catalogo47 completo

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Governo do estado de Pernambuco Governador

Fundao do Patrimnio Histrico e artstico de Pernambuco (FundarPe) preSidente

Eduardo Camposvice-Governador de pernambuco

Severino Pessoadiretora de GeSto

Joo Lyra Neto Tadeu Alencar

Secretrio da caSa civil

Sandra Simone dos Santos Brunodiretor de GeSto do Funcultura

Emanuel Soares de Lima Clio Pontes

secretaria de cultura do estado de Pernambuco

diretor de GeSto de equipamentoS culturaiS

Fernando DuarteSecretrio-executivo

Secretrio

diretora de preServao cultural

Clia Campos

Beto Silva

diretor de produo

Fernando Augusto

diretoreS-executivoS

Vincius Carvalho e Beto Rezendediretor de polticaS culturaiS

Carlos Carvalho Felix Farfan

coordenador de arteS viSuaiS

diretor de articul ao inStitucional

Claudemir Souza Flix Aureliano

diretor de Formao

diretor de GeSto

Jos Mrio Duarte Coelhodiretora de pl anejamento

Amara Cunha

GeStoraS de comunicao

Michelle Assumpo e Olvia Mindlo

apoio institucional

apoio

realizao

Recife, 2012

apresentao pgina 6 o 470 salo de artes plsticas de pernambuco luciana padilha PGINA 10 uma homenagem a jairo arcoverde PGINA 16 RAul crdula PGINA 29 bolsas e prmios PGINA 38 amandamelo PGINA 40 bianca bernardo PGINA 48 celina portella e elisa pessoa PGINA 56 cia de foto PGINA 64 deyson gilbert PGINA 72 dominique berth PGINA 82 fabiano gonper PGINA 90 fabio okamoto PGINA 98 graziela kunsch PGINA 106 izidorio cavalcanti PGINA 114 jeims duarte PGINA 122 joana d'arc de souza lima PGINA 130 joo castilho PGINA 144 jonathas de andrade PGINA 152 jura capela PGINA 160 marcos costa e carlos mascarenhas PGINA 168 maria eduarda belm PGINA 176 matheus rocha pitta PGINA 184 pedro david PGINA 192 sofia borges PGINA 200 tatiana devos gentile PGINA 208 processo de orientao PGINA 216 luisa duarte PGINA 218 luiz camillo osorio PGINA 222 maria do carmo nino PGINA 226 ricardo basbaum PGINA 228

S161q

Salo de Artes Plsticas de Pernambuco (47.: 2012: Recife, PE) 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco/Secretaria de Cultura de Pernambuco, Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco; coordenadora geral Luciana Padilha. Recife: Zoludesign, 2012. 256p.: il. ISBN 978-85-60411-05-4 1. artes plsticas exposies catlogos. 2. artistas plsticos brasil. I. Secretaria de Cultura de Pernambuco. II. fundarpe. III. Padilha, Luciana. IV. Ttulo. cdu 73 cdd 730

PeR BPE 12-0165

prmio de fomento de intercmbios em arte/educao PGINA 234

Com formato herdado das grandes exposies realizadas na Frana desde o sculo XIX, os sales de arte se espalharam pelo mundo e cambiaram seu papel ao longo da histria. Se no incio cumpriam a tarefa primordial de apresentar um panorama numeroso da produo plstica de determinada poca, submetendo-o a um dado julgo esttico, hoje sua funo ou suas funes tende a estender tal atribuio. Buscando se adequar s exigncias da arte contempornea, o Salo de Artes Plsticas de Pernambuco um exemplo disso. Criado em 1942 como um salo de pintura, num terreno frtil de criatividade artstica, o evento vem mudando suas feies desde ento. Ao longo das ltimas dcadas, recebeu e premiou trabalhos de artistas que viraram referncia dentro e fora da cena pernambucana. o caso de Jairo Arcoverde, o homenageado desta edio. Mesmo com alguns hiatos, o Salo tornou-se uma instncia de maior importncia na exposio e na consagrao das artes plsticas do Estado talvez at a principal. Hoje, destaca-se por procurar estimular a criao visual em todo o seu processo, contemplando os artistas com bolsas de pesquisa, e no apenas com prmios que chancelam a obra de arte em seu formato final como tradicionalmente acontece nos sales. A 47 edio, resultante de um trabalho iniciado em 2008, chega em 2011 para consolidar tudo isso; chega para apresentar um panorama artstico que vem sendo acompanhado desde o seu embrio, quando ainda estava no plano das ideias, fervendo na mente8

inquieta de jovens artistas. A 47 surge ainda com a misso de dar continuidade a um esforo de renovao, cujo pontap veio no incio dos anos 2000, com a criao das bolsas. Apresentando o seu resultado final em dois espaos o Museu do Estado de Pernambuco (Mepe) e o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhes (Mamam) e ainda em um denso material editorial, composto de catlogo e cadernos, o Salo desponta como fruto de um edital aberto para todo o Brasil. O saldo est na seleo de bolsistas das mais diferentes linguagens e tambm de premiados nas reas de grafitagem, intercmbio em arte-educao e ensaio terico. Para ampliar e aprimorar seu formato, o Salo buscou atender a uma solicitao do prprio setor de artes visuais, que participou como cogestor da elaborao de um novo formato de edital. O resultado desse percurso deve no somente ser apreciado, como servir de exemplo para o que est por vir nos prximos anos. Por isso, parabenizamos todos os artistas, gestores e produtores que ajudaram a dar flego ao Salo de Artes Plsticas de Pernambuco, tornando sua continuidade possvel. Secretaria de Cultura de PernambucoV ista da entrada da exposio no Museu de Artes Moderna Aloisio Magalhes.

V ista da entrada da exposio no Museu do Estado de Pernambuco.

Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco (Fundarpe)9

o 47o salo de artes plsticas de pernambucoEm 2008, o Salo de Artes Plsticas de Pernambuco lanava a sua 47 edio, na continuidade das diretrizes inauguradas em sua 45 edio (2002), vislumbrando um formato alternativo de Salo, trazendo, como coluna vertebral, um Programa de Bolsas de Pesquisa e Produo. Constitudo a partir de um edital pblico, o 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco teve alcance nacional e ofereceu 45 bolsas e prmios distintos, distribudos em oito categorias. Apostando na relevncia dos processos de criao, em detrimento de valorizar apenas obras concludas (como habitualmente ocorre nos formatos tradicionais de salo, conforme estabelecidos desde o sculo XIX), o 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco selecionou, em seu Programa de Bolsas de Pesquisa e Produo, 21 projetos. Essas bolsas foram distribudas ao longo de 10 meses, perodo no qual os bolsistas puderam desenvolver um projeto indito de pesquisa. Os projetos contemplados nesse Programa de Bolsas apresentaramse a partir de campos distintos, que, entretanto, se entrecruzaram: foram oferecidas dez bolsas para projetos de pesquisa e produo em artes plsticas, cinco bolsas para projetos de pesquisa e produo em fotografia, uma bolsa para projeto de pesquisa sobre artes visuais em Pernambuco, uma bolsa para projeto de videodocumentrio sobre artes visuais no Estado e quatro bolsas para residncias artsticas realizadas em Pernambuco. Assim, com nfase na criao em artes plsticas, na fotografia, na teoria e histria da arte, no videodocumentrio ou na experincia de se envolver criativamente com algum contexto especfico (as residncias), os bolsistas se dedicaram a processos de criao em aberto, ao longo dos meses de pesquisa. Os projetos inventados e vividos pelos artistas demonstraram a complexidade da criao na atualidade. As bolsas oferecidas permitiram abordagens das mais diversas, desde o estabelecimento de relaes aparentemente tradicionais de pesquisa at mais experimentais, como esforos de diluio de autoria, de dissoluo da obra de arte, ou de projetos que ocorrem entre campos distintos da criao e do conhecimento. Os processos criativos reverberaram, portanto, em formas igualmente variadas de (re)apresentao,10

desde obras de arte a revistas, textos ou vestgios de algo que foi vivenciado, mas cuja reencenao no contexto de uma exposio se faz impossvel. Durante os 10 meses de pesquisa, assim como ao longo dos meses seguintes de concepo dos trabalhos que viriam a integrar as exposies realizadas pelo 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco, os artistas contaram com a interlocuo de crticos/ artistas/curadores. Convidados por esta edio do Salo como orientadores, Luisa Duarte, Luiz Camillo Osorio, Maria do Carmo Nino e Ricardo Basbaum acompanharam a produo dos bolsistas, lanando um olhar colaborativo e crtico sobre suas pesquisas e engajando-se numa interlocuo criativa partilhada nos textos publicados neste catlogo, nos quais esses interlocutores se debruam sobre os trabalhos produzidos pelos artistas que acompanharam. Alm do Programa de Bolsas de Pesquisa e Produo, esta edio do Salo de Artes Plsticas ofertou tambm prmios com o intuito de fomentar outras abordagens de pesquisa: foram premiados quatro ensaios tericos sobre a produo pernambucana de artes visuais, quatro projetos de grafitagem e cinco prmios para um programa de intercmbio em arte/educao, instituindo pesquisas no mbito da teoria da arte e das intervenes urbanas, como tambm trazendo e valorizando discusses sobre a educao no campo das artes. Distribudos em duas grandes mostras realizadas entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, todos os premiados e bolsistas desta edio do Salo trouxeram a pblico alguns resultados e vestgios de suas produes e seus processos de pesquisa. As exposies ocorridas no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe) e no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhes (Mamam) representam um fundamental momento de dilogo entre o pblico e os processos criativos que, em torno do 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco, se desenrolaram desde 2008. As mostras apresentaram obras, mas sobretudo processos de criao. Os trabalhos teceram uma conversa de mltiplos sotaques, reunindo artistas advindos de diversos lugares, com os mais variados11

interesses agrupados no apenas pelas estratgias e linguagens que porventura tenham em comum, mas por haverem partilhado de uma experincia processual de criao, o 47 Salo. A reunio desses trabalhos representou, a um s tempo, a concluso de um processo de pesquisa e o incio de um novo ciclo de discusses e experimentaes, revelado em algumas de suas complexas facetas. O conjunto de aes contempladas neste edital refora um modelo de gesto participativa da sociedade civil, buscando uma poltica pblica de cultura que redefina e consolide a importncia de fomentar as artes visuais numa ao efetiva do Governo do Estado. Como resultado desse dilogo, em 2009, ao longo do processo de pesquisa dos bolsistas/premiados do Salo, foram realizadas trs exposies que integraram tambm a programao desta 47 edio: Narrativas em Madeira e Muro: Presena da Xilogravura Popular nas Obras de Samico e Derlon (curadoria de Adriana Dria Matos, realizada entre janeiro e fevereiro, no Museu do Estado de Pernambuco), O Lugar Dissonante (cocuradoria de Clarissa Diniz e Lucas Bambozzi, realizada entre junho e julho, na Torre Malakoff) e Macunama Colorau (realizada em dezembro, no Museu de Arte Contempornea de Pernambuco). As mostras trouxeram importantes contribuies para se discutirem as relaes entre arte e cultura popular, arte e tecnologia e arte e ativismo enquanto, em suas pesquisas individuais, os bolsistas punham prova os limites das prticas artsticas, o Salo discutia publicamente esse transbordamento de fronteiras, apontando tambm para questes to prementes quanto a diluio da autoria, a relao homemmquina, o desafio da colocao poltica da arte no sculo XXI, dentre outras. As trs exposies contaram com catlogos e cadernos educativos, outra relevante atividade do 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco, constituindo o Educativo do 47 Salo, que atuou em todas as exposies realizadas recebendo escolas e pblico espontneo, bem como realizando laboratrios e oficinas para um pblico bastante diversificado, alm de atividades paralelas, como seminrios e lanamentos de publicaes , publicando, em todas12

elas, um caderno dedicado a atividades e discusses relativas a pontos centrais de cada mostra. tambm no sentido de contribuir para a histria da arte de Pernambuco que o 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco retoma a prtica presente em edies antigas de homenagear artistas pernambucanos e, assim, reverencia o artista Jairo Arcoverde, presena fundamental na arte local desde os anos 1960 e que, como tantos artistas de Pernambuco, constituiu uma obra que precisa ser sempre revisitada e pensada criticamente. Como parte das homenagens, este catlogo traz pginas dedicadas ao trabalho de Jairo Arcoverde, bem como foi adquirida, para a coleo do Governo do Estado de Pernambuco, uma pintura do artista. Dessa forma, o 47 Salo compreendeu a si prprio como uma atividade em processo, distribuda no espao-tempo que se estendeu do lanamento de seu edital pblico, em 2008, realizao de suas exposies finais e ao lanamento das publicaes (Caderno de ensaios, Caderno do prmio de grafitagem e Catlogo), no incio de 2012. Atuar em mltiplos campos criao, histria e educao, por exemplo foi um dos nortes desta edio do Salo, cuja complexa rede de atividades diz do compromisso do Governo do Estado de Pernambuco com as artes visuais, fomentando-as e difundindo-as. A intensa e rica experincia de concepo e realizao deste 47 Salo j reverbera em sua 48 edio, que incorpora transformaes sugeridas ao longo da realizao desta edio, bem como abre espao para novas proposies, experimentos de um salo de artes plsticas que busca disposio e estratgias para estar, junto arte, sempre em processo de (re)criao. Processo em aberto, e a ser continuado, pelo que agradecemos a todos os envolvidos no 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco. Luciana PadilhaCOORDENADORA-gERAL DO 47 Salo de arteS PlSticaS de Pernambuco

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uma homenagem a jairo arcoverde

Jairo arcoverdeNa inteno de ser uma contribuio para a memria das artes visuais produzidas em Pernambuco, o 47o Salo de Artes Plsticas de Pernambuco homenageia o artista Jairo Arcoverde. Sua obra dialoga com as pesquisas abstratas levadas adiante por artistas de Pernambuco, contemporneos seus como Anchises Azevedo, Montez Magno, Ado Pinheiro, Raul Crdula, dentre outros , delineando-se como uma relevante investigao no sentido de uma abstrao no construtivista, centrada na explorao do carter expressional e lrico das formas no objetivas, interesse nutrido pela obra de artistas como Kandinsky e Paul Klee. Alm da aquisio de uma pintura de Jairo Arcoverde para a coleo do Governo do Estado de Pernambuco, a homenagem se completa neste Catlogo, que traz uma seleo de obras de perodos diversos da produo do artista e um texto indito de Raul Crdula, crtico e artista que h dcadas acompanha o trabalho do homenageado. Tambm a identidade visual desta edio do Salo inspirada na obra do artista, apropriando-se de seus grafismos, bem como de cores presentes em seus trabalhos. Em sua trajetria, Jairo Arcoverde no se filiou a grupos de artistas ou movimentos, cultivando uma concepo independente e pessoal de arte. Partilhando da ideia de que pintura no se aprende, Jairo Arcoverde esteve sempre pouco afeito aos modos institucionalizados de estudar e, sobretudo, de pintar. O artista que se muda para o Recife ainda na infncia havia, no princpio dos anos 1960, cursado Desenho Tcnico de Arquitetura e Mveis na Escola Tcnica Federal de Pernambuco, mas, descontente com as possibilidades da arquitetura, passa a pintar aps conhecer o artista Luiz Notari, que o estimula. Quando Jairo Arcoverde ainda se encontrava em seus primeiros experimentos sobre tela, Notari o convence a enviar trabalhos para uma mostra competitiva da cidade e, aps haver sido premiado e ter vendido os trs trabalhos que enviara para a exposio, entusiasmase para seguir dedicado pintura. Decidido a ser artista, matriculase na Escola de Belas Artes do Recife, onde encontraria um rico ambiente de trabalho e interlocuo, alimentado por professores17

Jairo Arcoverde (Recife, PE, 1940) Vive e trabalha no Paulista. Realizou cursos na Escola de Belas Artes do Recife e na Escola Tcnica Federal de Pernambuco. Dentre suas participaes em mostras coletivas, destacam-se Panormica da Pintura Pernambucana, no Clube Nutico Capibaribe (Recife, 1966); coletiva no Museu do Estado de Pernambuco (parceria do Instituto goethe Bahia e do Consulado geral da Alemanha, Recife, 1976); Panormica da arte atual em Pernambuco, na galeria Lula Cardoso Ayres (Recife, 1981); Projeto arcoris, no Instituto Nacional de Artes Plsticas (Inap, Rio de Janeiro, 1981); recife e Porto na arte, no Centro Unesco do Porto (Portugal, 1993). Realizou mostras individuais na galeria Casa Holanda (Recife, 1970), no Salo Negro do Congresso Nacional (Braslia, 1979), na galeria Macunama (Funarte, Rio de Janeiro, 1982), na Artespao galeria de Arte (Recife, 1988, 1990, 1992), no Espao Cultural Bandepe (Recife, 1996), no Museu do Estado de Pernambuco (Recife, 2008) e no Museu do Barro (Caruaru, 2008), dentre outras. Recebeu prmios diversos, como os prmios das edies 25, 32, 34, 35 e 39 do Salo do Museu do Estado de Pernambuco (Recife, 1966, 1979, 1981, 1982 e 1986), do 1 Salo nacional de arte universitria (Belo Horizonte, 1968), do 1 Salo de arte Global de Pernambuco, Museu de Arte Contempornea de Pernambuco (MAC, Olinda, 1974), do Salo Nacional (Rio de Janeiro, edies de 1983, 1984, 1986 e 1988) e do Salo de Arte Contempornea de Pernambuco (categoria de Arte-mural em Caruaru e Nazar da Mata, respectivamente nas edies de 1987 e 1988).

como Reynaldo Fonseca e Vicente do Rego Monteiro; alunos como Ismael Caldas, Roberto Lcio, Joo Cmara; dentre muitos outros. Cursando livremente as aulas da Escola, onde tambm dispunha de um ateli, Jairo Arcoverde amadurece seu trabalho e, aos poucos, torna-se um pintor reconhecido no Recife. Suas primeiras exposies e vendas lhe possibilitaram, entre o fim da dcada de 1960 e o princpio dos anos 1970, criar, em Olinda, um ateli com Ismael Caldas e Jos Maria, assim como casar-se com Betty Gatis.jairo arcoverde 1 992 Acrlica sobre tela, 100 x 34 cm

com uma nova linguagem, o distanciamento dos mtodos acadmicos e o dilogo estabelecido com a pintura de artistas como Paul Klee, Joan Mir e Wassily Kandinsky criaram um terreno propcio reinveno da pintura de Jairo Arcoverde, que, ento, d incio a um processo de transio entre um trabalho figurativo (marcado pela representao de sobrados do Recife) e seus primeiros experimentos abstratos, envoltos em liberdade e lirismo. Momento-chave em sua trajetria, Jairo Arcoverde demarcava, em meados dos anos 1970, um lugar para sua pintura. Sua abstrao antieconmica e desordenadora o distanciava das expectativas burguesas que inicialmente queriam ver no artista um discpulo da19

Nesse perodo, atravs de Jether Peixoto, Jairo e sua esposa tambm artista entram em contato com a cermica. A relao18

obra tardia de Lula Cardoso Ayres, demonstrando ser um caminho frtil para sua personalidade inventiva e provocadora. As pesquisas de Jairo e Betty Gatis que fundiam, na cermica, a abstrao, a lgica decorativa e as referncias estticas populares levaram o casal a se estabelecer no Alto do Moura, em Caruaru, onde construram uma oficina de cermica. Inseridos num amplo contexto de valorizao da cultura popular e de afrouxamento das fronteiras que queriam hierarquicamente distinguir da outrora chamada cultura erudita contexto do qual, com intenes e mtodos bastante diversos, faziam parte aes como as do Movimento Armorial e da arquiteta Janete Costa, por exemplo , Jairo Arcoverde e Betty Gatis permaneceram por 16 anos em Caruaru, desenvolvendo um trabalho que encontrou ressonncias local e nacional. Ao fim dos anos 1990, o casal e seus filhos retornaram a Olinda, onde inauguraram, na Rua do Amparo, uma loja que vende trabalhos produzidos por toda a famlia poca, alguns dos filhos do casal j se iniciavam na arte e no design. Esse perodo marcou outra forma de dedicao de Jairo Arcoverde sua pintura, quando retoma um modo mais intimista e concentrado de trabalho, evidenciado nas mltiplas experimentaes com nanquim sobre papel. A virada para os anos 2000 e, em 2006, a mudana do artista para a casa-ateli na Praia do Janga assentaram o mais maduro perodo da pintura de Arcoverde, cuja anarquia ideolgica tomou, de uma vez por todas, sua obra. revelia do que ocorre com grande parte dos artistas aps muitas dcadas de trabalho, a obra recente de Jairo no repete os esquemas inventados em sua trajetria, mas recria-os com muita experimentao e liberdade. Com menos compromissos com o pblico, o mercado, a crtica, etc. e, portanto, especialmente concentrado em sua criao, Jairo Arcoverde no pestaneja quando diz: Eu pinto para mim mesmo. Eu s pinto um quadro quando olho para ele e me d prazer.

jairo arcoverde 1 993 Acrlica sobre tela, 67 x 48 cmcoleoantnioamaral

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pginas 22 e 23 jairo arcoverde 1 982 leo sobre tela, 61 x 69 cmcoleomuseudoestado

2 006 Acrlica sobre tela, 90 x 43 cm

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jairo arcoverde 2 002 Guache e nanquim sobre canson, 62 x 42 cm 2 000 Nanquim e aquarela sobre canson, 42 x 30 cm

2 003 Nanquim e aquarela sobre canson, 42 x 30 cm 2 003 Nanquim e aquarela sobre canson, 42 x 30 cm

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estranhas maravilhasA arte de Jairo Arcoverde me interessa desde quando descobri um quadro seu pendurado na parede de um banco da parte antiga de Joo Pessoa, no incio da dcada de 1970. J tinha ouvido falar dele, pois na cidade existiam alguns parentes seus e, na poca, tudo l era ainda menor. Mas meu encontro com sua pintura, embora apenas com aquela tela, foi marcante. Eu era um artista com poucos dilogos alm dos limites cotidianos e ingnuos de qualquer provncia, e no havia nada alm dos deslumbramentos que me provocavam os poucos e raros livros de arte que me chegavam s mos ou as conversas e instigaes com os meus pares jovens artistas. A pintura de Jairo ento me revigorou e revigorou as atitudes de alguns amigos pintores. No que ns no tivssemos informaes sobre uma arte livre de cnones acadmicos e eivada do inconsciente com smbolos ancestrais, como era e continua sendo a pintura de Jairo eu mesmo sempre me aninhei nessa vertente dos sonhos onde Jairo coexiste , mas tambm porque aqueles tempos foram especiais. A dcada de 1970 foi especial e estranha. Vista de longe, perdese num emaranhado de interfaces como se fosse um filme sem roteiro, mas, se analisamos em detalhes, encontramos encalhadas naquelas tramas enferrujadas algumas ilhas de pensamentos organizados e lembranas de acontecimentos racionais resultantes da procura do sentido perdido na absurda realidade poltica e social em que vivamos. O artista da poca lutava em duas frentes: para suportar a frustrao do seu ego poltico ferido e para sobreviver na dura realidade do dia a dia. Muitos de ns nos dispersamos, alguns por opo, outros por desencanto, mas outros resolveram enfrentar o poder abusivo usando sua arte como suporte para a ideologia poltica. No s a arte, mas as prprias atitudes se modificaram. Assolou-nos a idia do viver perigosamente at o fim, inspirada pela Godard da dcada passada em Acossados. Ele foi um dos cones da poca, cujos filmes compartilhavam com o mundo a atmosfera de uma Paris que se rebelava, um misto de existencialista e maosta. Para muitos de ns, que vivamos ecos beatniks, o lcool e a maconha falavam ao p do ouvido, como pequenos demnios de desenho28 29

jairo arcoverde 1 978 Acrlica sobre juta sobre eucatex, 66 x 62 cmcoleolucdiajordo

animado, prometendo-nos infernos e parasos. Vivamos a utopia do herosmo e desobedecamos ordem instituda. Da o meu dilogo com a arte de Jairo. De incio, foi uma fala solitria e distante, mas com a esperana de encontr-lo, conhec-lo, trocar idias, negociar territrios de linguagens que nos eram comuns. Nossa conversa comeou ali, naquele banco, bem antes de eu encontrar sua figura batava nas ladeiras de Olinda e saturar minhas retinas com seus quadros iluminados pelo sol. Na casa de Humberto Magno, encontrei-o um dia bebendo rum na roda de amigos. Na parede, um quadro seu com figuras sadas de uma fantasia branca, azul e laranja, figurinhas bizarras pintadas por um homem que trazia consigo o sentido do maravilhoso. Maravilha, eis a palavra que traduz a obra de Jairo, maravilha no sentido de algo que pertence a uma dimenso onde as coisas, os objetos comuns que circulam naturalmente, os animais, os insetos, os viventes grandes e pequenos esto carregados de uma beleza incomum e assustadora, algo que s pode ser concebido num estado de conscincia avanado. Muitas coisas me identificam com isso. Uma delas meu interesse pela garatuja; pelas anotaes nos cadernos de recados ao lado dos telefones; pelos smbolos rabiscados nos muros, como vaginas, falos e coraes; pelos insetos, peixes, tartarugas, centopeias. Um grande poeta paraibano chamado Luis Correia escreveu nos anos 1960: No lugar onde mora Amlia Reis / o tempo to imoto e sem aragem / que sobre o corpo dela as unhas crescem / como crescem nas rvores as bagens. / No lugar onde mora esta menina / o tempo tem razes to mortais / que pra frutificar eu estrumei-o / com os mansos e dejetos animais. Esse clima surrealista, onrico, esquizoide para mim uma das tradues de maravilhoso. Os artistas irmos Aprgio e Frederico, alis, tambm so ligados a significados das garatujas, como na arte de Jairo. Por exemplo, nos anos 1980 eles fizeram frotagens das marcas deixadas nas caladas por pedreiros ou pelo povo enquanto o cimentado da calada estava secando. Com isso, Aprgio editou na Oficina Guaianases um lbum de litogravuras intitulado Das Caladas de Olinda. Essas marcas humanas so minha obsesso h muito tempo. Em 1965,30

Antonio Dias escreveu no folheto de uma exposio que fiz na Galeria Verseau, em Copacabana, estas palavras: Procura no muro a indicao para o registro: no estar escrito ali Abaixo a ditadura? No estar desenhado ali um corao atravessado por uma flecha? E principalmente aquelas manchas, no sero elas semelhantes aos personagens desse drama, deformadas marcas de abandono?. Os sinais que Jairo dispe judiciosamente em suas obras so certamente memrias da infncia que ele desenfreadamente marca nas telas e papis e, ao mesmo tempo, com isso, levado a uma sabedoria madura. Faz-me lembrar uma famosa anedota sobre Lacan: Contam que o grande psicanalista, num jantar em sua homenagem em Beirute, foi assediado por uma bela mulher que se dizia totalmente seduzida por ele. Ele ento lhe disse: Senhora, vou contar-lhe um segredo, eu s tenho 5 anos. s vezes, Jairo tem 5, mas outras vezes ele tem 100. Uma arte assim, que evoca o inconsciente, segue uma vertente que, no perodo modernista, se alinhava com o surrealismo, embora a histria nos aponte Bosch, Bruegel, Archimboldo e Goya muito antes dele, entre os sculos XIV e XVII. O crtico de arte mineiro Frederico Morais, que tambm atuou na rea da educao artstica, desenvolveu um esquema para classificar as correntes da arte moderna e, para isso, usou o cartaz como meio. Ele dividiu as correntes artsticas em trs: Construo, Caos e Inconsciente. Na Construo, ele colocou toda a arte de tendncia cerebral, desde Da Vinci e outros renascentistas, passando por Czanne, at o cubismo e as escolas construtivistas, como o neoplasticismo de Mondrian, o suprematismo de Malevitch e o concretismo e neoconcretismo brasileiros. Na corrente do Caos, ele vem com Goya e passa por Van Gogh, Munch, pelos expressionistas e depois pelas correntes da arte abstrata, como a action painting de Pollock e De Kooning, o tachismo, a nouvelle figuration e a pop art. Entre uma corrente e outra, estavam os Inconscientes, como os nafs, o surrealismo, o dadasmo e movimentos como o grupo CoBrA Copenhague, Bruxelas e Amsterdam e artistas como Paul Klee e Joan Mir. Muitos artistas de nossa gerao tiveram forte influncia de Klee e Mir, e Jairo 31

um deles, apesar do fato de no ter tido contato direto com as obras deles. Nosso olhar para esse tipo de arte nasceu mesmo dos livros que vamos. Mas, por exemplo, Karel Appel, Corneille e Alechinsky, do Grupo CoBrA, ainda hoje influenciam jovem artistas. Comeamos a pintar ainda adolescentes, na fase da vida em que tudo importante, tudo crtico, tudo marca para sempre. Jairo escolheu seu caminho na adolescncia, quando estava no curso livre da Escola de Belas Artes. Suas paisagens urbanas retratando sobrados da cidade antiga eram vendveis, e, com isso, ele se profissionalizou precocemente, vivendo cedo de vender pintura. A Escola mantinha um currculo bsico que os alunos jovens artistas que no quiseram se submeter ao curso superior e que foram, curiosamente, os que mais cresceram como artistas tinham que acompanhar. Jairo, porm, se recusou s regras curriculares. Destacando-se desde o incio aos olhos de Lula Cardoso Ayres, ele trabalhava na Escola livremente e conseguiu com Laerte Baldini, pintor gravador e diretor da Escola, um espao s para ele. Passaram pelos cursos livre e superior da Escola, artistas como Ismael Caldas, Roberto Lcio, Jos Tavares, Joo Cmara, Roberto Amorim, Jos de Barros, Arlinda Maciel, Isabel de Albuquerque, Marisa Lacerda, Sylvia Pontual e Silvia Barreto. A Escola funcionava na Rua do Benfica, e nela ensinava um time de professores luminares da arte da poca, como Reynaldo Fonseca, Vicente do Rego Monteiro, Fernando Barreto e Murillo La Greca, que somente ministravam aulas no curso superior, e ainda Reginaldo Esteves, Laerte Baldini, Roberto Correia, Raquel de Lima e Lula Cardoso Ayres, que tambm cuidavam do curso livre. As paisagens pintadas por Jairo nessa poca j anunciavam o artista maduro, j se via nelas resoluo de problemas pictricos maduros, como a composio espacial e a textura em harmonia com a cor.jairo arcoverde 2 008 Acrlica sobre tela, 130 x 100 cm

A marca do talento de Jairo ficou gravada nas casas onde viveu com a famlia no Recife, em Caruaru e em Olinda, territrios marcados por crnicas de famlias de artistas. Nossa cidade dupla RecifeOlinda prdiga em famlias de artistas como a dele mais de32 33

Recife do que Olinda , onde a arte ofcio familiar h geraes, desde os ofcios artesanais at os criativos que chamamos arte, especialmente, muito especialmente, a arte da pintura. Em Olinda, por exemplo, esto Jos Cludio com seu filho Manoel Cludio (Man Tatu), ambos pintores; Gilvan Samico com seu filho pintor, Marcelo Peregrino, sua mulher, Clida, e sua filha Luciana, ambas danarinas; as pintoras Tereza Costa Rgo e Laura Gondim, me e filha; o pintor Roberto Lcio e sua filha escultora, Marina Mendona; Maria Carmem e a filha Vera Bastos; Thiago Amorim e seu irmo Marcos; os irmos Aprgio e Frederico Fonseca; Giuseppe Baccaro e seus filhos, o pintor Matheus e o fotgrafo Francisco; o pintor Humberto Magno, sua ex-mulher, Isa do Amparo, e seus filhos Paulinho do Amparo, pintor e msico, e Catarina Dee Jah, artista visual e DJ; Liliane Dardot e Maril Dardot, sua filha. Eu mesmo sou casado com Amlia Couto, designer, ceramista e fotgrafa, e venho de uma famlia de artesos e artistas. No Recife, Ariano Suassuna um desenhista importante, exprimindo graficamente seu universo armorial, e sua esposa, Zlia, gravadora e pintora. Eles so pais do pintor e ceramista Dantas Suassuna, sogro e sogra do pintor e gravador Alexandre Nbrega e tios do pintor Romero Andrade Lima. Temos tambm Wellington Virgolino com seu irmo Wilton de Souza; e os irmos Vicente, Fdora e Joaquim do Rego Monteiro, da gerao moderna de 1922. Isso tambm uma caracterstica no meio dos artesos, e Jairo viveu entre ceramistas em Caruaru, onde construiu uma casa no Alto do Moura, o lugar dos artesos do barro, onde viveu e trabalhou Mestre Vitalino, artista e msico. Ele tocava pfano, e toda sua famlia faz os seus bonecos at hoje. No Alto do Moura, Betty Gatis, mulher de Jairo, desenvolveu cermicas com delicados desenhos tirados do imaginrio popular e com uma qualidade material sem par. L, Jairo tambm sentiu a fora do desenho puro, sinttico, lacnico, que d forma s imagens criadas pelos artistas e reproduzidas pelos artesos, que so s vezes os mesmos artistas, como foi o caso de Vitalino, Manuel Eudcio, Z Caboclo e Galdino e suas famlias, todos praticantes de uma34

maneira econmica de criar algo neoltico em sua simplicidade tcnica e complexo no sentido sociolgico do Agreste que traz esses objetos simblicos. O encontro de Jairo e Betty com a cermica se deu por influncia do mestre arteso Jether Peixoto. Inicialmente ele construiu um forno a lenha e passou a trabalhar em todas as etapas do processo cermico, desde a preparao do barro at a queima. Os dois se envolveram totalmente com a cermica. Portanto, sua presena em Caruaru, um artista moderno entre nafs, teve todo o sentido e resultou em circunstncias importantes para sua obra. No Alto do Moura, o casal criou seus filhos vendo arte todo dia e aprendendo com eles e os amigos artesos que ocupam inteiramente o lugar. Marisa diz sobre seu aprendizado: Tivemos a iniciao artstica em casa sob a batuta de papai e mame, nossos pais-mestres. Eles no deixavam por menos, nada de coisa feia ou malfeita, pois o domnio da tcnica s se adquire atravs do treino, do trabalho repetitivo, o exerccio nunca termina. Com estas palavras, papai nos incentivava: Se o resultado de seu trabalho for bonito, cuide para sempre melhorar; se no, comece tudo de novo. Com eles, frequentamos exposies, atelis de artistas amigos, museus e galerias. Tivemos de conviver com outros artistas e outros tipos de trabalho e ler, ler muito. Desenvolvemos nosso gosto artstico, mas conhecendo e respeitando o gosto dos outros. Nos anos 1960, quando Olinda estava sendo descoberta pelos artistas, ele teve ateli com o pintor Ismael Caldas. importante esta referncia, Ismael sempre foi um artista possuidor de um esprito independente e crtico, assim como Rodolfo Mesquita. Fecho o firo com Humberto Magno, to independente quanto os dois. De forma alguma, quero fazer uma crtica comparativa, at porque este texto para mim uma crnica, no crtica, mas considero os quatro artistas ligados em suas criaes. Eles parecem olhar o mundo do mesmo ngulo, com os mesmos smbolos e sinais, embora suas pinturas sejam to diferentes. O autorretrato de Jairo, em que com uma mo ele abre um olho e com a outra aponta para esse olho aberto, um enigma. De um certo ponto, ele parece dizer No35

brinquem comigo, eu tenho os olhos abertos; mas, de outro, ele estaria dizendo Ponham aqui uma gota de colrio. Essa forma de ironia plstico-grfica se exacerba em Rodolfo Mesquita, e seu livro Crtica do Horror Puro um exemplo fantstico de contestao. J Humberto Magno, mais sereno do que Rodolfo e Ismael, esteve na vanguarda nos anos 1960 e transgrediu a ordem do belo e do barroco com uma geometria gritante nas ruas tortuosas de Olinda. Eis um recorte da criao de artistas da mesma gerao que passaram pela ditadura eivados de paixo pela liberdade. Mas como seria uma vida de artista? Uma fogueira de vaidades? Um frenesi de compromissos sociais? Ou se pautaria por uma disciplina monstica, sacerdotal, asctica? Nada disso: a vida dos artistas como a vida de qualquer cidado, uma constante mistura de trabalho e reflexo. O artista estuda, cresce, se casa, tem filhos, educa os filhos, faz feira, adoece, paga imposto, se desloca na cidade e conhece a felicidade e o sofrimento, como todo mundo. A vida de Jairo exatamente assim: acorda e vai pintar; ouve msica erudita e jazz e vai pintar; rega o jardim, arruma qualquer coisa e vai pintar... Na verdade, ns vivemos num eterno agora e num infinito aqui. Raul Crdula

Raul Crdula(Campina Grande, PB, 1943) Vive e trabalha em Olinda. Artista e crtico de arte. Foi diretor fundador do Museu de Arte Assis Chateaubriand (Campina grande, 1967). Coordenou o Ncleo de Arte Contempornea da Universidade Federal da Paraba (NAC, Joo Pessoa, 19791985). Foi curador do i Salo de artes Plsticas do museu de arte moderna da bahia (MAM-BA, Salvador, 1994), do Prmio Pernambuco de Artes Plsticas Novos Talentos (Museu de Arte Contempornea de Pernambuco, Olinda, 1999), e do 44o Salo de artes Plsticas de Pernambuco (Recife, 2000). Participou de diversas exposies coletivas no Brasil, na Frana e na Alemanha, e vem realizando, desde os anos 1960, mostras individuais. autor dos livros Fragmentos: comentrios sobre artes plsticas (Joo Pessoa: Fundao Espao Cultural da Paraba, 1998) e memrias do olhar (Joo Pessoa: Editora Linha dgua, 2009), dentre outros.36

bolsas e prmios

prmio para projetos de pesquisa e produo

amanda meloNeste projeto, o deslocamento assume grande importncia, na medida em que pode ser encarado como um pretexto para a repetio da ao de desenhar enfrentando a gua em movimento. justamente atravs do deslocamento que coloco em questo a sua prpria necessidade. Dessa forma, cria-se um procedimento complexo no somente por revelar certa ambiguidade, mas tambm por conter em si mesmo as vrias questes com que nos deparamos ao tentarmos realizar trabalhos que lidam com especificidades espaciais ou situacionais. A homogeneizao no desenho constantemente reafirmada e, assim, revela que a ao a camada fundamental do trabalho. Sal Mar tambm pode questionar ou afirmar a tendncia ao mesmo tempo, pode ser considerado por alguns como sendo dela produto das itinerncias e residncias artsticas. Realizado mediante premiao do Salo de Artes de Pernambuco, contando com a estrutura do evento, foi possvel dar incio ao trabalho. No entanto, vendo que a experincia acrescentou muito minha produo como um todo, percebi a necessidade de continuar por mais tempo e estou realizando outras viagens para percorrer os demais estados e finalizar essa cartografia incompleta. Com Sal Mar, confirmei a percepo de que me alimento dessas aes/performances para conseguir levar adiante os trabalhos. Nesse caso, posso identificar trs aes para vdeo, realizadas antes e durante a viagem, que tambm fizeram esse papel. Na primeira, filmada em 2007 (antes de conceber o projeto), fico em cima de arrecifes com um salto alto. A experincia me levou a pensar em enfrentar essas ondas com desenhos. Existe o vdeo Diamante Sal (2008), realizado em parceria com Cristiano Lenhardt, no qual ele entra no mar para me filmar por trs, assim, do mesmo jeito submetido ao impacto das ondas. Nesse vdeo, acontece algo muito importante: ao reunirmos nossas poticas com esse trabalho, percebi a potncia da experincia de se trabalhar em parceria. Depois, influenciada tambm por Diamante Sal, desenvolvi a terceira ao, que resultou no vdeo chamado Esplendor (2011). Para essa videoperformance, vou novamente para um arrecife da Praia41

Amanda Melo (So Loureno da Mata, PE, 1978) Vive e trabalha entre o Recife e So Paulo. graduada em Licenciatura Educao Artstica/Artes Plsticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2007). De suas participaes em exposies coletivas, destacam-se os Primeiros dez anos, no Instituto Tomie Ohtake (So Paulo, 2011); 32 Panorama da arte brasileira, no Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM, 2011); e rumos de artes Visuais, no Instituto Ita Cultural (So Paulo, 2006). Realizou mostras individuais no Centro Cultural do Banco do Nordeste (Fortaleza, 2011), no Centro Cultural So Paulo (So Paulo, 2010), no Instituto Cultural Banco Real (Recife, 2007), entre outras. Participou do programa bolsa Pampulha, no Museu da Pampulha (Belo Horizonte, 2008).

prmio para projetos de pesquisa e produo

de Boa Viagem, usando uma roupa/armadura toda coberta de espelhos pequenos que refletem a luz do sol. Pouco a pouco, vou tirando essa roupa, e o movimento coincide com o desaparecimento do sol. No final, volto as costas para a orla, olhando para o horizonte, j sem roupa alguma. Essas aes para vdeo parecem formar uma narrativa paralela para uma espcie de saga do corpo, histria provocada pelo deslocamento. Acho que foi assim que Sal Mar conseguiu deixar mais claro que todos os embates e confrontos apresentados desde o incio da minha trajetria podem se organizar por uma lgica regida por esses acontecimentos corporais. Esse projeto esclareceu bastante como se d o meu processo criativo. Confirmou a real necessidade da experincia para que as coisas apaream. Amanda Melo

V ista da montagem de Sal Mar no Museu do Estado de Pernambuco. pginas 43 a 45 amanda melo SalMar, 2008-2009 Livro de desenhos Lpis aquarelvel sobre papel, 44 x 32 cm

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sal mar: desenhos com cheiroMarcamos um encontro no Rio de Janeiro, depois de Amanda Melo ter passado por algumas praias no Sul e no Sudeste do Brasil para realizar seus desenhos-performances inseridos em seu projeto de pesquisa do Salo de Artes Plsticas de Pernambuco. Na hora marcada, ela chegou em minha sala na PUC-Rio carregando um volume pesadssimo de livros artesanais. Comeou a folhear cada um desses livros, e paisagens foram se descortinando para o meu olhar. Paisagens ao mesmo tempo sutis e fortes. Havamos j conversado vrias vezes por e-mail sobre seus trabalhos e sobre esse projeto especfico, mas v-los ali foi surpreendente. A proposta aparentemente simples. Com um livro artesanal nas mos como j disse, pesado e resistente e uma lista de praias ao longo da costa brasileira previamente definida, ela vai mergulhar em cada uma dessas paisagens. Da ponta sul ao Nordeste brasileiro. Mergulhar na paisagem, no caso, e no metafrico. Seus desenhos so feitos de dentro da gua, junto s ondas, ao sal, ao movimento do mar, desestabilizao radical dos ps, das mos e do olhar. Dali de dentro vai nascendo a paisagem. A linha, na sua inscrio rigorosa na folha, instvel, e as batidas do mar vo criando borres que sangram pela pgina. A linha volta para a sua tarefa de recortar o visvel, e as ondas retornam como desejo de caos. De um lado, a preciso de um desgnio grfico que quer falar do que est fora; do outro, o movimento do corpo animado e sacudido pelo mar trazendo um registro imprevisto que acaba nos fazendo ver toda uma atmosfera interior. Desenho e performance; obra e processo; exterioridade e interioridade; mo-olho e corpo-mar. Na tentativa de capturar a paisagem l fora, mas sem os elementos que garantem essa apreenso, o que vai se mostrando um movimento interior, o contrafluxo de um inconsciente grfico. como se a onda do mar batendo no corpo que desenha, ao desestabilizar o gesto e borrar a pgina, fizesse aparecer o que a mo tende a bloquear. Os livros-objetos detm autonomia, ou seja, folheando-os vamos percebendo os desenhos, a forma grfica em sua luta por uma46

presena em si. No limite, eles at poderiam ser retirados dos livros e emoldurados. Todavia, eles deixam entrever o movimento de criao, o processo no qual a luta pela forma ainda viva e intensa. A fora dos desenhos vem da sequncia, do virar as pginas, da surpresa de uma narrativa visual que no se desenvolve em direo a um fim, mas que movimento constante, uma espcie de eterno retorno do ato grfico entre o caos e a forma. O papel de gramatura considervel, bruto, sua textura se entranha na linha do desenho. As pginas trazem as marcas do mar. So desenhos com cheiro. Coloc-los sobre pequenas mesas obriga o visitante-leitor a se dispor a folhe-los, chegar mais perto, ganhar intimidade. Esse movimento necessrio para trazer o tempo intensivo de um processo de criao para o ato da recepo. Transferir a concentrao, que o que d intensidade temporal criao, para o lado do espectador. Ali sentado, sem muito conforto, vai se entrando em outro universo, conquistando paisagens que esto, ao mesmo tempo, visveis e insinuadas.D etalhe da montagem de Sal Mar no Museu do Estado de Pernambuco.

Luiz Camilo Osorio

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bianca bernardo

92 diasNada como uma estratgia especfica. Ou a estratgia de no ter uma estratgia especfica, ser a arte de uma estratgia sem o alcance de um fim determinado. Naquele dia, sentada no caf com Ricardo, eu no tinha mesmo muita ideia do que viria a fazer em Fernando de Noronha. Algumas imagens me perseguiam, ou era eu a perseguir certas imagens. Precisava primeiro e antes de tudo chegar l, estar l, confiante de que, do encontro e convvio com a Ilha, o trabalho pudesse naturalmente ser elaborado. No Recife, dia 3 de maro de 2009, avistei, da pequena janela do avio, o continente se afastar e diminuir pouco a pouco, cada vez mais longe, at j no haver mais. Seguiu a travessia pelo oceano. Azul, azul. Tanto azul s vezes assusta. De repente, como perdida em cor lquida, Noronha ergueu-se. Respiro verdade que o aspecto da viso turstica de Fernando de Noronha radicalmente transformado por uma vivncia cotidiana. A pelcula quimrica rasgada, e, na profundidade da superfcie imagtica, encontramos um estado de crise que atinge vrias camadas do seu tecido social. O desamparo institucional sentido na falta de um planejamento urbano que atenda s necessidades do efetivo crescimento populacional noronhense (descendentes naturais e imigrantes) ao longo dos ltimos anos promoveu situaes precrias de moradia. O que a princpio deveria ser provisrio, um alojamento temporrio, emergencial, alonga-se pelo tempo, tornase permanente. Conheci algumas dessas famlias que vivem em condies delicadas. Visitei suas casas, ouvi suas histrias. Logo nos meus primeiros dias em Noronha, fui visitar a escola, conversar com seu corpo docente, conhecer as crianas que a frequentam. Lembro bem quando um dos professores me contou que havia observado em muitos estudantes o sentimento do aconchego domstico abalado pelo sentimento de falta de lugar dentro do seu prprio lar. Como muitas casas na ilha foram transformadas em projetos de pousadas domiciliares com objetivo de gerao de renda local, para que as pequenas moradias possam oferecer hospedagem preciso deslocar a famlia residente para cmodos menores, anexos e compartilhados.49

Bianca Bernardo (Rio de Janeiro, RJ, 1982) Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Sou artista-etc., me do Bento, escritora em horinhas de descuido. gosto de receber e visitar os amigos em casa, de olhos que conversam e sorrisos amanhecidos. Aos 10 anos, lembro de ter escrito meu primeiro livro, um pequeno romance ilustrado com desenhos feitos a lpis de cor. Chamava-se a Gota de orvalho. Sua histria conta o encontro, to intenso quanto breve, entre uma gota de orvalho e uma flor. O vapor d'gua se condensa e cai lentamente em chuvinha mida at encontrar pouso na delicada pele da flor. A noite de orvalho passa-se como uma doce madrugada de sonhos, at a chegada da alvorada, quando, nos primeiros raios de sol, a gota evapora. Na despedida, a-gota-vapor-desprende-se-da-pele-da-flor. A flor permanece no jardim. Vista do alto, s mais uma bela flor brilhante ao frescor da manh. Ao olhar para cima, procura encontrar a sua gotinha de orvalho e pensa entre ptalas: l foi, viver para desaparecer...

O lar, em todo o seu campo de afetos e pertencimentos, fortemente fissurado, evidenciando um ambiente pouco acolhedor aos que nele habitam porque sua economia voltada para o estrangeiro. Durante o tempo de minha residncia, tive duas moradias. A primeira, o alojamento para pesquisadores, na Vila do Boldr, quarto 31. A Vila do Boldr formada por um antigo complexo de estalagem e base militar americana, construda durante uma ocupao insular aps a Segunda Guerra Mundial. Chamadas de Iglus dos Americanos pelos noronhenses, essas construes serviram depois como crcere para presos polticos at o final da ditadura brasileira, quando houve um perodo de abandono, at serem novamente resgatados para integrar o primeiro grande hotel de Fernando de Noronha, o Esmeralda do Atlntico. Enfileirados ao longo da larga rua de terra batida, os iglus esto dispostos em proximidade, um ao lado do outro, como um pequeno condomnio. Sua arquitetura avulta na paisagem, penso em Mario Merz. No segundo momento da minha residncia, um iglu foi minha moradia. De longe pareciam abandonados. Mas havia gente vivendo ali, nos varais estendidos, no cheiro de roupa secando ao sol, nas vassouras varrendo as folhas de outono todas as manhs. Uma famlia aqui, outra ali, um iglu reformado, banheiro que virou cozinha, sala que virou quarto, tudo apertado.50

No temos muito espao, como voc pode ver. Voc gosta de morar aqui? No. Sinto saudade dos meus filhos. Onde eles esto? No continente. E voc gosta de morar aqui? No. Por qu? Muitos ratos passam por aqui noite. Os galhos dessa velha gameleira sempre quebram sobre meu telhado. Uma vez, quase caiu sobre mim. Tenho medo. Eu moro aqui porque no tenho outro lugar. Seu Silvio, conhecido como Meu Querido, um morador antigo dos iglus. Ao seu lado vive a famlia de Tita. Logo frente, Dona Graa. A vizinha da direita de Dona Graa Luzia, senhora que trabalha na secretaria da Escola Arquiplago. Luzia era contadora do Hotel Esmeralda do Atlntico. Quando o hotel fechou, assim ela me contou, no tinha lugar para ir, ento ficou por ali mesmo.51

bianca bernardo Sriedourados 2011 , 10 Fotografias, 60 x 45 cm

Iglu, 2011 Fotografia, 20 x 30 cm

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Meu Querido trazia bem claras as lembranas do Hotel Esmeralda. Cheio de muitas histrias enquanto me conduzia pelo caminho que leva ao Clube do Pico. A construo, que atualmente se encontra fechada, serviu como recepo do hotel, grande salo e restaurante. O clube das grandes festas, das noites de baile dourado. Meu Querido participava da decorao do salo, cuidadosamente preparado para receber a banda e os convidados. Hoje, tudo est parado no tempo. Passei muitas tardes l dentro, caminhando pelo espao e imaginando as noites inesquecveis. No fundo dos meus olhos podia ouvir as msicas, o salo rodeado por entusiastas danarinos, o som riscado dos sapatos, o tilintar das taas, risadas alegres, luzes, burburinho... Dias seguidos de chuva. Quando chove, a ilha silncio. Mergulho meu corpo. Todo movimento externo demorado, trabalhoso. Passo a maior parte do tempo dentro de mim mesma, sentindo algo que cresce e expande meu corpo em peso e volume. Dentro da gua, o corpo fica mais leve. Dentro do meu corpo, gua. Realidade ntima. Pulsa. Vivo um estado de conteno do corpo. Rito de passagem que mobiliza um processo de transformao integral, experincia inseparvel do meu devir artista. Estranho a cidade. Estranho seu barulho, ar pesado, tempo que parece correr mais rpido. Uma ilha cercada pelo mar. O sol poente ao meu lado direito, a estrada de asfalto, a pista de pouso, o porto, poucas luzes na extenso verde e montanhosa. Podemos mapear os agenciamentos que se formam nas fronteiras de um territrio, para fora e dentro dele mesmo? Como uma viso distncia, Fernando de Noronha me fez pensar nas cidades em que vivemos. Em como vivemos. Como se a Ilha inteira coubesse dentro de mim. O sal da pele. O querer forte. O corao suspenso. Bianca Bernardobianca bernardo Framedovdeo Barriga 2011 , Vdeo digital (2' loop)

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Bianca Bernardo desenvolveu, como bolsista, um perodo de residncia no Arquiplago de Fernando de Noronha, em que pde experimentar com intensidade a confluncia entre as demandas de sua pesquisa e a urgncia do tempo do corpo e da vida: ali, em meio s questes investigativas (pois chegou ilha movida por suas inquietaes em relao arte contempornea), vivenciou os meses finais do processo de gravidez de seu primeiro filho. Aquele territrio, visto como clich do paraso para o turista-consumidor, desmontado pela artista, que ali vive a histria e as entranhas do lugar, os arquivos de outro momento geopoltico do Pas e do mundo e tambm momentos decisivos de sua vida pessoal. interessante perceber como um tempo to intenso para a artista, de mergulho em si mesma, portador do exerccio de interiorizao prprio do processo investigativo-sensvel na travessia de quase um devir-ilha , se viu reforado pelo processo de gravidez: a experincia de perceber a vida sendo gerada e se desenvolvendo dentro de seu prprio corpo produziu resultados de pesquisa em que a utilizao da fotografia e do vdeo desempenha papel decisivo. Foi preciso cercarse da possibilidade conquistada pelos atuais padres tecnolgicos e surpreendentemente j to familiar de produzir imagens no calor de cada vivncia e processo, concretizando impresses ali, naquele exato momento. Ao mesmo tempo e isso se deve ao olhar posto em prtica pela artista em sua ateno com o entorno exterior , esta temporalidade radicalmente revirada quando confrontada com referentes concretos, runas e monumentos das transformaes54

histricas e econmicas da paisagem de Fernando de Noronha, como se indicasse a dura negociao de limites do mundo interiorizado com os obstculos materiais do terreno, do territrio. As fotografias e vdeos exibidos na instalao final, entretanto, abandonam certas marcas da intensidade dessa vivncia, evitando propor ao visitante tambm um percurso de recolhimento to direto e imediato: se o convite para olhar, andar, percorrer o espao se apresenta a partir do tempo do prprio corpo da artista est ali a pulsao de sua respirao , a experincia que se torna finalmente compartilhada, pblica, j portadora de diversas modalidades de distncia: resultam de um aprendizado referente s relaes entre imagem e espao, em que a pulsao da tcnica tambm administrada e revertida para o uso que se quer, a favor da interveno proposta. O que me parece mais surpreendente na pesquisa de Bianca Bernardo reside precisamente na intensidade do reviramento experimentado pela artista, no esforo de obter as medidas da transformao de si e do corpo prprio em ambiente novo, cuidadosamente explorados e mapeados (ambos: corpo e lugar).

Ricardo Basbaum

V ista da montagem de Viver para Desaparecer no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhes.

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celina portella e elisa pessoa

Em 2008, meu trabalho com Elisa acabava de entrar em uma nova etapa. Aps trabalhar durante um longo perodo com filmes super-8, comeamos a gravar o corpo em vdeo digital e projet-lo em propores reais sobre os mesmos lugares onde havamos gravado. A partir desse experimento, desenvolvemos uma intensa pesquisa sobre textura, volume e temporalidade, sobre a relao da imagem com arquitetura e espao urbano, apresentando, entre outros aspectos, um forte questionamento sobre a representao do corpo e a noo de realidade. Primeiro, surgiu o projeto Sobreposies, no qual eu me colocava frente projeo e interagia com minha prpria imagem e com elementos arquitetnicos de fachadas, ocupando o interior e o exterior do ambiente. Realizando esse trabalho em diferentes cidades, surgiu a ideia inicial para o Salo de Artes Plsticas de Pernambuco: gravar, projetar e regravar uma situao repetidas vezes no mesmo lugar, gerando finalmente uma imagem que teria seis camadas. Com o decorrer do tempo, a ideia das camadas foi explorada extensivamente, e o desenvolvimento do trabalho excedeu essa proposta. Comeamos a criar videoinstalaes para espaos interiores, compostas de mltiplas projees que se relacionavam atravs de uma continuidade temporal. Alm de complexificar a ideia de site specific das anteriores Sobreposies, esses trabalhos intensificaram um questionamento sobre a imagem atravs da proposta de uma relao espacial e temporal minuciosa entre corpos projetados, objetos e sons reais. A partir desse formato, descoberto e elaborado durante a bolsa de pesquisa e produo do 47 Salo de Artes Plsticas de Pernambuco, criamos Proxmia. A incerteza quanto s datas e ao espao de exposio da obra final e as mltiplas mudanas de planos na organizao do Salo impossibilitaram a criao de um trabalho com tanta complexidade em sua relao com o espao. Ainda assim, a ideia carregou a complexidade tcnica adquirida, na qual todo o processo de criao atrelado ao conhecimento anterior dos equipamentos, das distncias e superfcies de projeo. A escolha foi, ento, criar a partir da ideia de um espao convencional de exposio.57

Celina Portella (Rio de Janeiro, RJ, 1977) Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Estudou design na Pontifcia Universidade Catlica (PUC, RJ, 1997) e artes plsticas na Universidade de Paris XVIII (Paris, 2001). Foi residente no Centre International Les Rcollets (Paris, 2009), no Labmis (Museu da Imagem e do Som So Paulo, 2009), na galeria Kiosko (Bolvia, 2009) e no Crac Valparaso (Chile, 2008). Foi contemplada com bolsa de criao no Ncleo de Arte e Tecnologia da EAV Parque Lage (Rio de Janeiro, 2009) e premiada no ii concurso de Videoarte da Fundao Joaquim nabuco (Fundaj Recife, 2008). De participaes em mostras coletivas, destacam-se nova arte nova, no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro e So Paulo, 2009); 60 Salo de abril (Fortaleza, 2009); coletiva, na galeria A gentil Carioca (Rio de Janeiro, 2008); e 15 Salo da bahia (Salvador, 2008). Elisa Pessoa (Rio de Janeiro, RJ, 1976) Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Cursou graduao em Cincias da Educao e Artes Plsticas na Universidade de Paris XVIII (Paris, 2002). Em 1997, iniciou seu trabalho com fotografia, super-8 e vdeo. De suas participaes em exposies, destacam-se Portaretrato, na galeria A gentil Carioca (Rio de Janeiro, 2007); nova arte nova, no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro e So Paulo, 2009); em crculo, na galeria do Lago do Museu da Repblica (Rio de Janeiro, 2008); arco 08 (Madrid, 2008). Foi residente no Centre International Les Recollets (Paris, 2009). Recebeu, em 2010, o Prmio Funarte de arte contempornea, com a exposio 1/4.

prmio para projetos de pesquisa e produo

Quando comeamos a trabalhar para o projeto do Salo, eu e Celina trabalhvamos em dupla. Celina vinha da dana, do trabalho com o corpo, e eu vinha do vdeo, do filme super-8, trabalhava com imagens em movimento depois de ter passado pela fotografia. Vnhamos desenvolvendo um trabalho em parceria por oito anos, com filmes super-8, em seguida com o vdeo e, por fim, com a videoinstalao. O projeto apresentado para o Salo intitulava-se 6x e era o desdobramento de um tipo de dispositivo que estvamos desenvolvendo com projees superpostas nas superfcies de origem. Consistia em investigar as interfaces possveis entre corpo, espao e luz e produzir mltiplas projees registradas em vdeo, resultando finalmente em um vdeo com seis camadas. Durante o perodo do Salo, nossa pesquisa foi caminhando em outras direes. No final de 2008, realizamos uma exposio intitulada em crculo, na qual nos apropriamos do espao interno da galeria para construir novos espao e temporalidade. Quatro projees interligadas reproduzindo e desconstruindo o espao expositivo. Luisa Duarte viu esse trabalho, e, a partir dele, fomos pensando em como adaptar o trabalho do Salo a essa nova abordagem do espao tridimensional. No meio de 2009, encerramos nossa parceria e, com isso, tivemos que repensar o trabalho para o Salo e a sua exposio prevista para o final de 2009. Ao conversar com Luisa e tentar apresentar cada uma um trabalho individual, tivemos uma resposta negativa por parte do Salo, pois havamos sido selecionadas como dupla. Celina e eu pensamos, ento, em elaborar a separao nesse trabalho (essa a minha interpretao), utilizando um dispositivo formal no qual trabalhvamos para espelhar algo subjetivo. Selecionamos um vdeo que havamos produzido juntas no qual cada uma entra e sai de quadro em frente a uma parede com uma quina , que seria projetado em escala real sobre uma parede da mesma dimenso da do vdeo. Celina props duas projees, uma ao lado da outra (eu e Celina projetadas), separadas por uma faixa preta, onde as quinas ficariam grudadas. Ora encostamos nessa faixa, ora a empurramos. s vezes, s nos aproximamos.59

Proxmia composta por quatro projees sobre duas paredes opostas. Eu e Elisa transitamos de um quadro a outro, aparecendo ora frente a frente, ora lado a lado. Uma linha separa cada duas imagens como um limite entre dois ambientes diferentes. A dinmica entre os dois corpos na sala envolve o espectador, colocando-o dentro da ao e provocando nele uma reflexo sobre sua relao com o espao no meio social. Celina Portella

celina portella e elisa pessoa Proxmia, 2009-2011 Videoinstalao, 20' Foto: Maria Mazzillo

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celina portella e elisa pessoa Proxmia, 2009-2011 Videoinstalao, 20' Foto: Eduardo Pessoa V istas da montagem de Proxmia no Museu do Estado de Pernambuco.

Eu imaginei duas projees dessas mesmas imagens, mas uma em frente outra, como num exerccio de face a face, uma encarando a outra com distncia. Resolvemos associar essas duas ideias de forma que pudssemos ora estar lado a lado, ora frente a frente, sempre separadas ou por uma linha preta ou pela distncia imposta pela projeo em paredes opostas. Cada uma editaria sua parte dentro de certos critrios para que a videoinstalao funcionasse. E o que acontece , de certa forma, um acaso: se vamos ficar mais tempo nos encarando ou mais tempo nos relacionando lado a lado ou se estaremos sempre saindo de quadro quando a outra entra, como em uma espcie de fuga, no sabemos. Proxmia. Elisa Pessoa60 61

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proximidade e distnciaProxmia um termo proveniente da antropologia que serve para designar medidas de distncia ou proximidade entre pessoas, sempre dependendo da circunstncia social na qual elas estejam ou compartilhem. Proxmia, trabalho de Elisa Pessoa e Celina Portella, uma videoinstalao composta por quatro projees sobre duas paredes opostas. Nessas projees, surgem duas pessoas as artistas caminhando em um espao neutro de paredes brancas. As duas transitam de um quadro para outro, ora aparecendo de frente uma para outra, ora lado a lado, ora sozinhas ou ainda em momentos nos quais ambas saem de quadro. Em cada uma das paredes, h uma linha vertical que separa cada projeo, sublinhando um limite de forma que as duas nunca se tocam e parecem nunca habitar, de fato, o mesmo espao. Proxmia o ltimo trabalho das artistas enquanto uma dupla. Depois dessa obra, a parceria se desfez, e cada uma prossegue sua pesquisa individualmente. Diante desse fato, temos aqui, a um s tempo, uma obra que traz a marca da investigao prpria ao trabalho da antiga dupla e tambm traos que podemos ler como uma espcie de metfora do estgio de separao. Celina Portella e Elisa Pessoa sempre tomaram a arquitetura ou o espao pblico como ponto de partida para a criao de suas videoinstalaes, buscando fazer da exibio de seus trabalhos um momento no qual cada um recorde de maneira intensa o lugar que ocupa. O jogo de apario e desapario de cada corpo, bem como a mudana constante de lugar das duas no espao, nos faz duvidar do que estamos vendo. Essa tenso entre o que real e aquilo que fruto do artifcio passvel de ser criado na captao, edio e projeo das imagens est no cerne do trabalho, mobilizando o espectador, fazendo-o duvidar do que v e chamando-o a se movimentar constantemente em busca de uma continuidade da ao inexistente. Nunca possvel ver o todo dessa unidade, somente pedaos, trechos. O tempo e o espao esto fragmentados,62 63

o que contribui para um estado de incerteza que, por fim, nos faz tomar conscincia tanto da nossa presena fsica, muitas vezes recalcada em locais destinados arte, quanto das iluses que atravessam o nosso olhar. Em nenhum momento, estamos em uma posio meramente contemplativa, passiva. Ao contrrio, somos chamados a ter parte do controle da cena. Proxmia se trata de uma experincia na qual ainda reside o ncleo central da pesquisa da dupla, qual seja questionar, por meio de trabalhos que lidam com performance, vdeo e relaes diretas com o espao, aquilo que entendemos por espao e tempo; infiltrar um rudo na percepo deflagrando, assim, um questionamento acerca da realidade do que vemos. As constantes trocas de lugar de ambas no espao nos deixa neste permanente estado de dvida construtiva, ou seja, a dvida como estgio fundamental para a construo de toda e qualquer certeza. Por fim, o jogo de proximidade e distncia posto em cena no trabalho, jogo no qual as duas personagens jamais se encontram, se tocam, se aproximam efetivamente, tal jogo no deixa de ser uma sublimao do estgio de separao que significa esse trabalho final da dupla. Sem deixar de lado as questes que sempre nortearam sua investigao, o par se separa olhando-se de frente, prximo, mas revelando a impossibilidade do encontro total. Luisa Duarte

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cia de foto

NaturezaNaquele breve privilgio, no pequeno instante em que a imagem desencontrou o objeto, constituiu-se a experincia de potncia das imagens que chegam aos nossos olhos no por um critrio de verdade ou identidade, mas segundo o critrio da durao. Na defasagem, infiltrara-se a virtualidade: surgindo e desaparecendo num tempo menor do que o mnimo do contnuo pensvel; nessa efemeridade, no entanto, afirmava-se o tempo sobre o espao. Tais imagens continham o invisvel o real sem ser atual. cludia linhares sanz

Como concluso da pesquisa incentivada pelo 47 Salo de Artes de Pernambuco, optamos por expressar algumas palavras sobre o espao que nos foi cedido. No caso, uma parede no Museu do Estado. Natureza um ensaio que percorre um paradoxo do efeito produzido por um ambiente aparentemente intocado, com alguns de seus elementos fundamentais: gua, luz, comida e morada, agora codificados em fotografias. A nossa interferncia nesse espao discreta, pautada pelo desejo que atravessa toda experincia com o gnero histrico da pintura de paisagem, o de devolver essa natureza a um estado natural originrio. Os objetos que perturbam esse estado tendem a se apagar, como se apaga a prpria presena de quem construiu essa cena que acreditamos ver com os prprios olhos. As imagens estabelecem, nesse trabalho, um recorte contemplativo, parecido com aquele olhar imposto nossa histria pelos primeiros viajantes que relataram a exuberncia de nossa terra curiosidade daqueles que viriam a nos dominar. Toda parede um agente de distncia que anuncia um lugar, definindo-lhe como prprio ou controlado. Entre paredes, preservase o que ntimo, delineiam-se cmodos que nada deixam passar alm de som e imaginao. Mesmo quando projeta fronteiras, uma parede tem um vis anmico. Esta que nos foi cedida, por exemplo, o verso de nossa obra, cmplice da ideia de devolver ao cmodo desta exposio a iluso de natureza. E isso se faz no pequeno instante em que a imagem desencontra-se do objeto e, virtualmente, transforma-se em um fragmento de mundo natural.65

Cia de Foto (So Paulo, SP, 2003) Coletivo baseado em So Paulo. Desenvolve trabalhos em vrias direes, aproximando linguagens e, assim, questionando o espao das imagens e seu entendimento. Colabora na organizao de seminrios, publicaes e festivais sobre fotografia, a exemplo da cocuradoria da exposio Histrias de mapas, Piratas e tesouros, no Instituto Ita Cultural (So Paulo, 2010). De participaes em exposies coletivas, destacam-se e:co (Washington, EUA, 2011), carnaval (Photoquai 2011, Paris) e Gerao 00 (Sesc Belenzinho, So Paulo, 2011). Realizou mostras individuais no new York Photo Festival (Nova York, 2011), na galeria Vermelho (So Paulo, 2010), no Instituto Ita Cultural (So Paulo, 2008), no Museu da Imagem e do Som (MIS So Paulo, 2007), dentre outras. ciadefoto.com.br

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esse lapso entre o que natural e virtual que propomos com as fotografias de Natureza. Uma fotografia serve para fixar experincias que terminam nos fornecendo uma certa adaptao ao mundo. Porm, no ato de fixar experincias, elas tambm nos fornecem uma suspenso que devolve movimentos manifestados por recordaes, projees e desejos que reprogramam a atualidade. Assim, vivemos entre um mundo ntimo, onde tudo devir, e um outro, quase um contraponto, fornecido por nosso intelecto, que nos permite prever, simular e controlar eventos. Este ltimo repartese em cmodos, onde at o tempo se torna uma medida. Uma fotografia tem, entre suas rebeldias, a capacidade de reconfigurar as intenes que lhe fizeram existir. Por exemplo, nunca parar a vida mesmo quando se apresenta esttica. Uma imagem comporta, sempre, subentendido, e ele o mrito de um processo artstico: o dispositivo de fazer, de uma concepo, algo para alm de um entendimento exato. As imagens servem a isso e, podemos supor, at a um pouco mais. Este Salo uma medida cultural, e a arte um cmodo. Construmos cmodos para a nossa sobrevivncia. A vida, por exemplo, pode ser entendida por uma organizao de imagens interligadas que fazem o mundo funcionar em uma frequncia entre o que atual e virtual, entre o que memria e o que vontade. E a nossa inteligncia age nos cercando em paredes. Para vivermos, preciso delimitar o real em funo das nossas necessidades, o que nos faz pensar em uma certa aplicao vital da fotografia em nossa existncia. Ns criamos quadros para dominar o mundo. Natureza, por exemplo, uma estratgia de domnio para um mundo virtualmente natural, anunciado na parede deste Museu. Cia de Foto

D etalhe da montagem de Natureza no Museu do Estado de Pernambuco.

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ler imagensA paridade entre natureza e cultura objeto para o pensamento ao longo de sculos e sculos. Mas talvez em uma poca como a nossa, na qual se avista a possibilidade real de at mesmo o que se entende por humano estar sujeito a mudanas devido quilo que produzido pela cultura, pela cincia, em uma poca como essa, tal paridade se torna ainda mais complexa. O coletivo Cia de Foto toca nessa questo em seu trabalho Natureza. Um imenso papel de parede nos mostra a montagem de uma imagem fotogrfica com uma paisagem verde, plantas, rvores, ou seja, um ambiente supostamente natural, permeado por elementos como gua, luz, comida e ndices de uma futura moradia. Tais elementos, que poderiam tambm ser naturais, surgem, a um s tempo, claramente artificiais, ou seja, como produo da cultura, da civilizao bem como aparecem camuflados em meio grande massa de verde. Verde que surge como similar do intocado, da natureza. Em meio cena natural, um bebedouro, um prato com resto de comida, pequenas lmpadas enroladas em um tronco. Vestgios da presena humana. A paisagem maculada. Ao escolher fotografar esses fragmentos de natureza domesticada, a Cia de Foto, sem impor uma narrativa literal, toca de forma aguda na questo. Mas preciso notar outra escolha feita pelo coletivo: expor justamente essa obra no Museu do Estado de Pernambuco. Ao saber que ali seria o repouso de seu trabalho, o ensaio Natureza ganhou sentidos at ento inauditos. Para alm de uma primeira camada na qual podemos notar o rudo entre uma iconografia natural e os ndices humanos/urbanos, trata-se tambm de pensar esse trabalho na parede de um museu: lugar destinado cultura e arte. Note-se que estas so instncias diversas, a cultura tende repetio, quilo que unifica, aplaina tudo e todos, servindo para identificar um tempo ou um povo; a arte, por sua vez, o ponto fora da curva, a surpresa, o no previsto, a singularidade aguda que possui a capacidade de tocar o universal. O ensaio fotogrfico Natureza, posto dentro de um museu, ganha ainda mais contraste justamente por estar dentro de um contexto70 71

completamente avesso a tudo que natural, sendo que nele mesmo, no ensaio, internamente, o paradoxo j existe, ao jogar com a ambiguidade entre o verde e os ndices intrusos da ao do homem naquele lugar bem como na prpria linguagem da fotografia. Tal linguagem traz consigo a dimenso do que Villem Flusser chamou de falsa objetividade da fotografia. As fotografias querem nos enganar, nos fazendo crer que aquilo que vemos seja uma cpia fiel do real. preciso saber interpretar uma imagem para no cair nessa falsa objetividade. Aquilo que em uma primeira e breve visada parece natureza no possui, na verdade, absolutamente nada de natural. Trata-se de um parque no meio da cidade de So Paulo repleto de ndices da passagem do homem. Sendo que a prpria foto mais uma camada que nada tem de aleatria, natural, sendo intencional, fruto de um olhar que faz escolhas e produz uma imagem, que por sua vez no uma cpia do real, mas um olhar sobre este. Assim, a Cia de Foto nos coloca o desafio de criar uma nova alfabetizao, aquela que saiba interpretar no um texto, pois isso o Ocidente ensina desde a Grcia Antiga. Mas a reprodutibilidade tcnica coisa muito recente se comparada com o universo dos textos escritos. Os textos na forma de imagem nos enganam, soam naturais, quando so sempre fruto de artifcios criados pelo homem. Natureza um ensaio sobre a prpria natureza da imagem fotogrfica e o desafio intrnseco que ela nos coloca: o de aprendermos a ler imagens. Parece natural, mas no . Luisa Duarte

pginas 68 e 69 V ista da montagem de Natureza no Museu do Estado de Pernambuco. Fotografia impressa em papel de parede, 3,5 x 12,15 m

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deyson gilbert

Deyson Gilbert

Deyson Gilbert (So Jos do Egito, PE, 1985) Vive e trabalha em So Paulo. Vinte e seis anos aps seu nascimento, deixou de pular da Ponte dos Suicidas no Parque Buttes-Chaumont, em Paris.deyson Gilbert Semttulo, 2011 Nanquim sobre papel, 23 x 33 cm

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pginas 74 e 75 V ista da montagem das obras Estado, Guerrilha e 1.1.2.2.3.3.4.4.5.5.6.6.7.7. (o eco de Samiel), no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhes.

deyson Gilbert Estado, 2011 Linha, pregos e motor, dimenses variveis Guerrilha, 2011 Linha, pregos e motor, dimenses variveis

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deyson Gilbert Still do filme ImagemII, 2010, 2'49'' Imagens Elsie Wright e Frances Griffiths

1.1.2.2.3.3.4.4.5.5.6.6.7.7. (oecodeSamiel), 2011 Corpo de rifle e arara de metal, 95 x 120 cm

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Deyson Gilbert se inscreve entre os artistas que se interessam pela construo da dvida dentro da prpria ao de olhar: as imagens so sempre confrontadas com limites claros, submetidas a veementes procedimentos metodolgicos em que o discurso quase se emancipa, aparentemente corroendo o que os olhos se apressaram em ver. Percebe-se a fora das opes de formalizao adotadas, apontando para procedimentos situados no limiar do senso comum, na direo daquilo que se torna quase bvio, reconhecido por todos em gestos quase automticos, aparentemente no requerendo qualquer esforo especial; mas, ao mesmo tempo, fortalece-se a impresso de que o trabalho se compraz mesmo na realizao de pequenas e precisas manobras, indicativas de que isto que nos oferecido como experincia dever ser algo mais do que aquilo que automaticamente se apresenta. Curiosamente, nas experincias propostas e este um trao que as singulariza e as traz para a atualidade , o gesto de duvidar do que se olha (to presente em algumas vertentes da arte do sculo XX) mobilizado com uma temporalidade bastante particular, que o comprime no espao e o destitui do tempo de hesitao, prprio do pensamento: a possibilidade de uma oscilao qualquer (ir e vir, entre cada um dos polos) deliberadamente anulada, e nos percebemos envolvidos em eficiente mecanismo de captura. Parece no haver, supreendentemente, investimento de valor na experincia de duvidar, pois os trabalhos se desdobram em uma proposio quase autoritria (a possibilidade do jogo est efetivamente por um fio): o visitante se v, subitamente, sob fogo cruzado, intimidado pela autoridade da obra, e, simultaneamente, destitudo do tempo de ao e pensamento. Qualquer reao dever se dar no sentido de anular, resistir proposta embora seja quase sempre tarde demais. A operao proposta por Deyson Gilbert investe na desconstruo de resistncias do corpo e da percepo, colocando-nos sob o fogo cruzado da experincia da arte contempornea. Para isso, se detm em uma retrica prpria do campo (referncias a procedimentos da arte conceitual e experimental) e se move de maneira consciente atravs de elementos capturados em outras80

reas de ao, como teatro, msica e arquitetura. O artista sabe que precisa mobilizar a percepo do espectador, hoje submetido a uma variedade imensa de estmulos sensoriais que o conduzem para um dficit de ateno, a uma apreciao rpida de tudo. Trata-se no apenas de ver, mas de apontar enfaticamente um lugar em que essa ao indicada ao visitante como o nico gesto possvel, opo imperativa, sada de emergncia. Cada proposta se afirma pela evidncia da matria quase bruta, mas sob engenharia cuidadosa, s vezes sutil para o artista, preciso desencadear uma operao lgica, em que verdadeiro e falso sero sempre resultado de uma batalha, produto de contnua e interminvel negociao. De modo consciente, e com preciso, esses trabalhos reconhecem a importncia hoje de se ter como principal rea focal a vocao de produtor incansvel que se atribui ao espectador, arrancado-o de qualquer inocncia sensvel, sensorial: preciso que o pblico perceba o quanto trabalha, o quanto sua energia e presena de fato fazem as coisas se moverem; imensa a sua responsabilidade, e preciso que seja induzido a se perguntar sobre o que fazer ali, com ela. Ricardo Basbaum

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dominique berth

3.500 caracteres para 26 letras do alfabeto e mais de 3.500 km percorridosDe a gua Branca, Alagoas a Z Zabel, Paraba vaguei descobrindo lugares do Nordeste, sem saber bem no incio o que iria achar, com o que me confrontaria... Essa ideia de abecedrio iniciou-se anos atrs para catalogar, selecionar e editar minhas fotografias do Brasil desde a minha chegada. Ela foi se elaborando sobre o tema da gua, com regras e percurso no mapa determinados para a bolsa de pesquisa em fotografia deste Salo: Abecedrio Nordestino, Exerccio de Estilo. Ao final de tudo, foram as letras e as regras para me guiar, as palavras para brincar, as cidades para me (des)encantar, as pessoas para me estimular, as guas para me repousar e os olhos para me chamar. Algumas letras direcionaram meu trabalho, como mostram as anotaes do Abecedrio.Ainda bem que, vagando quieta em Quixel, Cear, na beira do Aude ros, meu olhar parou e enquadrou duas palavras mgicas: que quiser. Que quiser confirmou minhas escolhas de liberdade, que quiser foi como essa fruta no mencionada na receita, essa pimenta cheirosa, o sorriso do dia, o fim do quebra-cabea, sem quebra-quebra comigo mesmo, livre no quebra-luz, sem precisar de quebra-pedra, somente um quebra-peito e um quebra-queixo (achei tudo na feira) (Quixel, julho de 2009).

H, porm, duas letras que se fortaleceram, se impuseram sobre as demais: o a, da fiel companheira gua, e o o, do olhar e do olho.O rio foi como um caminho aonde voamos perto da gua, sobre a gua aprendemos a vagar nas nuvens, nadar no cu. A gua nos convida

Dominique Berth (Brest, Frana, 1962) Vive e trabalha no Recife. Radicada em Pernambuco h aproximadamente dez anos, desenvolve trabalhos a partir de linguagens diversas, sendo reconhecida sobretudo por sua produo em fotografia. Estudou na Escola de Belas Artes de Paris, graduandose em escultura (Frana, 1991). A participao estratgia recorrente em seus trabalhos e experimentaes: Vocs so convidados a intervir no universo dela, quase sempre aqutico, e o mundo no permanece exatamente igual. O tempo suspenso, e vocs podem perceber seu reflexo modificado substancialmente... (Nadia Ouis).1 La rivire fut comme un sentier sur lequel nous volions Cest prs de leau, cest sur leau quon apprend voguer sur les nuages, nager dans le ciel. Leau nous invite au voyage imaginaire.

viagem imaginria 1 gaston bachelard, LEau et les Rves, 1942

Da primeira viso idlica do incio das viagens: guas Borbulhantes, Cristalinas, Desordenadas, Elemento Festivo, Gargalhadas Hilariantes, Imitando Jatos Lmpidos, Mars Ntidas, Oceanos Plcidos ou Revoltos, So Testemunhas nicas a Vagar... Water... Xu... Y... Zs!!! Inspirado, sem dvida, por Bachelard, o encontro com Joo Cabral de Melo Neto, no livro O Co sem Plumas (1950), e com a desolada83

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realidade do tratamento das guas fez minha viso se deteriorar: guas onde Biam Cumulados Detritos, Elemento Ftido, Gangrenada pela Humanidade, Imundice, Jato Limitado, Mars Nauseantes, Oceano Putrificados e Revoltos, So Testemunhas nicas a Vomitar. Water... X... Y... Zs!!![] no fundo da matria, cresce uma vegetao escura; na noite da matria, florescem flores pretas. Elas j tm o veludo e a frmula do seu perfume 22 [] au fond de la matire pousse une vgtation obscure; dans la nuit de la matire fleurissent des fleurs noires. Elles ont dj leur velours et la formule de leur parfum.

para complementar o meu prazer. Desde o perodo da Escola de Belas Artes, eu trabalho sobre o tema gua. Li, reli e estou lendo ainda, sem me cansar, o livro citado de Bachelard; inconscientemente, imperceptivelmente palavras, metforas e imagens se constroem. Aqui, meu olhar se afundou nesses Olhos, resgate do tempo, das intempries ou mesmo o sol e seu calor no evaporaram esses olhares, agora congelados no papel. Dominique Berth

gaston bachelard, LEau et les Rves, 1942).

As fotografias no so, de maneira alguma, uma ilustrao das palavras deles, um simples dilogo e um encontro espontneo84

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pginas 84 a 87 dominique berth Emergncias deolhosd'gua emumabecedrio nordestino, 2009

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V ista da montagem de Emergncias de olhos d'gua em um abecedrio nordestino no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhes.

A execuo do projeto ABCdrio nordestino, exerccio de estilo consistiu em registrar, ao longo de um itinerrio preestabelecido, as impresses de uma srie de viagens pelo Nordeste brasileiro. Essas notaes se deram, no entanto, dentro de determinadas condies, em que a concepo ldica baseada no exerccio de estilo surgiria como uma vontade de encontrar, para cada letra do alfabeto, uma imagem que pudesse ser representativa das afinidades eletivas advindas das impresses sensoriais da paisagem, dos encontros com as pessoas de cada lugar e de suas condies de vida. Ao final, terse-ia um material a ser estruturado como um dicionrio amoroso, composto pelos (des)afetos de uma artista de origem francesa que acolheu nossa regio como local de morada. Vrias referncias vieram tona e apontaram primordialmente para o seu amor pela linguagem e pelo jogo, como indica a referncia ao livro de Raymond Queneau, de onde ela tomou emprestado o ttulo, e tambm ao Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland88

Barthes. Isso tudo sem esquecer a figura do flneur, delineado por Baudelaire como o artista de esprito independente, investido do poder da observao apaixonada, e que se compraz em eleger o estado de eterna movncia, numa forma de sentir-se em casa, vontade, onde quer que esteja. Elemento recorrente em suas obras, a gua foi o fio condutor de todo o processo, e a artista avidamente recorreu a Bachelard como fonte eterna de inspirao para todas as sutilezas que concernem a esse poderoso signo. Em suas diversas manifestaes lago, poo, rio, riacho, aude , a gua funciona como o smbolo do esprito ainda inconsciente, que encerra os recnditos da alma, e o olho, em contrapartida, funciona como o smbolo da percepo intelectual. No olho-dgua, a complementaridade dos dois termos remete ideia de fonte, nascente, metfora da prpria criao. Maria do Carmo Nino89

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fabiano gonperEm 2008, eu estava envolvido com os desenhos da srie O Manipulador, que tratava da manipulao entre os sujeitos. Pesquisar a ideia de reconfigurao do sujeito me parecia um aprofundamento dentro desse universo do poder, da manipulao e da prpria linguagem do desenho. Contudo, com o passar do tempo, a pesquisa me levou a outras poticas, outras preocupaes. Acho interessantes esses novos caminhos que percorri, permitindo aprofundar e entrar em contato com novas ideias, repensar linguagens. Toda pesquisa que fazemos tem um se perder e um se descobrir em novas coisas e lugares que fundamental ao processo de investigao. A partir das minhas intenes iniciais, buscava investigar a reconfigurao do sujeito relacionada ao modo de vida contemporneo: os sistemas, as massas, as indues, as regras e tudo aquilo que est no nosso entorno e que influencia de alguma forma a padronizao, a sistematizao, a mutao e as novas formas de controle e de formatao dos indivduos. Em contraposio a isso, busquei trabalhar uma nova visualizao do desenho dentro da minha produo a partir da criao de fices, de mitologias e de adaptaes das experincias no prprio ateli. Dentro desse campo, me interessei em fazer pequenos vdeos, pequenas narrativas, pequenos contos que traziam uma memria, imagens que se aproximam do desenho, da xilogravura, do estncil (graffiti) e comecei a perceber o que seria abordado, de onde viriam e para onde iriam esses desejos. Construir e desconstruir, a partir do uso de imagens que j circulam em outros meios esse foi o caminho. Em paralelo a isso, comecei a me apropriar de imagens e de vdeos da internet para desenvolver a primeira srie RDS Do Sujeito. Do Poder. Da Poltica, onde constru os primeiros videodesenhos e as obras grficas. So cenas de polticos/executivos que distoro e transformo, trazendo tona apenas uma memria de um sujeito/situao. Fao isso a meu modo, permeado por meios dos quais lano mo como o digital (meios de comunicao web/ TV/rdio) e o impresso (jornais, revistas, etc.) para ter acesso a esses modelos (se antes j me utilizei de modelos vivos para a produo em ateli, hoje uso modelos vivos que circulam nos91

Fabiano Gonper (Joo Pessoa, PB, 1970) Vive e trabalha em So Paulo e Joo Pessoa. Fez oficinas de escultura na Fundao Espao Cultural da Paraba (Funesc, 1989) e foi artista residente na Escola Superior de Artes Visuais de genebra (Sua, 1999). Das participaes em exposies coletivas, destacam-se Panorama da arte brasileira, no Museu de Arte Moderna de So Paulo (MAM, edies de 1999 e 2005); Viii bienal de cuenca (Equador, 2004); o corpo, no Instituto Ita Cultural (So Paulo, 2005); Gerao da Virada, no Instituto Tomie Ohtake (So Paulo, 2006); 17 Festival Videobrasil, no Servio Social do Comrcio (Sesc Belenzinho So Paulo, 2011); e caos e efeito, no Instituto Ita Cultural (So Paulo, 2011). Realizou exposies individuais na White Project (Paris, 2011), na Fundao Joaquim Nabuco (Fundaj Recife, 2003) e na galeria Sesc Paulista (So Paulo, 2001), dentre outras.

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meios virtuais). A imagem assim construda dentro do trabalho, evocando situaes, propondo uma experincia esttica. A experincia com o vdeo e com novos meios e procedimentos me possibilitou desenvolver uma srie de fotografias (Obra Grfica) e vdeos (Videodesenho) abordando a ideia de sujeito/indivduo, corpo, sociedade, sexo, poltica, tendo todas elas uma relao direta com a questo do poder (o que no teria uma dimenso de poder?). As sries Do Sujeito. Do Poder; Estudo para Nu Masculino; e Do Poder. Da Arte foram desenvolvidas em torno desse universo. Em alguns casos, busquei mais o estranhamento, o rudo, a desconstruo, para criar, evidenciar, saturar essa ideia de sujeito. Quais sujeitos so esses, quem so eles, quais espaos ocupam, como habitam nossos imaginrios, como influenciam nossas singularidades. Apresento, ento, na exposio, parte desse processo, uma srie de Videodesenhos, onde exibo novas proposies dentro da minha produo, criando e carregando as prprias imagens que circulam sobre esses sujeitos a partir de experincias cotidianas. Utilizei equipamentos diversos, como o retroprojetor, o projetor de vdeo, a luz strobo e os udios (via YouTube e tambm captados pela cidade). Os Videodesenhos foram construdos a partir do uso de uma webcam, em alto contraste (p&b), e de forma que no fosse necessria uma edio; tudo era feito e pensado como experincia que teria que se resolver ali, naquele momento de realizao. Fabiano Gonper

Fabiano Gonper RDSDoSujeito. DoPoder, 2009 Fotografia, dimenses variadas

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fabiano gonper Reconfiguraes e proliferaesOs trabalhos de Fabiano Gonper lidam constantemente com uma exterioridade que atravessa o que seria a substncia pura e determinante de algo: o sujeito, a arte, a poltica, a imagem. Na verdade, no se trata de mera contaminao, mas do modo como o fora e o dentro, o sujeito e o mundo misturamse e se copertencem. No h uma subjetividade constituda autonomamente, isolada do mundo. O que somos e nos tornamos se d atravs das memrias, dos traumas, da educao, da sociabilidade, das expectativas. Nossa subjetividade se faz junto a essas inscries e se inventa a partir da. No se trata de um sujeito constitudo de fora, mas de uma subjetividade constituinte que se produz nesse embate com o fora, com o mundo. Os desenhos se tornam vdeos, o ato grfico simultaneamente criao e captura. As figuras que brotam e proliferam no trazem um trao de identidade, normalmente no tm fisionomia, a impessoalidade reina imprensada entre a linha e a mancha, o claro e o escuro. Curiosamente, guardadas todas as diferenas de motivao e contexto, lembraram-me algumas gravuras de Oswaldo Goeldi, onde as figuras derivam em uma cidade noturna e sombria. A sensao de solido e constrangimento no impede a insinuao de uma resistncia calada, como se essas figuras estivessem, pela renncia de si, recusando-se a participar de um jogo de cartas marcadas do sistema produtivo. O terno e a gravata so um trao de distino. A mscara de macaco, um recuo animalesco. Sentado, concentrado, digita rapidamente no teclado do computador. O texto sonoro, e o som rudo, percusso. A violncia , ao mesmo tempo, cultural e natural. Um macaco kafkiano na academia. De terno, ele mquina e rotina. Pelo som, ele pulso e instinto. Esses dois mundos so parte do sujeito, ou melhor, a subjetivao um trnsito contnuo entre pulso e sublimao, maioridade e menoridade, cultura e natureza, razo e instinto, executivo e macaco. A projeo isolada remete ao sujeito destacado diante