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Estatuto da cidadeTRANSCRIPT
A experiênci a do Cepam, acumul ada em ma is de três décadas dedicadas à
capacitação técnica dos municípios, o credencia como prestador de serviços aos
órgãos da Administração Pública na implementação de medidas que modernizem as
gestões e levem à implantaçã o de políticas públicas.
O Cepam está capacitado a resolver questões nas áreas administrativa, jurídica,
financeira, de recursos humanos, de desenvolvimento urbano e ambiental, e quanto
ao uso de tecnologia de informação, dentre outras.
Gove rnar um muni cípio orientado para resultados é o maior desafio par a os
dirigentes municipais. As antigas formas e modelos de gerenciamento não mais
atendem às exigências ligadas aos problemas do dia-a-dia da comunidade. Hoje,
governar significa estimular a participação da comunidade na gestão municipal e no
controle social das ações do governo.
O gest or local deve, a part ir da implementação de process o de planej amento
estratégico par ticipativo para a prom oção do desenvolvimento sustentável ,
promover uma refo rma gerencial que desburocrati ze a máquina administrati va
tornando-a mais ágil e flexível, focada no cidadão, e recuperar a capacidade de
investimentos do município.
Governo do Estado de São Paulo
Geraldo Alckmin
Secretaria de Economia e Planejamento
André Franco Montoro Filho
Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam
Sergio Gabriel Seixas
ESTATUTO DA CIDADE
São Paulo, 2001
Ficha Catalográfica elaborada pela Unidade de Produção de Documentação e Informação - UPDI
FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Estatuto da cidade , coordenado por Ma-
riana Moreira. São Paulo, 2001.
482p.
1. Desenvolvimento Urbano. 2. Planejamento Urbano. 3. Legislação Urbana. 4. Política
Urbana. I. Moreira, Mariana, coord. II. Título
CDU: 711.4
da Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam
Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal
C
MENSAGEM DO GOVERNADOR
A s transform ações pelas quais o País tem passado redesenharam as atri-
buições dos Poderes Públicos, suas relações com o setor privado e com os
cidadãos. O s avanços das tecnologias da inform ação, por sua vez, abri-
ram enorm es possibilidades para a A dm inistração, internam ente e nas
suas relações com a população.
Sim ultaneam ente, os governos têm sido tensionados pelo contínuo au-
m ento das dem andas da sociedade, justificadas não só pela persistência
de um inaceitável déficit social, m as tam bém pela participação cada vez
m aior do nosso povo na vida política –fator, aliás, m uito saudável para a
dem ocracia.
Para encam inhar as soluções adequadas, o Estado –em qualquer das suas
três instâncias constitucionais –vem abandonando aceleradam ente o seu
papel de produtor de bens e serviços, assum ido em decorrência de um
m odelo de crescim ento que já não corresponde às necessidades atuais.
Prom over o desenvolvim ento hum ano, incentivar a atividade econôm i-
ca, gerar em pregos, estão agora entre as suas principais atribuições. N a
verdade, sua im portância atual encontra-se na eficiência com que desem -
penha suas atividades prom otora e fiscalizadora e tam bém na prestação
com petente dos serviços que por natureza lhe cabem .
N ão é diferente, no âm bito m unicipal. A contigüidade da com unidade
com os poderes aí localizados, a proxim idade entre representantes e re-
presentados –que nos m unicípios m enos populosos reciprocam ente até
m esm o se conhecem pelo nom e –, além de propiciar um acom panha-
m ento m ais atento dos m andatos, im põe respostas ágeis e conseqüen-
tes. D aí a oportunidade desta série de publicações.
D a reflexão sobre a Ética ao esboço de regim ento interno para câm aras
m unicipais, das inform ações sobre os consórcios interm unicipais a escla-
recim entos sobre a Lei de Responsabilidade na G estão Fiscal, um a m ul-
tiplicidade de tem as é apresentada de form a clara e direta, facilitando a
consulta e a utilização.
Geraldo A lckm in Governador do Estado de São Paulo
APRESENTAÇÃO
D iante das transform ações que têm agitado profundam ente a face do
m undo e do Brasil, o m unicípio se vê, atualm ente, às voltas com situações
novas e inusitadas.
A globalização, a nova econom ia, as inovações na tecnologia da infor-
m ação, certam ente, afetam os entes m unicipais, m as não retiram deles,
em absoluto, um papel fundam ental na vida pública. Por contraditório
que isso possa parecer a alguns, esta nova situação não dim inuiu em
nada o papel do m unicípio, trazendo-lhe, ao contrário, novas responsabi-
lidades. O m unicipalism o reforça-se com a globalização e a A dm inistra-
ção M unicipal deve transform ar-se e m odernizar-se para enfrentar esta
nova realidade.
É, assim , com o intuito de colaborar com os m unicípios de São Paulo,
seus adm inistradores, em preendedores e cidadãos em geral, neste desa-
fio, que a Fundação Prefeito Faria Lim a - C epam , órgão vinculado à Secre-
taria de Econom ia e Planejam ento do Estado, organizou esta série de
publicações e sem inários, cujo tem a geral é o Fortalecim ento Institucional
do M unicípio com o Estratégia para o D esenvolvim ento Sustentável.
O objetivo, assim , é procurar explicar, da form a m ais clara, objetiva e
prática possível, esta conjuntura plena de desafios e de oportunidades,
transm itindo inform ações atualizadas e confiáveis sobre um a gam a de
tem as que abrangem adm inistração local, responsabilidade fiscal, desen-
volvim ento sustentável, consórcios e parcerias interm unicipais e tecnolo-
gia da inform ação (governo eletrônico) aplicada ao plano m unicipal, en-
tre outros assuntos de interesse.
Buscando, de form a constante, o desenvolvim ento social e econôm ico
do Estado de São Paulo com o um todo, a Secretaria de Econom ia e Plane-
jam ento orgulha-se de participar destes sem inários e publicações, que
certam ente contribuirão para o fortalecim ento institucional do m unicí-
pio, elevando seu padrão de governabilidade.
AndréFranco M on t oro Filho Secretário de Econom ia e Planejament o
PREFÁCIO
O objetivo deste livro é, em últim a análise, orientar os governos m unici-
pais na tarefa de planejar suas atividades, especialm ente a de elaborar o
seu Plano D iretor, tendo em vista a aplicação dos instrum entos urbanísti-
cos, à luz da C onstituição Federal e do Projeto de Lei 5.788/90, denom i-
nado Estatuto da C idade, na form a com o foi aprovado na C âm ara dos
D eputados.
O docum ento é, portanto, dirigido a prefeitos, vereadores e funcioná-
rios m unicipais, com o objetivo de facilitar-lhes a elaboração e im planta-
ção do seu Plano D iretor. Em am bos os casos, este livro poderá servir
com o referência para um diálogo fecundo entre técnicos em planejam en-
to, autoridades m unicipais, sociedade civil organizada e cidadãos em geral.
Eis que a C onstituição de 1988 veio reforçar as com petências m unici-
pais e, principalm ente, o papel do Plano D iretor na definição da função
social da propriedade urbana, princípio já há décadas consagrado, m as
pouco definido e observado.
C ontudo, se, nesse aspecto, a C onstituição de 1988, por um lado, abriu
novos horizontes, perspectivas e esperanças, por outro, deixou dúvidas,
cujo saneam ento, esperava-se, fosse feito pela lei nela prevista, dispondo
sobre a política de desenvolvim ento urbano.
N o entanto, tal expectativa restou frustrada. O Projeto de Lei esclarece
algum as questões, m as introduz m uitas outras e, ainda, im põe aos m uni-
cípios condicionantes e vínculos desnecessários.
N esses tem pos, em que, em todo o m undo, se reconhece a necessida-
de de repensar o papel do Estado, procurando am pliar as responsabilida-
des sociais da iniciativa privada, é preciso ser criativo para im aginar novas
form as de colaboração entre esta e aquele e de um planejam ento-gestão
dem ocrático e participativo. N um m undo em rápida transform ação e
globalização, quaisquer am arras ou vinculações desnecessárias som ente
criam dificuldades.
É o que nos propom os a explicitar a seguir, a partir dos trabalhos e
depoim entos dos m uitos colaboradores deste livro.
A idéia de produzir este livro nasceu da intenção de refletir sobre um a
proposta legislativa que, há m ais de década, tram itava no Poder Legislativo
Federal sem , no entanto, haver um a profunda discussão sobre seus term os.
Fom os colhidos pela sensação de que o trabalho poderia representar, na-
quele m om ento, um a form a de cham ar a atenção dos legisladores para a
necessidade de ser editada a lei federal que com plem enta as norm as consti-
tucionais que cuidam de tão im portante assunto, que é a Política Urbana.
Para tanto, convidam os profissionais que atuam na área para escrever
suas opiniões acerca daquilo que propunha o Projeto de Lei. O s autores
trabalharam de form a im pecável, participando, inclusive, de sem inários
que realizam os para discutir, juntos, os pontos polêm icos apresentados
no Projeto. A lém disso, reunim o-nos com parlam entares que estavam à
frente das C om issões de m érito da C âm ara dos D eputados, por onde o
Projeto tram itou, a fim de apresentar nossas críticas e sugestões.
O utros atores desse cenário tam bém foram cham ados a opinar, com o
foi o caso da im portante participação de m em bros do M inistério Público
do Estado de São Paulo, que tam bém vieram dar sua contribuição, sob a
form a de debates acerca dos tem as tratados e de com o o Projeto poderia
ser aprim orado.
C om o toda proposta legislativa, entretanto, o Estatuto da C idade foi
ganhando form a final, que m uito contribuiu para seu aperfeiçoam ento.
O s textos dos autores foram sendo elaborados, procurando atender, a
todo instante, as m udanças ocorridas. Por essa razão, alguns textos to-
m aram por base um a redação diferente da redação final, m as que não
retira o brilhantism o de suas conclusões.
Finalm ente, a Fundação Prefeito Faria Lim a –Cepam , em conjunto com
os profissionais que estiveram à frente desse trabalho, pôde finalizar os
textos, sem pre procurando inserir com entários sobre as alterações ocorri-
das, a fim de dar ao livro a m elhor atualização, pôde editá-lo, tendo em
vista a recente aprovação do Projeto de Lei 5.788/90 –Estatuto da C idade
na C âm ara dos D eputados.
C erto que resta, ainda, um outro cam inho a ser percorrido, que é a
tram itação junto ao Senado Federal; som ente após sua deliberação é que
poderem os ter, no ordenam ento jurídico brasileiro, tão im portantes nor-
m as legais de política urbana.
O livro foi organizado a partir da estrutura do próprio Projeto de Lei
5.788/90 e a últim a parte foi acrescentada para a opinião do C epam .
D essa form a, o livro possui três partes distintas: D iretrizes G erais, Instru-
m entos U rbanísticos e O Estatuto da C idade e o C epam .
N a prim eira e na segunda partes, os tem as são tratados sob dois olha-
res: um deles é o olhar do urbanista, o outro, o olhar do jurista. A ssim ,
para a m aioria dos tem as analisados, são apresentados dois artigos sob
óticas diversas, m as com plem entares.
A prim eira parte, que contem pla as diretrizes gerais do Estatuto da C i-
dade, inicia-se com um histórico e a apreciação crítica do Projeto de Lei, a
fim de oferecer ao leitor que desconheça a m atéria um a visão geral do
assunto. Em seguida, outro artigo trata das com petências constitucionais
para dispor sobre urbanism o, com especial ênfase para a com petência
m unicipal. O terceiro tem a é de fundam ental im portância, pois trata da
função social da propriedade urbana. O quarto tem a aborda o problem a
dos recursos naturais e seu tratam ento no planejam ento urbano. A ges-
tão dem ocrática da cidade é tratada em seguida, sugerindo um debate
acerca da participação popular nas decisões acerca dos destinos da cida-
de. N o tem a seguinte, tratam os das parcerias que devem ser estabelecidas
entre a iniciativa privada e o Poder Público na concepção da política urba-
na, apontando para a necessidade de serem adotadas novas posturas em
relação aos ajustes necessários para ultim ar tais acordos. O Plano D iretor,
instrum ento essencial de im plem entação da política definida pelo m unicí-
pio, é discutido no penúltim o tem a. Por últim o, e não m enos im portante,
o tem a das Regiões M etropolitanas, que, em bora não abordado pelo Es-
tatuto, perm anece com o ponto de fundam ental im portância, tendo em
vista a atuação estatal regionalizada.
N a segunda parte, tratou-se dos instrum entos urbanísticos previstos no
Estatuto da C idade, apresentando, inclusive, alguns relatos de experiên-
cias já vividas por m unicípios que os aplicaram em suas cidades. O últim o
instrum ento analisado, entretanto, não é m encionado no Estatuto, m as
m ereceu destaque, pois trata-se de um m ecanism o urbanístico bastante
eficaz e que pode ser adotado pelos m unicípios, independentem ente de
previsão em norm as gerais.
A últim a parte, elaborada pela equipe técnica, pretende registrar a
opinião do C epam acerca de tudo que foi tratado nos textos apresenta-
dos e, m ais do que isso, sugerir form as práticas de aplicação dos instru-
m entos e de elaboração dos Planos D iretores e form ulação da política
urbana m unicipal.
Estas as nossas pretensões, esperando que o livro contribua para o aper-
feiçoam ento da legislação, m as, principalm ente, para fom entar o debate
necessário, e de m odo transparente, estim ulando as pessoas a se apropri-
arem de suas cidades e delas cuidar, a fim de que todos possam , afinal,
criar um a cidade que garanta o bem -estar coletivo e individual.
Serg io Gabr iel Seixas Presidente
SUMÁRIO
MENSAGEM DO GOVERNADOR
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
PARTE I – DIRETRIZES GERAIS
Propostas de Legislação Federal sobre Política U rbana e o D esafio da G es-
tão das C idades –Diana Meirelles da Mot ta 15
C om petência C onstitucional do M unicípio em U rbanism o –João Carlos
Macruz e JoséCarlos Macruz 47
Função Social da Propriedade –Daniela Campos Libório Di Sarno 70
Função Social da Propriedade e da C idade –Nadia Somekh 81
Desafios do Desenvolvim ento Urbano Sustentável –Ana Lucia Ancona 88
A proveitam ento de Recursos N aturais no Processo de D esenvolvim ento
U rbano Sustentável –Maria Luiza Machado Granziera 100
Planejam ento e G estão: U m D iálogo de Surdos? –Raquel Roln ik 113
N ovos Papéis do Judiciário e do M inistério Público no Trato das Parcerias
entre Setor Público e Setor Privado –Paulo AndréJorge Germanos 119
Plano D iretor no Substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990 –Toshio
Mukai 129
Plano D iretor e Função Social da Propriedade U rbana –Antônio Cláudio
M. L. Moreira 145
Regiões M etropolitanas, A glom erações U rbanas e M icrorregiões –
Clement ina De Ambrosis 163
PARTE II – INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS
D ireito de Preem pção –Eurico de Andrade Azevedo 175
Reform a U rbana, Estatuto da C idade e D ireito de Preem pção –Eduardo
Della Manna 189
Parcelam ento e Edificação C om pulsórios e D esapropriação –Sanção –
Nilza Maria Toledo Antenor 201
A plicabilidade do Parcelam ento ou Edificação C om pulsórios e da D esa-
propriação para Fins de Reform a U rbana –Nelson Saule Junior 224
IPTU Progressivo no Tem po –Bona De Villa 238
U sucapião Especial U rbano e C oncessão de U so para M oradia –Paulo
JoséVillela Lomar 255
Função U rbanística do U sucapião –Norma Lacerda e Lúcia Leitão 276
D ireito de Superfície –Mariana Moreira 293
D ireito de Superfície –Domingos Theodoro de Azevedo Netto 307
O utorga O nerosa (Solo C riado) no Projeto de Lei 5.788, de 1990 –Marce-
lo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos 311
Solo C riado –A Experiência em Porto A legre –Maria Regina Rau de Sou-
za e Marilú Marasquin 332
Transferência do D ireito de C onstruir –Um Instrum ento M al A plicado –
Maria Cecília Lucchese 343
Transferência do D ireito de C onstruir –Cacilda Lopes dos Santos 364
O perações Urbanas C onsorciadas –Diana Di Giuseppe 377
O perações U rbanas –Maria Cecília Lima Castro e Pedro de M ilanélo
Piovezane 393
Requisição U rbanística –Márcia Walquíria Batista dos Santos 406
Q ualidades Práticas da Requisição U rbanística com o Instrum ento de Q ua-
lificação U rbana –Cândido Malta Campos Filho 417
PARTE III – O ESTATUTO DA CIDADE E O CEPAM
Política Urbana, Plano D iretor, Instrum entos Urbanísticos –Mariana Moreira,
Clementina De Ambrosis, Domingos Theodoro de Azevedo Netto 435
PARTE I - DIRETRIZES GERAIS
PROPOSTAS DE LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE POLÍTICAURBANA E O DESAFIO DA GESTÃO DAS CIDADES
Diana M eirel les da M ot ta 1
N o âm bito da política urbana, desde 1983 tram ita proposta de legisla-
ção federal para regulam entar dispositivos urbanísticos necessários ao
apoio de políticas urbanas de âm bito federal, estadual e m unicipal. Este
artigo trata dos projetos de lei federal em tram itação no C ongresso N a-
cional que se destacaram por constituir m arco referencial no debate da
política urbana. São tratados o Projeto de Lei 2.191/90, do deputado Raul
Ferraz, o Projeto de Lei 5.788/90 (PL 181/90, no Senado Federal –Estatu-
to da C idade) e seus respectivos Substitutivos na C âm ara dos D eputados,
quais sejam , na C om issão de Econom ia, na C om issão de D efesa do C on-
sum idor e M inorias, do relator na C om issão de D esenvolvim ento U rbano
e Interior e o adotado pela m esm a C om issão.
A análise dos projetos de lei focalizou, especialm ente, a concisão dos
conceitos e das disposições legais; os dispositivos da C onstituição Federal
e as com petências em m atéria urbanística das três esferas de governo; a
adequação dos instrum entos propostos ao padrão e às tendências da
urbanização brasileira, bem com o sua adequação aos principais desafios
a serem enfrentados pela política urbana.
Projeto de Lei 775/83 do Poder ExecutivoA preocupação em criar dispositivos legais para se obter um a legislação
adequada à realidade urbana levou o governo federal a encam inhar o pri-
m eiro projeto de lei do Poder Executivo dispondo sobre política urbana –o
• 15 ○ ○ ○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
1 Coordenadora-geral de Política U rbana do Instituto de Pesquisa Econôm ica A plicada –Ipea.
○ ○ ○ 16 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
PL 775/83, que dispõe sobre os objetivos e a prom oção do desenvolvi-
m ento urbano. Esse projeto caracterizou-se pelas seguintes inovações:
• criação de um a legislação própria para a cidade que refletisse as
relações urbanas do Brasil. N aquele m om ento, com o até agora, gran-
de parte da legislação em vigor foi concebida quando a sociedade
brasileira era predom inantem ente rural;
• explicitação do preceito constitucional da função social da proprie-
dade, adotando com o pontos básicos: a) oportunidade de acesso à
propriedade urbana e à m oradia; b) justa distribuição dos benefícios
e ônus decorrentes da urbanização; c) correção das distorções da
valorização da propriedade urbana; d) regularização fundiária e ur-
banização específica de áreas ocupadas por população de baixa ren-
da; e e) adequação do direito de construir às norm as urbanísticas;
• criação de novos instrum entos para habilitar os prefeitos e dem ais
adm inistradores urbanos a m elhor orientar o crescim ento das cida-
des e a corrigir as distorções existentes, ou as que venham a ocorrer,
tais com o direito de superfície, parcelam ento, edificação e utilização
com pulsória e direito de preem pção;
• participação do cidadão, da associação com unitária, do vizinho e do
M inistério Público na fiscalização do cum prim ento dos preceitos es-
tabelecidos no projeto de lei e nas norm as federais, estaduais e m u-
nicipais pertinentes ao urbanism o. M ediante esse dispositivo, qual-
quer cidadão, associação com unitária ou o vizinho poderá im petrar
ação para im pedir a ocupação ou uso de im óvel urbano em desacor-
do com as norm as urbanísticas;
• definição das obrigações para com a cidade por parte da U nião, do
Estado e do m unicípio;
• estabelecim ento de condições para a transferência do direito de cons-
truir de um terreno para outro, nas cidades, em benefício da preser-
vação do patrim ônio urbanístico, artístico, arqueológico e paisagístico
ou para im plantação de equipam entos urbanos e com unitários.
• 17 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O projeto de lei estabelece, entre outros, os seguintes objetivos para o
desenvolvim ento urbano: a) m elhoria da qualidade de vida nas cidades, a
ser alcançada m ediante a adequada distribuição espacial da população e
das atividades econôm icas; b) integração e com plem entaridade das ativi-
dades urbanas e rurais; e c) disponibilidade de equipam entos urbanos e
com unitários.
N a prom oção do desenvolvim ento urbano, determ ina o projeto de lei,
deverão ser observadas diretrizes relacionadas à expansão dos núcleos
urbanos; às distorções do crescim ento urbano; à concentração urbana; à
propriedade im obiliária urbana e sua função social; ao uso do solo; aos
investim entos públicos; à política fiscal e financeira; aos investim entos
que resultem na valorização dos im óveis urbanos; à participação individu-
al e com unitária no processo de desenvolvim ento urbano; e à participa-
ção da iniciativa privada na urbanização.
A proposição de um a lei de desenvolvim ento urbano que, em âm bito
nacional, reunisse os vários aspectos da gestão dos problem as das cida-
des foi fundam entada na necessidade de assegurar aos adm inistradores
urbanos condições efetivas de atuação no m eio urbano, e, já naquele
m om ento, m ostrava-se urgente e indispensável.
O PL 775/83 teve origem no C onselho N acional de D esenvolvim ento
U rbano –CND U , vinculado ao então M inistério do Interior, e, ao longo
dos anos, continuou sendo referência nos debates que se seguiram sobre
a regulam entação do C apítulo da Política U rbana. Traduziu-se em docu-
m ento abrangente, harm ônico e sistem ático ao apresentar diretrizes, ins-
trum entos e norm as gerais de desenvolvim ento urbano, bem com o ao
delinear a ação conjunta das três esferas de governo para a form ulação e
im plantação da política urbana.
O referido projeto tram itou com o principal no C ongresso N acional até o
advento da C onstituição Federal de 1988, chegando a ser apensados, ao
m esm o, 14 projetos de lei. A partir dos novos preceitos constitucionais
foram , portanto, apresentados vários projetos de lei, conform e m encio-
nado anteriorm ente.
○ ○ ○ 18 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Regulamentação do Artigo 182 da Constituição FederalA s atribuições outorgadas pela C onstituição Federal de 1988 no âm bito
do desenvolvim ento urbano im plicaram m aior flexibilidade da ação exe-
cutiva e legislativa quando com paradas com aquelas da C onstituição vi-
gente até aquela data.2
À U nião foi atribuída com petência para legislar, instituindo norm as ge-
rais de direito urbanístico, diretrizes para o desenvolvim ento urbano, in-
clusive habitação, saneam ento básico e transportes urbanos e desapro-
priação, além das com petências executivas previstas no artigo 23.
A os Estados foi dada com petência legislativa plena ou suplem entar,
conform e o caso, para atender as suas peculiaridades em m atéria de di-
reito urbanístico, proteção do patrim ônio histórico, cultural, turístico e
paisagístico, florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defe-
sa do solo e dos recursos naturais, proteção do m eio am biente e controle
da poluição.
A o m unicípio com pete legislar e prestar os serviços públicos de interes-
se local, suplem entar a legislação federal e estadual, no que couber, e
prom over adequado ordenam ento territorial, m ediante planejam ento e
controle do uso, parcelam ento e ocupação do solo urbano. Paralelam en-
te, a C onstituição Federal, no artigo 23, atribuiu tam bém ao m unicípio a
com petência para proteger docum entos, obras e outros bens de valor
histórico, artístico ou cultural; proteger o m eio am biente e com bater a
poluição; preservar as florestas, a fauna e a flora; fom entar a produção
agropecuária e organizar o abastecim ento alim entar; prom over progra-
m as de construção de m oradias e a m elhoria das condições habitacionais
e de saneam ento básico; com bater as causas da pobreza e os fatores de
m arginalização, prom ovendo a integração social dos setores des-
favorecidos, entre outras atribuições.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
2 LO M A R, Paulo Villela.Estudo e análise dos instrumentos legais de planejament o e gestão
do solo urbano . In: Base Conceitual e H ipóteses do Estudo G estão do U so do Solo e D isfunções
do C rescim ento U rbano. Brasília: Ipea, 1997. (m im eo)
• 19 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A o m unicípio atribui-se, tam bém , as m atérias legislativas e executivas
de interesse local, isto é, aquelas que não afetem a população de dois ou
m ais m unicípios, e, ao Estado, com pete a solução dos problem as que
atinjam a população de dois ou m ais m unicípios de seu território. Isso não
significa desconhecer a existência de problem as coletivos que afetem si-
m ultaneam ente a população local, estadual e nacional, hipótese em que
o interesse nacional prevalece sobre o estadual e o m unicipal, e o estadu-
al sobre o m unicipal. N esse caso, cum pre ao m unicípio atuar no interesse
local que lhe caiba.
O C apítulo II da Política U rbana (artigos 182 e 183), integrando o Título
VII (O rdem Econôm ica e Financeira), representa o m ais significativo
ordenam ento constitucional sobre desenvolvim ento urbano na C onstitui-
ção Federal, quais sejam (art. 182):
• form ulação de lei federal dispondo sobre diretrizes gerais de desen-
volvim ento urbano e consagração do objetivo da política de desen-
volvim ento urbano de ordenar o pleno desenvolvim ento das fun-
ções sociais da cidade e garantir o bem -estar de seus habitantes (art.
182,caput );
• explicitação do princípio constitucional da função social da proprie-
dade, cujo cum prim ento será com base no atendim ento das exigên-
cias fundam entais de ordenação da cidade expressas no plano dire-
tor (art. 182, § 2°);
• form ulação de lei federal que regulam ente a faculdade conferida ao
Poder Público m unicipal de prom over o adequado aproveitam ento
do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (art.
182, § 4°, incisos I, II e III).
A ssim , conform e o disposto no artigo 182, a lei federal deve dispor
sobre diretrizes gerais da política urbana “a ser executada pelo Poder
Público m unicipal”, explicitando os tem as de exclusiva com petência fede-
ral –regulam entação da propriedade e de sua função social.
Seria tam bém pertinente à lei federal estabelecer diretrizes para o de-
○ ○ ○ 20 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
senvolvim ento urbano, inclusive habitação, saneam ento básico e trans-
portes urbanos.
O utra m atéria pertinente à lei federal seria o detalham ento das atri-
buições auferidas pela C onstituição Federal no âm bito do desenvolvi-
m ento urbano às três esferas de governo (U nião, Estados e m unicípios).
U m a vez que há várias com petências concorrentes, isso seria útil para
evitar conflitos, racionalizar esforços e estabelecer a integração de ações
no m eio urbano.
Tam bém é necessário regulam entar os m eios para a cooperação entre
os três níveis, especialm ente quando se trata de program as de construção
de m oradias e de saneam ento básico. A C onstituição de 1988 prevê lei
com plem entar para regular essa últim a m atéria (art. 23, parágrafo úni-
co). Esse é um tem a que vem sendo fortem ente dem andado especial-
m ente no debate sobre políticas públicas de habitação e saneam ento.
C om pete tam bém à U nião, aos Estados e ao D istrito Federal legislar
concorrentem ente sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, eco-
nôm ico e urbanístico.
C riado pela C onstituição Federal de 1988, o U sucapião Especial U rbano
passou a ser im portante instrum ento de acesso à terra pela população de
m ais baixa renda. É peculiaridade do usucapião transform ar a posse em
propriedade, sem ônus para o Poder Público e sem interm ediação do Exe-
cutivo ou Legislativo, tornando o acesso à terra urbana um processo de
justiça social.
Projeto de Lei 2.191/89D e autoria do deputado Raul Ferraz, o Projeto de Lei 2.191/89 foi o
prim eiro projeto de lei sobre a prom oção do desenvolvim ento urbano
apresentado após a prom ulgação da C onstituição Federal de 1988.
O PL 2.191/89 constitui o Substitutivo apresentado pelo deputado ao
PL 775/83, com suas adaptações à C onstituição Federal de 1988, especi-
alm ente quanto ao plano diretor e às com petências federal, estadual, do
D istrito Federal e m unicipal quanto à m atéria urbanística.
• 21 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A s principais inovações apresentadas pelo PL 2.191/89 no âm bito dos
instrum entos urbanísticos foram as seguintes:
a) criação de áreas de polarização urbana integrada, form adas
por m unicípios vizinhos não conurbados e que fazem parte da m es-
m a com unidade socioeconôm ica e que exijam a execução de servi-
ços de interesse com um ;
b)criação de dois institutos tributários: contribuição urbanística etaxa de urbanização;
c) criação do instituto da requisição urbanística, pelo qual o m uni-
cípio ou entidade de sua adm inistração indireta, com base no plano
de desenvolvim ento urbano e no projeto aprovado, poderá requisi-
tar, ocupando, por prazo determ inado, um ou m ais im óveis contí-
guos situados em zona urbana ou de expansão urbana, para prom o-
ver loteam ento ou realizar obras de urbanização e reurbanização,
devolvendo, posteriorm ente, o im óvel devidam ente urbanizado ou
outro de valor equivalente aos respectivos proprietários;
d)criação do instituto da usucapião especial de imóvel urbano em
razão do qual todo aquele que, não sendo proprietário rural nem
urbano, detiver a posse, sem oposição, por três anos ininterruptos
entre presentes ou cinco anos entre ausentes, de área urbana contí-
nua, não excedente a 125 m etros quadrados, utilizando-a para m ora-
dia própria ou de sua fam ília, não im portando a precariedade da
edificação, adquirir-lhe-á o dom ínio. Associação condom inial de m o-
radores, representada pelo síndico, poderá prom over em juízo a ação
de usucapião especial coletivo de im óvel urbano;
e) criação do instituto de reurbanização consorciada, pelo qual om unicípio ou Estado, baseado em plano de desenvolvim ento urba-
no, poderá declarar de interesse social, para fins de desapropriação.
O PL 2.191/89, ao aprofundar e com plem entar dispositivos constantes
no PL 775/83, trouxe um a grande contribuição aos trabalhos de regula-
m entação do C apítulo da Política U rbana da C onstituição Federal.
○ ○ ○ 22 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Projeto de Lei 5.788/90O Projeto de Lei 5.788/90, conhecido com o Estatuto da C idade, estabe-
lece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. O proje-
to, com 72 artigos –três Títulos e dez Capítulos –, foi aprovado em 1990
no Senado Federal (PL 181/90) e rem etido à C âm ara dos D eputados, nos
term os do artigo 65 da C onstituição Federal.
A conceituação, princípios e objetivos da política urbana apresentam -se
de form a confusa, especialm ente devido à dificuldade de distinção entre
eles, carecendo de revisão e uniform ização da term inologia adotada.
O bserva-se, tam bém , conteúdo com plexo para o entendim ento da políti-
ca urbana.
A política urbana m unicipal é caracterizada, basicam ente, no C apítulo I –
Diretrizes G erais; Capítulo II –Políticas Setoriais, e no Capítulo IV –Plano
D iretor.
A política urbana m unicipal é definida com o um conjunto de políticas
de natureza setorial, cabendo aos m unicípios elaborar as políticas de or-
denação do território, de controle do uso do solo, de participação com u-
nitária, de contribuição social e desfavelam ento.
O plano diretor, conform e o projeto de lei, apesar de excessivam ente
regulado, deixa de apontar os elem entos que possam contribuir, de for-
m a efetiva, para a gestão urbana. O utro ponto que poderia ser tratado é
a im portância do seu papel para o cum prim ento da função social da pro-
priedade, pois necessita ser m ais esclarecido para os gestores urbanos. O
plano diretor apresenta-se, assim , m uito extenso, com plexo, redundante
e confuso, incluindo, com o elem entos obrigatórios, diversos program as,
quais sejam : program a de expansão urbana; program a de uso do solo
urbano; program a de dotação urbana e de equipam entos urbanos e co-
m unitários; instrum entos de suporte jurídico de ação do Poder Público,
em especial o código de obras e edificações; além das norm as de preser-
vação do am biente natural e construído; e o sistem a de acom panham en-
to e controle. Esses com ponentes são ainda detalhados em cinco pará-
• 23 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
grafos. A pesar dessas exigências, perm anece obscuro o conteúdo obriga-
tório do plano diretor.
O conteúdo obrigatório do plano diretor, de acordo com a Constituição
Federal, já é bastante extenso, não necessitando ser am plam ente regulado
no corpo da lei federal. Além disso, seria tem eroso apontar parâm etros ho-
m ogêneos para as cidades brasileiras, um a vez que, no âm bito intra e inter
urbano, a urbanização do país se m ostra em padrões e ritm os diferenciados.
O s dispositivos referentes às “regiões m etropolitanas”e “aglom erações
urbanas”tam bém são questionáveis. O projeto aponta que um dos m uni-
cípios da região m etropolitana será designado com o m unicípio m etropoli-
tano e que a região m etropolitana será dirigida pelo prefeito do m unicípio
m etropolitano. Nesse caso, a Constituição Federal é clara ao determ inar
que caberá aos Estados “instituir regiões m etropolitanas, aglom erações
urbanas e m icrorregiões, constituídas por agrupam entos de m unicípios
lim ítrofes, para integrar a organização, o planejam ento e a execução de
funções públicas de interesse com um ”e regular, conseqüentem ente, sobre
a form a de gestão e adm inistração dos interesses m etropolitanos.
O corre, ainda, inadequação de term os em pregados, com o, por exem -
plo, a inclusão de “ordenação do território” no elenco de políticas setoriais.
Em geral, políticas setoriais referem -se a políticas de equipam entos e ser-
viços públicos, a exem plo da política de habitação, transportes, sanea-
m ento e outras.
U m outro ponto discutível do projeto é seu enfoque essencialm ente
m unicipal, deixando de m encionar diretrizes gerais da política urbana nos
dem ais níveis de governo. N esse aspecto, a C onstituição Federal de 1988,
ao destinar capítulo específico sobre m atéria urbana, atribuiu dispositivos
específicos sobre o papel da U nião na política urbana.
Cum pre, portanto, à U nião, tam bém exercer sua com petência relativa à
política urbana. A lém das diretrizes gerais, que são norm as program áticas,
im põe-se ainda o estabelecim ento de norm as m ateriais que venham orien-
tar o setor urbano, bem com o o regim e jurídico da propriedade im obiliária
○ ○ ○ 24 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
urbana. A lém disso, a U nião, por interm édio de suas agências e instituições
voltadas para o desenvolvim ento urbano, destina significativos recursos fi-
nanceiros para program as e projetos urbanos de habitação, saneam ento,
transportes e desenvolvim ento institucional e social nas cidades.
O im posto predial territorial urbano, a contribuição de m elhoria, o
parcelam ento e edificação com pulsórios, o direito de preem pção, o direi-
to de construir, o direito de superfície e de usucapião especial foram os
instrum entos m elhor elaborados no âm bito do projeto.
A o Projeto de Lei 5.788/90 foram apensados 17 projetos na C âm ara
dos D eputados. N o ano de 1992, o PL recebeu 197 Em endas na C om is-
são de Viação e Transportes, D esenvolvim ento U rbano e Interior.
Projeto de Lei 5.788/90 – Substitutivo da Comissão deEconomia, Indústria e ComércioN a C om issão de Econom ia, Indústria e C om ércio, o PL 5.788/90 foi pro-
fundam ente alterado, sendo retirada grande parte de suas inadequações.
N a C âm ara dos D eputados, a C om issão de Econom ia, Indústria e
C om ércio, com o objetivo de exam inar de form a conjunta o PL 5.788/
90, elaborou, em dezem bro de 1993, um Substitutivo ao referido Pro-
jeto, a partir da proposta apresentada pelo G rupo Técnico - G T, coor-
denado pela C om issão de D esenvolvim ento U rbano e Interior da C â-
m ara dos D eputados, da qual participaram diversas entidades da so-
ciedade civil e órgãos do Poder Público. N ão obstante a necessidade
de alguns ajustes, esse texto altera profundam ente o PL original, aper-
feiçoando-o, sendo resultado de profundo esforço técnico e político
na busca de um acordo para a sua tram itação, bem com o para o apri-
m oram ento do seu conteúdo.
O Substitutivo da C om issão de Econom ia, Indústria e C om ércio, o qual
absorveu, em grande parte, o texto do G T, deu novo conteúdo e form a
ao PL original.
Foram suprim idos o Título I (D as D efinições e da Função Social da
• 25 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Propriedade); o Título II (C apítulo II, arts. 7o ao 9o); e os que tratam das
políticas setoriais (arts. 11 a 15). Foram aperfeiçoados os dispositivos que
tratam das diretrizes gerais (art.10) e os que tratam dos instrum entos de
política urbana (arts. 16 a 37).
O texto que trata do plano diretor foi profundam ente alterado, perm a-
necendo apenas o artigo 38, que dispõe sobre sua obrigatoriedade, e o
artigo 39, que m enciona que o m esm o pode utilizar os instrum entos do
PL para regular os processos de produção, reprodução e uso do espaço
urbano. Foram suprim idos os artigos que tratam das diretrizes, do proces-
so da elaboração e do conteúdo do plano diretor (arts. 40 a 52).
Foram suprim idos do C apítulo V (Equipam entos U rbanos e C om unitá-
rios, arts. 53 a 55) os artigos que tratam , respectivam ente, da definição
dos equipam entos urbanos e com unitários, da criação de um a Agência
N acional de H abitação e o que regula o serviço de transporte urbano
m unicipal. Esses dois últim os dispositivos foram suprim idos por vício de
iniciativa, por ser m atéria de exclusiva iniciativa do Poder Executivo.
D o C apítulo VI (Regiões M etropolitanas e A glom erações Urbanas, arts.
55 a 63) foram retirados os dispositivos que dispõem sobre a criação,
constituição, funções e participação popular nos órgãos m etropolitanos,
bem com o sobre a figura do prefeito m etropolitano.
Suprim iu-se, ainda, o Título III (C apítulo I, arts. 64 a 69), que trata do
C onselho N acional de D esenvolvim ento U rbano e estabelece as com pe-
tências, recursos, e outras m atérias referentes ao seu funcionam ento, por
vício de iniciativa. Foi tam bém elim inado do C apítulo II (D isposições
Finais) o artigo 70, que trata dos dispositivos referentes ao planejam ento
e gestão das atividades urbanas, notadam ente a Lei 6.766/79 sobre o
parcelam ento do solo urbano, e a Lei 6.803/80, que dispõe sobre as dire-
trizes básicas para o zoneam ento industrial em áreas críticas de poluição
e dá outras providências.
C om as alterações ocorridas, o Substitutivo m ostrou-se m ais adequado
às finalidades da regulam entação do C apítulo da Política U rbana.
○ ○ ○ 26 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Projeto de Lei 5.788/90 – Substitutivo da Comissão deMeio Ambiente, Minorias e Defesa do ConsumidorO Substitutivo da C om issão de M eio A m biente, M inorias e D efesa do
C onsum idor fez poucas alterações no conteúdo do Substitutivo anterior,
incluindo-se alguns dispositivos referentes ao m eio am biente.
O equilíbrio am biental foi inserido entre as finalidades da regulação do
uso da propriedade urbana (art. 1o), sendo tam bém observados, entre as
diretrizes gerais da política urbana, os efeitos negativos sobre o m eio
am biente (no planejam ento do crescim ento das cidades, na distribuição
espacial da população e das atividades econôm icas do m unicípio e da
região sobre sua influência), a degradação am biental (na ordenação do
uso do solo) e as norm as am bientais (na regularização e urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda).
N o C apítulo II, que trata dos Instrum entos de Política U rbana, Seção I,
foram incluídos o estudo prévio de im pacto am biental –EIA e o estudo
prévio de im pacto de vizinhança –EIV. N a Seção II (D o Parcelam ento e
Edificação C om pulsórios) foram inseridos, no artigo 4o, dois parágrafos
que tratam da caracterização da ociosidade prevista no caso da aplicação
do parcelam ento e da edificação com pulsória. N o artigo 7o foi em endado
o parágrafo 1o, que trata dos títulos da dívida pública, e inseridos dois
artigos (arts. 8o e 9o), que tratam do consórcio im obiliário.
Foram inseridas tam bém duas Seções. U m a nova Seção (Seção V –Di-
reito de Preem pção), que com parecia no PL 5.788/90 com três artigos
que tratam das condições de sua aplicação e a Seção IX –(D o Estudo de
Im pacto de V izinhança, (arts. 31 a 33). Esta últim a determ ina a elabora-
ção de estudo prévio de Im pacto de Vizinhança para a obtenção de licen-
ças ou autorizações de construção, am pliação ou funcionam ento, dele-
gando ao m unicípio a definição das atividades sujeitas a essa exigência.
O C apítulo IV (D as D isposições G erais, art. 38 ) indica período de ses-
senta dias para Estados e m unicípios fixarem prazos para a expedição de
diretrizes para a im plantação de em preendim entos urbanísticos, aprova-
• 27 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ção de projetos de parcelam ento e de edificação, realização de vistorias,
expedição e de term o de verificação e conclusão de obras.
C onsiderando que o atual quadro urbano do País revela um percentual
significativo da população, especialm ente pobre, habitando em áreas sen-
síveis do ponto de vista am biental, vale apontar que as novas exigências
am bientais inseridas nesse Substitutivo e m antidas até agora, no que res-
peita ao uso e à ocupação do solo, devem ser aplicadas considerando
tam bém sua adequação às condições sociais e econôm icas da população.
O utro aspecto a considerar respeita à necessidade de avaliação dos ins-
trum entos de política am biental, com vistas a evitar o agravam ento do
atual quadro de inform alidade urbana.
Por exem plo, a consideração das norm as am bientais na regulariza-
ção fundiária e na urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda, conform e o Substitutivo, tem que ser objeto de criteriosa
avaliação, com vistas a evitar seus im pactos negativos na oferta de
habitação. D evido ao seu caráter restritivo e ao elevado grau de exi-
gência da regulação am biental, im põe-se sua avaliação considerando
alternativas tecnológicas e indicadores sociais e econôm icos, sob pena
de inviabilizar grande parte de program as e projetos de urbanização
de favelas no País, deixando a população nas m esm as condições de
precariedade urbana.
Essa observação é tam bém pertinente para o estudo prévio de im pacto
am biental (EIA ) e para o estudo prévio de im pacto de vizinhança (EIV)
exigidos pelo Substitutivo. U m outro fator a considerar, já com provado
tam bém nos planos de m anejo para as Á reas de Proteção A m biental -
A PA s, é o elevado custo desses estudos, o qual tem inviabilizado a
im plem entação desses planos. A experiência tem dem onstrado que a
inexistência dos planos de m anejo tem favorecido a ocupação
indiscrim inada do solo, tornando o instrum ento ineficaz.
U m outro ponto a considerar diz respeito à harm onização da regulação
urbanística com a regulação am biental. A s pesquisas têm m ostrado a
○ ○ ○ 28 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
necessidade de serem revistos os instrum entos de política am biental quan-
do aplicados nas áreas sob forte pressão da urbanização.
Projeto de Lei 5.788/90 – Substitutivo do Relator naComissão de Desenvolvimento Urbano e Interior daCâmara dos DeputadosO Substitutivo do relator apresentado em novem bro de 1999 m antém
as alterações feitas no Substitutivo anterior, acrescenta novas m atérias e
retom a outras tratadas no PL 775/83 do Poder Executivo.
A prim eira delas respeita às com petências da U nião quanto à m atéria
urbana, pois nenhum dos Substitutivos anteriores trata desse tem a. C on-
form e m encionado, as com petências com uns dos três níveis de governo
têm sido alvo de m uita discussão, em função da necessidade de serem
m elhor apontadas as responsabilidades de cada um deles no que respeita
ao desenvolvim ento urbano. N o entanto, o PL transcreve o Texto C onsti-
tucional, deixando de esclarecer aspectos cruciais, com o, por exem plo,
norm as para a cooperação, quando se trata da instituição de program as
de construção de m oradias, de condições habitacionais e de saneam ento
básico. O m elhor exem plo disso é o debate que tem ocorrido entre Esta-
dos e m unicípios acerca da titularidade dos serviços de saneam ento.
Foram am pliados os dispositivos que tratam do Plano D iretor, inseridos
dois C apítulos que tratam respectivam ente das Regiões M etropolitanas e
da G estão D em ocrática da C idade, sendo, tam bém , inseridas, penalida-
des para o prefeito.
O Substitutivo apresentado pelo relator acrescenta que o plano diretor
deve englobar o território do m unicípio com o um todo e estabelece que o
m esm o deva ser periodicam ente revisto, pelo m enos a cada 10 anos. Tor-
na, ainda, o instrum ento obrigatório para as cidades integrantes de áreas
de especial interesse turístico ou inseridas na área de influência de em pre-
endim entos ou atividades com significativo im pacto am biental de âm bito
regional ou nacional.
Pesquisas m ostram que a eficácia dos planos diretores está diretam en-
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
te relacionada à sua capacidade de adequação à dinâm ica dem ográfica,
social e econôm ica urbana, ou seja, ao crescim ento e à m udança, que
constituem os principais processos urbanos, caso contrário, eles não têm
se m ostrado úteis para os gestores urbanos e para os cidadãos. N esses
term os, o seu conteúdo não deve apenas se restringir a um a visão física
e espacial. O plano diretor deve incorporar aspectos econôm icos e so-
ciais urbanos, refletindo a dinâm ica desses processos e sendo objeto de
ajustes na sua aplicação, sendo aconselhável, portanto, ser fre-
qüentem ente revisto.
O tratam ento das regiões m etropolitanas revela inadequações, necessi-
tando revisão. O docum ento propõe que a polarização do território do
Estado com o um todo, por um a m etrópole, seja condição para a institui-
ção de região m etropolitana. N o entanto, não explicita com o isso vai ser
avaliado. A ponta, com o diretrizes para criação, o estabelecim ento de m eios
integrados de organização adm inistrativa, a prevalência do interesse co-
m um sobre o local, o planejam ento e a execução conjunta das funções de
interesse com um e o rateio de custos. O Substitutivo conceitua m as não
explicita as funções públicas de interesse com um , e determ ina que as
regiões m etropolitanas elaborem um Plano D iretor M etropolitano, inde-
pendentem ente do Plano D iretor M unicipal.
O Substitutivo dá especial relevância à participação popular na gestão
urbana, constituindo capítulo específico e explicitando os instrum entos a
serem utilizados, com enfoque na gestão do orçam ento participativo.
Para a ação judicial referente a usucapião especial de im óvel urbano foi
previsto o rito sum ário, com vistas a agilizar os processos que têm im pedi-
do o direito à m oradia. É tam bém instituída a O utorga O nerosa de alte-
ração de uso m ediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Para reparar danos causados à ordem urbanística e fortalecer a atuação
do M inistério Público, é prevista a utilização da ação civil pública, o que
pode favorecer a aplicação desse tipo de ação com relação à questão
urbanística.
○ ○ ○ 30 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Substitutivo previu, tam bém , diferentes tipos de sanções. Será nula,
por exem plo, a lei que instituir o plano diretor sem participação popular
em seu processo de elaboração, e as ações e om issões graves do prefeito
caracterizar-se-ão com o im probidade adm inistrativa.
Foram alterados vários pontos do Substitutivo anterior. Com o exem plos,
destacam -se as alterações feitas nos dispositivos que tratam da taxa de juros
na desapropriação-sanção prevista pelo artigo 182 da Constituição Federal,
que beneficiava o infrator, e da definição de subutilização do solo urbano,
que não previa a hipótese de falta de cum prim ento da legislação cabível.
Projeto de Lei 5.788/90 – Substitutivo Adotado pelaComissão de Desenvolvimento Urbano e Interiorda Câmara dos DeputadosO Substitutivo dessa C om issão apresenta poucas alterações em relação
ao Substitutivo anterior, sendo, a de m aior relevância, a inclusão de um a
seção específica que trata da C oncessão de U so Especial para Fins de
M oradia em Im óvel Público. Em relação aos Substitutivos anteriores, a
inclusão desse instrum ento pode ser considerada um avanço, pois os
Substitutivos precedentes careciam de instrum entos que viessem a con-
tribuir para a gestão das áreas urbanas inform ais.
O Substitutivo regulam enta o C apítulo da Política U rbana da C onstitui-
ção Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências, tendo por finalidade instituir norm as que regulam o uso da
propriedade urbana.
O C apítulo da C onstituição Federal dispõe que as diretrizes da política
urbana seriam fixadas em lei, e que a política urbana tem , por objetivo,
ordenar o pleno desenvolvim ento das funções sociais da cidade e garantir
o bem -estar de seus habitantes.
Para o alcance desse objetivo, o conteúdo do Substitutivo deveria ser
m ais abrangente e expressar a função social da cidade, que se traduz pela
oferta de em pregos, de habitação, saneam ento, transportes, dem ais ser-
viços e equipam ento urbanos.
• 31 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
D iante do exposto, a avaliação geral do Substitutivo é de que o m esm o
deveria incorporar dispositivos voltados especialm ente para a m elhoria
das condições de vida da população pobre, para o aum ento da
com petitividade das cidades, e para o fortalecim ento do planejam ento e
gestão, que constituem os grandes desafios da política urbana.
N o entanto, o foco do Substitutivo, circunscrito à regulação da proprie-
dade, restringe, do ponto de vista da gestão das cidades, a regulam enta-
ção do C apítulo da Política U rbana da C onstituição Federal. A lém disso,
essa ênfase é m ais orientada para o uso da propriedade form al, um a vez
que a m aioria dos instrum entos propostos são destinados às áreas urba-
nas que estão em conform idade com a legislação.
São pouco explorados os instrum entos e os dispositivos que poderiam
favorecer o aperfeiçoam ento da regulação urbana m ediante sua adequa-
ção à dinâm ica urbana e às condições sociais e econôm icas da população.
Essa inadequação pode ser dem onstrada pelo elevado percentual de áreas
urbanas no País em desacordo com as norm as urbanísticas e am bientais.
O utro ponto a destacar diz respeito ao tratam ento dado aos principais
setores voltados ao desenvolvim ento urbano. N esse aspecto, o PL dá pou-
ca atenção ao setor de transportes e ao setor de saneam ento.
D o ponto de vista dos desafios a serem enfrentados e das característi-
cas da urbanização brasileira, o conteúdo do Substitutivo tam bém pode-
ria refletir as m udanças e os processos espaciais recentes que vêm ocor-
rendo na estrutura das cidades e na urbanização, especialm ente os rela-
cionados à ocupação periférica das aglom erações urbanas, que reúnem
cerca de 47% da população do País.
Esse processo de periferização do crescim ento das aglom erações urba-
nas e das grandes cidades do País é tam bém provocado por fatores rela-
cionados às m udanças tecnológicas, às telecom unicações e à
reestruturação produtiva. Esse processo, conform e apontam as pesqui-
sas3, ocorre, especialm ente, com a ocupação de áreas rurais que estão, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
3 A pesquisa O novo rural , realizada em 1999 por José G raziano da Silva, do Instituto de
Econom ia da Unicam p, revela esse processo de ocupação.
○ ○ ○ 32 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
cada vez m ais, absorvendo dem andas tipicam ente urbanas, com o habita-
ção e serviços.
A ssim , a regulam entação do artigo 182 da C onstituição deve apre-
sentar m aior sintonia com o padrão de urbanização recente do País,
considerando, especialm ente, as im plicações econôm icas e sociais dos
instrum entos urbanísticos.
O utro fator a considerar é que dadas as origens com uns e a
interdependência dos problem as urbanos, um a abordagem m ais
abrangente na regulam entação do C apítulo da Política U rbana traria m a-
ior contribuição à gestão urbana do que um a abordagem focalizada es-
pecialm ente na propriedade do solo urbano.
D everiam , tam bém , ser esclarecidos os elem entos que, de form a explí-
cita ou im plícita, auxiliam na definição e abrangência das form as de atu-
ação do governo federal no âm bito da política urbana, quais sejam :
• explicitar que a prom oção do desenvolvim ento urbano com pete, por
força da C onstituição, precipuam ente, ao Poder Público, m ediante
ação integrada e harm ônica da U nião, dos Estados, do D istrito Fede-
ral e dos m unicípios;
• propor as diretrizes da política de desenvolvim ento urbano de âm bi-
to nacional, guardadas as com petências estaduais e m unicipais, quan-
to aos aspectos interurbanos (sistem a urbano) e os aspectos intra-
urbanos (diretrizes gerais da política de desenvolvim ento urbano),
bem com o sugerir seus instrum entos de planejam ento;
• indicar que a política de desenvolvim ento urbano é parte integrante
do plano de desenvolvim ento econôm ico e social, e sua execução
realizada em observância aos princípios gerais da ordem econôm ica
expressa no artigo 170 da C onstituição Federal. N esse entendim en-
to, a política nacional de desenvolvim ento urbano é considerada em
sua dim ensão interurbana com o parte integrante da ordenação do
território (sistem a de cidades) e em sua dim ensão intra-urbana com o
a definição das diretrizes gerais da política de desenvolvim ento ur-
• 33 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
bano executada pelos m unicípios;
• referir-se ao financiam ento da política urbana, com vistas à execu-
ção de planos, program as e projetos de desenvolvim ento urbano,
em consonância com os planos nacionais de ordenação do território
e de desenvolvim ento econôm ico e social, conform e o disposto no
artigo 165, parágrafo 4o, da C onstituição Federal;
• ordenar norm as constitucionais dispersas, explicitar os aspectos in-
terurbanos e intra-urbanos da política de desenvolvim ento urbano,
suas relações com a ordenação do território e com os planos de
desenvolvim ento econôm ico e social, conform e disposto nos incisos
IX e XX do artigo 21 da C onstituição Federal.
O utro aspecto que m erece ser incluído no Substitutivo diz respeito às
diretrizes das políticas de habitação, saneam ento básico, transportes ur-
banos e dos dem ais equipam entos urbanos e com unitários, bem com o
sua harm onização com a política nacional de desenvolvim ento urbano.
N o que respeita às regiões m etropolitanas, o Substitutivo m antém o
m esm o texto do Substitutivo anterior. A m aneira pela qual o tem a é
abordado está pouco claro e necessita de aperfeiçoam ento, especialm en-
te quando trata dos requisitos básicos e das diretrizes para sua instituição.
O s requisitos básicos apontados para a criação de região m etropolitana
necessitam de m aior precisão e clareza, e os conceitos de “função pública
de interesse com um ” e de “patrim ônio público” poderiam contribuir m ais
para o entendim ento da m atéria.
O texto aponta com o requisito básico para a criação de região m etropolita-
na “áreas urbanas contíguas, cuja região de influência abarque, no m ínim o,
o território do Estado e onde a com plexidade das funções públicas justifique
a necessidade de organização, planejam ento e execução em com um ”. Vári-
as são as observações sobre esse tem a. Um a m etrópole reúne outros atribu-
tos, não se restringindo apenas à contigüidade de sua urbanização e à sua
área de influência. O utro fator a considerar é que não fica claro no texto o
que distingue “região m etropolitana” da “aglom eração urbana”.
○ ○ ○ 34 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A propósito, ao dispor sobre essa m atéria, o Texto C onstitucional, pro-
vavelm ente, deve ter se inspirado em estudos elaborados em 1984, no
âm bito do C onselho N acional de D esenvolvim ento U rbano –CN D U , vin-
culado ao então M inistério do Interior, que apresentava critérios para a
criação dessas duas figuras. Segundo esses estudos, a distinção da região
m etropolitana da aglom eração urbana reside basicam ente em um dos
m unicípios constituir-se em núcleo central, capital estadual e m etrópole
regional, apresentando m ais de 500 m il habitantes.4
Estudos recentes5 sobre a rede urbana do País destacam dois aspectos
dessa m atéria. D enom ina região m etropolitana aquelas institucionalizadas
por lei estadual, conform e o artigo 25, parágrafo 3o, da C onstituição Fe-
deral, e aglom eração urbana, a “m ancha urbana”, a form a urbana frag-
m entada (form ada por m ais de um m unicípio), que atende a critérios
dem ográficos e econôm icos específicos, podendo ser m etropolitanas, caso
apresentem atributos de um a m etrópole, ou não m etropolitanas, caso
não apresentem .
Essas disposições poderiam apontar referências m ínim as necessárias à
criação dessas três figuras, sobretudo porque se constituem em elem en-
tos fundam entais para a focalização de políticas urbanas de âm bito na-
cional e estadual, bem com o para a form ulação e im plem entação de
políticas regionais. D eve-se aprofundar, portanto, o conceito de aglom e-
ração urbana no contexto do Texto C onstitucional. A ssim , caberia dispor
sobre esse tem a, respeitando a com petência dos Estados no tocante aos
aspectos de gestão adm inistrativa e operacional das regiões m etropolita-
nas, aglom erações urbanas e m icrorregiões.
Tam bém poderiam ser explicitadas, resguardadas as peculiaridades re-
gionais e locais, as funções públicas de interesse com um , para efeito de
instituição, pelos Estados, de regiões m etropolitanas, aglom erações urba- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
4 Ver Resolução do C N D U n. 29, de 13 de novem bro de 1984 –Anteprojeto de Lei C om ple-
m entar. D ispõe sobre o estabelecim ento de regiões m etropolitanas e aglom erações urbanas
e dá outras providências.5 Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil . Ipea/IBG E/N esur–Unicam p, 1999.
• 35 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nas e m icrorregiões, bem com o de indicações m ínim as necessárias para a
instituição dessas figuras.
Seriam , portanto, consideradas funções públicas de interesse com um
os serviços e as atividades que atendam ao interesse de m ais de um m u-
nicípio da região m etropolitana, da aglom eração urbana ou da
m icrorregião, tais com o: a) saneam ento, notadam ente quanto à capta-
ção, tratam ento e adução de água para abastecim ento público, à
destinação de esgotos m unicipais, efluentes industriais e resíduos sólidos,
bem com o ao controle de inundações; b) transportes urbanos, em espe-
cial o transporte público de passageiros, bem com o a rede viária, o tráfe-
go e os term inais de passageiros e cargas; c) as atividades de planejam en-
to; d) outros serviços, assim considerados por lei federal ou estadual.
Poderiam , ainda, ser consideradas funções públicas de interesse com um
os serviços e as atividades que, restritos ao território de um dos m unicí-
pios, sejam de algum m odo dependentes ou concorrentes de serviços
supram unicipais. Essas sugestões acim a fundam entam -se nos estudos já
citados, elaborados no âm bito do C onselho N acional de D esenvolvim en-
to U rbano –CN D U sobre a criação de regiões m etropolitanas e aglom era-
ções urbanas.
Q uanto ao plano diretor, as principais observações referem -se ao seu
conteúdo, obrigatoriedade, e à sua revisão, pelo m enos a cada dez anos.
O Substitutivo deixa de destacar, no conteúdo do plano diretor, a
especificação das áreas urbanas que serão objeto do cum prim ento da
função social da propriedade, o que constitui e tem dem onstrado ser um
dos principais instrum entos de com bate à pobreza urbana.
C onform e o disposto no artigo 182 da C onstituição Federal, o plano
diretor deverá: a) explicitar as funções sociais da cidade e as diretrizes
para o seu pleno desenvolvim ento, considerando sua expansão e desem -
penho em relação à população do m unicípio e à região em que está loca-
lizado; b) estabelecer diretrizes para garantir o bem -estar da população,
proteger o m eio am biente e possibilitar o acesso dos seus habitantes à
○ ○ ○ 36 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m oradia, transporte público, saneam ento básico, saúde, educação, es-
porte, lazer, segurança e cultura; e c) dispor sobre as exigências funda-
m entais de ordenação da cidade que servirão para aferir o cum prim ento
da função social da propriedade urbana.
Q uanto a sua obrigatoriedade, deveria tam bém valer para os núcleos
urbanos onde o Poder Público m unicipal pretenda determ inar as exigên-
cias fundam entais de ordenação da cidade para o cum prim ento da fun-
ção social da propriedade, conform e o disposto no § 2o do artigo 182 da
C onstituição Federal.
N o que respeita a sua revisão, o prazo de dez anos é m uito longo e
pode aprofundar as disfunções existentes nas cidades. Estudos recen-
tes6 indicam que planos diretores estáticos, que não acom panham a
dinâm ica urbana, têm se tornado pouco úteis para o desenvolvim ento e
para a gestão urbana, além de favorecerem a inform alidade do uso do
solo urbano.
N as cidades onde são adotados planos diretores com abordagens restri-
tas a aspectos físico-espaciais, as áreas inform ais geralm ente são pouco
atendidas ou ignoradas. O paradigm a tradicional do crescim ento urbano
( planejam ento, infra-estrutura, construção e ocupação) é revertido.7 A lém
disso, a avaliação desse instrum ento revela conhecim ento insuficiente sobre
as im plicações econôm icas e financeiras das propostas apresentadas.
O utro aspecto apresentado em estudos de avaliação dos planos direto-
res respeita ao fato de o m esm o revelar-se m ais com o um fim em si m es-
m o do que um com ponente da gestão de áreas urbanas. O utros pontos
tam bém são levantados, quais sejam , necessidade de vinculação entre
planejam ento espacial e econôm ico, bem com o regulação do uso do solo
e controle do desenvolvim ento urbano, os quais dificilm ente refletem a
capacidade de pagam ento dos cidadãos urbanos
A função social da propriedade tam bém m erece ser m elhor regulam enta- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
6 Pesquisa Gestão do uso do solo e disfunções do crescimento urbano . Ipea, 1998.7 CLA RK, G iles. In: Re-appraising the U rban Planning Process as an Instrum ent of Sustainable
U rban D evelopm ent and M anagem ent. N airobi: H abitat, 3-7 october, 1994.
• 37 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
da, pois a propriedade urbana cum pre sua função social quando atende às
exigências de ordenação da cidade, expressas no plano diretor. Dessa for-
m a, as exigências fundam entais de ordenação da cidade, a serem expressas
no plano diretor, constituem valioso instrum ento para os gestores urbanos
no que respeita aos program as de urbanização de favelas, com o, por exem -
plo, a indicação de áreas especiais nas quais possam ser aplicados padrões
específicos de urbanização para a regularização urbanística e jurídica, espe-
cialm ente nas áreas ocupadas pela população de baixa renda.
Principais Características da Urbanização BrasileiraA partir da década de 1970, um a das principais características da dinâ-
m ica do crescim ento intra-urbano no Brasil foi a distribuição espacial da
população pobre. H ouve um a significativa periferização dessa população
em cidades de grande e m édio porte, durante a últim a década, devido,
entre outros fatores, às dificuldades das fam ílias de baixa renda em ter
acesso à terra urbana. Isso resultou em acentuada proliferação de assen-
tam entos hum anos inform ais (favelas, m ocam bos, alagados e loteam entos
clandestinos).
N as áreas periféricas das aglom erações urbanas os problem as estão
freqüentem ente associados ao uso do solo e à pobreza, geralm ente, agra-
vados pelo aum ento da favelização e pelo ím peto da incorporação de
novas áreas parceladas clandestinam ente. Em sua m aioria, situados em
zonas de legislação restritiva à ocupação e à construção, esses loteam entos
tornaram -se um a alternativa de habitação para a população m ais pobre.
D e form a geral, isso revela que abordagens de planejam ento urbano
desvinculadas de m arco socioeconôm ico e dem asiadam ente estáticas e
restritivas para acom panhar a dinâm ica urbana são inadequadas para aten-
der às necessidades urbanas essenciais, e que a m aior parte do cresci-
m ento das grandes aglom erações urbanas está ocorrendo fora das regras
do jogo do planejam ento.
0 fenôm eno da favelização é um processo nitidam ente urbano e que se
faz sentir de form a m ais expressiva nas aglom erações urbanas e nos gran-
○ ○ ○ 38 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
des centros urbanos8. A s 12 aglom erações urbanas m etropolitanas reú-
nem 200 m unicípios e exibem percentuais crescentes do conjunto da
população brasileira (32,3% do total da população brasileira em 1980;
33,0% em 1991, e 33,6% em 1996), atingindo 52,7 m ilhões de habitan-
tes em 1996. Em conjunto, as aglom erações urbanas m etropolitanas e
não m etropolitanas concentram , de acordo com os dados da C ontagem
Populacional de 1996, cerca de 45% do total da população do País, atin-
gindo a cifra de 73,3 m ilhões de habitantes em 19969.
0 que tem perm itido m aior acesso da população pobre à habitação é o
auto-em preendim ento da m oradia popular. G rande parte das habitações,
em geral situadas em áreas restritivas à ocupação, caracterizada por baixo
padrão de qualidade e custo, tem sido produzida por um setor não
estruturado10, geralm ente sem assistência direta do Poder Público. N essa
linha, destaca-se a m agnitude crescente (em term os absolutos e relativos)
da população urbana brasileira em situação de desconform idade com a
regulação urbana vigente.
0 acesso à habitação tam bém tem sido possível devido aos seguintes
fatores: a) tolerância ou falta de aplicação estrita de norm as urbanísticas
inacessíveis de uso do solo e construção; b) capacidade do setor não
estruturado de produzir um a variedade de tipos de habitação de baixo
custo; c) políticas urbanas e habitacionais que perm item aproveitar terre-
nos e possibilitam a oferta de m ateriais de construção de baixo custo para
a população; e d) políticas que integram e consolidam áreas inform ais de
ocupação à cidade form al, tais com o as Zonas Especiais de Interesse Soci-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
8 O IBG E considera com o população urbana ou rural os lim ites estabelecidos pelo m unicípio.
Entretanto, o fenôm eno da favelização “urbana”tam bém ocorre além dos lim ites urbanos
definidos pelo m unicípio, isto é, em “zona rural”. Sendo assim , ocupações subnorm ais com
características de favela, especialm ente loteam entos clandestinos precários e invasões, não
são consideradas “urbanas”, sendo, portanto, com putadas com o população rural.9 Estudo Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil . Ipea/IBG E/U nicam p, 1999.10 Segundo definição do Banco M undial, setor não-estruturado é o setor do m ercado im o-
biliário que inclui as habitações não autorizadas e as ocupações ilegais –assentam entos
inform ais.
• 39 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
al (Zeis), aplicadas inicialm ente na cidade do Recife.11
O s resultados da avaliação de políticas urbanas no Brasil revelam que a
política e a gestão urbana podem ser aprim oradas m ediante a aplicação
de instrum entos adequados à situação econôm ica e social da população,
bem com o pelo envolvim ento de diferentes atores –tanto form ais com o
inform ais –no processo do desenvolvim ento urbano. Por outro lado, a
falta de m étodos de análise apropriados para a prática do planejam ento
urbano e para a form ulação e aplicação dos seus principais instrum entos
podem ser im pedim entos para um a gestão urbana satisfatória.
A ineficácia e a inadequação dos instrum entos de planejam ento e gestão
urbana podem contribuir para o processo de segregação espacial dos seg-
m entos m ais pobres da população, ao induzir supervalorização de im óveis
em algum as áreas e ao forçar, por om issão ou inadequação, que um gran-
de contingente de população pobre tenha apenas acesso a form as irregu-
lares de habitação. 0 acesso à habitação é, nesses term os, diretam ente
afetado pelo am biente regulador institucional e norm ativo, incluídos os
instrum entos de regulação e controle do desenvolvim ento urbano.
Pesquisas recentes apontam que os principais problem as das cidades bra-
sileiras são de ordem social e econôm ica. O s problem as sociais incluem a
pobreza, os altos níveis de subem prego e desem prego. Esses problem as
concentram -se, particularm ente, na periferia das grandes cidades e aglo-
m erações urbanas.
A dificuldade do acesso à terra, por parte dos m ais pobres, ao longo de
m uitos anos, conform e já m encionado, culm inou na proliferação de as-
sentam entos urbanos inform ais (favelas, m ocam bos, alagados e
loteam entos clandestinos). Isso, aliado a políticas caracterizadas pela in- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
11 Esse instrum ento foi criado pela lei m unicipal de uso e ocupação do solo do Recife (Lei
1.4511/83) e aplicado de form a m ais efetiva por m eio da Lei 1.4947/87, que trata do Plano
de Regularização de Zeis (Prezeis). A im portância desse instrum ento reside na inserção da
população pobre que ocupa áreas na cidade form al, no reconhecim ento jurídico do direito
de uso sobre o direito de propriedade e na participação da população no planejam ento das
ações e definição de prioridades nessas áreas.
○ ○ ○ 40 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
suficiência de investim entos em serviços, equipam entos e infra-estrutura
urbana na periferia e favelas, resultou em grandes déficits de água, esgo-
to, lixo, transportes e equipam entos urbanos. Tam bém foram agravados
os problem as do subem prego e desem prego e da degradação am biental.
O grande problem a econôm ico é a reduzida com petitividade das cida-
des brasileiras com relação a centros urbanos de outros países, dada sua
ineficiência associada ao “custo Brasil” e à falta de dinam ism o decorrente
dos escassos investim entos nos setores de ponta da indústria e dos servi-
ços m odernos (m á exploração das potencialidades existentes).
Tais problem as são, em grande parte, agravados pela inadequação das
políticas e instrum entos de planejam ento e gestão urbana. N ão som en-
te foram insuficientes os investim entos nas áreas urbanas inform ais com o
tam bém a política pública foi lim itada, ora por restrições legais –por
exem plo, urbanísticas e am bientais –, ora por inadequações da regulação
às condições sociais e econôm icas da população. A s norm as rígidas,
que não conseguem acom panhar a dinâm ica urbana, e a regulação com -
plexa e excessiva tam bém influem fortem ente no padrão de urbaniza-
ção existente.
Q uanto à gestão das cidades, a principal deficiência é a lim itada capaci-
dade institucional da m aioria delas. A ssim , diante dos processos aponta-
dos, são três os principais desafios da política urbana: m elhorar as condi-
ções de vida da população pobre, aum entar a com petitividade das cida-
des e fortalecer o planejam ento e a gestão urbana.
N o fortalecim ento do planejam ento e da gestão assum e papel de relevo
o aperfeiçoam ento dos instrum entos de política urbana existentes, bem
com o a criação de novas form as de atuação nas cidades. A ssim , o apri-
m oram ento do quadro regulatório torna-se prem ente.
Considerações FinaisA necessidade de se considerar os efeitos das atuais tendências de de-
senvolvim ento econôm ico e social sobre o planejam ento e a gestão dos
assentam entos hum anos foi um dos principais desafios apresentados e
• 41 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
discutidos no âm bito da Segunda C onferência das N ações U nidas sobre
A ssentam entos H um anos –Habitat II, realizada em Istam bul, Turquia, em
junho de 1996.
O planejamento urbano convencional, baseado em planos estáticose restritivos, que não acom panham a dinâm ica econôm ica e social da
cidade, torna-se anacrônico e não alcança nem responde às reais neces-
sidades da cidade e de sua população, devendo, portanto, ser objeto de
reform ulação e aperfeiçoam ento.
A ssim , os problem as relacionados ao uso do solo urbano, geralm ente
associados à indisponibilidade e ao elevado preço da terra para habita-
ção, ao descontrole do crescim ento urbano e à ocupação ilegal de áreas,
em ergem , tam bém , com o um dos fatores-chave na gestão urbana.
N os últim os anos os instrum entos de planejam ento urbano, especial-
m ente aqueles voltados para resolver problem as decorrentes do cresci-
m ento urbano, têm sido questionados e obrigados a adm itir severas críti-
cas devido, entre outros fatores, a) ao aum ento do preço da terra e dos
em preendim entos privados; e b) à diversificação, com ercialização e proli-
feração de sistem as inform ais de uso do solo e de produção e gestão
habitacional, caracterizados, especialm ente, pela insegurança da posse
da terra e pela falta de infra-estrutura e serviços urbanos.
Segundo estudos do Program a de G estão U rbana do H abitat12, o exa-
m e das ações tom adas pelo Poder Público para m elhorar o padrão de
urbanização revela um grave quadro de ineficácia na m aioria dos países
em desenvolvim ento. A m aioria dos problem as residem na deficiente
conceitualização dos problem as urbanos, com o, por exem plo, deixar de
considerar as dem andas de habitação e serviços; coordenação deficiente
entre agências governam entais, o setor form al, o inform al e a com unida-
de, bem com o a falta de recursos para execução de program as urbanos.
A deficiente conceitualização dos problem as urbanos tam bém se tra-
duz em políticas de gestão do uso do solo e seus instrum entos, a exem plo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
12 D O W A LL, E. D avid. The land market assessment : a new tool for urban m anagem ent.
W ashington, D C –USA: U N D P/U nchs/W orld Bank, 1995.
○ ○ ○ 42 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de alguns planos diretores que deixam de considerar as im plicações e os
im pactos dessas políticas no bem -estar da população. N o âm bito da polí-
tica urbana, essas im plicações se m anifestam , especialm ente, na provisão
de m oradia e no acesso a serviços urbanos e à infra-estrutura.
O s desafios im postos pela urbanização pressionam o Poder Público para
que aponte soluções para os problem as urbanos, realçando o papel das
políticas urbanas e am bientais, bem com o de seus instrum entos.
A ssim , as principais norm as instituídas pelo setor público para as zonas
urbanas que influem no desem penho dos sistem as de oferta de terras
para urbanização são a regulação urbanística e a regulação am biental,
incluída a de natureza sanitarista.
N o entanto, apesar dos evidentes benefícios públicos de um a regulação
urbana bem concebida e aplicada, esta pode apresentar várias conse-
qüências involuntárias que podem im por fortes custos à sociedade e in-
verter seus objetivos originais, resultando em efeitos perversos.
A regulação m al concebida pode, por exem plo, produzir significativos
efeitos nos custos dos insum os de terrenos para urbanização, bem com o
na eficiência e na flexibilidade da produção habitacional e na infra-estru-
tura. A o m esm o tem po, pode causar efeitos nas condições am bientais
exatam ente contrários aos previstos.
A regulação urbana tam bém é capaz de afetar o m ercado im obiliário e
de terrenos de diferentes m aneiras: a instituição de norm as sobre
parcelam ento do solo, infra-estrutura e edificação pouco ajustados à rea-
lidade prejudicam o acesso da população de baixa renda à construção de
acordo com as norm as legais, tornando inacessível a habitação para essa
população; a regulação com plicada e burocrática pode tam bém prejudi-
car a urbanização, lim itando, na prática, a participação do setor form al
na oferta de habitação; e norm as restritivas sobre o uso do solo e
zoneam ento, por exem plo, são capazes de lim itar a disponibilidade de
terra para habitação e, em decorrência, aum entar o seu preço, podendo
resultar em padrões ineficientes de urbanização.
• 43 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
N os últim os anos, avanços significativos foram verificados na form ula-
ção e aplicação dos instrum entos de intervenção urbana por parte dos
m unicípios. O bservou-se, igualm ente, o fortalecim ento da participação
da com unidade e o envolvim ento das organizações não-governam entais
no processo de discussão e execução de program as e projetos urbanos.
N ão obstante o avanço alcançado por algum as prefeituras m unicipais
do País quanto à aplicabilidade dos instrum entos de intervenção urbana,
observa-se a necessidade de aplicação desses instrum entos nos dem ais
centros urbanos, pois a dificuldade no enfrentam ento dos problem as das
cidades brasileiras ainda decorre, em grande parte, da inadequação dos
instrum entos de planejam en to e gestão disponíveis, que não
acom panharram as profundas transform ações da realidade urbana.
A s relações urbanas ainda estão sendo regidas por um a legislação civil
de índole predom inantem ente rural. A ssim , im põem -se a todos os seg-
m entos da sociedade envolvidos com a questão urbana esforços no sen-
tido de que a atividade urbanística do Poder Público encontre as m edidas
consentâneas com os desafios da urbanização brasileira.
N os últim os 30 anos foram editados três instrum entos urbanísticos fe-
derais im portantes: a Lei C om plem entar 14, de 8/6/1973, que, criando as
regiões m etropolitanas, instaura os prim eiros instrum entos de planeja-
m ento federal no cam po urbano e territorial; a Lei 6.766, de 19/12/1979,
que dispõe sobre o parcelam ento do solo para fins urbanos; e a Lei 6.803,
de 2/7/1980, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneam ento
industrial nas áreas críticas de poluição. C abe, agora, instituir as norm as e
as diretrizes gerais de desenvolvim ento urbano.
D iante do exposto, pode-se concluir que a grande tarefa reside em cons-
truir um a legislação inovadora, adequada à realidade urbana e aos desa-
fios im postos pela nossa urbanização. N esse entendim ento, no âm bito
das propostas de regulam entação do C apítulo da Política U rbana da C ons-
tituição Federal, ainda se faz necessária a com plem entação de dispositi-
vos voltados às diretrizes gerais de desenvolvim ento urbano, especialm ente
○ ○ ○ 44 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
aqueles orientados para reduzir as disfunções das cidades.
Isso pressupõe, portanto, um grande esforço do Poder Público e da
sociedade em geral, no sentido de apontar alternativas inovadoras de
financiam ento do desenvolvim ento urbano, bem com o superar as defici-
ências de natureza legal, institucional e técnica que vêm se constituindo
em obstáculos à gestão urbana.
A experiência m ostra que a m elhoria da capacidade de gestão urbana
pode ser alcançada m ediante m onitoram ento e avaliação; m odernização
do sistem a de planejam ento e gestão –form ulação, revisão e aperfeiçoa-
m ento da regulação e dos sistem as de inform ação –, sim plificação de
norm as e procedim entos legais e adm inistrativos, bem com o a capacitação
dos atores e dem ais agentes do desenvolvim ento urbano para aum entar
a capacidade de gestão local.
O enfrentam ento das questões urbanas no nosso País pressupõe pode-
rosos esforços associativos; além disso, é tam bém necessário aprofundar
a base analítica acerca dos problem as urbanos.
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M inistério da A ção Social, 1992. (m im eo.)
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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política urbana e dá outras providências. Voto do deputado A dolfo
M arinho (em tram itação). A utor: Senado Federal. Relator: deputa-
do Inácio A rruda, 16 de dezem bro de 1999.
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política urbana e dá outras providências. Votos dos deputados Iara
Bernadi, M aria do C arm o e M árcio M attos (em tram itação). A utor:
Senado Federal. Relator: deputado Inácio A rruda, 16 de dezem bro
de 1999.
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política urbana e dá outras providências. Substitutivo da C om issão
de Econom ia, Indústria e C om ércio. A utor: Senado Federal. Relator:
deputado Pauderney A velino,1996.
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política urbana e dá outras providências. Substitutivo da C om issão
de M eio A m biente e M inorias. A utor: Senado Federal. Relator: de-
putado C elso Russom anno, 1998.
○ ○ ○ 46 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
BRA SIL. Projeto de Lei 5.788-C , de 1990. Estabelece diretrizes gerais da
política urbana e dá outras providências. Substitutivo da C om issão
de D esenvolvim ento U rbano e Interior. A utor: Senado Federal.
Relator: deputado Inácio A rruda. 1999.
_____. Substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990 (e seus apensos).
Regulam enta o C apítulo da Política U rbana da C onstituição Fede-
ral, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras provi-
dências. Substitutivo do relator autor: Senado Federal. Relator: de-
putado Inácio A rruda, 1999.
_____. Projeto de Lei 2.191, de 1989. Institui, nos term os dos artigos
182 e 183 da C onstituição Federal, a política de desenvolvim ento e
de expansão urbana, suas diretrizes gerais, seus objetivos e instru-
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_____. O projeto de lei 5.788/90 –Estatuto da C idade –e os principais
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
projetos de lei que dispõem sobre política urbana em tram itação no
C ongresso N acional. Brasília: Ipea/M PO , 1995. (m im eo)
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COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO MUNICÍPIOEM URBANISMO
João Car lo s M acruz 13
e JoséCar lo s M acru z 14
O capítulo inicial destina-se a exam inar a com petência m unicipal em
m atéria de urbanism o. E a sua im portância desponta na m edida em que
está em tram itação no C ongresso N acional –já há algum tem po –o pro-
jeto de lei que fixa as diretrizes gerais da Política U rbana, visando regula-
m entar o artigo 182 da C onstituição Federal, além de instituir novos ins-
trum entos urbanísticos voltados ao desenvolvim ento urbano: o direito de
preem pção; o direito de superfície; a outorga onerosa, conhecida com o
solo criado; a transferência do direito de construir; as operações urbanas
consorciadas. D isciplina tam bém sobre o usucapião individual e institui o
usucapião coletivo, vislum brando, por fim , a concessão do direito de m o-
radia, incidente sobre os im óveis públicos.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
13 A dvogado, docente e técnico m aster I da U nidade de Produção de Pareceres e Inform a-
ções Jurídicas da Fundação Prefeito Faria Lim a –Cepam .14 A dvogado, docente e coordenador da U nidade de Produção de Pareceres e Inform ações
Jurídicas da Fundação Prefeito Faria Lim a –Cepam , professor de D ireito C onstitucional na
U niversidade Bandeirantes, m estrando em D ireito U rbanístico pela PU C–SP.
○ ○ ○ 48 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
M as a atuação do legislador ordinário federal não se lim ita a consolidar
instrum entos urbanísticos, m uitos deles já previstos em diplom as legislativos
m unicipais e postos em prática, com o, notadam ente, as operações urba-
nas e o solo criado. D efine tam bém a função social da propriedade e em
que situações a sua inobservância gerará a aplicação, sucessiva, do
parcelam ento e edificação com pulsórios, IPTU progressivo no tem po e
desapropriação-sanção.
O Plano D iretor, instrum ento local básico da política de desenvolvim en-
to e de expansão urbana, obrigatório para os m unicípios com m ais de
20.000 habitantes, é im posto, pelo projeto de lei, tam bém para as locali-
dades de interesse turístico e para as aglom erações urbanas, regiões m e-
tropolitanas e m icrorregiões, cuja atuação, nesse particular, cabe aos Es-
tados. A lém disso, subordina a aplicação dos instrum entos urbanísticos à
sua previsão no Plano D iretor. Isto é, os m unicípios que pretenderem se
socorrer da outorga onerosa e da transferência do direito de construir, do
direito de preem pção, por exem plo, deverão estar dotados,ex vi do Pro-
jeto de Lei, de Plano D iretor.
A propositura objeto de exam e pelos m ais diversos profissionais da área
do direito e do urbanism o, definidora das diretrizes da política urbana,
pressupõe um a análise acerca das com petências constitucionais dos en-
tes federados envolvendo o D ireito U rbanístico. Este é o nosso tem a, em
cuja direção agora cam inharem os.
O Urbanismo e o Direito UrbanísticoC om as transform ações das relações sociais, inclusive com a expansão
das cidades, m uito em virtude da m igração do trabalhador rural para a
área urbana, surgem preocupações com os aspectos urbanos, dando en-
sejo ao aparecim ento do D ireito U rbanístico ainda em form ação. Tam a-
nho é o grau de desenvolvim ento das cidades, que faz surgir os fenôm e-
nos da conurbação, das regiões m etropolitanas, das aglom erações urba-
nas e do intenso adensam ento dem ográfico.
Passam os a ter um a desproporção entre o crescim ento da população da
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
área urbana com relação aos habitantes da área rural, em um verdadeiro
processo de urbanização, levando à ocorrência de um a intensa concen-
tração urbana.
José A fonso da Silva ensina que a urbanização im plicou a ocorrência de
problem as urbanos que necessitavam ser alterados pela urbanificação,
consistente em processo de correção urbana, m ediante a ordenação dos
espaços habitáveis, de onde se originou o urbanism o com o instrum ento
técnico e científico.15
O urbanism o, portanto, se destacava por visar corrigir as distorções ur-
banas, m ediante a introdução de regulam entos sanitários e instrum entos
urbanísticos. C oncebido com o um a arte de em belezam ento da cidade, o
conceito de urbanism o evoluiu, procurando organizar e planejar a ocupa-
ção dos espaços urbanos, tendo em m ira o bem -estar da coletividade,
dando form a a norm as que perm itissem um a integração harm ônica das
funções da cidade, consistentes na habitação, trabalho, recreação e circu-
lação.16 Le C orbusier, citado por José A fonso da Silva, esclarece que “O
urbanism o já não pode estar subm etido exclusivam ente às regras de
esteticism o gratuito. É, por essência m esm a, de ordem funcional. A s três
funções fundam entais para cuja realização deve velar o urbanism o são: 1)
habitar, 2) trabalhar, 3) recrear-se. Seus objetos são: a) ocupação do solo;
b) a organização da circulação; c) a legislação”.17
É relevante dizer que o urbanism o não alm eja, tão-som ente, a ordena-
ção da cidade. H á de alcançar todo o território (urbano e rural), ordenan-
do todos os espaços habitáveis existentes, visando propiciar à coletivida-
de um a m elhor qualidade de vida.
Para realizar as ações destinadas ao desenvolvim ento das funções urba- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
15 SILVA , José A fonso da.Direit o urbanístico brasileiro , p. 42.16 M EIRELLES, H ely Lopes, no seu Direito municipal brasileiro , p. 376, leciona que urbanism o
“(...)é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis,de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. Enten-dam -se por espaços habitáveis todas as áreas em que o hom em exerce coletivam ente qualquer
das quatro funções sociais:habitação, trabalho, circulação, recreação”(grifos do autor).17 SILVA , José A fonso da. O b. cit., p. 25.
○ ○ ○ 50 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nas da cidade, deve o Poder Público exercer sua atividade urbanística con-
sistente no planejam ento, na ordenação do solo, socorrendo-se de ins-
trum entos de intervenção urbanística, e na ordenação das edificações.
Ensina José A fonso da Silva que a atividade urbanística é própria do Poder
Público e tem por finalidade a ordenação dos espaços habitáveis. “Trata-
se de um a atividade dirigida à realização do triplo objetivo da hum anização,
a ordenação e harm onização dos am bientes em que vive o H om em : o
urbano e o rural”.18
Em razão do exercício da atividade urbanística, geram -se conflitos na
m edida em que os interesses particulares são atingidos pela atuação do
Poder Público. H á um confronto entre o direito coletivo à cidade que
cum pra com as suas funções sociais e o direito individual da propriedade.
A m bos são direitos consagrados constitucionalm ente, e seus contornos
devem estar delineados em lei, assim com o as norm as legais, de m aneira
inafastável, devem regular e fundam entar a atividade urbanística, que
intervém no dom ínio privado. Essas regras urbanísticas com põem o D irei-
to U rbanístico que, conform e lição de H ely Lopes M eirelles “(...) é um
ram o do D ireito Público destinado ao estudo e form ulação dos princípios
e norm as que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cida-
de-cam po”.19 Para José A fonso da Silva, essa nova disciplina do direito
“consiste no conjunto de norm as que tem por objeto organizar os espa-
ços habitáveis, de m odo a propiciar m elhores condições de vida ao ho-
m em na com unidade”.20
O Direito Urbanístico possui capital im portância no que respeita à ordena-
ção do território m unicipal, com especial enfoque na zona urbana. É através
dessa disciplina que o Poder Público pode atuar sobre as relações urbanas
que, com a crescente degradação daurbs em face do crescim ento inexorável,
m as desordenado das cidades, se m odificam rapidam ente, trazendo, com o
conseqüência, alteração de parâm etros urbanos antes aceitáveis.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
18 O b. cit., p. 28.19 M EIRELLES, H ely Lopes.Direito municipal brasileiro , p. 392.20 O b. cit., p. 42.
• 51 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C om o se viu, o D ireito U rbanístico serve, sobretudo, à m elhoria das
condições de vida de seus habitantes, que necessitam das cidades para o
exercício de atividades de trabalho, lazer, m oradia e de crença, funda-
m entais na busca de sua dignidade.
A falta da legislação urbanística, ou m esm o a falta de sua necessária
hom ogeneidade, resulta, notoriam ente, na inobservância dos direitos fun-
dam entais, individuais e coletivos, no que respeita a qualidade de vida.
Sem adentrar em detalhes históricos a respeito da natural evolução do
fenôm eno econôm ico-social denom inado “cidade”21, parece-nos claro
aduzir que o Direito Urbanístico surge com o um a conseqüência da urbs .
Vale dizer, o desenvolvim ento da disciplina, em nosso entender, cam inha
de m ãos dadas com o fenôm eno urbano e vem em socorro do atendim en-
to das necessidades que passam a florescer, tanto para os adm inistrados
quanto para os adm inistradores, em razão de seu inexorável andar.
A propósito, “Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por
um conjunto de sistem as político-adm inistrativo, econôm ico não-agríco-
la, fam iliar e sim bólico com o sede do governo m unicipal, qualquer que
seja a sua população. A característica m arcante da cidade, no Brasil, con-
siste no fato de ser um núcleo urbano,sede do governo municipal”22.
Pois bem . A ntes dissem os que o D ireito U rbanístico em erge para tentar
solucionar ou, ao m enos, m inim izar as necessidades decorrentes do cres-
cim ento urbano. Tal desenvolvim ento acaba por gerar, indiscutivelm ente,
graves problem as: deterioração daquele am biente; afluxo de pessoas, que
leva, de form a notória, a grandes carências habitacionais; falta de em pre-
go; condições sanitárias precárias etc. “A cidade, no m undo capitalista
contem porâneo, tem sido pensada e vivida com o deform ação: ora é a
M anhattan de todas as am bições e devaneios, ora o H arlem de cada dia
de sofrim ento”.23
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
21 Sobre o tem a, José Afonso da Silva tece considerações interessantíssim as, no seu Direito
urbanístico brasileiro , p. 15-18.22 SILVA , José A fonso da. O b. cit., p. 20.23 C A RD O SO , Fernando H enrique. In: Prefácio da obra de Lúcio K ow arick -A espoliação
urbana , p. 9.
○ ○ ○ 52 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A ordenação urbana, pela im posição de regras, é o objetivo m aior: “O
urbanista aspira o funcionam ento perfeito da cidade, em suas redes viá-
rias e de com unicação com o exterior, em seu aspecto sanitário e de equi-
pam ento social, com sua rede de abastecim ento (com ércio e m ercados) e
em quantos serviços adm inistrativos sejam im prescindíveis”.24
D essa feita, tais questões são atacadas, via de regra, pela intervenção
do Poder Público, na busca de corrigir os desequilíbrios urbanos. E é atra-
vés dessa atuação que as norm as atinentes ao D ireito U rbanístico são
form uladas, exatam ente com aqueles objetivos.
A esse respeito, assim nos é inform ado:
“Em nosso m odo de ver, o D ireito U rbanístico não trata de im por, dras-
ticam ente, o ‘bem -estar público’, versão um tanto planificada do im utá-
vel bem com um que legitim a todo D ireito positivo, porque no centro de
todo ordenam ento está a pessoa hum ana com o parte, m em bro, desse
bem da com unidade. O bem com um é o bem de todos. N ão há
contraposição ou conflito, senão harm onia de interesses, (...). Razão pela
qual, ao concretar o fim do U rbanism o, o tem os definido com o o ‘bem -
estar da pessoa em com unidade’. N ão é bem -estar do indivíduo, senão o
da pessoa em com unidade. N ão é individualism o, senão ‘personalism o’”.25
A s próxim as palavras sintetizam , claram ente, a sua natureza: “É certo
que as norm as que ele [D ireito U rbanístico] sintetiza, visando regular a
atuação do poder público na ordenação do território ou dos espaços habi- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
24 RU IZ, M iguel A ngel N uñes.Derecho urbanístico español , p.231: “El urbanista aspira al
funcionam iento perfecto de la ciudad, en sus redes viarias y de com unicación con el exterior,
en su aspecto sanitario y de equipam iento social, en su red de abastecim iento (com ercio y
m ercados) y en cuantos servicios adm inistrativos sean im prescindibles”.25 RU IZ, M iguel A ngel N uñes. O b. cit., p. 123: “A nuestro m odo de ver, el D erecho urbanís-
tico no trata de im poner drásticam ente el ‘bienestar público’, versión un tanto planificada
del inm utable bien com ún que legitim a todo D erecho positivo, porque en el centro de todo
ordenam iento está la persona hum ana com o parte, m iem bro, de esse bien de la com unidad.
El bien com ún es el bien de todos. N o hay contraposición o conflito, sino arm onía de intereses,
(...). Razón por la cual, al concretar el fin del U rbanism o, lo hem os definido com o el ‘bienestar
de la persona em com unidad’. N o es bienestar del individuo, sino el de la persona en
com unidad. N o es individualism o, sino ‘personalism o’”.
• 53 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
táveis, inserem -se no cam po do direito público, qualquer que seja o crité-
rio que se considere: as relações que estabelecem têm sem pre com o titu-
lar um a pessoa de direito público; protegem interesse coletivo; e são com -
pulsórias.”26
A inda m ais um a inserção relevante: “É de se reconhecer, deveras, pelo
elastério atribuído ao conceito de disciplina urbanística, com preender-se
nesta bem m ais do que a expropriação e o regulam ento das construções.
É bem verdade que neste últim o inserem -se, a antecedê-lo, tam bém , (...),
os problem as referentes ao retalham ento do solo urbano (arruam ento e
loteam ento) e ao zoneam ento.”27
Referidas regras, que visam à ordenação dos espaços habitáveis, em
caracterização bastante am pla, são, por exem plo, os norm ativos referen-
tes ao parcelam ento do solo urbano; ao uso e ocupação do solo; ao
zoneam ento urbano; e tam bém ao planejam ento urbanístico propriam ente
dito.28 Q uanto às regras de planejam ento, estas podem conter, em seu
bojo, todo o conteúdo anteriorm ente citado: são os cham ados, entre nós,
planos diretores.
O D ireito U rbanístico com preende, pois, norm as inerentes às norm as de
desenvolvim ento urbano nacional, regional e m unicipal, a definição das
diretrizes de política urbana, com o as constantes do projeto de lei objeto
de exam e, as disposições sobre a proteção ao patrim ônio artístico e histó-
rico, as regras relativas ao planejam ento urbanístico, retratado pelos pla- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
26 SILVA , José A fonso da. O b. cit., p. 37.27 FIG U EIRED O , Lúcia Valle.Disciplina urbaníst ica da propriedade , p. 10.28 SILVA , José A fonso da. O b. cit., p. 54, assim as classifica: “a)normas de sistematizaçãourbanística, que estruturam os instrum entos de organização dos espaços habitáveis, e são
as pertinentes: 1) ao planejam ento urbanístico; 2) à ordenação do solo em geral e de áreas
de interesse especial; b)normas de intervenção urbanística, que se referem à delim itação
e lim itações ao direito de propriedade e ao direito de construir; c)normas de controleurbanístico, que são aquelas destinadas a reger a conduta dos indivíduos quanto ao uso dosolo, com o as que estabelecem diretrizes de atividades urbanísticas dos particulares, as que
regulam a aprovação da urbanificação, a outorga de certificado ou certidão de uso do solo,
a licença para urbanificar ou para edificar” (grifos do autor). C laro está que tais regras po-
dem ser dispostas em norm ativos esparsos. Entretanto, a nosso crivo, um plano diretor po-
derá abranger, em seu conteúdo, os três conjuntos apontados pelo autor.
○ ○ ○ 54 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nos urbanísticos, tais com o o Plano D iretor e o Plano de Renovação U rba-
nística; ao parcelam ento do solo urbano, envolvendo, basicam ente, o
loteam ento e desm em bram ento; ao zoneam ento, definindo os usos dos
solos, quanto a serem residenciais, com erciais, industriais, entre outros, e
a ocupação do solo urbano, através da definição dos índices urbanísticos,
com o, por exem plo, a taxa de ocupação do solo e o coeficiente de apro-
veitam ento.
Assim posto, vislum bram os que o conteúdo do D ireito U rbanístico não
envolve a atuação exclusiva de um a das esferas governam entais, esten-
dendo-se sobre todo o território, im pondo a todas elas um agir
determ inante no sentido de buscar a m elhoria da qualidade de vida de
toda a coletividade através da organização dos espaços habitáveis. C abe-
rá a todas as unidades de governo, no âm bito de suas atribuições legais e
constitucionais, expedir as disposições urbanísticas necessárias para a exe-
cução de suas tarefas. E, certam ente, ao invocarm os a participação da
U nião, dos Estados e dos m unicípios na edição de norm as próprias relati-
vas aos aspectos urbanísticos, tocam os em assunto delicado, que é o
atinente à com petência de cada um a dessas pessoas políticas para
discipliná-los. E aqui apontam os a repartição de com petências tal com o
concebida pelo Texto C onstitucional da qual ora nos ocuparem os.
Discriminação Constitucional de CompetênciasTodo o com plexo norm ativo urbanístico, envolvendo as norm as jurídi-
cas de ordenação das funções sociais da cidade, de definição da função
social da propriedade privada e de ordenação dos espaços habitáveis, foi
destinado tratar, ora privativa, ora concorrentem ente, pelas pessoas polí-
ticas integrantes da Federação brasileira.
A C onstituição Federal de 1988 consagrou a form a de Estado federal,
significando dizer que dividiu o território brasileiro em diversas unidades
regionais e, em particular, m unicipais, dotando-as de autonom ia política,
financeira, adm inistrativa e legislativa. Previu, tam bém , a existência da
U nião, entidade política que representa a soberania do Estado nacional,
• 55 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
sob o ponto de vista externo, atribuindo-lhe, igualm ente, autonom ia para
tratar dos assuntos federais e dos tem as de interesse nacional.
O legislador constituinte estruturou o sistem a de repartição de com pe-
tências com plexam ente, no qual “(...) convivem com petências privativas,
repartidas horizontalm ente, com com petências concorrentes, repartidas
verticalm ente, abrindo-se espaço, tam bém , para a participação das ordens
parciais na esfera de com petências próprias da ordem central, m ediante
delegação.”29 Especificam ente nos referim os às com petências legislativas.
A s com petências foram fixadas segundo a predom inância de interes-
se.30 A s m atérias de âm bito predom inantem ente nacional foram destina-
das à U nião. O s tem as de cunho predom inantem ente regional tratarão os
Estados. A os m unicípios foram atribuídos os assuntos de interesse predo-
m inantem ente local.
C elso A ntônio Bandeira de M ello, por sua vez, esclarece que toda dis-
crim inação constitucional de com petências legislativas que pretenda dis-
tribuí-las em função da base territorial considera avariável amplitudede interesses relativa a cada esfera de governo. São suas as precio-sas palavras:
“Trata-se, pois, de colocar a cargo da entidade de abrangência territorial
m áxim a os assuntos que, pela índole da m atéria, m ais diretam ente afetem
o todo ou, então, que, por um deliberado intento político, pretenda-se
subm eter a um a disciplina padronizada, uniform e, exatam ente para evitar
o surgim ento de disparidades tidas com o indesejáveis; correlatam ente,
prepõe-se às entidades de nível interm ediário a disciplina de questões de
interesse regional e atribui-se às pessoas de m enor âm bito a norm atividade
dos assuntos de interesse restrito à com unidade local.”31
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
29 A LM EID A , Fernanda D ias M enezes de.Competências na Const it uição de 1988 , p. 79.30 A classificação do sistem a de repartição de com petências constitucionais, segundo a pre-
dom inância dos interesses, é delineada por José A fonso da Silva, em sua obra Direito consti-
tucional positivo , p. 454.31 M ELLO , C elso A ntonio Bandeira. Discrim inação constit ucional de competências legislat ivas :
a com petência m unicipal. Estudos em H om enagem a G eraldo A taliba, p. 271-272.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C onsiderada a predom inância do interesse ou a variável am plitude de
interesses no tocante a cada unidade governam ental, enfim , seja qual for,
no caso, a gradação que tenha servido de parâm etro para o legislador
constituinte ter definido as com petências legislativas destinadas a cada
esfera federativa, fato é que à U nião foram deferidas m atérias de órbita
nacional que, certam ente, afetam os Estados e os m unicípios, assim com o
aos Estados, cujo exercício de sua faculdade legislativa atinge os m unicí-
pios e a própria U nião, coube disciplinar acerca de assuntos de interesse
regional. Por fim , os m unicípios tratarão das m atérias que lhes cabe no
âm bito restrito local, afetando, conseqüentem ente, em m enor grau, a
U nião e os Estados.
H á que se tom ar, no entanto, as devidas cautelas no sentido de que o
exercício dos interesses distintos de cada um a das unidades federativas
não incorra, erroneam ente, em seara alheia.
A ssim colocado, vejam os o com partilham ento de com petências legislativas
delineado pela C onstituição Federal. Foram enum eradas, no artigo 22 da-
quele Texto, as m atérias de com petência privativo-legislativas da U nião,
cabendo aos Estados a possibilidade de legislar sobre as questões ali
elencadas na form a delegada, em lei com plem entar, pela esfera federal. N o
âm bito dessa com petência, a U nião esgotará, porm enorizadam ente, o as-
sunto que lhe foi deferido pelo legislador constituinte, não havendo espaço
nem com petência, por óbvio, para os Estados e os m unicípios sobre ele
legislarem , sem que isso caracterize invasão em seara alheia.32 A ssim , legis-
lará a U nião sobre direito civil, direito penal, desapropriação, diretrizes da
política nacional de transporte, trânsito, jazidas, m inas, e outros recursos
m inerais, aplicando-os, indistintam ente, em todo o território nacional,
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
32 C abe apontar que a idéia geral de que não há com petência para os Estados e m unicípios
legislarem acerca dos assuntos elencados no artigo 22 decorre da sua própria natureza de
interesse nacional e federal. N o entanto, por im perfeição técnica, o legislador constituinte
de 1988 determ inou, no inciso XXVII, que a U nião editará norm as gerais sobre licitação e
contratação. É cediço que cabem aos Estados e m unicípios legislar suplem entarm ente acerca
dessas questões, não cabendo à esfera de governo federal editar norm as de tal m onta par-
ticularizada que invadam as com petências dos dem ais níveis governam entais.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
obrigando os indivíduos, bem com o os Estados, o Distrito Federal e os m u-
nicípios, e a própria U nião, ao seu atendim ento.
N a órbita da com petência concorrente, cabe à U nião, aos Estados e ao
D istrito Federal legislar sobre os tem as arrolados no artigo 24 da C onsti-
tuição Federal. C abe à esfera federal, nesse cam po, fixar norm as gerais
(art. 24, § 1o), deixando-se à esfera estadual a com petência suplem entar,
ou com plem entar, editando as norm as específicas de aplicabilidade regi-
onal (art. 24, § 2o), observando as norm as gerais publicadas pela U nião.
N a ausência das norm as gerais, os Estados, plenam ente, poderão supri-
las, editando tais regras, no exercício de sua com petência supletiva (art.
24, § 3o), restando certo que a edição posterior pela U nião das aludidas
norm as gerais suspenderão a eficácia, naquilo que com elas conflitar, dos
preceitos gerais estaduais (art. 24, § 4o).
Podem os apontar as m atérias que estão inseridas na com petência cons-
titucional concorrente, presentes no artigo 24: o direito tributário, o direi-
to urbanístico, florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do m eio am biente, con-
trole da poluição, proteção ao patrim ônio histórico, artístico, turístico e
paisagístico, responsabilidade por dano ao m eio am biente, a bens e direi-
tos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
A com petência legislativa constitucional dos Estados, excluída a enum e-
ração constante do artigo 24, retrom encionado, é residual, significando
dizer que lhes foram reservadas as m atérias que não lhes foram vedadas
pela Lex M agnum , conform e determ ina o seu artigo 25, § 1o. A s m atérias
que não foram destinadas expressam ente à U nião nem aos m unicípios
serão de com petência dos Estados, posto que a sua com petência é rem a-
nescente.
A té aqui podem os constatar que a U nião possui com petências privati-
vas exercidas plenam ente (art. 22) e com petências para editar norm as
gerais com relação a determ inados assuntos (art. 24), cabendo aos Esta-
dos a com petência legislativa residual, exercendo a faculdade legislativa
sobre qualquer m atéria não deferida à U nião ou aos m unicípios, a com -
○ ○ ○ 58 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
petência legislativa concorrente, podendo expedir disposições com ple-
m entares ou suplem entares às norm as gerais editadas pela esfera federal
e a com petência legislativa delegada, cujo lim ite de atuação depende da
edição de lei com plem entar, para tratar dos assuntos arrolados no artigo
22 do Texto C onstitucional.
C om relação aos m unicípios, estão eles dotados de capacidade legislativa,
cabendo-lhes a expedição de norm as próprias voltadas a tratar de assun-
tos de interesse local, no exercício de sua com petência plena e privativa, e
a suplem entar a legislação federal e estadual, no que couber, conform e
verificam os do contido no artigo 30, I e II, da C onstituição Federal.
Preceitua o artigo 30, I, do Texto C onstitucional que com pete ao m uni-
cípio legislar sobre assuntos de interesse local. Isso significa que é faculta-
do à unidade federativa local tratar das m atérias típicas que digam respei-
to, privativam ente, ao seu âm bito geográfico. A s m atérias perante as quais
cabe ao m unicípio disciplinar são com uns a todos os dem ais entes federa-
tivos locais, posto que se trata de interesses de certa categoria pertinen-
tes a qualquer m unicípio.
C elso A ntonio Bandeira de M ello assim ensina, com clareza palm ar:
“Ditos interesses são próprios da entidade ‘m unicípio’, considerada em
si m esm a, logo com prescindência das peculiaridades de cada qualdelas. É o caso,exempli gratia , da legislação edilícia, da que respeita aos
logradouros públicos m unicipais, da que dispõe sobre transporte coletivo
de passageiros no interior do m unicípio, sobre o recolhim ento do lixo, da
que regula o trânsito de veículos em sua área, etc. Trata-se de um a com pe-
tência comum de qualquer município e a qualquer município. O as-sunto é dele, e de m ais ninguém . É de interesse local”(grifos do autor).33
D iversam ente é a com petência legislativa suplem entar diante da qual
está presente não um interesse com um , m as um interesse peculiar de um
determ inado m unicípio, cujas características geográficas ou urbanas, por
hipótese, im põe-se-lhe editar norm as suplem entares à legislação federal ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
33 O b. cit., p. 277.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ou estadual. Escapam os, aqui, da com petência plena m unicipal, envere-
dando em cam po de atuação plena e suplem entar da U nião e dos Esta-
dos, respectivam ente, cuja posição local, em face de particularidades que
lhe são inerentes, é a de legislar com plem entando as legislações federal e
estadual, que são insuficientes para atender às dem andas específicas
ocorrentes na localidade. E por não se tratarem de tem as de interesse
local, posto extrapolar, indubitavelm ente, o seu âm bito territorial, e sim
de interesses cujos fatores superam o seu cam po de legislação plena,
esbarrando em área federal ou estadual, m as que lhe digam respeito em
razão de determ inadas peculiaridades individuais, é-lhe deferido poder
de produzir legislação própria e específica que atenda a tais característi-
cos. É nesse sentido que se coloca C elso A ntonio Bandeira de M ello, for-
necendo alguns exem plos que sustentam tal entendim ento:
“(...) será adm issível que em dado m unicípio, onde a atividade básica
seja a m ineração, este estabeleça suplem entarm ente à legislação federal
(evidentem ente, não a contrariando) norm as preordenadas a acudir a
especificidades que se m anifestem localm ente, em vista de tal condição
peculiar. O m esm o dir-se-á,exempli grat ia , quanto à possibilidade de o
M unicípio de C ubatão expedir disciplina legal que suplem ente as norm as
estaduais com uns sobre poluição, tendo em vista o fato de se tratar de
um m unicípio particularm ente afetado por este m alefício e na m edida em
que se trate de atender à sobredita peculiaridade.”34
C om efeito, é indiscutível que, diante de um com portam ento legislativo
federal ou estadual, poderá o m unicípio em itir seus próprios suplem en-
tos, atendendo às suas peculiaridades e especificidades. É bom que se
diga que os assuntos sobre os quais os m unicípios podem tratar no cam -
po da com petência suplem entar não são os m esm os tem as perante os
quais o m unicípio terá diante de si o poder de legislar sobre questões
envolvendo o interesse local. N este, a com petência legislativa m unicipal é
plena, afastando a produção legislativa federal ou estadual. N aquele, so-
m ente diante de interesse peculiar, incom um às dem ais esferas de gover- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
34 O b. cit., p. 277-278.
○ ○ ○ 60 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
no local e, m esm o assim , quando couber, é que fluirá a participação
suplem entar do m unicípio.
N ovam ente, trazem os à colação Celso Antonio Bandeira de M ello: “(...)
para que a lei federal ou estadual com portasse, nos term os constitucionais,
suplem entação pelo m unicípio, foi presum ida a presença de algo distinto
do interesse local aludido no inciso I porque,se dele se tratasse, de umlado, seria despiciendo o inciso II, bastando o inciso I; de outro, acompetência não seria suplementar, mas simples fruto da autono-mia municipal, e, por fim, também a expressão ‘no que couber’ exi-bir-se-á como supérflua, completamente inútil”(grifos do autor).35
Por fim , no âm bito da repartição de com petências, resta-nos tratar da
com petência com um preceituada no artigo 23. A través da com petência
com um , o Texto C onstitucional vislum bra com portam ento cooperativo
entre todas as unidades federativas, não havendo a prevalência do inte-
resse de quem quer que seja nem a suprem acia de um ente sobre o
outro. Porém , no âm bito da com petência legislativa, cada qual tratará,
dentro dos seus lim ites, dos assuntos que lhe foram destinados, isto é:
para cum prir com as tarefas e incum bências dadas pelo artigo 23 a to-
das as unidades federativas, tanto a U nião, com o os Estados e os m uni-
cípios legislarão, no cam po de sua atuação, segundo a definição ofere-
cida pelo Texto M áxim o.
O artigo 23 da C onstituição Federal consagra as com petências adm inis-
trativas dos entes integrantes da Federação brasileira, não se referindo a
legislar, m as, sim , a providências adm inistrativas que deverão ser tom adas
pela U nião, pelos Estados, pelo D istrito Federal e pelos m unicípios. C abe-
lhes zelar, cuidar, prom over, proteger, fom entar, fiscalizar, dentre outras
m edidas que se inserem na área de atuação adm inistrativa de cada esfera
arrolada no dispositivo constitucional em apreço. Q uerem os destacar a
proteção aos docum entos, às obras e outros bens de valor artístico, histó-
rico e cultural, os m onum entos, às paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos; a proteção ao m eio am biente e o com bate à poluição em ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
35 O b. cit., p. 279.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
qualquer de suas form as; a preservação das florestas, da fauna e da flora.
Seja qualquer nível de governo a que estejam os nos referindo, a todos
eles cabem atuar no sentido de buscar o com portam ento desejado pelo
constituinte de 1988.
M as cabe-nos considerar que, não obstante as m atérias arroladas no arti-
go 23 sejam de cunho adm inistrativo, o exercício de um a daquelas com pe-
tências induz, necessariam ente, à com petência legislativa de cada unidade
federativa. E será m aior ou m enor o agir desses entes, na m edida em que
estejam os diante da com petência legislativa plena ou suplem entar, ineren-
te tanto à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos m unicípios.
Som ente diante de um a análise interpretativa sistem ática e harm ônica
das disposições constitucionais chegarem os a com preender o devido al-
cance da atuação federal, estadual, distrital e m unicipal nas m ais diversas
áreas, notadam ente em m atéria de urbanism o. M as essa tarefa não é
fácil. Problem a de difícil contorno é acerca do conceito de norm as gerais,
de com petência da U nião, cuja observância é obrigatória para os Estados,
o D istrito Federal e os m unicípios, servindo de parâm etro para a atuação
legislativa respectiva, seja plena, seja suplem entar. É o nosso próxim o de-
safio a ser enfrentado.
Normas Gerais de Direito UrbanísticoC om o antes colocam os, diante de todo esse com plexo sistem a de re-
partição constitucional de com petências, foi detectada a com petência da
U nião para tratar de norm as gerais no âm bito da atuação legislativa con-
corrente. O que vem a ser norm as gerais é tarefa das m ais difíceis, e que
ainda não encontrou uniform idade de entendim ento. N ão nos cabe, nes-
sas breves considerações, resolver problem a de tal envergadura. Porém ,
tem os de enfrentá-lo para, relativam ente à edição de norm as urbanísti-
cas, dar-lhe um delineam ento m ínim o.
C om base no artigo 24 da C onstituição Federal, verificam os a atuação
da União no cam po da com petência concorrente com os Estados e, não
podem os nos esquecer, com os m unicípios, cabendo à esfera federal edi-
○ ○ ○ 62 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
tar norm as gerais e aos níveis de governo estaduais e m unicipais a produ-
ção de norm as suplem entares, em atenção aos respectivos interesses pe-
culiares. N esse prim eiro m om ento, nos ocuparem os das norm as gerais de
direito urbanístico.
O que são norm as gerais, então? A s definições acerca do conceito em
questão são variadas. A dilson A breu D allari define norm as gerais com o as
disposições aplicáveis uniform em ente a todas as unidades federativas,
tratando am plam ente das m esm as m atérias, sujeitas à com plem entação,
não se atendo a pontos específicos de atuação dos Estados e dos m unicí-
pios.36 Exam inando as com petências constitucionais das pessoas políticas
federal, estadual e m unicipal, C elso A ntônio Bandeira de M ello aponta
para a com petência federal em razão de considerações políticas, cujo com -
portam ento exige legislação uniform e, padronizada, evitando a produ-
ção de norm as outras calcadas em ideais segm entados.37
Por sua vez, D iogenes G asparini vislum bra com o norm as gerais as que
veiculam generalidades, aplicáveis, indistintam ente, em todo o território
nacional.38 Pontes de M iranda, ao dem onstrar que a U nião não atua ilim i-
tadam ente no âm bito da com petência concorrente, oferta-nos com o nor-
m as gerais as que são fundam entais, são diretrizes, são regras jurídicas
gerais que não esgotam o assunto, não se exaurem .39 M iguel Reale, dis-
tinguindo entre leis federais em sentido estrito (são as interna corporis ,
cuja validade e eficácia se concentram e se direcionam para a própria
U nião) e leis federais de caráter nacional (que vislum bram os se tratar de
norm as gerais), que são aquelas cujos destinatários são a sociedade brasi-
leira em sua totalidade, envolvendo os órgãos federais, estaduais e m uni-
cipais, de conform idade com a natureza da m atéria.40
A inda invocam os H ely Lopes M eirelles acerca do assunto em pauta. Se-
gundo ele, lem brando que a U nião não pode subordinar, no cam po do ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
36 Aspectos jurídicos da licit ação , p. 20-21.37 O b. cit., p. 274.38 Direito administrat ivo , p. 322.39 Comentários àConstit uição de 1967 (arts. 8o - 33), p. 166.40 Competências constitucionais - legislação sobre urbanism o. RD P-75, p. 46.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
D ireito U rbanístico, a atuação dos Estados e dos m unicípios, nem intervir
no plano executivo desses entes políticos, determ inando-lhes “padrões
estandardizados”, através de porm enores e detalhes, reconhece o autor
a possibilidade de a U nião fixar norm as gerais sobre urbanism o, isto é,
“(...) im posições de caráter genérico e de aplicação indiscrim inada em
todo o território nacional.”41
C olocada, assim , a questão das norm as gerais, as definiríam os com o
aquelas disposições aplicáveis, uniform e e indistintam ente, sobre todo o
território nacional, de observância obrigatória por todos (indivíduos, pes-
soas jurídicas e políticas), fixadoras de princípios e diretrizes fundam en-
tais, que não esgotam ou exaurem o assunto por elas tratadas, um a vez
que não as detalham nem as porm enorizam .
O utro com entário relevante a ser feito quanto às norm as gerais é o
concernente ao de prevenir conflitos de atribuições entre as diversas uni-
dades políticas nos tem as que envolvam a com petência concorrente. C om
efeito, esse é um dos objetivos das norm as gerais: diluir os conflitos de
com petência que possam surgir do exercício das atribuições constitucio-
nalm ente deferidas aos entes políticos federal, estadual e m unicipal,
ofertando-lhes um cam inho a seguir quando do exercício de suas respec-
tivas com petências suplem entares.42
A ssentadas tais prem issas, o que seriam norm as gerais vistas, agora,
sob o ponto de vista urbanístico?
José A fonso da Silva entende por norm as gerais urbanísticas as fixadoras
de princípios e diretrizes voltadas ao desenvolvim ento urbano de todo o
território nacional, estabelecedoras dos conceitos básicos de atuação, e
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
41 Direito urbaníst ico - com petências legislativas. RD P-73, p. 98. O parecer do qual nos socor-
rem os foi em itido em 1982, cuja C onstituição Federal de 1969 não possuía a sistem atização
da atual C onstituição de 1988, que deixou evidenciada a com petência da U nião em editar
norm as gerais sobre D ireito U rbanístico.42 Essa é a lição de H ely Lopes M eirelles: “Tratando-se de assunto de com petência concorren-
te das três entidades estatais, com o é o desenvolvim ento urbano, cabe à norma geralprocurar prevenir e dirim ir os eventuais conflitos de com petência que possam vir a ocorrer
entre U nião, Estado-m em bro e m unicípio”(grifo do autor), ob. cit., p. 100.
○ ○ ○ 64 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
indicadoras dos instrum entos necessários à sua execução. Especificam en-
te esse autor aponta para as seguintes norm as:
“Assim , são norm as gerais urbanísticas as pertinentes à utilização da
propriedade urbana, as referentes à ação integrada de organism os fede-
rais, estaduais e m unicipais sobre o desenvolvim ento urbano, as diretrizes
sobre as áreas de interesse especial; as diretrizes sobre o planejam ento
urbanístico, sobre os instrum entos de intervenção urbanística, e as bases
do regim e urbanístico do solo.”43
Enfim , são norm as gerais urbanísticas aquelas que estejam voltadas para
o desenvolvim ento urbano nacional, ordenando a criação, am pliação e
renovação dos centros nucleares populacionais. Tais regras, além de in-
tentarem evitar eventuais conflitos entre as diversas esferas de governo
na área urbanística, indicarão a ação dos Estados e dos m unicípios na
edição de seus diplom as urbanísticos específicos, com plem entando e
im plem entando as disposições gerais produzidas pela U nião, dando ple-
na concretude ao desenvolvim ento urbano.
Em bora não seja objeto de nossas considerações discutir o projeto de lei
em suas especificidades, não podem os deixar de m encionar alguns dispo-
sitivos que entendem os ser flagrantem ente inconstitucionais. A prim eira
delas é a obrigatoriedade de Plano D iretor para m unicípios que tenham
especial interesse turístico, com o indica o artigo 41, inciso IV, do projeto.
A C onstituição exige Plano D iretor para os m unicípios que tenham m ais
de 20.000 habitantes, adotando um critério habitacional para im por a
obrigatoriedade. A o prever a obrigação de Plano D iretor àquelas localida-
des, que tenham presente o interesse turístico, alcança qualquer m unicí-
pio, inclusive com m enos de 20.000 habitantes, o que a torna eivada de
inconstitucionalidade, assim com o o inciso V do m esm o artigo, que prevê
a obrigatoriedade daquele instrum ento para as cidades inseridas na área
de influência de em preendim entos ou atividades com significativo im pac-
to am biental de âm bito regional ou nacional. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
43 Direito urbanístico brasileiro , p. 58.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A pontam os tam bém com o inconstitucional a determ inação de que o
Plano D iretor deverá ser aprovado, ou alterado, por um quórum qualifica-
do, nos term os da Lei O rgânica M unicipal, conform e prevê o § 3o do
artigo 40. A inconstitucionalidade reside na afronta à autonom ia m unici-
pal para definir, em seu processo legislativo, o quórum adequado para a
aprovação das suas próprias proposituras. A ssunto interna corporis com o
esse é de responsabilidade local e não nacional.
A m bos os exem plos, ainda que pontuais, denotam a fixação de disposi-
ções específicas, cujo disciplinam ento se insere no rol de com petências
do próprio m unicípio e não da U nião. N essa m esm a esteira, o artigo 49
do projeto sob com ento im põe a obrigatoriedade de realização de deba-
tes, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual,
da lei de diretrizes orçam entárias e do orçam ento anual com o condição
obrigatória para a sua aprovação. Som ente o m unicípio é com petente
para tratar dessa questão, sendo, via de conseqüência, totalm ente indevido
o com portam ento da União.
Urbanismo – Competência MunicipalD e tudo o que expusem os até aqui, verificam os que cabe à U nião editar
norm as gerais sobre direito urbanístico, com petindo ao m unicípio legislar
sobre assuntos de interesse local e de suplem entar a legislação federal e
estadual no que couber.
A com petência m unicipal de legislar sobre assuntos de interesse local sig-
nifica que é facultado à unidade federativa local tratar das m atérias pró-
prias ao seu âm bito territorial. C om o dissem os, os assuntos perante os quais
o m unicípio tem a faculdade de disciplinar são com uns a todos os dem ais
entes federativos locais, já que se referem a interesses de certa categoria
pertinentes a qualquer m unicípio. São os interesses próprios do m unicípio.
Q uanto à com petência legislativa suplem entar, não há um interesse co-
m um , m as um interesse peculiar de um certo m unicípio, cujas caracterís-
ticas geográficas ou urbanas autoriza-lhe editar norm as com plem entares
à legislação federal ou estadual.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A ssim , a partir desse m om ento, passam os a considerar as norm as ur-
banísticas, iniciando pelas contidas na C onstituição Federal, prom ulga-
da em 5 de outubro de 1988. Isso porque, parece-nos lícito afirm ar, em
tem po algum de nossa história constitucional, tam anha atenção foi dada
à m atéria.
Inicialm ente, o artigo 30, inciso VIII, da C onstituição Federal preceitua
que cabe ao m unicípio a prom oção do adequado ordenam ento territorial,
m ediante planejam ento e controle do uso, do parcelam ento e da ocupa-
ção do solo. N o âm bito do planejam ento m unicipal, está evidenciada a
com petência m unicipal plena, sem interferência federal e estadual, para
adotar todas as m edidas que favoreçam o desenvolvim ento territorial lo-
cal. Para tanto, socorrer-se-á do planejam ento, do uso e ocupação do
solo e do parcelam ento. É um a com petência própria do m unicípio, co-
m um a todas as dem ais unidades federativas locais.
N ão o bstante, cabendo ao m unicípio prom over o ad equado
ordenam ento de seu território, deve editar legislação com esse m ister,
que são, basicam ente, a lei de parcelam ento do solo local e a lei de
zoneam ento.
O instrum ento legal utilizado pelo Poder Público para ordenar, concre-
tam ente, o uso do solo urbano denom ina-se zoneam ento, consistente
em um instrum ento dos m ais legítim os e adequados para a ordenação do
território urbano, evitando a sua deterioração com o m au uso da pro-
priedade im obiliária. É através do zoneam ento que o território é repartido
em diferentes áreas, tendo com o diretriz a destinação de uso e ocupação
do solo. Para nós, a lei de zoneam ento dem onstra o exercício da com pe-
tência plena m unicipal, quanto a legislar sobre assuntos de interesse lo-
cal, independendo da atuação legislativa federal e estadual.
C elso A ntônio Bandeira de M ello define zoneam ento com o a “(...) dis-
ciplina condicionadora do uso da propriedade im obiliária m ediante a de-
lim itação de áreas categorizadas em vista das utilizações urbanas nelas
adm itidas”.44 Por sua vez, José A fonso da Silva define-o com o a “(...) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
44 M ELLO , C elso A ntônio Bandeira de.Natureza jurídica do zoneamento : efeitos, p. 34.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
repartição do território m unicipal à vista da destinação da terra, do uso
do solo ou das características arquitetônicas”.45
A través do zoneam ento, o Poder Público controla o uso e as destinações
possíveis de serem dadas ao território, além de ordenar as atividades ur-
banas que serão levadas a efeito através do uso adequado do solo. A
cidade e as áreas urbanísticas serão repartidas em zonas através desse
instrum ento, atendendo à vocação do solo atingido pelo zoneam ento.
Pelo zoneam ento serão fixados os usos dos terrenos e edificações,
objetivando a prom oção da plena distribuição racional das populações nas
diversas zonas cujo desenvolvim ento se pretende alcançar e organizar.
D iversam ente do que ocorre no zoneam ento, a ação m unicipal no
parcelam ento do solo cam inha no sentido de suplem entar a legislação
federal e estadual. Em 19 de dezem bro de 1979, a U nião editou a Lei
6.766, alterada pela Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, dispondo sobre
o parcelam ento do solo urbano, sob a form a de loteam ento e
desm em bram ento, fixando norm as de observância obrigatória por todos
os entes da Federação brasileira. Essa legislação tratou de aspectos sani-
tários, penais, civis, registrários, adm inistrativos e urbanísticos a serem
observados pelas entidades federativas m unicipais, já que tratam de nor-
m as gerais de direito urbanístico e, especificam ente, de parcelam ento do
solo. E, ainda que o m unicípio fixe, quando possível, norm as m ais restriti-
vas, o fará em atenção às suas peculiaridades.
É o que ocorreria, exem plificando, com relação ao artigo 3o, parágrafo
único, da Lei 6.766/79, que determ ina ser inadm issível parcelam ento do
solo, em zona urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica,
em determ inados terrenos. O inciso II do parágrafo único em questão pro-
íbe o parcelam ento em áreas com declividade igual ou superior a 30% . É
perfeitam ente possível que o m unicípio, ao editar a sua legislação própria
de parcelam ento, fixe norm a m ais restritiva do que a contida naquele inciso
II, atendendo a determ inad as peculiaridades presentes naq uela
m unicipalidade.
O utro instrum ento de sum a im portância para a ordenação do solo m u-
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nicipal é o Plano D iretor, por nós antes tratado. O Plano D iretor é um
instrum ento legal decorrente da consecução de planejam ento e é um
recurso em pregado para um a política de desenvolvim ento e de expansão
urbana que tem por finalidade geral, segundo a diretriz traçada pelo arti-
go 182,caput da C onstituição Federal, a ordenação do pleno desenvolvi-
m ento das funções sociais da cidade e a garantia do bem -estar de seus
habitantes.
A cidade deve dar acesso, para cum prim ento de suas funções sociais, a
todos os que nela vivem , assegurando-lhes o direito “à m oradia, aos equi-
pam entos e serviços urbanos, transporte público, saneam ento básico,
saúde, educação, cultura, esporte, lazer, enfim , aos direitos urbanos que
são inerentes às condições de vida na cidade”.46 A s funções sociais da
cidade devem espelhar o seu desem penho em relação à coletividade e à
região em que esteja localizada. E o Plano D iretor será o instrum ento
básico que as espelhará.
Q uer-nos parecer que o Plano D iretor se insere no âm bito da com petên-
cia legislativa plena do m unicípio, na m edida em que sistem atiza o desen-
volvim ento físico, econôm ico e social do território m unicipal, visando ao
bem -estar da com unidade local.
Porém , segundo determ inado pelo projeto de lei que visa regulam entar
o capítulo da Política U rbana, estabelecendo as suas diretrizes, o Plano
D iretor –e o enfoque é físico-geográfico –para que possa o m unicípio
aplicar os m ais diversos instrum entos urbanísticos ali arrolados, a saber:
parcelam ento, edificação e utilização com pulsórios, IPTU progressivo no
tem po, desapropriação-sanção, direito de preem pção, outorga onerosa,
operações urbanas consorciadas e transferência do direito de construir,
deverá fixar as áreas sobre as quais esses instrum entos serão operados,
além de índices urbanísticos que o m unicípio entender conveniente.
Vejam os,verbi grat ia , o disposto no artigo 28, § 2o, do projeto de lei em
apreço: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
46 SA U LE JU N IO R, N elson, FERN A N D ES, Edésio (org.).O tratamento constit ucional do plano
diretor como instrumento de política urbana –direito urbanístico, p. 51.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“Art. 28 –O Plano D iretor poderá fixar áreas nas quais o direito de
construir poderá ser exercido acim a do coeficiente de aproveitam ento
básico adotado, m ediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
................................................................................................................
§ 2o –O Plano D iretor poderá fixar coeficiente de aproveitam ento bási-
co único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas
dentro da zona urbana”.47
Tem os certo, pelo que podem os depreender do disposto no artigo 28 e
seu § 2o, que a atuação m unicipal, nesse caso, será a de suplem entar a
legislação federal, fixando o Plano D iretor as áreas em que será concedida
a outorga onerosa, além de estabelecer o coeficiente de aproveitam ento
básico único ou diferenciado, conform e o caso, a ser determ inado pelo
próprio m unicípio. Está evidenciado que sem a fixação de áreas e sem a
definição do coeficiente de aproveitam ento, a outorga onerosa não po-
derá ser aplicada. Para tanto, faz-se necessária a com plem entação da
legislação federal pela legislação m unicipal. E assim será no tocante aos
dem ais m ecanism os que m encionam os.
Portanto, pelo que podem os observar, a com petência legislativa m uni-
cipal será plena ou com plem entar em m atéria de urbanism o, conform e o
instrum ento que a unidade federativa local pretenda instituir ou
im plem entar. D eve o legislador ordinário federal, ao disciplinar sobre a
tem ática que desenvolvem os, tom ar todas as cautelas possíveis para evi-
tar invadir a seara pertencente as dem ais unidades federativas, cabendo
especificam ente aos m unicípios, por seu turno, adotar as m edidas perti-
nentes, constitucionais e legais, através dos m ecanism os e instrum entos
colocados à sua disposição, visando dar total eficácia à diretriz constitu-
cional do pleno desenvolvim ento das funções sociais da cidade, garantin-
do, com isso, o bem -estar de seus habitantes.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
47 A indicação do artigo é m eram ente exem plificativa, não querendo com isso indicar
posicionam ento acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de sua previsão em
lei federal, na m edida em que poderia consistir em instrum ento urbanístico tipicam ente
m unicipal, não havendo espaço para atuação federal.
○ ○ ○ 70 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Referências Bibliográficas
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alizada, 2ª tiragem . São Paulo: M alheiros, 1997.
_____. Curso de direito const itucional positivo. 15ª ed., São Paulo:
M alheiros, 1998.
_____. Direito ambiental constitucional . São Paulo: M alheiros, 1994.
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADEDaniela Campo s Libório Di Sarno 48
A Constituição Federal do Brasil dispõe, em seu artigo 5o, XXII e XXIII, que
não só é garantido o direito de propriedade em nosso território nacional
com o essa propriedade terá, sem pre, que cum prir um a função social.
Tal generalidade dem onstra, desde logo, que qualquer propriedade, em
qualquer lugar, independentem ente de quem seja o proprietário, deverá
atender às exigências legais para que esse im óvel não só realize as expec-
tativas de seu proprietário com o as necessidades da coletividade na qual
ele se insere.
O corre que a C onstituição Federal foi m ais além e especificou várias
determ inações, em diversos tipos de situações, traçando parâm etros m ui-
to firm es para o legislador infraconstitucional. Porém , antes de analisar-
m os as disposições jurídicas pertinentes ao tem a, cabe-nos perguntar pri-
m eiram ente: o que é função social da propriedade?
O instituto da função social da propriedade não é novidade entre nós,
m uito m enos no m undo jurídico, de form a geral. A doutrina debruça-se, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
48 A dvogada, professora e doutoranda em D ireito U rbanístico na PU C /SP
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
há m uito tem po, tentando desvendá-la, traduzindo-a em um conceito.
Para saberm os qual é a função social que determ inada propriedade tem
ou que precisa cum prir, precisarem os analisar toda a legislação que a afe-
te. Porém , não precisam os nos aprofundarm os tanto para term os um a
noção bem firm e de com o isso deva ocorrer.
O ser hum ano, gregário que é, sem pre se agrupou, criando diversas
soluções para as situações que essa convivência grupal lhe trazia. C onfli-
tos nas relações, provenientes exclusivam ente desse convívio, dificulda-
des que surgiam no habitar, no uso que se fazia dos diversos espaços são
alguns exem plos. O Poder Público tom ou para si a organização das cole-
tividades que se form avam , estabelecendo critérios e regras de convivên-
cia em razão dos conceitos e valores de cada época. O increm ento das
atividades, em face do desenvolvim ento da sociedade, forçou a um a com -
plexa organização que cruzava inform ações com o interesses públicos e
privados, usos e destinos diversos das propriedades situadas na área ur-
bana. Restringiu-se, essa com plexa organização, à área urbana porque
sem pre foi, justam ente ali, que todo tipo de situação, atividade, interesse
e disputa ocorreu sobre os espaços tidos com o urbanos.
N ão é dem ais salientar que os espaços urbanos são delim itados pelo
exercício das funções tidas com o essenciais para um a cidade, quais se-
jam : habitar, trafegar, trabalhar e divertir. A som atória dessas funções,
aliadas ao adensam ento populacional, além da caracterização da ativida-
de principal não ser a tipicam ente agrícola (estabelecendo um critério
negativo), m as sim atividades interventoras no m eio am biente, fazem com
que esse espaço, assim caracterizado, seja considerado urbano. Traça-se,
portanto, um im portante diferencial: a separação dos espaços rurais e
dos espaços urbanos.
Todas as propriedades necessitam atingir, de form a eficaz e plena, sua
função social, tanto a rural com o a urbana. O corre que elas terão
parâm etros diferentes para alcançar tal finalidade, pois seu contexto traz
elem entos peculiares a cada território. D e qualquer form a, o Poder Públi-
co assum iu a função de determ inar qual é o papel a ser exercido pelo
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
im óvel, independentem ente de ele ser caracterizado com o urbano ou rural.
A ssim , podem os dizer que a função social da propriedade ocorre no
equilíbrio entre o interesse público e o privado em que este se subm ete
àquele, pois o uso que se faz de cada propriedade possibilitará a realiza-
ção plena da urbanização e do equilíbrio das relações da cidade. É claro
que tais dispositivos, que interferem com pletam ente no uso da proprie-
dade, atingirão o seu conteúdo econôm ico, já que a função social deter-
m ina o direito do proprietário ao uso e à disposição de sua propriedade,
estabelecendo seu rendim ento possível. Essa interferência no conteúdo
econôm ico faz com que, m uitas vezes, os proprietários de grandes espa-
ços urbanos dificultem a ação do Estado nessa reorganização urbana vol-
tada para o social.
C abe esclarecer, todavia, que os dispositivos legais que perm eiam o uso,
o gozo e a disposição da propriedade são de origem m ista, ou seja, seu
regim e jurídico provém de diversos ram os do D ireito. O D ireito C ivil traz,
historicam ente, toda um a postura com relação ao uso da propriedade
pelo particular. Em um prim eiro m om ento, a propriedade podia ser usada
com o seu dono bem o quisesse. Ser proprietário significava ser dono ab-
soluto, sem qualquer direito de intervenção. Já em um a segunda fase, o
proprietário poderia usar e dispor de sua propriedade com o m elhor en-
tendesse, desde que respeitasse alguns parâm etros inspirados na boa
convivência (por exem plo, direito de vizinhança). A té este m om ento, o
D ireito C ivil absorveu essas regras com o suas, pois elas tratavam de pro-
priedade particular com regras m ínim as de convivência. A s relações urba-
nas, consideradas de form a coletiva e/ou difusa não eram , até certo tem -
po, percebidas. Restringiam -na na esfera particular. Já o D ireito A dm inis-
trativo atinge esse vácuo deixado pelo D ireito C ivil, não no sentido de
com plem entá-lo, m as sim porque novas relações se estabeleceram atra-
vés do papel desem penhado pelo Poder Público. O interesse pelo equilí-
brio da sociedade, da necessidade coletiva, estabelecendo form as de har-
m onizar a convivência entre todos é papel suprem o e indelegável do Po-
der Público. Q uanto ao D ireito Tributário, este percebe, na propriedade,
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
um objeto de seu interesse dado que ela assum iu grande valor para to-
dos (valores econôm ico, social, fam iliar). Se essa propriedade está plena
no seu exercício da função que lhe foi determ inada pelo Poder Público,
então terá um tratam ento que será diverso daquela propriedade que está
distanciada de sua finalidade.
Q uestionar o papel que a propriedade possui na sociedade é necessário
para se obter o am adurecim ento das relações entre todos os tipos de
pessoas. Em nosso sistem a jurídico atual, a função social da propriedade
procura fazer justiça social no uso das propriedades, além de contribuir
para o desenvolvim ento nacional na m edida em que as cidades albergam
grande parte da população existente e o uso das propriedades interferirá
brutalm ente na form a com que as pessoas se relacionam .
C om pete ao Estado indicar a função social da propriedade. N a esfera
federal, essa com petência traduz-se na elaboração de norm as gerais que
indiquem parâm etros e diretrizes para o Poder Público m unicipal. Q uanto
a este, o m unicípio deverá não só tecer em detalhes o regram ento que
ordena o seu território, com o deverá elaborar planos de desenvolvim ento
urbano, estim ulando, ou coibindo, a iniciativa privada a agir, além de
vincular as ações e verbas públicas em um sentido convergente ao da
iniciativa privada. Q uanto ao papel dos Estados-M em bros, percebe-se que
sua atuação, no caso, é inexistente, pois feriria a autonom ia federativa,
determ inação estadual sobre o ordenam ento do solo m unicipal.
Por fim , é necessário abordar o papel do Poder Público na realização da
função social não com o o tutor das necessidades públicas, m as com o
proprietário de im óvel urbano. Sendo proprietário ou, de qualquer for-
m a, utilizando im óveis e/ou o solo urbano, o Poder Público, em qualquer
de suas esferas, deverá atender às exigências da lei no sentido de realizar
plenam ente a função social de sua propriedade. Por certo que, em m uitos
casos, essas propriedades terão finalidade diversa da do particular, com o
é o caso de um a praça pública. Seria im possível adm itir-se a não utilização
ou a subutilização desse espaço, forçando o Poder Público à edificação
com pulsória. Se não por outra razão, ao m enos pelo fato de um a praça
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estar cum prindo, na sua essência, um a finalidade pública, e esta se sobre-
põe, sem pre, às finalidades particulares. Porém , em im óveis vazios, aban-
donados, construídos fora dos requisitos legais, deverão não só se ade-
quar às exigências norm ativas m as tam bém à destinação que a ele deva
ser dado, conform e o estabelecido nos planos m unicipais.
Da Análise do Projeto de Lei 5.788/90A edição desse projeto de lei significa um im portante avanço dentro do
desenvolvim ento urbano. Esperado há m ais de um a década, convém -nos
apontar suas virtudes e, quando necessário, alertar para os deslizes. Po-
rém , reduzirem os nossa análise ao tem a que estam os desenvolvendo.
O corre, contudo, um a situação curiosa. C om o a função social é, m ais que
um instituto de direito urbanístico, um princípio constitucional, sua reali-
zação perm eia por quase todo o projeto de lei. A ssim , ressaltarem os, dentro
dessa proposta legal, os cam inhos para a realização da função social,
bem com o as possíveis sanções aplicáveis ao seu descum prim ento. O pta-
m os pela análise de cada artigo que entendem os pertinente ao tem a que
nos foi proposto.
O artigo 1o traz, no caput, a referência à C onstituição Federal, sim plifi-
cando-a na indicação do C apítulo II, do Título VII, D a Política U rbana (arts.
182 e 183). N ão esgota a necessária sistem atização constitucional para o
assunto (por exem plo, art. 5o, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, art.156, par. 1o,
entre outros). Já o parágrafo único indica a finalidade da função social da
propriedade urbana com o sendo o bem coletivo, a segurança e o bem -
estar dos cidadãos, além de incluir, com o novidade, o equilíbrio am biental.
Q uanto a este últim o, ele será obtido na m edida em que os diversos tipos
de m eio am biente (artificial, cultural, natural e do trabalho) se equilibrem
no seu uso sustentável, evitando a degradação do m eio am biente e das
relações de um a form a geral.
O artigo 2o, que estabelece o objetivo da Política U rbana, está, na ver-
dade, indicando as diretrizes que o Poder Público deverá tom ar para que
consiga objetivar a função social da propriedade urbana. O inciso I acres-
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
centa, às funções tradicionais da cidade, a necessidade de contem plar o
aspecto sustentável, o saneam ento am biental, que procuram um equilí-
brio m aior, difuso, na organização da cidade, através do respeito a todas
as form as de vida (água, ar, solo, pessoas, fauna, flora). A função social
será obtida se tam bém respeitar esse equilíbrio e essa sustentabilidade
indicada. O inciso VI indica o que se deve evitar na ordenação e controle
de uso do solo. D esobedecer a esse inciso, significa descum prir a função
social, ou seja, o Poder Público m unicipal deverá seguir rigorosam ente
esses critérios em seu ordenam ento local e o proprietário deverá obede-
cer a esses requisitos. N a leitura das alíneas “c” e “e” percebe-se, contu-
do, que o legislador com bate a subutilização ou a não utilização do im ó-
vel, deixando para a super-utilização (utilização excessiva) apenas os ca-
sos inadequados em relação à infra-estrutura urbana.
O artigo 4o dispõe sobre os instrum entos da política urbana e, parti-
cularm ente, os incisos III, IV e V determ inam quais as form as de se rea-
lizar a política urbana m unicipal. Significa dizer que o m unicípio possui
todas essas alternativas para proporcionar a realização da função soci-
al. D ivididos em planejam ento, institutos tributários e financeiros e ins-
titutos políticos e jurídicos fica claro que se induz a um a tentativa de
organizar a política urbana m unicipal através de planejam ento, coibin-
do ou estim ulando situações e atividades dos particulares através dos
institutos indicados.
A Seção II regulam enta o parágrafo 4o, do artigo 182, da C onstituição
Federal, o que significa que se houver descum prim ento da função social
da propriedade pelo não obedecim ento dos dispositivos determ inados
para dada propriedade, a conseqüência desfavorável deverá ser aplicada
na form a e nos casos previstos pela M agna C arta com plem entados por
esse projeto de lei. O título da Subseção I indica “Do parcelam ento,
edificação ou utilização com pulsórios”, acrescentando este últim o visto
que a C onstituição Federal, no artigo 182, parágrafo 4o, I não o tem . N ão
há problem a nesse acréscim o, pois a leitura do próprio parágrafo 4o m os-
tra que deverão sofrer punição, em alguns casos, os im óveis não utiliza-
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dos. Portanto, nada m ais claro que induzir ao uso, quando assim se en-
tender com o necessário. A subutilização é esclarecida pelo parágrafo 1o,
do artigo 5o, indicando duas possibilidades: aproveitam ento inferior ao
m ínim o estabelecido ou se utilizado em desacordo com a legislação urba-
nística ou am biental (por exem plo, atividade im própria). N ote-se que, m ais
um a vez, não foi considerada a possibilidade de super utilização do im ó-
vel com o form a de descum prir a função social da propriedade. O artigo
6o instrum entaliza a form a com o ocorrerão as notificações resultantes
desses descum prim entos. O s artigos 7o e 8o com plem entam as inform a-
ções e diretrizes necessárias para aplicação do artigo constitucional.
A Seção III, que trata do usucapião especial de im óvel urbano, prevista
na nossa C arta Suprem a, em seu artigo 183, reflete, justam ente, a não
utilização pelo proprietário de seu im óvel, de seu descuido para com seu
bem . D evem os, porém , observar que nem todas as situações são de fácil
resolução, pois m uitas vezes ocorre a invasão da propriedade por grandes
grupos de pessoas, dificultando a rem oção, fazendo com que a situação
saia da esfera particular e torne-se pública, pois transform a-se em um
problem a social. Tais am eaças à propriedade não podem encontrar res-
paldo no Poder Público e por isso m esm o é que o proprietário, que teve
sua propriedade invadida, deverá usar os instrum entos legais para reavê-
la e im pedir que os invasores obtenham , futuram ente, esse instituto do
usucapião. A s sanções para os que não utilizam seu im óvel, descum prindo
a função social que lhe foi determ inada, são aquelas previstas apenas e
tão-som ente nos incisos do parágrafo 4o, do artigo 182, da C onstituição
Federal. Porém , o usucapião especial não deixa de ser um a grave penali-
dade para aquele proprietário que não cuidou de sua propriedade. Por
outro lado, significa um prêm io para aquele que cuidou e usou de form a
razoavelm ente adequada (m oradia) o im óvel tido com o abandonado.
C om plexo tam bém é o instituto da concessão de uso especial para fins
de m oradia, previsto na Seção IV. Esse dispositivo prevê que aquele que
habitar por cinco anos, ou m ais, im óvel público sem encontrar resistência
por parte deste, poderá solicitar essa concessão. Isso não deixa de ser
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
um a punição ao agente público om isso e ineficiente que assim o perm i-
tiu, ou não agiu m ediante o problem a apresentado, recaindo, tal pena,
no bem público que, na verdade, não lhe pertence. Se o Poder Público
quer destinar áreas públicas a assentam entos urbanos, pode dispor de
desapropriações e de um planejam ento sobre seu território cruzando in-
form ações da m alha urbana para viabilizar as atividades dessa população.
É certo que essa concessão, bem com o o usucapião anteriorm ente descri-
to, servirá, num prim eiro m om ento, para regularizar as favelas (art. 16).
Porém , o Poder Público, de form a geral, deverá ter m uita responsabilida-
de para não transform ar essa concessão em instrum ento de m anipula-
ção. O artigo 17 trata da transferência desses possuidores para outro
local, se aquele onde m oram está situado em área de risco. C om certeza,
essa transferência deverá ser para locais previam ente determ inados para
tal função. O bserve-se, por fim , que se alguém habita im óvel público,
sem que seja sequer notificado a sair, é porque o próprio Poder Público
não está cum prindo a função social na sua propriedade. O artigo 20 de-
term ina que, se o beneficiário da concessão não cum prir a função social
determ inada a esse im óvel (qual seja m oradia para si ou para sua fam ília
ou que rem em brem seu im óvel ) cessará o benefício.
A Seção VII, D a O utorga O nerosa, traz a possibilidade de o proprietário
construir além do que está previsto na lei com o patam ar adequado ( coe-
ficiente de aproveitam ento). A lei deve estabelecer um m ínim o e um m á-
xim o para a construção. C onstruir num nível inferior ao m ínim o significa
subutulização. C onstruir na proporção indicada em lei (atingindo o coe-
ficiente de aproveitam ento) traz adequação da propriedade. C onstruir
entre o m ínim o e o m áxim o possibilita, ao proprietário interessado, ir além
do que a regra geral dispõe para benefício próprio. O artigo 30 indica
quais são as form as das quais o Poder Público dispõe para ter a
contrapartida a esse “abuso” efetuado. D e m aneira geral, poderá ser
através de pagam entos ou de obras e serviços relevantes para a socieda-
de. N a verdade, os im óveis, nesse patam ar, ao exorbitarem do coeficiente
padrão, só conseguirão cum prir sua função social na m edida em que reali-
○ ○ ○ 78 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
zem a contrapartida solicitada pelo Poder Público. Vale dizer que, se não
houver a realização plena do ônus estipulada, tal im óvel não terá cum pri-
do sua função social. Por fim , m ais um a vez percebem os que se o im óvel
for construído acim a do lim ite m áxim o estipulado pela legislação não terá
qualquer ônus. O descum prim ento pelo excesso não é punido.
A Seção VIII trata das operações urbanas consorciadas e visa à partici-
pação da sociedade civil nas transform ações urbanísticas necessárias em
um a região. É um esforço coletivo para a realização eficaz da boa urbani-
zação. Portanto, será possível, dentro dessa estrutura, alterar índices e
características do solo e subsolo e das regularizações e alterações das
construções. Portanto, se determ inada região, delim itada no Plano D ire-
tor, sofrer a atuação de um a operação urbanística consorciada, poderão
ser alteradas as funções sociais, dos im óveis ali situados, determ inadas
em leis anteriores e no Plano D iretor. Q ualquer alteração que im ponha,
restrinja ou lim ite direitos, deverá ser aprovada por lei, pois o m ero ato
adm inistrativo não está apto para transform ar e sim , apenas para regula-
m entar, especificar, esm iuçar.
A Seção IX, D a Transferência do D ireito de C onstruir, traz um a ca-
racterística im portante. Trata o potencial de edificabilidade indicado
no Plano D iretor com o direito subjetivo do proprietário, pois, havendo
lei que regulam ente esse instituto, se o im óvel em questão não puder
ser potencializado tanto quanto a lei assim o diz, o proprietário terá
esse diferencial transferido para outro im óvel, ou seja, esse proprietá-
rio não assum e qualquer ônus nas operações urbanísticas que estão
descritas no artigo 35. Portanto, esse dispositivo deve ser entendido
não com o um a penalidade ao proprietário que ainda não se utilizou
de todo seu direito de construir em certo im óvel, m as com o um a troca
com o Poder Público, para que este realize situações de interesse cole-
tivo sem prejudicar o particular que teve seu im óvel “eleito” para tal
fato. Vê-se, com o decorrência dessa situação, um a eventual desapro-
priação ou um tom bam ento.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
N a Seção X, a função social será verificada através dos resultados do
Estudo de Im pacto de Vizinhança, que determ inará o quanto e de que
form a o em preendim ento alterará as relações circunvizinhas.
M ereceu capítulo próprio o título do Plano D iretor. C onstituído por qua-
tro artigos (arts. 39-43), traz orientações de sum a im portância para o
cum prim ento da função social da propriedade urbana. D esde logo é ne-
cessário delim itar quais são as hipóteses contem pladas com um Plano
D iretor e, assim , identificar o cum prim ento da função social e tam bém
abordar os casos não previstos para o estabelecim ento de Plano D iretor e,
desta form a, com o se realizará e identificará a função social das proprie-
dades nessas localidades.
Inicialm ente, podem os dizer: todos os m unicípios podem ter seu próprio
Plano D iretor. Não há qualquer restrição para que qualquer m unicípio ela-
bore um Plano Diretor. O corre que, em alguns casos, é obrigatória essa
elaboração. Nos casos não previstos com o obrigatórios, há a faculdade de
se elaborar tal plano. Porém , m esm o nesses casos, o Poder Público tem
obrigação de se organizar através de planos e deverá fazê-lo para ordenar
seu solo, valorar seus im óveis, restringir ou estim ular seu uso, etc.
O artigo 41 determ ina que cidades com m ais de 20 m il habitantes, inte-
grantes de regiões m etropolitanas e aglom erações urbanas, que preten-
dam utilizar os instrum entos do parágrafo 4o, do artigo 182, da C onsti-
tuição Federal, que sejam integrantes de áreas de especial interesse turís-
tico ou que estejam inseridos em área de influência de em preendim entos
ou atividades com significativo im pacto am biental de âm bito regional ou
nacional deverão ter Plano D iretor.
D as cinco hipóteses indicadas pela legislação, quatro são de caráter
obrigatório e um a possui caráter facultativo. É o caso dos m unicípios que
queiram utilizar os instrum entos do parágrafo 4o, do artigo 182, da M ag-
na C arta, que dispõe sobre as sanções ao proprietário que não utilizar do
form a adequada seu im óvel urbano. A utilização desses dispositivos, pelo
m unicípio, é um a m aneira convincente de com pelir os proprietários a cum -
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
prirem a função social. Já a im possibilidade de uso desses dispositivos, em
um m unicípio, torna m ais difícil a realização da função social em face da
ausência de m eios de pressão eficazes. C oncluindo: se não há Plano D ire-
tor, não pode haver a aplicação dos dispositivos supra-referidos, porém ,
m esm o assim , a função social dos im óveis urbanos deverá ser determ ina-
da pelo Poder Público m unicipal e realizada pelo proprietário.
A s quatro outras hipóteses agregam m unicípios que possuam caracte-
rísticas peculiares de desenvolvim ento, seja em razão de seu alto
adensam ento populacional e construtivo, ou pelos em preendim entos que
possui, ou pelo desenvolvim ento turístico que quer ter. N ão bastassem
essas características consideradas diferenciadoras, tam bém determ ina-se
a elaboração e aplicação de Plano D iretor para m unicípios com m ais de
20 m il habitantes. C onsidera-se esse volum e populacional porque enten-
de-se que, com esse tam anho o m unicípio esteja se desenvolvendo, sain-
do das atividades estritam ente agrícolas, criando algum pólo econôm ico
e, portanto, deva organizar seu desenvolvim ento.
Excluem -se da possibilidade de elaborar Plano D iretor, basicam ente, os
m unicípios que ainda não possuam 20 m il habitantes, não queiram apli-
car os dispositivos constitucionais descritos e não estejam inseridos nas
características das hipóteses obrigatórias. Parece pouco, m as não é. Pes-
quisas da década de 1980 m ostravam que 40% dos m unicípios do Estado
de São Paulo estavam nesse perfil.
D iante disso, a m ensagem que fica é a da postura corretiva do
ordenam ento urbano, ou seja, tais m unicípios podem crescer de form a
desordenada, reforçando a política do im ediatism o e quando atingirem
um a das hipóteses descritas, deverão aplicar m edidas corretivas, que acer-
tem os erros e as distorções criados pela falta de planejam ento. A postura
preventiva, através do planejam ento sistem ático, deveria ser a regra apli-
cável a todos os casos. Seja para o m unicípio desenvolvido, em desenvol-
vim ento, ou até estagnado, o Plano D iretor é instrum ento fundam ental
para direcionar seu crescim ento. Todas essas considerações refletem so-
brem aneira na realização da função social da propriedade, pois, com a
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
existência de Plano D iretor, será possível determ inar a im portância dos
im óveis para a coletividade.
N o C apítulo VI, D as Disposições G erais, há um im portante avanço, pois
possibilita a utilização da ação civil pública para coibir ações que atentem
contra a ordem urbanística. É a tentativa de responsabilizar o agente pú-
blico diante da om issão, do descaso e da irresponsabilidade perante a
política urbana.
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA CIDADENadia Som ekh 49
N o recém -aprovado Estatuto da C idade (Projeto de Lei 5.788), o objeto
da Política U rbana é ordenar o pleno desenvolvim ento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana, garantindo o bem -estar de seus habi-
tantes. N o entanto, com o aponta Saule Jr. (1997), a função social repre-
senta um interesse difuso, pois não há com o identificar os sujeitos afeta-
dos por essa função social.
A C onstituição de 1988 definiu lim ites para o D ireito de Propriedade em
benefício da coletividade. Se analisarm os a legislação edilícia ou urbanís-
tica, de âm bito m unicipal, poderíam os afirm ar que já se trata de lim ites
estabelecidos ao próprio direito de propriedade. Entretanto, não é bem
isso que a H istória do pensam ento urbanístico nos m ostra. M esm o com
lim itações ao direito de propriedade, o urbanism o vem servindo a inte-
resses claros e nem sem pre da m aioria dos cidadãos.
Este texto está dividido em três partes. A prim eira descreve o desenvol-
vim ento das cidades e do urbanism o, apontando os principais problem as
a serem enfrentados hoje por um A dm inistração M unicipal. A segunda
parte descreve alguns princípios para a definição da função social através
do Plano D iretor e, finalm ente, a terceira parte sinaliza o que a Lei de
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
49 A ssessora de A ção Regional da Prefeitura M unicipal de Santo A ndré e coordenadora do
Program a de Pós-graduação em A rquitetura e U rbanism o da U niversidade M ackenzie.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
D esenvolvim ento U rbano estabelece de novo para o cum prim ento da
função social da cidade e da propriedade.
N osso objetivo aqui é apontar de form a clara e concisa o que esta Lei
recentem ente aprovada trouxe de novo para o Poder m unicipal, defen-
dendo a idéia que um a Política U rbana deve objetivar o benefício da
m aioria dos cidadãos.
O Desenvolvimento das Cidades( Para o interesse de quem?)
A cidade nasce com o sede do poder. A s prim eiras cidades são resultado
claro da divisão de trabalho com o cam po. A produção de excedente no
cam po perm itiu a fragm entação da sociedade em classes, bem com o a
dom inação necessária para a apropriação desse excedente. O discurso
para essa dom inação passou de religioso a m ilitar. O s tem plos religiosos
representavam o sím bolo do poder. N a M esopotâm ia e no Egito antigos,
os reis e faraós eram divindades representantes dos deuses na terra e
responsáveis pela fertilidade e abundância das colheitas.
N as cidades gregas, a dem ocracia lim itava-se aos cidadãos –proprietári-
os. A os escravos, não se dava o direito de cidadania. N as cidades rom anas,
as instituições m ilitares dividiam o espaço do poder com as religiosas. O
poderio m ilitar traduziu-se pela busca de novas riquezas e o avanço com er-
cial e territorial am pliou o núm ero de cidades. Na Idade M édia, surge então
um a nova classe social vinculada à m ercantilização da econom ia.
A transform ação das cidades m edievais nas cidades m odernas passa,
em prim eiro lugar, pela am pliação da população. A m ercantilização das
terras rurais para aum ento do excedente e produção para o m ercado
expulsou escravos e servos para as cidades. O s trabalhadores livres e o
lucro gerado pelas atividades com erciais em expansão no m undo form a-
ram a base da produção m anufatureira. A disputa pelo espaço nas cida-
des provocou a transform ação da terra em m ercadoria. Isso com plem enta
a questão sim bólica de m anifestação do Poder na cidade.
O urbanism o m oderno surge com a cidade industrial e os problem as
decorrentes da concentração dem ográfica. A s péssim as condições de
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
habitabilidade dão um caráter predom inantem ente sanitarista às prim ei-
ras norm ativas urbanísticas. A m ão-de-obra trabalhadora industrial, am on-
toada e adensada em edifícios de aluguel, era duplam ente explosiva. À
dissem inação das doenças aliava-se a dissem inação de idéias socializantes.
A s prim eiras norm ativas de zoneam ento aparentem ente resolviam o
problem a de ordenam ento do uso e ocupação do solo. A través de m edi-
das que aparentem ente lim itavam as densidades urbanas, seria possível
controlar a alta concentração dos trabalhadores.
O zoneam ento surge na A lem anha no final do século XIX, tam bém para
separar usos e funções urbanas. O uso residencial separado do industrial
e do com ercial.
A C arta de A tenas de m eados dos anos 30 reforça a separação de fun-
ções urbanas. A lém disso, o zoneam ento serviu basicam ente para garan-
tir a previsão dos lucros a serem obtidos através de inversões im obiliárias.
N o zoneam ento de N ova Iorque, elaborado entre 1913 e 1916,a defini-
ção do volum e a ser construído, bem com o dos usos em determ inadas
áreas já socialm ente valorizadas da cidade, provocou um processo
superposto de revalorização fundiária.
A cidade é produto do trabalho e o espaço urbano não pode ser consi-
derado base ou m ero reflexo do desenvolvim ento do capital, da produ-
ção de riquezas. O espaço urbano constitui o próprio processo de acum u-
lação. Trocando em m iúdos, a produção do espaço urbano segue a lógica
da obtenção de lucro, com vários interesses conflitantes envolvidos. Isso é
essencial para se entender a cidade. Podem os citar com o exem plo os con-
flitos de interesse entre o capital industrial, e o capital im obiliário, ou com
o capital com ercial e a própria população m oradora, dentro da sua com -
posição em classes.
D entro desse quadro, não se pode entender o Estado de form a idealis-
ta. O Poder Público, ao contrário do que aparentem ente é dissem inado,
não é um a entidade abstrata ou neutra, que paira sobre a sociedade,
disposta a resolver todos os seus problem as. O Estado representa as clas-
○ ○ ○ 84 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ses dom inantes em seus m ais diversos interesses, em bora possa assum ir
com prom issos, desde que pressionado para isso, com segm entos que re-
presentem a m aioria da população.
O Estado, ao m esm o tem po que deve articular os diversos interesses
capitalistas, tem a incum bência de produzir as condições de geração de
riqueza. Se antes o Estado financiava a infra-estrutura básica de cidades,
hoje trabalha m uito m ais com novas form as de regulação para a circula-
ção e reprodução da força de trabalho.
Q uanto à form ação do preço da terra urbana, depois que sua disputa a
transform ou em m ercadoria, o Estado tem um papel fundam ental. Em -
bora divergências existam entre econom istas neoclássicos e m arxistas,
vários elem entos regulados pelo Estado contribuem para a elevação ou
redução do preço da terra urbana.
Para os econom istas neoclássicos, a propriedade da terra é vista com o
um direito natural e, portanto, livre de lim itações. Para os m arxistas, a
terra não tem valor, m as adquire um preço, apontando que o problem a
não reside na propriedade da terra, m as na diferenciação espacial urba-
na, cerne da supervalorização fundiária. Para os neoclássicos, o preço da
terra form a-se através do nível de investim ento, da acessibilidade e do
potencial construtivo, sendo que o consum idor final é quem determ ina o
preço da terra. Para os m arxistas, o processo de acum ulação estrutura a
cidade, não sendo o consum idor final que determ ina o preço, m as a de-
m anda capitalista pela terra urbana.
O que assistim os hoje no desenvolvim ento das cidades é que, com o na sua
origem , a cidade continua sendo a sede do Poder, com andada pelo Estado,
que representa os interesses econôm icos e que pode, através de instrum en-
tos de regulação, am pliar seus com prom issos com a m aioria da população.
Por isso, definir a função social da terra urbana significa com prom eter o Esta-
do com a m aioria da população. Com o isso pode ser realizado?
Definição da Função Social através do Plano DiretorA cidade é um produto social. Todos nós contribuím os para o desen-
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
volvim ento das nossas cidades, por exem plo, através dos im postos que
pagam os. E, com o vim os, alguns poucos beneficiam -se dela. Portanto, é
plenam ente aceitável a proposição de m ecanism o de recuperação da va-
lorização im obiliária produzida socialm ente.
Q uais os problem as que surgem de um processo de desenvolvim ento
das cidades com o vim os na parte anterior? O Estado, atendendo princi-
palm ente aos interesses das classes dom inantes, investe os recursos obti-
dos, por exem plo, através da receita tributária, nas áreas onde residem ou
produzem esse m esm o segm ento da sociedade, criando áreas de valori-
zação diferenciada.
A lém disso, através da regulação urbanística que serve para garantir
espaço de produção e o retorno de investim entos im obiliários, o processo
de supervalorização fundiária expulsa para longe quem não pode pagar
os preços dos lotes, ou os aluguéis das m oradias.
Portanto, concluím os que é absolutam ente essencial o papel do Poder
Público m unicipal na regulação do preço da terra, através dos investim en-
tos que devem ser distribuídos nas áreas de população de baixa renda, e
tam bém através da regulam entação urbanística que não deve reforçar a
supervalorização fundiária urbana.
O Plano D iretor é um instrum ento já previsto pela C onstituição para a
definição da função social da cidade e propriedade e de sua localização
na cidade. C oncordam os com Saule Jr. (1997), para quem a função social
da cidade estará sendo atendida de form a plena quando forem reduzidas
as desigualdades sociais, e prom ovidas a justiça social e a qualidade de
vida urbana.
O autor defende esse instrum ento constitucional, que deve servir com o
referência para im pedir ações dos agentes públicos e privados que gerem
um a situação de segregação e exclusão da população de baixa renda.
Enquanto essa população não tiver acesso à m oradia, transporte públi-
co, saneam ento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde e trabalho
dignos, não haverá com o postular a defesa de que a cidade esteja aten-
○ ○ ○ 86 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
dendo à sua função social. A crescente-se a essas preocupações a inclu-
são recente da agenda am biental articulada à questão urbana. A cidade
só cum prirá sua função social se estiverem garantidos os recursos natu-
rais para a sobrevivência das gerações futuras. C om o construir um Plano
D iretor nessa perspectiva?
Em prim eiro lugar, deve-se considerar o papel do Estado na cidade capi-
talista e não idealizá-lo. É preciso articular os diversos interesses correspon-
dentes aos diversos agentes produtores do espaço urbano. Um plano deve
ser construído considerando possíveis alianças que garantam o bem -estar
da m aioria da população. Não interessa, para a acum ulação, um a cidade
com crescentes desigualdades sociais geradoras de violência urbana.
Instrum entos de redistribuição de renda, através de inversão de priori-
dades nos investim entos, devem ser previstos, visando à dim inuição de
desigualdades existentes. Para isso, é preciso descentralizar a adm inistra-
ção e dar voz e espaço à população-cidadã na discussão de alocação dos
recursos m unicipais. Isso só é possível através de um a gestão dem ocrática
e participativa.
A priorização em favor da m aioria só poderá ocorrer através do conhe-
cim ento global dos problem as urbanos e o estabelecim ento de diretrizes
gerais, que sejam detalhados em unidades m enores, prevendo o
envolvim ento dos cidadãos organizados.
O com bate à exclusão social e à pobreza deverá incluir program as de
geração de trabalho e renda, um a vez que a reestruturação produtiva do
m undo globalizado desem prega cada vez m ais. O desenvolvim ento eco-
nôm ico deve ser repensado incluindo ações de sustentabilidade previstas
na A genda 21. A m anutenção da qualidade am biental deve ser pressu-
posto para o desenvolvim ento sustentável urbano.
Só dentro dessa perspectiva antes descrita poderá haver o cum prim en-
to da função social da cidade e da propriedade urbana. E ela deverá estar
em constante m onitoram ento previsto no Plano D iretor.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O que a Lei de Desenvolvimento Urbano Trouxe de Novopara o Poder Público Municipal?Basicam ente, a Lei de D esenvolvim ento U rbano trouxe novos poderes
para as A dm inistrações M unicipais no sentido de atender m ais plena-
m ente à função social das cidades. O prim eiro deles é a possibilidade de
aplicação do § 4o do artigo 182 da Constituição de 1988.
Esse artigo prevê a aplicação sucessiva dos seguintes instrum entos no
im óvel que não cum prir a função social definida pelo Plano D iretor:
parcelam ento, edificação ou utilização com pulsórias, IPTU progressivo no
tem po e, finalm ente, desapropriação com títulos da dívida pública.
Para a aplicação desses instrum entos, serão necessários:
• Definição no Plano D iretor das propriedades urbanas e sua respectiva
função social, que serão sujeitas à aplicação desses instrum entos;
• Definição, através de lei m unicipal específica, das exigências con-
cretas para a propriedade urbana atender a sua função social, bem
com o os procedim entos e prazos para o cum prim ento das exigênci-
as (Saule Jr.,in: Fernandes, 1998).
A concessão de uso especial para fins de m oradia poderá garantir que
a população de baixa renda, das favelas localizadas em áreas públicas,
não seja expulsa após a im plantação de program as de urbanização e
requalificação urbana.
A separação do D ireito de Superfície do D ireito de C onstruir é um m e-
canism o eficiente de recuperação da valorização im obiliária, criada social-
m ente e, historicam ente, apropriada por poucos. A lém disso, a possibili-
dade de transferir o direito de construir constitui-se num m ecanism o de
garantia de preservação de áreas históricas ou de qualidade am biental
(áreas de m ata ou m ananciais de água).
O Direito de Preem pção perm ite ao Poder Público m unicipal a prerrogati-
va na obtenção de áreas estratégicas ao desenvolvim ento da cidade, bem
com o a m anutenção do preço do im óvel livre de processos especulativos de
○ ○ ○ 88 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
valorização fundiária e im obiliária. A articulação regional de m unicípios
conurbados perm itirá a gestão com partilhada de serviços e infra-estrutura,
além de prever um desenvolvim ento econôm ico integrado.
Finalm ente, é im portante destacar que a Lei de D esenvolvim ento U rba-
no, recentem ente aprovada, serve principalm ente para a obtenção de
um a gestão dem ocrática da cidade, favorecendo as A dm inistrações M u-
nicipais que têm o com prom isso de garantir um a m elhor qualidade de
vida urbana para a m aioria dos seus cidadãos.
Referências BibliográficasFERN A N D ES, Edesio (organizador).Direito urbanístico . Belo H orizonte:
D el Rey, 1998.
SA U LE Jr., N elson (coord.).Direito àcidade : trilhas legais para o direito a
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DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVELAn a Lucia An cona 50
O artigo discute brevem ente a eficácia do zoneam ento com o política ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
50 A rquiteta, urbanista, doutoranda da FA U /U SP, coordenadora do Program a de Saneam ento
e Recuperação A m biental da Bacia do G uarapiranga da Secretaria de H abitação e D esenvol-
vim ento U rbano do M unicípio de São Paulo.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
dirigida à organização do espaço urbano, conform e vem sendo aplicado
no Brasil, no cam po do planejam ento e das políticas públicas de m eio
am biente, para depois com entar o Projeto de Lei 5.788/90 com o instru-
m ental para a proteção e conservação dos recursos naturais, com vistas a
um processo de desenvolvim ento urbano sustentável.
D esde o seu surgim ento, nos anos 70, a legislação brasileira, especifica-
m ente designada com o am biental, tem se caracterizado por duas abor-
dagens: o controle da poluição e a criação de áreas protegidas, tais com o
reservas ecológicas, reservas naturais, parques, A PA s, etc. Essa orienta-
ção aparece tanto no discurso e práticas governam entais quanto no
m ovim ento am bientalista. D ela decorrem , por um lado, a abordagem das
questões am bientais por m eio de políticas setoriais, com total apoio dos
am bientalistas, e, por outro, o distanciam ento entre políticas de planeja-
m ento/desenvolvim ento urbano e políticas am bientais.
M ais recentem ente, na década de 1990, com a dissem inação da idéia
de desenvolvim ento sustentável, surgem sinais de que o am bientalism o
vai envolver-se nas questões sociais e econôm icas que dizem respeito à
política de desenvolvim ento urbano. D o ponto de vista das condições
objetivas, há evidência de que as políticas territoriais voltadas para a
conservação de recursos naturais –com o patrim ônio público e condição
básica para a qualidade am biental de vida e trabalho –apresentam resul-
tados tím idos no que diz respeito aos problem as de organização dos es-
paços urbanos/m etropolitanos e de que os segm entos m ais pobres da
população são, invariavelm ente, os m ais penalizados com os efeitos da
poluição, da falta de saneam ento, das enchentes, da erosão do solo e
dem ais desastres am bientais.
Todavia, a articulação entre eco-reform ism o e m ovim entos populares
tem tido poucas oportunidades de am pliação, não som ente em função
de dificuldades no cam po am bientalista, m as, tam bém , em função do
recuo das m obilizações populares. Em m etrópoles com o São Paulo, dilui-
se a capacidade de ação coletiva diante de políticas assistencialistas e da
form a que adquire a luta por em prego e pela subsistência. A escalada da
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violência e da pobreza polarizam os m ovim entos por direitos hum anos,
em detrim ento das preocupações com o am biente coletivo. Por outro
lado, as classes privilegiadas (os “incluídos”) continuam produzindo
am enidades am bientais para si e garantindo, através do controle que exer-
cem sobre o Estado, que investim entos públicos im portantes sejam dirigi-
dos para obras viárias destinadas apenas a atender suas necessidades de
deslocam ento entre as diversas “ilhas” de excelência am biental.
Parece im provável que a alteração desse quadro possa ocorrer indepen-
dentem ente de alterações m ais profundas na correlação de forças sociais.
De qualquer m odo, a institucionalização de novos instrum entos jurídicos
de política urbana se apresenta com o oportunidade para a organização das
lutas pelo direito a cidades socialm ente m ais justas e ecologicam ente m ais
equilibradas. Nossa tarefa aqui será a de investigar algum as potencialidades
(e problem as) desses novos instrum entos, para o enfrentam ento de ques-
tões concretas relativas à organização do espaço urbano.
A Ação do Estado sobre a Organização do Espaço Urbano –Políticas Públicas de Planejamento e de Meio Ambiente
C onform e Villaça (1999:178), “...o zoneam ento é a prática de planeja-
m ento urbano lato sensu m ais difundida no Brasil.” D iferentem ente dos
planos diretores e do planejam ento integrado, que, até hoje, não passa-
ram de discursos bem intencionados, sem nenhum reflexo sobre o pro-
cesso real de produção das cidades, o zoneam ento constitui a política
pública de uso e ocupação do solo urbano m ais institucionalizada e apli-
cada nas cidades brasileiras. Todavia, apesar de ser efetivo e de ser dirigi-
do ao controle/lim itação das possibilidades de aproveitam ento das pro-
priedades urbanas –teoricam ente em prol de garantias de qualidade de
vida para cidadãos, incluído o equilíbrio am biental –, os zoneam entos são
ineficazes para resolver grande parte dos problem as urbanos, em especial
aqueles relacionados com as dem andas dos setores populares referentes
a habitação, transporte, saúde, saneam ento, equipam entos com unitá-
rios, etc. Por quê?
• 91 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
M esm o quando abrange a totalidade do espaço urbano, com o no caso
do M unicípio de São Paulo, o zoneam ento funciona com o instrum ento
de disciplinam ento do uso do solo apenas nos bairros ocupados pelasclasses de m aior renda, onde ele de fato é dem andado, estabelecendo
referências e garantias para a atuação do m ercado im obiliário form al,
preservando o valor de uso dos im óveis e a qualidade de vida das elites.
N as dem ais áreas, que constituem a m aior parcela do espaço intra-urba-
no, o zoneam ento não é atendido, porque seus padrões são estabeleci-
dos em função das dem andas das elites –m uito acim a das necessidades
básicas da m aioria –e seu resultado é perverso para as classes populares,
pois define a irregularidade/clandestinidade dos seus bairros e das suas
m oradias (Villaça, 1999).
Por outro lado, ainda que, teoricam ente, os planos diretores tenham a
função de orientar os investim entos públicos e de expressar, através do
zoneam ento, relações de equilíbrio entre a capacidade da infra-estrutura
urbana, os condicionantes do m eio físico e o aproveitam ento dos terrenos,
suas disposições não se efetivam , por m ais detalhados e bem elaborados
que sejam os planos. Esse fracasso dem onstra os lim ites da racionalidade
técnica diante da lógica do processo político, no qual se resolvem as ques-
tões da distribuição dos fundos públicos e do patrim ônio am biental. É essa
lógica que define de fato a distribuição desigual dos investim entos entre as
classes sociais e, em função da segregação espacial das elites (Villaça, 1999),
entre as diferentes porções do território urbano.
N o cam po das políticas públicas de m eio am biente, o zoneam ento
am biental aparece com o o principal instrum ento de organização do es-
paço. O zoneam ento am biental não é definido na legislação que regula-
m enta os instrum entos da Política N acional do M eio A m biente, constan-
tes da Lei Federal 6.938/81. Todavia, seu sentido pode ser deduzido das
ações governam entais que estabelecem zonas de proteção de m ananci-
ais, áreas de preservação perm anente, áreas de proteção am biental, zo-
nas de vida silvestre, etc. Em outras palavras, trata-se de instrum ento que
estabelece lim itações adm inistrativas para o aproveitam ento dos terre-
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nos, sendo um equivalente do zoneam ento urbanístico. A m bos sofrem
dos m esm os problem as. O u seja, som ente se efetivam quando são de-
m andados pelos interesses dos proprietários da terra e, nos dem ais casos,
chegam a ter efeito contrário a seus objetivos. Em blem ático é o caso das
áreas de proteção dos m ananciais de água da Região M etropolitana de
São Paulo, onde se im puseram exageradas restrições ao aproveitam ento
do solo, contrariando os interesses da propriedade, desvalorizando os
terrenos e induzindo sua ocupação pelos segm entos m ais em pobrecidos
da população, da form a m ais precária.
D ada a im portância da preservação da água, um recurso natural essen-
cial para a vida e trabalho na m etrópole, e o fato de que a legislação de
proteção dos m ananciais encontra-se em processo de revisão, apresenta-
rem os com entários sobre as possibilidades de aplicação de alguns instru-
m entos de política urbana, propostos pelo Projeto de Lei 5.788/90 , na
política de proteção dos m ananciais.
Legislação de Proteção aos Mananciais de Água da RegiãoMetropolitana de São PauloA Legislação de Proteção dos M ananciais da Região M etropolitana de
São Paulo - LPM foi editada entre 1975 e 197751, com o desdobram ento
do Plano M etropolitano de D esenvolvim ento Integrado - PM D I/71 e da
política pública para Á reas M etropolitanas, form atada em nível federal,
durante o governo G eisel. Sua aplicação foi atribuída à Secretaria de
N egócios M etropolitanos do Estado de São Paulo e à Em plasa, com o seu
órgão técnico; à C etesb, órgão da Secretaria de O bras e M eio A m biente,
e à Secretaria da A gricultura.
A proposta não recebeu críticas dos setores organizados da sociedade
durante o período da sua aprovação. Foi defendida pelo discurso com pe-
tente dos especialistas em planejam ento e controle da poluição, com o
apoio dos envolvidos na em ergente causa da preservação am biental. O
m om ento era de grandes investim entos públicos em infra-estrutura para ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
51 Leis Estaduais 898/75 e 1.172/76; D ecreto Estadual 9.714/77.
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o desenvolvim ento e, aparentem ente, o Estado assum ia os custos da pro-
teção dos m ananciais. N a prática, a LPM não tinha com prom issos com
projetos e investim entos em despoluição ou criação, pelo Estado, de Par-
ques ou Reservas de Recursos N aturais.
A preservação dos m ananciais deveria ser garantida pela im posição de
restrições adm inistrativas ao uso e ocupação do solo. O s lim ites de apro-
veitam ento, para qualquer tipo de atividade, foram estabelecidos de acor-
do com a capacidade natural das bacias hidrográficas protegidas de assi-m ilar cargas poluidoras. Lim ites tão restritos deveriam ser “assim ilados”
por 26 m unicípios, dos quais 7 estão inteiram ente inseridos nas áreas
protegidas, bem com o por m oradores, em presários, agricultores e pro-
prietários de terra.
O s conflitos com interesses concretos, definidos pela LPM , geraram , por
parte dos atores envolvidos, estratégias contraditórias, que variaram da
derrogação da lei à busca de direitos na Justiça. Em torno de 1985, no
contexto da redem ocratização, a questão da proteção dos m ananciais
voltou a se instalar na agenda governam ental, com o não equacionada e
m al resolvida. A fiscalização das restrições da LPM exige um exagero de
recursos e se apresenta com o tarefa ingrata para os governantes eleitos
pela m aioria.
A nova ordem constitucional, a partir de 1988, confirm ou a com petên-
cia dos m unicípios para estabelecer sua política de desenvolvim ento ur-
bano, com base no Plano D iretor, m as, com plem entarm ente, a C onstitui-
ção Estadual de 1989 reafirm ou a necessidade de com patibilização dos
planos e program as m unicipais aos de interesse regional, ressalvando
que: “... o Estado, no que couber, com patibilizará os planos e program as
estaduais, regionais e setoriais de desenvolvim ento com o Plano D iretor
do M unicípio e as prioridades da população local”.
Na década de 1990, novos atores entraram no debate sobre a revisão
da LPM . C om a regulam entação da Lei 7.663/91, da Política Estadual de
Recursos H ídricos, as prefeituras e a sociedade civil tornaram -se
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
institucionalm ente parceiras do governo do Estado na gestão dos recur-
sos hídricos e, em especial, das áreas de m ananciais.
O s princípios básicos da nova Política de Recursos H ídricos são: seu reco-
nhecim ento com o bem público de valor econôm ico, cuja utilização deve
ser cobrada, e o gerenciam ento descentralizado, participativo e integrado.
Para viabilizar a aplicação desses princípios, foram encam inhados dois
tipos de m edidas:
a) a divisão do território estadual segundo suas grandes bacias
hidrográficas, que passam a se organizar com o unidades de gestão
dos recursos hídricos, contando cada um a delas com um órgão
colegiado, consultivo e deliberativo, constituído, de form a tripartite,
por representantes do governo do Estado, das prefeituras e da so-
ciedade civil;
b) o encam inham ento à A ssem bléia Legislativa do Projeto de Lei 20/
98, que dispõe sobre a cobrança pelo uso da água.
A unidade de gestão na qual está inserida a G rande São Paulo é a a Bacia
Hidrográfica do A lto Tietê, envolvendo 36 dos 39 m unicípios da Região
M etropolitana. Sua delim itação abrange 5.895 km ², correspondendo a 75%
do território e a 93% da população da Região M etropolitana de São
Paulo –RM SP (em 1996). Seu órgão colegiado é o C om itê do A lto Tietê,
instalado em 1994. Dentre os representantes da sociedade civil que inte-
gram o C om itê do Alto Tietê incluem -se: usuários dom ésticos dos recursos
hídricos; usuários industriais; usuários agrícolas; usuários do setor de co-
m ércio, serviços e lazer; entidades am bientalistas; representantes de associ-
ações técnicas especializadas em recursos hídricos; representante de sindi-
cato de trabalhadores com atuação em recursos hídricos; representante da
universidade e representante do M inistério Público.
D adas a com plexidade da gestão dos recursos hídricos da m etrópole e
as peculiaridades das suas sub-regiões, o C om itê do A lto Tietê criou cinco
subcom itês, correspondendo às sub-bacias: G uarapiranga, Billings,
C antareira, C abeceiras e Pirapora.
• 95 ○ ○ ○
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A vinculação entre os C om itês de Bacias H idrográficas e as leis de prote-
ção de m ananciais foi regulam entada pela Lei 9.866/97, apresentada pelo
governo com o “a nova lei de m ananciais”. Trata-se de um a lei para todo
o Estado, que estabelece diretrizes e norm as gerais para a elaboração de
leis específicas de proteção e recuperação dos m ananciais, sem revogar a
LPM , que continua em vigor na RM SP.
A s dificuldades de aplicação da LPM constituíram a principal referên-
cia para a elaboração da Lei 9.866/97. A pós sua aprovação, o processo
de revisão da política de proteção dos m ananciais passou a se desenvol-
ver, segundo a divisão da Bacia do A lto Tietê em cinco subcom itês, ou
seja, cada sub-região deverá ter aprovada um a lei estadual específica
de proteção de m ananciais. A prioridade para essas leis específicas refe-
rem -se às Bacias dos Reservatórios G uarapiranga e Billings, onde se ve-
rificam , ao m esm o tem po, os m aiores graus de irregularidade diante da
legislação de proteção e altos graus de com prom etim ento dos recursos
hídricos protegidos.
Encontra-se atualm ente em discussão, no subcom itê do G uarapiranga,
um a m inuta de lei específica para proteção e recuperação da Bacia com o
m anancial de interesse regional para o abastecim ento público.
A Proposta de Lei Específica do Guarapiranga e os Instru-mentos de Política Urbana do Projeto de Lei 5.788/90C om o se viu, a LPM constitui um a lei de zoneam ento do tipo “que não
pega”, ou seja, que não se efetiva porque não é dem andada pelas classes
de alta renda e interesses im obiliários (ainda que isso aconteça em algu-
m as localizações), e com o agravante de cham ar para a com petência es-
tadual toda a legislação de parcelam ento, uso e ocupação do solo, ultra-
passando os lim ites do interesse local/com petências m unicipais.
A proposta da A PRM - G uarapiranga, em discussão, procura superar os
problem as da ineficácia da LPM e do com prom etim ento real da qualidade
das águas do m anancial, por m eio das estratégias estabelecidas pela Lei
9.866/97:
○ ○ ○ 96 •
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• Aprovação de Plano de D esenvolvim ento e Proteção A m biental –
PDPA para a Bacia.
• C ontrole do uso e ocupação do solo por m eio de um m a-
crozoneam ento, a ser estabelecido por lei estadual e detalhado por
legislação m unicipal.
• G estão integrada, descentralizada e participativa, através do
subcom itê da Bacia C otia -G uarapiranga e do C om itê do A lto Tietê.
O Plano do G uarapiranga apresentado à discussão foi elaborado junto
com o Program a de Saneam ento A m biental do G uarapiranga, que vem
sendo im plem entado desde 1992.
O Program a, orçado em aproxim adam ente U S$ 300 m ilhões, obteve
financiam ento do Banco M undial, sendo custeado pelo governo do Esta-
do e Prefeitura de São Paulo. C onsiste num conjunto de obras de infra-
estrutura sanitária e urbana (80% dos recursos), de ações de preservação
am biental (10% dos recursos) e de projetos relativos à gestão da Bacia
(10% dos recursos). D e cada tipo de intervenção destacam -se:
• a instalação de redes, coletores, estações de tratam ento e bom -
beam ento de esgotos, além da urbanização de 168 favelas, envol-
vendo um a população de 25.000 fam ílias, na m aioria localizadas
em áreas urbanas em faixas m arginais de córregos, definidas com o
de preservação perm anente pela legislação am biental;
• a im plantação do Parque Ecológico do G uarapiranga, com 2,5 m i-
lhões de m ² (0,4% da área da Bacia);
• a elaboração de um a proposta de PD PA da G uarapiranga, com base
em diagnóstico das principais fragilidades naturais, estudos sobre
os processos de geração e depuração das cargas poluidoras e pro-
posta de m acrozoneam ento.
N ão constam do PD PA da G uarapiranga propostas de investim entos em
outros setores, com o viário, transportes, drenagem e equipam entos co-
m unitários, m as existem diretrizes para essas ações. A penas nas obras de
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reurbanização de favelas, prom ovidas pela Prefeitura de São Paulo, esses
aspectos foram tratados de form a integrada.
A m inuta de lei da A PRM –G uarapiranga (que deverá substituir a LPM ),
elaborada pela Secretaria do M eio A m biente do Estado e Secretaria de
Recursos H ídricos, está sendo discutida junto ao Subcom itê C otia-
G uarapiranga e vem suscitando questionam entos, dentre os quais desta-
cam -se:
• falta de definição em relação à regularização fundiária dos assenta-
m entos existentes, em especial daqueles beneficiados com infra-es-
trutura sanitária, e conseqüente redução do seu aporte de cargas
poluidoras à Represa;
• falta de um a política para as áreas de preservação am biental, com
reprodução dos problem as da LPM , na qual a preservação é rem eti-
da exclusivam ente à im posição de restrições adm inistrativas para o
aproveitam ento da propriedade privada;
• desconsideração do im pacto do Rodoanel M etropolitano, que de-
verá atravessar a bacia e conectar-se com algum as de suas vias de
penetração;
• reduzida delegação aos m unicípios das funções relativas à
norm atização do uso e ocupação do solo;
• falta de instrum entos de incentivo a um a ocupação não predatória e
am bientalm ente sustentável.
Todas essas questões ensejam possibilidades de aplicação dos instru-
m entos regulam entados pelo Projeto de Lei 5.788/90, ainda que a m inu-
ta de lei do G uarapiranga não faça referência explícita a nenhum deles.
N o caso da regularização fundiária, o instituto do usucapião especial de
im óvel urbano e o da concessão de uso especial para fins de m oradia
estabelecem claram ente a possibilidade da regularização, ressalvada a
previsão de rem oção para o caso de áreas de risco. N a m inuta de lei dos
m ananciais, as diretrizes apontam para a rem oção m aciça da população
○ ○ ○ 98 •
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assentada, em desacordo com as norm as am bientais, o que abrange a
quase totalidade das m oradias populares, independentem ente de esta-
rem ou não em situação de risco im ediato.
N a preservação das áreas essenciais à produção e conservação (controle
da poluição) da água, aplicam -se os institutos da transferência do direito
de construir, da outorga onerosa e do direto de preem pção. A m inuta da
lei prevê “m ecanism os de com pensação” que nada m ais são do que a
outorga onerosa. Todavia, esses m ecanism os não aparecem regulam en-
tados e pode-se prever problem as na sua aplicação. Se tom arm os com o
referência a experiência do instrum ento “operações interligadas”, já uti-
lizado pela Prefeitura de São Paulo, sabe-se que as “o.i.” estão suspensas
por ação judicial, especialm ente em função de não terem aprovado por
lei um lim ite superior para a outorga onerosa. D e acordo com o Projeto
de Lei 5.788/90, esse lim ite superior deve constar do Plano D iretor. N a
m inuta do G uarapiranga, o lim ite superior fica estabelecido apenas em
função da geração de cargas poluidoras pelo em preendim ento, sem refe-
rência a qualquer parâm etro urbanístico. Por outro lado, a aprovação das
exceções ao ordenam ento básico do uso do solo seria decidida m ediante
análise técnica de um a A gência de Bacia (ou órgão técnico estadual) e
parecer favorável do Subcom itê da Bacia, ou seja, em instâncias regio-
nais. D e acordo com o projeto de lei da política urbana, o instituto da
outorga onerosa é de com petência do m unicípio. A eventual exigência
de que a com pensação/outorga onerosa seja aprovada nas duas instân-
cias (regional e m unicipal), com binada com a exigência de lim ites defini-
dos pela Lei do Plano D iretor, para o caso da aprovação m unicipal, pode
inviabilizar o instrum ento.
O incentivo a usos com patíveis com a preservação, cujo único instru-
m ento proposto são os m ecanism os de com pensação, pode ficar prejudi-
cado em função de entraves burocráticos.
A área da A PRM - G uarapiranga, sobre a qual deverá incidir a nova lei
de proteção dos m ananciais, abrange sete m unicípios (sendo dois inte-
gralm ente) e 645.000 habitantes (IBG E, 1996). O m anancial abastece três
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m ilhões de habitantes da RM SP. C onform e concebido pela legislação es-
tadual de recursos hídricos, o sistem a de gestão desse território é consti-
tuído por dois colegiados –que contam com a participação dos usuários
da água e da Bacia, bem com o do Estado e dos m unicípios envolvidos –e
por um a instância técnico-adm inistrativa, concebida com o A gência de
Bacia, com personalidade jurídica independente do Poder Público. N a
prática, o apoio técnico aos colegiados tem sido dado pelos segm entos
que os constituem (Estado, m unicípios e sociedade civil), com centraliza-
ção de funções nas Secretarias Estaduais de M eio A m biente e Recursos
H ídricos, inclusive porque a criação da A gência depende financeiram en-
te dos recursos da cobrança pelo uso da água, que não foi aprovada. Este
é o sistem a ao qual cabe a form ulação e gestão de um a política de desen-
volvim ento sustentável, com patibilizando as necessidades e aspirações da
população da Bacia com os interesses de preservação do m anancial.
Potencialm ente, os instrum entos de política urbana do Projeto de Lei
5.788/90 podem ajudar a superar problem as do zoneam ento am biental
restritivo, e do laissez-faire predatório que ele induz. Todavia, sua aplica-
ção ao caso depende da adesão ativa dos m unicípios à política dos m a-
nanciais. Isso envolve superar o protagonism o dos órgãos setoriais do
Estado, bem com o garantir transparência e justiça social na distribuição
de custos e benefícios decorrentes das m edidas de preservação adotadas.
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bano no Brasil. red : D EA K, C saba, SC H IFFER, Sueli Ram os (orgs.).O
processo de urbanização no Brasil . São Paulo: Edusp, 1999.
APROVEITAMENTO DE RECURSOS NATURAIS NO PROCESSO DEDESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL
M aria Luiza M achado Granziera 52
O tem a deste artigo invoca conceitos do D ireito A m biental e do D ireito
U rbanístico, dois ram os recentes m as não m enos im portantes do D ireito,
pelo próprio objeto de que cuidam : as cidades e o m eio am biente. Traçar
os pontos de convergência entre as duas disciplinas, destacando alguns
tem as de interesse, com o os recursos hídricos, os resíduos sólidos e as
áreas protegidas, é o desafio proposto.
A ntes, porém , há que se estabelecer alguns conceitos, para os fins des-
te trabalho. Seguindo o entendim ento de M ichel Prieur, o m eio am bien-
te, prim eiram ente considerado com o um m odism o, um luxo para os paí-
ses ricos, um tem a de contestação doshippies dos anos 60, etc., passou a
constituir, a partir de 1992, com a realização da C onferência das Nações
U nidas sobre M eio A m biente e D esenvolvim ento Sustentável, “um a pre-
ocupação m aior não apenas dos países ricos, com o tam bém dos pobres.
A conclusão é que o hom em , com o espécie viva, faz parte de um sistem a
com plexo de relações e inter-relações com seu m eio natural, o que resulta
que toda ação hum ana possui efeitos diretos ou indiretos insuspeitáveis.
O m eio am biente é o conjunto de fatores que influenciam o m eio em que
vive o hom em ”.53
Transportando essas idéias para a cidade, não resta dúvida acerca da
intensidade das relações que se im põem entre o hom em e seu am biente,
em qualquer atividade a cum prir, na realização das funções abrangidas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
52 D outora em D ireito, m estre em D ireito Internacional, assessora jurídica da U SP e autora do
livro direito de águas e meio ambiente.53 Droit de l’environnement . 3èm e ed. Paris, D alloz, p. 1.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
pelo urbanism o e que podem ser resum idas em habitar, trabalhar, recre-
ar-se. 54 O trato direto com os recursos naturais, dessa form a, é atividade
inerente ao ser hum ano, inclusive nas cidades.
O s recursos naturais definem -se com o “os elem entos da natureza que
m antêm o equilíbrio ecológico e a vida em nosso planeta”55. N o D ireito
brasileiro, a Lei 6.938, de 31/7/1981, em seu artigo 3o, inciso V, dispõe
que são recursos am bientais “a atm osfera, as águas interiores, superfici-
ais e subterrâneas e os estuários, o m ar territorial, o solo, o subsolo e os
elem entos da biosfera, a fauna e a flora.” Trazendo esse conceito para a
cidade, há que restringir e adaptar a abordagem dos recursos am bientais
passíveis de aproveitam ento no desenvolvim ento urbano sustentável,
objeto do presente trabalho.
O Meio Ambiente no Projeto do Estatuto da CidadeO Projeto de Lei 5.788, de 1990, denom inado Estatuto da C idade, e
que regulam enta o capítulo da Política U rbana da C onstituição Federal,
estabelece, em seu artigo 2o, que a Política U rbana tem por objetivo orde-
nar o pleno desenvolvim ento das funções sociais da cidade e da proprie-
dade urbana. N as diretrizes dessa Política, fixadas no m esm o dispositivo,
tem as relativos ao m eio am biente perm eiam todo o texto, com o o sane-
am ento am biental (inciso I); a correção das distorções do crescim ento
urbano que causam im pacto no m eio am biente (inciso IV); a proteção
contra a poluição e a degradação am biental, na ordenação e controle do
uso do solo (inciso VI, g); a proteção, preservação e recuperação do m eio
am biente natural e construído, do patrim ônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico (inciso XII); a participação popular em proces-
sos de im plantação de em preendim entos e atividades com efeitos poten-
cialm ente negativos sobre o m eio am biente natural ou construído (inciso
XIII); as norm as am bientais a serem consideradas juntam ente com a situ-
ação socioeconôm ica da população na regularização fundiária e urbani-
zação de áreas ocupadas por população de baixa renda (inciso XIV). ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
54 SILVA, José A fonso da.Direit o urbanístico brasileiro . 2ª ed. São Paulo: M alheiros, 1995, p. 25.55 M EIRELLES, Hely Lopes.Direito ambiental brasileiro . 21ª ed. São Paulo: M alheiros, 1996, p. 501.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A lém disso, dentre os instrum entos da Política U rbana, definidos no arti-
go 4o do Projeto, encontram -se expressam ente citados alguns instrum en-
tos da própria Política Nacional do M eio Am biente, com o o zoneam ento
am biental (inciso III, c) e o Estudo Prévio de Im pacto A m biental –Epia,
assim com o o Estudo Prévio de Im pacto de Vizinhança –Epiv (inciso VI).
N o que tange ao parcelam ento, edificação ou utilização com pulsórios,
objeto do artigo 5o, a utilização de um im óvel em desacordo com a legis-
lação urbanística e am biental constitui critério de subutilização (inciso II).
Saliente-se ainda que um a das hipóteses de Transferência do D ireito de
C onstruir constitui a preservação do im óvel declarada pelo Poder Público,
quando este for considerado de interesse histórico, am biental, paisagístico
social ou cultural (art. 35, inciso II).
A lém dos dispositivos expressam ente citados, a estrutura do projeto dá
ensejo a que o desenvolvim ento urbano ocorra considerando-se, entre
outros princípios, o do desenvolvim ento sustentável, que surgiu no plano
internacional, sendo posteriorm ente adotado pelas legislações internas.
Desenvolvimento SustentávelA C onferência de Estocolm o56 sobre M eio A m biente, realizada em 1972,
estabeleceu, em seus princípios, o planejam ento racional e a adoção, pe-
los Estados, de um a concepção integrada e coordenada do planejam ento
de seu desenvolvim ento, para com patibilizar a necessidade de proteger e
de m elhorar o am biente, no interesse de sua população. O princípio 13
preconizou que “a fim de lograr um ordenam ento m ais racional dos re-
cursos e, assim , m elhorar as condições am bientais, os Estados deveriam
adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu de-
senvolvim ento, de m odo a que fique assegurada a com patibilidade do
desenvolvim ento com a necessidade de proteger e m elhorar o m eio am -
biente hum ano, em benefício da população”.57
A té então, no Brasil, assim com o em todo o Terceiro M undo, o desen- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
56 A nexo 2.1 do livro A gestão da água . Lisboa: Fundação C alouste G ulbenkian, 1980.57 SILVA , Luiz Eulálio N ascim ento e.Direito ambiental internacional , p. 164.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
volvim ento econôm ico constituía a grande prom essa para tirar o País da
situação de subdesenvolvim ento e “alçá-lo” à categoria de Estado “de-
senvolvido”. A idéia do crescim ento econôm ico tinha, portanto, priorida-
de sobre qualquer outra preocupação que pudesse vir à baila, inclusive o
m eio am biente.
A C onferência da O rganização das N ações U nidas - O N U , de 1972, es-
tabeleceu um m arco im portantíssim o, pois, pela prim eira vez, em âm bito
m undial, m ostraram -se os problem as am bientais resultantes do desen-
volvim ento e da industrialização sem planejam ento e cautela na preserva-
ção dos recursos naturais.
Esse direcionam ento de ações voltadas ao progresso das relações eco-
nôm icas, que ocorreu em vários países, em detrim ento da proteção
am biental e as reflexões sobre os efeitos de tais atividades, principalm en-
te nas projeções do futuro, levaram os estudiosos à form ulação do con-
ceito de desenvolvim ento sustentável, em que se perm ite e se encoraja o
desenvolvim ento, desde que de form a adequada às norm as de proteção
am biental.
No que se refere ao cam po conceitual da expressão “desenvolvim ento
sustentável”, G eraldo Eulálio do N ascim ento e Silva esclarece que a Com is-
são M undial sobre M eio Am biente e D esenvolvim ento, criada na O NU com
o objetivo de propor novas m edidas tendentes a com bater a degradação
am biental e a obter m elhoria das condições de vida das populações caren-
tes, convencionou denom inar desenvolvim ento sustentável “o desenvolvi-
m ento capaz de garantir as necessidades do presente sem com prom eter a
capacidade das gerações futuras de atenderem às suas necessidades”.58
N a D eclaração do Rio de Janeiro sobre M eio A m biente e D esenvolvi-
m ento, de 1992, a expressão “desenvolvim ento sustentável” é citada em
todos os docum entos, principalm ente na A genda 21. Repetida várias ve-
zes, a expressão enfatiza a idéia de que o desenvolvim ento econôm ico
deve, necessariam ente, incluir a proteção do m eio am biente, em todas as
suas ações e atividades, para as gerações atuais e futuras. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
58 Idem , p. 48.
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Sobre o desenvolvim ento das cidades, a D eclaração de D ublin sobre
Recursos Hídricos e D esenvolvim ento Sustentável, de 1992 59, assim m a-
nifesta-se sobre o desenvolvim ento urbano sustentável, considerando seu
im pacto nos recursos hídricos: “O crescim ento urbano está hoje am eaça-
do pelo esgotam ento e poluição das reservas hídricas, causados pelo
desregram ento do passado. A pós um a ou m ais gerações de uso excessivo
e im prudente, lançam ento de esgotos urbanos e industriais, a situação da
m aioria das grandes cidades do m undo é cada vez m ais dram ática. A
escassez de água e sua poluição forçam o aproveitam ento de recursos
cada vez m ais distantes, o que torna o atendim ento das dem andas m ais
oneroso, com custos m arginais rapidam ente crescentes. A garantia de
suprim ento futuro de água precisa basear-se na cobrança pela sua utiliza-
ção, inclusive para o lançam ento de efluentes, assim com o no controle
apropriado das descargas de poluentes. A contam inação residual da água
e do solo não pode ser vista com o preço a pagar pelo crescim ento indus-
trial em um a atitude de condescendência em face dos em pregos e da
prosperidade que ela proporciona60”.
A C onferência das N ações U nidas sobre A ssentam entos H um anos
(H abitat II) estabelece, em seu capítulo II, que “o desenvolvim ento sus-
tentável dos núcleos populacionais garante o desenvolvim ento econôm i-
co, oportunidades de em prego e progresso social, em harm onia com o
m eio am biente. Incorpora, juntam ente com os princípios da D eclaração
do Rio de Janeiro sobre M eio A m biente e D esenvolvim ento, os quais são
igualm ente im portantes, outros princípios, estabelecidos pela C onferên-
cia das N ações U nidas sobre M eio A m biente e D esenvolvim ento, com o o
princípio da precaução, da prevenção contra a poluição...” .
O desenvolvim ento urbano enseja duas acepções: o quantitativo, que é
o crescim ento da população e da área ocupada, e o qualitativo, que con- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
59 Extraída da C onferência Internacional sobre Recursos H ídricos e M eio A m biente: Tem as
para D iscussão do D esenvolvim ento do Século XXI, realizada em D ublin, Irlanda, em 1992.60 M IN ISTÉRIO D A S RELAÇ Õ ES EX TERIO RES. Instituto Latino-A m ericano, PN U D .Qualidade e
gestão da água . Síntese do Sem inário Q ualidade e G estão da Á gua: Busca de um M odelo
Integrado para C ooperação Internacional, São Paulo, 1993.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
siste na m elhoria da estrutura urbana, com a proteção dos recursos natu-
rais e m elhores índices de rendim ento dos fatores de produção, o que
repercute na qualidade de vida dos m oradores.
“O crescim ento das cidades e vilas causa m udanças sociais, econôm icas
e am bientais, que alcançam o seu entorno.”61 Se for apenas quantitati-
vo, sem o necessário planejam ento e organização das cidades, pode oca-
sionar toda sorte de problem as, destacando-se, em face do presente tem a,
a poluição hídrica; o acúm ulo de lixo em locais não apropriados, pondo
em risco a saúde pública; o desm atam ento; a falta de áreas verdes e de
proteção am biental e o com prom etim ento da fauna, dentre outros.
O que se pretende, com a edição do Estatuto da C idade, é justam ente
garantir o desenvolvim ento qualitativo, em que, m esm o que haja um cres-
cim ento da população, isso não venha a com prom eter a qualidade de
vida e o m eio am biente das atuais e futuras gerações.
Recursos HídricosAbastecimento e Saneamento Básico
O acesso à água, entendido nos dias atuais com o abastecim ento públi-
co, constitui um a das principais condicionantes da perm anência de um a
população em determ inado local. A o longo da história, as civilizações
desenvolveram -se em locais próxim os de rios e lagos62. A Lei 9.433, de 8/
1/1997, que instituiu a Política N acional de Recursos H ídricos, estabelece,
em seu artigo 1o, inciso III, que, em situações de escassez, o uso prioritário
dos recursos hídricos é o consum o hum ano e a dessedentação de ani-
m ais. N o âm bito das cidades, a prioridade para os recursos hídricos é o
abastecim ento público.
A tualm ente, com a aglom eração das populações em grandes centros,
dois fatores relativos aos recursos hídricos invocam m aiores atenções: o
abastecim ento de água e o afastam ento dos esgotos. Esses dois tipos de
utilização das águas –derivação para consum o e lançam ento de efluentes, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
61 The H abitat A genda - G oals and Principles, C om m itm ents and G lobal Plan or A ctions, p. 2.62 CAPO NERA, Dante.Principles of water law and administration . Rotterdam : Balkem a, 1992, p. 1
○ ○ ○ 106 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
que são as “águas servidas que saem de um depósito ou de um a estação
de tratam ento”63 –incluem -se no conceito de saneam ento.
Se os esgotos não são subm etidos a processo de tratam ento, com a
correta disposição final dos lodos resultantes das estações de tratam ento,
o aspecto qualidade, que constitui o conjunto das “propriedades físicas,
quím icas e biológicas da água”64, fica com prom etido, cabendo ao Poder
Público buscar novos m ananciais, cada vez m ais distantes, o que enseja
m aiores investim entos.
Por isso, ainda que haja abundância do recurso em determ inada região,
há usos extrem am ente exigentes no que toca à qualidade, o que é justa-
m ente o caso do abastecim ento para consum o hum ano. A ssim , pode
faltar água não em volum e ou quantidade, m as na qualidade necessária à
utilização desejada.
U m a questão a colocar é que se o abastecim ento de água tem índices
razoáveis de atendim ento à população, o m esm o não acontece com a
coleta de esgotos, o que com prom ete a saúde pública e o m eio am bien-
te, constituindo, hoje, um dos grandes problem as enfrentados pelas po-
pulações.
Canalização de Córregos e Combate a Enchentes
A água, em contrapartida à sua essencialidade para a vida no planeta,
tam bém pode provocar efeitos danosos, com o as enchentes e a transm is-
são de doenças por vetores hídricos. É certo que, quanto m aior a inter-
venção do hom em na natureza, sem os devidos cuidados, m aiores os
riscos de ocorrência de danos. Em um a cidade, esse risco m ultiplica-se, à
m edida que os corpos hídricos encontram -se fisicam ente m uito próxim os
das vias e das habitações, isto é, da população.
N o Brasil, com o rem édio para as enchentes, partiu-se para a técnica da
canalização dos córregos, até porque os m esm os, recebendo esgoto in
natura , suscitam inclusive a dúvida quanto à perm anência de sua própria ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
63 D N A EE, G lossário, p. 47.64 D N A EE, G lossário, n.1.200.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
natureza de rio, o que, por m ais absurdo que possa parecer, é a realidade
com a qual convivem os.
Nessa ordem de idéias, discute-se, por exem plo, se as m argens dos córregos
canalizados constituiriam áreas de proteção perm anente, nos term os do
artigo 2o do C ódigo Florestal, Lei 4.771, de 15/9/1965; artigo 18 da Lei
6.938, de 31/7/1981; Decreto 89.336/84 e Resolução C onam a 4/84, diplo-
m as legais que estabelecem as restrições para a utilização das áreas de
proteção perm anente, das quais fazem parte as m argens dos rios.
Parece que essa delicada questão não pode ser solucionada de form a
genérica, pois em bora a legislação proíba a ocupação das áreas de preser-
vação perm anente, há inúm eros córregos canalizados, com avenidas em
seu redor e toda um a consolidação do cenário urbano, que não parece
viável derrubar, m uito em bora essa ocupação tenha ocorrido em desres-
peito à lei.
Já em projetos a serem im plantados, aí sim , cabe um a análise m ais
aprofundada, no processo de licenciam ento am biental, sobre as alterna-
tivas de uso e ocupação das áreas que m argeiam os córregos, ainda que
canalizados, pois o rio não deixou de existir. Se for estancado o despejo
de águas poluídas e outros resíduos, ele voltará à sua condição original. A
discussão, nesse passo, deve inclusive abordar a não canalização do
córrego, buscando-se outras alternativas, com o, por exem plo, a criação
de um parque que possa represar as águas da enchente, sem causar da-
nos à cidade.
N a canalização, a velocidade das águas aum enta, e dim inui o tem po de
chegada das águas do afluente ao corpo receptor, o que pode aum entar
a inundação. N o processo de licenciam ento, essa questão deve ser discu-
tida, na busca de soluções viáveis e seguras para a população e o próprio
desenvolvim ento das cidades.
No que se refere às com petências sobre as obras públicas relativas à cana-
lização de córregos, cabe lem brar que a Constituição Federal estabelece
que as águas pertencem à União (art. 20, III) ou aos Estados (art. 26, I), em
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geral de acordo com sua localização. N ão m ais existe a figura das águas
de dom ínio m unicipal, que foram estabelecidas no C ódigo de Á guas,
porém revogadas pela C onstituição Federal de 1946. A ssim , cabe à U nião
o gerenciam ento das águas federais, e aos Estados a gestão das águas
estaduais, em tese.
Essa divisão, porém , não é tão clara no que se refere à adm inistração
dos recursos hídricos, quando se trata dos córregos que se iniciam e ter-
m inam em um único m unicípio. Em geral, a adm inistração desses corpos
hídricos, em bora pertença aos Estados, constitui atribuição dos m unicí-
pios, basicam ente por costum e, de acordo com arranjos institucionais não
escritos.
D e qualquer m odo, cabe aos m unicípios tom ar as m edidas voltadas a
im pedir a ocorrência das enchentes. D essa form a, a responsabilidade por
inundações divide-se entre o Estado e o m unicípio, sem que haja um a
delim itação m ais concreta sobre a m atéria. É, portanto, necessária a arti-
culação entre Estado e m unicípios, pois ações isoladas não têm sido sufi-
cientes para resolver esse grave problem a.
A título de exem plo, a Lei 7.663, de 30/12/1991, que instituiu a Política
Estadual de Recursos H ídricos no Estado de São Paulo, estabelece, em seu
artigo 7o, que o Estado realizará program as conjuntos com os m unicípios,
m ediante convênios de m útua cooperação, de assistência técnica e eco-
nôm ico-financeira, com vistas ao zoneam ento das áreas inundáveis, com
restrições a usos incom patíveis das áreas sujeitas a inundações freqüentes
e m anutenção da capacidade de infiltração do solo (III); im plantação de
sistem as de alerta e defesa civil para garantir a segurança e a saúde públi-
cas, quando de eventos hidrológicos indesejáveis (IV); com bate e preven-
ção das inundações e erosão (VI).
O s Com itês de Bacia H idrográfica, criados pelas leis instituidoras das Polí-
ticas Estaduais de Recursos H ídricos, constituem os fóruns de discussão e
negociação de qualquer articulação necessária entre os Estados e os m uni-
cípios, para resolver as questões referentes às inundações, entre outras.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
N o cam po institucional, é im prescindível a participação da população
local no com bate às causas da enchente. Ressalte-se que os projetos de
canalização de córregos podem m inim izar as enchentes na região, desde
que outras m edidas, não estruturais, forem concom itantem ente tom a-
das, pois a experiência tem provado que apenas obras –m edidas estrutu-
rais –não são suficientes para tornar ideais as condições que se preten-
dem im plantar.
A s m edidas não estruturais constituem ações praticadas pelo Poder Pú-
blico e pelo particular, com o objetivo de utilizar m ais racionalm ente os
recursos hídricos, seja para dim inuir a dem anda, seja para evitar erosão,
inundações e outras catástrofes.
Limpeza Urbana
D entre as atribuições do m unicípio, a C onstituição Federal estabelece a
organização e prestação dos serviços públicos de interesse local, direta-
m ente ou sob o regim e da concessão ou perm issão (art. 30, inciso V).
D entre essas atividades, enquadram -se as relativas à lim peza urbana,
m atéria que se reporta não só à preservação do m eio am biente com o à
m anutenção da saúde pública.
A lim peza urbana abrange a coleta de lixo dom iciliar, a coleta dos resí-
duos de saúde, os serviços gerais de lim peza (varrição de vias públicas,
m anutenção de áreas verdes, pintura de guias, roçada m ecanizada,
capinação m anual, lavagem e desinfecção de feiras livres, lim peza de bo-
cas-de-lobo, entre outros), transporte, tratam ento e disposição final dos
resíduos, rem ediação e m onitoram ento dos “lixões”, utilizando tecnologias
m ais com patíveis com a realidade local, e dando um destino final
am bientalm ente seguro, tanto no presente com o no futuro.65
A lim peza de vias e logradouros públicos, assim com o a coleta de lixo
são serviços de interesse local, “de sum a im portância para a coletividade,
pois o acúm ulo de lixo nesses locais tem sido a grande causa de enchen-
tes em dias de chuvas, com o entupim ento dos bueiros responsáveis pelo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
65 JA RD IM , N . S. e outros.Lixo municipal . M anual de G erenciam ento Integrado, São Paulo,
Publicação IPT/ C em pre, 2163, 1995.
○ ○ ○ 110 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
escoam ento das águas.”66 C abe, pois, ao m unicípio, e tam bém aos cida-
dãos, cuidar para que o lixo não obstrua os bueiros e tubulações e, final-
m ente, os córregos.
Áreas de Preservação
N a noção de planejam ento urbano, é necessária a criação de espaços
verdes que garantam não só a m anutenção da flora e da fauna, sirvam de
área de drenagem , com o tam bém possam proporcionar lazer à popula-
ção. Segundo H ely Lopes M eirelles, “a preservação dos recursos naturais
se faz por dois m odos: pelas lim itações adm inistrativas de uso, gerais e
gratuitas, sem im pedir a norm al utilização econôm ica do bem , nem reti-
rar a propriedade do particular, ou pela desapropriação, individual e re-
m unerada, de determ inado bem , transferindo-o para o dom ínio público
e im pedindo a sua destruição ou degradação. Tal o que ocorre com as
reservas florestais, com as nascentes e m ananciais...”.67
D entre as várias m odalidades de áreas protegidas, entende-se que as
praças e os parques, bens públicos de uso com um , são os principais exem -
plos de form as de proteção am biental nas cidades. N essas hipóteses, cabe
a aplicação do instituto da desapropriação.
A s várzeas dos rios, ao invés de grandes avenidas com um a sim ples
canalização no canteiro central, podem ser as principais form as de garan-
tir um a bacia de acum ulação nas enchentes e, no resto do ano, servir de
praça. Em determ inados casos, pode ser tecnicam ente aconselhável a
canalização. Todavia, m esm o com o rio canalizado, se houver um espaço
verde ao redor do córrego, o im pacto visual e m esm o de proteção contra
enchentes pode ser m uito m ais efetivo.
Custo Econômico da Proteção Ambiental
U m a polêm ica questão a ser abordada, é o fato de que a proteção
am biental envolve um custo financeiro. A noção de que a reparação do
dano am biental possui um aspecto econôm ico parece não m ais suscitar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
66 M EIRELLES, H ely Lopes.Direito municipal brasileiro . 6a ed., São Paulo: M alheiros, 1993, p.
337/338.67 Idem , ibidem , p. 425.
• 111 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
discussões. A Lei da A ção C ivil Pública de responsabilidade por danos
causados ao m eio am biente, ao consum idor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico –Lei 7.347, de 24/7/
1985 –estabelece que a ação civil terá por objeto a condenação em di-
nheiro ou o cum prim ento de obrigação de fazer ou não fazer.
Sendo instrum ento da indenização pecuniária, nos casos em que é im -
possível repor as coisas ao estado anterior, o que, de resto, é o que m ais
ocorre, parece m ais fácil o entendim ento do valor econôm ico do dano
am biental.
Já a proteção do m eio am biente ou a prevenção do dano am biental
tam bém envolve custos, em bora m enores que os relativos ao dano
am biental. E em bora a C onstituição Federal disponha, em seu artigo 225,
que com pete aos Poderes Públicos tal tarefa, nem sem pre é possível alocar
todos os recursos financeiros na prevenção do dano.
A ssim , quando se fala em desenvolvim ento urbano sustentável, um a
palavra que vem à tona é a cooperação, ou a parceria, seja entre os Pode-
res Públicos seja com a participação da iniciativa privada, e que é prevista
no inciso V do artigo 2o do Projeto do Estatuto da C idade.
Várias são as form as de parceria, seja entre os Poderes Públicos ou entre
estes e a iniciativa privada. N o cenário atual, e no que se refere à preser-
vação am biental, sobretudo dos recursos hídricos, e ao equacionam ento
da questão do lixo urbano, os consórcios interm unicipais constituem um a
alternativa viável.
O s consórcios m unicipais, que atualm ente se organizam na busca de
soluções para o problem a da poluição hídrica e lim peza urbana, têm por
origem o C onsórcio de M unicípios, figura do D ireito A dm inistrativo que,
conform e H ely Lopes M eirelles68, consiste em “acordos firm ados entre
entidades estatais, em geral m unicípios, para a realização de objetivos de
interesse com um dos partícipes, com o obras, serviços e atividades de com -
petência local, m as de interesse de toda um a região”. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
68 Direito administrativo brasileiro . 21a ed. São Paulo: M alheiros, 1996, p.360/361.
○ ○ ○ 112 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C om essa cooperação associativa das m unicipalidades, reúnem -se re-
cursos financeiros, técnicos e adm inistrativos que um a prefeitura, isola-
dam ente, não possui para executar um em preendim ento desejado e de
utilidade geral para todos.
O s consórcios não possuem personalidade jurídica, isto é, não têm ca-
pacidade para exercer direito e assum ir obrigações em nom e próprio.
Essa dificuldade operacional enseja a organização de um a entidade civil
ou com ercial, paralela, que adm inistre seus interesses e realize seus obje-
tivos. N esse cenário é que foram introduzidos os atuais consórcios
interm unicipais, constituídos sob a form a jurídica de associações civis sem
fins lucrativos, em que participam m unicípios devidam ente autorizados
por m eio de leis m unicipais, inclusive no que se refere às contribuições
financeiras.
Essa figura jurídica, sob o aspecto legal, não constitui qualquer novida-
de, pois é prevista pelo C ódigo C ivil Brasileiro. A penas foi utilizada para
acom odar os interesses e necessidades das pessoas jurídicas de direito
público, notadam ente os m unicípios, com objetivos específicos, com a
finalidade de facilitar a operacionalização de projetos com uns.
Releva notar que esses consórcios, em bora sejam entidades de D ireito
privado, subm etem -se ao regim e jurídico do D ireito Público, pois rece-
bem , fundam entalm ente, contribuições advindas dos orçam entos públi-
cos m unicipais.
N os consórcios interm unicipais, além dos m unicípios, nada im pede que
em presas privadas venham deles participar, quando há interesses com uns.
Conclusão
D e tudo o que foi dito, conclui-se que para assegurar o desenvolvim en-
to urbano sustentável, é fundam ental o papel das prefeituras na busca de
alternativas viáveis e adequadas às características e particularidades de
cada m unicípio.
A estratégia de sair do isolam ento é recom endável, pois ainda que o
m unicípio seja um a pessoa jurídica de D ireito Público autônom a, as inter-
• 113 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
relações com outros m unicípios de um a m esm a bacia hidrográfica ou de
um a só região com o Estado, e tam bém com a iniciativa privada, podem
m ultiplicar os ganhos relativos à proteção e aproveitam ento dos recursos
naturais, no desenvolvim ento urbano sustentável.
PLANEJAMENTO E GESTÃO: UM DIÁLOGO DE SURDOS?Raquel Roln ik 69
N o Brasil, a institucionalização do planejam ento urbano nas Adm inis-
trações M unicipais dissem inou-se a partir da década de 1970, com a
m issão de prom over o desenvolvim ento integrado e o equilíbrio das cida-
des, em um contexto de explosão do processo de urbanização. D urante
esse período, consolidou-se a conhecida clivagem da paisagem urbana
brasileira: um contraste m uito claro entre um a parte das cidades que pos-
sui algum a condição de urbanidade, um a porção pavim entada, ajardinada,
arborizada, com infra-estrutura com pleta –independentem ente da quali-
dade desses elem entos, que, em geral, é pouca –e outra parte, norm al-
m ente de duas a três vezes m aior do que a prim eira, cuja infra-estrutura é
incom pleta, o urbanism o inexistente, que se aproxim a m uito m ais da idéia
de um acam pam ento do que propriam ente de um a cidade.
Essa clivagem apresenta-se no território sob várias m orfologias: nas im en-
sas diferenças entre as áreas centrais e as periféricas das regiões m etropo-
litanas de São Paulo ou Belo H orizonte; na ocupação precária do m angue
em contraposição à alta qualidade dos bairros da orla, em m uitas cidades
de beira-m ar; na eterna linha divisória entre o m orro e no asfalto no Rio
de Janeiro, e em m uitas outras variantes dessa cisão das nossas cidades,
que se repete perm anentem ente em nossa história e geografia urbana.
O quadro de contraposição entre um a m inoria qualificada e um a m aio- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
69 U rbanista e m estre pela Faculdade de A rquitetura e U rbanism o da U SP, PhD em H istória
U rbana pela N ew York U niversity, professora titular de Planejam ento U rbano e coordenadora
do curso de M estrado em U rbanism o da Pontifícia U niversidade C atólica de C am pinas, m em -
bro do corpo técnico do Instituto Pólis, coordenadora de Planejam ento do M unicípio de São
Paulo (1989-1992).
○ ○ ○ 114 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ria com condições urbanísticas precárias relaciona-se a todas as form as
de desigualdade, correspondendo a um a situação de exclusãoterritorial. Essa situação de exclusão é m uito m ais do que a expressão
da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: ela é agente de
reprodução dessa desigualdade. Em um a cidade dividida entre a porção
legal, rica e com infra-estrutura, e a ilegal, pobre e precária, a popula-
ção que está em situação desfavorável acaba tendo m uito pouco acesso
a oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Sim etricam ente, as opor-
tunidades de crescim ento circulam nos m eios daqueles que já vivem
m elhor, pois a sobreposição das diversas dim ensões da exclusão incidindo
sobre a m esm a população faz com que a perm eabilidade entre as duas
partes seja m uito pequena.
Esse m ecanism o é um dos fatores que acabam por estender a cidade
indefinidam ente: ela nunca pode crescer para dentro, aproveitando lo-
cais que podem ser adensados, pois é im possível para a m aior parte das
pessoas o pagam ento, de um a vez só, pelo acesso a toda a infra-estrutura
que já está instalada. Em geral, a população de baixa renda só tem a
possibilidade de ocupar terras periféricas –m uito m ais baratas porque em
geral não têm qualquer infra-estrutura –e construir aos poucos suas ca-
sas. O u ocupar áreas am bientalm ente frágeis, que teoricam ente não po-
deriam ser urbanizadas.
Esses processos geram efeitos nefastos para as cidades, alim entando
a cadeia daquilo que pode ser cham ado de um urbanismo de risco,que atinge as cidades com o um todo. A o concentrar todas as oportu-
nidades em um fragm ento apenas da cidade, e estender a ocupação a
periferias precárias e cada vez m ais distantes, esse urbanism o de risco
vai acabar gerando a necessidade de levar m ultidões para esse lugar
para trabalhar, e devolvê-las a seus bairros no fim do dia, gerando
assim um a necessidade de circulação im ensa, o que, nas grandes cida-
des, tem gerado o caos nos sistem as de circulação. E quando a ocupa-
ção das áreas frágeis ou estratégicas do ponto de vista am biental pro-
voca as enchentes ou a erosão, é evidente que quem vai sofrer m ais é
• 115 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
o habitante desses locais, m as as enchentes, a contam inação dos m a-
nanciais, os processos erosivos m ais dram áticos, atingem a cidade com o
um todo.
A concepção de planejam ento urbano, então em vigor, correspondia
à idealização de um projeto de cidade do futuro, que seria executado
ano a ano até chegar a um produto final (o m odelo de cidade deseja-
da). Seu ponto de partida era a definição de padrões adequados ou
aceitáveis de organização do espaço físico, que se consubstanciavam
em um a série de investim entos públicos e num a legislação de uso e
ocupação do solo condizente com o m odelo adotado. A im plem entação
do plano seria responsabilidade do Poder Público m unicipal, executa-
da através de investim entos em transportes, sistem a viário, infra-es-
trutura e equipam entos públicos e no controle sobre a ação dos agen-
tes privados através de disciplinas de uso do solo, sobretudo via
zoneam ento.
N aquele m om ento, com as lim itações do Poder Legislativo e a desarti-
culação da sociedade civil, o planejam ento urbano foi se isolando cada
vez m ais, enquadrado e lim itado pela visão centralizadora e tecnocrática
que dom inava o sistem a de planejam ento do País.
O isolam ento do planejam ento e sua separação da esfera da gestão
provocou um a espécie de discurso esquizofrênico nas Adm inistrações –
de um lado, os planos reiteravam os padrões, m odelos e diretrizes de
um a cidade racionalm ente produzida, de outro, o destino da cidade era
negociado, dia-a-dia, com os interesses econôm icos, locais e corporativos
através de instrum entos com o corrupção,lobbies ou outras form as de
pressão utilizadas pelos que conseguiam ter acesso à m esa centralizada
de tom ada de decisões. E, assim , foram se configurando cidades carac-
terizadas pelo contraste entre um espaço contido no interior da cada
vez m ais m inuciosa m oldura da legislação urbanística e outro, norm al-
m ente três vezes m aior, eternam ente situado num a zona interm ediária
entre o legal e o ilegal.
Passadas pelo m enos duas décadas de prática da elaboração de Pla-
○ ○ ○ 116 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nos Diretores, segundo o receituário tecnocrático, parece evidente a
falência do planejam ento urbano em produzir cidades equilibradas e de
acordo com as norm as.
Entre os planejadores, essa ineficácia é geralm ente justificada com o
ausência de vontade política dos governantes em im por o projeto contido
no plano da cidade e/ou com o suscetibilidade dos governos a práticas
eticam ente condenáveis, com o a corrupção. Segundo esse ponto de vis-
ta, o plano é bom em si, na m edida em que form ula o desenvolvim ento
de um a cidade “harm ônica”, perversos são a sociedade (que corrom pe) e
o governo (que desvia o cam inho proposto).
N a verdade, por trás desse conceito de Plano e seus instrum entos, exis-
tem concepções políticas e visões do m odo de organização do espaço
urbano que, a nosso m odo de ver, são altam ente questionáveis.
Em prim eiro lugar, do ponto de vista político, a idéia de um Plano
D iretor com o projeto acabado de cidade do futuro, que dirige seu de-
senvolvim ento presente, supõe a idéia de um poder central associado a
um Estado forte e capitalizado, que im põe e controla esse projeto sobre
o conjunto dos cidadãos. Por outro lado, não há lugar para o conflito –
que efetivam ente constrói e transform a a cidade: a utopia de um pro-
jeto concluído de cidade corresponde à utopia de um Estado absoluto.
D essa form a, é um projeto que se opõe à política –cam po de explicitação
dos conflitos –e, portanto, não contém nenhum a form a de diálogo
com ela. Evidentem ente, em tem pos de ditadura, essa concepção teve
algum a ressonância num a realidade de sociedade civil silenciada. Po-
rém , bastou a abertura de m ovim entos m ínim os de dem ocratização para
estabelecer-se um a contradição entre gestão (com o prática atravessada
pela política) e planejam ento.
Em segundo lugar, a esfera técnica do planejam ento urbano entre nós
esteve tam bém bastante im buída de um m odo de relação do cidadão
com a cidade que vê o espaço público com o propriedade privada do Po-
der Público (ou do Estado) e jam ais com o um a responsabilidade coletiva
dos cidadãos. E o tem a do controle de setores da cidade que fogem dos
• 117 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
padrões desejáveis é form ulado com o “problem a urbano”, que cabe ao
Estado “diagnosticar” e resolver.
Finalm ente, ao não se relacionar com os pedaços de cidade que não
cabem nas norm as, a regulação urbanística operada pela fórm ula planos
diretores-zoneam ento acaba por condenar os assentam entos ilegais a um a
eterna condição de subcidadania e vulnerabilidade às praticas políticas
clientelistas e fisiológicas.
D essa form a, o planejam ento urbano tecnocrático não é só ineficaz,
m as tam bém produtor de exclusão territorial, trabalhando em pleno vi-
gor no sentido de garantir a poucos as possibilidades de cidadania plena
–que assim se transform a em privilégio, em contraste com a m aioria de
excluídos do direito a um a qualidade urbanística m ínim a.
O deslizam ento da idéia da qualidade urbanística, de direito –algo ge-
neralizado –a privilégio –algo relacional, ou seja, que se constrói e se
m ede em term os com parativos –transform a nossas cidades em verdadei-
ros cam pos de batalha, em que interesses fragm entados e conflituosos
travam disputas perm anentes por vantagens locacionais, de infra-estru-
tura e serviços urbanos.
Estatuto da CidadeO Projeto de Lei 5.788, de 1990 –o cham ado Estatuto da Cidade –
representa um im portante avanço no trato da equação urbanística brasi-
leira. D iferentem ente da legislação tradicional, ocupa-se da garantia de
espaços específicos para a política no m arco legal do planejam ento urba-
no. A o invés de declarar a crença em um suposto planejam ento urbano
racional e salvador e desfiar um receituário dos passos e instrum entos
que garantem um a cidade perfeita e sem conflitos, estabelece de form a
clara e aberta form as possíveis de diálogo entre planejam ento e gestão,
planejam ento e política . O texto representa, assim , o am adurecim ento
dos agentes técnicos, sociais e políticos diante dos desafios da gestão da
cidade brasileira.
O C apítulo III, que trata do Plano D iretor, institui os m ais im portantes
○ ○ ○ 118 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
avanços. A determ inação anterior, da C onstituição de 1988, apenas esta-
belece que m unicípios com m ais de 20 m il habitantes devem ter seu Pla-
no D iretor, definindo este com o lócus de definição da função social da
cidade e da propriedade urbana. O artigo 40, § 5o, determ ina que nos
processos de elaboração de um plano diretor sejam garantidos: “a pro-
m oção de audiências públicas e debates com a participação da popula-
ção e de associações representativas dos vários segm entos da com unida-
de; a publicidade quanto aos docum entos e inform ações; o acesso de
qualquer interessado aos docum entos e inform ações produzidos”. O § 6o
desse m esm o artigo declara “nula a lei que instituir o Plano D iretor em
desacordo com o disposto no parágrafo anterior”. Isso significa vincular o
processo de elaboração do Plano D iretor essencialm ente a um processo
público de debate na cidade sobre seu futuro.
Por outro lado, o Estatuto da C idade logra escapar da tecnocratização
excessiva, ao dispor apenas os atributos m ínim os que um Plano D iretor
deve apresentar, em geral ligados à função social da propriedade urbana.
A o declarar obrigatório o Plano D iretor, deixando, no entanto, em aberto
seu conteúdo, abre-se tam bém a possibilidade de este assum ir inúm eras
form as e tem poralidades, refletindo assim as necessidades, os conflitos e
a pauta local. O Plano D iretor com o um a “caixa vazia” nada m ais é do
que a previsão do espaço da política –ela tam bém um a “caixa vazia”.
O capítulo II, ao tratar dos instrum entos da política urbana, em seu
inciso III, refere-se ao Plano D iretor e tam bém à disciplina do parcelam ento,
do uso e ocupação do solo. É im portante destacar que se trata de “disci-
plina do uso e ocupação do solo”, noção m uito m ais am pla e aberta do
que “zoneam ento”, estratégia específica de controle do uso e ocupação
do solo já questionada em experiências contem porâneas de elaboração
de instrum entos de m anejo do solo.70
O C apítulo V determ ina que a gestão da cidade se dê de form a dem o- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
70 A esse respeito, v. Revista Pólis n. 27,Instrumentos de manejo do solo urbano : experiências
e possibilidades. São Paulo: 1996, e RO LN IK, Raquel.A cidade e a lei (legislação, política
urbana e territórios na cidade de São Paulo). São Paulo: N obel: Fapesp, 1997.
• 119 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
crática, a ser obtida m ediante a constituição de órgãos colegiados de
política urbana, debates, audiências, consultas públicas, conferências; pla-
nos e projetos de lei de iniciativa popular, referendos, plebiscitos. D entro
desse esquem a, a participação popular pode encontrar lugar em todas as
dim ensões da política urbana: a form ulação de instrum entos urbanísti-
cos, a negociação e aprovação na C âm ara, a im plem entação, a gestão
cotidiana e, se necessário, sua revisão.
O Estatuto da C idade revela um a com preensão profunda dos processos
e conflitos em jogo na questão da política urbana, e procura dar ao Poder
Público a possibilidade concreta de m ediá-los.
Por outro lado, persiste –e persistirá sem pre –a possibilidade de sua
instrum entalização para fins excludentes e populistas. Tem os que ser só-
brios, e não incorrer novam ente no erro de acreditar que a existência de
um dispositivo jurídico vai garantir um a m elhora no nosso am biente ur-
bano. Pelo contrário, as forças que se opõe à dem ocratização do acesso
à terra continuam presentes e atuantes e perm anecem com um acesso
privilegiado aos canais de decisão, significando que se trata de um a luta
sem descanso por m ais igualdade em nossa realidade urbana. M as é exa-
tam ente esse o papel da política, e o estatuto da cidade prevê um espaço
em que ela se efetive. O restante está a cargo da capacidade de organiza-
ção e pressão dos diferentes atores.
NOVOS PAPÉIS DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICONO TRATO DAS PARCERIAS ENTRE SETOR PÚBLICOE SETOR PRIVADO
Paulo A nd réJorge Germano s 71
Algumas Considerações sobre o PL 5.788/90O presente Projeto de Lei, na form a de substitutivo, tem seu anteceden-
te rem oto no período ditatorial m ilitar, quando, no G overno G eisel, inicia- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
71 Engenheiro civil, é co-autor do texto final do Projeto de Lei do Plano D iretor de São Paulo.
○ ○ ○ 120 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ram -se as discussões que originaram conceitos e instrum entos nele conti-
dos, no seio do C onselho N acional de D esenvolvim ento U rbano - C N D U .
A creditava-se, então, na ilim itada capacidade do aparelho estatal em
dar solução a todos os problem as da sociedade e em sua suprem acia em
relação a outros agentes. C riaram -se as em presas estatais em grande nú-
m ero e a econom ia estava em parte esm agadora nas m ãos do Estado
em preendedor.
A influência dessa atitude condicionou tam bém o pensam ento das ques-
tões urbanas, a ponto de se im aginar que o Estado teria a capacidade não
só de disciplinar m as tam bém de em preender as ações do desenvolvi-
m ento urbano e habitacional, contando com os agentes privados com o
m eros caudatários.
A C onstituição de 1988 apenas resvalou no problem a urbano; em seus
artigos 182 e 183, atribui ao Plano D iretor de cada m unicípio a disciplina
do uso do solo urbano e estabelece a previsão de penalidades a serem
im postas ao proprietário cujo im óvel não cum prisse o uso previsto em lei.
C aberia ao m unicípio exigir o cum prim ento da função social da proprie-
dade; esta, por sua vez, ainda carece de definição em instrum ento legal
próprio.
D esde então, algum as correntes de opinião e representantes dos cha-
m ados m ovim entos pela m oradia, insistentem ente, passaram a exigir a
delim itação das áreas em que as sanções fossem aplicáveis. G rosseira-
m ente se poderia com parar esse anseio ao de quem projetasse um a rede
viária urbana em que se dem arcassem as “vias onde se aplicarão m ultas
aos infratores”.
O que cabe ao Plano D iretor é determ inar a form a de uso a ser dada em
cada região do m unicípio e não sim plesm ente dizer onde será exigida a
edificação ou o parcelam ento com pulsório.
O PL 5.788 não apenas delim ita e interfere em atribuições que cabem
aos m unicípios, m as, sobretudo, inova no cam po do D ireito, excedendo o
papel de legislação infra-constitucional ao criar novas form as de “legali-
• 121 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
zação” da “propriedade”, que acabariam por levar a um a divisão dos
cidadãos e da propriedade urbana em duas classes:
- aquela à qual se aplicará a lei “legal”, com todo seu rigor, e
- aquela à qual se aplicará a lei “legal,pero no mucho ”.
Não se pode com preender com o um a lei disciplinadora das atividades
urbanas contenha em si m esm a os m ecanism os para regularizar situações
que desrespeitem a m esm a lei.
Por que alguém obedeceria ao rigor da lei, se a m esm a prevê a benevo-
lência com quem não cum pri-la; é o que se depreende dos artigos finais
que pretendem alterar a própria lei dos registros públicos.
Seria um absurdo tão grande quanto o de um a reform a tributária que
estabelecesse um regim e fiscal para os contribuintes “integrais”, e outro,
m ais brando, para os parcialm ente sonegadores.
A exem plo do que ocorreu com nossa “C onstituição C idadã”, quando
se im aginou que tudo estaria suprido e resolvido, a m esm a frustração
advirá se o Estatuto da C idade for aprovado em sua form a proposta,
gerando a ilusão de que o problem a da m oradia foi definitivam ente
solucionado.
A disciplina urbana e a m oradia não se solucionam sim plesm ente com a
legalização das invasões e ocupações, por m ais que nos sensibilize a triste
questão das fam ílias que não têm um teto digno.
Igualm ente, não basta editar m ais um diplom a legal restritivo, que au-
m enta desproporcionalm ente as obrigações de quem age dentro da lei, a
ponto de desestim ular a atuação das pessoas sérias, ao m esm o tem po em
que acena com o indulto e com a tolerância das situações de fato que
afrontam a lei.
Breve Histórico das Parcerias em São PauloQ uase ao final da adm inistração Jânio Q uadros, um grupo de em presá-
rios e técnicos da atividade im obiliária visitou o C anadá, acom panhado de
m em bros da A dm inistração M unicipal. A experiência canadense de con-
○ ○ ○ 122 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
cessão de alteração de parâm etros da legislação urbana e edilícia, em troca
de contrapartidas para a cidade, ensejou a conceituação da Lei 10.209/86.
C oerentem ente com a carência habitacional da população m enos assis-
tida, a form a adotada na legislação paulistana foi a de edificação de habi-
tações de interesse social, com o contrapartida, por aqueles beneficiados
com a flexibilização da lei.
Iniciou-se um processo de aprendizado por parte do corpo técnico per-
m anente da PM SP no trato da questão, e cerca de 1.500 habitações de
interesse social foram produzidas com o resultado da nova lei, em pouco
m ais de um ano de sua aplicação.
N a adm inistração que se seguiu, a aversão ao apelido da “Lei do
D esfavelam ento” m otivou sua não aplicação por um curto período, até
que, com preendido seu resultado benéfico, continuou-se a exercitar a
parceria e o instrum ento das O perações Interligadas entrou para o pró-
prio program a dos candidatos do Partido dos Trabalhadores, que então
exercia o governo da cidade.
O s técnicos da Secretaria M unicipal do Planejam ento - Sem pla foram
adquirindo conhecim ento e experiência na aplicação do instrum ento, da
análise urbanística de cada pleito, das práticas de avaliação dos benefí-
cios dos interessados e da correspondente avaliação da contrapartida;
esta passou a ser paga em dinheiro, com o m aneira m ais prática de aplica-
ção dos recursos pela cidade, em program as de habitação social.
C om eçou-se a pensar nos Fundos de H abitação, alim entados pelos re-
cursos das contrapartidas.
A cidade aprendeu a receber do m ercado um a parcela de valor corres-
pondente ao “terreno virtual”, utilizável diretam ente em benefício da
população carente.
Entretanto, perm aneciam na cabeça de alguns poucos opositores os
preconceitos contra o instrum ento, e, no ano de 1994, um a em enda à lei
que criava um a nova secretaria, transferiu para o Legislativo a com petên-
cia de aprovar as O perações Interligadas.
• 123 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C om o não é da natureza da câm ara a aprovação de pleitos de cidadãos
caso a caso, e esta nem tem estrutura para essa tarefa, a lei deixou de ser
aplicada por quase dois anos, até a prom ulgação da nova Lei 11.773/95,
que incorporou alguns avanços e perm itiu que se continuasse a exercer a
saudável parceria entre a cidade e a iniciativa privada.
A lém do uso da parceria, em si, a Sem pla exercitou e m uito aprendeu
com a tom ada de decisões em órgão colegiado, com representação de
técnicos da A dm inistração e de um largo espectro de m em bros de entida-
des sociais, técnicas e em presariais da sociedade civil, a Com issão N orm ativa
da Legislação U rbana - C N LU. M uitos dos pleitos apresentados foram re-
cusados já na fase urbanística e vários foram indeferidos.
Sim ultaneam ente, a experiência obtida ensejou o uso de instrum ento
m ais am plo, o das O perações U rbanas, com alcance m aior do que a das
ações pontuais das O perações Interligadas.
A provou-se a O peração U rbana Faria Lim a, que, m esm o aplicada em
pequena parte de seu potencial, gerou recursos suficientes para cobrir o
custo das obras ali realizadas pela prefeitura.
C om essa operação, aprendeu-se tam bém que os recursos de
contrapartidas não deveriam ser aplicados apenas na área objeto da
reurbanização, m as canalizados para um fundo de urbanização, de efeito
redistributivo entre as diferentes regiões da cidade.
Em am bos os casos, cristalizou-se a noção de que jam ais deverão ser
em pregados os recursos obtidos nas operações fora de sua finalidade
exclusiva, com o o custeio da m áquina m unicipal. O benefício de novas
fontes de recursos extraorçam entos m unicipais tem de ser canalizado,
obrigatoriam ente, para as habitações de interesse social ou para a
reurbanização.
Esses instrum entos de parceria, em bora relativam ente recentes, m os-
traram sua eficácia e deixaram de sofrer preconceitos ideológicos, tendo
sido usados por governos de todo o espectro político.
Entretanto, algum as posições político-partidárias e a m á vontade ur-
○ ○ ○ 124 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
banística de alguns pretensos defensores da ordem urbana –m uito m ais
defensores de privilégios de m inorias m oradoras de áreas estritam ente
residenciais, supostam ente am eaçadas –influenciaram o próprio M inis-
tério Público, que, sob a alegação de inconstitucionalidade, até então
jam ais questionada, recorreu ao Judiciário e obteve lim inar que paralisou
a aplicação da Lei 11.773/95.
C abe um parêntese, para esclarecer que, em São Paulo, jam ais se adm i-
tiu aprovação de O perações Interligadas em áreas e zonas estritam ente
residenciais; o próprio projeto de lei do Plano D iretor, em discussão na
câm ara m unicipal, dispõe claram ente sobre essa vedação e ainda acres-
centa um segundo “patam ar” de restrição para pleitos de operações em
determ inadas m acrozonas.
A lém disso, criou-se um novo critério de subordinação a lim ites para
concessão de solo virtual adicional, proporcionais à densidade de cons-
trução e à disponibilidade de infra-estrutura.
D esde a concessão de lim inar em ação direta de inconstitucionalidade,
em abril de 1998, até o presente, não apenas se interrom peu o uso das
O perações Interligadas., com o se lançou no lim bo todo o procedim ento
adm inistrativo subseqüente à aprovação de um a operação em Sem pla.
A cidade perdeu o uso das contrapartidas, inúm eras obras deixaram de ser
iniciadas, em pregos tão necessários não foram criados, além de se colocar
em risco a conclusão de em preendim entos legalm ente aprovados, frustran-
do toda um a legião de com pradores de novas unidades em construção.
A fonte de novos recursos –a custo zero para a cidade e para o orça-
m ento m unicipal –secou, sem que qualquer outra fosse descoberta e
usada em benefício da população sofredora.
H ouve ainda tentativas de se m obilizar o M inistério Público, por parte
de pessoas de m á vontade com os instrum entos de parceria e com a
adm inistração da cidade, contra a O peração U rbana Faria Lim a e contra a
m ais recente O peração U rbana C entro, um a vez m ais pretendendo acio-
nar o Judiciário.
• 125 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C uriosam ente, m uitos dos que atacam os instrum entos de parceria vi-
gentes em São Paulo defendem sua aplicação em outros m unicípios da
G rande São Paulo, em projetos de lei de Planos D iretores e no próprio
Estatuto da C idade, ainda que batizados com outros nom es.
É im portante salientar que, com o esgotam ento do m odelo de desen-
volvim ento nos m unicípios baseado em endividam ento, e com a sim ultâ-
nea redução da capacidade de investim ento dos orçam entos m unicipais,
não se pode contar de im ediato com novas fontes de recursos que não as
dos instrum entos de parceria, que ensejam a transferência de valor da
parte atuante do m ercado para a cidade.
Influência Recente do Judiciário e do Ministério Públicosobre as Parcerias em São PauloA cidade viveu de 1554 até 1986 sem o instrum ento de parceria das
O perações Interligadas e sem o m ais novo, das O perações U rbanas. O
setor form al da atividade econôm ica de desenvolvim ento urbano e da
construção im obiliária cum priu seu papel por se alicerçar em leis vigentes
e duradouras.
Tim idam ente, a princípio, foi se acum ulando a experiência de parceria e
o em presariado cada vez m ais foi atendendo aos editais da prefeitura,
passando a apresentar pleitos de operações, com o form a de m elhorar
seus projetos, dando um a efetiva contrapartida à cidade.
O efeito do questionam ento das leis, em vigor há anos e que tantos
benefícios trouxeram à população carente, foi desastroso para a prática
da parceria.
D ificilm ente se recuperará a confiança de realizar qualquer em preendi-
m ento em parceria com o Poder Público, por m ais que se tente assegurar
a validade de qualquer instrum ento, conhecido ou novo, a ser em prega-
do para aquele fim .
A decisão de m érito a ser proferida pelo Judiciário sobre a lei questiona-
da, quando m uito poderá ensejar o cum prim ento das obrigações assum i-
das com seus clientes pelos em preendedores que atenderam aos editais
○ ○ ○ 126 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
da Prefeitura de São Paulo, m as não terá o condão de reanim ar qualquer
reativação dos instrum entos de parceria.
Lem brem o-nos de que, assim que foi iniciada a ação de reurbanização
pela Em presa M unicipal de U rbanização –Em urb em Santana, nos anos
70, vislum brava-se a possibilidade de ser prom ovida pela prefeitura um a
verdadeira renovação urbana. O questionam ento judicial sobre a capaci-
dade de a cidade vender áreas desapropriadas para aquele fim castrou a
em presa e transform ou a Em urb em um a lim itada gerenciadora de alguns
projetos.
A adoção de novos instrum entos, de reurbanização ou de parceria, tem
de ser entendida e apoiada pela sociedade com o um todo; se existirem
falhas, estas devem ser corrigidas, m as sem pre se deve persistir na aplica-
ção dos novos cam inhos, até seu aperfeiçoam ento, sem o que estarem os
condenados à inércia e am arrados a práticas ineficazes para m elhorar as
condições de vida em nossas cidades.
Conceito das Parcerias Baseadas em Outorga Onerosa doDireito de Construir – Solo Criado x Solo AdicionadoA lguns adeptos do estatism o im aginam que a supressão do direito de
edificar, dos proprietários urbanos, com sua transferência à cidade, repre-
sentaria a solução do desequilíbrio de valores de terrenos e fonte inesgo-
tável de recursos para o Poder Público, com o alardeiam defensores do
solo criado.
A experiência de São Paulo m ostrou que, ao contrário, o “solo adicio-
nado” é um efetivo instrum ento de captação de recursos para o m unicí-
pio, sem que se penalize os com pradores de unidades construídas com
aum ento de seu preço.
A diferença entre um e outro é que, com a outorga onerosa de direitos
adicionais de construção, não se onera o custo da fração ideal de terreno
incidente no preço de um im óvel construído.
Reduzir o direito de construir não reduz o valor do terreno edificável na
m esm a proporção, pois, em regiões consolidadas de grandes cidades, o
• 127 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
terreno se obtém pela substituição de construções antigas; elas têm valor
determ inado não apenas pelo potencial de edificação de seu terreno,
m as pelo próprio prédio existente e pelo uso que proporciona.
A o vender um im óvel construído para dem olição e posterior constru-
ção, seu proprietário terá de repor, no m ínim o, outro que lhe garanta o
m esm o uso, além de outros custos necessariam ente incidentes, com o
im postos, m udança, novo estabelecim ento, etc.
Isso significa que, se for reduzido o direito de construir para que a
m unicipalidade o venda a quem decidir edificar acim a do “coeficiente
básico”, este terá de adquirir duas vezes o m esm o terreno –um a vez do
dono anterior e outra vez da cidade –, arcando com custo m aior da fra-
ção ideal de terreno. Esta, por sua vez, onerará o preço de venda do
im óvel construído, afastando m ais e m ais do m ercado aqueles que não
são ricos e que constituem a quase totalidade da população.
O utro efeito perverso do solo criado, na form a defendida por aqueles
que im aginam rebaixar a intensidade de uso dos terrenos, é a drástica
redução de toda a base de tributação do IPTU e do ITBI, contra um a hipo-
tética expectativa de ganho na outorga onerosa.
Estudos realizados para a cidade de São Paulo, usando sofisticados m o-
delos em com putador e lançando-se todos os investim entos projetados de
infra-estrutura urbana, assim com o as tendências conhecidas de crescim ento
e de edificação, dem onstraram que a perda com o rebaixam ento da base
de tributação da propriedade urbana é m uito superior a qualquer estim ati-
va, por m ais otim ista, de receita com a venda de direitos de construção.
A experiência de poucos anos de aplicação das O perações Interligadas e
das O perações U rbanas em São Paulo dem onstrou a validade do conceito
inteligente do “solo adicionado”.
Os Novos Papéis do Judiciário e do Ministério PúblicoSe o PL 5.788/90 viesse a ser aprovado na form a atualm ente em discussão
no Congresso, certam ente caberia ao Judiciário o papel de apreciar e julgar
sobre sua duvidosa constitucionalidade. (O s artigos que inovam com o
○ ○ ○ 128 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
usucapião em áreas públicas deixam todo o diplom a eivado de vício insanável.)
O Poder Judiciário ficaria, ainda, assoberbado com as ações em que se
procuraria definir sob qual das regras cada nova autorização adm inistrati-
va de uso estaria subordinada: se à lei “integral” vigente para o
parcelam ento, uso e ocupação do solo, ou se ao regim e benévolo da
tolerância para com as situações de fato que desrespeitaram a lei urbana.
Se, no entanto, forem elim inadas as incoerências e distorções do
substitutivo em face da Lei M agna vigente, ainda restará um delicado
papel de apreciação da coleção de novos instrum entos, ainda não prati-
cados, contidos no projeto de lei.
N o tocante às parcerias, cabe prim eiro entender que, m esm o sob o nom e
de “outorga onerosa” ou de qualquer outro que o instrum ento de parce-
ria possa ter, este foi ferido de m orte com o atual questionam ento levan-
tado no Judiciário pelo M inistério Público de São Paulo e pela injustificada
cam panha difam atória sofrida.
C abe-nos o papel de inform ar e de esclarecer os guardiães da lei e da
justiça sobre a natureza, o alcance, os efeitos e conseqüências da aplica-
ção de todos os instrum entos em questão, pois estes sofrem m uito m ais
de preconceitos e do desconhecim ento do que de vícios inerentes.
O setor form al da atividade de desenvolvim eto urbano e da construção
im obiliária se fundam enta em leis que devem ser respeitadas, não apenas
pelos agentes privados, m as por todo o Poder Público; leis que tenham
duração, no m ínim o, com patível com o longo ciclo da atividade envolvi-
da, sem o que esta se tornará um a aventura.
O s em preendedores sérios não perm anecerão atuantes num am biente
de insegurança jurídica, cedendo lugar aos aventureiros e àqueles que
atuam à m argem da lei.
E, no Judiciário e no M inistério Público, repousa a confiança da sociedade de
que as leis serão cum pridas, m antidas em vigor e aplicadas rigorosam ente.
Q ualquer excesso no uso do extraordinário poder do M inistério Público,
sem que este tenha presentes o efeito e as conseqüências de sua atuação,
• 129 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
poderá levar à extinção da capacidade em preendedora no urbanism o, pois
ninguém trabalha em clim a de insegurança e de terror. Sem vontade em -
preendedora não haverá urbanism o, nem urbanização, nem m oradia e m uito
m enos dignidade para as fam ílias que m erecem um teto digno.
A s questões urbanísticas devem ser decididas no foro do m unicípio, de
seu Legislativo, com am pla participação dos segm entos representativos
da população, dos profissionais e dos em preendedores envolvidos.
O Judiciário e o M inistério Público não podem ser usados indevidam ente
por quem tem m á vontade com instrum entos inovadores ou por quem se
envolve em disputas m enores de ordem político-partidária.
C abe a todos os agentes da sociedade preservar o Judiciário e o M inis-
tério Público para que desem penhem soberanam ente suas indelegáveis
atribuições e possam garantir a ordem constituída e a justiça a todos.
Talvez o papel m ais im portante que hoje cabe ao Judiciário e ao M inisté-
rio Público seja o de nos assegurar a solidez do sistem a jurídico brasileiro.
É necessário discutir os novos instrum entos do direito urbano com sua
participação, para não atrasar a vigência das novas leis ou m esm o levá-las
a infrutífera e interm inável discussão, antes m esm o de que possam pro-
duzir o efeito esperado pela sociedade.
PLANO DIRETOR NO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI5.788, DE 1990
Toshio M uk ai 72
Função Social da Propriedade e o Plano Diretor como Instru-mento Jurídico de sua Concretização. A Constituição de 1988D e longa data, tem -se falado no princípio da função social da proprie-
dade. Vários conceitos sobre o que seja tal função foram form ulados ao ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
72 M estre e doutor em D ireito (U SP), especialista em D ireito A dm inistrativo, U rbanístico e
A m biental. A utor das obras, dentre outras:Direit o e Legislação Urbanística no Brasil , São
Paulo: Saraiva, 1988;Direito Ambiental Sistemat izado : 3ª ed. Rio de janeiro: Forense U niver-
sitária, 1998;Direito Admin istrativo Sistemat izado . São Paulo: Saraiva, 1999.
○ ○ ○ 130 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
longo dos anos. Porém , pelo m enos entre nós, nunca se concretizou na
realidade fática esse princípio, de m odo geral e objetivo.
Foi o Suprem o Tribunal, que nos ofertou o m ais preciso conceito do que
se entende por função social da propriedade (cf. A c. do STF, pleno, 17/6/
42, rel. m in. C astro N unes, RT 147:785): “A antiga noção de proprieda-
de, que não vedava ao proprietário senão o uso contrário às leis e regula-
m entos com pletou-se com o da sua utilização posta ao serviço do interes-
se social; a propriedade não é legítim a senão quando se traduz por um a
realização vantajosa para a sociedade”.
O ra, tal assertiva, que nos coloca diante de um significado preciso, cla-
ro, objetivo e, sobretudo, racional, do que se deva entender por função
social da propriedade, parece ter sido levado em conta pelo constituinte
de 1988, ao ter possibilitado, pela prim eira vez no direito constitucional,
a concretização real e objetiva do princípio, quando estatuiu que “a pro-
priedade urbana cum pre sua função social quando atende às exigências
fundam entais de ordenação da cidade expressas no Plano D iretor” (C F, §
2o do art. 182).
Q uer dizer, a C onstituição Federal –CF garante o direito de propriedade
(art. 5o, inc. XXII), m as com função social (art. 5o, inciso XXIII), ou seja, a
propriedade im óvel abrange direitos do proprietário, m as tam bém obri-
gações deste de atender às norm as públicas de sua utilização, voltadas
para os interesses gerais da com unidade; essas norm as, segundo a C ons-
tituição, têm o m esm o peso (ou talvez m ais) daqueles direitos privados
invocáveis pelo proprietário, posto que, se sobressaem , das próprias exi-
gências do Plano D iretor, aquelas norm as de direito público, pois elas
com põem , estruturam , e fazem parte do próprio direito de propriedade.
A cresça-se que a disposição constitucional não diz que a propriedade,
para cum prir sua função social, deva atender apenas às exigências funda-
m entais do Plano D iretor, m as a todas as exigências dele, as quais o cons-
tituinte considera fundam entais para a ordenação do território.
Portanto, na atual C onstituição, o instituto da função social da propri-
• 131 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
edade ganhou um relevo e um a estrutura jurídica ím par, pois concretiza,
m ais do que nunca, o próprio direito de propriedade, e, além disso, colo-
ca-se no texto constitucional com o princípio fundam ental, ao lado da
própria propriedade privada (C F, art. 170, incisos II e III ).
E, se assim é, entendem os que o princípio referido, exatam ente porque
princípio, afasta m esm o, se necessário, a regra das autonom ias m unici-
pais e estaduais, do artigo 18 da C onstituição Federal (que não são alça-
dos a princípios), para que seja, através do Plano D iretor, concretizado
aquele princípio. Em conseqüência, a lei federal que traçar as diretrizes
gerais de desenvolvim ento urbano, e que, segundo ocaput do artigo 182
da C onstituição Federal, deverão ser observadas pelos planos diretores
m unicipais, pode, inclusive, para esse fim , obrigar o m unicípio a fazer ou
deixar de fazer algo, desde que tal im posição seja necessária para que
seja atendida a função social da propriedade.
Planos Urbanísticos e seus Princípios Jurídicos Estruturais.As Normas e Diretrizes Gerais de Desenvolvimento Urbano naConstituiçãoSegundo Fernando A lves C orreia (O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade , C oim bra: A lm eidina, 1989, p. 285 e segs.), os princípios jurídi-
cos estruturais dos planos urbanísticos são: 1) O princípio da legalidade:
a) O princípio da hom ogeneidade da planificação; b) O princípio da
tipicidade dos planos urbanísticos; c) O princípio do desenvolvim ento ur-
banístico em conform idade com o plano e o princípio da obrigação de
planificação; d) O princípio da definição pela lei do procedim ento de for-
m ação dos planos urbanísticos; e) O princípio da determ inação pela lei de
um regim e particular para certos tipos de bens; 2) O princípio da hierar-
quia; 3) O princípio da proporcionalidade em sentido am plo ou da “proi-
bição do excesso”; 4) O princípio da igualdade.
O princípio da legalidade (vinculação à lei) desdobra-se nos subprincípios
de “a” a “e”.
A hom ogeneidade do plano é conseguida incluindo-se nele as áreas
○ ○ ○ 132 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
urbanas e rurais, com a finalidade de equiparar ou de parificar as condi-
ções de vida na cidade e no cam po.
A C onstituição de 1988 não abraçou esse subprincípio, vez que colo-
cou, com o área de abrangência do Plano D iretor, apenas o m eio urbano.
A tipicidade dos planos urbanísticos significa que a A dm inistração só
pode elaborar planos que a lei prevê de m odo típico. A lei indica a desig-
nação dos planos, define os respectivos fins e/ou objetivos e traça o seu
conteúdo técnico.
O subprincípio da letra “c” obriga que o desenvolvim ento urbano deva
ser em conform idade com o plano (o que está contem plado pelo art. 182
da C F de 1988); a obrigação de planificação é im posta pela C onstituição
ou pelas leis.
O subprincípio da letra “d” exige que a lei preveja um procedim ento
necessário para a form ação do plano; obviam ente, no nosso caso, esse
procedim ento deverá contem plar a participação com unitária na form ula-
ção do plano (C F, art. 29, XII ).
O subprincípio da letra “e” obriga que o conteúdo do plano em bora de
form ulação discricionária, preserve de qualquer transform ação urbanísti-
ca certos bens de especial interesse público, tais com o patrim ônios histó-
ricos, artísticos, etc., reservas ecológicas, parques e reservas, áreas de pai-
sagem protegida e dem ais unidades de conservação.
O princípio da hierarquia tem o significado de que as disposições de um
plano devem respeitar as determ inações dos planos superiores. N a C ons-
tituição de 1988 há regra expressa dando com petência à U nião para for-
m ular planos nacionais e regionais de ordenação do território (art. 21, IX).
O princípio da proporcionalidade (ou da vedação de excesso), é im por-
tante lim ite à discricionariedade do conteúdo dos planos e a doutrina
alem ã o subdivide em : a) princípio da adequação; b) princípio da neces-
sidade e, c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
O princípio da igualdade em relação ao plano urbanístico significa que
• 133 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
as disposições deste não podem ser arbitrárias; não pode o plano ser
ilógico; as m edidas que prescrevam um tratam ento diferenciado dos
proprietários do solo têm de basear-se em fundam entos objetivos evi-
dentes.
A s norm as e diretrizes gerais para o desenvolvim ento urbano na C ons-
tituição podem ser objeto de lei federal (C F, art. 21, inciso XX, e art. 24, I),
isso em term os genéricos. C om relação, especificam ente, ao Plano D ire-
tor, o artigo 182 condiciona sua aprovação, pelo m unicípio, à observân-
cia das diretrizes fixadas em lei (que pode ser federal, estadual ou m unici-
pal, pois a m atéria urbanística é de natureza concorrente).
Verifica-se que as norm as gerais e as diretrizes para o desenvolvim en-
to urbano, que devem ser editadas em lei da U nião, dão a esta atribui-
ções superiores em m atéria urbanística, e, com o se trata de lei federal,
da m esm a estatura jurídica do C ódigo C ivil, pode alterar o direito de
propriedade no seu conteúdo, ou seja, no seu direito de usar, gozar e
dispor dos bens.
Plano Diretor na Constituição de 1988 (art. 182, § § 1o, 2o
e 4o) e as Normas Afins Relativas à sua Elaboração, Produ-ção e Concreção Jurídica (os arts. 22, XX e 29, XII)
A C onstituição de 1988, pela prim eira vez na história do nosso
constitucionalism o, veio contem plar o instituto do Plano D iretor, o qual,
pelo seu artigo 182, deve ser o instrum ento básico da política de desen-
volvim ento urbano, executada pelo m unicípio, que tem por objetivoor-denar o pleno desenvolvim ento das funções sociais da cidade e garantir
o bem -estar de seus habitantes; conform e o § 2o do artigo m encionado,
é o Plano D iretor aprovado por lei m unicipal que deverá ser o instrum ento
básico dessa política e da expansão urbana.
A C onstituição não conceitua o que seja o Plano D iretor. D á com o as-
sente que ele é o que a doutrina entende que seja. E, na doutrina, H ely
Lopes M eirelles nos ensinou que o Plano D iretor é “o com plexo de nor-
○ ○ ○ 134 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m as legais e diretrizes técnicas para o desenvolvim ento global e constan-
te do m unicípio, sob os aspectos físico, social, econôm ico e adm inistrati-
vo, desejado pela com unidade local. D eve ser a expressão das aspirações
dos m unícipes quanto ao progresso do território m unicipal no seu con-
junto cidade-cam po. É o instrum ento técnico-legal definidor dos objeti-
vos de cada m unicipalidade e, por isso m esm o, com suprem acia sobre os
outros para orientar toda a atividade da adm inistração e dos adm inistra-
dos nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a
coletividade” (cf.Direito municipal brasileiro . São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 1985, p. 395).
M ais sinteticam ente, “cham a-se de Plano Diretor exatam ente porque
estabelece as linhas do desenvolvim ento social, econôm ico, territorial e
institucional (adm inistrativo) do m unicípio” (cf. Joaquim C astro A guiar,
Direito da cidade . Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 44).
Portanto, o Plano D iretor é visto pela C onstituição de 1988 com o a peça
fundam ental do desenvolvim ento urbano e de expansão urbana; com o
dispõe que ele é obrigatório para cidades com m ais de 20 m il habitantes
(exclui-se, pois, o cam po), pode-se concluir que, contrariam ente ao prin-
cípio da hom ogeneidade, e ao que prelecionou H ely Lopes M eirelles, o
Plano D iretor, pela C onstituição de 1988, só pode abranger a zona urba-
na e a de expansão urbana. N ão poderá abarcar todo o território m unici-
pal (cidade e cam po).
A inda, e principalm ente, o Plano D iretor (na C onstituição de 1988) tem
a função im portantíssim a e fundam ental de concretizar o princípio da
função social da propriedade (art. 182, § 2o ).
Q uanto às disposições afins que interferem na produção (elaboração do
Plano D iretor), a prim eira e principal delas é aquela contem plada no inciso
XII do artigo 29, ou seja, aquela que obriga os Poderes Públicos locais a
criar condições para que haja cooperação das associações representativas
no planejam ento m unicipal.
Portanto, segundo a C onstituição, o plano não pode ser elaborado e
• 135 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
aprovado sob “quatro paredes”, ao alvitre apenas de técnicos e juristas,
com o dantes m uito ocorreu no passado.
Se o Plano D iretor não for produzido e aprovado com o lei, com a parti-
cipação das “associações representativas” do m unicípio, ele será ilegíti-
m o e inconstitucional.
E, ao que parece, o constituinte form ulou a seguinte idéia: os destinatá-
rios do plano (das suas norm as e diretrizes) só devem obediência a ele se
puderam anuir relativam ente às suas im posições. E é por isso m esm o que
“a propriedade deve cum prir as exigências do plano para que cum pra sua
função social” (art. 182, § 2o).
A concretização dessa participação já tem a ver com o cum prim ento do
princípio da definição legal da form ação dos planos urbanísticos. Essa
concretização, segundo a prom otora pública de São Paulo, D ra. M aricelm a
Rita M eleiro (no artigo Princípio da Dem ocracia Participativa e o Plano Dire-
tor, in :Temas de Direito Urbanístico , C aohurb-SP, M P de São Paulo, 1999,
p. 95-96) pode ser alcançada pelo m unicípio que: “a) poderá contar com
com unidades já organizadas (associações ou conselhos) independentes do
Poder Público; b) terá a organização de órgãos colegiados criados pela pre-
feitura (conselhos de desenvolvim ento ou de planejam ento, órgãos consul-
tivos ou de deliberação coletiva), em que a participação popular se dá por
representantes; c) não conta com um a com unidade organizada”.
Em nosso entender, qualquer que seja a form a de participação da co-
m unidade no planejam ento m unicipal, alguns requisitos são essenciais: a)
a representatividade popular só pode se dar através de associações e não
de pessoas (m unícipes) individualm ente; b) a participação da com unidade
não é som ente em relação à elaboração e aprovação do Plano D iretor; ela
abrange todo o processo de sua form ulação, desde os diagnósticos, elei-
ção das políticas, fixação das m etas e diretrizes, aprovação de anteprojeto
e, após a edição da lei respectiva, das suas regulam entações (leis e decre-
tos), e da execução do Plano D iretor.
Q uanto à iniciativa do projeto de lei, será a Lei O rgânica do M unicípio -
○ ○ ○ 136 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
LO M que ditará as regras correspondentes. Em princípio, se a LO M silenciar a
respeito, a iniciativa será tanto do prefeito com o dos m em bros da câm ara.
Q uanto às em endas ao projeto de lei, “se o projeto de lei do Plano
D iretor não envolver m atérias de iniciativa do prefeito, pode ser substan-
cialm ente em endada. Se nele forem encontradas m atérias de iniciativa
exclusiva, pode ser em endado, desde que disso não resulte aum ento da
despesa prevista, podendo, porém , haver dim inuição da despesa (a proi-
bição de em enda, no caso, é para aumento e não para redução ou su-pressão de despesa). C om o o Plano D iretor, em princípio, nada contém
de iniciativa privativa, a câm ara poderá, em regra, livrem ente em endá-lo”
(cf. Joaquim C astro A guiar, ob. cit. p. 51).
Em sum a, na C onstituição de 1988, com o o Plano D iretor tem que ser
elaborado com a participação obrigatória da com unidade, as norm as ur-
banísticas daí decorrentes são portadoras da conform ação do próprio di-
reito de propriedade (são m ais que sim ples lim itações adm inistrativas, pois
eventuais conflitos entre “direito de propriedade versus lim itações a ele”,
na fase de aplicação da legislação, já está superada).
A ssim , por obra da nova C onstituição, com o afirm a Frederico Spantigati
(M anual de derecho urbanístico, Ed. M ontecorvo, 1973, p. 85), “a plani-
ficação urbanística incide sobre os direitos de propriedade com o m ecanis-
m o de predeterm inação do conteúdo dos m esm os”.
E essa nova concepção do direito urbanístico repousa sobre um fato
fundam ental, no dizer do m esm o autor: “a participação obrigatória dos
particulares na form ulação dos planos,standards e leis urbanísticas, e é
por essa razão que esse direito prescinde, na fase de sua aplicação, do
problem a da conciliação entre direitos subjetivos e direitos coletivos, pos-
to que essa questão, com o pressuposto, está já superada (‘a intervenção
no direito de propriedade teve já lugar em nível do plano urbanístico ou
do standard urbanístico, e nunca em nível da licença para construir’)”.
(cf. nosso artigo Plano D iretor nas Constituições Federal e Estaduais e nas
Leis O rgânicas M unicipais,in :RDP 94/56).
• 137 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Capítulo III – Do Plano Diretor, do Substitutivo da ComissãoConstituição e Justiça e Redação da Câmara dos DeputadosPlano Diretor, Orçamentos Públicos e Planejamento Municipal
Segundo o Substitutivo da C om issão de Justiça e Redação, o Plano D ire-
tor é parte integrante do planejam ento m unicipal, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçam entárias e o orçam ento anual incorporarem
as diretrizes e as prioridades nele contidas. Portanto, todo o planejam en-
to m unicipal, bem com o as atividades dele decorrentes, hoje praticam en-
te obrigatório pela Lei de Responsabilidade na G estão Fiscal (Lei C om ple-
m entar 101, de 4/5/2000), deve incluir as disposições, prioridades, proje-
tos, program as, obras e serviços previstos no plano diretor, de natureza
urbanística e/ou financeira (art. 40, § 1o).
O § 2o do artigo 40, no entanto, com o já referido, ao determ inar que o
plano diretor deverá englobar todo o território do m unicípio e não ape-
nas a zona urbana e a de expansão urbana, é inconstitucional.
O § 3o exige a revisão do plano diretor, pela câm ara m unicipal, pelo
m enos, a cada dez anos (§ 3o).
O § 4o obriga que os Poderes Legislativo e Executivo m unicipais, no
processo de elaboração e na fiscalização de sua im plem entação, garan-
tam : I. a prom oção de audiências públicas e debates com a participação
da população e de associações representativas dos vários segm entos da
sociedade; II. a publicidade quanto aos docum entos e inform ações pro-
duzidas; III. o acesso a esses docum entos e inform ações por qualquer
interessado; o § 5o dispõe que será nula a lei que instituir o plano diretor
em desacordo com o disposto no parágrafo anterior.
Obrigatoriedade do Plano Diretor
O artigo 41 do Substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990, diz que o
plano é obrigatório para cidades: I –com m ais de 20 m il habitantes; II –
integrante de região m etropolitana; III –onde o Poder Público m unicipal
pretenda utilizar os instrum entos previstos no § 4o do artigo 182 da Cons-
tituição Federal; IV –integrantes de áreas de especial interesse turístico; V –
○ ○ ○ 138 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
- inseridas na área de influência de em preendim entos ou atividades com
significativo im pacto am biental de âm bito regional ou nacional.
O norte do herm eneuta deve ser o § 1o do artigo 182 da C F: 20 m il é o
núm ero de habitantes da cidade (som ente no m eio urbano e de expansão
urbana), acim a do qual é obrigatório o Plano D iretor.
Portanto, na hipótese II, m esm o que o m unicípio não com porte os 20
m il habitantes, justifica-se a extensão da obrigatoriedade, um a vez que
todo o território m unicipal, integrante de região m etropolitana, é caracte-
rizado pela conurbação, que, faticam ente, “apaga” os lim ites territoriais
legais do m unicípio, fazendo que exista entre os m unicípios da região
m etropolitana com o que um “condom ínio”, onde cada um faz parte do
todo e esse todo, à evidência, possui m ais de 20 m il habitantes.
Relativam ente ao inciso III, pensam os que a C onstituição adm ite tal
obrigatoriedade, que foi criada pelo substitutivo de m aneira inversa: o
m unicípio que pretender utilizar os instrum entos previstos no § 4o do
artigo 182 deverá possuir Plano D iretor, porque aquela utilização depen-
de da inclusão da(s) área(s) onde devam ser aplicados os referidos instru-
m entos, no Plano D iretor, ou seja, sem Plano D iretor, o § 4o do artigo 182
é inaplicável.
Relativam ente ao inciso IV, pensam os que o sim ples fato de o m unicípio
ser integrante de área de especial de interesse turístico, e não tendo 20
m il habitantes na cidade, não pode ser m otivo para a extensão da
obrigatoriedade do Plano D iretor, pois a hipótese viola frontalm ente o §
1o do artigo 182 da C onstituição Federal.
Tam bém , em relação ao inciso V, pensam os que o fato de o m unicípio
receber a influência de em preendim entos ou atividades com significativo
im pacto am biental de âm bito regional ou nacional não é suficiente e cons-
titucionalm ente defensável para a extensão da obrigatoriedade do Plano
Diretor, desde que o m unicípio não possua m ais de 20 m il habitantes.
A ssim , o § 1o do artigo 41, com o com plem enta o previsto no inciso V, é
inconstitucional.
• 139 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Q uanto ao § 2o, nada a objetar; a obrigatoriedade para tais m unicípios
(com m ais de 500 m il habitantes) encontra respaldo no princípio da função
social da propriedade e no § 2o do artigo 182 da Constituição Federal.
Conteúdo Mínimo do Plano
O artigo 42 dispõe que o Plano D iretor deverá conter, no m ínim o: I –a
delim itação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelam ento,
edificação ou utilização com pulsórios, considerando a existência de infra-
estrutura e de dem anda para utilização, na form a do artigo 5o; II –dispo-
sições requeridas pelos artigos 25, 28, 29, 32, e 35; III –sistem a de acom -
panham ento e controle.
Evidentem ente, o inciso I foi concebido em razão do disposto no § 4o do
artigo 182 da C F, m as era despicienda a sua previsão na lei, pois a C ons-
tituição já autoriza a delim itação de tais áreas no Plano D iretor.
Q uanto à previsão dos instrum entos jurídicos novos, previstos nos arti-
gos referidos, o substitutivo condiciona as suas “criações” efetivas, pelos
m unicípios, às suas previsões no Plano D iretor. Pensam os que tam bém
essas previsões seriam despiciendas. Bastaria que a lei federal autorizasse
o m unicípio a fazer uso desses novos instrum entos jurídicos.
Q uanto ao inciso III, é evidente que, sem um sistem a de acom panha-
m ento e controle da execução do plano, inclusive destinado a detectar
falhas, m ás orientações e políticas, alterações dos interesses públicos, etc.,
tudo isso, objeto de alterações do plano (pois o plano é dinâm ico), torna-
ria inócua a existência do próprio plano.
A lei prevê aí conteúdos m ínim os específicos, m as, norm alm ente, o con-
teúdo geral de um Plano D iretor, na lição de José A fonso da Silva, se
constitui na ordenação física do solo (localizações de equipam entos pú-
blicos, divisões em zonas), nos sistem as de vias, zoneam ento e espaços
verdes. O aspecto econôm ico do desenvolvim ento urbano e o aspecto
social são os conteúdos básicos do plano, além do urbanístico propria-
m ente dito, ao lado das preocupações am bientais, que o plano certa-
m ente não pode deixar de lado.
○ ○ ○ 140 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Finalm ente, cabe destacar, com o conteúdo fundam ental do plano dire-
tor, o aspecto adm inistrativo-institucional, pois o plano “deve prever os
m eios institucionais necessários para a sua im plem entação, execução, con-
tinuidade e revisão (o processo de planejam ento há de ser contínuo)”(in:
Direito urbanístico brasileiro . 2ª ed. Ed. M alheiros, 1995, p. 124 a 126).
A inda quanto ao conteúdo do plano, cabem as lições preciosas de Joa-
quim C astro A guiar (ob. cit. p. 45): “No seu aspecto físico, o plano conte-
rá norm as e diretrizes sobre o parcelam ento do solo, seu uso e ocupação,
revitalização e preservação. N o aspecto econôm ico, incentivará a indús-
tria, o com ércio, os serviços, aum entando a oferta de em pregos e m elho-
rando as condições econôm icas da população. N o aspecto social, enfren-
tará desafios referentes às precárias habitações da pobreza e sua m ora-
dia, oferecerá serviços de educação, saneam ento básico, saúde, esporte e
lazer. N o aspecto institucional, estará atento aos m eios necessários à sua
im plem entação, execução e revisão, inclusive quanto à capacitação de
funcionários para esse tipo de tarefa”.
Lem bram os, ainda, que todo esse conteúdo poderá ser form alm ente
estabelecido no plano através de norm as jurídicas de cogência im ediata
(proibições, obrigações de fazer, exigências, condições) com o ocorre com
a m aioria das leis ou através de norm as jurídicas ditas program áticas (di-
retrizes do plano), que tam bém têm eficácia jurídica, m as a sua cogência
não é direta, m as indireta e m ediata.
Plano Diretor e as Regras Superiores do Artigo 40 do Substitutivo
O artigo 40 declara que o Plano D iretor tem a natureza de lei, e é o
instrum ento básico da política de desenvolvim ento e expansão urbana.
N o § 1o, declara que o Plano D iretor é parte integrante do processo de
planejam ento m unicipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orça-
m entárias e o orçam ento anual incorporar as diretrizes e as prioridades
nele contidas. Essa obrigação, de resto sem pre recom endada pela doutri-
na, é perfeitam ente constitucional.
O § 2o traz que o Plano D iretor deve englobar o território do m unicípio
com o um todo.
• 141 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Já afirm am os que, segundo a interpretação conjugada da parte final do
§ 1o e da expressão “ordenação da cidade” do § 2o do artigo 182 da C F,
vê-se que o Plano D iretor só pode abranger o m eio urbano e, no m áxim o,
a área de expansão urbana.
Portanto, o § 2o do artigo 182 da C F, quando diz que o Plano D iretor
expressa as exigências fundam entais de ordenação da cidade, salvo m io-
pia, exclui o cam po.
A lém disso, note-se: enquanto o artigo 182 da C F diz que “a proprieda-
de urbana cum pre sua função social quando atende às exigências funda-
m entais expressas no Plano D iretor” (portanto, só se fala aí na proprieda-
de urbana e que ela terá sua função social concretizada se atender às
exigências do Plano D iretor), o artigo 186 diz que a propriedade rural terá
sua função social concretizada não pelo Plano D iretor, m as, sim , segundo
o artigo 186 da C F, “quando atender, sim ultaneam ente, segundo critéri-
os e graus de exigência estabelecidos em lei (lei ordinária, com um ), dos
seguintes requisitos: I –aproveitam ento racional e adequado; II –utiliza-
ção adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do m eio
am biente; III –observância das disposições que regulam as relações de
trabalho; IV –exploração que favoreça o bem -estar dos proprietários e
dos trabalhadores”.
Portanto, som ente a propriedade urbana, para cum prir sua função soci-
al, deve estar subm etida às exigências do Plano D iretor; já a propriedade
rural, para tam bém cum prir sua função social, deverá estar subm etida às
exigências dos incisos I a IV do artigo 186, efetuadas por lei com um , sem
denom inação específica. Se o Plano D iretor, assim , envolver a proprieda-
de rural, estará extrapolando seu âm bito de validade constitucional.
O § 2o é flagrantem ente inconstitucional. Portanto, se o m unicípio, se-
guindo esse dispositivo, fizer com que o Plano D iretor abranja o cam po,
todas as suas disposições que incidam sobre a área rural serão
inconstitucionais, inválidas,
O § 3o im põe que a lei do plano diretor deverá ser revista a cada dez
anos. Entendem os que se trata de um prazo m uito longo.
○ ○ ○ 142 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Plano Diretor e o Direito de Preempção
O artigo 25 diz que o Poder Público m unicipal (som ente) terá preferên-
cia para aquisição de im óvel urbano objeto de alienação onerosa entre
particulares. É o direito de preem pção em favor da A dm inistração m unici-
pal, visando fins de interesse urbanístico, am biental, histórico, artístico,
paisagístico, social ou de utilidade pública.
E será o Plano D iretor que há de delim itar áreas em que incidirá esse
direito, e que tam bém deve fixar prazo de vigência não superior a cinco
anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de
vigência. Portanto, a renovação é por um a única vez e deve obedecer ao
interregno de um ano.
Plano Diretor e a Outorga Onerosa. O Solo Criado
O artigo 28 faculta ao Plano D iretor a fixação de áreas nas quais o direi-
to de construir poderá ser exercido acim a do coeficiente de aproveita-
m ento básico adotado, m ediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário.
O § 1o define coeficiente de aproveitam ento com o sendo a relação en-
tre a área edificável e a área do terreno.
Portanto, a outorga onerosa diz respeito a um a concessão (no sentido
com um ), pelo Poder Público m unicipal, ao particular, m ediante pagam ento
do direito de construir acim a de um coeficiente de aproveitam ento bási-
co, sendo que este poderá ser fixado com o sendo único, pelo Plano D ire-
tor, para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas den-
tro da zona urbana (§ 2o do art. 28). Trata-se aqui do “plafond legal”
existente na França e que, entre nós, com o previsto no caput do artigo
28, denom inou-se de “solo criado”.
Entretanto, a disposição final do § 2o do artigo 28, que adm ite a fixação
de coeficientes de aproveitam ento diferenciados para áreas dentro da
zona urbana, deverá m erecer com pleta e evidente, além de racional, de-
m onstração e justificativa para tais diferenciações, sob pena de violar o
princípio da igualdade nos planos urbanísticos.
• 143 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O § 3o, ainda, dispõe que o Plano D iretor definirá os lim ites m áxim os a
serem atingidos pelos coeficientes de aproveitam ento, considerando a
proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aum ento de densi-
dade esperado em cada área.
Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade ou da proibição
do excesso.
Plano Diretor e as Alterações de Uso do Solo
O artigo 29 dispõe que o Plano D iretor poderá fixar áreas nas quais
poderá ser perm itida a alteração do uso do solo, m ediante contrapartida
a ser prestada pelo beneficiário.
A nosso ver, esse instituto a ser criado é perigoso, na m edida em que,
pelo seu uso e abuso, poderá tornar com pletam ente inócua a legislação
de uso e ocupação do solo, e caótica a ocupação e localização das ativi-
dades, desfigurando os zoneam entos das cidades.
Plano Diretor e as Operações Urbanas Consorciadas
O artigo 32 dispõe que lei específica, baseada no Plano D iretor, poderá
delim itar área para aplicação de operações consorciadas. Estas são defini-
das pelo § 1o do artigo e se com põem de um conjunto de intervenções e
m edidas coordenadas pelo Poder Público m unicipal, com a participação
de diversos segm entos da com unidade, com o objetivo de alcançar, em
um a área, transform ações urbanísticas estruturais, m elhorias sociais e
valorizações am bientais. Esse assunto foi m uito bem desenvolvido por
José A fonso da Silva em sua obra já citada (pp. 329/330), denom inando-
o de operação urbana integrada.
Plano Diretor e a Transferência do Direito de Construir
O artigo 35 dá à lei m unicipal, baseada no Plano D iretor, a possibilidade
de autorizar o proprietário do im óvel urbano, privado ou público, a exercer
em outro local, ou alienar, m ediante escritura pública, o direito de construir
previsto no Plano Diretor ou em legislação urbanística decorrente, quando
o im óvel for considerado necessário para: I –im plantação de equipam entos
urbanos e com unitários; II –preservação, quando o im óvel for considerado
○ ○ ○ 144 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de interesse histórico, am biental, paisagístico, social e cultural; III –servir a
program as de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda e habitação de interesse social.
O § 1o dispõe que a m esm a faculdade poderá ser concedida ao proprie-
tário que doar ao Poder Público seu im óvel, ou parte dele, para os fins dos
incisos I a III do artigo 35.
Trata-se de um a versão algo m enos explícita, da “operação interligada”
prevista na Lei 10.209, de 9/12/86, do M unicípio de São Paulo.
Capítulo VI - Disposições Gerais, do SubstitutivoArtigo 50 do Substitutivo
O artigo 50 prevê que os m unicípios que estejam enquadrados na obri-
gação prevista nos incisos I e II do artigo 41, que não tenham Plano D ire-
tor aprovado na data de entrada em vigor desta lei, deverão aprová-lo no
prazo de cinco anos.
Entendem os válida a obrigatoriedade, pois trata-se de dar cum prim en-
to ao princípio constitucional da função social da propriedade. Entretan-
to, m ais um a vez, pelo m enos para os m em bros da câm ara m unicipal,
esqueceram -se de im por penalidades caso contrariem a disposição.
Pensam os que os vereadores, por contrariarem lei federal, estarão
incursos nas penas previstas no D ecreto-Lei 201/67.
Artigo 52 do Substitutivo
O artigo 52 dispõe que “sem prejuízo da punição de outros agentes
públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o prefeito
incorre em im probidade adm inistrativa, nos term os da Lei 8.429, de 2 de
junho de 1992, dentre outras hipóteses, quando: VII –deixar de tom ar as
providências necessárias para garantir a observância do disposto no § 4o
do artigo 40 e no artigo 50 da Lei.
C om o se viu, o § 4o do artigo 40 im põe a revisão da lei do Plano D iretor
a cada dez anos; e o artigo 50 obriga à aprovação do plano no prazo de
cinco anos.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
PLANO DIRETOR E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANAAnt ônio Cláud io M . L. M oreira 73
A definição da função social da propriedade urbana poderá ser um po-
deroso instrum ento dos m unicípios para prom oção do desenvolvim ento
urbano. Poderá ser utilizada, por exem plo, para evitar a ocupação de
áreas não suficientem ente equipadas, evitar a retenção especulativa de
im óveis vagos ou subutilizados, preservar o patrim ônio cultural ou
am biental, exigir a urbanização ou ocupação com pulsórias de im óveis
ociosos, captar recursos financeiros destinados ao desenvolvim ento urba-
no e exigir a reparação de im pactos am bientais.
O s m unicípios que pretenderem utilizar esse instrum ento precisam ter
um plano diretor, aprovado por lei m unicipal, que configure a função social
da propriedade urbana. Não se trata do plano diretor de desenvolvim ento
integrado dos anos 70. Não se trata tam bém do plano diretor urbanístico
dos anos 30 (Villaça, 1999). Trata-se do plano diretor a que se refere a
Constituição Federal de 198874, reafirm ado e am pliado pela C onstituição
do Estado de São Paulo de 198975, e que está presente no substitutivo ao
Projeto de Lei Federal 5.788/90, denom inado Estatuto da C idade. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
73 A rquiteto, m estre e doutor pela FAU /U SP; docente de Planejam ento U rbano e de H abita-
ção de Interesse Social do curso de graduação, e de Políticas Públicas Am bientais Urbanas do
curso de pós-graduação da FA U /U SP.74 Constituição Federal de 1988:
A rt. 182 - A Política de D esenvolvim ento U rbano, executada pelo Poder Público m unicipal,
conform e diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvim ento
das funções sociais da cidade e garantir o bem -estar de seus habitantes.
§ 1o - O plano diretor, aprovado pela C âm ara M unicipal, obrigatório para as cidades com
m ais de vinte m il habitantes, é o instrum ento básico da política de desenvolvim ento e expan-
são urbana.
§ 2o - A propriedade urbana cum pre sua função social quando atende às exigências funda-
m entais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.75 C onstituição do Estado de São Paulo, de 1989:
Art. 181 - Lei m unicipal estabelecerá, em conform idade com as diretrizes do plano diretor,
norm as sobre zoneam ento, loteam ento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, prote-
ção am biental e dem ais lim itações adm inistrativas pertinentes.
§ 1o - O s planos diretores, obrigatórios a todos os m unicípios, deverão considerar a totalida-
de de seu território m unicipal.
○ ○ ○ 146 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
AntecedentesN os anos 70, o M inistério do Interior –M inter prom oveu intensam ente a
elaboração de planos diretores. Para esse fim , instituiu o Program a de Ação
Concentrada – PA C, que pretendia im plantar o processo de planejam ento
nos m unicípios, executar seus projetos setoriais, com m aior ênfase no sane-
am ento básico, no program a habitacional e na organização dos serviços
m unicipais. Para viabilizar o program a, foi instituída um a linha de crédito,
no Banco N acional de Habitação –BNH, destinada aos 455 m unicípios m ais
populosos (m ais de 50.000 habitantes) das M icrorregiões Hom ogêneas de-
finidas pelo Instituto Brasileiro de G eografia e Estatística –IBG E, em 1968.
A im plantação desse program a foi atribuída ao Serviço Federal de H abita-
ção e U rbanism o –Serfhau. (M inter, 1970)
N a m esm a oportunidade, a Constituição de São Paulo de 1969 (Em enda
Constitucional 2, de 30 de outubro de 1969) obrigava os m unicípios paulistas
a planejar suas atividades76 e a Lei O rgânica dos M unicípios Paulistas –na
época, um a lei estadual –acrescentava a exigência de um Plano Diretor de
Desenvolvim ento Integrado.77 Por sua vez, o governo estadual prom ovia a
elaboração desses planos através do Centro de Estudos e Pesquisas de A d-
m inistração M unicipal –Cepam , hoje Fundação Prefeito Faria Lim a. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
76 C onstituição do Estado de São Paulo, de 1969:
A rt. 102 - O s m unicípios deverão organizar a sua adm inistração e planejar as suas atividades,
atendendo às peculiaridades locais e aos princípios técnicos convenientes ao desenvolvim en-
to integral da com unidade.77 Lei Estadual 9.842, de 19 de setem bro de 1967 ( Lei O rgânica dos M unicípios):
Art. 79 - O m unicípio elaborará o seu Plano D iretor de D esenvolvim ento Integrado, conside-
rando em conjunto os aspectos físicos, econôm icos, sociais e adm inistrativos, nos seguintes
term os:
I - físico-territorial - com disposições sobre o sistem a viário urbano e rural, o zoneam ento
urbano, o loteam ento urbano ou para fins urbanos, a edificação e os serviços públicos locais.
II - econôm ico - com disposições sobre o desenvolvim ento econôm ico do m unicípio;
III - social - com norm as destinadas à prom oção social da com unidade local e ao bem - estar
da população;
IV - adm inistrativo - com norm as de organização institucional que possibilitem a perm anente
planificação das atividades m unicipais, e sua integração nos planos estadual e nacional.
Parágrafo único - N enhum auxílio financeiro ou em préstim o será concedido pelo Estado ao
m unicípio que não possuir Plano D iretor de D esenvolvim ento Integrado, aprovado, após 3
(três) anos de vigência desta lei.
• 147 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Esses planos diretores tinham por cam po de intervenção os aspectos
sociais, econôm icos, físicos e institucionais –daí sua denom inação: pla-
nos integrados. Seu m étodo era o de aproxim ações sucessivas: com eçava
por um estudo prelim inar, a seguir desenvolvia um plano de ação im edia-
ta ou, nas situações m ais com plexas, um plano de desenvolvim ento local
integrado. A prim eira etapa tinha por conteúdo o conhecim ento geral e
prelim inar do m unicípio, a identificação dos principais problem as e dos
agentes m ais im portantes do desenvolvim ento local, as propostas para
solução dos problem as locais m ais urgentes. A etapa subseqüente, após
um diagnóstico dos principais problem as levantados na etapa anterior,
tinha por conteúdo: as alternativas de intervenção, a solução para os prin-
cipais problem as e pontos de estrangulam ento, os instrum entos legislativos,
a dem anda de recursos, os program as setoriais relevantes. A etapa final
tinha por conteúdo: os planos setoriais ou anteprojetos, o organism o lo-
cal de planejam ento, a determ inação de projetos, o detalham ento dos
instrum entos adm inistrativos, o orçam ento program a. (M inter, 1970, e
São Paulo, 1969)
U m aspecto relevante do planejam ento propugnado pelo Serfhau e pelo
C epam , nos anos 70, é sua posição em face da adm inistração m unicipal.
N o Relatório Prelim inar do Serfhau, o planejam ento é externo à adm inis-
tração, pretendendo apenas orientá-la. N o Plano de A ção Im ediata e no
Plano de D esenvolvim ento Local Integrado, tam bém do Serfhau, o plane-
jam ento está envolvido no processo decisório e faz parte da adm inistra-
ção. N o Plano D iretor de D esenvolvim ento Integrado, do C epam , as fases
de estudo prelim inar, de diagnóstico e de definição de objetivos são de-
senvolvidas sem m aior intervenção da adm inistração. Esta com parece
apenas no final, para definir as diretrizes de ação da prefeitura, a
instrum entação do plano e o plano de ação do prefeito. (M oreira, 1989)
Essa concepção exalta a racionalidade: os problem as locais são indica-
dos por um com petente estudo prelim inar, as causas desses problem as
são indicadas por um com petente diagnóstico, e as alternativas para so-
lução desses problem as são definidas com racionalidade. Tudo se passa
○ ○ ○ 148 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
com o se a identificação dos problem as, de suas causas e das soluções
alternativas fossem independentes do observador de sua perspectiva e da
com posição do poder local. Seu equívoco é ignorar que as prefeituras
identificam problem as, propõem soluções e estabelecem objetivos sob a
ótica dos grupos políticos que com põem o poder local. (M oreira, 1989)
O resultado do incentivo federal ao plano diretor foi a organização de
grupos de técnicos e em presas de consultoria voltados à prestação de
serviços aos m unicípios, estim ulados pelo financiam ento e fascinados com
o discurso tecnocrático da época (M oreira, 1986). Em São Paulo, o resul-
tado do incentivo estadual ao plano diretor foi o treinam ento de 154
equipes m unicipais, pelo C epam , para im plantação do processo de pla-
nejam ento nas adm inistrações m unicipais, das quais 88 concluíram seus
planos diretores. (A m brosis, s/d)
M as essa fase do plano diretor integrado encerra-se, praticam ente, em
m eados dos anos 70, devido à extinção do Serfhau e aos parcos resulta-
dos obtidos. Segundo a avaliação realizada em 107 m unicípios do Estado
de São Paulo (A zevedo, 1976), 80% desses m unicípios dispunham de
plano diretor ou estavam em vias de obtê-lo, m as, de cada dez m unicípios
investigados, sete já o haviam abandonado.
Esse abandono se deve principalm ente à m udança de prefeito. M as pode
tam bém ser atribuído ao fato de que os docum entos rotulados de plano
eram , na m aioria dos casos, diagnósticos das condições do m unicípio e
da prefeitura, com poucos elem entos que assegurassem sua ope-
racionalidade. (A zevedo, 1976).
Do Descrédito ao Renascimento do Plano DiretorA pós a intensa prom oção dos planos diretores pelo Serfhau, no Brasil, e
pelo C epam , em São Paulo, ocorre um a fase de prestígio declinante do
planejam ento e do plano diretor.
Reduzido a discurso, o planejam ento no Brasil passa a ser identificado
com a atividade intelectual de elaborar planos. N esse processo, os planos
passam a ser encarados e avaliados não pelos seus efeitos, não pelas suas
• 149 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
capacidades de orientar a ação das prefeituras, m as por suas características
intrínsecas, sua lógica e coerência internas, por seus aspectos técnicos, pelo
uso dos m ais avançados recursos da inform ática ou, ainda, pelo m érito de
suas propostas idealizadas, independentem ente de suas operacionalizações.
Descolando-se da realidade e adquirindo autonom ia, as idéias contidas nos
planos passam a ser portadoras da ideologia dom inante sobre os proble-
m as que atingem as m aiorias urbanas. (Villaça, 1999)
N o processo de redem ocratização dos anos 80, os políticos procuram
afastar o arbítrio e a tecnocracia do período autoritário e restaurar o de-
bate e a negociação política com o m étodo de form ação das decisões de
interesse coletivo. N esse processo, afastam tam bém o planejam ento, com
sua prática autoritária e seu discurso ideológico de pretensa racionalidade.
O s planejadores, por sua vez, condicionados pelo regim e autoritário, não
souberam oferecer um m odo “dem ocrático” e m uito m enos um m odo
“participativo” de planejam ento, bem com o um conceito de plano dire-
tor adaptado à nova realidade político-adm inistrativa do País. (M oreira,
A m brosis e Azevedo N etto, 1986)
N esse contexto, os m ovim entos populares estim ulados pelas possibili-
dades de influenciar na elaboração da nova constituição do País, encam i-
nharam à A ssem bléia N acional C onstituinte um a proposta de em enda
popular à C onstituição, respaldada por 160 m il assinaturas. A proposta
não m encionava planejam ento ou plano diretor, m as tratava de questões
concretas que interessam à m aioria da população, com o a função social
da propriedade im obiliária urbana, a habitação, os transportes e a gestão
urbana. (Villaça, 1999)
D iante da pressão popular pelas reform as urbanas, inclusive pela defini-
ção da função social da propriedade, a C onstituição Federal de 1988 ofe-
receu um a resposta: a política de desenvolvim ento urbano, o plano dire-
tor e o usucapião urbano.
Política de Desenvolvimento Urbano e o Novo Plano DiretorA política de desenvolvim ento urbano a que se refere a C onstituição
○ ○ ○ 150 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Federal de 1988 “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvim ento das
funções sociais da cidade e garantir o bem -estar de seus habitantes” (art.
181,caput ). Essa política contém o program a de obras e serviços de cada
adm inistração m unicipal em todos os cam pos de atuação da m u-
nicipalidade. Está expressa, entre outros, pelos planos financeiros (orça-
m ento m unicipal, orçam ento plurianual, diretrizes orçam entárias), pela
legislação urbanística (parcelam ento do solo, uso e ocupação do solo,
proteção do patrim ônio cultural, proteção do m eio am biente, etc), pela
legislação tributária (IPTU , ISS, etc), pelos planos de transportes e trânsito,
etc. Esse era o conteúdo dos planos diretores dos anos 70.
O plano diretor a que se refere a C onstituição Federal de 1988 ou, sim -
plesm ente, o novo plano diretor, deve ser aprovado pela C âm ara M unici-
pal (artigo 182, § 1o). O s antigos planos diretores, dos anos 70, não eram
necessariam ente aprovados pelo Legislativo. Eles podiam ser apenas pro-
postas do Executivo, quando não eram apenas propostas da unidade de
planejam ento da m unicipalidade.
O plano diretor a que se refere a C onstituição Federal de 1988, ou sim -
plesm ente o novo plano diretor, contém as exigências fundam entais de
ordenação da cidade que a propriedade urbana deve atender para cum -
prir sua função social (art.182, § 2o) e, facultativam ente, a definição de
áreas onde poderá ser exigido o aproveitam ento do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado (art. 182, § 4o). Já os antigos
planos diretores, dos anos 70, tinham um conteúdo m ais am plo: os as-
pectos econôm icos, sociais, físico-territoriais e da organização adm inis-
trativa dos m unicípios, relacionavam -se si e com outros níveis territoriais e
adm inistrativos. D aí receber o nom e de plano diretor integrado.
C om o se vê, o novo plano diretor, instituído pela C onstituição Federal
de 1988, é m uito diferente dos planos diretores anteriores. Esse novo
plano diretor tam bém não se confunde com os planos urbanísticos ante-
riores. O conteúdo do novo plano são as exigências fundam entais de or-
denação da cidade que definem a função social da propriedade urbana.
• 151 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Exigências Fundamentais de Ordenação da CidadeA s exigências fundam entais de ordenação da cidade a que se refere a
C onstituição Federal não estavam contidas nos planos urbanísticos que
precederam os planos diretores nem nos planos físico-territoriais que
integravam os plan os diretores dos anos 70. Tais plan os de
em belezam ento urbano, ou de saneam ento, ou de cidades novas, ou
de ordenam ento do espaço das cidades, ainda que contivessem restri-
ções adm inistrativas ao exercício da propriedade urbana, não tratavam
da função social da propriedade urbana. Som ente a partir da C onstitui-
ção Federal de 1988 é que a função social da propriedade pode ser
definida e regulada pelos m unicípios.
A s exigências fundam entais de ordenação da cidade relativas à função
social da propriedade urbana podem ser m elhor com preendidas por ana-
logia com as exigências da C onstituição Federal de 1988, relativas à fun-
ção social da propriedade rural. N esta, a função social da propriedade
rural é cum prida quando a propriedade atende sim ultaneam ente aos se-
guintes requisitos: aproveitam ento racional e adequado; utilização ade-
quada dos recursos naturais disponíveis e preservação do m eio am biente;
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e explo-
ração que favoreça o bem -estar dos proprietários e dos trabalhadores78.
Propriedade rural ou propriedade urbana ( am bas são um m esm o insti-
tuto: a propriedade privada. A ssim , a função social da propriedade deve-
rá atender a requisitos sim ilares, tanto para a propriedade rural com o
para a propriedade urbana, adaptados, é claro, às peculiaridades de sua
localização - urbana ou rural.
A ssim , por analogia com a função social da propriedade rural, as exi- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
78 Constituição Federal:
Art. 186 - A função social é cum prida quando a propriedade rural atender, sim ultaneam en-
te, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitam ento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do m eio am biente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem -estar dos proprietários e dos trabalhadores.
○ ○ ○ 152 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
gências fundam entais de ordenação da cidade, que caracterizam a fun-
ção social da propriedade urbana, são, sim ultaneam ente: o uso racional e
adequado da propriedade; o uso adequado dos recursos naturais e a pre-
servação do am biente urbano; a observância às regulações das relações
de trabalho; e a utilização que favoreça o bem -estar dos proprietários e
dos trabalhadores.
A definição do uso racional e adequado da propriedade urbana, que
caracteriza sua função social, im plica: 1) definir as atividades que caracte-
rizam o uso adequado de cada propriedade urbana; 2) definir os
parâm etros m ínim os e m áxim os de utilização que caracterizam o uso ra-
cional de cada propriedade urbana; 3) definir os locais e as finalidades
para os quais é autorizada a transferência ou a cessão onerosa de direitos
de construir; 4) identificar a parcela da área urbana onde os im óveis não
edificados, subutilizados ou não utilizados poderão ser objeto de
parcelam ento ou edificação com pulsórios.
A operacionalização desse instrum ento im plica a delim itação de dife-
rentes com partim entos urbanos, a definição de atividades que caracteri-
zam o uso social das propriedades nesses com partim entos e a definição
de parâm etros m ínim os de utilização desses im óveis. A parentem ente, é
um a lei de zoneam ento, m as não é a tradicional lei de zoneam ento.
O zoneam ento usualm ente praticado no Brasil tende a segregar ativida-
des urbanas segundo sua função (m orar, produzir, consum ir, circular, etc.),
e tende a segregar os estratos sociais segundo seu nível de renda (bairros
das elites, bairros de classe m édia e bairros populares). Esse tipo de
zoneam ento, originário do planejam ento urbano norte-am ericano (city
planning ) e do urbanism o racionalista europeu (urbanisme ), tem pouco a
ver com nossa herança cultural de forte m escla de estratos sociais e de
forte m escla de atividades urbanas. N a prática, esse tipo de zoneam ento
só é eficaz para a segregação das elites em seus bairros jardins.
U m excelente exem plo de com partim entação da cidade para fins de
definição do uso racional e adequado das propriedades urbanas foi dado
pela proposta de plano diretor da prefeita Luiza Erundina em São Paulo,
• 153 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
que definia zonas adensáveis e não adensáveis segundo a capacidade da
infra-estrutura instalada, bem com o zonas especiais de habitação de inte-
resse social, de preservação am biental e de preservação cultural. Essa pro-
posta estabelecia tam bém um coeficiente de aproveitam ento único que
caracterizava a utilização social da propriedade urbana.
Para definição dos usos adequados dos recursos naturais e para a pre-
servação do am biente, que configuram a função social da propriedade
urbana, é preciso reconhecer o am biente urbano com o um a adaptação
do am biente natural, que abriga a população e as atividades hum anas
aglom eradas peculiares à sociedade industrial contem porânea, ou seja,
reconhecer o am biente urbano com o habitat da população e das ativida-
des hum anas aglom eradas.
O am biente urbano é com posto pelo conjunto de relações da popula-
ção e das atividades hum anas com os dem ais seres vivos com que convi-
ve, com o espaço construído e com os recursos naturais, visando à repro-
dução biológica e m aterial da população e das atividades hum anas. N es-
sa concepção, o am biente urbano com preende as relações das atividades
urbanas entre si, a percepção e atribuição de significado ao espaço
construído (paisagem urbana), assim com o a apropriação e fruição dos
recursos urbanos (infra-estrutura e espaço construído) e dos recursos na-
turais. (M oreira, 1997)
A ssim , a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do
am biente urbano, que configura o atendim ento da função social de um a
propriedade urbana, significa:
• preservar as atividades hum anas e a paisagem urbana relacionadas
com a propriedade urbana considerada, ou, no caso de alterações
nessa propriedade, com pensar a população e as atividades hum a-
nas im pactadas.
• utilizar a infra-estrutura e o espaço construído (áreas, edificações,
infra-estrutura e vias) em intensidade com patível com sua capacida-
de de suporte, ou am pliar essa capacidade de suporte;
○ ○ ○ 154 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
• utilizar os recursos naturais presentes na cidade (ar, água, solo, cli-
m a, silêncio) sem esgotá-los e sem degradá-los. (M oreira, 1997)
O s dem ais requisitos que caracterizam a função social da propriedade,
ou seja, a observância às regulações das relações de trabalho e o
favorecim ento de proprietários e trabalhadores, poderão ser objeto de
outros instrum entos legais.
Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor na Constituição do Es-tado de São Paulo de 1989
A s idéias de desenvolvim ento e de plano diretor, presentes na C onstitui-
ção Federal de 1988, são reafirm adas e am pliadas pela C onstituição do
Estado de São Paulo de 1989.
N esta, a política de desenvolvim ento urbano, alem de ordenar o pleno
desenvolvim ento das funções sociais da cidade e garantir o bem -estar de
seus habitantes, deve assegurar (art. 180):
“II–a participação das respectivas entidades com unitárias no estudo,
encam inham ento e solução dos problem as, planos, program as e
projetos que lhe sejam concernentes;
III–a preservação, proteção e recuperação do m eio am biente urba-
no e cultural;
IV –a criação e m anutenção de áreas de especial interesse histórico,
urbanístico, am biental, turístico e de utilização pública;
V –a observância das norm as urbanísticas, de segurança, higiene e
qualidade de vida;
VI–a restrição à utilização de áreas de riscos geológicos;
VII–as áreas definidas em projeto de loteam ento com o áreas verdes ou
institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação,
fins e objetivos originariam ente estabelecidos alterados”.
N esta, ainda, são enum erados os instrum entos de execução dessa po-
lítica de desenvolvim ento urbano, a saber: o “plano diretor e as norm as
sobre zoneam ento, loteam ento, parcelam ento, uso e ocupação do solo,
• 155 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
índices urbanísticos, proteção am biental e dem ais lim itações adm inistrati-
vas pertinentes”. (artigo 181,caput )
N a C onstituição do Estado de São Paulo de 1989 o plano diretor é obri-
gatório para todos os m unicípios. D everá considerar a totalidade do terri-
tório m unicipal (art. 181, § 1o), e deve conter as diretrizes “para as nor-
m as sobre zoneam ento, loteam ento, parcelam ento, uso e ocupação do
solo, índices urbanísticos, proteção am biental e dem ais lim itações adm i-
nistrativas pertinentes”. (art.181,caput )
C om o se vê, esse plano diretor não se confunde com a legislação de uso
e ocupação do solo ou com a legislação de parcelam ento, m as contém
diretrizes para essas leis.
Plano Diretor no Estatuto da CidadeO s dispositivos da C onstituição Federal relativos ao plano diretor são
reafirm ados e regulam entados pelo substitutivo ao Projeto de Lei federal
5.788/90, denom inado Estatuto da C idade.
Esse projeto de lei reafirm a o dispositivo da C onstituição Federal que
institui o plano diretor com o instrum ento definidor da função social da
propriedade im obiliária urbana e define o atendim ento das exigências
fundam entais de ordenam ento da cidade com o o requisito da função
social da propriedade. E m ais, am plia esses requisitos exigindo tam bém o
atendim ento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida,
justiça social e desenvolvim ento das atividades econôm icas79.
O problem a desses requisitos é conceituar as expressões “qualidade de
vida”, “justiça social” e “desenvolvim ento das atividades econôm icas”,
para tornar esse dispositivo aplicável.
O projeto de lei reafirm a tam bém o dispositivo da Constituição Federal
que define o plano diretor com o instrum ento básico da política de desen- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
79 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 39 - A propriedade urbana cum pre sua função social quando atende às exigências fun-
dam entais de ordenação da cidade expressas no Plano D iretor, assegurando o atendim ento
das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvi-
m ento das atividades econôm icas, respeitadas as diretrizes previstas no artigo 2º.
○ ○ ○ 156 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
volvim ento e expansão urbana. E m ais, obriga o plano plurianual, as diretri-
zes orçam entárias e o orçam ento anual a incorporar as diretrizes e priorida-
des contidas no plano diretor; estende o plano diretor a todo território
m unicipal; exige quórum qualificado para aprovação do plano diretor; obri-
ga a revisão da lei do plano diretor a cada dez anos; exige audiências públi-
cas, acessibilidade e publicidade dos docum entos e inform ações no proces-
so de aprovação e fiscalização da im plem entação do plano diretor.80
Essa regulam entação entende o plano diretor com o um elenco de obras
e serviços a serem executados pelo Poder Público, com o era o antigo
plano diretor dos anos 70. D aí a obrigação de que essas obras e serviços
constem dos planos financeiros dos m unicípios –o orçam ento anual, o
orçam ento plurianual e as diretrizes orçam entárias. N a realidade, esse
dispositivo não entendeu que a C onstituição Federal de 1988 atribuiu
aos planos diretores a expressão das exigências fundam entais de ordena-
ção da cidade que configuram a função social da propriedade urbana, o
que é m uito diferente de um elenco de obras, serviços, norm as legais e
norm as adm inistrativas do antigo plano diretor.
O utro problem a dessa regulam entação é estender a obrigatoriedade do ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
80 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 40 - O Plano D iretor, aprovado por lei m unicipal, é o instrum ento básico da política de
desenvolvim ento e expansão urbana:
§ 1o - O Plano D iretor é parte integrante do processo de planejam ento m unicipal, devendo o
plano plurianual, as diretrizes orçam entárias e o orçam ento m unicipal incorporarem as dire-
trizes e prioridades nele contidas.
§ 2o - O Plano D iretor deverá englobar o território do m unicípio com o um todo.
§ 3o - A aprovação do Plano D iretor, ou de qualquer alteração a ele, requererá quórum
qualificado nos term os da Lei O rgânica M unicipal.
§ 4o - A lei que instituir o Plano D iretor deverá ser revista, pelo m enos, a cada dez anos.
§ 5o - N o processo de elaboração do Plano D iretor e na fiscalização de sua im plem entação,
os Poderes Legislativo e Executivo m unicipais garantirão:
I - a prom oção de audiências públicas e debates com a participação da população e de
associações representativas dos vários segm entos da com unidade;
II - a publicidade quanto aos docum entos e inform ações produzidos;
III - o acesso de qualquer interessado aos docum entos e inform ações produzidos.
§ 6o - É nula a lei que instituir o Plano D iretor em desacordo com o disposto no parágrafo
anterior.
• 157 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
plano diretor, que trata das exigências fundam entais de ordenação da cida-
de, à totalidade do território m unicipal onde essas exigências são inócuas.
Essa concepção, m uito próxim a da concepção do Serfhau e do C epam
dos anos 70, já dem onstrou sua ineficácia, principalm ente em regim e de
representação dem ocrática e de participação popular. A inda que essa
concepção de plano diretor possa ser eventualm ente útil, é im portante
ressaltar que, nesse form ato, o plano diretor não é constitucionalm ente
obrigatório para os m unicípios.
Esse projeto de lei reafirm a ainda o dispositivo da C onstituição Federal
que obriga o plano diretor para todas as cidades com m ais de 20 m il
habitantes, bem com o para as dem ais cidades que pretendam exigir o
aproveitam ento do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utili-
zado. E m ais, am plia a exigibilidade do plano diretor para os m unicípios
integrantes de regiões m etropolitanas e aglom erações urbanas, para
m unicípios integrantes de áreas de especial interesse turístico, e para
m unicípios inseridos na área de influência de em preendim entos ou ativi-
dades com significativo im pacto am biental de âm bito regional ou nacio-
nal. E m ais, ainda exige, para cidades com m ais de 500 m il habitantes,
um plano de transporte urbano integrado com patível com o plano diretor
ou nele inserido80.
É pertinente a exigência do plano diretor para cidades integrantes de
regiões m etropolitanas ou aglom erações urbanas, porque a exigibilidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
80 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 41 - O Plano D iretor é obrigatório para cidades:
I - com m ais de 20.000 habitantes;
II - integrantes de regiões m etropolitanas e aglom erações urbanas;
III - onde o Poder Público pretenda utilizar os instrum entos previstos no parágrafo 4o do
artigo 182 da C onstituição Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas em áreas de influência de em preendim entos ou atividades com significativo
im pacto de âm bito regional ou nacional.
§ 1o ....................................................................................................................................
§ 2o - N o caso de cidades com m ais de quinhentos m il habitantes, deverá ser elaborado um
plano de transporte urbano integrado, com patível com o Plano D iretor ou nele inserido.
○ ○ ○ 158 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
do plano diretor é para as cidades com m ais de 20 m il habitantes, m esm o
quando com posta por m ais de um m unicípio e, nesse caso, atingindo
todas suas partes.
Entretanto, a m esm a exigência para m unicípios integrantes de áreas de
especial interesse turístico, bem com o para m unicípios sujeitos a significa-
tivo im pacto de em preendim entos de âm bito regional ou nacional, não é
defensável. Um a área de especial interesse turístico que com preenda todo
o m unicípio é definida pelo Estado ou pela U nião, que não tem poderes
para im por ao m unicípio a obrigatoriedade da elaboração do plano diretor
além do já exigido pela C onstituição Federal. Por sua vez, a área de influên-
cia de em preendim entos de im pacto de âm bito regional ou nacional é de-
finida por um estudo de im pacto am biental do em preendim ento conside-
rado, que não tem poder para im por a obrigatoriedade de plano diretor às
cidades abrangidas, alem do já exigido pela C onstituição Federal.
O Projeto de Lei 5.788, de 1990, reafirm a a exigência82 da C onstituição
Federal quanto à delim itação, pelo plano diretor, das áreas onde poderá
ser exigido o parcelam ento e edificação com pulsórios, acrescenta a utili-
zação com pulsória que está im plícita no artigo 182, § 4o, da C onstituição
Federal, e define im óvel subutilizado, a saber: aquele cujo aproveitam en-
to seja inferior ao m ínim o definido no plano diretor ou legislação dele
decorrente, ou utilizado em desacordo com a legislação urbanística ou
am biental.83 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
82 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 42 - O Plano D iretor deverá conter, no m ínim o:
I - a delim itação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelam ento, edificação ou
utilização com pulsórios, considerando a existência da infra-estrutura e de dem anda para
utilização, na form a do artigo 5o;
II - as disposições requeridas pelos artigos 25, 28, 29, 32 e 35;
III - sistem a de acom panham ento e controle.83 Projeto de Lei 5.788, de 1990
A rt. 5o - ...................................................................................................................................
§ 1o - C onsidera-se subutilizado o im óvel:
I - cujo aproveitam ento seja inferior ao m ínim o definido no Plano D iretor ou em legislação
dele decorrente;
II - utilizado em desacordo com a legislação urbanística e am biental.
• 159 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Esse dispositivo caracteriza a subutilização de im óveis com o qualquer
desconform idade em relação a qualquer requisito de toda legislação ur-
banística e am biental. Isso é um exagero! A classificação de um im óvel
com o não edificado, subutilizado ou não utilizado é feita p elo
descum prim ento dos requisitos definidores da função social de um a de-
term inada propriedade. A legislação m unicipal reguladora da função so-
cial da propriedade urbana, que é o plano diretor, não pode ser confundi-
da com a legislação urbanística e am biental.
O Projeto de Lei 5.788, de 1990, acrescenta ao conteúdo do plano dire-
tor definido pela C onstituição Federal: as diretrizes para delim itação das
áreas sujeitas ao direito de preem pção do poder público84, a delim itação
de áreas onde serão perm itidas operações consorciadas85, a delim itação
das áreas onde o poder público poderá exercer a outorga onerosa de
direito de construir86, a alteração onerosa de uso do solo87 e as diretrizes
para a legislação m unicipal que autoriza a transferência de direitos de
construir88. Para os fins da outorga onerosa dos direitos de construir, o
Projeto de Lei 5.788, de 1990, o Estatuto da C idade, acrescenta ao con- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
85 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
A rt. 25 - ..................................................................................................................................
§ - Lei m unicipal, baseada no Plano D iretor, delim itará as áreas em que incidirá o direito de
preem pção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um
ano após o decurso do prazo inicial de vigência.86 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 32 - Lei m unicipal específica, baseada no Plano D iretor, poderá delim itar área para apli-
cação de operações consorciadas.87 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 28 - O Plano D iretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exer-
cido acim a do coeficiente de aproveitam ento básico adotado, m ediante contrapartida pres-
tada pelo beneficiário.88 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 29 - O Plano D iretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser perm itida alteração de uso
do solo m ediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.89 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 35 - Lei m unicipal, baseada no Plano D iretor, poderá autorizar o proprietário de im óvel
urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, m ediante escritura pública,
o direito de construir previsto no Plano D iretor ou em legislação urbanística dele decorrente,
quando o referido im óvel for necessário para fins de:
○ ○ ○ 160 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
teúdo do plano diretor o estabelecim ento de coeficientes de aproveita-
m ento único para toda área urbana, ou diferenciado para áreas específi-
cas da cidade, bem com o dos seus lim ites m áxim os.
Tais disposições são pertinentes ao plano diretor na m edida em que
lim itam ou am pliam o direito de construir e, nessa condição, configuram
a função social da propriedade urbana.
O Projeto de Lei 5.788, de 1990, trata ainda da possibilidade da lei
m unicipal definir os em preendim entos que dependerão de estudos de
im pacto de vizinhança para obtenção de licença para construir, am pliar
ou utilizar um im óvel89. Esse dispositivo, ainda que não esteja expressa-
m ente vinculado ao plano diretor, é um dos instrum entos utilizados para
aferir a função social da propriedade urbana no que diz respeito ao uso
dos recursos naturais e à preservação do am biente.
N esse aspecto, é conveniente considerar a experiência da Prefeitura de
São Paulo, que classificava com o em preendim ento de significativo im pac-
to am biental as edificações não residenciais com m ais de 20.000 m 2
construídos –exclusive garagens, bem com o as edificações residenciais
com m ais de 40.000 m 2 construídos –exclusive garagens. (M oreira, 1997)
ConclusãoPara fins de prom oção do desenvolvim ento urbano, destacam os, a se-
guir, algum as possibilidades abertas pela definição das exigências funda-
m entais de ordenação da cidade que configuram a função social da pro-
priedade urbana:
• definição de áreas urbanas adensáveis e não adensáveis, segundo a
disponibilidade de infra-estrutura urbana, associada à definição de
parâm etros m ínim os e m áxim os de utilização, para evitar a ocupa-
ção urbana de áreas não suficientem ente equipadas, bem com o a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
89 Projeto de Lei 5.788, de 1990:
Art. 36 - A lei m unicipal definirá os em preendim entos e atividades privados ou públicos em
área urbana que dependerão da elaboração de estudo prévio de im pacto de vizinhança (EIV)
para obter licenças ou autorizações de construção, am pliação ou funcionam ento a cargo do
poder público m unicipal.
• 161 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
retenção especulativa de im óveis vagos ou subutilizados em áreas
urbanas dotadas de infra-estrutura;
• definição de áreas especiais para proteção am biental ou para prote-
ção de patrim ônio cultural, associada à autorização para transferên-
cia do seu potencial construtivo, possibilitando a realização desse
potencial e de seu valor em outro local;
• definição de áreas especiais destinadas à habitação de interesse soci-
al, para exigir sua urbanização ou ocupação com pulsórias, para essa
finalidade, sob pena de im posto territorial ou predial progressivo ou
até de desapropriação, com pagam ento em títulos da dívida pública;
• autorização para outorga de direitos de construir, com sua
contrapartida de interesse social com o fonte de novos recursos fi-
nanceiros para habitação de interesse social, ou para equipam entos
de infra-estrutura urbana, ou para program as de reurbanização;
• realização de estudos de im pacto am biental de em preendim entos
de porte significativo e exigência de reparação dos eventuais im pac-
tos sobre o am biente urbano com o fonte de novos recursos para
infra-estrutura urbana, além da eventual contrapartida por danos a
interesses difusos.
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○ ○ ○ 162 •
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VILLAÇA, Flávio.Uma contribuição para a história do planejamento urbano
• 163 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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REGIÕES METROPOLITANAS, AGLOMERAÇÕES URBANAS EMICRORREGIÕES
Clement ina De Am bro sis 90
O substitutivo do Projeto de Lei 5.788, de 1990, elaborado pela C om is-
são de C onstituição e Justiça e de Redação, de 28 de novem bro de 2000,
do relator Iranildo Leitão, retirou o capítulo relativo as áreas m etropolita-
nas por considerar o assunto inconstitucional, acatando o parecer de m uitos
juristas. A m atéria seria da com petência exclusiva dos Estados.
Entretanto, com o o tem a é im portante e relevante para os m unicípios,
optou-se por m antê-lo na publicação com o objetivo de fornecer subsí-
dios aos prefeitos no encam inham ento de problem as m etropolitanos e
regionais.
Iniciarem os o docum ento apresentando os textos da C onstituição Fede-
ral que se referem às regiões m etropolitanas e os tópicos que constavam
do Estatuto, antes de sua exclusão. A pós, seguem -se algum as sugestões
de com o encarar as funções públicas de interesse com um , citadas no
docum ento elaborado pelo C epam em 1989: “O M unicípio e a Q uestão
U rbana –Sugestões para a C onstituição do Estado de São Paulo”. Essas
sugestões indicam um a nova atuação para o enfoque m etropolitano após
a análise das razões dos poucos resultados obtidos com a im plantação ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
90 Arquiteta urbanista, ex-superintendente de Estudos e Pesquisas da Fundação Prefeito Faria
Lim a - C epam , autora de vários artigos sobre assuntos urbanos. A tualm ente, trabalha na
Secretaria de Planejam ento da Prefeitura de São Paulo, onde desenvolve propostas e estudos
de novos instrum entos para o planejam ento, tais com o O perações U rbanas e Áreas de Inte-
resse Social.
○ ○ ○ 164 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
das atuais áreas m etropolitanas, objetivando m elhor eficiência das m es-
m as e a real participação dos m unicípios.
Por últim o, é apresentado um exem plo de atuação interm unicipal visan-
do à proteção dos m ananciais citados por A na Lucia A ncona no texto que
faz parte integrante desta publicação e que apresenta um a nova atuação
que se revelou m ais eficiente e participativa.
Textos da Constituição FederalN este capítulo são apresentados os textos da C onstituição Federal que
se referem às áreas m etropolitanas e os que constavam na antiga versão
do Estatuto.
Segundo o artigo 25, parágrafo 3o, da C onstituição Federal de 1988,
“O s Estados poderão, m ediante lei com plem entar, instituir regiões m e-
tropolitanas, aglom erações urbanas e m icrorregiões, constituídas por agru-
pam entos de m unicípios lim ítrofes, para integrar a organização, o plane-
jam ento e a execução de funções públicas de interesse com um ”.
A C onstituição Federal distingue e m enciona separadam ente “região
m etropolitana”, “aglom eração urbana” e “m icrorregião”, aparentem en-
te identificando diferentes realidades e visualizando diferentes form as de
atuação para solucionar problem as que envolvam com petências de dois
níveis de poder, o estadual e o m unicipal.
C om o a C onstituição não definiu nem aprofundou esses conceitos, pro-
curam os fazê-lo m ediante um a abordagem de caráter regional.
Por m icrorregião identificam os um território com preendendo vários
m unicípios, com características peculiares de hom ogeneidade quanto à
polarização, necessidades, potencialidades, etc., que os diferenciam do
território circundante. Pressupõe um a realidade social e econôm ica que
pode envolver funções públicas de interesse com um a m unicípios lim ítrofes.
A glom eração urbana era conceito já m encionado na Lei Federal de
loteam entos (Lei 6.766/79), ainda que sem definição. Pressupõe um a re-
alidade social e econôm ica cuja característica é um a área urbanizada m ais
• 165 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ou m enos contínua, envolvendo m unicípios lim ítrofes e m últiplas funções
de interesse com um .
“Região M etropolitana” é conceito já m encionado nas C onstituições
de 1967 e 1969. Pressupõe um a realidade social e econôm ica cujo centro
dinâm ico é a m etrópole, pólo de atração (e/ou de dom inação) de um
grande espaço de produção e consum o, e cuja m anifestação é a intensa
urbanização que dá origem a m últiplas funções de interesse com um aos
m unicípios lim ítrofes que a contêm .
A C onstituição diferencia essas figuras, m as as trata da m esm a form a
com o agrupam ento de m unicípios lim ítrofes, criado por lei com plem en-
tar estadual, para integrar a organização, o planejam ento e a execução
de funções públicas de interesse com um . O u seja, a C onstituição rem ete
as diferenças entre essas instituições para cada situação específica que a
lei estadual vier a distinguir.
A versão anterior do Estatuto tratava apenas das regiões m etropolita-
nas e nada dizia sobre as m icrorregiões. Só se referia às aglom erações
urbanas para dizer que as diretrizes explicitadas para a região m etropoli-
tana aplicavam -se às aglom erações urbanas no que coubesse.
Tal projeto de lei dispunha, quanto às regiões m etropolitanas:
“A existência de agrupam ento de m unicípios lim ítrofes, com suas áreas
urbanas contíguas, cuja região de influência abarque, no m ínim o, o terri-
tório do Estado em que se encontre e onde a com plexidade das funções
públicas justifique a necessidade de organização, planejam ento e execu-
ção em com um , é requisito básico para a criação de um a região m etropo-
litana”.
Estabelecia-se, ainda, com o diretrizes para a instituição da região m e-
tropolitana:
I–estabelecim ento de m eios integrados de organização adm inis-
trativa das funções públicas de interesse com um ;
II–cooperação na escolha de prioridades, considerando que o inte-
resse com um prevaleça sobre o local;
○ ○ ○ 166 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
III–planejam ento conjunto das funções de interesse com um , inclu-
indo o uso do patrim ônio público;
IV –execução conjunta das funções públicas de interesse com um , m e-
diante rateio de custos proporcionalm ente à arrecadação tribu-
tária de cada m unicípio;
V –estabelecim ento de sistem a integrado de alocação de recursos e
de prestação de contas.
Com o função pública de interesse com um e patrim ônio público, definia-se:
“Entende-se função pública de interesse com um com o as atividades ou
serviços cuja realização por parte de um m unicípio, isoladam ente, seja
inviável ou cause im pacto nos outros m unicípios integrantes da Região
M etropolitana”.
“Entende-se patrim ônio público de interesse com um com o o conjunto
dos equipam entos de educação, saúde, transporte e lazer, bem assim dos
recursos naturais, econôm icos e culturais, que atenda sim ultaneam ente a
todos os m unicípios da Região M etropolitana”.
Exigia-se para as regiões m etropolitanas instituídas a elaboração de “pla-
no diretor m etropolitano” abrangendo o território de todos os m unicípi-
os integrantes sem exim ir “os m unicípios integrantes da Região M etro-
politana da elaboração do plano diretor local”.
Funções Públicas de Interesse ComumO que justifica e valida a criação de regiões m etropolitanas, aglom era-
ções urbanas ou m icrorregiões é a necessidade ou conveniência de inte-
grar a organização, o planejam ento e a execução de funções públicas de
interesse com um .
O objetivo é integrar, ou seja, tornar inteiro, com pletar, integralizar as
partes em um todo, caracterizado pelo interesse com um . Trata-se de re-
com por um todo que está segm entado em m unicípios pela divisão políti-
co-adm inistrativa.
Seu resultado é um novo ente que não substitui os m unicípios, m as que
• 167 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
reúne deles e do Estado as funções públicas essenciais para o funciona-
m ento do conjunto. Sua utilidade é possibilitar a gestão de funções públi-
cas estaduais de caráter interm unicipal, m as restritas a um a região, ou
parcela do território estadual.
Não se trata de um a subdivisão adm inistrativa do território do Estado.
Para esse fim não seria necessário instituir regiões m etropolitanas, aglom e-
rações urbanas ou m icrorregiões. N ão se trata tam pouco de integrar ape-
nas funções públicas de interesse com um a m unicípios lim ítrofes. Para esse
fim , os m unicípios são soberanos, podendo fazer acordos, consórcios, con-
vênios ou protocolos, sem necessidade de lei com plem entar estadual.
A exigência de lei com plem entar estadual para criação de regiões m e-
tropolitanas, aglom erações urbanas e m icrorregiões significa a integração
de funções públicas que são de interesse com um a m unicípios lim ítrofes e
que tam bém abrange funções exercidas pelo Estado.
D aí ocorre que a instituição de região m etropolitana, de aglom eração
urbana ou de m icrorregião poderá acontecer:
– quando houver interesse do Estado em articular m unicípios lim ítrofes
para organização, planejam ento e execução de funções públicas m u-
nicipais de caráter regional;
– quando for interesse do Estado e de m unicípios lim ítrofes integrar a
organização, o planejam ento e a execução de funções estaduais e
m unicipais de caráter regional, com o é típico nas questões am bientais.
O tratam ento regionalizado e autônom o de funções públicas estaduais
significa um aperfeiçoam ento dem ocrático das instituições públicas na
m edida em que traz o centro de decisão para m ais perto da população
interessada. Por sua vez, o tratam ento regional de funções públicas de
interesse com um a vários m unicípios tam bém significa um aperfeiçoa-
m ento dem ocrático das instituições públicas na m edida em que não leva
para o nível estadual decisões que podem ser tom adas em nível regional,
entre vários m unicípios, e tam bém m ais perto da população envolvida ou
interessada.
○ ○ ○ 168 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Competências Legais das Entidades RegionaisPode-se considerar que as funções públicas m unicipais de interesse co-
m um a vários m unicípios se transferem a ente regional por força da insti-
tuição da região m etropolitana ou da aglom eração urbana ou da
m icrorregião.
São tam bém potencialm ente integráveis, em nível regional, as funções
de com petência dos m unicípios definidas pelo artigo 30 da C onstituição
Federal, exceto as legislativas.
São ainda potencialm ente integráveis, em nível regional, as funções do
Estado que envolvem relações entre m unicípios lim ítrofes, tais com o trans-
porte público interm unicipal, captação e tratam ento de água, tratam en-
to de esgotos, disposição final de resíduos sólidos, preservação de m a-
nanciais, etc.
São tam bém integráveis, em nível regional, as funções de com petência
com um da U nião, dos Estados e dos m unicípios elencadas no artigo 23
da C onstituição Federal.
A Legislação Estadual na Criação de Regiões Metropolitanas,Aglomerações Urbanas e MicrorregiõesEm 1988, com o objetivo de subsidiar a elaboração da C onstituição
Estadual, o C epam elaborou um docum ento apresentando algum as dire-
trizes para a criação e funcionam ento das regiões m etropolitanas, aglo-
m erações urbanas e m icrorregiões. A partir da análise das regiões m etro-
politanas existentes, foram apresentadas diretrizes para suprir aspectos
não resolvidos até então, tais com o a participação efetiva dos m unicípios
e da população na im plantação dessas instituições e no encam inham ento
de soluções com uns.
U m dos pontos considerados básicos foi o respeito às peculiaridades
locais e à m aturidade político-adm inistrativa dos m unicípios. D aí a preo-
cupação em se perm itir m aior flexibilidade do núm ero de m unicípios na
com posição dessas entidades e na definição das funções públicas que
seriam integradas em nível regional, bem com o garantir m aior participa-
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ção e m aior equilíbrio nas decisões entre o Estado e os m unicípios, inde-
pendentem ente do tam anho e im portância de cada um deles.
N as regiões m etropolitanas e nas aglom erações urbanas a com plexida-
de própria às áreas urbanizadas im plica m últiplas funções públicas de in-
teresse com um aos m unicípios que as com põem . N as m icrorregiões a
questão fica centrada na função ou funções públicas de interesse com um
que as justifica. A ssim , bastaria indicar apenas um elem ento de referência
espacial que localize e caracterize a instituição form al da área m etropoli-
tana da aglom eração urbana ou a m icrorregião. A s funções de interesse
com um seriam definidas por com um acordo entre as partes. Eventual-
m ente, diferentes grupos de m unicípios, por iniciativa própria, poderiam
se com por para cada função de interesse com um , a ser organizada, pla-
nejada e realizada em conjunto. Isso possibilitaria, num a m esm a região
m etropolitana ou aglom eração urbana, diferentes agregações de m unicí-
pios para diferentes funções de interesse com um . N o entanto, nada im -
pediria que o Estado participasse, em conjunto com os m unicípios, da
gestão dos entes regionais.
Não seria necessária nem conveniente a organização da entidade regional
com o organism o dom inado pelo governo estadual. Esse m odelo já havia
m ostrado sua ineficácia nas Regiões M etropolitanas criadas pela Lei 14/73.
Um a lei com plem entar poderia definir a configuração de cada entidade
regional, ou seja, sua natureza jurídica, o sistem a de gestão e de poder, o
m unicípio-sede, os recursos financeiros, o patrim ônio, etc. Poderia definir
tam bém a form a ou form as de adesão e de desligam ento dos entes políti-
cos participantes. Por outro lado, o Estado poderia adotar com o princípio
geral que as funções públicas estaduais de caráter regional, tais com o a
adm inistração dos serviços de transporte públicos interm unicipais e a orga-
nização dos serviços de águas e esgotos, fossem exercidas pelas entidades
das regiões m etropolitanas, aglom erações urbanas e m icrorregiões.
Sugeria-se tam bém que a lei com plem entar estadual definisse critérios
específicos para redistribuir entre os m unicípios integrantes das regiões
m etropolitanas, aglom erações urbanas e m icrorregiões, as receitas públicas
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m unicipais a que se refere o artigo 158, item IV, da C onstituição Federal.
Para que essa redistribuição servisse de estím ulo à participação dos
m unicípios nos organism os regionais, a parcela da receita m unicipal a
que se refere o inciso IV, o parágrafo único e o inciso II do artigo 158 da
C onstituição Federal, poderia ser distribuída, por exem plo, segundo os
seguintes critérios:
– 70% redistribuído a todos os m unicípios do Estado, proporcional-
m ente à população total dos m unicípios;
– 15% redistribuído entre os m unicípios das regiões m etropolitanas,
aglom erações urbanas ou m icrorregiões, proporcionalm ente à po-
pulação total desses m unicípios, ou em função do serviço com um a
ser prestado;
– 15% atribuído em partes iguais aos m unicípios das regiões m etro-
politanas, aglom erações urbanas ou m icrorregiões, para redistribuição
entre si a seu critério.
É m uito provável que todos os m unicípios do Estado estivessem interes-
sados em participar de algum a entidade regional.
Novas Formas de AtuaçãoN ada disso se concretizou.
A C onstituição de São Paulo, ao estabelecer norm as de criação das regi-
ões m etropolitanas, não seguiu esse cam inho. Independentem ente de
com o as regiões m etropolitanas se im plantaram nos vários Estados, algu-
m as form as de atuação na solução dos problem as com uns foram im plan-
tadas de m odo sim ilar às diretrizes citadas anteriorm ente. U m exem plo
nesse sentido é o apresentado por A na Lúcia A ncona em seu texto D esa-
fios do D esenvolvim ento U rbano Sustentável (publicado neste livro).
A autora faz um a avaliação da função pública de interesse com um , que
é a “proteção aos m ananciais”, desde seus prim órdios. N o passado, pro-
curou-se enfrentar o problem a com a Lei de Proteção dos M ananciais
(LPM ) da Região M etropolitana de São Paulo (Leis Estaduais 898/75 e
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
1.172/76 e D ecreto Estadual 9.714/77, com base no Plano M etropolitano
de D esenvolvim ento Integrado PM D I/71). “A preservação dos m ananciais
deveria ser garantida apenas pela im posição de restrições adm inistrativas
ao uso e ocupação do solo. O s lim ites de aproveitam ento, para qualquer
tipo de atividade, foram estabelecidos de acordo com a capacidade natu-
ral das bacias hidrográficas protegidas de assim ilar cargas poluidoras. Li-
m ites tão restritivos deveriam ser “assim ilados” por 26 m unicípios, dos
quais 7 (sete) estão inteiram ente inseridos nas áreas protegidas, bem com o
por m oradores, em presários, agricultores e proprietários da terra. O s con-
flitos com interesses concretos, definidos pela LPM , geraram , por parte
dos autores envolvidos, estratégias contraditórias que variam da derrogação
da lei à busca de direitos junto à justiça”. O s resultados dessas leis foram
contraproducentes e desastrosos. Em lugar de proteger da urbanização
as áreas em questão, com a baixa dos preços dos terrenos decorrente, a
área foi m aciçam ente ocupada por assentam entos irregulares de alta den-
sidade populacional, inclusive favelas.
Na década de 1990 com eçou a se encarar a função pública de proteção
aos m ananciais de m aneira diferente, objetivando m ais um a ação estratégica
(parcerias dos m unicípios, Estados, sociedade civil) do que o planejam ento
global com perspectivas a longo prazo. Com a regulam entação da Lei 7.663/
91, referente à Política Estadual de Recursos Hídricos, as prefeituras e a soci-
edade civil tornaram -se institucionalm ente parceiras do governo do Estado
na gestão dos recursos hídricos. Foram constituídas entidades regionais se-
gundo as bacias hidrográficas e estabelecidos program as e recursos financei-
ros para a preservação am biental. Foi criado o sistem a integrado de
G erenciam ento dos Recursos Hídricos - SIG RH - na própria Lei 7.663/91, re-
gulam entado nos Decretos 36.787, 38.455/94 e 39.742/94. O sistem a é cons-
tituído dos seguintes órgãos colegiados, consultivos e deliberativos:
–Conselho Estadual de Recursos Hídricos (C RH ), e
–Com itês de Bacias H idrográficas (C BH s).
O s C BH s são órgãos descentralizados, que exigem a participação tripartite
de representantes do governo do Estado, dos m unicípios e da sociedade
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civil. A m aneira com o vem sendo tratada a função pública de proteção
dos m ananciais, através de com itês e conselhos, a adesão voluntária dos
m unicípios interessados, a discussão dos instrum entos urbanísticos de
com petência m unicipal, tais com o exem plificando a transferência do di-
reito de construir, que perm ite a preservação das áreas não adensáveis
sem prejuízo econôm ico do proprietário, são discutidos em conjunto e,
quando julgados úteis, adaptados e adotados por cada m unicípio, atra-
vés de legislação m unicipal, está dem onstrando um cam inho m ais eficaz
de com o o Estado, m unicípios e população podem conseguir os objetivos
propostos. A destinação de recursos do Estado para a solução do proble-
m a com um é um forte incentivo para a adesão dos m unicípios.
O Papel e a Eficácia do Plano de Desenvolvimento MetropolitanoO Plano de D esenvolvim ento M etropolitano – PD M era considerado
obrigatório pela versão antiga do Estatuto. Para solucionar os problem as
das regiões m etropolitanas, especialm ente os que se referem ao uso do
solo, o PD M deve ser encarado m ais estrategicam ente. D e fato, todos os
instrum entos abordados no Estatuto –O peração U rbana, Transferência
do D ireito de C onstruir, O utorga O nerosa, etc. –devem ser criados e apro-
vados pelas C âm aras M unicipais. Por outro lado, cada m unicípio tem suas
características específicas, sendo m uito difícil chegar a um plano m etro-
politano que atenda às necessidades de cada um . O plano seria provavel-
m ente um a carta de intenções. N o m om ento atual, conform e explica
Rachel C . M . Silva, em seu texto U rbanism o e Legislação U rbana face às
N ecessidades de G lobalização: urbanism o para um a cidade m undial: “a
globalização e as novas tecnologias m udam significativam ente a noção
do tem po. A volatibilidade que caracteriza essa nova ordem econôm ica
torna m uito difícil o planejam ento a longo prazo. D essa form a, o planeja-
m ento estratégico aparece cada vez m ais com o um a ferram enta im por-
tante dos governos m unicipais das grandes cidades, justam ente porque
pretende aum entar a produtividade das decisões governam entais. O Plano
Estratégico, ao contrário do Plano D iretor, não em bute em si diretrizes de
longo prazo. Ele olha a cidade pelo viés da oportunidade, das vocações e
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
potencial econôm ico, e traça estratégias políticas, culturais e sociais de pro-
jetos e obras que m axim izem oportunidades e vocações”.
Carlos M atus, por sua vez, com para o “diagnóstico”dos planos tradicio-
nais e “a análise situacional”do Plano Estratégico Situacional - PES: “O
planejador tradicional vale-se do conceito de diagnóstico para explicar a
realidade”. O analista que diagnostica deve ser objetivo, científico e rigoro-
so; deve descobrir a verdade no singular e, a partir dela, construir o plano
para m udá-la. O diagnóstico, nesse caso, deve ser único e válido para to-
dos. Na versão do planejador tradicional, o diagnóstico é a verdade sobre
um a realidade. O planejam ento tradicional só reconhece um ator sobre
um a realidade. O governo do Estado e os dem ais são agentes com condu-
tas previsíveis. Ao contrário, para o PES, o que há é um jogo entre vários
atores e, em conseqüência, surge a pergunta: Com o esses vários jogadores
explicam a realidade do jogo? C ada jogador tem a sua verdade? Q ual o
fundam ento explicativo a partir do qual cada jogador faz seus planos para
ganhar o jogo? A explicação que cada ator constrói sobre um a realidade
não é um am ontoado de dados e inform ações; os dados podem ser objeti-
vos e igualm ente acessíveis a todos. A explicação é um a leitura dos dados
e inform ações que expressam a realidade. C ada ator retira da realidade
um a interpretação dos fatos, conform e as lentes com que observa.
O planejam ento a longo prazo, im plícito nos Planos Diretores e no Plano
M etropolitano, se torna cada vez m enos eficaz. O s sistem as inform atizados
perm item levantam entos rápidos da situação atual e conseqüente acom -
panham ento e adaptações das soluções propostas às novas realidades.
A participação de vários autores, com a visão e interpretação de sua
realidade, no processo de planejam ento, nos parece um cam inho para a
im plantação dos planos.
C oncluindo:
– os organism os regionais devem ser flexíveis, podendo apresentar con-
figurações diversas para as várias funções públicas. Sua vitalidade
deverá decorrer da necessidade de solução dos problem as com uns,
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evitando, dessa form a, transform ar-se em m eras entidades adm inis-
trativas inoperantes, que term inam apenas por sobrecarregar a ad-
m inistração governam ental;
– a adesão dos m unicípios a um a região m etropolitana, aglom eração
urbana ou m icrorregião e a regionalização das funções públicas, para
surtir efeitos, devem resultar da adesão voluntária dos m unicípios,
estim ulados de diversas form as, inclusive com com pensações de
natureza financeira para os participantes de entidades regionais, por
parte do Estado;
– os participantes determ inarão as funções públicas que serão objeto
de integração, da organização, do planejam ento e da execução em
cada conjunto de m unicípios;
– a gestão das funções públicas integradas deve ser realizada com a
participação obrigatória dos poderes públicos de onde se origina-
ram , por representantes do Executivo e do Legislativo, assegurada a
participação de entidades representativas da sociedade civil.
Referências BibliográficasM O REIRA , A ntonio C láudio, D E A M BRO SIS, C lem entina, A ZEVED O
N ETTO , D om ingos Theodoro, D E VILLA , Bona, M O REIRA , M ariana,
O LIVEIRA , M aria N iedja Leite, A RTO N I, Silvineis S. R.O município e
a questão urbana . Sugestões para a C onstituição do Estado de São
Paulo. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lim a –Cepam ,1989.
A N C O N A , A na Lucia. Desafios do desenvolvimento urbano sustentá-
vel , 2000.
SILVA , Rachel C . M . U rbanism o e Legislação U rbana face às N ecessida-
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nos de Urbanismo , ano I, n.1. Rio de Janeiro: Secretaria M unicipal
de U rbanism o, 1999.
H U ERTA S, Franco.O método PES : entrevista com M atus/Franco H uertas.
Tradução de G isela Barrosos Sauver. São Paulo: Fundap, 1996.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
PARTE II - INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS
DIREITO DE PREEMPÇÃOEurico de Andrade de Azevedo 91
ConceitoO direito de preem pção, tam bém cham ado de preferência, é um insti-
tuto de direito privado. Está previsto no C ódigo C ivil, nos artigos 1.149 a
1.154, com o um a cláusula especial passível de ser introduzida em um
contrato de com pra e venda. É um a faculdade pessoal que se assegura ao
vendedor para readquirir a coisa vendida, se o com prador resolver revendê-
la a terceiro. É, pois, um a preferência que se concede ao vendedor para
reaver o bem vendido, pagando ao com prador o preço oferecido pelo
terceiro interessado, ou o preço ajustado. Trata-se, a rigor, da substituição
forçada do novo adquirente. Paulo vende um a casa a Tito, m as se reserva
o direito de preem pção, ou seja, a faculdade de readquirir a casa, se Tito
for vendê-la a terceiro. Esse terceiro com prador, portanto, é substituído
pelo prim itivo vendedor.
O C ódigo C ivil não estabeleceu prazo para a validade do direito de
preem pção, m as se trata de um direito pessoal, ou seja, a ser exercido
som ente pelo vendedor prim itivo, não podendo ser cedido, nem transm i-
tido por herança (art. 1.157). O com prador deverá dar ciência ao vende-
dor do preço e condições ajustados para a venda e aquele deverá decidir
pelo exercício do direito de preferência em três dias, se se tratar de bem ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
91 Procurador da Justiça aposentado, ex-Professor de D ireito A dm inistrativo da Faculdade de
D ireito de O sasco e sócio do Escritório A ndrade A zevedo e A lencar C onsultoria Jurídica. Foi
o prim eiro diretor do C epam , quando instituído em 1967, voltando à direção da Fundação
Prefeito Faria Lim a, em 1988.
m óvel, e em 30 dias, se for im óvel. Se o com prador não der ciência do
fato ao vendedor, responderá por perdas e danos.
Em outros dispositivos, o C ódigo C ivil concede preferência ao condôm ino
de im óvel indivisível, para a aquisição da parte de outro condôm ino, nas
m esm as condições em que um terceiro proponha (arts. 632 e 1.139). D e
igual form a, o foreiro ou enfiteuta possui preferência para adquirir o do-
m ínio direto do im óvel, se o senhorio pretender vendê-lo ou dá-lo em
pagam ento (art. 684). Reciprocam ente, o senhorio direto tem preferên-
cia para a aquisição do dom ínio útil (art. 683).
O direito de preferência tem sido outorgado, tam bém , por outras leis,
em situações especiais. A ssim , o Estatuto da Terra concede preferência ao
arrendatário para a aquisição, em igualdade de condições, do im óvel ar-
rendado, se o proprietário for vendê-lo a terceiro (Lei 4.504/64, art. 92, §
3o). Igualm ente, a Lei do Inquilinato dá preferência ao locatário para ad-
quirir o im óvel locado, em igualdade de condições com terceiros, deven-
do o locador dar-lhe conhecim ento do negócio m ediante notificação (Lei
8.245/91, arts. 27 a 34).
N os casos em que o direito de preferência decorre da lei, ele produz
efeitos reais, inclusive contra terceiros de boa-fé. Isso significa que, não
cum prindo o proprietário o dever de notificar o titular do direito de prefe-
rência, esse poderá exercê-lo no prazo de 30 dias, havendo o im óvel ven-
dido do terceiro adquirente, m ediante o pagam ento do preço
convencionado.
C om o se vê, o direito de preferência é instituto de direito privado, po-
dendo ser estabelecido por convenção das partes (no contrato de com pra
e venda) ou decorrer de im posição legal, em situações especiais em que o
legislador entenda privilegiar um a das partes envolvidas no negócio jurí-
dico. A gora, pretende-se utilizá-lo para fins urbanísticos, conferindo-lhe
características específicas, com o propõe o Estatuto da C idade, cujo proje-
to se encontra em tram itação no C ongresso N acional. A ntes, porém , ve-
jam os com o é tratado na Lei de Proteção ao Patrim ônio H istórico e A rtís-
tico N acional.
Direito de Preempção e TombamentoA proteção ao patrim ônio histórico e artístico nacional é objeto do D e-
creto-Lei 25, de 30 de novem bro de 1937, que determ ina seja essa prote-
ção realizada m ediante o tombamento do bem , ou seja, a sua inscrição
no Livro do Tom bo, após o procedim ento adm inistrativo com petente, em
que fique dem onstrado o respectivo valor histórico, artístico, paisagístico,
turístico, cultural ou científico. A finalidade do tom bam ento, que abran-
ge bens m óveis e im óveis, é a preservação da coisa ou do local, conside-
rado de relevância para o patrim ônio cultural brasileiro (C F, art. 216).
O tom bam ento produz vários efeitos, entre os quais a im posição de
restrições à m odificação do bem e à sua alienabilidade. Realm ente, o
D ecreto-Lei 25/37 estabelece que as coisas tom badas não podem ser
destruídas, dem olidas ou m utiladas, podendo ser reparadas, pintadas ou
restauradas, m ediante autorização do órgão com petente. D o m esm o
m odo, sua alienação onerosa não pode ser efetuada sem que tais coisas
sejam oferecidas à U nião, Estado e m unicípio onde se encontrarem . O
diplom a, portanto, estabeleceu o direito de preferência em favor daque-
las entidades e naquela ordem (U nião, Estado e m unicípio), caso o propri-
etário resolva vender ou dar em pagam ento o bem tom bado.
O dono da coisa, antes de sua alienação, deverá notificar os titulares do
direito de preferência para usá-lo no prazo de 30 dias, pagando o m esm o
preço estabelecido para a transação, sob pena de perdê-lo. É nula a alie-
nação sem o cum prim ento dessa form alidade, podendo qualquer das
entidades estatais solicitar o seqüestro do bem tom bado, devendo a nuli-
dade ser pronunciada pelo juiz que determ inar o seqüestro.
N os casos de venda judicial do bem tom bado, os titulares do direito de
preferência deverão ser previam ente notificados e poderão exercer o di-
reito de rem ição se dele não lançarem m ão, no prazo da lei, as pessoas
que tiverem a faculdade de rem ir. Isso significa que qualquer das entida-
des estatais poderá ficar com o bem , efetuando o pagam ento do valor
alcançado no leilão.
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C om o se percebe, o direito de preferência, no caso, objetiva assegurar
o controle do patrim ônio cultural da N ação e, se possível, obter o respec-
tivo direito de propriedade para um a das entidades estatais. Por isso, quan-
do o bem tom bado já pertence à União, ao Estado ou ao m unicípio, só
pode ser transferido de um a a outra.
A Proposta do Estatuto da CidadeO cham ado Estatuto da C idade, que se consubstancia em um Projeto
de Lei em andam ento no C ongresso N acional e cuja últim a versão consta
de Substitutivo apresentado pelo deputado Inácio A rruda, em 1999, rela-
ciona o direito de preempção como um dos instrumentos jurídicosda política urbana (art. 4o, v, letra m ). E, nos artigos 25 a 27, traça as
suas linhas m estras.
N os term os do Estatuto, o direito de preem pção confere ao Poder Públi-
co m unicipal preferência para a aquisição de im óvel urbano objeto de
alienação onerosa entre particulares. Para esse fim , lei m unicipal, baseada
no Plano D iretor, delim itará as áreas em que incidirá o direito de preem pção
e fixará o prazo de vigência, que não poderá ser superior a cinco anos,
renovável a partir de um ano após o seu térm ino. N ota-se, aqui, que o
Estatuto prevê a existência de um direito de preempção temporário, eem zonas territoriais previam ente definidas por lei especial. O prazo de
cinco anos, renovável após um ano de intervalo, é o m esm o previsto na
Lei de D esapropriações para a eficácia do decreto de utilidade pública. Se
a desapropriação não for intentada nesse prazo, som ente após o decurso
de um ano poderá o m esm o bem ser objeto de nova declaração (D ecreto-
Lei 3.365/41, art. 10).
D urante o prazo de vigência do direito de preem pção, este é assegura-
do independentem ente do núm ero de alienações referentes ao m esm o
im óvel. D eixa-se claro, portanto, que o Poder Público m unicipal pode dei-
xar de exercer o seu direito de preferência num a alienação e efetivá-lo
num a outra, em relação ao m esm o im óvel.
Em seguida, o Estatuto relaciona as finalidades urbanísticas que fun-
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dam entam a instituição do direito de preem pção. São elas: a) regulariza-
ção fundiária; b) execução de program as e projetos habitacionais de inte-
resse social; c) constituição de reserva fundiária; d) ordenam ento e
direcionam ento da expansão urbana; e) im plantação de equipam entos
urbanos e com unitários; f) criação de espaços públicos de lazer e áreas
verdes; g) criação de unidades de conservação ou proteção de outras
áreas de interesse am biental; h) proteção de áreas de interesse histórico,
cultural e paisagístico; e i) outras finalidades de interesse social ou de
utilidade pública, definidas no Plano D iretor.
Parece que a lei federal cobriu todos os cam pos de intervenção urbanís-
tica, deixando ainda um a válvula para que o próprio Plano D iretor estabe-
leça outros. D e qualquer form a, a expressão ordenamento urbano ésuficientem ente am pla para abranger todas as hipóteses de atuação do
Poder Público no planejam ento da cidade.Ordenar é pôr em ordem , isto
é, organizar o tecido urbano, de form a que ele possa proporcionar aos
habitantes m elhor qualidade de vida.
N ote-se que a lei m unicipal que instituir o direito de preem pção deve
enquadrar cada área em um a ou m ais das finalidades apontadas. A ssim ,
abre-se a possibilidade de oposição do particular ao exercício da prefe-
rência do m unicípio se a lei for om issa a respeito, ou não estar o Poder
Público dando o destino previsto para os im óveis adquiridos.
A liás, essa hipótese não está prevista no projeto. Suponham os que o
m unicípio venha a adquirir vários terrenos na zona em que incide o direi-
to de preem pção, m as não tenha com pletado a área necessária para o
em preendim ento desejado, deixando de executá-lo. U m projeto
habitacional, por exem plo. (Lem bre-se que o direito de preem pção só se
exerce quando o particular pretende vender o seu bem .) O prazo de inci-
dência term ina. C om o ficam os proprietários que já tiveram seus im óveis
transferidos ao Poder Público? Teriam direito de reavê-los pelo m esm o
preço que lhes foi pago? E o que faria o m unicípio com os terrenos adqui-
ridos sem ter atingido a área indispensável à realização da obra alm ejada?
Poderia destiná-los a outra finalidade de interesse público?
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N o caso da desapropriação, a jurisprudência tem se orientado no senti-
do de que se a A dm inistação der ao bem outra finalidade que não aquela
prevista no decreto expropriatório, m as ainda assim de interesse público,
não possui o ex-proprietário direito à sua retom ada. C aso, porém , não
ficar caracterizado o interesse público na nova utilização do bem , terá o
particular o direito de retrocessão. A inda recentem ente, o Superior Tribu-
nal de Justiça reconheceu ao ex-proprietário o direito de reaver o seu
im óvel, que fora desapropriado para a construção de um parque, m as
depois fora cedido parcialm ente para um a loja m açônica.
É evidente que o m unicípio poderia desapropriar a área restante e im -
prescindível ao seu propósito, m as, se tiver essa urgência, por que usar o
direito de preem pção, se dispõe da faculdade de expropriar qualquer im óvel
em seu território? A lém disso, tendo um a parte da área sido adquirida
por m eio da preem pção e outra m ediante a desapropriação, poderia ha-
ver disparidade nos preços pagos, ocasionando reclam ações dos ex-pro-
prietários.
O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o im óvel, para
que o m unicípio, no prazo m áxim o de 30 dias, m anifeste por escrito seu
interesse em comprá-lo (art. 27,caput ). O prazo é o m esm o da Lei de
Tom bam ento, m as, enquanto nesta, o Poder Público deve exercer o seu
direito de preferência, ou seja, adquirir o bem e pagar o preço naquele
prazo, no Estatuto, o dispositivo só se refere amanifestar o seu interesseem fazê-lo. N a verdade, porém , naquele prazo de 30 dias,deverá o mu-nicípio concretizar o negócio, visto que o § 3o do m esm o artigo estabe-
lece que, decorridos os 30 dias, o proprietário fica autorizado a realizar a
alienação a terceiros. Por conseguinte, é indispensável que o Poder Públi-
co m unicipal tenha sua adm inistração preparada para exercer o direito de
preem pção no exígüo prazo de 30 dias.
C onsideram os esse prazo excessivam ente curto para que o m unicípio
possa efetuar a aquisição. N o m ínim o, os seguintes passos deverão ser
seguidos para que a A dm inistração m unicipal possa efetivam ente adqui-
rir o bem que lhe é oferecido em preferência. Prim eiro, a notificação deverá
• 181 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ser encam inhada aos órgãos técnicos de planejam ento e finanças, para
verificar a conveniência da operação. Em seguida, cabe verificar se há
verba disponível para esse fim . D epois, o procedim ento será subm etido à
decisão do prefeito (ou seu delegado), para ulterior em penho da verba e
rem essa ao setor jurídico para concluir a operação. O ra, para quem co-
nhece a A dm inistração m unicipal brasileira –quer nos m unicípios peque-
nos, quer nos grandes –parece ser im praticável a realização de todos
esses atos no curto prazo de 30 dias.
É claro que estam os supondo que a lei que instituiu o direito de
preem pção em determ inada zona já tenha estabelecido a dotação orça-
m entária indispensável para o seu exercício. C aso contrário, será total-
m ente ineficaz. D e qualquer m aneira, o projeto deveria fixar 30 dias para
o m unicípio m anifestar o seu interesse na com pra. E m ais90 dias paraque possa concretizar o negócio.
D eterm ina o Estatuto que à notificação supra-referida o proprietário
deve anexar a proposta de com pra do terceiro interessado, da qual deve-
rá constar o preço, as condições de pagam ento e o prazo de validade. É
pressuposto, portanto, que o m unicípio só poderá exercer o seu direito
de preferência nas m esm as condições apresentadas pelo interessado na
com pra. Tanto assim que a A dm inistração m unicipal fará publicar em jor-
nal local ou regional edital de aviso da notificação recebida e daintençãode aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.
A ssim , a possibilidade de se exercer o direito de preem pção pelo valor
do Im posto Predial e Territorial U rbano - IPTU , prevista na versão anterior
do Estatuto e por m uitos considerada inconstitucional, deixou de existir.
O u m elhor, só existe com o sanção à tentativa de fraude com etida pelo
proprietário, com o verem os adiante.
Transcorrido o prazo de 30 dias, fica o proprietário autorizado a realizar
a alienação a terceiros nas condições da proposta apresentada (art. 27, §
3o). Isso significa que o dono do im óvel poderá vendê-lo a outrem que
não o proponente inicial, desde que o faça nas m esm as condições da
proposta ou em condições m elhores de venda. A ssim se deduz porque,
○ ○ ○ 182 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
não tendo o m unicípio se interessado pela com pra nas condições da pro-
posta, presum e-se seu desinteresse se as condições forem m ais onerosas.
Todavia, não fixou o Estatuto um prazo m áxim o para que o proprietário
aliene seu im óvel sem nova consulta ao m unicípio. Essa consulta valeria
para todo o período fixado para o direito de preem pção (cinco anos)?
N ão parece razoável, visto que as condições de m ercado podem variar
com freqüência. A lguns países estabelecem o prazo de oito m eses, outros
de dois. C aso o proprietário não concretize nenhum negócio nesse perío-
do, deverá notificar novam ente o Poder Público.
Realizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar
ao m unicípio, dentro de 30 dias, cópia do instrum ento público de aliena-
ção (art. 27, § 4o). M elhor seria que o Estatuto im pusesse essa obrigação
ao O ficial do Registro de Im óveis do distrito onde se localiza o im óvel,
porque ficaria m ais fácil controlar o exam e do cum prim ento das obriga-
ções legais. Se o particular não encam inhar o instrum ento público da
venda, com o poderá o m unicípio verificar se esta foi efetuada nos term os
da proposta apresentada com a notificação? A liás, dever-se-ia im por ao
O ficial do Registro de Im óveis o dever de fiscalizar se houve consulta pré-
via ao m unicípio em todas as transações efetuadas com im óveis dentro
de sua circunscrição, exigindo cópia da notificação feita e da resposta da
A dm inistração m unicipal. Só assim se poderia exercer o controle da boa
aplicação do direito de preferência.
A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada
é nula de pleno direito (art. 27, § 5o). Essa disposição é extrem am ente
salutar e consta tam bém da Lei de Tom bam ento (art. 22, § 2o). N essa
hipótese, sim , poderá o m unicípio adquirir o im óvel pelo valor da base de
cálculo do IPTU , ou então pelo valor indicado na proposta apresentada,
se este for inferior àquele (art. 27, § 6o).
O valor da base de cálculo do IPTU , em geral, é inferior ao valor de
m ercado. N esse caso, parece adm issível que a lei autorize a aquisição por
aquele valor, já que houve um a tentativa de fraude do proprietário, ao
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
apresentar ao m unicípio proposta fictícia, em desacordo com o negócio
efetivam ente realizado pelo com prador particular.
O s dispositivos citados (art. 27, §§ 5o e 6o) têm ainda o condão de inibir
os negócios im obiliários na zona especial de incidência do direito de
preem pção. Isso porque, na prática cotidiana, sabe-se que os interessa-
dos procuram celebrar o contrato de venda e com pra por valor abaixo do
pactuado realm ente (em geral, pelo valor da base de cálculo do IPTU ),
para dim inuir o Im posto de Transm issão de Bens Im óveis e os em olum entos
cartorários, ou ainda por problem as de declaração de renda. O ra, haven-
do necessidade de se celebrar o instrum ento público de venda pelo valor
real da proposta efetuada, m uitos deixarão de realizar o negócio.
Pergunta-se: é possível ao proprietário desistir do negócio? A dm ita-se
que, depois de efetuar a notificação ao m unicípio, o vendedor queira
desistir da venda. Poderá fazê-lo? Parece-nos que, dentro do prazo de 30
dias, não. D everá subm eter-se ao interesse público. Seria indispensável,
contudo –com o já alertam os acim a –que o Estatuto estabelecesse um
prazo dentro do qual o proprietário pudesse efetuar a venda sem nova
consulta ao m unicípio. Suponham os que, notificado, o Poder Público dei-
xe de exercer o seu direito de preferência. Q ue prazo teria o dono do
im óvel para efetuar a venda sem nova consulta?
Por últim o, convém alertar que o direito de preem pção só incide na
alienação onerosa entre particulares, com o previsto no caput do arti-
go 25. Isso significa que, nos casos de herança, legado, doação e dação
em pagam ento, não poderá o m unicípio exercer o direito de preferência.
D e igual form a, fica excluída da preem pção qualquer alienação (ainda
que onerosa) em que figure, com o um a das partes,pessoa jurídica dedireito público, pois o Estatuto restringe a sua incidência som ente a
particulares, o que inclui as pessoas jurídicas de direito privado.
Finalm ente, o Estatuto dispõe que o m unicípio deverá publicar, em ór-
gão oficial e em outro jornal local ou regional de grande circulação, edital
de aviso da notificação recebida e do seu interesse na aquisição do im óvel
○ ○ ○ 184 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
nas condições da proposta apresentada (art. 27, § 2o). Sem dúvida, é
salutar o dispositivo, cuja finalidade é levar ao conhecim ento da popula-
ção os negócios realizados pela prefeitura, a fim de perm itir a fiscalização
dos m unícipes.
Direito de Preempção e Urbanismo
A questão que se coloca é saber se o direito de preem pção tem utilida-
de prática para fins de planejam ento urbano. U m a prim eira vantagem é
perm itir ao Poder Público ser inform ado de todos os projetos de venda
existentes na zona delim itada e, assim , tom ar conhecim ento das inten-
ções dos particulares, podendo evitar que se pratiquem atos danosos ao
ordenam ento da área, com o a dem olição de prédios que devam ser con-
servados e outras situações sem elhantes. É evidente que, para esse fim , a
prefeitura deverá ter um serviço de planejam ento bem aparelhado, de
form a a perm itir aquele controle, o que é raro nos m unicípios pequenos e
em m uitos grandes.
O utra vantagem que se aponta no direito de preem pção é a possibilida-
de de o Poder Público adquirir progressivam ente os terrenos necessários
ao planejam ento da cidade, antes que o aum ento dos preços e a especu-
lação tornem inviável essa aquisição. Tal faculdade perm ite que o m unicí-
pio constitua um a reserva fundiária, um Banco de Terras, o que m uito
facilitaria a execução de seus projetos, dentro do plano diretor de desen-
volvim ento urbano, principalm ente aqueles relacionados com a constru-
ção de habitações de interesse social. Essa vantagem , no Brasil, pratica-
m ente desaparece em face da escassez de recursos de que padecem aquase totalidade dos m unicípios, que sequer conseguem resolver proble-
m as m ais graves e m ais urgentes.
A rgum ento de m aior peso é o de que a sim ples existência do direito de
preem pção, perm itindo que o Poder Público adquira o im óvel posto a
venda, deve contribuir para frear a alta dos respectivos preços. N ão há
dúvida que sim , um a vez que, representando um a intervenção no m erca-
do im obiliário e dificultando as transações entre os particulares, é prová-
• 185 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
vel que sem pre haja algum a contenção da especulação. N ão obstante,
para que realm ente venha a produzir os efeitos desejados, é indispensá-
vel que ele seja realm ente exercido, ainda que esporadicam ente, pois,
caso contrário, a lei que o instituiu será considerada “letra m orta”.
O Direito de Preempção em outros Países92
Pesquisa feita pelo Instituto de D ireito C om parado da U niversidade de
D ijon, França, em 1977, procurou indagar sobre a aplicação dos instru-
m entos jurídicos da política fundiária das cidades em 13 países desenvol-
vidos do m undo ocidental (A lem anha, Á ustria, Bélgica, C anadá, D ina-
m arca, Espanha, Estados U nidos, França, G rã-Bretanha, H olanda, Itália,
Suécia e Suíça) m ais o Japão, países que tinham em com um a intenção de
colocar a propriedade privada a serviço da política de desenvolvim ento
urbano, m as ao m esm o tem po perm anecendo fieis à apropriação privada
do solo. O s relatórios nacionais revelaram que o direito de preem pção
estava em plena expansão na legislação, m as que seu alcance prático era
difícil de avaliar.93
O ra, se isso ocorre em países ricos e de alto grau de desenvolvim ento, é
preciso exam inar com cuidado a conveniência da introdução do instituto
no Brasil, conhecidas que são as deficiências da adm inistração e do pla-
nejam ento m unicipais. Se não for bem regulam entado pelo legislador e
bem trabalhado por um a A dm inistração com petente, o direito de
preem pção –que poderia ser útil em m uitas hipóteses –corre o risco de
cair em descrédito, ou tornar-se letra m orta, com o acontece com inúm e-
ras outras leis.
N a m aioria daqueles paises, o direito de preem pção decorre sem pre de
um plano de ocupação do solo e tem por objetivo satisfazer um a necessi-
dade pública, já que se trata de um a variante da aquisição com pulsória,
com parável à desapropriação. O s casos para os quais se autoriza o direito ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
93 Este tópico está baseado no livro: Les instruments juridiques de la polit ique foncière de
villes - Études com paratives portant sur quatorze pays occidentaux, sous la direction de M ichel
From ont, Bruxelles: Bruylant, 1978.94 O b. cit., p. 671.
○ ○ ○ 186 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de preem pção são basicam ente os m esm os previstos no Estatuto: execu-
ção de program as de ordenam ento urbano, im plantação de equipam en-
tos urbanos, criação de áreas verdes, constituição de reserva fundiária,
proteção de áreas de interesse histórico e cultural. Em algum as legisla-
ções, há um prazo para que o Poder Público realize o em preendim ento,
sob pena de o bem voltar ao proprietário prim itivo.
N os paises em que o direito de preem pção tem por finalidade tam bém
frear a especulação im obiliária, em geral o Poder Público possui a faculda-
de de revender o im óvel por um preço superior ao da com pra, benefician-
do-se da m ais-valia resultante de planos e projetos propostos para a zona
delim itada. Para chegar a esse objetivo, considera-se necessário que o
direito de preem pção seja im posto o m ais cedo possível, bem antes de os
planos e projetos de ordenam ento urbano provocarem a alta generaliza-
da dos preços dos terrenos.
A lgum as legislações exigem um a área m ínim a do terreno, para que o
direito de preem pção seja exercido (6.000 m 2, na D inam arca); em outras,
são excluídos os lotes edificados. C ertas nações exim em da incidência a
venda ao cônjuge ou a parente próxim o. Tam bém tem preferência sobre
o Poder Público o co-proprietário do im óvel.
A com patibilidade do direito de preem pção com a proteção constitucio-
nal ao direito de propriedade tam bém foi levantada, em particular nos
países onde o preço pago é inferior ao preço de m ercado. (A lguns consi-
deram que o preço oferecido pelo im óvel pode ser até m esm o superior ao
do m ercado, em face de interesses pessoais do com prador.) Isso porque
constitui regra geral a afirm ação de que nenhum proprietário pode ser
despojado de seu bem , em benefício do interesse público, senão m edian-
te um a justa indenização, o que rem ete o problem a para a questão do
preço. D aí porque, em m uitas nações, o preço do im óvel deve ser idêntico
ao da desapropriação.
O s critérios de fixação de preço são diversos. A lguns países m andam
que o Poder Público pague o preço convencionado entre vendedor e com -
• 187 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
prador. O utros estabelecem o preço de m ercado, que pode ser determ i-
nado em negociação am igável com o vendedor ou ser fixado m ediante
arbitram ento. O utros, ainda, determ inam que o preço seja estabelecido
sob as m esm as regras da desapropriação, adm itindo-se os m esm os recur-
sos previstos para esta.
Se o Poder Público não exerce o seu direito de preferência, alguns paí-
ses adm item que o vendedor disponha livrem ente de seu im óvel, dentro
de certo tem po (oito m eses na D inam arca, dois na H olanda). O utros, po-
rém , só perm item a alienação nas m esm as condições propostas ao Poder
Püblico e qualquer outra venda posterior continua subm etida ao direito
de preem pção.
Segundo o relator dos trabalhos referentes ao direito de preem pção –
M artin Bullinger –a com paração do instituto na legislação dos diversos
países não perm itia tirar conclusões definitivas porque, na m aioria deles,
havia pouca experiência prática a respeito. Vários fatores devem estar
reunidos para que o direito de preem pção possa facilitar o planejam ento
urbano. Em prim eiro lugar, é indispensável que o direito de preem pção
seja im posto bem antes de um plano de desenvolvim ento urbano para
que seja possível ao Poder Público adquirir os im óveis necessários à sua
intervenção. Em segundo lugar, é im portante considerar que o instituto,
no direito privado, está visivelm ente em declínio e, onde ainda existe, sem
im portância prática. E, finalm ente –e m ais im portante –é obter os recur-
sos necessários para que o titular do direito possa adquirir em tem po útil
os terrenos indispensáveis aos seus planos urbanísticos.
ConclusõesEm face das conclusões desses estudos com parativos –que, em bora
datados de 1978, devem m anter-se atuais –é desanim adora a perspecti-
va de introdução do direito de preem pção na legislação urbanística brasi-
leira. Basta atentar para o fato de que –entendendo os representantes
dos países desenvolvidos, ser a provisão de recursos para as m unicipalidades
o principal fator de êxito da aplicação do direito de preem pção –inexistindo
○ ○ ○ 188 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
recursos, a sua aplicação está destinada ao fracasso. O ra, é m ais do que
sabida a situação de penúria financeira em que se encontram os nossos
m unicípios! D e que adiante ter preferência para com prar se não há di-
nheiro disponível para isso?
A cresce, ainda, que a aplicação do direito de preem pção exige um a
adm inistração com petente, ágil, diligente, que possa atuar com base no
Plano D iretor e em planos e projetos urbanísticos específicos. Passados
m ais de dez anos da prom ulgação da C onstituição de 1988, quantos são
os m unicípios brasileiros que dispõem desse Plano? E, no entanto, ele é
obrigatório para todas as cidades com m ais de 20 m il habitantes (C onsti-
tuição Federal, art. 182, § 1o) e, no Estado de São Paulo, para todos os
m unicípios (C onstituição Estadual, art. 181, § 1o).
A adoção do direito de preem pção com o form a de evitar ou dim inuir
a especulação im obiliária –com pagam ento do preço e nas condições
da proposta apresentada pelo interessado –é um dos poucos fatores
que pode ser considerado com o eficiente para a sua adoção. N ão
obstante, para se chegar a esse objetivo, considera-se necessário que o
direito de preem pção seja im posto o m ais cedo possível, bem antes de
os planos e projetos de ordenam ento urbano provocarem a alta genera-
lizada dos preços dos terrenos, assim com o seja exercido de fato, ainda
que esporadicam ente.
Para a preservação de bens históricos ou a proteção a lugares paisa-
gísticos, é possível utilizar-se do tom bam ento, que não acarreta nenhum
dispêndio im ediato para a m unicipalidade. E eventual indenização som ente
seria devida se as condições im postas pelo tom bam ento resultassem na
interdição de uso do bem ou prejudicassem sua norm al utilização, supri-
m indo ou depreciando o seu valor econôm ico.94
Para a obtenção de áreas necessárias a planos e projetos de desenvolvi-
m ento urbano, o m unicípio poderá fazer uso dadesapropriação, figura ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
94C f. H ely Lopes M eirelles,Direito administrativo brasileiro , 25ª ed. M alheiros, 2000, atuali-
zada por Eurico de A ndrade A zevedo, D élcio Balestero A leixo e José Em m anuel Burle Filho,
p. 528.
• 189 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
conhecida há m ais de 50 anos e que pode ser em pregada para esse fim
(D ecreto-Lei 3.365/41, art. 5o, letra i). Em bora tenha havido abusos no
em prego da desapropriação –já que o pagam ento da indenização devida
costum a ser diferido para gestões posteriores –parece-nos que sua apli-
cação, no cam po do urbanism o, terá m aior aceitação do que outras figu-
ras novas e pouco conhecidas.
D e qualquer form a, a se optar pela m anutenção do instituto no projeto
do Estatuto da C idade, deveria ser alterado, para a solução dos proble-
m as apontados neste trabalho.
REFORMA URBANA, ESTATUTO DA CIDADE E DIREITO DEPREEMPÇÃO
Eduard o Della Manna 95
O paradigm a dom inante que ainda tem orientado os estudos jurídicos
no Brasil, no que diz respeito à análise do processo de urbanização e de
seus variados e polêm icos aspectos, tem sido, certam ente, aquele pro-
posto pelo C ódigo C ivil, aprovado em 1916, quando ainda apenas 10%
da população vivia em cidades. H á m uito, o tratam ento liberal e individu-
alista dado pelo C ódigo C ivil à questão dos direitos de propriedade tem
orientado a m aioria das decisões judiciais, além de colocar obstáculos
para as tentativas de ação do Estado no controle do uso, ocupação e
desenvolvim ento da terra urbana.
A partir de tal perspectiva, enquanto a cidade é vista m eram ente com o
um conjunto de lotes de propriedade privada e algum as áreas públicas, o
D ireito lida basicam ente com as relações entre indivíduos; as restrições ao
pleno exercício do direito de propriedade im obiliária são dadas pelas lim i-
tações adm inistrativas, principalm ente em função das relações de vizi-
nhança. A rgum enta-se, tam bém , que foi em grande m edida por causa
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
95 A rquiteto com pós-graduação em U rbanism o M oderno e Contem porâneo (PUC C A M P),
consultor, diretor-executivo do Secovi-SP.
○ ○ ○ 190 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
dessa visão dom inante que o processo de urbanização brasileiro foi basi-
cam ente conduzido por interesses privados (Fernandes, 1998).
N o entanto, em bora o tem a de um a “reform a urbana” não seja novo
no debate sobre as cidades brasileiras –essa idéia já estava presente nos
m eios técnicos e profissionais desde os anos 60 –, é na década de 1980
que ganha im pulso, a partir do aum ento da intensidade e da visibilidade
pública dos m ovim entos urbanos e, particularm ente, dos m ovim entos de
m oradia. D urante o processo constituinte de 1988, um a nova plataform a
de reform a urbana reafirm aria o direito universal à cidade e clam aria por
instrum entos de intervenção que fossem capazes de intervir na dinâm ica
de produção im obiliária, abrindo novos espaços e estratégias na luta con-
tra a exclusão social.
A C onstituição Federal de 1988, além de inscrever o direito de proprie-
dade em geral dentre os direitos e garantias fundam entais (art. 5o, XXII),
condiciona sua garantia ao cum prim ento de um a função social (art. 5o,
XXIII), ratificando ainda a nova estrutura desse direito quando arrola com o
princípio da ordem econôm ica (art. 170, II e III) “a propriedade e sua
função social”. N o m ais, im põe tratam ento diverso às diferentes espécies
de propriedade - a urbana, a rural, a autoral, a de bens de produção, a de
recursos m inerais, etc.
O s conceitos, portanto, estão agora am algam ados, não se concebendo
um sem o outro. A função social não age, tais quais os instrum entos
urbanísticos, com o elem ento restritivo ou condicionador do livre exercício
dos três elem entos que com põem a propriedade, quais sejam , uso, gozo
e disposição (C ódigo C ivil Brasileiro, art. 524); incide, sim , sobre sua pró-
pria estrutura, qualificando-o, dando-lhe um a nova natureza intim am en-
te vinculada ao D ireito Público, ao cum prim ento de objetivos que
extrapolam os estreitos lim ites dos direitos individuais. Tanto assim que já
não m ais se adm ite a propriedade com o m ero instituto de direito civil,
que rem anesce nessa seara tão-som ente às relações civis a ela referentes
(Barreira, 1998).
• 191 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
É nessa nova sistem ática que a propriedade urbana é disciplinada no
texto constitucional no capítulo referente à Política U rbana (art. 182, §
2o), que explicita que a função social dessa espécie de propriedade coinci-
de com a da própria cidade: a ordenação dela, conform e as diretrizes
inscritas no Plano D iretor. N ão se concebe, então, a propriedade sem que
atenda às funções sociais da cidade. Para garantir o exato cum prim ento
dessas funções urbanísticas, autorizado está o m unicípio a editar lei
sancionatória contra o proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que não prom ova aproveitam ento adequa-
do às diretrizes do Plano D iretor.
Resum em -se as sanções autorizadas constitucionalm ente a serem apli-
cadas pelo m unicípio ao parcelam ento ou edificação com pulsório, ao
Im posto sobre a Propriedade Predial e Territorial U rbana - IPTU progressi-
vo no tem po, e à desapropriação com pagam ento m ediante títulos da
dívida pública de em issão previam ente aprovada pelo Senado Federal,
com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais, iguais e suces-
sivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (art. 182, §
4o, I, II, III).
Paralelam ente a essas m edidas, com o antes com entado, age o m unicí-
pio ainda na aplicação das diretrizes do Plano D iretor, através de leis urba-
nísticas específicas e de atos que restrinjam ou lim item o exercício do
direito de propriedade, denom inados instrum entos urbanísticos. Visando
ao cum prim ento do próprio objetivo do urbanism o, ou seja, o ordenam ento
das cidades para propiciar às pessoas suas funções básicas de m oradia,
locom oção, lazer e trabalho, ao m unicípio cabe legislar sobre diversos
aspectos, principalm ente quanto à ordenação do espaço urbano, através
do Plano D iretor, do zoneam ento, do loteam ento, do controle das cons-
truções, da com posição paisagística e da preservação do patrim ônio.
O m unicípio possui papel de destaque na federação brasileira em m até-
ria urbanística, e tal prerrogativa decorre prim ariam ente de sua com pe-
tência para tratar dos assuntos de interesse local, atribuída pelo artigo
○ ○ ○ 192 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
30, I, da C onstituição Federal. M esm o que a real acepção da expressão
“assuntos de interesse local” ainda com porte interpretações diversas, já
se estabeleceu que o que a caracteriza é a predom inância do interesse
local em relação ao Estado e à U nião, já que, a rigor, não há assunto
m unicipal que não seja, reflexam ente, de interesses estadual e nacional; a
diferença é apenas de grau, não de substância (M eirelles, 1993).
É fácil perceber, então, que a ordenação da cidade, através de norm as
urbanísticas, é assunto predom inantem ente local, e tal idéia reforça-se
ainda m ais diante da explicitação da natureza do Plano D iretor, verdadei-
ro instrum ento de planejam ento estratégico do próprio m unicípio, que,
aplicado por sua legislação correlata –Lei do U so, O cupação e Parcelam ento
do Solo, C ódigo de O bras, C ódigo A m biental e C ódigo de Posturas –
deve conter diretrizes das m ais diversas, desde as relacionadas às condi-
ções de acesso dos cidadãos aos seus direitos sociais e fundam entais,
com o em prego, habitação e serviços, passando pela proteção ao m eio
am biente e ao patrim ônio natural e cultural, até aquelas que digam res-
peito ao perfil econôm ico do m unicípio, entre outras.
Silva (1981p.77) ensina que “em verdade, as norm as urbanísticas m uni-
cipais são as m ais características, porque, no sistem a brasileiro, é nos m u-
nicípios que se m anifesta a atividade urbanística na sua form a m ais con-
creta e dinâm ica”. C ertam ente, a im plem entação pelo Poder Público des-
sa função de ordenar a cidade encontraria m ais am pla eficácia se todos
os terrenos urbanos fossem de dom ínio público, o que não ocorre em
nosso País, que garante, constitucionalm ente, o direito de propriedade
privada. C aberia, para transform ação do privado em público, a desapro-
priação geral, solução, entretanto, inviável pela sua dim ensão econôm i-
ca. D essa form a, restam a legislação urbanística com o um todo e, especi-
alm ente, os instrum entos de intervenção que restringem ou lim itam o
exercício do direito de propriedade, de form a a im por-lhe o cum prim ento
de sua função social.
Pode-se afirm ar, então, que, diante dos preceitos constitucionais relati-
vos ao urbanism o, prepondera a atuação m unicipal, pois que a com pe-
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
tência da U nião Federal para dispor sobre norm as gerais lhe reserva tão-
som ente o poder de estabelecer diretrizes para o desenvolvim ento urba-
no, com o ainda afirm a Silva:
“Em prim eiro lugar, só podem ser consideradas norm as gerais urbanís-
ticas aquelas que, expressam ente m encionadas na C onstituição, fixem os
princípios e diretrizes para o desenvolvim ento urbano nacional, estabele-
çam conceitos básicos de sua atuação e indiquem os instrum entos para
sua execução. O desenvolvim ento urbano consiste na ordenada criação,
expansão, renovação e m elhoria dos núcleos urbanos. N ão é objeto de
norm as gerais prom over em concreto esse desenvolvim ento, m as apenas
apontar o rum o geral a ser seguido, visando a orientar a adequada distri-
buição espacial da população e das atividades econôm icas com vistas à
estruturação do sistem a nacional de cidades e m elhoria da qualidade de
vida da população. Q uer dizer, o cam po das norm as gerais será o desen-
volvim ento interurbano e o m ero delineam ento para o desenvolvim ento
intra-urbano. A qui seu lim ite específico. A vançar neste será invadir terre-
no m unicipal” (Silva, 1995 p. 58).
A com petência outorgada pelo artigo 24, I, à U nião Federal para editar
norm as gerais coaduna-se com aquela que lhe atribui o artigo 21, XX,
tam bém do Texto C onstitucional, para fixar as diretrizes para o desenvol-
vim ento urbano, perm itindo a afirm ação de que a esse ente federativo
cabe estabelecer um Plano N acional de U rbanism o, instrum ento
assecuratório de um a identidade nacional de princípios que possibilite a
integração de planos estaduais e m unicipais, estes últim os consu-
bstanciados em seus respectivos Planos Diretores.
A U nião tem com petência para editar as norm as gerais sobre direito
urbanístico que têm por objetivo fixar os objetivos e diretrizes de desen-
volvim ento urbano. N a verdade, um a lei federal atenderia, satisfatoria-
m ente, à finalidade de assentar as bases do direito urbanístico nacional,
estabelecendo determ inados preceitos válidos para todo o território na-
cional, que deverão, por sua vez, ser respeitados pelos órgãos e agentes
públicos e privados.
○ ○ ○ 194 •
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N esse contexto, dentre os vários projetos de lei que tram itaram no C on-
gresso N acional visando regulam entar os artigos 182 e 183 da C onstitui-
ção Federal de 1988, tiveram destaque, nas discussões realizadas através
de debates, sem inários e audiências públicas prom ovidas nas com issões
perm anentes da C âm ara dos D eputados, o Projeto de Lei 2.191/89, de
autoria do deputado Raul Ferraz, e o Projeto de Lei 5.788/90, de autoria
do senador Pom peu de Souza, denom inado Estatuto da Cidade.96
A prim eira curiosidade que desperta o estudo do Projeto de Lei 5.788/
90 é ter um a previsão expressa em seu artigo 1o, parágrafo único: ter
um nom e que é justam ente a denom inação Estatuto da C idade ao tra-
tar dos princípios e objetivos nos quais são estabelecidos os conceitos
de política urbana, da garantia do direito à cidade, do urbanism o e do
direito urbanístico.
A política urbana é com preendida com o o conjunto de princípios e ações
que têm com o objetivo assegurar a todos o direito à cidade e entendendo
isso com o o conjunto de m edidas que prom ovam a m elhoria da qualida-
de de vida, m ediante a adequada ordenação do espaço urbano e a possi-
bilidade de fruição dos bens, serviços e equipam entos urbanos por todos
os habitantes da cidade. O direito urbanístico é entendido com o o con-
junto de preceitos que disciplinam o uso da propriedade urbana em prol ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
96 O Projeto de Lei 2.191/89, do deputado Raul Ferraz, dispunha sobre as diretrizes de desen-
volvim ento urbano e sobre as atividades de urbanização, estabelecendo regras para a elabora-
ção do Plano Diretor e para a im plantação de instrum entos de desenvolvim ento urbano com o
o direito de preem pção, a requisição urbanística, a transferência do direito de construir, a
regulam entação do usucapião urbano constitucional, o valor da desapropriação, o C onselho
N acional de D esenvolvim ento U rbano e os crim es em m atéria urbanística. A pesar da concor-
dância sobre as m atérias objeto deste Projeto de Lei, o Fórum N acional de Reform a U rbana
form ulou um substitutivo que resultou na apresentação do Projeto de Lei 4.004/89, da depu-
tada Lurdinha Savignon, que aprim orava o conteúdo original, principalm ente no sentido de
elim inar os dispositivos que caracterizavam a invasão de com petência na esfera do m unicípio,
com o tam bém para tornar eficaz a aplicação dos instrum entos urbanísticos pelo Poder Públi-
co, em especial o usucapião urbano. C oncom itantem ente à tram itação desses projetos na
C âm ara dos Deputados, o Projeto de Lei 5.788/90 (Estatuto da C idade) foi apresentado no
Senado Federal e, pelo fato de ter sido aprovado nessa casa, tornou-se o projeto referencial
para a discussão da política urbana no Congresso Nacional, já que, regim entalm ente, com a
aprovação no Senado, os dem ais PLs passam a estar apensados a esse projeto.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
do bem coletivo, da segurança e do bem -estar dos cidadãos. São consi-
derados com o objetivos da política urbana o direito dos agentes coletivos
à cidade, a distribuição social dos serviços públicos e dos equipam entos
urbanos e com unitários, o processo de produção do espaço urbano, a
ordenação da ocupação, do uso e da expansão do território urbano e a
função social da cidade. N o entanto, em relação ao prim eiro item , em bo-
ra haja concordância em assegurar os direitos dos sujeitos coletivos à ci-
dade, tam bém se faz necessário ser objeto da política urbana garantir os
direitos individuais das pessoas que vivem na cidade.
U m a das principais m atérias contidas no Estatuto da C idade é o
disciplinam ento da propriedade urbana, com a definição clara dos critéri-
os que perm item identificar quando a função de propriedade é social; as
regras de com portam ento que devem ser observadas pelo proprietário de
im óvel urbano, no sentido desse atender à função social, se com pletam
com a previsão das situações que configuram abuso de direito –e, por-
tanto, violação do princípio da função social da propriedade –, com o a
retenção especulativa do solo urbano não construído ou qualquer outra
form a de deixá-lo subutilizado ou não utilizado e evitando, com isso, a
prom oção de m anobras especulativas que visem a um aum ento artificial
de preços de venda ou de locação.
No estabelecim ento das diretrizes gerais, são definidas regras específicas
para o m unicípio, um a vez que essas diretrizes devem ser observadas pelos
Estados e pela U nião. A política urbana m unicipal é considerada com o um
sistem a integrado de políticas setoriais que disciplinam a ordenação do ter-
ritório, o controle do uso do solo, a participação com unitária, a contribui-
ção social e o desfavelam ento. Essas diretrizes pretendem atender ao obje-
tivo de reduzir as desigualdades sociais e reconhecer os direitos das pessoas
que vivem na cidade clandestina, com o m eio de com bater o caráter
segregador e a existência do apartheid social em nossas cidades.
O s instrum entos para a prom oção da política urbana estão discrim ina-
dos, com base na sua natureza, em fiscais, financeiros ou econôm icos,
jurídicos, adm inistrativos e políticos.
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São considerados instrum entos de natureza fiscal o IPTU progressivo e as
taxas e tarifas diferenciadas. Entre os instrum entos jurídicos, o direito de
superfície, o usucapião urbano, a concessão de direito real de uso e o direi-
to de preem pção, que será m erecedor, aqui, de um breve com entário.
C onform e antes se procurou dem onstrar, a função social que a C onsti-
tuição Federal de 1988 im putou ao direito de propriedade delineou-lhe
novo conceito, incidindo sobre sua própria substância, diversam ente do
que ocorre com as cham adas lim itações urbanísticas –que atingem não o
direito em si, m as seu pleno exercício.
O m unicípio, no uso de seu poder de polícia, im põe determ inadas lim i-
tações às faculdades inerentes ao direito de propriedade, de usar, gozar e
dispor. A s cham adas restrições urbanísticas condicionam o uso e ocupa-
ção da propriedade quando im põem zoneam entos que estreitam as op-
ções do proprietário quanto à destinação do im óvel (residencial, com erci-
al, industrial, etc.), e quando estabelecem índices, coeficientes, gabaritos
e outros lim itadores da edificação nos terrenos. São restrições ao direito
de construir. A tingem tam bém as restrições urbanísticas a faculdade de
alteração do im óvel, quando estabelecem parâm etros de parcelam ento
do solo –lote m ínim o, arruam entos, etc. –e, ainda, através do tom ba-
m ento de bens. Por fim , podem tam bém atingir a livre alienação da pro-
priedade, estabelecendo, por exem plo, o direito de preem pção.
O direito de preem pção, ou prelação, visa, de acordo com o artigo 25
do Projeto de Lei 5.788/90, conferir ao m unicípio preferência na aquisi-
ção de im óveis urbanos objeto de alienação onerosa entre particulares.
D e acordo com o Estatuto da C idade, esse direito seria exercido pelo
Poder Público m unicipal em áreas delim itadas no Plano D iretor, num pra-
zo não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decur-
so do prazo inicial de vigência, e sem pre que o Poder Público necessitar
de áreas para regularização fundiária, execução de program as e projetos
habitacionais de interesse social, constituição de reserva fundiária,
ordenam ento e direcionam ento da expansão urbana, im plantação de
equipam entos urbanos e com unitários, criação de espaços de lazer e áreas
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
verdes, criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas
de interesse am biental, proteção de áreas de interesse histórico, cultural
ou paisagístico, e para outras finalidades de interesse social ou de utilida-
de pública consignadas no Plano D iretor.
É im portante destacar, com o já foi m encionado, que a aplicação do
instituto tem com o pressuposto inafastável a existência de lei m unicipal,
baseada em Plano D iretor, caracterizando que seu exercício não deverá
ficar ao sabor da vontade unipessoal do adm inistrador local, m as que
será resultado da vontade com unitária expressa na deliberação legislativa,
vinculada esta últim a à existência de um plano de uso do solo. D essa
form a, dificultam -se os abusos de poder, as distorções do ato adm inistra-
tivo em sua finalidade.
Pelo direito de preem pção (ou preferência), o m unicípio, em determ ina-
das áreas definidas nos planos urbanísticos, atribui-se a opção preferenci-
al para a aquisição de todos os im óveis postos em m ercado, de form a a
estabelecer um a reserva de terrenos públicos que lhe propicie m aior po-
der de interferência no espaço urbano, sem precisar recorrer a expedien-
tes m ais m orosos e burocráticos, com o a desapropriação.
A preem pção, com o lim itação ao direito de propriedade, não constitui
novidade no direito brasileiro. Está regulado pelo C ódigo C ivil brasileiro
em seus artigos 1.149 a 1.157, com preendidos na regulação das cláusu-
las especiais de com pra e venda; ali encontram os caracterizadas as duas
espécies de preem pção: a convencional (art. 1.149) e a legal (art. 1150),
esta referente ao ato expropriatório, se ao im óvel não foi dado o destino
estabelecido pelo Poder Público. Tam bém tem sido aplicado em outras
situações, com o na locação de im óveis urbanos, em que o locatário tem
preferência para adquirir o im óvel locado no caso de venda, conform e
prediz o artigo 27 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), ou no tom bam en-
to, pelo qual o Poder Público tem este direito para aquisição do prédio
tom bado (D L 25/37, art. 22).
N o Brasil, talvez em razão da debilidade financeira do Estado, esse m e-
canism o não é usual com o em outros países estrangeiros, tal qual a Fran-
○ ○ ○ 198 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ça, onde originou-se e é utilizado até para fins de contenção dos preços
dos im óveis. O utro m otivo que tam bém inibe a m aior utilização do direito
de preferência no Brasil é, certam ente, a falta de um planejam ento urba-
nístico de m ais longo prazo e m enos casuístico, pois que, obviam ente, o
tal estoque de terrenos, num prim eiro m om ento, constitui-se de im óveis
destacados, já que a oferta do m ercado é aleatória.
O objetivo dessa lim itação à livre disponibilidade do im óvel urbano pelo
proprietário se fundam enta na função social da propriedade e na atribui-
ção do Poder Público m unicipal de condicionar o exercício desse direito
individual à política urbana.
Segundo Savy (1981p. 286), esse instituto, no que se refere ao desenvol-
vim ento urbano, teria as seguintes finalidades: inform ar as autoridades pú-
blicas das alienações voluntárias que se processam no interior do perím etro
estabelecido; aquisição do terreno pelo Poder Público, se houver interesse
de sua parte; e controlar o preço dos terrenos, através do arbitram ento
judicial, se o preço dos terrenos solicitado estiver m uito elevado.
Felizm ente –e após m uita discussão e debates reunindo diversos seg-
m entos da sociedade envolvidos com a questão urbana –, o texto final do
substitutivo ao Projeto de Lei 5.788/90, adotado pela C om issão de D e-
senvolvim ento U rbano e Interior da C âm ara dos D eputados, abandonou
a possibilidade do arbitram ento judicial, tendo em vista que isso poderia
representar sensível dificuldade na circulação da propriedade urbana im o-
biliária, sabendo-se, sobretudo, da m orosidade da prestação dos serviços
judiciais. Era preciso agilizar o instituto, evitando, se possível, o arbitram ento
judicial, pela dem ora inevitável do procedim ento, sendo certo que a pro-
priedade cadastrada para fins urbanísticos é um a m eta ainda inatingível
para boa parte dos m unicípios brasileiros.
Evitou-se, tam bém , no caso de aplicação do direito de preem pção, a aqui-
sição do im óvel pelo valor da base de cálculo do IPTU, o que desfiguraria a
relação de com pra e venda, aproxim ando-a de um a desapropriação. A pre-
ferência não poderá ser efetivada por m eio de um a im posição de preço,
m as, sim , pela com paração com um a proposta concreta feita por terceiro.
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F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Isso é derivado da própria essência do direito de propriedade.
O artigo 27, do Projeto de Lei 5.788/90, afirm a que o proprietário deve-
rá notificar sua intenção de alienar o im óvel, para que o m unicípio, no
prazo m áxim o de 30 dias, m anifeste por escrito seu interesse em com prá-
lo. À notificação m encionada, será anexada proposta de com pra assinada
por terceiro interessado na aquisição do im óvel, da qual constarão preço,
condições de pagam ento e prazo de validade. O m unicípio fará publicar,
em órgão oficial e em pelo m enos um jornal local ou regional de grande
circulação, edital de aviso da notificação recebida e da intenção de aqui-
sição do im óvel nas condições da proposta apresentada. Transcorrido o
prazo m encionado, sem m anifestação, fica o proprietário autorizado a
realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresenta-
da. C oncretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apre-
sentar ao m unicípio, no prazo de 30 dias, cópia do instrum ento público
de alienação do im óvel.
O texto final apresentado procura criar salvaguardas para que o instru-
m ento do direito de preem pção não seja utilizado para fraudes. Verificada
eventual fraude, a alienação é nula, inclusive passando o m unicípio a ter o
direito de adquirir o im óvel, aí, sim , pelo valor da base de cálculo do IPTU ,
com o prevê o Substitutivo, ou da proposta apresentada, se este for m enor.
D estaca-se, ainda, que, sem prejuízo da punição de outros agentes pú-
blicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o prefeito
incorrerá em im probidade adm inistrativa, nos term os da Lei 8.429/92,
quando adquirir im óvel objeto de preem pção, nos term os dos artigos 25
a 27 do Estatuto da C idade, pelo valor da proposta apresentada, se este
for, com provadam ente, superior ao de m ercado.
H á m uito a doutrina brasileira vinha dem andando a edição de um “có-
digo urbanístico nacional”, com o existente em diversas legislações es-
trangeiras, que viesse a fixar princípios e diretrizes para a atuação de
m unicípios e Estados nesse cam po, incluindo os relativos à preservação
do m eio am biente e do patrim ônio cultural, histórico, paisagístico, artísti-
co e arqueológico. N ão obstante a inércia da U nião quanto à edição des-
○ ○ ○ 200 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
sas norm as gerais de urbanism o, que até o m om ento encontram -se em
leis esparsas (com o as que regulam os loteam entos urbanos e os tom ba-
m entos), os m unicípios de m aior porte, predom inantem ente, vêm editan-
do suas leis próprias sem m aiores em baraços. Existe, obviam ente, o risco
da disparidade das diversas norm as locais editadas por m unicípio e Esta-
do em face da inexistência dessa norm atização de caráter nacional, cuja
edição posterior poderá im portar em revogação daquelas, caso não sejam
adequadas aos princípios e preceitos que venha a U nião a estabelecer.
M aior conseqüência da om issão federal se fazia sentir no m om ento em
que os m unicípios, no ensejo de aplicar seus respectivos planos locais,
utilizavam -se de instrum entos que ainda hoje propiciam questionam entos
acerca da com petência para criá-los, posta sua relação com o D ireito C i-
vil, cuja com petência para legislar é da U nião Federal. Renom ados auto-
res, no entanto, já afirm am que tais instrum entos coadunam -se com o
cum prim ento da função social da propriedade e, principalm ente, dizem
respeito ao direito de construir, o que atrairia a com petência m unicipal (o
próprio C ódigo C ivil, editado em 1917, já previa a lim itação do direito de
propriedade pelos regulam entos adm inistrativos).
C ertam ente, um a lei nacional que delineie os aspectos gerais dessas
lim itações será bem -vinda, pondo um a pá de cal definitiva sobre interpre-
tações m ais conservadoras do direito de propriedade –que ainda persis-
tem e abalam a certeza da constitucionalidade de um a atuação m unicipal
m ais am pla em m atéria urbanística –, propiciando o surgim ento e a efeti-
va aplicação de instrum entos urbanísticos desenhados para interferir, efe-
tivam ente, nas dinâm icas de produção da cidade, no sentido da dem o-
cratização de seus m ercados.
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(org.). D ireito urbanístico. Belo H orizonte: D el Rey, 1998.
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• 201 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de ilegal”. In: FERN A N D ES, E. (org.). D ireito urbanístico. Belo H ori-
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PARCELAMENTO E EDIFICAÇÃO COMPULSÓRIOS EDESAPROPRIAÇÃO – SANÇÃO
Nilza M aria T oled o Anten or 97
Urbanização e Instrumentos de PlanejamentoO s avanços tecnológicos, em especial nos m eios de transporte e de
telecom unicações, prom ovem alterações significativas na organização
e distribuição espacial das atividades produtivas, econôm icas e sociais
nas cidades.
A ssim , na prim eira m etade do século XIX, surgem nas cidades européias
os problem as decorrentes da revolução industrial, causados pela fuga da
população do cam po para a cidade, dando-se início ao fenôm eno da ur-
banização. O desenvolvim ento industrial aliado ao desenvolvim ento dos
m eios de transporte –estradas, canais navegáveis e estradas de ferro –
perm itiram m aior m obilidade no transporte de m ercadorias e passagei-
ros. Por outro lado, o aum ento expressivo da população nas cidades, em
busca de trabalho e m elhores salários, gerou problem as de insalubridade,
insuficiência de m oradia e desequilíbrio no atendim ento dos serviços ur-
banos e sociais devido à infra-estrutura inadequada para o atendim ento
da nova dem anda. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
97 Arquiteta pela U niversidade M ackenzie, pós-graduação pela Faculdade de A rquitetura e
U rbanism o e Escola Politécnica da U niversidade de São Paulo –USP e especialização em
A dm inistração pela Fundação G etúlio Vargas –FG V.
○ ○ ○ 202 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Surgem , então, após a Prim eira G uerra M undial, duas correntes do ur-
banism o m oderno, um a funcionalista, inspirada nas idéias de Le C orbusier,
e outra culturalista, inspirada nas idéias de C am ile Site e Ebenezer H ow ard,
criando m étodos e técnicas que apontam cam inhos e soluções para a
reorganização das funções urbanas nas cidades.
N o Brasil, na segunda década do século XX, o setor público, inspirado
nas idéias funcionalistas, prom oveu a ordenação das áreas centrais, inves-
tindo na alteração do traçado viário e nos transportes, e a iniciativa priva-
da, envolvida com a produção e a ocupação do solo urbano, inspirada
nas idéias culturalistas, com eçou a im plantar novos bairros residenciais,
que eram oferecidos às classes m ais abastadas da população das cidades
do Rio de Janeiro e São Paulo, incluindo desde o parcelam ento básico da
terra, segundo densidade e ocupação pré estabelecidas, até investim en-
tos em equipam entos urbanos, em especial as instalações de infra-estru-
tura disponíveis.
O conceito de “bairro jardim ” foi incorporado pelo Poder Público, que,
por m eio de legislação específica, passou a exigir do proprietário de gleba
a obrigatoriedade de subm eter à aprovação do Executivo m unicipal o
projeto de arruam ento e loteam ento, estabelecendo com o condições de
parcelam ento, a princípio, o lote m ínim o e as características funcionais
das vias e espaços livres destinados a áreas verdes.
N o entanto, som ente através do D ecreto-Lei 58, de 10 de dezem bro de
1937, exigiu-se a obrigatoriedade de o loteador inscrever o loteam ento
no Registro de Im óveis, devendo, para tanto, serem apresentados, no
caso de propriedade urbana, o plano do loteam ento aprovado pela pre-
feitura e respectivo m em orial, as certidões da situação fundiária e tributá-
ria do terreno e contrato de com prom isso de venda dos lotes.
Esse instrum ento perm itia ao loteador fornecer, por m eio de em présti-
m o, recursos para a construção da edificação, podendo realizá-la por m eio
de em preitada, celebrando, para tanto, contrato de financiam ento, que
devia ser registrado por averbação no livro do Registro de Im óveis.
• 203 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Porém , o D ecreto-Lei 58/37 não im punha punições ao loteador e,
tam pouco, a legislação urbanística vigente à época continha penalidades
que coibissem ações de irregularidade, com o a abertura de arruam entos
sem licença da prefeitura. Para sanar esse problem a, o Poder Público, em
diversas oportunidades, prom oveu a oficialização de logradouros e inti-
m ou os proprietários a realizarem as obras necessárias à obtenção do
term o de regularização de seus loteam entos.
Brasil - Emprego e Urbanização - Taxa Anual de Crescimento
1940/50 1950/60 1960/70 1970/80
A um ento do em prego 2,9 4,5 4,1 6,6
industrial e dos serviços
C rescim ento da 3,9 5,3 5,0 4,6
população urbana
C rescim ento da 5,2 6,3 5,8 5,9
população nas cidades
com m ais de 20.000
habitantesFonte: Ignacy Sachs -Recursos, emprego e f inanciamento do desenvolvimento : produzir sem
destruir . O caso do Brasil : relatório de introdução para o sem inário internacional do C endec,
Brasília, 23-25/8/88.
O increm ento populacional teve início nas décadas de 1940 a 1950,
tornando-se m ais expressivo com a diversificação das atividades industri-
ais e de prestação de serviços e a oferta significativa de em pregos nas
décadas de 1950 a 1960, tendo a população urbana aum entado a taxa
anual de 5,3% e de 6,3% nas cidades com m ais de 20.000 habitantes,
gerando, em decorrência, m aior dem anda por m oradia.
N os anos 1940 a 1960, o governo federal editou vários dispositivos
jurídicos que visavam à regulação dos aluguéis, atendendo situação de
em ergência vivida durante a Segunda G uerra M undial e a m aior dem an-
da por m oradias nas cidades. D e um lado, lim itou o valor dos aluguéis,
○ ○ ○ 204 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
im pediu, por m eio de aplicação de m ulta, a perm anência de im óveis de-
socupados destinados ao aluguel e, de outro, incentivava a produção de
novas m oradias de aluguel, liberando para estas o valor do aluguel, crian-
do um a política am bígua, gerando distorções que acabaram afetando a
rentabilidade e a oferta habitacional.
O fenôm eno da urbanização era o gerador de desvios no desenvolvi-
m ento urbano, e o Poder Público, por m eio de instrum entos de planeja-
m ento, buscava reduzir seus efeitos negativos. N a década de 60, o Banco
N acional da H abitação - BN H (atual BN D ES) passou a oferecer financia-
m entos para a produção de conjuntos habitacionais destinados à classe
de baixa renda, que devido ao preço da terra, foram im plantados em
grandes glebas situadas nas áreas periféricas da cidade. Tam bém , a inici-
ativa privada, tendo o quinhão da população abastada sido atendido,
passou a oferecer loteam entos populares, situados nas áreas periféricas
das cidades, m uitos deles sem a devida aprovação da prefeitura.
Esse processo im plicou, de um lado, m ais ônus ao Poder Público, que se
viu obrigado a estender as redes de infra-estrutura e os serviços de trans-
portes para atender a população instalada e, de outro, a necessidade de
orientar os incautos com pradores dos lotes, que não conseguiam obter o
licenciam ento das edificações para efetuar a inscrição no registro de im ó-
veis por estarem edificadas em locais im próprios e por se encontrarem em
parcelam entos do solo irregulares.
C om o resultado desse processo foram se form ando os cham ados “vazi-
os urbanos” com o reserva de valor dos proprietários, pela retenção de
glebas vazias que se beneficiam das externalidades positivas, decorrentes
de investim entos públicos realizados na cidade.
O governo federal, pelo D ecreto-Lei 271, de 28 de fevereiro de 1967,
passou a conceituar e distinguir as form as de parcelam ento do solo urba-
no, introduzindo o conceito de loteam ento e desm em bram ento de gleba.
Esse instrum ento autorizava a integração das áreas públicas ao dom ínio
público do m unicípio, a partir da data de inscrição do loteam ento.
• 205 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Buscando penalizar as ações irregulares do loteador, o artigo 3o do D e-
creto-Lei 271/67 equiparou o loteador ao incorporador, os com pradores
de lotes aos condôm inos e as obras de infra-estrutura à construção da
edificação, aplicando-se a Lei 4.591, de 16 de dezem bro de 1964, “don-
de se infere que aquele ficaria sujeito à m esm a sanção penal deste (art.
66), m as, com o bem pondera Luciano C aseiro, é um crim e “tom ado por
em préstim o”, cuja figura fica enfraquecida quando se transplanta para
os casos de loteam ento.” (M eirelles, H ely Lopes. Direit o de c onstruir . 3ª
ed., 1979, p. 124).
C om o os instrum entos jurídicos disponíveis não conseguiam coibir as
ações danosas praticadas pelos prom otores do parcelam ento do solo ur-
bano, em 1973, foi criado o Program a C om unidade U rbana de Recupera-
ção A celerada - C ura, pelo então BN H , destinado a prom over:
• a execução integrada de obras de infra-estrutura urbana e com uni-
tária;
• o adensam ento da população urbana até níveis tecnicam ente
satisfatórios;
• a elim inação da capacidade ociosa dos investim entos urbanos;
• a dim inuição dos efeitos negativos da especulação im obiliária;
• a racionalização dos investim entos em infra-estrutura urbana e co-
m unitária, por m eio de critérios e objetivos para a fixação de priori-
dades.” (BN H ( RC 7/73)
O governo federal, com esse program a, buscava oferecer aos m unicí-
pios um instrum ento de planejam ento que perm itia a ordenação do solo
urbano em áreas selecionadas, por m eio de critérios adequados e especí-
ficos, definindo-se para essas áreas um plano de urbanização que previa
obras de com plem entação da rede viária, de equipam entos urbanos, co-
m unitários e de serviços adequados à renda da população existente e
prevista, a serem im plem entadas pelo Poder Público e por em preendedo-
res im obiliários. Para inibir a retenção dos terrenos pelos proprietários, o
program a obrigava a adoção de alíquota progressiva do Im posto Predial e
○ ○ ○ 206 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Territorial U rbano –IPTU , até o equivalente a um terreno ocupado por
um a edificação. Em São Paulo, o exem plo m ais significativo desse progra-
m a foi o C ura Jabaquara, que contou com a participação de em preende-
dores privados na im plem entação do plano urbanístico. Porém , a cobran-
ça do IPTU progressivo não foi im plem entada com o previsto, tendo sido
pouco utilizada pelos m unicípios que aplicaram esse program a.
Som ente com a Lei Federal 6.766, de 19 de dezem bro de 1979, e com as
alterações da Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, passam os m unicípios a
dispor de um instrum ento jurídico que considera crim e contra a Adm inistra-
ção Pública os loteam entos e desm em bram entos iniciados sem autorização
do órgão público com petente, bem com o aqueles em desacordo com a le-
gislação ou sem observância das determ inações da licença, im pondo pena
de reclusão e m ulta pecuniária de acordo com a gravidade da infração.
Esse instrum ento jurídico estabelece diretrizes urbanísticas, as quais de-
verão ser observadas pelos interessados em prom over o parcelam ento do
solo. A dm ite o parcelam ento do solo para fins urbanos som ente em zo-
nas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim
definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei m unicipal. Im pede o
parcelam ento do solo em terrenos em situação de risco –alagadiços e
sujeitos a inundações –, inadequados do ponto de vista am biental (ater-
rados com m aterial nocivo à saúde e com poluição am biental que im peça
condições sanitárias suportáveis), inadequados pela condição geológica e
topográfica (declividade > 30% ) e em áreas de preservação am biental,
podendo, se sanadas as condições adversas, o parcelam ento ser subm eti-
do à aprovação da prefeitura.
Estabelece ainda que as áreas destinadas ao sistem a de circulação, à
im plantação de equipam entos urbanos e com unitários, bem com o, a es-
paços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação
prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei m unicipal para a zona em
que se situem . Essa alteração foi introduzida pela nova redação dada ao
inciso I do artigo 4o pela Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, que retirou
a exigência de o loteador doar, no m ínim o 35% da área total da gleba
• 207 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
para áreas públicas, deixando para o plano diretor ou à lei m unicipal o
estabelecim ento da porcentagem da gleba bruta, que deverá ser doada
para áreas públicas em função da densidade dem ográfica prevista. Esta-
belece a área m ínim a do lote, define com o equipam entos com unitários
aqueles destinados à educação, cultura, saúde, lazer e sim ilares e, com o
equipam entos urbanos os de abastecim ento de água, serviços de esgo-
tos, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica e gás cana-
lizado, que estarão contidos nos projetos de loteam ento, de acordo com
as exigências de lei m unicipal de parcelam ento, uso e ocupação do solo.
O interessado, antes de elaborar o projeto de loteam ento, deve solicitar
à prefeitura a definição de diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes,
sistem a viário, espaços livres e áreas reservadas para equipam entos urba-
nos e com unitários. Essa etapa poderá ser dispensada, m ediante lei m uni-
cipal, para as cidades com m enos de 50.000 habitantes. A s diretrizes
expedidas pela prefeitura vigorarão pelo prazo de quatro anos.
O s projetos de loteam ento e desm em bram ento, após aprovação da pre-
feitura e dos órgãos estaduais, nos casos especificados no artigo 13 da Lei
6.766/79, com as alterações da Lei 9.785/99, terão 180 dias para efetuar
o registro. O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante
do cronogram a de execução, sendo de no m áxim o quatro anos.
O s projetos de desm em bram ento deverão atender às disposições urba-
nísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas,
as disposições urbanísticas para os loteam entos.
O interessado deverá subm eter o projeto aprovado de loteam ento ou
de desm em bram ento ao registro, com título de propriedade ou certidão
da m atricula, podendo “o título de propriedade ser dispensado quando
se tratar de parcelam ento popular destinado às classes de m enor renda,
em im óvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropria-
ção judicial em curso e em issão provisória na posse, desde que prom ovi-
do pela U nião, Estados, D istrito Federal e m unicípios ou suas entidades
delegadas, autorizadas por lei a im plantar projetos de habitação”. (Lei
9.785/99, art.18, §4o)
○ ○ ○ 208 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Esse instrum ento estabelece responsabilidades às partes intervenientes
públicas e privadas, inclusive ao com prador de lotes em todas as ações
vinculadas ao processo de parcelam ento do solo. À prefeitura com pete
estabelecer os prazos para aprovação ou rejeição do projeto e para a
aceitação ou recusa das obras decorrentes do parcelam ento em função
de sua estrutura organizacional, sob pena de arcar com indenização por
danos causados ao interessado se os prazos fixados não forem cum pri-
dos. D e outro lado, ao com prador de lote cabe, ao descobrir que foi lesa-
do, de im ediato suspender o pagam ento das prestações restantes, notifi-
cando o loteador que o pagam ento passará a ser efetuado no Registro de
Im óveis com petente. A o Registro de Im óveis com pete a responsabilidade
pelo depósito das prestações recebidas em estabelecim ento de crédito
(inciso I do artigo 666 do C ódigo de Processo C ivil), em conta cuja m ovi-
m entação dependerá de prévia autorização judicial.
D essas ações decorrem os procedim entos adm itidos por esse instrum ento
jurídico para que o loteador tom e as providências necessárias à regulari-
zação do parcelam ento do solo, que, um a vez regularizado, poderá le-
vantar as prestações depositadas, contando para tanto com audiência do
M inistério Público e a citação da prefeitura. Se o loteador deixar de aten-
der à notificação ou se a prefeitura prom over a regularização, visando à
correção de desvios provocados no desenvolvim ento da cidade e, em de-
fesa dos adquirentes de lotes de baixa renda, o loteador não terá direito
às prestações depositadas.
M esm o com esse instrum ento, o problem a dos parcelam entos irregula-
res continua a ser o desafio das grandes cidades brasileiras, com o São
Paulo, que conta atualm ente com cerca de 800.000 lotes clandestinos,
abrigando um a população estim ada em 3.200.000 habitantes.
Essa ação de regularização prevista na lei de parcelam ento federal e em
lei m unicipal de regularização, a cham ada lei de anistia, só retarda a solu-
ção do problem a, pela postergação da aplicação dos dispositivos consti-
tucionais (§ 4o do art. 182), gerando sem pre um a expectativa para o
loteador, que, m esm o executando em desacordo com as disposições le-
• 209 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
gais, aguarda que nova lei de anistia seja editada e, dessa form a, ele se vê
im pune e ao m esm o tem po beneficiado por essa lei.
Parcelamento, Edificação ou Utilização CompulsóriosO parcelam ento do solo é instrum ento indutor da urbanização, sendo
realizado de form a espontânea pelo proprietário da terra, que planeja o
parcelam ento da gleba em lotes e subm ete o projeto à aprovação da
prefeitura, visando a sua inscrição no Registro de Im óveis para alienação
dos lotes a terceiros, transferindo ao dom ínio público as ruas e as áreas
destinadas ao uso público de lazer e a equipam entos com unitários, além
de im plantar as obras de infra-estrutura necessárias à densidade
populacional prevista, executadas de conform idade com as disposições
legais vigentes, cum prindo, dessa form a, a prim eira etapa da exigência
constitucional, sendo que, após a edificação e futura utilização, em aten-
dim ento às norm as urbanísticas, dará cum prim ento à função social da
propriedade.
O proprietário pode usar o seu im óvel para abrigar atividades previstas
com grau e intensidade de construção com patível com a oferta de infra-
estrutura e serviços instalados, de conform idade com as disposições ur-
banísticas vigentes (função social da propriedade), e para satisfazer suas
próprias necessidades, podendo auferir os benefícios dele decorrente, dis-
por, vender, doar, etc. (faculdade de uso, gozo e disposição ( C ódigo C ivil,
art. 524), com o garantias constitucionais.
A C onstituição Federal de 1998 tornou obrigatório o plano diretor com o
instrum ento básico de política urbana para os m unicípios com m ais de
20.000 habitantes, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvim ento
das funções sociais da cidade e garantir o bem -estar de seus habitantes.
O § 4o do art. 182 facultou “ao Poder Público m unicipal, m ediante lei
específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos term os da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, que prom ova o seu adequado aproveitam ento, sob pena,
sucessivam ente, de:
○ ○ ○ 210 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
I - parcelam ento ou edificação com pulsórios;
II - im posto sobre a propriedade predial e territorial urbana progres-
sivo no tem po;
III - desapropriação, com pagam ento m ediante títulos da dívida pú-
blica de em issão previam ente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais.”
Na form ulação do plano diretor são desenvolvidos estudos, pesquisas e
análises que identificam e avaliam em profundidade os problem as e os
desvios de estruturação e de desem penho das funções urbanas relaciona-
dos com a distribuição espacial da população, das atividades econôm icas
e sociais e com a oferta de infra-estrutura e serviços urbanos instalados
no território do m unicípio, visando à definição dos instrum entos de polí-
tica urbana adequados a alcançar o pleno desenvolvim ento urbano com
qualidade am biental.
D urante a elaboração do plano diretor, tais inform ações deverão ser
am plam ente debatidas com as entidades representativas dos vários seg-
m entos da população local, para que as diretrizes de desenvolvim ento do
m unicípio e os instrum entos de política urbana a serem incluídos no pla-
no, para alcançar as transform ações urbanísticas, socioeconôm icas e
am bientais, expressem os anseios da população.
O Projeto de Lei 5.788/90 substitutivo, denom inado Estatuto da C ida-
de, no artigo 5o da Seção II, que regulam enta o § 4o do artigo 182 da
C onstituição Federal, estabelece que: “Lei m unicipal específica para área
incluída no Plano D iretor poderá determ inar o parcelam ento, a edificação
ou a utilização com pulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado
ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para a
im plem entação da referida obrigação”. O Projeto de Lei 5.788/90 consi-
dera subutilizado o im óvel com aproveitam ento inferior ao m ínim o defi-
nido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, e utilizado em
• 211 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
desacordo com a legislação urbanística ou am biental, cabendo ao Execu-
tivo M unicipal notificar o proprietário para o cum prim ento da obrigação,
sob pena de aplicação do im posto sobre a propriedade predial e territorial
urbano progressivo no tem po, m ediante m ajoração da alíquota, pelo pra-
zo de 5 (cinco) anos consecutivos, cujo valor anual será de até duas vezes
o valor da alíquota do ano anterior, observada a alíquota m áxim a de 15% .
A lei m unicipal específica, para a área indicada no plano diretor, nos
term os do § 4o do artigo 182 da C F e nos term os do artigo 5o do Estatuto
da C idade, deverá estabelecer os usos perm itidos, segundo predom inân-
cia desejada, com intensidade de ocupação m ínim a e m áxim a, para esta-
belecer os parâm etros de controle da função social da propriedade. D eve-
se ressaltar que o Estatuto da C idade introduziu a utilização com o
obrigatoriedade com pulsória de form a m uito apropriada, pois, a utiliza-
ção, ou seja, a atividade instalada na propriedade urbana, é atributo es-
sencial para o estabelecim ento das restrições urbanísticas e edilícias, as
quais deverão ser atendidas para o pleno atendim ento da função social.
A s leis de parcelam ento, uso e ocupação do solo estabelecem parâm etros
m ínim os e m áxim os relacionados com os diferentes tipos de assentam en-
tos urbanos, visando, de um lado, ao controle populacional e, de outro,
ao controle da ocupação e da área edificável, de form a a garantir um a
distribuição eqüitativa e funcional da densidade com patível com a infra-
estrutura e equipam entos instalados e previstos, para alcançar o pleno
desenvolvim ento de cada parcela territorial ou região, de form a harm ôni-
ca com o desenvolvim ento do conjunto do m unicípio, assegurados a pre-
servação dos im óveis de interesse cultural, dos recursos naturais que valo-
rizam a paisagem urbana e garantem qualidade am biental.
O s parâm etros m ínim os estão relacionados com o parcelam ento do solo e
as relações de vizinhança (área do lote, frente e recuos), os parâm etros m áxi-
m os estão relacionados à intensidade de área edificada, visando ao controle
da densidade (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitam ento e gabarito).
O estabelecim ento de parâm etro m ínim o para a intensidade de área construída
será o prim eiro desafio que os m unicípios terão de enfrentar.
○ ○ ○ 212 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O parâm etro de intensidade m ínim a de utilização do solo deverá estar
relacionado com a densidade de ocupação prevista para determ inada área
ou região da cidade em função da infra-estrutura instalada e a possível
ociosidade desses serviços, decorrentes da sua baixa utilização. C om o cri-
tério para o estabelecim ento da intensidade de área construída m ínim a
deve-se adotar as dim ensões m ínim as dos com partim entos em função do
uso da edificação, estabelecidas pelo código de edificações, devendo os
com partim entos e am bientes estarem posicionados de form a a assegurar
o conforto térm ico, a proteção acústica e de higiene e salubridade. Trata-
se de assunto que m erecerá m aior discussão, tendo em vista as peculiari-
dades de cada m unicípio, m as, em princípio, poderiam ser aceitos usos
com baixa utilização, com o os estacionam entos de veículos, quando situ-
ados em lotes voltados para vias de m aior tráfego de veículos, cum prindo
a função social de retirar os veículos estacionados junto ao m eio fio. Em
áreas residenciais poderão existir, por exem plo, viveiros de plantas, hor-
tas, dentre outros usos de baixa utilização, m as, benéficos para as carac-
terísticas dessa área, com predom inância residencial, inserida num a dada
região específica da cidade.
Fatores intervenientes na delimitação das áreas sujeitas aoparcelamento, à edificação ou utilização compulsórios
N a elaboração do plano diretor e da lei m unicipal específica, para esta-
belecer a área sujeita ao parcelam ento, à edificação ou à utilização com -
pulsórios, a prefeitura deverá definir os fatores urbanísticos, socioeco-
nôm icos e de infra-estrutura que traduzam a dinâm ica urbana da cidade,
procurando identificar os desvios apresentados por esses fatores em rela-
ção à tendência principal do conjunto da cidade e as diretrizes específicas
para cada parcela do território urbano.
C om o fatores urbanísticos serão considerados a acessibilidade por trans-
porte coletivo, que se contrapõe à predom inância de glebas e lotes ocio-
sos (de 25% a 50% ), e o desvirtuam ento da vocação ou tendência de
determ inada região, por m eio da ocorrência de usos não conform es.
• 213 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C om o fatores sociais estão com preendidos os resultados de análise dos
dados dem ográficos, em especial a renda. D eve-se salientar, no entanto,
que, nos pequenos m unicípios, a renda é representativa para o m unicípio
com o um todo. N esse caso, a caracterização da provável faixa de renda
da população, por parcela territorial do m unicípio, poderá ser feita atra-
vés de outras variáveis, com o a dim ensão dos lotes, o tipo de edificação,
o estado de conservação, a m aior ou m enor presença de espaços verdes
privados e públicos, a predom inância ou exclusividade de uso residencial,
dentre outros. C om o indicador, recom enda-se os de renda m édia para a
aplicação desse instrum ento.
C om o fatores econôm icos, estão relacionados à distribuição espacial
das áreas de produção industrial, às áreas de m aior concentração das
atividades com erciais e de prestação de serviços e às áreas de uso m isto,
com densidade de ocupação m édia, que disponham de glebas, lotes oci-
osos e edificações subutilizadas ou não utilizadas, situadas em zonas
adensáveis.
C om o fatores de infra-estrutura, podem ser estabelecidos critérios de
pontuação com incidência de m aior valor para a rede de água, seguidos
de valores decrescentes para o esgoto, a pavim entação e a ilum inação
pública.
C om o fatores de viabilidade de aplicação desse instrum ento devem ser
avaliados os recursos auferidos pela arrecadação do im posto predial
territorial urbano, por habitante e por m 2 de área construída, segundo
uso, tendo em vista a alíquota e sua progressividade no tem po. D eve-se
avaliar que tipo de intervenção será possível com esses recursos, dado
que, ao final da aplicação desse instrum ento, caberá ao m unicípio o ade-
quado aproveitam ento daquela área. D evem ser identificados,
quantificados e analisados os lançam entos im obiliários em relação à situ-
ação fundiária existente e em relação às áreas regularm ente aprovadas,
aferidas pelos alvarás de licenças e certificados de conclusão expedidos
pela prefeitura.
○ ○ ○ 214 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A interação dos fatores decorrerá de ponderação atribuída a cada fa-
tor, segundo objetivos e prioridades estabelecidos nas sim ulações e cená-
rios realizados para a form ulação do plano diretor, que perm itam identifi-
car na estrutura urbana as áreas passíveis de parcelam ento, edificação ou
utilização com pulsórios.
Finalidade do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
a) O principal objetivo é com bater a retenção de glebas e lotes não
edificados, dotados de infra-estrutura e serviços urbanos, visando à
redução dos custos de urbanização e otim izando os investim entos
públicos realizados.
A função social da gleba poderá ser cum prida, tanto pelo seu adequa-
do parcelam ento (loteam ento ou desm em bram ento), com a destinação
de parte da gleba para áreas públicas (vias, áreas verdes e áreas para
equipam entos com unitários) e o restante em lotes para posterior
edificação, quanto pela adequada utilização, realizada por m eio da im -
plantação de uso perm itido e de grande efeito transform ador na região,
que poderá ser instalado na totalidade da gleba, com o, por exem plo:
shopping center, centro em presarial, superm ercado ou até m esm o um a
indústria não poluente, devendo, para tanto, a gleba estar voltada para
via de circulação oficial e atender às condições estabelecidas pelos ór-
gãos m unicipais responsáveis pelo controle de tráfego e am biental, que
poderão, inclusive, fazer exigências para reduzir os possíveis im pactos,
quer seja sobre o tráfego local, quer seja sobre os incôm odos causados
à vizinhança, devendo, para tanto, o proprietário apresentar estudo pré-
vio de im pacto de vizinhança (EIV) e, quando for o caso, estudo prévio
de im pacto am biental (EIA ).
b) Punir qualquer utilização em desacordo com a legislação de parce-
lam ento, uso e ocupação do solo, de form a a estim ular o uso da
propriedade urbana de conform idade com a sua função social.
• Um dos m aiores problem as das cidades de m édio e grande portes é
o do parcelam ento irregular do solo, ou seja, aquele executado sem
• 215 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
autorização da prefeitura ou executado em desacordo com o plano
aprovado (loteam ento e/ou desm em bram ento clandestino).
Para que os m unicípios possam fazer uso desse instrum ento, é necessá-
rio que lei federal discipline a m atéria e que o plano diretor do m unicípio
indique as áreas de sua aplicação. No caso do m unicípio de São Paulo, a
indicação da área no plano diretor já está atendida pelo disposto na alínea
“a”do inciso I e alínea “a”do inciso II do artigo 15 da Lei 10.676, de 7 de
novem bro de 1988. O legislador poderia ter regulam entado o tem a na lei
federal 9.785/99, m as não o fez. Sem essa condição atendida, o m unicípio
de São Paulo e os dem ais m unicípios, não podendo utilizar as disposições
do § 4o do artigo 182 da C F, fazem uso de leis de anistia.
D o ponto de vista urbanístico, o m elhor seria estancar de vez essa ano-
m alia e fazer ressurgir um am biente urbano construído com condições
adequadas de habitabilidade. Em face dos prejuízos causados à popula-
ção, especialm ente a de baixa renda, e ao desenvolvim ento urbano,e con-
siderando, ainda, que para essas questões há legislação federal específica
que im põe penalidades pecuniárias e até a reclusão, o recom endável seria
a elaboração de projeto de lei federal am pliando as disposições do artigo
44 da Lei 6.766/79, para incluir o “consórcio im obiliário” com o instru-
m ento de viabilização financeira da regularização do parcelam ento.
A solução do problem a não está no increm ento de punições, m as, so-
bretudo, nas form as de viabilização técnica e financeira do em preendi-
m ento. D everá ser buscado junto ao setor financeiro os m ecanism os de
incentivo que perm itam às instituições financeiras públicas e privadas cri-
arem linhas de financiam ento para a execução das obras de infra-estrutu-
ra, em especial, a drenagem de águas pluviais, o esgotam ento sanitário, o
sistem a viário e pavim entação, cujo custo é da ordem de 73% e 80% , de
acordo com a densidade baixa ou alta (M ascaró,1989).
O m unicípio deverá contar com recursos técnicos e financeiros para
exercer a fiscalização com rigor, coibindo de im ediato as ações irregula-
res. Para tanto, deverá possuir levantam ento aerofotogram étrico, com
periodicidade qüinqüenal de atualização, m anter equipe perm anente para
○ ○ ○ 216 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
o m onitoram ento das áreas parceladas irregularm ente e das áreas vazias,
estabelecendo um program a de ação conjunta com o Registro de Im ó-
veis, o M inistério Público e o agente financeiro.
• O utro desvio da função social da propriedade são as edificações de
interesse de preservação histórico e arquitetônico não utilizadas e
abandonadas.
Tam bém , nesse caso, para que os m unicípios possam fazer uso desse
instrum ento, é necessário que lei federal discipline a m atéria, dado que a
condição da área estar indicada no plano diretor, no caso do m unicípio de
São Paulo, já está atendida pelo disposto no inciso II do artigo 11 da Lei
10.676, de 7 de novem bro de 1988, e pela legislação de parcelam ento,
uso e ocupação do solo, que estabelece os níveis de preservação a que
estão sujeitos.
A dm itindo-se, nesse caso, o uso dos instrum entos de incentivo já dispo-
níveis, com o a Lei 8.313, de 23 de dezem bro de 1991, que trata do Pro-
gram a N acional de A poio à C ultura - Pronac, e a transferência do poten-
cial construtivo não utilizado, nos term os de legislação m unicipal, com o
form a de viabilização financeira das obras necessárias ao restauro.
• E, para reverter a situação de degradação, deve ser im putada a uti-
lização ou a edificação com pulsória à edificação não utilizada, em
ruínas, que apresentem problem as de segurança, de form a cum ula-
tiva com as dem ais penalidades decorrentes do código civil e do
código de edificações.
H á necessidade, que as situações ocorrentes m ais gravosas, que cau-
sam prejuízos a terceiros e a coletividade possam vir a utilizar os instru-
m entos de política urbana, de form a m ais rápida e eficiente pelo Executi-
vo m unicipal.
c)Am pliar a oferta de im óveis no m ercado im obiliário, visando pela diver-
sificação atender segm entos diferenciados do m ercado im obiliário.
d)Prom over a requalificação de im óveis subtilizados ou não utilizados
em situação de abandono, especialm ente aqueles localizados na área
• 217 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
central das grandes cidades, voltados para o uso habitacional, com o
form a de revitalizar o centro.
O s avanços tecnológicos nas áreas de inform ática, telecom unicações e
as m udanças nas relações de trabalho têm gerado transform ações na
apropriação dos espaços construídos pelas atividades com erciais e de pres-
tação de serviços, que se refletem em várias regiões da cidade. N a área
central, constata-se o abandono de grandes edifícios que se tornaram
obsoletos para as atividades terciárias.
Tais edifícios poderiam ser reabilitados para o uso habitacional, dentro
de um program a m ais am plo, que conciliasse os interesses sociais com os
interesses im obiliários. A ssim , neste caso, a utilização com pulsória deve-
ria estar associada a um a política habitacional de âm bito federal, visando
à am pliação da oferta de habitação de aluguel. U m dos instrum entos que
poderia ser utilizado é o Program a de A rrendam ento Residencial - PAR,
instituído pela M edida Provisória no 1.823, de 29/4/99, podendo ainda,
no âm bito m unicipal a viabilização financeira da reabilitação, estar associ-
ado a outros instrum entos de política urbana, com o a operação urbana
consorciada.
Resultados e procedimentos
Será que a im posição ao proprietário do parcelam ento do solo, da
edificação ou da utilização com pulsórios alcançará os resultados estabe-
lecidos pelo plano diretor e leis específicas?
Apenas a im posição da cobrança com pulsória do im posto predial territorial
urbano progressivo no tem po sobre a propriedade urbana não será sufici-
ente para que as transform ações urbanísticas se concretizem . Torna-se ne-
cessária a definição de um plano urbanístico que conte com um program a
de ação do Poder Público e da iniciativa privada e o apoio da população,
tendo em vista que o não cum prim ento dessa obrigação culm inará com a
desapropriação-sanção, tendo o Executivo m unicipal a responsabilidade de
prom over o adequado aproveitam ento dos im óveis, no prazo m áxim o de
cinco anos, sob pena de im probidade adm inistrativa do prefeito.
○ ○ ○ 218 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
N esse sentido, e dentro do processo de discussão do plano diretor,
deve-se esclarecer a população sobre o fato de que cada propriedade
urbana, para cum prir sua função social, deve atender às exigências
fundam entais de ordenação da cidade expressas no plano, que visa,
com os objetivos, diretrizes e instrum entos aplicáveis a cada situação
específica da área urbana e rural do m unicípio, alcançar um am biente
ecologicam ente equilibrado, por m eio da preservação do am biente na-
tural e histórico-cultural, e garantir aos seus cidadãos acesso a condi-
ções satisfatórias de habitação, educação, saúde, esporte, lazer, cultu-
ra, transporte público, saneam ento básico e segurança, devendo contar
com o apoio dos dem ais níveis de governo nas questões expressas no
plano diretor com o de suas com petências.
Por outro lado, esse instrum ento poderia estar associado a outros ins-
trum entos de política urbana, que, por sua vez, ofereçam incentivos à
iniciativa privada. U m desses instrum entos, que m ais flexibilidade apre-
senta, é a O peração U rbana C onsorciada. D essa form a, o Executivo m u-
nicipal, m ediante lei m unicipal específica aplicável a um determ inado perí-
m etro, que tenha parcelam ento irregular e terrenos ociosos, de um lado,
poderá exigir a obrigação do parcelam ento com pulsório, com cobrança do
im posto predial territorial urbano progressivo no tem po, perm itindo a utili-
zação do “consórcio im obiliário”, e, de outro, apresentar incentivos para a
participação da iniciativa privada. Para que esses instrum entos alcancem os
resultados esperados, o conjunto de incentivos deverá atrair o m ercado
im obiliário e, para o produto final esperado, deverá existir dem anda.
No entanto, há dúvidas sobre a eficácia desse instrum ento, tendo em vista
o conjunto de leis e prazos previstos para cada passo de sua im plantação:
1. aprovação do Projeto de Lei Federal - Estatuto da C idade;
2. obrigatoriedade de elaborar plano diretor com a indicação da área
sujeita ao parcelam ento, edificação ou utilização com pulsórios, IPTU
progressivo no tem po e desapropriação-sanção;
3. obrigatoriedade de lei m unicipal específica, contendo a delim itação
• 219 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de área passível de aplicação do instrum ento de parcelam ento,
edificação ou utilização com pulsórios, estabelecendo as condições e
prazos para o cum prim ento da obrigação;
4. identificação dos proprietários;
5. entrega da notificação, por funcionário do órgão com petente, ou
por edital, concedendo o prazo de um ano para o protocolam ento
do projeto na prefeitura;
6. averbação da notificação no Registro de Im óveis;
7. concessão do prazo de 2 (dois) anos, contados a partir da apro-
vação do projeto, para iniciar as obras do em preendim ento, ad-
m itindo a conclusão em etapas para os em preendim entos de gran-
de porte;
8. início da cobrança do IPTU progressivo 1(um ) ano após a entrega da
notificação, se esta não for atendida;
9. aplicação por 5 (cinco) anos consecutivos do IPTU progressivo, com
alíquota até duas vezes o valor cobrado no ano anterior, observada
a alíquota m áxim a de 15% ;
10. aprovação da em issão de títulos da dívida pública pelo Senado Fe-
deral;
11. estabelecim ento de consórcio im obiliário, pela prefeitura, por m eio
de requerim ento do proprietário;
12. desapropriação-sanção dos im óveis;
13. adequado aproveitam ento da área, realizado diretam ente pelo Po-
der Público ou através de terceiros, por m eio de licitação, no prazo
m áxim o de 5 (cinco) anos após a expropriação.
U m a vez cum pridos todos os passos, as prefeituras, para garantir o con-
trole dos resultados desse instrum ento, deverão criar sistem as de acom -
panham ento e controle das ações acim a enum eradas, por m eio da siste-
m atização das inform ações constantes dos alvarás de licença e dos certi-
ficados de conclusão, instrum entos de controle público, que asseguram
○ ○ ○ 220 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
que o parcelam ento do solo, a edificação e o uso da edificação atendem
às disposições legais. D a m esm a form a, deverão ser instituídos controles
da cobrança do IPTU progressivo, por m eio de conta vinculada, no orça-
m ento m unicipal para essa finalidade. A inda para m onitoram ento de pos-
síveis ocorrências de parcelam ento ou edificação executados sem licença,
a prefeitura deverá contar com levantam entos aerofotogram étricos
atualizados e com equipe de fiscalização.
A notificação a ser entregue ao proprietário do im óvel deverá conter:
1. O im óvel, situado na rua (...), está sujeito à obrigatoriedade de reali-
zar o parcelam ento, a edificação e a utilização com pulsórios, sob
pena de cobrança do im posto predial territorial urbano, m ediante
m ajoração da alíquota progressiva no tem po, por cinco anos conse-
cutivos, e D esapropriação - Sanção, com base no artigo 182, § 4o,
III, da C onstituição Federal, e na Lei M unicipal no ..., devendo o
proprietário, para cum prir a função social de sua propriedade, apre-
sentar projeto à prefeitura no prazo de 1 (um ) ano, sendo perm iti-
dos os usos (...) com intensidade m ínim a de (...).
2. Aprovado o projeto pela prefeitura, o proprietário terá o prazo de 2
(dois) anos para iniciar as obras do em preendim ento.
3. C aso o proprietário não protocole o projeto até o prazo de um ano,
após o recebim ento da notificação, a prefeitura dará início à cobran-
ça do im posto predial territorial urbano progressivo.
4. Para em preendim entos de grande porte, desde que aprovados com o
um todo, adm ite-se a conclusão em etapas.
5. A s obrigações ficam transferidas por transm issão do im óvel, por ato
inter-viv os ou causa m ortis , posterior à data da notificação, sem in-
terrupção de quaisquer prazos.
6. O proprietário, por razões financeiras, poderá solicitar, por m eio de
requerim ento, a utilização do instrum ento “consórcio im obiliário”,
que perm ite a transferência do im óvel ao Poder Público, e, com o
pagam ento, após as obras realizadas, recebe unidades im obiliárias
• 221 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
devidam ente urbanizadas, com base no valor do cálculo do IPTU do
im óvel, antes da execução das obras.
7. Para quaisquer esclarecim entos que se façam necessários, o proprie-
tário deverá se dirigir ao órgão m unicipal com petente (...) endereço
(...) telefone (...).
Desapropriação - SançãoO instituto da desapropriação é utilizado para perm itir ao Poder Público
a transferência de form a com pulsória da propriedade privada para o do-
m ínio público, por utilidade, necessidade pública ou interesse social, cons-
tituindo-se num ato adm inistrativo que se inicia pela declaração de utili-
dade ou de interesse social dos im óveis atingidos, prom ovendo a avalia-
ção dos m esm os, para a realização da justa indenização em dinheiro (C F,
art. 5o, XXIV), visando à obtenção da adjudicação dos bens ao Poder Pú-
blico, para a conseqüente realização do plano de obras e serviços.
N o entanto, o artigo 182, § 4o, III, da C onstituição Federal previu que
as propriedades urbanas indicadas no plano diretor que não forem
edificadas, sendo m antidas subutilizadas ou não utilizadas, estão sujeitas
a penalidades cum ulativas, que se iniciam pela cobrança do im posto pre-
dial territorial urbano progressivo no tem po, por m eio de m ajoração da
alíquota anual, pelo prazo de cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota
m áxim a de 15% .
D ecorridos os cinco anos, e se a obrigação de parcelar, edificar ou utili-
zar não tiver sido cum prida, o Executivo m unicipal m anterá a cobrança
pela alíquota m áxim a até que se cum pra a referida obrigação, podendo
proceder a desapropriação-sanção, com pagam ento em títulos da dívida
pública, previam ente aprovados pelo Senado Federal, resgatáveis em par-
celas anuais, iguais e sucessivas, no prazo de até dez anos, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais de 6% ao ano.
A denom inação “sanção” decorre do gravam e im putado à propriedade
urbana, por não ter cum prido a sua função social expressa na C onstitui-
ção Federal, sendo, por essa razão, lícita a redução da justa indenização.
○ ○ ○ 222 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O valor real da indenização terá com o referência a base de cálculo do
im posto predial territorial urbano, sendo descontado o m ontante incor-
porado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o
m esm o se localiza, após a notificação, não sendo cabíveis, pela natureza
da desapropriação, expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros com -
pensatórios.
O proprietário do im óvel poderá solicitar ao Poder Público, m ediante
requerim ento, a aplicação do instrum ento “consórcio im obiliário”, pro-
cedendo a transferência de seu bem à prefeitura, que, após a realização
das obras, devolverá ao proprietário unidades im obiliárias já urbanizadas,
correspondentes ao valor do im óvel antes das benfeitorias.
U m a vez executada a desapropriação-sanção, caberá ao Executivo m u-
nicipal a responsabilidade de prom over o adequado aproveitam ento dos
im óveis no prazo m áxim o de cinco anos, sob pena do prefeito incorrer
em im probidade adm inistrativa, nos term os da Lei 8.429, de 2 de junho
de 1992, conform e dispõe o artigo 57 do Estatuto da C idade.
Tendo em vista as responsabilidades atribuídas ao proprietário e ao Exe-
cutivo m unicipal na aplicação desse instrum ento, as áreas sujeitas ao
parcelam ento, à edificação e à utilização com pulsórios indicadas no pla-
no diretor deverão estar associadas às diretrizes de um plano urbanístico,
que estabelecerá o adensam ento desejável a ser alcançado, em função
das infra-estruturas e equipam entos existentes e program ados, incluindo
obras e m elhoram entos necessários aos parcelam entos existentes, que
conte com o apoio da iniciativa privada e da população diretam ente afe-
tada e, principalm ente, com recursos orçam entários e/ou financiam ento
específico.
A aplicação desse instrum ento, associada à operação urbana consorci-
ada, seria recom endável para buscar apoio de investim entos privados,
especialm ente quando da execução da desapropriação-sanção, que o Exe-
cutivo m unicipal terá que prom over o aproveitam ento da área expropria-
da, por seus próprios m eios ou por alienação ou concessão a terceiros,
• 223 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m ediante licitação, devendo ser m antidas ao adquirente do im óvel as
m esm as obrigações de parcelam ento, edificação ou utilização.
Referências BibliográficasA FO N SO D A SILVA , José.Curs o de direit o c onstituci onal p ositiv o. 13ª
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O rganização dos textos, notas rem issivas e índices por Juarez de O liveira.
Substitutivo do Projeto de Lei 5.788, de 1990 –Estatuto da C idade
D ecreto-Lei 58, de 10 de dezem bro de 1937
D ecreto-Lei 271, de 28 de fevereiro de 1967
○ ○ ○ 224 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Lei Federal 6.766, de 19 de dezem bro de 1979
Lei Federal 9.785, de 29 de janeiro de 1999
Lei M unicipal 11.775, de 29 de m aio de 1995 (São Paulo)
Lei M unicipal 10.676, de 7 de novem bro de 1988 (Plano D iretor de São
Paulo)
Lei Federal 8.313, de 23 de dezem bro de 1991
APLICABILIDADE DO PARCELAMENTO OU EDIFICAÇÃOCOMPULSÓRIOS E DA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINSDE REFORMA URBANA
Nels on Saule Juni or 98
Exigências ConstitucionaisA través do Estatuto da C idade são cum pridas as exigências previstas no
parágrafo 4o do artigo 182 da C onstituição Federal, para que o Poder
Público m unicipal possa aplicar os seguintes instrum entos, com o m eio
de exigir do proprietário de im óvel urbano que prom ova o seu adequado
aproveitam ento com base no plano diretor e num a lei m unicipal específi-
ca que se caracteriza com o um plano urbanístico local:
– parcelam ento ou edificação com pulsórios;
– im posto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tem po;
– desapropriação com pagam ento m ediante títulos da dívida pública,
de em issão previam ente aprovada pelo Senado Federal, com prazo
de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
O parágrafo 4o do artigo 182 da C onstituição Federal estabelece o
seguinte para a aplicação dos instrum entos acim a m encionados:
É facultado ao Poder Público m unicipal, m ediante lei específica para ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
98 Professor de D ireito da U N IB e da PU C -SP, doutorando e m estre m e direito urbanístico,
C oordenador da Á rea de Política U rbana dp Pólis –Instituto de estudos e Form ação e A sses-
soria em Políticas Públicas Sociais, m enbro da C om issão de D ireitos H um anos da O A B –SP
• 225 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
área incluída no plano diretor, exigir, nos term os da lei federal, do propri-
etário do solo urbano não-edificado, subutilizado ou não utilizado, que
prom ova seu adequado aproveitam ento, sob pena, sucessivam ente, de
...................................................................................................................
Para a aplicação desses instrum entos pelo Poder Público m unicipal é
necessário o preenchim ento dos seguintes requisitos:
a) a propriedade urbana que não atende a função social deve ser inte-
grante de área definida no plano diretor com o sujeita à aplicação
dos instrum entos;
b) instituição do plano urbanístico local (lei m unicipal específica) dis-
pondo sobre as exigências concretas para a propriedade urbana aten-
der sua função social, bem com o sobre o procedim ento e o prazo
para o cum prim ento das exigências;
c) lei federal (lei federal de desenvolvim ento urbano) dispondo sobre a
regulam entação dos referidos instrum entos.
O Estatuto da C idade, instituído com o lei federal prevista no parágrafo
4o do artigo 182, estabelece as norm as que devem ser observadas para
aplicar o parcelam ento ou edificação com pulsórias, o im posto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo no tem po, e a desa-
propriação para fins de reform a urbana.
Essa norm a constitucional perm ite a aplicação dos referidos instrum en-
tos nas situações em que a propriedade urbana não atende sua função
social, que são a de não estar edificada, de estar subutilizada, de não
estar sendo utilizada. Essas situações têm com o característica a ausência
de um a destinação concreta para a propriedade ser aproveitada de form a
adequada, considerando os lim ites para o exercício desse direito previstos
na legislação urbanística.
A s dem ais situações que im plicam desrespeito ao princípio da função
social da propriedade, com o o uso indevido ou nocivo da propriedade
urbana, poderão ser atacadas por outros instrum entos, tais com o m ul-
tas, suspensão de licença urbanística, interdição ou dem olição.
○ ○ ○ 226 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O s instrum entos adotados pelo Texto C onstitucional têm por caracterís-
tica obrigar o proprietário a um com portam ento positivo de prom over
um a destinação concreta para a sua propriedade. São m ecanism os desti-
nados a im pedir e inibir o processo da especulação im obiliária nas cida-
des, de conferir aos im óveis urbanos ociosos um a destinação voltada a
beneficiar a coletividade. Isto é, o proprietário de im óvel urbano, para
garantir o seu direito de propriedade, já deveria ter conferido a este um a
função social. N a falta dessa destinação, o Poder Público m unicipal está
constitucionalm ente capacitado para tornar social a função da proprieda-
de urbana.
O com portam ento que pode ser exigido do proprietário, com base nas
situações e instrum entos previstos no parágrafo 4o do artigo 182, é de
este edificar, de construir em sua propriedade, de utilizar a propriedade
no potencial m ínim o de aproveitam ento estabelecido no plano urbanísti-
co local. O plano diretor, nesse caso, deve delim itar com o áreas sujeitas à
aplicação desses instrum entos as áreas urbanas onde as condições do
m eio físico e a disponibilidade da infra-estrutura instalada tenham capa-
cidade de intensificar o uso e ocupação do solo urbano e de am pliar as
atividades econôm icas.
A s norm as do Estatuto da C idade que regulam entam esses instrum en-
tos, por exigência constitucional, devem ser respeitadas pelo Poder Públi-
co m unicipal , quando houver a necessidade da aplicação desses instru-
m entos diante de um a situação concreta em que a propriedade urbana
não esteja atendendo a sua função social.
Parcelamento ou Edificação ou Utilização CompulsóriosParcelam ento ou Edificação C om pulsórios são instrum entos urbanísti-
cos a serem utilizados pelo Poder Público m unicipal, com o form a de obri-
gar os proprietários de im óveis urbanos a utilizar socialm ente esses im ó-
veis, de acordo com que está disciplinado no plano diretor do m unicípio.
Essa obrigação pode ser o parcelam ento de um a área urbana subutilizada
ou não utilizada, na qual o proprietário esta se beneficiando do processo
• 227 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de especulação im obiliária, bem com o de edificação de um a área urbana,
visando o uso m áxim o do potencial de uso e construtivo da propriedade,
para que haja um a destinação social que beneficie a coletividade.
O Estatuto da C idade, através dos artigos 5o e 6o, disciplina os instru-
m entos do parcelam ento ou edificação com pulsórios, introduzindo o ins-
trum ento da utilização com pulsória , que poderão ser aplicados nas pro-
priedades urbanas situadas nas áreas urbanas delim itadas no plano dire-
tor com o áreas que não estão atendendo a sua função social.
D e acordo com o artigo 42 do Estatuto da C idade, é conteúdo obriga-
tório do plano diretor a delim itação das áreas urbanas para a aplicação do
parcelam ento, edificação ou utilização com pulsórias. N os term os do inciso
I desse artigo, o plano diretor deverá conter, no m ínim o: a delim itação
das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelam ento, edificação
ou utilização com pulsórios, considerando a existência de infra-estrutura
e de dem anda para utilização, na form a do art. 5o.
O plano diretor tem , portanto, a tarefa de delim itar as áreas urbanas
onde será necessária um ação coercitiva do Poder Público para que as pro-
priedades urbanas situadas nessas áreas tenham um a real função social.
Em razão da exigência constitucional da necessidade de um a lei m unici-
pal específica para a aplicação desses instrum entos, nos term os do pará-
grafo 4o do artigo 182, o Estatuto da C idade, através do caput do artigo
5o, atribui à lei m unicipal a com petência para definir as condições e os
prazos para o cum prim ento dessa exigência, no seguintes term os:
“Art. 5o - Lei m unicipal específica para área incluída no plano diretor
poderá determ inar o parcelam ento, a edificação ou a utilização com pul-
sórios do solo urbano não edificado ou não utilizado, devendo fixar as
condições e os prazos para im plem entação da referida obrigação”.
Cabe à lei m unicipal específica, que se caracteriza com o um plano urba-
nístico local, conter os critérios específicos de uso e ocupação do solo para
a área urbana incluída no plano diretor. A lei m unicipal específica, na
qualidade de um plano urbanístico local, deve dispor sobre as exigências
○ ○ ○ 228 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
concretas para a propriedade urbana atender sua função social, bem com o
sobre o procedim ento e o prazo para o cum prim ento da obrigação de
parcelar ou edificar, pelo proprietário de im óvel urbano considerado não
edificado, subutilizado ou não utilizado, com base nos exigências funda-
m entais de ordenação da cidade definidas no plano diretor.
Subutilização e Utilização CompulsóriasA través do parcelam ento ou edificação com pulsórias, o Poder Público
m unicipal condiciona o proprietário, para assegurar o uso social da pro-
priedade, a um com portam ento positivo, de utilizar, de construir, de par-
celar, de elim inar a subutilização.
O Estatuto da C idade estabelece dois critérios para identificar se um a
propriedade urbana se enquadra na categoria de propriedade subutilizada.
D e acordo com o § 1o do artigo 5o, o im óvel é considerado subutilizado
no caso do aproveitam ento ser inferior ao m ínim o definido no plano dire-
tor ou em legislação dele decorrente; ou quando for utilizado em desa-
cordo com a legislação urbanística ou am biental.
C om o form a de m odificar a condição de um a propriedade urbana
subutilizada para a condição de utilizada, em consonância com a sua
função social, o Estatuto instituiu o instrum ento da utilização com pulsó-
ria nos term os do caput do artigo 5o.
O Estatuto da C idade é a lei federal que tem respaldo constitucional para
estabelecer as norm as gerais de direito urbanístico e constituir as norm as
que possibilitem o grau m áxim o de eficácia das norm as constitucionais da
política urbana. A o instituir o instrum ento da utilização com pulsória, busca,
justam ente, conferir m aior eficácia para essas norm as constitucionais. Visa
conferir ao m unicípio efetiva condição de exigir e obrigar que a proprieda-
de urbana tenha a sua função social cum prida e respeitada
O objetivo de conferir o m aior grau de eficácia às norm as constitucio-
nais da política urbana fundam entam a instituição da com pulsoriedade
para fins de parcelam ento ou edificação, com o tam bém para fins da uti-
lização da propriedade urbana.
• 229 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Poder Público m unicipal poderá, nos casos em que a propriedade
urbana for considerada subutilizada, aplicar a utilização com pulsória com o
form a de garantir um a destinação social para essa propriedade.
N a situação prevista no inciso I do § 1o do artigo 5o do Estatuto, no qual
considera-se subutilizado o im óvel cujo aproveitam ento seja inferior ao
m ínim o definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, com o,
por exem plo, a lei de uso e ocupação do solo, para a propriedade urbana
atender a sua função social, será suficiente que o Poder Público exija do
proprietário a utilização da propriedade no potencial m ínim o de uso fixa-
do no plano, sem que haja a necessidade de ser feito algum tipo de
parcelam ento ou edificação.
Vam os supor a existência na área do plano urbanístico local de prédios,
arm azéns, galpões abandonados. N esse caso seria, suficiente o plano es-
tabelecer os usos de interesse urbanístico adm itidos para esses im óveis,
com o os equipam entos sociais, de m odo a exigir de seus proprietários a
utilização prevista no plano.
Requisitos para a Aplicação do Parcelamento ouEdificação ou Utilização CompulsóriosPara o Poder Público m unicipal aplicar o parcelam ento ou edificação ou
utilização com pulsórios, é necessário que o plano urbanístico local tenha
especificado que form as de uso, de ocupação, e que atividades a área
urbana delim itada no plano diretor deve conter para atender aos objetivos
da política urbana, do pleno desenvolvim ento das funções sociais da ci-
dade, de garantir condições dignas para seus habitantes e do cum pri-
m ento da função social da propriedade.
Vam os supor que a lei m unicipal específica –plano urbanístico local –
contenha um a área urbana não utilizada, definindo esta com o zona es-
pecial de interesse social destinada à habitação de interesse social. Essa lei
pode estabelecer as seguintes obrigações aos proprietários de im óveis
urbanos dessa área:
a) no caso da propriedade ser um a gleba urbana, de prom over o
○ ○ ○ 230 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
parcelam ento para fins de constituir um loteam ento urbano,
b) no caso do im óvel já parcelado, de prom over a edificação para fins de
habitação de interesse social;
c) no caso do im óvel já parcelado e edificado, prom over sua utilização
para fins de habitação de interesse social.
De acordo com o § 2o do artigo 5o do Estatuto, com base no plano diretor
e na lei m unicipal específica, o proprietário será notificado pela A dm inistra-
ção M unicipal, para o cum prim ento da obrigação, devendo a notificação ser
averbada no Cartório de Registro de Im óveis.
A notificação nos term os do § 3o do artigo 5o será feita, inicialm ente, por
funcionário do órgão com petente do Poder Público m unicipal ao proprietá-
rio do im óvel ou, no caso do m esm o ser pessoa jurídica, a quem tenha pode-
res de gerência geral ou adm inistração. A outra m odalidade prevista é a do
edital, que poderá ser utilizada quando frustrada, por três vezes, a tentativa
da notificação efetuada pelo funcionário do órgão com petente do Poder
Público m unicipal.
A lei m unicipal específica –plano urbanístico local –deve fixar os prazos
para o cum prim ento da obrigação, estabelecendo o prazo para apresenta-
ção do projeto, início da execução do projeto e conclusão das obras. Esses
prazos devem ser contados a partir da data da notificação feita pelo Poder
Público ao proprietário, devendo a notificação ser averbada no Registro de
Im óveis.
De acordo com o § 4o do artigo 5o do Estatuto, o prazo estabelecido para
o cum prim ento da obrigação pelo proprietário é de um ano, a partir da noti-
ficação para protocolar o projeto no órgão m unicipal com petente; e de dois
anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do em preendi-
m ento.
Para os em preendim entos de grande porte , o Estatuto da Cidade, através
do § 4o do artigo 5o, possibilita, em caráter excepcional, que a lei m unicipal
específica possa prever a conclusão das obras em etapas, assegurando-se de
que o projeto aprovado com preenda o em preendim ento com o um todo.
• 231 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A averbação no Registro de Im óveis é um procedim ento necessário, pois
no caso da alienação do im óvel, posterior à notificação, é transferido ao
adquirente ou prom issário com prador as obrigações previstas na lei m unici-
pal específica –plano urbanístico local –, não se interrom pendo o prazo
fixado para o parcelam ento, a edificação ou a utilização. Essa m edida visa
im pedir que, através da alienação do im óvel, seja iniciada novam ente a
contagem dos prazos para o cum prim ento da obrigação.
Nos term os do artigo 6o, a alienação ou transferência do im óvel não gera
a extinção da obrigação. D e acordo com esse artigo, a transm issão do im ó-
vel, por ato inter-viv os ou causa m ortis , posterior à data da notificação,
transfere as obrigações de parcelam ento, edificação ou utilização sem in-
terrupção de quaisquer prazos.
Em caso de não cum prim ento da obrigação de parcelar, edificar ou utili-
zar, no prazo fixado no plano urbanístico local, o Poder Público m unicipal
poderá aplicar o im posto predial e territorial urbano progressivo no tem po,
nos term os do artigo 7o do Estatuto, que dispõe o seguinte:
“Em caso de descum prim ento das condições e dos prazos previstos na
form a do caput do artigo 5o , ou não sendo cum pridas as etapas previstas
no § 4o do artigo 5o, o m unicípio procederá à aplicação do im posto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU ) progressivo no tem po, m edi-
ante a m ajoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos”.
Desapropriação para Fins de Reforma UrbanaC om a instituição da desapropriação para fins de reform a urbana no
Texto C onstitucional, é fundam ental definir critério para a declaração de
um a área de utilidade pública ou interesse social para fins de desapropri-
ação, vincular a utilização da desapropriação ao planejam ento urbano e
aos planos e operações urbanísticas necessários para a execução da polí-
tica urbana.
A s áreas sujeitas a obras públicas e em preendim entos urbanísticos de-
vem ser definidas através de planos urbanísticos que visam não som ente
a realização da obra, m as um a intervenção m ais abrangente, de m odo a
○ ○ ○ 232 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m elhorar a qualidade de vida na cidade. N esse sentido, cabe ao plano
diretor, diante de sua atribuição constitucional, delim itar as áreas urbanas
sujeitas à desapropriação para fins de reform a urbana, nos term os do
artigo 182, parágrafo 4o, visando garantir que a propriedade urbana atenda
a sua função social.
Esse procedim ento pressupõe que o plano urbanístico seja decorrente
de um processo de planejam ento urbanístico dem ocrático, no qual a res-
ponsabilidade pública pelo planejam ento da cidade é de toda a coletivi-
dade e não apenas do Executivo e Legislativo.
A desapropriação prevista no inciso III do parágrafo 4o do artigo 182 é
um dos casos de exceção ao artigo 5o, inciso XXIV, da C onstituição, pelo
qual a desapropriação será efetuada m ediante justa e prévia indenização
em dinheiro. O Poder Público m unicipal poderá efetuar essa desapropria-
ção no caso de o proprietário deixar de cum prir com a obrigação de con-
ferir um a destinação social à sua propriedade urbana, nos term os e pra-
zos estabelecidos no plano urbanístico local, após o térm ino do prazo
m ínim o de cinco anos da aplicação do im posto predial e territorial urbano
progressivo no tem po, nos term os do Estatuto da C idade.
Pela form a com o está prevista no Texto C onstitucional, essa desapropri-
ação é um instrum ento urbanístico que possibilita ao Poder Público m uni-
cipal aplicar um a sanção ao proprietário de im óvel urbano, por não res-
peitar o princípio da função social da propriedade, nos term os do plano
diretor e da lei m unicipal específica (plano urbanístico local).
A desapropriação se configura com o sanção pelo critério definido para
fins do pagam ento da indenização, que será m ediante títulos da dívida
pública, de em issão previam ente aprovada pelo Senado Federal, com pra-
zo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais e sucessivas, assegura-
dos o valor real da indenização e os juros legais.
Por ser um instrum ento destinado a garantir o cum prim ento da função
social da propriedade, podem os caracterizar que essa desapropriação é
destinada a prom over a reform a urbana, isto é, prom over transform ações
• 233 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
na cidade, com o a regularização fundiária dos assentam entos urbanos
precários, a criação de espaços públicos para atividades culturais, de lazer
e de preservação do m eio am biente, bem com o destinação de áreas para
atividades econôm icas voltadas à geração de renda e em prego para co-
m unidades carentes. Portanto, m erece um tratam ento especial.
A pesar do instituto da desapropriação ter um a legislação própria, a de-
sapropriação para fins urbanísticos, na qual se inclui a desapropriação
para fins de reform a urbana, por ser um instrum ento de política urbana,
recebeu um tratam ento especial no Estatuto da C idade (lei federal de
desenvolvim ento urbano).
O Poder Público m unicipal poderá prom over a desapropriação para fins
de reform a urbana no caso de o proprietário do im óvel urbano não ter
cum prido com a obrigação de parcelar , edificar ou utilizar a propriedade
nos term os da lei m unicipal específica e após a aplicação do IPTU progres-
sivo no tem po pelo prazo de cinco anos
D e acordo com o artigo 8o do Estatuto da C idade, decorridos cinco anos
de cobrança do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cum prido
a obrigação de parcelam ento, edificação ou utilização, o m unicípio pode-
rá proceder à desapropriação do im óvel, com pagam entos em títulos da
dívida pública.
De acordo com esta norm a , a desapropriação para fins de reform a urba-
na poderá ser procedida pelo m unicípio quando forem decorridos cinco
anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cum -
prido a obrigação de parcelam ento, edificação ou utilização com pulsória.
Valor da IndenizaçãoO valor da indenização da desapropriação de im óveis urbanos para fins
reform a urbana é um a m atéria fundam ental tratada no Estatuto da C ida-
de. O artigo 182, parágrafo 3o, da C onstituição determ ina que as desa-
propriações de im óveis urbanos serão feitas com prévia e justa indeniza-
ção em dinheiro. É necessário estabelecer parâm etros para definir o que
significa esse valor, diante de situações distintas dos im óveis urbanos,
○ ○ ○ 234 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
caracterizado pela função social da propriedade urbana.
D eve haver, em função da destinação do im óvel, critérios diferenciados
para a aferição do valor da indenização. Pensar na m esm a regra para o
proprietário de um im óvel urbano que utiliza sua propriedade para m ora-
dia própria e para o proprietário de solo urbano ocioso ou subutilizado é
provocar o desrespeito ao princípio da igualdade, pois os proprietários
que respeitam a função social estariam recebendo o m esm o tratam ento
destinado aos proprietários que utilizam suas propriedades para fins de
especulação im obiliária.
O estabelecim ento no Estatuto da C idade de um tratam ento diferenci-
ado para apurar o valor da indenização de im óveis urbanos desapropria-
dos para fins de reform a urbana fundam enta-se na própria C onstituição,
que institui essa m odalidade de desapropriação com o um a das sanções a
serem aplicadas nos term os do parágrafo 4o do artigo 182, pelo Poder
Público m unicipal, ao proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que não prom over o seu adequado apro-
veitam ento com base no plano diretor e na lei m unicipal específica (plano
urbanístico local).
N os term os do Estatuto da C idade, o pagam ento da indenização será
efetuado através de títulos da dívida pública. D e acordo com o § 1o do
artigo 8o, os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado
Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anu-
ais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais de seis por cento ao ano.
N a ocorrência dessa situação, o pagam ento da indenização não será
nem justa, nem prévia, nem em dinheiro, m as, sim , m ediante títulos de
dívida pública com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,
iguais e sucessivas, um a vez que a C onstituição já prom ove a diferencia-
ção sobre a form a do pagam ento da indenização aos proprietários dos
im óveis urbanos que estiverem contrariando o princípio da função social
da propriedade.
• 235 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C arlos Ari Sundfeld em seu estudo sobre desapropriação para fins de
reform a urbana, diz:
“A indenização não precisa ser prévia nem justa, porque a C onsti-
tuição não o exige no caso, em oposição ao que ocorre nas dem ais
desapropriações urbanas (artigo 182, parágrafo 3o) e na desapropria-
ção para reform a agrária (artigo 184), deste ante o pagam ento condi-
zer a entrega dos títulos da D ívida Pública poder nos term os do que
vier a prever a lei ser feito após a aquisição da propriedade pelo M uni-
cípio e corresponder a valor inferior ao justo, isto é, inferior ao valor
do m ercado”.100
O Estatuto da C idade ao regulam entar essa m atéria constitucional através
do § 2o do artigo 8o, definiu os seguintes critérios sobre o valor da inde-
nização. O valor real da indenização:
I–Refletirá o valor da base de cálculo do IPTU , descontado o m on-
tante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Pú-
blico na área onde o m esm o se localiza, após a notificação de
que trata o § 2o do art. 5o.
II–Não com putará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
com pensatórios.
Esses critérios atendem ao objetivo de não considerar, na apuração do
valor da indenização, a valorização im obiliária decorrente de investim en-
tos públicos,. A introdução desses critérios evitam que o m unicípio conti-
nue destinando um a significativa parcela dos seus recursos para o paga-
m ento de indenizações de im óveis urbanos, com base no valor de m erca-
do, sem que estes tenham de fato um uso social que atenda aos interes-
ses da com unidade.
Esses recursos passam a ser aplicados na prestação dos serviços para a
coletividade, ao invés de beneficiar individualm ente aqueles que se apro-
priaram da riqueza da cidade, com a utilização do espaço urbano para
fins de especulação im obiliária. N a desapropriação para fins de reform a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
100 SU N D FELD, C arlos A ri.Desapropriação . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
○ ○ ○ 236 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
urbana, a natureza de ser um a desapropriação –sanção justifica que o
valor da indenização seja inferior ao valor de m ercado, com o m eio de
respeitar o princípio da igualdade, prom over a justa distribuição de bene-
fícios e ônus da atividade urbanística e recuperar para a coletividade a
valorização que se originou pela ação do Poder Público.
É preciso tam bém não confundir o significado da expressão valor real
da indenização prescrito no inciso III do parágrafo 4o do artigo 182 com o
valor justo. A com preensão do valor real está vinculado ao reconhecim en-
to constitucional da existência de inflação em nosso País, assegurando,
nesse sentido, ao expropriado, a atualização da m oeda entre a data do
pagam ento e a do resgate dos títulos. Essa distinção é observada no artigo
184, que, ao dispor sobre a desapropriação para fins de reform a agrária,
assegura a prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláu-
sula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos.
Responsabilidades AdministrativasC onsiderando as experiências de utilização indevida dos títulos da dívi-
da pública, com o ocorreu no pagam ento de precatórios pelo governo
m unicipal de São Paulo (G estão Paulo M aluf), o Estatuto da C idade im -
põe restrições ao uso dos títulos da dívida pública no § 3o do artigo 8o, em
razão dos títulos de dívida pública para o pagam ento da indenização da
desapropriação-sanção não poderem ser utilizados para pagam ento de
tributos e tarifas públicas
O utra norm a fundam ental para conferir eficácia ao Texto C onstitucio-
nal é a prevista no § 4o do artigo 8o, que estabelece a obrigatoriedade do
m unicípio, através do Poder Público m unicipal, proceder ao adequado
aproveitam ento do im óvel no prazo m áxim o de cinco anos, contado a
partir da sua incorporação ao patrim ônio público. Isso significa que a
obrigação para a propriedade urbana ter um a função social passa a ser
do Poder Público, que deve prom over as m edidas necessárias para que a
destinação social prevista seja concretizada.
Essa obrigatoriedade, sendo descum prida pelo Poder Público m unicipal,
• 237 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
no sentido de proceder o adequado aproveitam ento do im óvel urbano
desapropriado para fins de reform a urbana, resulta na punição dos agen-
tes públicos responsáveis por essa om issão. O m issão esta que passa a ser
com preendida com o ato de im probidade adm inistrativa.
D e acordo com o inciso II do artigo 52 do Estatuto da C idade, sem
prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação
de outras sanções cabíveis, o prefeito incorre em im probidade adm inis-
trativa, nos term os da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, quando deixar
de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitam ento do
im óvel incorporado ao patrim ônio público, conform e o § 4o do artigo 8o.
Parcerias entre Setor Público e Setor PrivadoO Estatuto, pelo § 5o do artigo 8o, possibilita o estabelecim ento de par-
ceria com o os agentes privados, em preendedores im obiliários, ao perm i-
tir a alienação ou a concessão a terceiros através de licitação para o apro-
veitam ento do im óvel.
O utra norm a im portante prevista no § 6o do artigo 8o, é a de m anter
para o adquirente de im óvel as m esm as obrigações de parcelam ento,
edificação ou utilização com o objetivo do im óvel cum prir com a sua fun-
ção social, nos term os estabelecidos no plano diretor e na lei m unicipal
específica que definiu qual deve ser a destinação concreta do im óvel.
O instrum ento da reurbanização consorciada, prevista no projeto de lei
de desenvolvim ento urbano, de autoria do deputado Raul Ferraz –PL
2.191/89, tem essa finalidade, na qual o m unicípio, com base no plano
diretor, poderá declarar de interesse social, para fins de desapropriação,
im óvel urbano im produtivo ou subutilizado.
O im óvel desapropriado m ediante prévia licitação poderá ser objeto de
alienação ou concessão, a fim de que esse im óvel tenha a destinação
social prevista no plano diretor.
No edital de licitação, o Poder Público poderá exigir que o vencedor da
licitação prom ova o aproveitam ento do im óvel. Com o contrapartida, o lici-
tante vencedor poderá receber parte dos im óveis vinculados ao em preendi-
○ ○ ○ 238 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m ento. Esse instrum ento poderia ser utilizado nas áreas centrais da cidade de
São Paulo, com grande concentração de cortiços, podendo os m oradores e
proprietários desses im óveis associarem -se com os agentes privados.
Esses agentes privados financiariam o projeto de renovação urbana, cons-
truindo habitações de interesse social, e teriam com o contrapartida o di-
reito de obter coeficiente de aproveitam ento gratuito para a construção
de espaços com erciais e de serviços. Essa associação entre m oradores,
proprietários e agentes privados pode ser feita através do instrum ento da
reurbanização consorciada.
ConclusõesA desapropriação prevista no parágrafo 4o do artigo 182 é um instru-
m ento urbanístico que se configura com o um a sanção ao proprietário
que desrespeita o princípio da função social da propriedade, devido à
indenização não ser justa, não ser prévia e não ser em dinheiro.
A desapropriação-sanção é destinada a possibilitar a intervenção direta
do Poder Público, de m odo a tornar concreta a destinação social da pro-
priedade urbana, com base no plano diretor e no plano urbanístico local.
C om o instrum ento de política urbana, as norm as do Estatuto da C idade
que dispõem sobre o valor da indenização de im óveis urbanos desapro-
priados para fins de reform a urbana têm fundam ento nas norm as consti-
tucionais da política urbana.
IPTU PROGRESSIVO NO TEMPOB ona De Vil la 100
A im posição de im posto progressivo no tem po, para estim ular o cum -
prim ento da função social da propriedade im obiliária urbana, é um ins- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
100Form ada pela FA U -U SP em 1960, atua no cam po do urbanism o desde 1964. Foi funcio-
nária e consultora de várias em presas privadas, gerente de Projetos na Em urb, consultora e
técnica do C epam e assessora técnica legislativa na Secretaria da C âm ara M unicipal de São
Paulo. D ocente de U rbanism o na U niversidade São Judas Tadeu, na Febasp e U nisantos.
• 239 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
trum ento novo no Brasil, pois foi experim entado –sem êxito e por prazos
curtos –apenas em algum as das cidades que receberam financiam ento
para os program as C ura, nos anos 70 e 80, atendendo às exigências do
governo central autoritário da época.
O s tem pos m udaram e, hoje, a C onstituição Federal e sua regulam enta-
ção fixam apenas alguns requisitos. C abe ao prefeito e sua equipe, aos
vereadores e à sociedade civil de cada m unicípio avaliar se esse tipo de
im posto contribuiria para tornar eqüitativa a distribuição dos benefícios e
encargos da urbanização, em sua cidade, bem com o definir em que con-
dições pode ser viável e eficaz.
Objetivos e JustificativaO Im posto Predial e Territorial U rbano –IPTU progressivo no tem po é
um instrum ento associado ao Parcelam ento, Edificação ou U tilização
C om pulsórios, cujo objetivo é atender às seguintes diretrizes explicitadas
no PL 5.788/90:
“G arantir (...) o direito à terra urbana, à m oradia, ao saneam ento
am biental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e serviços públicos (...)
para as presentes e futuras gerações“ (art. 20, I).
O rdenar e controlar o uso do solo, de form a a evitar:
•“a utilização inadequada dos im óveis urbanos” (art. 20, VI, a);
•“a retenção especulativa de im óvel urbano que resulte na sua
subutilização ou não utilização” (art. 20, VI, e).
A idéia central desse instituto é punir com um tributo de peso crescen-
te, ano a ano, os terrenos cuja ociosidade ou m au aproveitam ento acarre-
te prejuízo às com unidades urbanas. O objetivo é estim ular os respectivos
proprietários a utilizar esses bens de form a socialm ente adequada, ou
vendê-los.
A retenção especulativa de im óvel urbano ocorre quando o respectivo
proprietário não investe no seu terreno e tam bém não o vende, esperan-
do que seu valor de m ercado aum ente ao longo do tem po, em virtude
○ ○ ○ 240 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
dos investim entos feitos na vizinhança pelo Poder Público e por agentes
privados. É com um essa valorização ocorrer, porque à m edida que as ci-
dades crescem , m uitos locais deixam de ser periféricos e passam a contar
com sistem as m ais evoluídos de equipam entos e serviços.
O prejuízo que a ociosidade de im óveis pode causar à população de
um a cidade é o alto custo, por habitante, de equipam entos e serviços
públicos. Isso ocorre quando m uitos terrenos perm anecem baldios no in-
terior de bairros já consolidados e quando, ao redor da cidade, se m ulti-
plicam loteam entos e conjuntos residenciais, dispersos em área ainda não
urbanizada e distantes dos locais onde há oferta de em pregos, serviços
coletivos e com ércio.
É dispendioso atender à população instalada num tecido urbano
esgarçado e franjado porque as redes de infra-estrutura e serviços –com o
o fornecim ento de água potável, os transportes coletivos e a coleta de
lixo, por exem plo –não podem passar apenas na frente dos lotes ocupa-
dos; precisam seguir nos trechos de ruas próxim os a lotes vagos e atraves-
sar glebas desocupadas para alcançar os assentam entos isolados. Q uem
paga esses serviços acaba, assim , tendo que arcar, de um a ou outra form a,
com o custo extra de se vencer essas distâncias. De m aneira sem elhante, a
dispersão dos m oradores no território torna difícil e caro seu acesso a equi-
pam entos urbanos com o creches, escolas e postos de saúde.
U m im óvel pode perm anecer ocioso m esm o quando construído. É o
caso de prédios de escritórios ou apartam entos e galpões, quando, ape-
sar de vazios, não são ofertados para aluguel ou venda, à espera de m e-
lhores condições de m ercado.
É preciso lem brar, por outro lado, que há terrenos cuja função social
será cum prida justam ente se não forem edificados. Em qualquer cidade,
cabe preservar chácaras e jardins com vegetação de interesse paisagístico
e, em m unicípios onde há risco de inundações, pode ser essencial a m a-
nutenção de áreas não edificadas e não pavim entadas nos terrenos per-
tencentes a determ inadas bacias hidrográficas.
• 241 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
U m outro tipo de prejuízo aos m oradores de um a cidade ocorre quando
um terreno, edificado ou não, é aproveitado de form a a incom odar a
vizinhança ou a população em geral. É o caso, por exem plo, de bares e
oficinas com atividades ruidosas e dos grandes estabelecim entos de co-
m ércio ou serviços com espaço insuficiente para acesso e estacionam ento
de veículos, que provocam congestionam entos de trânsito.
U m a lei de zoneam ento pode declarar esses usos e im óveis “não con-
form es”, m as nem sem pre é viável sim plesm ente proibir o funcionam en-
to de estabelecim entos incôm odos de um dia para outro, e nem sem pre
isso seria sequer justo, porque esse conflito pode ter se form ado ao longo
de anos, não tendo sido prevenido pela legislação anterior. Seria interes-
sante, nesses casos, que o IPTU progressivo no tem po pudesse ser aplica-
do, para induzir os contribuintes a transferir essas atividades para local
adequado, ou a reform ar os im óveis que as abrigam de m odo a resolver
os conflitos.
O IPTU Progressivo no Tempo no PL 5.788/90O tem a é abordado nos artigos 50 a 80, apresentando alguns aspectos
que interessa com entar sob o enfoque urbanístico.
Vim os que a tributação progressiva no tem po poderia ser útil para indu-
zir o proprietário a dar um uso, com intensidade adequada, a seu im óvel,
e tam bém para induzir à m udança os usos e padrões de ocupação considera-
dos “não conform es”pela legislação de uso e ocupação do solo em vigor.
N o artigo 50 , § 10, m enciona-se o im óvel “utilizado em desacordo com
a legislação urbanística e am biental”, m as com o um a categoria de im óvel
“subutilizado”. O texto em exam e é, portanto, am bíguo no que diz res-
peito ao uso do IPTU progressivo no tem po para punir os usos que resul-
tam inadequados, independentem ente da intensidade de aproveitam ento
do terreno.
A lém disso, ao tratar dos procedim entos e prazos, o texto do PL é
centrado nos casos em que o aproveitam ento socialm ente adequado do
im óvel depende da execução de obras. N ão são m encionados, claram en-
○ ○ ○ 242 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
te, os procedim entos para os casos em que bastaria um a m udança de
uso, ou a utilização de im óvel já edificado, ou a execução de tratam ento
paisagístico, não im plicando “obras” propriam ente ditas. O m unicípio
pode, a nosso ver, regulam entar os casos em que o aproveitam ento do
im óvel, conform e a lei, não depende necessariam ente do projeto e exe-
cução de obras.
O s procedim entos e prazos estabelecidos nesse projeto de lei federal
estipulam algum as condições, com o a notificação ao proprietário, e al-
guns lim ites para prazos e alíquotas, deixando para os m unicípios a m aior
parte da regulam entação. U m esquem a desses passos é indicado no flu-
xogram a anexo.
Condições Prévias para a Aplicação do IPTU Progressivo no TempoEstudo de viabilidade –A com pulsoriedade de parcelar, edificar ou
utilizar im óveis de propriedade particular im plica benefícios, m as tam -
bém encargos políticos e adm inistrativos.
O IPTU tradicional já é um im posto difícil de ser cobrado de form a a pesar
no bolso dos cidadãos –particularm ente naqueles com m aior poder econô-
m ico, porque não está oculto no preço de m ercadorias: o contribuinte
verifica facilm ente, no seu carnê, quanto vai pagar e com o o valor foi calcu-
lado. As tarefas operacionais, além disso, são com plexas, porque a base de
cálculo do im posto deveria ser o valor de m ercado do im óvel, m uito m ais
difícil de estim ar do que o preço de outras m ercadorias.
O im posto progressivo no tem po, para ser aplicado com justiça e eficá-
cia, im plica um preparo cuidadoso. A o considerar sua adoção num deter-
m inado m unicípio, portanto, cabe inicialm ente avaliar se a cidade tem de
fato problem as decorrentes da ocupação excessivam ente dispersa e se o
governo está preparado para adotar um instrum ento novo e relativam en-
te sofisticado de gestão.
Trata-se de organizar os argum entos que viriam a form ar a justificativa
para a proposta de im plantação do IPTU progressivo no tem po, ou, even-
tualm ente, de concluir que a adoção desse instituto seria prem atura, de-
• 243 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
vendo ser precedida por aperfeiçoam entos na aplicação dos instrum en-
tos convencionais de política urbana.
A seguir são form uladas algum as questões para orientar a coleta de
inform ações e o debate do tem a.
• Há de fato, na cidade-sede, ou nos distritos, densidade antieconôm ica
atribuível a loteam entos separados por glebas vagas e lotes baldios
dispersos em bairros já consolidados?
C aso o m unicípio conte com um Plano D iretor recente, é nesse docu-
m ento que o problem a deveria estar m encionado, com m apas ou fotos
aéreas e planilhas para a respectiva ilustração e quantificação.
C aso os diagnósticos disponíveis estejam desatualizados, cabe verificar
se no m unicípio a retenção de terrenos urbanos vagos tem dim inuído,
nos últim os anos.
C om efeito, o problem a dos “vazios urbanos” foi particularm ente gra-
ve nas décadas de 70 e 80, quando havia, ao m esm o tem po, crescim ento
acelerado da população urbana, inflação alta e escassez de alternativas
para aplicações que protegessem o investidor da desvalorização da m oe-
da. N essa época, além dos especuladores, m uitas pessoas de classe m édia
com pravam im óveis, ainda que não precisassem ocupá-los, para “reserva
de valor”, isto é, para se defender da inflação.
N os anos 90, em m uitos m unicípios, a taxa de crescim ento populacional
tem caído, reduzindo os investim entos especulativos baseados na expec-
tativa de grande dem anda por lotes e de valorização rápida dos terrenos,
por conta do crescim ento acelerado da cidade. A lém disso, a inflação sob
controle e as oportunidades de aplicações financeiras reduziram a de-
m anda de terra para reserva de valor.
• A urbanização através de assentam entos dispersos no território pode
ser atribuída, pelo m enos em parte, à ausência de delim itação
criteriosa dos perím etros legais da área urbana, de expansão urbana
e não urbanizável? Isso ocorre por om issão do Executivo e do
Legislativo?
○ ○ ○ 244 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A questão coloca-se porque, desde a prom ulgação da Lei Federal 6.766/
79, cabe expressam ente ao m unicípio definir em lei a(s) área(s) destinada(s)
à expansão da cidade-sede e dos núcleos urbanos dos distritos, discrim i-
nando assim a área rural, onde é proibido lotear para fins urbanos.
C aso as autoridades locais tenham definido um a área urbana e de ex-
pansão urbana de extensão m uito superior à necessária para abrigar o
acréscim o de população e de atividades econôm icas, ou –pior –caso
perm itam a m ultiplicação em área rural de “chácaras” que são, na verda-
de, loteam entos urbanos, estão contribuindo para um padrão antieconô-
m ico de urbanização. N ão seria justo, então, responsabilizar apenas os
agentes privados pelo problem a.
• O cadastro im obiliário do m unicípio é confiável? Está atualizado?
U m bom cadastro é a fonte indispensável para as inform ações que vão
fundam entar a im plantação –ou não –do IPTU progressivo, bem com o
para acom panhar a situação dos im óveis a que for aplicado, ano a ano.
• A planta de valores em que se baseia o cálculo do im posto territorial
urbano é elaborada levando em conta todos os equipam entos e ser-
viços disponíveis para os im óveis, nos diferentes setores fiscais? É
atualizada toda vez que há aum ento significativo desses benefícios?
Essa verificação justifica-se porque a cobrança correta do im posto
territorial urbano “convencional” já é um a form a de se obter um retor-
no, para os cofres públicos, do que foi gasto em equipam entos e serviços
que beneficiam tam bém os im óveis vagos ou subutilizados, bem com o de
coibir sua retenção especulativa. N ão faria m uito sentido adotar alíquotas
crescentes no tem po, partindo de um a base de cálculo do im posto equi-
vocada ou desatualizada.
• O m unicípio já está cobrando taxas pela utilização potencial de ser-
viços públicos específicos e divisíveis, postos à disposição do contri-
buinte?101
Se a resposta for afirm ativa, já estará havendo cobrança aos proprietá- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
101 Ver art. 145 da C onstituição Federal.
• 245 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
rios de terrenos ociosos, m esm o por serviços que os im óveis não estão
utilizando de fato.
• Q ual é a diferença entre os valores venais dos im óveis e seu valor de
m ercado, nos diferentes setores fiscais?
• Partindo da planta de valores e das alíquotas da legislação m unicipal
em vigor, o acréscim o do im posto em cinco anos chegaria a ser sig-
nificativo? Se sim , em que setores fiscais?
Essa avaliação é necessária caso o governo pretenda m inim izar o risco
de que o aum ento no tem po do IPTU seja insuficiente para estim ular o
aproveitam ento ou a venda de im óveis não utilizados .
N ão teria tanta im portância se o objetivo prioritário da com unidade fos-
se a desapropriação de terrenos por títulos da dívida pública, visando
executar program as de habitação de interesse social. Em tal caso, entre-
tanto, a desapropriação com o finalidade deveria ser sustentada pela co-
m unidade e não apenas por um a determ inada adm inistração, porque as
condicionantes legais, ora em exam e, tornam com plicada e dem orada
essa m odalidade de desapropriação.
Em todo caso, é im portante que, ao debater o tem a, se tenha clareza
sobre a lógica do IPTU convencional e a respectiva m udança no caso do
IPTU ser usado para estim ular o aproveitam ento dos terrenos. Para isso, é
m uito útil fazer algum as sim ulações.
Tradicionalm ente, o im posto total é a som a de duas parcelas: um a
calculada sobre o valor venal do terreno e, outra, sobre o valor venal da
edificação. D essa form a, para dois im óveis vizinhos, cujos lotes tenham
a m esm a extensão e o m esm o valor por m etro quadrado, o im posto
daquele construído será sem pre m aior do que o do terreno vago. O
objetivo do im posto progressivo é o inverso: quem construiu deveria
pagar m enos.
C om a tributação convencional, o incentivo para um proprietário cons-
truir é a perspectiva de que o lucro da venda da edificação, ou a renda
proveniente de seu aluguel, com pensarão com folga o aum ento do im -
○ ○ ○ 246 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
posto. N o im posto progressivo, o estím ulo para construir seria a redução
do im posto territorial.
N o sistem a sem progressividade, se a alíquota do im posto territorial é a
m esm a do im posto predial, o m aior ou m enor peso do im posto depende
da relação entre os valores unitários do terreno e da construção e do
coeficiente de aproveitam ento do terreno102. Em terrenos m uito valoriza-
dos, vale a pena aproveitar intensam ente o lote para diluir tanto o preço
do terreno, em caso de venda, com o o im posto territorial. N esse aspecto,
não há divergência de objetivos com o im posto progressivo.
Para estudar os valores do IPTU progressivo, visando punir a retenção
especulativa, é preciso introduzir um raciocínio novo.
Para o proprietário de um terreno, será vantajoso m antê-lo vago se
num determ inado período o acréscim o do preço do terreno, depois de
subtrair a som a dos im postos que ele pagou, ainda for m aior do que
a som a dos juros que ele receberia aplicando um valor equivalente ao
desse im óvel. Para tornar isso claro, tom em os com o exem plo um terre-
no valendo R$ 10.000. Se esse valor fosse investido a 10% ao ano,
deixando os juros tam bém aplicados, a som a dos juros de cinco anos
seria de cerca de R$ 6.100,00.
Segundo o projeto de lei em exam e, as alíquotas podem –no m áxim o –
dobrar ano a ano e não podem superar 15% . Isso significa que as alíquotas
m áxim as são, aproxim adam ente: 0,9% ; 1,8% ; 3,6% ; 7,2% 14,4% .104
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
102 Exem plo 1 - alíquota de 0,6% ; habitação de 100 m 2, valendo R$ 600/ m 2; terreno valendo
R$ 1000/ m 2:
A lternativa “a”: coef. de aprov. = 0,5 # im posto = 0,006 (100 m 2 x 600 R$/ m 2+ 200 m 2 x
1000 R$/ m 2) = R$ 1560A lternativa “b”: coef. de aprov. = 4,0 # im posto = 0,006 (100 m 2 x 600 R$/ m 2 + 25 m 2 x
1000 R$/ m 2) = R$ 510.Exem plo 2 - alíquota de 0,6% ; habitação de 100 m 2, valendo R$ 600/ m 2; terreno valendo
R$ 300/ m 2:
A lternativa “a”: coef. de aprov. = 0,5 # im posto = 0,006 (100 m 2 x 600 R$/ m 2+ 200 m 2 x
300 R$/ m 2) = R$ 720A lternativa “b”: coef. de aprov. = 4,0 # im posto = 0,006 (100 m 2 x 600 R$/ m 2 + 25 m 2 x 300
R$/ m 2) = R$ 405
• 247 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C om essas alíquotas, a som a de cinco im postos anuais para esse terreno
alcançaria –se não houvesse m udança da planta de valores –cerca de R$
2.800,00.
Para o proprietário, teria sido vantajoso, então, m anter o terreno vago
só se pudesse vendê-lo por um valor superior a R$ 18.900,00.
Em caso de loteam ento, pelo sistem a tradicional, o im posto sobre o
m etro quadrado dos lotes resultantes deve ser m aior do que o cobrado
sobre a gleba, porque o loteam ento acarretou valorização do terreno e ,
conseqüentem ente, aum ento da base de cálculo, ainda que a alíquota
seja a m esm a. O incentivo para lotear é a perspectiva de vender os lotes
por um preço unitário que com pense os investim entos no arruam ento,
infra-estrutura, etc. e tam bém o acréscim o de im posto.
N o parcelam ento com pulsório, o incentivo para lotear seria não ter que
pagar o im posto territorial sobre a gleba com alíquotas crescentes. Para
estim ar a efetividade desse fator, entretanto, é preciso fazer um confron-
to com as eventuais vantagens de m anter a gleba sem investim entos,
considerando as condições de m ercado de form a análoga ao caso dos
lotes vagos.
C oncluindo, parece evidente que as m elhores perspectivas de efetividade
do IPTU progressivo se dariam num m unicípio em que fosse viável prati-
car, já no “ano zero”, a cobrança de alíquotas relativam ente altas para
terrenos vagos, associada à cobrança de alíquotas baixas para terrenos
com edificações e para as áreas construídas.
Definição dos imóveis a que o IPTU progressivo vai ser aplicado –
A tarefa fundam ental é um a avaliação da dinâm ica de crescim ento da
cidade e da legislação urbanística e am biental (se houver) em vigor, com
particular atenção ao coeficiente m áxim o de aproveitam ento fixado para
cada zona e à respectiva justificativa.
Tendo um a noção clara dos padrões de expansão e ocupação da área ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
102 N um m unicípio com alíquota em vigor, no ano zero, inferior a 0,45% , não seria possível
atingir cerca de 15% em cinco anos. O utra sim ulação pode ser feita com binando alíquotas
m enores com o aum ento, ao longo do tem po, do valor venal do terreno.
○ ○ ○ 248 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
urbanizada e das eventuais restrições ao adensam ento decorrentes de
requisitos para a qualidade am biental, podem ser delim itados os setores
da área urbana legal em que os im óveis desocupados ou subutilizados
estarão sujeitos ao aproveitam ento com pulsório.
Isso equivale a definir em que zonas ou grupos de zonas serão
estabelecidas condições m ínim as de aproveitam ento dos terrenos.
Essas áreas podem ser bastante extensas, pois sua definição não deter-
m ina, por si só, a efetivação da cobrança de IPTU progressivo, que de-
penderá de notificação aos proprietários, um a um .
A s propostas m ais facilm ente justificáveis para aplicação de im posto
progressivo serão, quase certam ente, as que indicarem :
– as áreas centrais e os bairros bem dotados de infra-estrutura e servi-
ços, onde a m aioria dos lotes já tenha sido ocupada;
– as glebas localizadas próxim o a vias consideradas vetores de expan-
são urbana, que form am vazios entre a periferia já ocupada da cida-
de e loteam entos ou outros em preendim entos urbanos.
A par disso, é preciso:
– definir as opções para o aproveitam ento de glebas: loteam ento, con-
junto de edificações em condom ínio ou em preendim ento que não
im plica a divisão da propriedade fundiária;
– definir o coeficiente de aproveitam ento m ínim o para os usos que
envolvem edificações; um a opção poderia ser, por exem plo, adotar
um décim o do coeficiente m áxim o fixado pela lei em vigor, em cada
zona;
– definir as atividades desejáveis, nessas zonas, que podem ser insta-
ladas nos terrenos sem que seja necessário construir edificações,
com o cam pos de esportes, estacionam entos de veículos e com ércio
ou exposições em pavilhões desm ontáveis, por exem plo.
A fase seguinte é a identificação dos im óveis específicos cujos proprie-
tários serão notificados. Parece lógico dar prioridade aos im óveis clara-
• 249 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
m ente sem uso. Trata-se de m apear e identificar no cadastro im obiliário
os im óveis de propriedade privada caracterizados com o lotes vagos ou
glebas não arruadas, verificando, ainda, se não constituem endereço de
atividade para a qual foi expedida licença de funcionam ento.
Desse conjunto, cabe em seguida retirar os terrenos cuja edificação não é
de interesse da coletividade, por estarem contem plados em planos ou proje-
tos de obras e serviços públicos, com especial atenção a program as de:
– preservação de patrim ônio paisagístico ou cultural,
– habitação de interesse social,
– m acrodrenagem ,
– saneam ento,
– equipam entos para lazer ao ar livre.
C om efeito, não seria lógico estim ular a construção de benfeitorias em
terrenos que se pretende desapropriar para a futura instalação de par-
ques, cam pos de esportes, “piscinões”, ou estações de tratam ento de
esgoto, por exem plo.
Finalm ente, é preciso avaliar –no conjunto de im óveis rem anescente –
que proprietários seriam prim eiram ente notificados porque o m otivo m ais
provável para a ociosidade de seus terrenos é a especulação im obiliária.
O conhecim ento da dinâm ica do m ercado im obiliário local perm itirá
estim ar para quais im óveis desocupados e não colocados à venda haveria
de fato dem anda.
A notificação a proprietários de im óveis subutilizados, isto é, que têm
aproveitam ento de intensidade inferior ao m ínim o fixado, pode ser dei-
xada para um a segunda fase, de form a que as autoridades locais pos-
sam aproveitar a experiência da aplicação das norm as aos terrenos to-
talm ente vagos.
Conteúdo da Legislação PertinenteO m unicípio precisa ter um a lei do Plano D iretor que indique em que
○ ○ ○ 250 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
áreas de seu território os im óveis estão sujeitos a:
– parcelam ento com pulsório de glebas,
– edificação com pulsória de lotes ou glebas,
– utilização com pulsória de terrenos ou edificações.
C aso o Plano D iretor não exista, ou seja om isso nesse aspecto, deverá
ser elaborado ou com plem entado.
A lém disso, o m unicípio precisa fixar relações entre área construída e
área de lote e outras condições de aproveitam ento m ínim o dos terrenos,
nessa(s) área(s). Essas norm as podem estar na lei do Plano D iretor ou em
lei decorrente, isto é, na legislação que trata do ordenam ento territorial,
seguindo as diretrizes do Plano D iretor.
C ada m unicípio precisa verificar com o estão estruturadas suas norm as,
pois alguns têm um a lei m unicipal de desenvolvim ento urbano, às vezes
coincidindo com a lei do Plano D iretor, que inclui as norm as para
parcelam ento, uso e ocupação do solo; outros m unicípios têm leis sepa-
radas de Loteam ento (ou parcelam ento) e de Zoneam ento (ou uso e ocu-
pação do solo).
Praticam ente, todas as leis m unicipais de zoneam ento hoje em vigor
fixam índices m áxim os de aproveitam ento de terrenos, bem com o outras
restrições à ocupação, e não requisitos m ínim os. Isso significa que essas
norm as precisam ser reavaliadas e com plem entadas.
Finalm ente, o m unicípio precisa fixar em “lei específica” as condições e
prazos para aplicar o IPTU progressivo no tem po nas áreas sujeitas à obri-
gação de parcelar, edificar e utilizar os im óveis.
Se for constatado, além disso, que os critérios de cálculo do IPTU con-
vencional cobrado no m unicípio precisam ser revistos para dar efetividade
ao parcelam ento e edificação com pulsórios, a reorganização da legisla-
ção m unicipal deverá incluir esse cam po.
D eixar as norm as em vigor intocadas e superpor a elas um a nova lei
aplicada apenas nas áreas sujeitas ao aproveitam ento com pulsório pode
• 251 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
dificultar o debate da m atéria e a posterior consulta às leis pelos cidadãos
interessados, além de aum entar o risco de incoerências e conflitos entre
um a lei e outra.
M elhor seria aproveitar o debate sobre IPTU progressivo para reavaliar a
política local de ordenam ento e tributação dos espaços urbanos, bem
com o a legislação decorrente.
D essas reflexões pode, tam bém , surgir a idéia de integrar o IPTU pro-
gressivo a outros institutos para desenvolver, por exem plo, operações ur-
banas.
O resultado final disso seria a obtenção de um a “fam ília” de textos
legais coerentes, tratando das áreas urbanizáveis e não urbanizáveis, do
parcelam ento, uso e ocupação –inclusive o com pulsório –do território
m unicipal e da tributação dos im óveis urbanos. O Q uadro 1 sugere possí-
veis form as de organizar as m atérias.
U m a vez elaborados os textos dos projetos de leis m unicipais e a res-
pectiva exposição de m otivos, é essencial prom over extensos esclareci-
m entos e debates dentro e fora da câm ara m unicipal, pois os interessa-
dos têm o direito de refletir e opinar sobre:
- o que é a repartição não eqüïtativa dos encargos e benefícios da
urbanização;
- o que é a retenção especulativa de im óveis vagos ou pouco utiliza-
dos e os prejuízos à sociedade decorrentes;
- o que se espera do IPTU progressivo no tem po e da eventual desa-
propriação com indenização em títulos da dívida pública.
○ ○ ○ 252 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Quadro 1 - Legislação municipal incluindo o parcelamento, edificaçãoe utilização compulsórios e o IPTU progressivo no tempo
C O N TEÚ D O ALTERN ATIVA 1 ALTERN ATIVA 2
PLANO
D IRETO R
LEI D E
DESEN-
VO LV.
URB.
LEI
ESPE-
C ÍFIC A
PLANO
D IRETO R
LEI D E
ZONEA-
M ENTO
LEI
ESPE-
C ÍFIC A
Área urbana e área deexpansão urbana- Critérios para a delim itação
- D efinição de perím etro(s)
X XX X
Caracterização de zonasindicando os padrões ade-
quados de loteam ento, uso
e ocupação dos lotes
X X
Fixação dos Índices m áxi-
m os de aproveitam ento e
outros requisitos/zona
X XDefinição da(s) área(s)#AUC# em que imóveisestão sujeitos a parce-lamento, edificação ouutilização compulsórios
X X
Aproveitamento mínimode imóvel subutilizadoNas áreas #AUC#
- C onceituação e diretrizes
para a definição
- Fixação de requisitos
para o parcelam ento com -
pulsório
- D efinição de usos adequa-
dos - tipo e intensidade -
para os im óveis
- Fixação de Índices de apro-
veitam ento m ínim o p/ ter-
renos
X X
X X
X X
X X
(cont inua)
• 253 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
C O N TEÚ D O A LTERN ATIVA 1 A LTERN ATIVA 2
PLANO
D IRETO R
LEI D E
DESEN-
VO LV.
URB.
LEI
ESPE-
C ÍFIC A
PLANO
D IRETO R
LEI D E
ZONEA-
M ENTO
LEI
ESPE-
C ÍFIC A
N orm as para a elaboração
e atualização da planta de
valores (base do im posto
territorial)
N orm as para o cálculo e a
cobrança do IPTU conven-
cional
X X
X X
(con t inuação)
Fixação do valor das alí-
quotas do IPTU progressivo
Condições para cessar a co-
brança de IPTU progressivo
Procedim entos adm inistra-
tivos p/ IPTU progressivo
- N otificação
- D ocum ento que registra
e certifica o uso efetivo e
adequado do im óvel
- Prazos para projeto, obras,
uso, etc.
- Prazos p/execução em
etapas conform e o por-
te do em preendim ento
X X
X X
X X
Quadro 1 - Legislação municipal incluindo o parcelamento, edificaçãoe utilização compulsórios e o IPTU progressivo no tempo
○
○
○
2 5 4
•
Figura 1 – Etapas e prazos para a aplicação do IPTU progressivo no tempo
• 255 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO E CONCESSÃODE USO PARA MORADIA
Paul o J oséVi l lel a Lomar 104
H á quase 20 anos vem sendo debatida a conveniência e a necessidade
de editar um a lei federal que preveja instrum entos e diretrizes para o
desenvolvim ento urbano. A ntes da C onstituição Federal de 1988, a ques-
tão punha-se com vigor porque, então, apenas a U nião podia legislar
sobre o direito de propriedade.
N aquele período, o único instrum ento passível de utilização pelo Poder
Público era a desapropriação, a qual, na prática, era inaplicável, pois pres-
supunha grande disponibilidade de recursos financeiros para sua
efetivação. Buscavam -se, então, instrum entos legais alternativos à desa-
propriação.
A Constituição Federal de 1988 alterou significativam ente o ordenam ento
jurídico brasileiro, m odificando a disciplina do direito de propriedade e
adotando novo e original sistem a de distribuição de com petências
legislativas e executivas entre os entes federados. O texto constitucional
passou a prever expressam ente a form ulação de diretrizes para o desen-
volvim ento urbano pela U nião.
D e lá para cá, diversos projetos de lei nesse sentido foram apresentados
ao C ongresso N acional, resultando em intensas, longas e difíceis negoci-
ações que redundaram no texto do atual substitutivo ao Projeto de Lei
5.788, de 1990, recentem ente aprovado pela C om issão de D esenvolvi-
m ento U rbano e Interior da C âm ara Federal, que regulam enta o C apítulo
da Política U rbana da C onstituição Federal, estabelece diretrizes gerais da
Política U rbana e dá outras providências.
O objetivo desse estudo consiste exatam ente em analisar o conteúdo e
o alcance, sob o ponto de vista jurídico, dos dispositivos do substitutivo
que regulam entam o usucapião especial de im óvel urbano e a concessão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
104A dvogado, m estrando em D ireito do Estado pela PU C -SP, consultor jurídico, co-autor do
livro Loteamentos e desmembramentos urbanos : com entários à Lei 6.766, de 19/12/1979.
○ ○ ○ 256 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
de uso para fins de m oradia. N ão se pretende esgotar o assunto, m as,
apenas, abordar seus principais aspectos e im plicações se for aprovado o
referido substitutivo nos term os em que se encontra atualm ente redigido.
Origem do Usucapião Especial Urbano como Instrumentode Política UrbanaA idéia surgiu, inicialm ente, no âm bito dos estudos efetuados pela C o-
m issão Técnica da Em presa M etropolitana de Planejam ento da G rande
São Paulo S.A . - Em plasa, cuja coordenação coube ao autor deste estudo,
form ada para prestar assessoria à C om issão Especial de Prefeitos da Re-
gião M etropolitana da G rande São Paulo, criada pelo antigo C onselho
C onsultivo de Prefeitos da G rande São Paulo - C onsulti e apresentar su-
gestões de aperfeiçoam ento do Projeto de Lei federal 775/83, de iniciati-
va do governo federal, que se destinava a estabelecer norm as relaciona-
das com a prom oção do desenvolvim ento urbano.
A C om issão Especial de Prefeitos do C onsulti da G rande São Paulo apro-
vou as propostas elaboradas na Em plasa e decidiu encam inhá-las às au-
toridades com petentes.105 M ais tarde, elas foram acolhidas pelo ex-depu-
tado Raul Ferraz, anteriorm ente prefeito de Vitória da C onquista, Bahia,
que a incorporou no seu Projeto de Lei 2.191, de 1989, posteriorm ente
apensado ao Projeto de Lei 5.788, de 1990.
A ssim , a proposta de usucapião urbano individual e coletivo elaborada
na Em plasa inspirou o usucapião especial urbano previsto no artigo 183
da C onstituição Federal de 1988 e o usucapião urbano coletivo proposto
no atual substitutivo ao Projeto de Lei 5.788/90 pelas C om issões de D e-
fesa do C onsum idor, M eio A m biente e M inorias, e do D esenvolvim ento
U rbano e Interior da C âm ara Federal.
Todavia, com o é natural no processo dem ocrático, essas Com issões intro-
duziram m odificações à proposta aprovada inicialm ente pela Em plasa e m ais
tarde aprovada pelos prefeitos da G rande São Paulo, em 1986. Por isso,
im porta assinalar alguns pontos nos quais as respectivas propostas diferem . ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
105 C f. D eliberação 1/86, publicada em resum o no D iário O ficial do Estado de 15/2/1986.
• 257 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O artigo 44 do anteprojeto distinguia o prazo para o reconhecim ento
do usucapião, fixando-o em três anos entre presentes, isto é, entre partes
residentes no m esm o m unicípio, e cinco anos entre ausentes, ou seja,
entre partes residentes em m unicípios diferentes, distinção esta tam bém
adotada no C ódigo C ivil Brasileiro. A proposta estabelecia tam bém que a
área urbana contínua possuída não podia exceder 300 m etros quadrados
e devia ser utilizada para m oradia própria ou de sua fam ília. U m de seus
parágrafos determ inava que essa m odalidade especial de usucapião não
incidiria sobre im óvel urbano ocupado por em pregados dom ésticos, com o
caseiros, jardineiros e outros sim ilares.A função social da propriedadeera apresentada como a base fundante desse instituto jurídico.
Seu artigo 45, literalm ente, dispunha: “O s terrenos contínuos localiza-
dos em áreas declaradas de regularização fundiária, com m ais de 300
m etros quadrados, nos quais existam aglom erados de edificações precá-
rias, tais com o barracos, taperas, cortiços e sim ilares, destinadas a m ora-
dia, e sejam ocupadas por dois ou m ais possuidores, pessoas físicas, são
suscetíveis de serem usucapidascoletivamente”. (O negrito é do autor)
Sua finalidade consistia em propiciar a regularização fundiária deáreas de favelas e cortiços, possibilitando a apropriação coletiva dasáreas ocupadas por grupos de famílias de baixa renda. Sua necessi-dade decorria das características peculiares a esse tipo de ocupação.
O artigo 48 previa a instituição de um a m odalidade original de condo-
m ínio destinada a possibilitar e facilitar a reurbanização das áreas ocupa-
das por esse conjunto de edificações habitacionais precárias e em condi-
ções precárias para o trânsito de pessoas e de insalubridade.
A realidade desses aglom erados im punha que a reurbanização destina-
da à m elhoria das condições de m oradia nesses conjuntos fosse realizada
antes que houvesse a cristalização da propriedade individual sobre as áreas
de terreno irregulares, contíguas e de ínfim as dim ensões, sobre as quais
foram construídas as edificações destinadas à m oradia das fam ílias. Essa
cristalização da propriedade individual antes da reurbanização do conjun-
to urbano precário, com o é evidente, criaria enorm es dificuldades práti-
○ ○ ○ 258 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
cas para a m elhoria das condições de habitabilidade nesses agrupam en-
tos, especialm en te se considerad a a eventual necessidad e de
rem anejam ento da localização das habitações para m elhorar as condi-
ções do fluxo de pessoas e cargas e a im plantação da infra-estrutura de
saneam ento básico e de energia elétrica, onde for o caso.
A lém dessa m odalidade original de condom ínio, a proposta estim ulava
e facilitava a solução dos problem as de habitabilidade pela própria com u-
nidade organizada.
O s parágrafos 1o, 2o e 3o do artigo 48 do anteprojeto da Em plasa dispu-
nham expressam ente:
“§ 1o –Na sentença, o juiz atribuiria igual fração ideal de terreno a cada
posseiro, independentem ente da dim ensão da porção de terreno que cada
um ocupe, salvo na hipótese de acordo escrito entre os condôm inos, ho-
m ologado pelo m unicípio, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 2o –O condom ínio especial assim constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo m ediante deliberação favorável tom ada por,
no m ínim o, dois terços dos condôm inos e hom ologação pelo m unicípio.
§ 3o –As deliberações relativas à adm inistração destes condom ínios se-
rão tom adas por m aioria de votos dos condôm inos presentes, obrigando
tam bém os dem ais, discordantes ou ausentes”.
N esses parágrafos foram expressas as características essenciais dessa
nova m odalidade de condom ínio, elaborada com a finalidade de viabilizar
a transição de um a situação de m oradias precárias e insalubres para outra
de habitações m ais dignas e civilizadas.
O artigo 50 do anteprojeto autorizava a participação do m unicípio,emcomum acordo com os condôminos, dirigindo e executando areurbanização do im óvel suscetível de ser usucapido coletivam ente.
Por outro lado, o artigo 51 e seguintes facultou aos condôm inos a asso-
ciação sob a form a de sociedade cooperativa popular urbanizadora para
o fim de prom overem , por si próprios ou por terceiros, a construção, re-
• 259 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
form a ou am pliação de suas m oradias, bem com o a realização de equipa-
m entos urbanos e com unitários.
Por fim , o artigo 46 do m esm o anteprojeto proibia o usucapião especial
de im óvel urbano nas áreasn on aedificandi e nas áreas de dom ínio públi-
co de uso com um do povo ou de uso especial do Poder Público, m as o
adm itia nos bens públicos dom inicais e nos terrenos das entidades da
A dm inistração indireta dos entes federados, com o em presas públicas e
sociedades anônim as de econom ia m ista.
E o artigo 47 do anteprojeto, inspirado em dispositivo sim ilar da Lei de
Introdução ao C ódigo C ivil, determ inava ao juiz que fizesse cum prir a
legislação urbanística pertinente, pois existe, m uito difundida entre os
juízes, a cultura de, além de desconhecerem a legislação urbanística, res-
tringirem seu papel às questões de natureza estritam ente civil, represen-
tada exclusivam ente pelas relações jurídicas existentes entre proprietário
e possuidor, m as que, principalm ente, na aplicação dessa legislação, vi-sasse ao atendimento dos fins sociais do anteprojeto m ediante o uso
dos princípios de justiça e eqüidade, e, desse m odo, não procedesse a
um a aplicação m eram ente burocrática e cartesiana da lei.
Posteriorm ente, em 1988, o próprio legislador constituinte acolheu a
proposta com m odificações, incluindo esse instituto jurídico no C apítulo
II, que cuida exatam ente da Política U rbana, do Título VII –Da ordem
econôm ica e financeira, m as dispondo apenas sobre o usucapião inciden-
te sobre im óvel com até 250 m etros quadrados. Isso significa que a pró-
pria C onstituição Federal o considera instrum ento de política urbana, cer-
tam ente, com vistas à efetivação do princípio da prevalência, nos term os
nela prefixados, da função social da propriedade urbana sobre o direito
individual do proprietário.
Com esse objetivo, a C onstituição Federal reduziu para cinco anos o pra-
zo exigido para a aquisição do direito de propriedade pelo possuidor de
im óvel urbano alheio desde que esse ocupe efetivam ente área urbana com
até 250 m etros quadrados e a utilize para sua m oradia ou de sua fam ília.
○ ○ ○ 260 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Usucapião Especial Urbano no Substitutivo ao Projeto deLei 5.788/90, Aprovado pela Comissão de DesenvolvimentoUrbano e Interior da Câmara FederalO C ódigo C ivil Brasileiro, ainda em vigor desde 1o de janeiro de 1917,
contem pla a disciplina do usucapião nos seus artigos 550 a 553. Trata-se,
portanto, de instituto jurídico antigo criado com fundam ento no princí-
pio da função social da propriedade, em bora este ainda não fosse então
um princípio constitucional. O usucapião disciplina a posse efetiva do bem ,
transform ando-a em dom ínio ou propriedade após o m ero decurso do
prazo previsto em lei.
Portanto, não é de hoje que a lei brasileira reconhece direitos ao possui-
dor perante o proprietário inerte que não utiliza efetivam ente sua proprie-
dade. Em outras palavras, a lei privilegia o possuidor que dá ao im óvel um a
função social efetiva em detrim ento do proprietário que apenas tenha o
seu título de propriedade, não o defenda nem dê ao im óvel um uso real
com patível com sua função social. Segundo a lei, o direito do proprietário
só prevalece sobre o do possuidor desde que o prim eiro o defenda desde
logo, não perm itindo que a posse se consolide com o decurso do tem po.
A C onstituição Brasileira de 1988 reforçou essa linha evolutiva na m edi-
da em que, positivando o princípio, fortaleceu o princípio da função social
da propriedade até reduzindo o prazo de aquisição da propriedade urba-
na por m eio do usucapião no seu artigo 183.
Usucapião IndividualO artigo 9o do substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990, repete em
sua m aior parte o disposto no artigo 183 da C onstituição Federal, que
instituiu o usucapião especial urbano em nosso País. A prim eira diferença
encontrada consiste na explicitação da autorização para que possa recair
não apenas sobre área de terreno m as tam bém sobre edificação. O texto
constitucional m enciona “área urbana” sem esclarecer se ela se refere ao
terreno ou à construção. O ra, se o legislador constituinte não distinguiu,
não cabe ao intérprete fazê-lo. Portanto, a locução “área urbana” no
• 261 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
artigo 183 da C onstituição Federal abrange tanto a área de terreno quan-
to aquela construída sobre ele. Sob esse aspecto, o substitutivo contribui
para elim inar qualquer dúvida a respeito, estando perfeitam ente dentro
dos parâm etros estabelecidos na própria C onstituição.
Esse m esm o artigo, no seu parágrafo 3o, garante ao herdeiro legítim o o
direito de suceder na posse de seu antecessor, desde que já resida no
im óvel por ocasião da abertura da sucessão. O seu parágrafo 1o , por sua
vez, apresenta conteúdo idêntico ao do parágrafo prim eiro do artigo 183
da C onstituição Federal, ressalvada a supressão da expressão “e a con-
cessão de uso”,106 contribuindo unicam ente para elim inar dúvidas e reite-
rar a disposição constitucional segundo a qual o direito de usucapir só
pode ser reconhecido exclusivam ente às pessoas naturais, hom em ou m u-
lher, ou a am bos, excluídas as pessoas jurídicas. Essa idéia, aliás, encon-
tra-se im plícita no caput do artigo 183 da C onstituição Federal, no senti-
do de que som ente as pessoas naturais podem m orar e possuir fam ília.
N ão fossem esses pequenos aperfeiçoam entos do Texto C onstitucional,
o artigo 10 do substitutivo seria totalm ente desnecessário, pois o artigo
183 da C onstituição Federal apresenta todas as características das nor-
m as auto-aplicáveis ou de eficácia plena e direta.
Usucapião Coletivo: Constitucionalidade e AlcanceO artigo 10 do substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990, institui a
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
106A propósito, parecem -m e corretas as observações de José C arlos Tosetti Barruffini quando
expressa o entendim ento favorável à inutilidade desse dispositivo constitucional, pois o que
se adquire com o usucapião é o dom ínio e não o uso; a sentença na ação de usucapião
possui efeito m eram ente declaratório, pois este é form a originária de aquisição do dom ínio;
a concessão de uso é m ero contrato adm inistrativo pelo qual se concede o uso m as não o
dom ínio; e o registro (antigam ente cham ado de transcrição) da sentença de usucapião no
registro de im óveis não conduz à transferência da propriedade, pois esta ocorre quando o
usucapiente reúne os requisitos constitucionais e legais, valendo a sentença com o título para
o registro m as não para o dom ínio. O m esm o autor assinala, com m uita propriedade, que,
em face da proteção atualm ente dada pela C onstituição à união estável entre o hom em e a
m ulher (art. 226, § 3º, da C onstituição), o título poderá ser lavrado em nom e de am bos,
“independentem ente do estado civil”. (vide U sucapião C onstitucional U rbano e Rural - Fun-
ção social da propriedade. São Paulo: A tlas, 1998, pp. 180 e 181).
○ ○ ○ 262 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
figura do usucapião especial urbano coletivo nos seguintes term os:
“Art. 10 –As áreas urbanas com m ais de 250 m etros quadrados, ocu-
padas por população de baixa renda para sua m oradia, por cinco anos,
ininterruptam ente e sem oposição, onde não for possível identificar os
terrenos a serem ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem
usucapidas coletivam ente, desde que os possuidores não sejam proprie-
tários de outro im óvel urbano ou rural.
§ 1o –O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que am bas
sejam contínuas.
§ 2o –O usucapião especial coletivo de im óvel urbano será declarado
pelo juiz, m ediante sentença, a qual servirá de título para registro no C ar-
tório de Registro de Im óveis.
§ 3o –Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentem ente da dim ensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôm inos, estabele-
cendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o –O condom ínio especial constituído é indivisível, não sendo passí-
vel de extinção, salvo deliberação favorável tom ada por, no m ínim o, dois
terços dos condôm inos, no caso de execução de urbanização posterior à
constituição do condom ínio.
§ 5o –As deliberações relativas à adm inistração do condom ínio serão
tom adas por m aioria de votos dos condôm inos presentes, obrigando tam -
bém os dem ais, discordantes ou ausentes”.
C om o se pode constatar, o substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de
1990, incorporou substancialm ente a proposta inicialm ente elaborada na
Em plasa e posteriorm ente acolhida no Projeto de Lei 2.191/89 pelo então
deputado federal Raul Ferraz, com algum as pequenas m odificações.
A lgum as delas se justificaram em virtude das inovações legislativas que
ocorreram durante o enorm e lapso de tem po decorrido entre a elabora-
ção inicial da proposta, em 1983, o início da vigência da C onstituição
• 263 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Federal em 1988, que não o previu expressam ente, e sua aprovação re-
cente pela referida C om issão de D esenvolvim ento U rbano e Interior da
C âm ara Federal no ano de 1999. N esse interregno, ocorreram im portan-
tes m odificações na C onstituição Federal, que tornaram desnecessárias,
por exem plo, as alusões anteriorm ente feitas à participação do m unicípio
no processo de reurbanização de favelas e cortiços e à form ação de soci-
edades cooperativas urbanizadoras, cuja criação a C onstituição facilitou
am plam ente.
Entretanto, o projeto substitutivo aprovado por essa C om issão espelha
o reconhecim ento da necessidade da adoção do usucapião especial urba-
no, seja individual seja coletivam ente, com o instrum ento de política urba-
na, dirigido para o cum prim ento do dever constitucional que determ ina a
observância da função social da propriedade.
O prim eiro aspecto a considerar na análise do usucapião coletivo urbano
diz respeito à hipotética alegação de sua inconstitucionalidade pelo fato de
a C onstituição Federal ter instituído apenas o usucapião individual reco-
nhecível apenas em favor de quem ocupe área urbana de dim ensão inferior
a 250 m etros quadrados, m as não o usucapião especial coletivo em favor
da população de baixa renda que ocupe área com dim ensão superior.
Eventual alegação nesse sentido não possui qualquer fundam ento con-
sistente, eis que a relação jurídica entre proprietário e possuidor constitui
m atéria de direito civil, que, conform e o artigo 22 da C onstituição Fede-
ral, encontra-se privativam ente sob a alçada legislativa da U nião. C om pe-
te, pois, ao legislador ordinário nacional legislar, instituindo legitim am en-
te novas m odalidades de usucapião além daquela expressam ente prevista
na C onstituição. N ão há, pois, qualquer inconstitucionalidade no artigo
10 do substitutivo cujo conteúdo vai ao encontro do cum prim ento efeti-
vo do princípio constitucional da função social da propriedade.
Efetivam ente, o acolhim ento do usucapião coletivo no substitutivo en-
contra-se voltado para a prom oção da paz social, a redução das desigual-
dades sociais, a proteção da fam ília e da dignidade da pessoa hum ana, o
atendim ento das funções sociais da cidade e a m elhoria das condições
○ ○ ○ 264 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
habitacionais das populações de baixa renda situadas em áreas urbanas
ou de expansão urbana.
O caráter social do instituto sobressai do caput desse artigo 10 quando
estabelece que as áreas urbanas suscetíveis de serem usucapidas coletiva-
m ente são aquelas “ocupadas por população de baixa renda”, excluindo,
portanto, de sua incidência as áreas ocupadas por população de m édia e
alta rendas. C om m uita propriedade, a lei não fixa parâm etros m atem áti-
cos de renda para delim itar o que entende por “população de baixa ren-
da”. O legislador preferiu deixar esse assunto ao prudente critério do Juiz
no exam e de cada caso concreto.
Paralelam ente, os aspectos essenciais do instituto foram incorporados
ao substitutivo, especialm ente m ediante a previsão de um a nova m odali-
dade de condom ínio, capaz de possibilitar a superação dos entraves à
reurbanização e à com pleta regularização urbana e fundiária de áreas de
favelas e cortiços e assem elhados.
C ontudo, algum as diferenças são notáveis. N o artigo 10 do substitutivo
preferiu-se trocar a enum eração exem plificativa das situações nas quais
poderiam incidir o usucapião coletivo por um a frase de significado diver-
so: “... onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada
possuidor, ... “. Essa frase, nesse contexto, apresenta conotação
reducionista e equivocada potencialm ente geradora de polêm icas
despiciendas e prejudiciais.
Em prim eiro lugar, é difícil im aginar situações, por m enores que sejam
as áreas de terreno ocupadas, nas quais não se possa identificar os terre-
nos ocupados em relação ao respectivo possuidor. A regra geral consiste
em que é possível identificar os terrenos ocupados e o respectivo possui-
dor. A liás, constitui princípio da física que dois corpos não podem ocupar
sim ultaneam ente o m esm o lugar no espaço.
Talvez o legislador tenha considerado ser essa a fórm ula adequada para
legitim ar a incidência do usucapião coletivo a partir da idéia de que onde
for possível identificar o terreno ocupado individualm ente pelo possuidor
devesse incidir apenas o usucapião individual e não o usucapião coletivo.
• 265 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Essa parece ter sido a razão pela qual o legislador adotou um a form ula-
ção tão contraditória e distante da realidade dos fatos, a qual até deixa
um a brecha para que alguém possa sustentar a inaplicabilidade do pre-
ceito que ele próprio instituiu. D e fato, se adotada a prem issa de que
toda posse im plica a possibilidade de identificação do terreno ocupado
com seu possuidor, o usucapião coletivo seria inaplicável, sendo unica-
m ente aplicável o usucapião individual.
M as, m esm o adm itindo-se a eventual possibilidade da incidência do
usucapião coletivo apenas nos casos em que não fosse possível essa iden-
tificação, da redação dada no substitutivo aflora, de im ediato, a seguinte
questão: então, onde for possível a identificação dos terrenos ocupados e o
respectivo possuidor de baixa renda, som ente seria possível a incidência do
usucapião individual, m as não seria possível o usucapião urbano coletivo?
O u seja, surge então o paradoxo: nas favelas e cortiços nos quais “não
se possa identificar” os terrenos ocupados seria possível adquirir coletiva-
m ente o dom ínio m ediante o usucapião especial urbano e, naqueles nos
quais seja possível essa identificação, ainda que as áreas de terreno ocu-
padas sejam contíguas e de dim inuta dim ensão, o m esm o efeito jurídico
não seria considerado perm itido pela lei.
U m a exegese dessa natureza conduziria a um a discrim inação destituída
de fundam ento razoável. Q ual seria ou poderia ser a razão legitim adora
dessa discrim inação? A parentem ente, pelo m enos, não se vislum bra qual-
quer critério razoável que pudesse legitim ar esse discrím en. U m a inter-
pretação adequada não deve conduzir a conclusões absurdas ou
irrazoáveis.
N esse sentido, parece m elhor atentar para os fins sociais visados pela
norm a jurídica e privilegiar o seu atendim ento em detrim ento de um a
discrim inação iníqua, pois rem ete a m aioria dos casos ao usucapião indi-
vidual e, praticam ente, inviabiliza o próprio objetivo da instituição do
usucapião coletivo, qual seja, o de possibilitar a reurbanização do conjun-
to da área ocupada em benefício do atendim ento das funções sociais da
cidade, com o assentim ento e sem qualquer prejuízo para os possuidores
○ ○ ○ 266 •
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade Estatuto da Cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
usucapientes. A lém do que essa exegese não parece consentânea com o
respeito ao princípio constitucional da igualdade e não porta consigo um
critério de justiça e de razoabilidade.
Todavia, parece m ais razoável e consentâneo com as dem ais disposições
legais pertinentes entender que se aplica o usucapião coletivo tam bém onde
se possa identificar o terreno ocupado com o respectivo possuidor, privile-
giando os fins sociais visados pela norm a e considerando os possuidores
em estado de com posse do conjunto da área urbanizada possuída de m odo
indiviso (vide art. 488 do Código Civil), em bora cada possuidor ocupe de
fato um a porção determ inada de dim inuta dim ensão.107
Em abono dessa interpretação, im porta lem brar que o próprio texto da
lei considera os usucapientes em estado de com posse sobre a totalidade
da área ou im óvel objeto do usucapião coletivo, ocupando cada um deles
um a porção determ inada, devendo, em conseqüência, o juiz atribuir um a
fração ideal de terreno a cada possuidor, independentem ente da dim en-
são do terreno que cada um ocupe. É o que dispõe o § 3o do artigo 10 do
substitutivo.
D o ponto de vista literal, a afirm ação constante do caput desse artigo,
segundo a qual o usucapião coletivo incidiria “...onde não for possível
identificar os terrenos ocupados por possuidor...” contradiz o conteúdo
desse parágrafo terceiro, que m anda o Juiz atribuir igual fração ideal de
terreno a cada possuidor, salvo a hipótese de acordo escrito entre os
condôm inos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
107A liás, trata-se de um a realidade bastante difundida no Brasil –que está a exigir um a ade-
quada disciplina legislativa em razão de im plicar progressiva am pliação das áreas urbanas
sem a correlata im plantação da infra-estrutura urbana própria –a com posse de im óvel rural
indivisível pelo fato de sua eventual divisão dar origem a outros im óveis com dim ensão
inferior à do m ódulo rural da região. C om o isso é vedado pela lei, que não perm ite im óvel
rural com dim ensão inferior à do m ódulo rural da região, adota-se, com freqüência, especi-
alm ente para sítios de recreio e chácaras de lazer, a prática da instituição de um condom ínio
(diversos proprietários) sobre um im óvel rural de dim ensão igual ou superior à do m ódulo
rural da região, ficando, portanto, o im óvel juridicam ente indiviso para observância da proi-
bição legal, m as dividido de fato em razão da aceitação com um de um a posse individual
sobre porções determ inadas do im óvel, com dim ensões inferiores às do m ódulo rural, exercida
pelo respectivo possuidor sim ultaneam ente condôm ino do todo.
• 267 ○ ○ ○
F F F F F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F undação Prefeito F aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam aria Lima - Cepam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ •• ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O fato de a lei adm itir a possibilidade do estabelecim ento de frações
ideais diferenciadas tem com o pressuposto lógico o reconhecim ento de
que os ocupantes possuam , de fato, porções determ inadas de dim ensões
diferenciadas entre si e seja possível identificá-las com o respectivo pos-
suidor. Portanto, de m odo im plícito, este artigo 10 adm ite claram ente a
incidência do usucapião coletivo tam bém nos im óveis usucapíveis cole-
tivam ente, nos quais seja possível identificar os terrenos ocupados por
possuidor.
Adem ais, essa idéia é reforçada pelo disposto nos §§ 4o e 5o desse m esm o
artigo 10 do substitutivo ao Projeto de Lei 5.788, de 1990,. A instituição de
um condom ínio especial indivisível sobre a área usucapida coletivam ente,
no qual cada condôm ino seja proprietário de um a unidade autônom a de
uso exclusivo e de um a fração ideal sobre a totalidade do terreno objeto do
usucapião coletivo, tam bém im plica o reconhecim ento do m esm o pressu-
posto lógico acim a m encionado, com as conseqüências jurídicas dele de-
correntes, ou seja, a incidência do usucapião coletivo tam bém sobre as
áreas onde seja possível identificar os terrenos ocupados por possuidor.
N o m esm o sentido, o inciso II do artigo 12 do substitutivo considera
partes legítim as para a propositura da ação de usucapião urbano os pos-
suidores , em estado de com posse, o que tam bém robustece essa exegese.
H oje, o Poder Público possui um a alternativa para utilizar a desapropri-
ação de áreas privadas para o fornecim ento de lotes urbanizados com ou
sem edificação às pessoas de baixa renda, inclusive para regularização de
loteam ento em face das inovações introduzidas pela Lei 9.785, de 29 de
fevereiro de 1999, que facilitou o uso da desapropriação para o fim de
m oradia para a população de baixa renda.
Sem dúvida, a aplicação dessas novas disposições legais, a despeito de
seus m eritórios objetivos, pode ser desvirtuada sob o pretexto de facilitar
a reurbanização ou de prom over a regularização fundiária m ediante a
desapropriação de áreas, form ando favelas ou assem elhados, em relação
às quais o processo de aquisição do dom ínio por seus ocupantes, por
força do usucapião, esteja em curso ou ainda não tenha sido concluído.