas tecnolgicas, capazes de enfrentar os custos crescentes da extenso da rede para reas mais remotas, o retorno do investimento em face dos mercados diminutos que caracterizam as zonas rurais ainda noeletrificadas no poder se dar sem impactos elevados nas tarifas ou sem o aporte de subvenes governamentais.

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Assim, diante do novo arcabouo legal definido aps a promulgao da Lei 10.438, em abril de 2002 (mais de seis meses aps a discusso sobre Cenrios para a rea Rural), em que imposta concessionria, sobre a superviso da ANEEL, a responsabilidade total pela universalizao do atendimento, vital que seja montada uma estratgia que v alm daquela, corporativa, da concessionria, de forma que se possa agilizar o processo. Entretanto, a montagem de uma estratgia mais abrangente deve ser antecedida dos seguintes passos: conhecimento do universo noatendido; otimizao na alocao das diversas fontes de recursos j disponveis, respeitados seus requerimentos originais (Luz no Campo, PRODEEM, CAR, emendas parlamentares constantes no oramento da Unio, Conta de Desenvolvimento Energtico-CDE e aumentos tarifrios); conhecimento e explorao das diversas alternativas de atendimento, buscando-se aquelas de menor custo; e integrao de novos agentes para que passem a trabalhar de forma articulada com a concessionria, num esquema prximo do que se poderia chamar uma subconcesso, ajudando essas concessionrias a atingirem suas metas de universalizao. Esta estratgia deveria ser capitaneada pelo governo do estado, a exemplo do que, na esfera nacional, vem sendo tentado pelo Comit de Universalizao do Conselho Nacional de Poltica Energtica, envolvendo diversos segmentos do prprio governo, a concessionria, fornecedores de equipamentos, agentes financeiros, academia e segmentos interessados em trabalhar em parceria com a concessionria. Polticas pblicas tambm podero ser promovidas para apoiar a implementao das obrigaes legais impostas concessionria, viabilizar os novos agentes acima mencionados e contribuir para a produo local de equipamentos que venham a promover a reduo de custos de implantao. Sumarizando, a zona rural deve estar completamente atendida num horizonte ainda a ser definido, mas que sob nenhuma hiptese dever ir alm de cinco ou sete anos, na sua maior parte com a extenso da rede, mas tambm com sistemas solares, e em menor extenso, pendente de identificao de potenciais, de minicentrais hidreltricas, e de pequenas centrais hidreltricas a biomassa, quer usando leos vegetais ou gaseificadores, neste caso, aps a consolidao da tecnologia em alguns projetos demonstrativos. Num longo prazo, todo o estado ter acesso rede eltrica, a menos que se trate de domiclios isolados e inacessveis. A universalizao ser um desafio para a Coelba, que poder se valer de agentes, sob sua delegao, para acelerar o processo e, nesse sentido, um Comit de Universalizao poderia contribuir

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com um extenso esforo de capacitao, envolvendo universidades, escolas tcnicas e agrcolas e at o Programa Energizando Bahia.

Cenrios para reas UrbanasO clssico livro Energia para um mundo sustentvel, lanado no final da dcada de 1980, do qual Goldemberg um dos co-autores, j procrastinava que a eficientizao no uso da energia pode representar um aumento superior a 20% na capacidade instalada do setor energtico e que o foco dos cenrios para reas urbanas est centrado no uso eficiente da energia. A eficientizao energtica, como lembra Lima, "exige uma mudana cultural e toda mudana cultural complicada". Nesse sentido fundamental o processo de divulgao de informaes, capacitao, implantao de projetos demonstrativos, divulgao de histrias de sucesso, a exemplos do que vem fazendo o PROCEL, e a sensibilizao, ainda na fase de formao do Programa Energizando Bahia, que anuncia j ter treinado mais de oitocentas mil crianas das escolas estaduais da Bahia. Uma outra forma so as aes mais institucionais, como o estabelecimento do Decreto Estadual que torna prioritrio o uso racional de energia eltrica no mbito do Poder Executivo baiano, e o Plano de Combate ao Desperdcio de Energia Eltrica, que conta j ter reduzido a demanda na ponta em 63 MW, entre 1998 e 2000. Lima identifica os principais focos das medidas de eficientizao que esto no setor residencial, na mudana de hbitos e de alguns equipamentos; no setor industrial, com a introduo do gerenciamento energtico e a cogerao; nos setores comercial e de servios, no uso de sistemas de refrigerao e iluminao, sobretudo em shoppings e hotis, sendo tambm importante a cogerao. No setor pblico, os sistemas de iluminao e as empresas de saneamento esto entre subsetores prioritrios. A gesto energtica municipal, instituda pela Constituio Federal como uma responsabilidade do municpio, segundo Manzione nada mais do que a gesto energtica em prdios pblicos e na iluminao pblica. Um outro exemplo de eficientizao a introduo do sistema solar de aquecimento de gua em substituio ao aquecimento eltrico. A ABRAVA reporta a instalao de trs milhes de metros quadrados de coletores solares, para uma placa mdia de 2m2. Franco argumenta que o metro quadrado instalado est numa faixa de 113 dlares e que o investimento se remunera num perodo entre dois e trs anos. E mostra que, mesmo residncias sem instalao de sistemas hidrulicos

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para gua quente, podem ser adaptadas para receber os sistemas solares. Desenvolvimentos mais recentes esto sendo feitos para residncias de baixa renda, e o uso desse tipo de sistemas em edifcios tem-se difundido, sobretudo em Belo Horizonte, onde se encontram instalados entre 600 e 700 sistemas, segundo dados apresentados por Franco. O gs natural, apesar de no ser a soluo de todos os problemas energticos, como chegou a ser anunciado por vrios dos seus defensores, certamente ter um papel crescente na matriz energtica baiana e brasileira, alm de ajudar a contribuir com a qualidade do ar nas grandes cidades, com redues significativas de SO2 e CO2, conforme ressaltado por Lopes, a partir da substituio do leo combustvel por gs natural. A cogerao traz uma srie de benefcios aos usurios, tais como: o aumento da confiabilidade do fornecimento, reduzindo os riscos de interrupo na produo; ligao complementar com a rede da concessionria; possibilidade de comercializao de excedentes; e, ainda, reduo de emisses de gases poluentes. Assim, essa tem se mostrado uma opo mais economicamente atrativa que outras alternativas. O aproveitamento dos aterros sanitrios apresenta-se como outra alternativa de suprimento para as grandes cidades, com grandes repercusses na qualidade do ar. Em ltima instncia, o lixo pode ser visto como um combustvel orgnico renovvel e disponvel muito prximo de onde est a demanda energtica. Borba afirma que as mximas taxas de produo de energia so de 490 kWh por tonelada de lixo e estima que, com a produo anual de 800.000 toneladas de lixo, pudesse ser incorporada uma planta de gerao da ordem de 40 MW. Uma vantagem adicional da implantao do aproveitamento da energia oriunda dos aterros a reduo da rea necessria e a conseqente extenso da vida desses aterros. Em resumo, apesar das opes listadas serem tecnicamente comprovadas e comercialmente viveis na maioria dos pases desenvolvidos, as distribuidoras brasileiras ainda tm acesso energia a preos que no tornam competitivas algumas das opes aqui mencionadas. O chuveiro eltr ico, apesar de contr ibuir significativamente para a formao da ponta, custa muito menos que um sistema solar de aquecimento, cujo retorno do investimento se d num horizonte prximo de trs anos, o que restringe o interesse de muitos consumidores em potencial. Numa escala diferente, acontece o mesmo com a cogerao, que para ser realizada, deve incorporar, na anlise de viabilidade do ponto de vista do potencial investidor, outros fatores, tais como garantia e confiabilidade de fornecimento.As clusulas

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de contratos take or pay tambm se constituem em fatores restritivos para os potenciais cogeradores. Em menor escala, a eficientizao energtica tambm influenciada pelos preos da energia no Brasil, embora as concessionrias j tenham, em muitos casos, passado a ver esse servio como um negcio, alm de uma oportunidade de fidelizar alguns clientes-chave. Em outros casos, as concessionrias tm tido interesse em aes de eficientizao como forma de postergar investimentos. A eficientizao tambm fez surgir um novo segmento na rea de servio: as "escos"1, que tm atuado sobretudo junto ao setor industrial e comercial otimizando energeticamente processos, levando automao e utilizao de equipamentos mais eficientes, etc. evidente que todas as alternativas energticas mencionadas nos cenrios para reas urbanas j contam com um nvel de viabilidade econmica razovel e dependem menos de subsdios governamentais para sua efetivao, mas seriam utilizadas com mais intensidade se as taxas de juros cobradas nas linhas de financiamento disponveis, a exemplo da adotada pela Caixa Econmica Federal para sistemas de aquecimento solar, fossem mais baixas e os requerimentos mais expeditos. Esses novos modelos de financiamento poderiam beneficiar projetos de aquecimento solar, eficientizao e cogerao. Um maior rigor nas exigncias ambientais certamente faria com que os benefcios colaterais da cogerao e da gerao de energia em aterros fossem internalizados nas anlises de viabilidade desses projetos. Nos projetos de aterro sanitrio, ainda so necessrias algumas experincias demonstrativas, buscando-se inclusive capitalizar recursos do comrcio das redues de gases de efeito estufa. Finalmente, a imediata regulamentao da Lei 10.438, em particular do Programa de Incentivo s Fontes Alternativas de Energia Eltrica (PROINFA) e da CDE, criar incentivos adicionais para os projetos de cogerao baseados em biomassa e projetos de gerao em aterros sanitrios. Sumarizando, a eficientizao energtica e a gerao distribuda so realidades concretas, j incorporadas em maior ou menor grau nas reas urbanas, quer por medidas de conservao quer pela introduo de sistemas de aquecimento solar ou de cogerao. Essa maior disseminao depende apenas de uma maior difuso de seus benefcios e linhas de financiamento em condies diferenciadas, j que, como a tendncia do custo da energia eltrica ascendente - devido incorporao, na tarifa, de compensao das perdas com o racionamento e dos esforos para universalizar o servio - preciso subsidiar as

populaes carentes e diversificar a matriz energtica para garantir o fornecimento e torn-la mais limpa.

Cenrios Futuros: fontes renovveisPara os cenrios futuros foram priorizadas as fontes renovveis, em particular a energia hidrulica das pequenas centrais hidreltricas, a energia elica e a biomassa, incluindo as florestas energticas, a canade-acar e seus derivados, os leos vegetais, e o gs de aterros sanitrios e de unidades de tratamento de esgotos. Vrias so as razes para se advogarem essas fontes como as mais promissoras para cenrios de maior prazo. Goldemberg identifica quatro delas. A primeira, a exausto dos combustveis fsseis; a Segunda, se refere s agresses ao meio ambiente e sade geradas pelo consumo de combustveis fsseis; a terceira razo est ligada aos problemas de segurana de suprimento em funo da ainda alta dependncia que se tem do petrleo do Oriente Mdio; e, finalmente, em quarto lugar, esto os problemas sociais, pelo fato de que, com o sistema atual baseado essencialmente nos combustveis fsseis, um tero da humanidade - mais de dois bilhes de pessoas - no tem acesso aos modernos servios de energia. A Iniciativa Energtica Brasileira, a ser discutida na Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel, em Johannesburg, reconhece que os recursos energticos renovveis podem aumentar a diversidade nos mercados de suprimento, assegurar uma oferta energtica sustentvel de longo prazo, reduzir emisses atmosfricas locais e globais, combater a excluso social de comunidades isoladas, contribuir para a reduo da pobreza com a criao de novas oportunidades de emprego localmente e aumentar a segurana da oferta, na medida em que no requer importaes de combustveis e em que ajuda a aliviar a dvida externa dos pases importadores. Esse largo leque de benefcios constitui, em si, justificativa para governos federais e estaduais exercerem, por meio de suas polticas pblicas, papel fundamental na promoo de iniciativas e projetos que tanto estimulem a gerao local de energia como a produo de equipamentos de gerao e conservao desta. Na esfera federal, com a recente promulgao da Lei 10.438, que instituiu o PROINFA, espera-se aumentar a participao de energia eltrica produzida por Produtores Independentes Autnomos, a partir de fontes elica, biomassa e pequenas centrais hidreltricas no Sistema Eltrico Interligado. Atravs desse Programa, numa primeira etapa, assegura-se a compra pela Centrais Eltricas Brasileiras (Eletrobrs) de um total de at 3.300 MW de capacidade oriundos das fontes

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mencionadas, pelo prazo de 15 anos, tendo-se como referncia para o valor de compra de energia o valor econmico correspondente a cada fonte (valor normativo), que no poder ultrapassar o piso de at 80% da tarifa mdia de fornecimento ao consumidor final. Essas regras se aplicam a projetos que estejam em funcionamento at 30/12/ 2006. Atingida a meta de 3.300 MW da primeira etapa, o Programa ser desenvolvido de forma a que essas fontes passem a contribuir com 10% do consumo anual de energia eltrica do Pas, num prazo de 20 anos, contados desde o incio do Programa. Nessa segunda etapa, a aquisio pela ELETROBRS ser feita mediante uma programao anual de compra de cada produtor, de forma a que tais fontes atendam a, no mnimo, 15% do crescimento anual do consumo de energia no mercado nacional, sendo que o preo de aquisio dever ser equivalente ao valor econmico da gerao de energia competitiva, definida como o custo mdio ponderado de gerao de novos empreendimentos hidrulicos com potncia superior a 30MW e centrais termeltricas a gs natural, fixado pelo Poder Executivo. Os recursos para viabilizar a execuo desses programas foram garantidos atravs da instituio, nessa mesma lei, da Conta de Desenvolvimento Energtico (CDE) e sero provenientes dos pagamentos anuais decorrentes das licitaes para concesso de uso de bem pblico, das multas aplicadas pela ANEEL aos agentes (concessionrios, permissionrios ou autorizados) e, a partir de 2003, das quotas anuais pagas pelos agentes que comercializam energia para consumidor final. A CDE dever vigorar por 25 anos e ser movimentada pela Eletrobrs. Um rebatimento dessa lei, no mbito do estado da Bahia, certamente acarretar a incorporao da maioria dos benefcios anteriormente assinalados, em particular a criao de empregos e a garantia de suprimento, dois grandes desafios para a regio Nordeste. Se, por um lado, os recursos hidrulicos de grande porte j se exauriram no estado, ainda resta um potencial no-desprezvel de aproveitamento de pequenas centrais hidreltricas, cujas estimativas variam entre 300 e 500 MW. O potencial elico do estado, segundo dados do Atlas Elico do Estado da Bahia, recentemente publicado pela Coelba, se aproxima de 15 GW, em torno de 10% do potencial identificado para o Pas, o que torna a energia elica uma grande promessa, sobretudo em face da complementaridade do regime hdrico e do regime elico na Regio Nordeste, conforme indicam levantamentos feitos pela CHESF. A ANEEL j registra quase 220 MW

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em plantas j outorgadas no estado. Ambas as tecnologias so completamente provadas e viveis economicamente, quando considerados os incentivos do PROINFA. Os potenciais de uso de biomassa no estado no foram ainda levantados, sabendo-se de antemo que o setor sucro-alcooleiro baiano inexpressivo.Todavia, pretende-se a instalar o mais importante projeto de gerao de energia eltrica, fazendo uso de florestas plantadas e de tecnologia de gaseificao de biomassa em ciclo combinado. O projeto, que j teve sua anlise de viabilidade concluda, ser patrocinado pelo GEF e Banco Mundial, e implementado pela CHESF, e tem potencial de replicabilidade muito grande. Outras potencialidades esto na produo e uso de leos vegetais e no uso de gs metano de aterros sanitrios e unidades de tratamento de esgotos. Todos esses projetos ainda carecem de apoio para execuo de plantas-piloto ou demonstrativas no estado, a exemplo do projeto GEF. Segundo Paletta, a tecnologia convencional permitiria a instalao de aproveitamento energtico de aterros sanitrios em cidades com populao superior a 230 mil habitantes, o que representaria um pequeno potencial para o estado; entretanto, com a entrada de microturbinas no mercado, viabiliza-se a implementao de aterros sanitrios em cidades menores, que podero instalar uma microturbina para gerao local de energia. Essa certamente uma rea em que recursos para projetos demonstrativos sero de grande valia. Alm do uso no setor de gerao de energia eltrica, a biomassa, quer sob a forma de lcool quer sob a de leos vegetais, compondo o biodiesel, ter uma participao crescente e efetiva no setor de transportes. Outra grande potencialidade da Bahia, no explorada no mbito deste ciclo de palestras, so as plantas heliotrmicas, tanto baseadas em cilindros parablicos como em torre central. Novamente com o apoio do GEF e o envolvimento da CHESF, uma planta-piloto dever ser implantada entre Irec e Barra, regies que apresentam altssimos nveis de radiao solar direta. Essa ser certamente uma grande fonte de energia a partir da metade do sculo atual. Para viabilizao desses projetos, alm de contar-se com os recursos do PROINFA, descortina-se uma possibilidade adicional que so os crditos de reduo de emisses de gases de efeito estufa, a serem regulamentados com a ratificao do Protocolo de Kioto, no mbito da Conveno sobre Mudana Climtica. Apesar do comrcio de carbono j ser operacional, os valores atualmente pagos pela tonelada de carbono evitado no estimulam o setor energtico a arcar com os custos de

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transao. Todavia, num horizonte de mdio prazo, certamente muito antes do primeiro perodo de obrigao de reduo de emisso estabelecido pelo Protocolo de Kioto, ou seja, entre 2008-2012, esperase que o valor da tonelada atinja valores entre 10 e 20 dlares. Neste ltimo caso, segundo estimativas de Paletta, isso poderia representar um acrscimo de 12 reais/MWh no valor a ser pago ao produtor que estivesse substituindo combustveis fsseis. Finalmente, o acesso a linhas de crdito no se constitui no maior problema, j que, em 2001, s o BNDES desembolsou dois bilhes e trezentos milhes para projetos de energia, chegando a financiar 80% dos custos de PCHs, fontes alternativas, centrais termeltricas e projetos de eficientizao e de cogerao. O maior entrave continuam sendo as taxas de juros vigentes no Pas. Duas sugestes criativas foram formuladas ao longo dos debates sobre esse cenrio. A primeira delas diz respeito a uma ao, j implementada no estado do Rio de Janeiro, atravs do qual, projetos que impactam o meio ambiente, mas que, teoricamente fariam jus a diferimento do ICMS, para acessarem tal benefcio precisaro aplicar 1% do investimento total em projetos de energia renovvel ou eficincia energtica. A outra sugesto, levantada por Magalhes, diz respeito possibilidade de os governos estadual e municipais licitarem a eficientizao de seus rgos pblicos, de suas unidades administrativas, da iluminao pblica. Sumarizando, as principais oportunidades de aproveitamento das energias renovveis no Brasil, que, globalmente, crescem 7% anualmente, esto centradas nas pequenas centrais hidreltricas, cujo potencial estimado de 26 GW2; na energia elica, com um potencial estimado de 143GW3; e em diversas possibilidades de aproveitamento da biomassa, em particular das florestas energticas e do gs de aterros sanitrios e unidades de tratamento de esgotos. Recomenda-se que, para uma maior e mais rpida disseminao dessas fontes, o Estado faa valer seu poder de investimento e sua ao regulatria, sobretudo contribuindo para a agilizao das conquistas alcanadas com a Lei 10.438. Com os recentes recursos disponibilizados nacionalmente, atravs dos fundos setoriais, em particular do Fundo Setorial de Energia (CTENERG), dos fundos de pesquisa e desenvolvimento negociados entre as concessionrias e a ANEEL e dos fundos de pesquisa estaduais, algumas tecnologias poderiam ser imediatamente testadas e demonstradas.A maior prioridade do estado da Bahia poderia centrar-se no projeto de gaseificao da biomassa, com ciclo combinado, j com seu estudo de viabilidade concludo e recursos

adicionais do Banco Mundial e GEF garantidos. Esse projeto, com capacidade instalada de 30 MW, alm de contribuir para o suprimento do extremo sul do estado, ser uma referncia nacional - e at internacional - com grande potencialidade de reproduo e certamente gerar um nmero significativo de empregos na regio. Uma outra alternativa energtica a ser contemplada nos projetos de P&D so as centrais heliotrmicas e a gerao de energia a partir de aterros sanitrios.

Cenrios e recomendaesEste ciclo de palestra representou uma grande oportunidade para se fazer um primeiro levantamento das oportunidades que se descortinam no curto, mdio e longo prazo para garantir o atendimento do estado e orientar polticas pblicas que acelerem projetos de viabilidade imediata ou fomentem outros em que algumas externalidades ainda restringem sua disseminao. evidente que o maior desafio com que se defronta o estado, alm daquele de garantir o suprimento de energia para o contingente j atendido, encontra-se no atendimento a mais de 500.000 domiclios sem acesso iluminao eltrica. Esse processo certamente poder ser acelerado se algumas restries ao uso de sistemas solares individuais forem vencidas e se possa proceder, por exemplo, imediata implementao dos 9.000 sistemas previstos no mbito do programa Luz no Campo, recuperao de centenas de projetos, instalados no mbito do PRODEEM, e j fora de operao, e integrao dos milhares de sistemas instalados pela CAR ao esforo de universalizao do estado, garantindo a todos esses projetos um modelo de gesto que esteja compatvel com os requerimentos a serem estabelecidos pela ANEEL para contabilizar tais sistemas dentro do universo atendido pela concessionria. Pilotos com outras alternativas tecnolgicas podem ser contemplados com recursos dos projetos de P&D, e implementados e geridos por agentes diversos com acompanhamento da concessionria. O estabelecimento de um Comit de Universalizao no estado, certamente poderia contribuir para a agilizao desse processo.A definio de metas de universalizao merece uma participao efetiva de diversos segmentos da sociedade. A simples reviso do cdigo de obras dos municpios, obrigando residncias e edifcios de certo padro - ou criando incentivos para tanto - a incorporar a instalao para gua quente faria acelerar a

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Osvaldo Soliano Pereira Ph.D em Poltica Energtica pela Universidade de Londres, professor da Universidade Salvador - UNIFACS e coordenador do Comit de Universalizao do Fornecimento de Energia do Conselho Nacional de Poltica Energtica.1

Do ingls: energy service companies.

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disseminao do mercado de aquecedores solares, que cresceu substancialmente no mbito da crise energtica do ano passado. Linhas de crdito, como as criadas pela Caixa Econmica Federal para aquecedores solares, se estabelecidas para mini e pequenas empresas podero viabilizar projetos de eficientizao e cogerao. Em alguns casos faz-se necessrio, nesse momento inicial, a criao de alguns incentivos fiscais e tributrios. A partir desse primeiro esforo de discusso do futuro energtico do estado, poder-se-ia partir para a montagem da matriz energtica estadual, de uma maneira aberta e participativa, envolvendo o governo, o setor privado, a academia e o terceiro setor. Um primeiro passo foi dado com a recente contratao do Balano Energtico Estadual, nodisponvel j h vrios anos. Com essa forma mais participativa, o Poder Pblico poder ter oportunidade de fazer valer o seu papel regulatrio e seu poder de investimento para montar uma matriz mais diversificada, podendo inclusive direcionar recursos para o desenvolvimento tecnolgico e atrair empresas montadoras de equipamentos de gerao para o estado. Entre as maiores oportunidades a serem estimuladas esto as fazendas elicas, o projeto de gaseificao de biomassa e o uso de energia de aterros sanitrios, alm do aproveitamento do pequeno potencial remanescente de PCHs no estado, sem esquecer do aproveitamento dos recursos de gs natural disponveis, no explorados no mbito deste ciclo de palestras. Este ser um caminho para a obteno de uma matriz energtica mais diversificada, com maior garantia de suprimento e menor impacto sobre o meio ambiente local e global e, sobretudo mais socialmente justa, se se perseguir adicionalmente a universalizao do fornecimento no mais curto horizonte possvel, ainda que com estgios intermedirios na qualidade do atendimento mais remoto. Certamente isso se constitui no que se pode chamar desenvolvimento energtico sustentvel, um dos componentes de uma forma de desenvolvimento em que geraes futuras no sero prejudicadas pelas geraes presentes - o desenvolvimento sustentvel.

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Esse nmero representa em torno de um tero de toda a capacidade instalada no Brasil. 10% desse potencial est situado na Bahia.

Referncias bibliogrficas CORREIA, James; Valente Andr e Pereira, Osvaldo (Org.). A universalizao do servio de energia eltrica - aspectos jurdicos, tecnolgicos e socioeconmicos. Salvador: UNIFACS, 2002. CORREIA, James et al. Perspectivas para a universalizao da eletrificao no Estado da Bahia. Bahia Anlise & Dados, v. 11, n. 4, p 58-67. Salvador: Superintendncia de Estudos Sociais da Bahia - SEI, 2002. GOLDEMBERG, Jose et al. Energy for a sustainable world. New Delhi: Wiley Eastern, 1988. LEI 10.438, de 26 de abril de 2002. Disponvel em: Acessado em: 24.07.2002. MAPA DE IRRADIAO SOLAR DO BRASIL. Disponvel em: Acesso em: 23.07.2002. MAPA DO POTENCIAL ELICO DO BRASIL. Disponvel em: Acesso em: 24.07.2002. ATLAS DO POTENCIAL ELICO - Estado da Bahia. Disponvel em: Acessado em: 21.08.2002. MINISTRIO de Minas e Energia. Balano Energtico Nacional 2001. Braslia: Ministrio de Minas e Energia, 2002. TIBA, Chigueru (Coord.). Atlas solarimtrico do Brasil. Recife: Universitria da UFPE. 2000.Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

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CENRIOS PARA A ZONA RURAL

Universalizao do acesso energia no Estado da BahiaMoiss SalesCompanhia de Eletricidade do Estado da Bahia - COELBA

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Para mostrar o que estamos fazendo visando atender aos atuais consumidores, bem como aos futuros, necessrio falar sobre o que pretendemos fazer para responder ao grande desafio que est sendo feito s concessionrias de energia eltrica, atravs de um projeto de lei em tramitao no Congresso. Esse projeto tem como relator o deputado Jos Carlos Aleluia e apresenta entre os seus principais objetivos o de universalizao do acesso ao servio pblico de energia eltrica. Assim, vejamos inicialmente em que consiste esse desafio: o universo a ser atendido pela Coelba. Na sua busca da universalizao, a Coelba tem usado como principal fonte de referncia para o seu planejamento os dados da PNAD (IBGE, 1999), pelos quais identificou-se, atravs de amostragem, um nmero da ordem de 611.000 domiclios no-atendidos no Estado da Bahia. Esse nmero, bastante desafiador, despertou algumas dvidas, o que levou a Coelba a realizar uma pequena amostragem em alguns locais para chec-lo - os resultados, entretanto, confirmaram os dados anteriores, que se mostram bem prximos da realidade. Ento, o nosso desafio atender cerca de 611.000 domiclios. Para tanto, j em 2000 foi iniciado um programa em parceria com o Governo do Estado, o Luz no Campo, cuja implementao, como j destacado aqui, valeu Coelba e ao governo do Estado um prmio nacional. O total do investimento necessrio para atender ao desafio da universalizao, isto , aos 611 mil domiclios, da ordem de 1,2 bilho de reais, com um prazo de cinco anos. Trata-se de um investimento realmente muito grande, concentrado em um curto espao de tempo, e a experincia que estamos tendo com o programa Luz no Campo tem mostrado que no algo de fcil realizao. O Luz no Campo tem metas arrojadas, mas bem menores que esse nmero e, ainda assim, temos encontrado muitas dificuldades com fornecedores de materiais, projetistas, empreiteiras, o que nos deixa com muitas dvidas. Estamos trabalhando com o prazo de cinco anos, porque foi este o prazo fixado por uma Resoluo da Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL), para o atendimento a domiclios, e sobre isso, mais tarde, comentarei um pouco mais. No momento, gostaramos de destacar bastante esse nmero, 1,2 bilho de reais, e de explicar como chegamos a calcullo - justamente utilizando os dados do programa Luz no Campo. Nesse programa, temos conseguido, em mdia, atender cada domiclio com R$1.900,00. importante chamar a ateno para esse valor, uma vez que o prmio recebido pela Bahia lhe foi atribudo no s pelo seu desempenho na execuo fsica, mas por ter conseguido os custos mais baixos do Brasil.

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A Eletrobrs projetava um custo mdio de R$ 2.100,00 por domiclio, e vrios outros estados ultrapassaram essa estimativa.A Bahia foi uma exceo, com seu custo em torno de R$1.900,00 por consumidor, e o que lhe valeu o destaque nacional foi justamente esse aspecto. O programa Luz no Campo, na sua primeira etapa, contou com um investimento de R$ 235 milhes. Desses recursos, 75% esto sendo financiados pelo governo da Bahia, 15%, pela Coelba e 10%, pelas prefeituras municipais. Como o programa prev a participao dos consumidores, esses esto sendo custeados pelas prefeituras municipais. A legislao atual do setor eltrico prev que o atendimento para novas ligaes deve ser financiado em parte pela concessionria, em parte pelo interessado, o que foi estabelecido por uma lei federal e uma portaria do antigo DNAEE. Basicamente, o objetivo manter o equilbrio econmico-financeiro do contrato de concesso, de tal forma que no haja nenhuma presso tarifria para atender expanso do sistema.Assim, a primeira etapa do Luz no Campo est rigorosamente de acordo com as metas traadas e com os nmeros apresentados, prevendo-se atender cerca de 116.000 domiclios, com destaque, nesse programa, para a aplicao de R$18 milhes, dos R$ 235 milhes, na implantao de 9.000 kits solares. Entretanto, ainda no foi iniciada a implantao de sistemas fotovoltaicos prevista para essa fase, justamente por um ponto que nos preocupa bastante e, tambm, ao governo. Trata-se da forma de gesto dos sistemas, uma vez que no se trata simplesmente de colocar os kits, o que seria muito fcil. O que preocupa a gesto aps a implantao. A Coelba j tem uma grande experincia na implantao de painis solares, tendo instalado sistemas fotovoltaicos em cerca de 600 domiclios. Entretanto, ns tivemos vrios casos de sucesso, mas tambm de insucesso na gesto desses sistemas. O que se vem fazendo trabalhar no sentido de organizar associaes para que se encarreguem, depois, de manter a gesto desses kits. Estamos discutindo isso com o governo do Estado para ver qual a melhor forma de garantir o sucesso aps a instalao dessas placas. Aps a concluso da primeira etapa, que est sendo prevista para o final do primeiro trimestre de 2002, vamos iniciar uma segunda etapa, j contratada e com recursos garantidos de mais R$ 100 milhes para a continuao do programa, esperando-se poder ligar cerca de 44 mil novos domiclios. No est previsto, na segunda etapa, o atendimento de domiclios por meio de energia solar. Isso s dever acontecer com o incio da universalizao a cargo da concessionria, embora, nesse caso, seguramente v se prever alguma coisa em termos de energia convencional.

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Alm do Luz no Campo, temos outra parceria com a CAR, na qual desenvolvemos um trabalho de eletrificao rural bastante bemsucedido. Para responder ao desafio dos domiclios que no sero ainda atendidos pelo programa Luz no Campo, estamos dividindo nosso trabalho em duas etapas que, de certa forma, vo ocorrer em paralelo. A primeira consiste em cadastrar esses domiclios no-atendidos.Apesar de a PNAD ter fornecido um nmero e deste ter sido confirmado por nossos levantamentos, precisamos saber de fato quantos so os domiclios e onde esto. Assim, estamos executando um grande programa de cadastro, com recursos de R$15 milhes, dos quais a Coelba arca com 50% e o governo do Estado, com os outros 50%. Para fazer esse cadastramento vamos utilizar modelos georreferenciados, com os quais poderemos realmente identificar a localizao de cada domiclio e a distncia entre esse domiclio e o ltimo ponto de nossa rede. Alm disso, vamos identificar o tipo de domiclio se so domiclios realmente residenciais, se se trata de uma casa de farinha ou da sede de uma fazenda - para um melhor atendimento. Vamos tambm identificar, no caso das propriedades rurais, a produtiva e a noprodutiva e, ainda, a atividade, pecuria ou agricultura. A legislao atual que prev a universalizao, e que est ainda em discusso na cmara, prope um prazo para a companhia de eletricidade atender aos consumidores. Entretanto, se o interessado, que pode ser o governo do Estado, solicitar, pode haver uma antecipao. Assim, esse cadastro vai realmente proporcionar, tanto Coelba quanto ao Poder Pblico, um instrumento para gerir de uma forma muito mais eficiente e muito mais eficaz o programa de universalizao. Pretendemos concluir esse trabalho at o final de 2002 e, para tanto, dividimos a Bahia em quatro macrorregies, seguindo, basicamente, as regies geogrficas: sul, norte, oeste, centro. Para desenvolv-lo foram contratadas quatro empresas diferentes, com bastante experincia em trabalho de cadastro, sendo trs brasileiras e uma espanhola, associada a uma empresa nacional. Contratamos ainda uma quinta empresa, baiana, qual cabero a fiscalizao e a amostragem, de modo a garantir realmente a confiabilidade desse cadastro. Com isso, teremos certeza dos nmeros e poderemos traar nossa poltica. De posse desse cadastro, o que vamos fazer? Como atenderemos a esses domiclios ainda sem eletrificao? As respostas esto sendo buscadas no trabalho que estamos fazendo em paralelo, ou seja, no programa de pesquisa e desenvolvimento que a Coelba est realizando juntamente com a UNIFACS (Universidade Salvador). Nesse projeto esto sendo aplicados R$350 mil, utilizando-se recursos previstos no

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contrato de concesso, o qual obriga a Coelba a investir em pesquisa e fiscalizado pela ANEEL e pela Agncia Estadual de Regulao de Servios Pblicos de Energia,Transportes e Comunicaes do Estado da Bahia (AGERBA). So dois os objetivos principais dessa parceria. O primeiro deles definir, com base no cadastro, como vamos realizar nosso atendimento - se usando energia convencional ou energia renovvel - com a certeza de que estaremos adotando a melhor forma. O segundo objetivo identificar os problemas de ordem tecnolgica. Em princpio, entre as alternativas de suprimento analisadas, estamos considerando como foco do atendimento a utilizao da energia solar. Mas o atendimento convencional aquele em que temos conseguido bons resultados e nossa experincia, com a energia solar mostrou, de imediato, que o principal problema a gesto dos kits, como j visto. Mesmo quando criada uma associao, quando a Coelba se afasta, em muitos casos as placas so roubadas, as pessoas param de fazer a manuteno e todo o investimento que foi feito acaba se perdendo. Ento essa continua sendo uma das principais preocupaes. Outra preocupao de ordem tecnolgica. Estamos identificando quais as principais falhas, os principais problemas desses equipamentos de energia renovvel, e assim poderemos, juntamente com os fabricantes, tentar minimiz-los e conseguir tambm um sucesso maior.Vamos gastar cerca de 12 meses nessa pesquisa, com a definio da metodologia dos estudos e, depois, sua operacionalizao. Mas esperamos conclu-la juntamente com o programa do cadastro, que est na fase de desenvolvimento de software, validao de dados e treinamento de pessoal para implantao deste trabalho. Nossas preocupaes com os reflexos dessa universalizao so vrias. Primeiro h o prazo colocado na minuta inicial da Resoluo, realmente muito curto, como comprovado pela nossa experincia. Existem tambm muitas dificuldades com os fornecedores e, no ltimo trimestre de 2001, principalmente com o problema do racionamento, isso se agravou. O governo federal acelerou a construo de uma srie de linhas de transmisso e os fornecedores de cabos passaram a ter pedidos muito mais rentveis para eles que aqueles destinados a atender obras de distribuio. Em decorrncia, no estamos conseguindo comprar no mercado os materiais necessrios aos nossos projetos. importante observar ainda que, quando se deflagrou o processo Luz no Campo, vrias concessionrias estaduais aderiram ao programa simultaneamente, e o aumento da demanda de materiais pressionou os preos. Rapidamente os fabricantes passaram a receber grandes pedidos e, imediatamente, os preos de isoladores e de condutores

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subiram. No caso dos postes, por exemplo, os fabricantes anunciaram um grande aumento, que s foi controlado com o anncio de que a Coelba ia montar sua prpria fbrica de postes. Foi essa a nica forma que conseguimos encontrar para evitar presso nos custos. Assim, um programa desse, num prazo muito curto, atingindo todas as concessionrias de distribuio, fatalmente ir ter um impacto nos custos de materiais. A demanda vai aumentar muito rapidamente e, alm disso, haver dificuldades com empreiteiras, fornecedores e outros. Ainda no que se refere a tempo, inicialmente tentamos executar o programa Luz no Campo num prazo muito rpido e, para isso, desenvolvemos juntamente com a CAR, cujo programa tambm significativo, um Manual do construtor. Juntamos todos os fornecedores, todas as empreiteiras daqui da Bahia, para mostrarmos o padro de construo, embora concedendo certa liberdade de execuo, com vistas a acelerar o programa. Foi um completo desastre. Os fornecedores se aproveitaram dessa aparente falta de fiscalizao e comearam a comprar materiais de baixa qualidade e a no obedecer aos padres de construo e qualidade.Tivemos que interromper o processo e at hoje estamos ainda convivendo com esse problema, consertando uma srie de redes, recentemente energizadas, com problemas por causa disso. Infelizmente foi preciso voltar ao mtodo anterior, que exige fiscalizar obra a obra para garantir uma qualidade de servio, o que acabou pressionando o prazo. Afirmamos aqui que em cinco anos estaramos fazendo um investimento de 1,2 bilho de reais em um curto espao de tempo, mas necessrio lembrar ainda que, alm dos investimentos, devem ser considerados os custos adicionais de operao e manuteno: leitura, entrega de contas, etc. importante assinalar que esses custos adicionais, conforme prevem os contratos de concesso, sero absorvidos atravs do aumento tarifrio.As primeiras simulaes, elaboradas para atender a esse programa, indicam que haver um acrscimo tarifrio entre 10 a 12%. Alm desses fatores, uma srie de mudanas que aconteceram no setor eltrico brasileiro vo pressionar as concessionrias de distribuio. Por exemplo: at o ano passado, todos os investimentos na tenso at 230 kV e nas instalaes com esse nvel de tenso eram pagos pelas empresas transmissoras. Isso significava que esses investimentos eram rateados por todas as empresas distribuidoras do pas, sendo pagos por todos os consumidores. Agora, mudaram as regras do jogo. Atravs da Resoluo 433, todos os investimentos que envolvam equipamentos abaixo de 230 kV passaram para as distribuidoras de energia eltrica. Um transformador de 230 kV, ou que tenha uma tenso secundria abaixo desta, 78 kV ou

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79 kV volts, passou para a distribuidora. Para a Coelba, essa alterao significa investimentos adicionais de R$ 30 milhes, em 2002. E esse custo adicional vai ser pago pelos consumidores do Estado da Bahia, ou seja, haver mais presso tarifria, porque, principalmente, uma boa parte desses investimentos no vai agregar nenhum megawatt/hora a mais aos novos parmetros de qualidade de fornecimento. Outra questo que foram criados novos indicadores para medir a qualidade do fornecimento de energia pelas distribuidoras. A partir de 2002, entra em cena um indicador, que no existia no Brasil e poucos pases no mundo tm, com o qual aferida a determinao da ANEEL, que fixa uma durao mxima por interrupo. Hoje, os indicadores de qualidade definem uma durao mensal, trimestral, anual e uma freqncia anual, trimestral e mensal. Para cumprir as metas desse novo indicador, cada subestao vai ter que dispor de, pelo menos, mais um transformador, para prevenir-se no caso de uma falha. Ora, isso no vai agregar nenhum quilowatt/hora a mais de venda e, consequentemente, esse investimento no vai ser coberto por meio de tarifas, sendo totalmente assumido pela distribuidora. Por outro lado, essa condio agravada pelo fato de que e quem conhece o sistema eltrico brasileiro sabe disso - as distribuidoras do Sul e Sudeste do Brasil j tm seu sistema bastante "malhado", ou seja, j contam com bastante folga e, assim, o investimento que tero de fazer por causa dessa resoluo ser muito pouco ou quase nenhum. Historicamente, o sistema de distribuio do Nordeste, por razes que no cabem ser aqui discutidas, recebeu muito pouco investimento.Assim, as distribuidoras desta regio vo sofrer uma presso muito forte e, consequentemente, seus consumidores vo ter uma presso tarifria adicional. Esses novos elementos, juntamente com o Luz no Campo, iro pressionar as tarifas, o que nos traz uma grande preocupao, relativamente perda de competitividade da Bahia para atrair novas indstrias, atrair novos investimentos, em razo desse aumento tarifrio. No que diz respeito s propostas que estamos trabalhando com a ANEEL e tambm com o Congresso Nacional, na discusso do projeto de lei, a primeira delas a fixao de metas diferenciadas por empresa e por regio, segundo a realidade de cada uma dessas regies. Uma empresa que tem uma concesso cujo mercado concentra-se, basicamente, em grandes cidades, a exemplo da Light, cujo principal mercado a cidade do Rio de Janeiro, tem muito pouco investimento a fazer em eletrificao rural. Outro o caso daquelas como a Celpa (Par) ou da Celtins (Tocantins) - dispensando-nos de falar da Coelba - que so empresas que tambm necessitaro de fortes investimentos

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para atender s metas de universalizao. Por isso, cada empresa tem que ter metas diferenciadas. Vem-se tambm discutindo uma outra soluo, similar que foi encontrada para o setor da telecomunicao, que, antes da privatizao das empresas, j tinha previsto nos contratos de concesso, nos oramentos da Unio, as metas de universalizao. Assim, foi criado um fundo da telecomunicao que vem financiando a universalizao, com recursos estatais, recursos de consumidores e recursos das companhias telefnicas. Espelhado-nos nessa experincia, estamos discutindo, neste momento, uma proposta similar que a criao de um fundo de universalizao, utilizando recursos que j existem no prprio setor eltrico, a exemplo da Reserva Global de Reverso (RGR). Hoje, na ltima verso da minuta do projeto de lei do deputado Aleluia, foi includa a criao da Conta de Desenvolvimento Energtico, cujos recursos devero ser utilizados para atender universalizao e financiar a implantao de projetos de energias renovveis no Brasil. Com isso, entendemos ser possvel atender universalizao que, realmente, precisa ser feita, pois no h sentido em, ainda hoje, 560 mil domiclios se encontrarem sem energia eltrica. A experincia mostra que a energia eltrica tem, realmente, um impacto tremendo. Desenvolvemos um trabalho de acompanhamento, em uma determinada localidade, observando a situao antes e depois do fornecimento de energia, e interessante perceber a mudana radical que esse servio provoca. Um caso especfico que acompanhamos foi o da regio de Lage dos Negros, no municpio de Campo Formoso, onde havia uma grande concentrao de povoados sem energia eltrica. A Coelba financiou a linha de transmisso e a subestao, e o governo do Estado, a distribuio. Hoje, Lage dos Negros est eletrificada. Em visita a essa localidade, antes da eletrificao, vimos as pessoas usando candeeiro e, raramente, algum com rdio de pilha. Hoje, todo mundo tem seus eletrodomsticos e os anseios, as expectativas so outros - a comunidade est pressionando por postos de sade e escolas mais bem equipados. Quem ouvia os anseios daquela populao antes e ouve-os hoje, percebe qual o impacto da chegada da energia eltrica. dessa forma que a Coelba desempenha o seu papel - investindo, juntamente com o Poder Pblico estadual, no programa Luz no Campo, e tambm se preparando para a universalizao. Contudo, inegvel a preocupao relativamente ao fato de que, se no se tiver muito cuidado, a Bahia pode vir a perder competitividade, pode ser afetada no seu desenvolvimento.

CENRIOS PARA A ZONA RURAL

Projeto uso racional de energia na agriculturaEnergia solar na agricultura, experincia de Minas GeraisRonaldo Flora CoelhoCompanhia Energtica de Minas Gerais - CEMIG

Esta apresentao rene experincias da Companhia Energtica de Minas Gerais (CEMIG) relacionadas com o uso de energia na agricultura. De certa forma, isso pode extrapolar um pouco o tema. O nome do projeto "Uso Racional de Energia na Agricultura", tendo suas razes na eletrificao rural. A CEMIG tem uma larga experincia com eletrificao rural, iniciada em 1962. Sua rea de concesso cobre 97% do estado de Minas Gerais, atendendo mais de 5.400 localidades e, atualmente, ultrapassando a marca de 5.300.000 consumidores. A CEMIG foi fundada em 1952, e sempre se direcionou o foco para a empresa para que a energia fosse um vetor de desenvolvimento do nosso estado. Essa foi uma das determinaes do ento governador de Minas Gerais, Sr. Juscelino Kubitschek. Percebe-se que a CEMIG, com sua estrutura, com os seus profissionais, sempre esteve preparada para ir alm de gerar, transmitir e distribuir energia eltrica, conhecendo o que se passa com os consumidores e participando de iniciativas relacionadas com as potencialidades do estado de Minas Gerais. Hoje, as companhias energticas, as concessionrias de energia, esto dando maior ateno ao lado da demanda. Porm, o lado da demanda tem uma grande capilaridade - por ser pulverizado, torna-se um desafio. Ento, preciso que cada concessionria, cada empresa, desenvolva estratgias e meios de responder demanda, criando produtos e servios. O que se passa com os cidados no meio rural em qualquer estado brasileiro? Basicamente o mesmo, ou seja: buscam meios para sobreviver ou seguem a tendncia a migrar; procuram fontes de emprego ou facilitam a formao escolar e profissional para os filhos. uma tendncia mundial e natural a migrao do campo para as cidades, mas quando esta acontece de forma muito rpida os setores secundrio e tercirio da economia no se encontram inteiramente preparados para atender ao pblico que vem do meio rural. Em decorrncia disso, verifica-se uma presso pr-investimentos para resolver todas as questes de educao, de sade, de estradas, de abastecimento na periferia das grandes cidades. O nosso pas tem passado por essa experincia e Salvador no diferente disso. claro que, no processo de modernizao, vai-se sempre contar com o seguinte: para cada um que sai do meio rural, aquele que ficou ter que produzir para si e para quem saiu, para que, na cidade, tenhamos alimentos, fibras e outros gneros e, assim, todas as atividades do secundrio e tercirio possam ser desenvolvidas. E, nesse processo, o que cabe a uma concessionria de energia? Alguns poderiam responder que uma concessionria no tem nada a

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ver com isso, que seu negcio colocar energia na propriedade, na residncia, ter lucros e prosperar. Porm, as transformaes que fazem com que a sociedade se torne a cada dia mais complexa repercutem nas concessionrias de energia, exigindo solues tambm cada vez mais relacionadas com projetos de desenvolvimento sustentvel.A formulao de projetos de eletrificao rural, incluindo uso da energia para fins produtivos um exemplo tpico. Para a CEMIG, nas dcadas de 1960 e 1970, o foco principal voltou-se para a eletrificao rural e a expanso de redes e novas ligaes. Uso Racional de Energia na Agricultura, uma nomenclatura que ganhou espao dentro da CEMIG nos anos 1980 e 1990, quando, simplesmente, j no fazia mais sentido falar em eletrificar novas propriedades. Tornou-se necessrio dar nfase tambm ao uso da energia para fins domiciliares e produtivos. Mas o fato que a CEMIG sempre participou dos Programas de Desenvolvimento Rural realizados por Minas Gerais e tem, para isso, realizado parcerias, o que uma questo-chave na eletrificao rural. Um dos seus grandes parceiros a EMATER-MG, uma empresa de extenso rural - a concessionria de energia e a extenso rural se somam. O projeto Uso Racional de Energia na Agricultura resultado da cooperao tcnica Brasil-Alemanha, implementada em Minas Gerais atravs da CEMIG, da GTZ e da EMATER. O nosso objetivo o desenvolvimento de modelos e estruturas para a melhoria da utilizao de energia eltrica na agricultura, inclusive de fontes alternativas e renovveis de energia. O desenvolvimento de modelos tem duas conotaes bsicas. Uma, de natureza tecnolgica, o esforo de melhorar a eficincia energtica; a outra, de carter estratgico, a disseminao, para outras reas, dos resultados, com o apoio e participao da extenso rural. Nessa parceria h uma grande riqueza, porque, quando falamos de energia eltrica, falamos de engenharia, de cincia exata, mas quando se trata de extenso rural, lida-se com relaes humanas.Assim, a empresa energtica que entende de engenharia, associada a uma empresa que entende de sociologia rural e extenso, agrega valor e sinergia. O desenvolvimento de modelos, nesse caso, no algo que se realiza exclusivamente em laboratrio, compreendendo tambm um esforo para a participao das pessoas, inclusive de produtores rurais (usurios de mquinas, equipamentos), fabricantes, professores e estudantes.Assim, tentamos, conhecer processos produtivos e os equipamentos que so utilizados, para idealizar modelos aplicveis. Informaes, capacitao e treinamento so indispensveis para introduzir novas tecnologias e consolidar a adoo de prticas.

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Projeto uso racional de energia na agricultura

O projeto tem como temas centrais: - fontes renovveis de energia; - eletromecanizao; - treinamento e capacitao; - divulgao dos resultados. Sintetizando o que at aqui foi dito: trabalhamos com o desenvolvimento de modelos de equipamentos utilizados em processos de produo, de transformao e de conservao de produtos ou, at, nos trs processos. Se abordamos os trs processos surge a idia da cadeia produtiva, que a verticalizao da agricultura com maior agregao de valor produo local de uma regio.

Pr-eletrificao ruralOs painis fotovoltaicos podem atender s necessidades de iluminao e de comunicao com aparelhos de rdio e de TV em branco e preto, mas tornam-se inviveis economicamente para outras cargas que demandam maiores potncias. O conceito de preletrificao rural com painis fotovoltaicos para reas rurais remotas foi desenvolvido a partir da associao de dois fatores bsicos: elevado custo de ligao para grandes distncias, o que se agrava quando baixo o nvel de renda das famlias, e convico de que a potncia instalada ser insuficiente para determinadas cargas futuras. Para dimensionar sistemas e atender s demandas bsicas das residncias includas neste projeto foi realizada uma pesquisa. Concluiuse que duas opes de potncia poderiam ser ofertadas: um painel de 50 watts ou dois painis de 50 watts, totalizando 100 watts, para que fosse possvel o uso de lmpadas fluorescentes compactas, diariamente, por at trs horas, e de rdio. Com atendimento duplo, pode-se incluir tambm um aparelho de TV em preto e branco. Com essas opes, as famlias passaram a pagar R$4,00 ou R$8,00/ms, valores estes equivalentes aos gastos mensais anteriores com querosene, pilhas para rdios, velas e transporte. Os valores arrecadados mensalmente foram sendo depositados em caderneta de poupana administrada pela associao de produtores, pelo tcnico da CEMIG e pelo extensionista local. Os recursos so utilizados pela associao exclusivamente para reposio de materiais, troca de lmpadas, inversores, regulador e baterias, etc. Calculamos que esse dinheiro daria para que fosse feita a primeira reposio de baterias, cuja vida til foi estimada em dois ou trs anos. Agimos assim porque tnhamos dvidas a respeito de qual

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seria a prioridade das famlias quando a primeira bateria acabasse, pois as necessidades e carncias so muitas. A CEMIG no pde fazer isso sozinha e a EMATER entrou tambm. Trata-se de trabalho em reas j organizadas pela extenso rural, o que se torna imprescindvel para a gesto, especialmente para a arrecadao das mensalidades e participao nas experincias das comunidades. A experincia foi desenvolvida em duas pequenas comunidades, localizadas a 125 km da sede do municpio de Diamantina, conhecida cidade histrica e turstica, e a dez km da rede de distribuio mais prxima. Para conectar as 14 residncias seria necessrio um investimento de R$ 60 mil, que as famlias residentes no tinham condies de pagar. Essa primeira modalidade no uma soluo que possa ser levada a todos os produtores rurais ou domiciliados no meio rural que no tm energia eltrica. Achamos que funciona bem no caso de comunidades como as do exemplo citado, mas no perdemos de vista o foco bsico que pr-eletrificao.Assim, essa experincia foi implantada em 1996, mas em 2000 a rede eltrica chegou a algumas dessas casas, os painis foram retirados (a vida til deles de 25 anos), e j foram instalados em outras casas (segunda mo), ainda no alcanadas pela rede eltrica. Um dos agricultores foi treinado e assumiu o papel de eletricista local. Periodicamente a comunidade ainda visitada por uma equipe tcnica da CEMIG, que verifica o andamento do projeto. O "eletricista" treinado continua sua vida de agricultor, no largou a enxada e mantm a sua lida diria. Sua atuao, obviamente, tem limites: ele no capaz de visitar as residncias e resolver problemas mais complexos. Por outro lado, muito difcil e oneroso para uma concessionria a operao e manuteno de sistemas de gerao descentralizada em comunidades dispersas e distantes. Avaliaes socioeconmicas e de hbitos tm sido feitas para verificar o impacto do projeto. O impacto social da gerao descentralizada de energia expressivo. O efeito nocivo das lamparinas a querosene para as pessoas j razo suficiente para criar solues que atendam s mais simples necessidades humanas. Entendemos que a sustentabilidade desses projetos depende da capacitao de pessoas para agir e tomar decises locais, pois, se a tecnologia empregada na fabricao de painis e outros componentes envolve complexidade e custos, o modelo de gesto depende de continuidade e da participao de pessoas muito simples - nesses casos, grande parte dos gestores dos sistemas so os prprios usurios. Esse modelo agregou uma certa experincia e a CEMIG, a partir disso, evoluiu para uma srie de outros projetos, mas sempre com

muita cautela, com muito cuidado, porque, se essas famlias no so atendidas satisfatoriamente, alguma coisa muito grave pode acontecer. O estado de Minas Gerais grande, as distncias so imensas, as estradas podem no ser transitveis o ano todo; assim, se essas pessoas j esto em reas remotas, a descentralizao da soluo energtica torna-se um facilitador diante de tantos outros desafios.Aspectos relevantes

Primeiramente, o fato de que a parceria com a extenso rural e a organizao comunitria, ponto fundamental, vai muito alm dos trabalhos de uma concessionria de energia que j tem seus problemas com quem j est conectado na rede. Esse um trabalho extra, de custo elevado e retorno muito baixo. Em segundo lugar, o desejo e a determinao da CEMIG de atender a seus clientes em sua rea de concesso. Hoje, quando se negocia a eletrificao rural convencional com as prefeituras, colocada como alternativa o painel fotovoltaico.Avaliase o que melhor se aplica s circunstncias, realidade de cada caso. Outro modelo desenvolvido com utilizao de painis fotovoltaicos consiste em uma experincia em rea de aproximadamente dois hectares, vinculada a um campo de produo de hortalias, com a prefeitura municipal de Itamarandiba. Esse campo de produo suplementa com verduras e legumes a cesta bsica de 35 famlias. possvel, tecnicamente, irrigar com painel fotovoltaico, porm o investimento inicial inviabiliza projetos. Disponibilizamos as informaes, vamos at o local para demonstr-las, mas quando entramos na discusso do custo a situao bem diferente. Irrigar com energia solar ainda no recomendvel economicamente.Cadernos Flem III - Energia Novos Cenrios

Secador solar

O trabalho de cooperao com a Agncia Alem de Cooperao Tcnica (GTZ) tem dado resultados admirveis. tambm um caminho para intercambiar experincias com outras instituies e absorver tecnologia. Esse secador solar - desenvolvido por um pesquisador de uma universidade alem, com estudos em agricultura tropical - um bom exemplo de utilizao com inmeros vegetais, contando-se entre eles plantas medicinais, frutas e legumes. O secador tem uma cobertura de plstico, formando uma estufa. O ar quente circula com o auxlio de um ventilador, nesse caso, acionado por motor eltrico. Esse equipamento j est sendo produzido no Brasil e, no incio de 2002, o pesquisador da Universidade de Hohenheim, que o desenvolveu, estar

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no Brasil para fortalecer o processo de comercializao dos secadores e apoiar os revendedores em assistncia tcnica e ensinamentos bsicos sobre o processamento de produtos. O potencial de aplicao desse secador grande em regies tropicais, como o caso de parte de Minas Gerais e Bahia.Microcentral Hidreltrica

Temos outro modelo que a experincia com microcentral hidreltrica, uma usina fabricada no Brasil, que atende a um grupo de 14 famlias. A rede de distribuio ainda est um pouco distante e o nosso objetivo avaliar o funcionamento de mais essa opo de gerao descentralizada de energia, gerida pela prpria associao de produtores. A preocupao constante com gerao descentralizada a busca de sustentabilidade dos projetos, incluindo-se a confiabilidade no fornecimento e a satisfao dos consumidores. Os resultados at aqui so satisfatrios, porm a exigncia em superviso maior que no caso dos painis fotovoltaicos.Projeto Casas de Mquinas (CDM)

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Projeto uso racional de energia na agricultura

Trata-se de uma abordagem coletiva de estmulo ao uso racional da energia. So unidades comunitrias constitudas por um conjunto de mquinas e equipamentos para processamento e beneficiamento de produtos agropecurios, com o uso de energia eltrica e tecnologias apropriadas. As condies econmico-financeiras dos pequenos produtores rurais apresentam-se como o principal fator limitante ao uso da energia eltrica no processo produtivo agropecurio, restringindo o uso de tecnologias e o aumento da produo e da renda dessa camada da populao. De outro lado, como a produo familiar se d em nveis quantitativos reduzidos, torna-se invivel economicamente a utilizao de equipamentos individuais para fins de processamento e conservao da produo agropecuria, o que poderia ser viabilizado com o uso comunitrio nas Casas de Mquinas. Objetivos Agregar valor produo atravs do beneficiamento e processamento dos produtos agrcolas nas prprias comunidades rurais, reduzindo custos e aumentando a renda das famlias. Possibilitar a utilizao dos resduos dos produtos beneficiados, principalmente como adubo orgnico.

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