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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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Este capítulo tem por objectivo geral a caracterização daqueles que são a razão deste trabalho de investigação – os jovens da era digital, a que chamaremos geração “zap”.

Começa por descrever a sociedade em que se inserem os “zap”, a sociedade da era digital, chamando a atenção para um dos perigos desta era – a info-exclusão.

Debruça-se sobre as características da educação da era digital – descreve como deveria ser, contrapõe com o que é ainda.

Em seguida, passa à descrição dos “zap”, os jovens que vivem nessa sociedade – quem são, como são, como se divertem, como trabalham.

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1. A era digital «Computing is not about computers anymore. It is about living.»

Nicholas Negroponte in Being Digital

1.1. Uma sociedade à velocidade do pensamento

Este início do 3º milénio trouxe a consciência de que finalmente deixamos a Sociedade

Industrial e habitamos a Sociedade da Informação – uma sociedade que se move à velocidade do

pensamento.1

O surgir da máquina a vapor em meados do séc. XVIII trouxe o primado da máquina – o tear

mecânico, a locomotiva a vapor, o automóvel. O movimento e a transformação de bens foram

facilitados e acelerados. Diminuiu-se o esforço físico. Foram os tempos da linha de montagem, da

produção em série, da uniformização.

O surgir do microchip cerca de 200 anos depois, em meados do séc. XX, trouxe o primado da

informação – o computador, as redes informáticas. O movimento e a transformação de ideias foram

facilitados e acelerados. São os tempos da informação, da comunicação, da interactividade, da

originalidade.

Nesse intervalo de 200 anos deu-se ainda o nascimento do telégrafo, do telefone, da rádio e a

primeira explosão da comunicação, a televisão. Mas era uma comunicação de massas, pré-fabricada,

igual para todos, proveniente de grandes indústrias; um produto típico da sociedade industrial. Só com

o advento da rede das redes, a Internet, a informação passaria realmente a fluir livre, em estado puro,

“rápida”2, personalizada e interactiva.

«A expressão “Sociedade da Informação” refere-se a um modo de desenvolvimento

social e económico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização,

transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de

conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham

um papel central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade

de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais.» (LIVRO VERDE, 1997)

O poder deixa então de estar ligado à força muscular ou a recursos energéticos ou a quaisquer

bens materiais, e passa a pertencer a quem detiver mais informação, de melhor qualidade e mais

organizada.

1 Parafraseando Bill Gates e o título do seu livro “Business @ the Speed of Thought” (GATES, 1999). 2 As aspas salvaguardam as questões de largura de banda, um problema no passado e em alguns contextos presentes, menos desenvolvidos tecnologicamente.

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Desde os primeiros computadores,

máquinas de dimensão considerável, só

encontradas em ambientes governamentais

ou académicos, que ocupavam salas inteiras

devidamente climatizadas, e que depois de

alimentadas com papel perfurado, compondo

códigos ininteligíveis, nos devolviam

quilómetros de papel onde a custo

decifrávamos a informação pretendida (Fig.

1.1) – até às simpáticas interfaces visíveis

num ecrã a cores de alta resolução,

acompanhado por uma parafernália de outros Fig. 1.1 – Computador ENIAC

http://www.redstone.army.mil/history/barclay/eniac.jpg

dispositivos, arrumados facilmente num canto da secretária, co-habitando com o telefone, com a TV e

com os electrodomésticos da cozinha ali ao lado, e que nos dizem a informação ao ouvido – foi a

imensa evolução técnica ocorrida durante estes cerca de 60 anos que permitiu que o cidadão comum, a

partir da sua própria casa, pudesse aceder ao imenso poder da informação. Hoje, através dos

computadores portáteis e da tecnologia wireless a informação está disponível em qualquer lugar, em

qualquer altura. (Fig. 1.2)

Fig. 1.2 – Computadores actuais – computador de secretária e computador portátil

O que se seguirá? Nas palavras de Nicholas NEGROPONTE (1996):

«No início do próximo milénio será possível que os seus botões de punho ou os seus

brincos esquerdo e direito comuniquem entre si através de satélites de órbita baixa e que

possuam uma capacidade de computação maior que o seu PC actual. O seu telefone não

tocará indiscriminadamente; receberá, escolherá, e talvez responda às chamadas que lhe

fizerem do mesmo modo que um mordomo inglês bem treinado o faria. (…) Conviveremos

em comunidades digitais para as quais o espaço físico será irrelevante e o tempo

desempenhará um papel diferente.»

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É na nossa percepção de tempo e espaço que estas novas Tecnologias da Informação e

Comunicação (TIC) fazem mais sentir a sua influência. O tempo, individual e colectivo, sofreu uma

aceleração considerável; tudo acontece agora a um ritmo alucinante. Na comunicação entre os povos,

as distâncias físicas foram destruídas, assim como as fronteiras políticas, geográficas ou culturais. E

assim cada indivíduo tem à sua disposição, instantaneamente, uma quantidade imensa de informação

sobre uma quantidade imensa de assuntos.

O impacto sócio-económico de tais mudanças é inevitável e as consequências são talvez ainda

desconhecidas na sua totalidade.

Haverá consequências claramente positivas, algumas que já começamos a sentir, outras de que

só desconfiamos:

• A facilidade de comunicação com outras culturas ajudará à consciencialização de como somos

apenas uma pequena parte de um todo muito diversificado, fomentando a tolerância e o

respeito pela diferença.

• Será cada vez mais intensa e espontânea a colaboração entre pessoas, e também a consciência

de que o sucesso de todos depende da contribuição de cada parte.

• A criatividade e a originalidade serão privilegiadas; apesar de tudo se propagar demasiado

rápido, não existirá uniformização, pelo contrário, saber-se-á ouvir, tal como se saberá

contribuir.

• A relação de cada um com o meio ambiente será reformulada; estaremos mais informados

também sobre os perigos e agressões ambientais, e seremos mais sensíveis a que «o ser

humano depende simultaneamente da cultura e da Natureza» (MORIN, 2001).

• Estaremos mais alerta em relação às grandes questões globais que ultrapassam fronteiras –

direitos humanos, pobreza, paz, etc.

• Existirá uma “consciência global” ou, como lhe chama o filósofo Pierre LÉVY (1994), uma

“inteligência colectiva”, «globalmente distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em

tempo real, que conduz a uma mobilização efectiva das competências.»

• E num futuro ainda indefinido, provavelmente as “nações”, tal como as entendemos hoje,

tenderão a desaparecer dando origem a um planeta unido. As comunidades organizar-se-ão

espontaneamente por ideias comuns e não por fronteiras de qualquer espécie.

(NEGROPONTE, 1998)

Haverá também consequências menos boas, que importa conhecer para tentar evitar ou atenuar:

• Esse acesso instantâneo ao mundo amplifica a angústia e o stress, que são já característicos

das nossas sociedades frenéticas – tanto para fazer, tão pouco tempo.

• Corre-se cada vez mais o risco da superficialidade e do facilitismo; mais uma vez o factor

tempo, que é pouco, para permitir o aprofundar de pesquisas, para ir ao fundo das questões.

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• A mole de informação a que temos acesso exige um elevado espírito crítico e experiência, sem

os quais não seremos capazes de distinguir entre o essencial e o acessório.

• A informação pode circular em circuito fechado, passar de mão em mão, ser mastigada e

despejada novamente sem ter sido criada informação verdadeiramente original.

• Existe o perigo muito real do plágio, desonesto ou ingénuo, consciente ou inconsciente. E a

dificuldade acrescida em evitá-lo perante o acesso às ideias de tantos, quase em simultâneo

com o nascer das próprias ideias.

• A info-exclusão (que desenvolveremos de seguida).

1.2. A info-exclusão

Esta nova sociedade, por estar assente em avanços tecnológicos e em evolução das

mentalidades, poderá não ser igualmente acessível a todos os indivíduos. Camadas da população

menos favorecidas, culturalmente ou economicamente, ou habitantes de regiões pouco desenvolvidas e

pobres, poderão ter mais dificuldades em aceder às novas tecnologias, ficando assim “info-excluídos”,

excluídos da revolução digital.

Este é um fenómeno real, mesmo em sociedades que já se encontram na era digital há vários

anos como os Estados Unidos, onde estudos recentes3, mostram existir ainda uma relação directa entre

o rendimento familiar e o acesso às TIC.

Por exemplo, em 2001, enquanto que 89% dos lares norte-americanos com rendimento igual ou

superior a 75000 dólares/ano possuíam computador pessoal, a percentagem descia para 40% para

rendimentos da ordem dos 25000 dólares/ano e para apenas 26% para rendimentos inferiores a 5000

dólares/ano. Do mesmo modo, em relação ao acesso à Internet, em 2001, 85% dos lares norte-

americanos com rendimento igual ou superior a 75000 dólares/ano estavam ligados à rede, contra

apenas 32% dos lares com rendimentos da ordem dos 25000 dólares/ano e 21% dos lares com

rendimentos inferiores a 5000 dólares/ano (NATION ONLINE, 2002).

O factor “região”, que parece não influenciar as famílias de rendimentos mais elevados, torna-se

um factor adicional para as famílias de rendimentos mais baixos – os habitantes das zonas rurais dos

EUA com rendimentos inferiores a 5000 dólares/ano estavam consideravelmente mais penalizados em

relação ao acesso às TIC (18% possuíam computador pessoal, 13% estavam online) que os seus

compatriotas de zonas urbanas com o mesmo rendimento anual (28% possuíam computador pessoal,

23% estavam online).

3 A NTIA-“National Telecommunications and Information Administration” e a “Economics and Statistics Administration” dos EUA publicaram um relatório em Fevereiro de 2002, que teve por base o recenseamento da população norte-americana ocorrido em Setembro de 2001, tendo sido inquiridos 57000 lares e mais de 137000 indivíduos.

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O factor “região”, também se faz sentir a nível do planeta, existindo um fosso digital entre as

sociedades desenvolvidas e economicamente estáveis, e as subdesenvolvidas e que se debatem com

inúmeros problemas sociais e económicos.

Eis alguns dados significativos referentes a 20024 (NUA, 2002):

• só 10% de toda a população mundial estava ligada à rede;

• da população mundial ligada à rede, 30% pertencia aos Estados Unidos e Canadá, 31%

pertencia à Europa, 31% pertencia à Ásia e Pacífico Sul, 1% residia no Médio Oriente, 1% em

África, e 6% na América Latina;

• estavam online, por exemplo, 60% dos norte-americanos, 54% dos australianos, 4% dos

chineses, e apenas 1% dos indianos;

• na Europa estavam online, por exemplo, 68% dos suecos, 44% dos portugueses, 13% dos

gregos e apenas 4% dos Romenos;

• na América Latina verificava-se que, por exemplo, estavam online apenas 10% dos

argentinos, 8% dos brasileiros, 3% dos mexicanos e 2% dos habitantes da República

Dominicana.

Dentro de cada sociedade parece existirem ainda outros factores geradores de info-exclusão.

Veja-se estes dados de 2000 em relação à sociedade norte-americana (DIGITAL DIVIDE, 2003):

• nos EUA o acesso à Internet dos indivíduos de raça branca (46%) e os originários na

Ásia/Pacífico Sul (57%) era consideravelmente superior ao das comunidades negra (24%) e

hispânica (24%);

• 65% dos norte-americanos com curso superior estava online contra apenas 12% daqueles que

não acabaram o ensino secundário;

• 63% dos lares norte-americanos com residentes entre 18-49 anos usou a Internet contra apenas

37% dos lares com residentes de idades superiores a 50 anos.

Em relação a Portugal estudos de 20015 (TIC, 2001) parecem confirmar a maior parte destas

tendências:

• a percentagem de utilizadores de computador era de 49%, e 39% possuía computador pessoal;

• a percentagem de portugueses utilizadores da Internet era de 30%, sendo que 18% acedia a

partir de casa;

• a utilização de computador e da Internet atinge valores ligeiramente abaixo da média do país

nas regiões Norte e Centro (ver tabela 1.1);

4 “Nua.com” é um site, da responsabilidade do “Scope Communications Group” da Irlanda, que disponibiliza estimativas permanentemente actualizadas dos utilizadores da Internet a nível global, baseadas no estudo de inquéritos e relatórios provenientes de todo o mundo. Os números representam “adultos ou crianças que tenham acedido à Internet pelo menos 1 vez nos 3 meses anteriores ao momento em que foram inquiridos”. 5 Resultados de um inquérito do “Observatório das Ciências e das Tecnologias” realizado entre Julho e Agosto de 2001, a 3000 indivíduos, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos, residentes em Portugal Continental.

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• a utilização de computador e da Internet está positivamente correlacionada com o nível de

instrução (ver tabela 1.2);

• a utilização da Internet está inversamente correlacionada com a idade (ver tabela 1.3);

• a percentagem de indivíduos de sexo masculino que utiliza o computador e a Internet é

superior à percentagem de indivíduos utilizadores de sexo feminino (ver tabela 1.4).

Tabela 1.1 – Utilizadores de computador e Internet por região

Norte Centro

Lisboa e

Vale do Tejo

Alentejo Algarve Total do País

Utilizam o computador (%)

43 43 55 57 50 49

Utilizam a Internet (%)

28 25 34 31 38 30 6

Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias 2001

Tabela 1.2 – Utilizadores de computador e Internet por nível de escolaridade

Sem Habilitações

1º Ciclo Ens.Básico

2º Ciclo Ens.Básico

3º Ciclo Ens.Básico e

Ens. Secundário

Curso Médio/

Superior

Total do País

Utilizam o computador (%)

3 18 42 87 97 49

Utilizam a Internet (%)

1 4 19 61 79 30

Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias 2001

Tabela 1.3 – Utilizadores de computador e Internet por escalão etário

15-19 anos

25-29 anos

20-24 anos

30-39 anos

40-49 anos

>50 anos

Total do País

Utilizam o computador (%)

85 77 65 48 38 20 49

Utilizam a Internet (%)

72 58 45 26 16 7 30

Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias 2001

Tabela 1.4 – Utilizadores de computador e Internet por sexo

Masculino Feminino Total do País

Utilizam o computador (%)

52 45 49

Utilizam a Internet (%)

34 27 30

Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias 2001

6 A diferença entre este valor de 30% para os utilizadores portugueses da Internet e o apontado pela “Nua.com”, já referido atrás, de 44%, dever-se-á a uma diferença nos conceitos de “utilizador” de cada estudo, além de que o primeiro valor é de um inquérito de 2001 e o segundo é uma estimativa atribuída ao ano de 2002.

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Poucas vezes referido, o sexo parece ser outro factor de exclusão digital. Não é só a nível do

utilizador comum que se observa uma menor implantação das novas tecnologias no universo feminino;

também no grupo dos estudantes de nível médio e superior ou dos profissionais das ciências

informáticas, a percentagem de indivíduos do sexo feminino é bastante inferior à de indivíduos do

sexo masculino.

Há quem acredite (MARCHICK, 2000) que este afastamento das tecnologias informáticas tem

origem já nos primeiros anos de escolaridade indicando algumas causas prováveis, tais como:

• preconceitos e expectativas da sociedade, que impõem aos rapazes a escolha de carreiras

ligadas à Matemática e às Ciências em geral e, modernamente, à Informática, enquanto que se

aceita, e até se prefere em certos sectores, carreiras ligadas às Letras e às Artes para as

raparigas;

• os jogos de computador, tradicionalmente dando importância à acção e violência, que são

muito mais atraentes aos rapazes do que às raparigas, em consequência do que, os primeiros

interagem com os computadores desde cedo, ganhando mais familiaridade e ficando

predispostos para seguir carreiras ligadas à informática.

Esta opinião sai reforçada em outro estudo norte-americano onde se aponta para a falta de

atracção e motivação como causa primeira do desinteresse e consequente insucesso das raparigas em

relação às TIC. Kimberley HALE (2002), professora do 8º ano de uma escola da Georgia, EUA,

trabalhando com os seus alunos, tentou estabelecer uma relação entre o sexo e o sucesso, na utilização

do computador para realizar determinadas tarefas. Observou que as diferenças verificadas entre os

resultados dos rapazes e das raparigas não foram sempre no mesmo sentido – em certas actividades as

raparigas foram até melhor sucedidas do que os rapazes. Concluiu que algumas das actividades

propostas parecem ter sido mais motivadoras do que outras, para as raparigas, traduzindo-se num

maior entusiasmo e empenho e consequentemente em melhores resultados.

Assim, o fosso digital entre os sexos poderá ser facilmente eliminado se desde cedo se motivar

as jovens, através de projectos, actividades, jogos, que lhes sejam atraentes.

Mais difícil será certamente a eliminação do fosso digital que rasga a sociedade em grupos, com

os mais pobres, os mais idosos, os pouco instruídos, as minorias étnicas, por um lado, e os mais ricos,

os habitantes de zonas urbanas, os que completaram estudos superiores, os indivíduos de raça branca,

por outro – os “info-pobres” e os “info-ricos”. Mais difícil e mais premente, porque é criado pelas

desigualdades sociais e/ou regionais de que estes grupos já padecem e porque terá como consequência

a amplificação dessas desigualdades.

Desigualdade gera info-exclusão que gera mais desigualdade.

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É certo que a solução para as desigualdades sociais, que desde sempre afligiram a humanidade,

não está em dar-lhes computadores e ligá-los à rede. Para quem não tem acesso a necessidades básicas

como habitação, cuidados de saúde, educação ou emprego, os computadores e a Internet serão um luxo

sem utilidade prática. Mais, serão um “elefante branco” para quem não sabe que uso lhes dar, para

quem não é capaz de compreender sequer o seu alcance.

A tecnologia por si só nunca eliminará desigualdades. Mas a sua ausência ajudará a aumentá-las

e, ao contrário de outras inovações técnicas que surgiram no passado, mesmo ao nível das

comunicações, como o telefone e a TV, não se poderá deixar a sua disseminação ao sabor do mercado.

O estado tem de se responsabilizar por garantir o acesso à Sociedade de Informação de todos os seus

cidadãos para impedir que surjam, nas palavras de Don TAPSCOTT (1998), gerações de «have-nots,

know-nots, do-nots».

Em Portugal existe, pelo menos desde 1996, uma consciência a nível de organismos oficiais em

relação à importância do acesso em pleno, do país e de todos os seus cidadãos, à Sociedade da

Informação. Como se pode ler neste excerto da autoria da “Iniciativa Nacional para a Sociedade da

Informação”:

«A sociedade da informação tem de ser uma sociedade para todos. Na definição das

medidas de política para a construção da sociedade da informação devem-se estabelecer

condições para que todos os cidadãos tenham oportunidade de nela participar e desse modo

beneficiar das vantagens que este novo estádio de desenvolvimento tem para oferecer. Para

isso, é indispensável que todos possam obter as qualificações necessárias ao estabelecimento

de uma relação natural e convivial com as tecnologias da informação e que seja possível o

acesso em locais públicos sem barreiras de natureza económica que contribuam para

acentuar a estratificação social existente.» (LIVRO VERDE, 1997)

Actualmente o POSI – Programa Operacional da Sociedade de Informação – estabelece mais

uma série de prioridades para atingir a «massificação das tecnologias da informação e da comunicação

para a modernização da sociedade portuguesa» (POSI, 2003), das quais se destaca:

• criar condições para a oferta maciça de produtos adaptados ao mercado familiar de modo a

multiplicar por quatro o número de computadores com ligação à Internet existentes nos lares

portugueses;

• criar espaços públicos de acesso à Internet em todas as freguesias do País e generalizar a

disponibilização e uso de e-mail pela população portuguesa;

• generalizar a todas as escolas e agrupamentos de escolas do 1º ciclo do Ensino Básico a Rede

RCTS, assim como a todas as associações culturais e científicas, em condições de gratuitidade

para os utilizadores e de apoio à produção e exploração de conteúdos;

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• aprovar e executar um programa que conduza à multiplicação por mil dos conteúdos

portugueses na Internet;

• associar um diploma de competências básicas em tecnologias da informação à conclusão da

escolaridade obrigatória, de modo a que nenhum aluno a termine sem certificação de

competências nessas tecnologias.

O impacto da generalização das TIC, a todos os cidadãos, a toda a sociedade, far-se-á sentir em

todos os aspectos sociais, todas as instituições, todas as actividades – o trabalho, a ciência, a saúde, o

ambiente, o lazer – e claro, a educação não será excepção.

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2. Educar na era digital «The first rule of any technology used in a business is that

automation applied to an efficient operation will magnify the efficiency. The second is that automation applied to an inefficient operation

will magnify the inefficiency.» Bill Gates

2.1. O novo paradigma

A palavra “educar” é etimologicamente derivada do latim educare (conduzir, guiar, orientar)

mas semanticamente evoluiu absorvendo o significado de educere (extrair, fazer sair, dar à luz)

(VALADARES e COSTA PEREIRA, 1991). Entre estas duas raízes, aparentemente opostas, o

significado de “educar” ter-se-á modificado ao longo dos tempos, pois cada sociedade terá organizado

o seu sistema educativo atendendo a um conjunto de valores que lhe seriam caros e que naturalmente

diferem de sociedade para sociedade, e de época para época. Mas julgamos ser universal que, em

última instância, qualquer sistema educativo vise preparar cidadãos lúcidos, informados e profissionais

competentes. «A educação é a acção consciente que permite a um ser humano desenvolver as suas

aptidões físicas e intelectuais bem como os seus sentimentos sociais, estéticos e morais, com o

objectivo de cumprir, tanto quanto possível, a sua missão como Homem.» (REBOUL, 1971)

Educar na era digital trás novas nuances:

• pelo objectivo final da educação; educar para quê?

• pelo que pretende transmitir; ensinar e aprender o quê?

• pelas estratégias e recursos utilizados; como educar?

Educar para quê?

Continua-se a educar para formar cidadãos lúcidos e informados e profissionais competentes,

mas esses conceitos evoluíram.

Na era industrial, toda a sociedade se organizava à imagem da pirâmide tayloriana7 –

estruturada e disciplinada – cada cidadão conhecendo bem o seu lugar. Havia um período de tempo

bem definido da vida de cada um, que era dedicado à educação e outro que era dedicado ao trabalho. E

o trabalho seria uma missão para a vida. Na realidade, o trabalhador de sucesso era aquele que

mantinha toda a vida o mesmo emprego. Os produtos permaneciam quase imutáveis ao longo de

gerações. Existia uma uniformidade nas sociedades; o diferente era considerado aberração.

Na era digital, existe mobilidade nas sociedades e privilegia-se o original. Assim, o objectivo

final da educação já não é formar um profissional numa dada área mas proporcionar a aquisição de

competências básicas, como curiosidade, criatividade, facilidade de comunicação, espírito de partilha

e colaboração, respeito pelos outros. Nestas sociedades, tudo acontece muito rapidamente, e geram-se

7 Frederick Taylor (1856-1917) responsável pela concepção científica do trabalho, criador do conceito de “produção em série”, defendia que cada indivíduo deveria especializar-se nas tarefas mais compatíveis com as suas aptidões.

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continuamente novas necessidades, novas exigências que dão origem ao aparecimento de novos

produtos que, por sua vez, exigem novas profissões, que exigem novas competências. Em

consequência, já não há lugar para um emprego para toda a vida; cada indivíduo poderá ter vários

“trabalhos” ao longo da vida e terá de procurar formação adequada sempre que sentir necessidade,

quer porque mudou de área, quer porque, devido à velocidade com que se descobre novo

conhecimento, muito daquilo que terá aprendido na escola será já obsoleto. O indivíduo de sucesso

passará por ciclos de trabalho/formação contínuos durante toda a vida activa. Numa tal sociedade a

educação será a principal actividade e a mais permanente e já não será a escola, mas toda a

comunidade envolvente, o local privilegiado para esse processo contínuo.

Ensinar e aprender o quê?

Pela própria evolução do conhecimento, “sabe-se” muito mais hoje sobre quase tudo.

Multiplicando muitas vezes as palavras centenárias de Ernest Renan8, «Le plus simple écolier sait

maintenant des vérités pour lesquelles Archimède eût sacrifié sa vie.». Além disso todo esse

conhecimento está agora ao alcance de todos. Através das modernas redes digitais de informação,

qualquer ser humano tem à distância de um pequeno movimento da mão uma imensidão de dados.

Mas dados não são conhecimento. Dados

representam factos não estruturados, factos num

estado bruto, que só moldados, interligados e

apresentados de uma forma que tenha significado

para o destinatário poderão criar informação. E a

informação só se transforma em conhecimento

depois de interpretada, seleccionada e sintetizada,

reflectindo certas hipóteses e valores. E só o

conhecimento que foi objecto de reflexão

profunda, compreensão e experiência, passa

eventualmente a ser sabedoria (Fig. 1.3) DATA

(2000). «Information becomes knowledge

through the application of human judgement.»

(TAPSCOTT, 1998).

Assim, o que o educador da era digital pretende já não é transmitir os dados mas tornar os seus

alunos capazes de navegar no meio desse mar de dados; ele é um agente animador do processo de

selecção e organização, para o qual os jovens não têm ainda maturidade suficiente, despertando-lhes a

curiosidade, fomentando a análise e o espírito crítico, auxiliando a síntese e a reflexão, em suma,

estimulando o aluno a construir o conhecimento.

8 Filósofo, historiador e escritor francês (1823-1892).

Fig. 1.3 – Dos Dados à Sabedoria Adaptado de “The Data to Wisdom Curve”

http://www.co-i-l.com/coil/knowledge-garden/dkescop/dwcurve.shtml

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

19

O educador deve ensinar a aprender e capacitar os alunos de que essa será uma actividade para o

resto da vida.

Nas sociedades actuais a qualidade mais valiosa é ser capaz de transformar dados isolados em

conhecimento; um dom quase tão importante como criar informação original. O valor da informação

devidamente tratada é enorme e a profissão por excelência do séc. XXI será a do “trabalhador do

conhecimento”.

«Actualmente há cada vez mais pessoas a trabalhar em profissões em que a

informação é a única matéria-prima e o único produto. À medida que o conhecimento se for

tornando o capital de uma economia desenvolvida, o centro de gravidade vai-se virando para

o trabalhador do conhecimento.» (PROFESSOR APRENDIZ, 1995)

Como educar?

A educação é uma actividade da comunicação por excelência – educar é comunicar. Então,

numa era que revolucionou as comunicações, educar é necessariamente diferente. Os novos objectivos

gerais e específicos que descrevemos, e que são consequência desta nova ordem, tornam-se possíveis

de atingir também devido a essa nova ordem e aos novos recursos e ferramentas que surgem e vão

sendo disponibilizados – o correio electrónico, os fóruns de mensagens, os chats, os web sites, o

software educativo.

Assim:

• o fluxo de informação entre educador e educandos passa a ser bidireccional, favorece-se a

interactividade, a comunicação deixa de ser dirigida a interlocutores passivos; todos têm

responsabilidades no processo de construção do saber;

• a comunicação educador - educando deixa de ser igual para todos, dirigida a publico médio,

totalitarista, e a passa a ser individualizada;

• essa comunicação educador - educando pode dar-se sem a existência de presença física

simultânea, pode dar-se noutro espaço, noutro tempo;

• também a comunicação entre educadores e entre educandos, como de um modo geral, a

comunicação entre indivíduos com os mesmos interesses profissionais ou académicos, é

incentivada e facilitada, proporcionando a aprendizagem colaborativa;

• torna-se possível o acesso a experiências de difícil ou até impossível observação;

• torna-se possível aceder a quase toda a informação de quase todo o mundo;

• e tudo isto “à velocidade do pensamento”.

Esta é contudo uma visão ainda optimista de como deve ser educar na era digital, que talvez não

seja o reflexo da realidade. Até que ponto a escola do século XXI terá já integrado todas estas

mudanças?

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

20

2.2. Um ponto da situação

A verdade é que a escola não parece ter acompanhado as mudanças trazidas pela sociedade

digital, ou pelo menos não o fez ao ritmo de outros sectores, e isto quer a nível dos recursos técnicos,

quer a nível dos recursos humanos.

De acordo com um estudo do “Ministério da Educação”9 (ESCOLAS, 2002), referente a 2001-

2002, existiria 1 computador para cerca de 23 alunos, na maior parte das escolas secundárias

portuguesas (ES/EB3) (ver tabela 1.5). Ainda de acordo com esse estudo, esse valor corresponderia a

valores médios de 58 computadores/escola e a 1 computador/sala.

Tabela 1.5 – Rácios sobre Equipamento Informático

(segundo ensino ministrado no estabelecimento)

EB23/ES ES/EB3 ES Total

de todas as escolas

Rácio Alunos/ Computador

24,3 23,3 21,6 31,9

Rácio Computador/ Estabelecimento

34,4 58,0 58,4 4,3

Rácio Computador/ Espaço escolar

0,8 1,0 1,2 0,6

Fonte: DAPP – Ministério da Educação

Mas, ainda o mesmo estudo nos deixa saber que do total de computadores existentes apenas

47% têm ligação à Internet; desses computadores ligados à Internet 20% estão atribuídos a áreas

administrativas das escolas; e 47% desses computadores ligados à Internet e disponibilizados aos

professores e alunos, estão nas salas de Informática (ver tabela 1.6).

Tabela 1.6 – Estabelecimentos e Recursos Informáticos

(segundo ensino ministrado no estabelecimento)

EB23/ES ES/EB3 ES Total

de todas as escolas

Total de Computadores

2819 18221 4442 59656

Computadores com Ligação à Internet

1633 8553 2219 30671

Computadores com Ligação à Internet – uso não administrativo

1259 6846 1755 23965

Computadores com Ligação à Internet – Informática

611 3184 723 8131

Fonte: DAPP – Ministério da Educação

9 Estudo da responsabilidade do “Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento” (DAPP) um serviço do “Ministério da Educação”. Trata-se de estatísticas preliminares de 2001/2002. Os dados apresentados referem-se a estabelecimentos de ensino não superior do sector público, de Portugal Continental.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

21

Assim, aquele valor aceitável de 23 alunos/computador deixa de ter significado. A realidade é

que a maior parte das nossas escolas é deficitária em termos de equipamento informático disponível

para utilização de alunos e professores; e o que existe está predominantemente atribuído à área

específica de Informática – as línguas, as ciências, e restantes áreas disciplinares, vêem-se na

obrigação de procurar os tempos livres das salas de Informática.10

Infelizmente esta situação parece longe de se atenuar, antes pelo contrário. A revisão curricular

prevista para arrancar em 2004/2005 prevê uma disciplina obrigatória de “Tecnologias da Informação

e Comunicação” com uma carga horária semanal de 3 horas (2 aulas de 90 minutos). «Esta disciplina

conciliará os objectivos de sensibilização para a informática e de formação em torno das ferramentas

de produtividade tais como gestão de ficheiros, processamento de texto, folha de cálculo,

apresentações, navegação na Internet, correio electrónico ou tratamento de imagem.» (REVISÃO

CURRICULAR, 2003). Será cada vez mais difícil encontrar máquinas livres para qualquer actividade

que não diga respeito à referida disciplina de TIC.

Mas pior do que isso, continua-se a encarar as TIC como um fim em si em vez de uma

ferramenta a aplicar às várias áreas disciplinares; uma ferramenta especial, porque só por si

revoluciona objectivos e estratégias, mas mesmo assim uma ferramenta.

PAPERT (1996) ridiculariza neste texto a importância desmedida que se dá às TIC como

ferramenta isolada:

«Imagine that writing has just been invented in Foobar, a country that has managed

to develop a highly sophisticated culture of poetry, philosophy and science using entirely

oral means of expression. It occurs to imaginative educators that the new technology of

pencils, paper and printing could have a beneficial effect on the schools of the country.

Many suggestions are made. The most radical is to provide all teachers and children with

pencils, paper and books and suspend regular classes for six months while everyone learns

the new art of reading and writing. The more cautious plans propose starting slowly and

seeing how "pencil-learning" works on a small scale before doing anything really drastic. In

the end, Foobarian politicians being what they are, a cautious plan is announced with

radical fanfare: Within four years a pencil and a pad of paper will be placed in every single

classroom of the country so that every child, rich or poor, will have access to the new

knowledge technology. Meantime the educational psychologists stand by to measure the

impact of pencils on learning.»

Propor o primeiro contacto formal com as TIC no 10º ano de escolaridade é quase tão absurdo

como ensinar esses jovens de 15-16 anos de idade a usar o “lápis e papel” em “2 aulas semanais de 90

10 A título comparativo, nos EUA em 2001, 99% das escolas públicas tinha acesso à Internet, 87% das salas atribuídas a actividades não administrativas estavam ligadas à rede e nessas salas verificava-se um rácio 5,4 alunos/computador (PUBLIC SCHOOLS, 2002).

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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minutos” quando o que deviam era simplesmente distribuir “lápis e papel” a todos para que os

usassem em todas as aulas e todas as actividades.

Uma disciplina de TIC, como a enunciada no documento orientador da revisão curricular,

completamente separada das restantes, não favorece a utilização das ferramentas informáticas nas

diferentes disciplinas. A tecnologia não existe como uma entidade autónoma mas deverá promover a

integração da aprendizagem atravessando todas as disciplinas (CARVALHO E SILVA, 2003).

Então, não só a escola não acompanha a sociedade digital a nível dos recursos técnicos, mas

subaproveita-os. E esse subaproveitamento é culpa do “sistema” mas também dos recursos humanos –

os professores – que, na sua maior parte, mantêm os computadores à distância, por inércia, por falta de

formação, por insegurança. Receiam perder autoridade e prestígio numa área que não dominam e

preferem ignorá-la, arriscando-se a ser, pouco a pouco, substituídos; como diz Faramarz Amiri11,

«Computers may never replace (...) teachers but teachers who are computer – literate may replace

those who are not». E o que é pior, os poucos professores que se arriscam a usar estes novos recursos

mantêm, na sua maior parte, as estratégias tradicionais. Como os professores de Foobar de Papert, que

passam a usar o “lápis e papel” para executar por escrito aquilo que realizavam oralmente, estes

passam a usar a nova ferramenta para executar o que faziam antes sem ela e não como um substancial

factor de mudança na forma de aprender e ensinar.

Este estado das coisas pode ser corroborado através de um estudo12 (PAIVA, 2002) que tentou

conhecer e quantificar a forma e os objectivos com que os professores portugueses usam as TIC.

Nesse estudo ficou-se a saber que a maioria destes professores tem equipamento informático em

casa (88%) e ligação à Internet (57%). A sua iniciação à informática fez-se por auto-formação (49%)

ou por ajuda de familiares ou amigos (38%). Quanto à utilização que fazem das TIC:

• 91% dos professores usa o computador e 65% dos professores usa a Internet;

• 44% dos inquiridos utiliza o e-mail - 81% para comunicar com amigos, 40% com

colegas/professores, 10% com alunos;

• a maioria usa o computador para preparar aulas (81%) - 94% para preparar fichas/testes, 54%

para pesquisar na Internet sobre a sua disciplina e 20% para fazer apresentações;

• a maioria (74%) não utiliza o computador com os seus alunos em sala de aula, em clubes ou

em aulas de apoio; apenas 19% dos professores diz ter utilizado o computador com os seus

alunos mais de quatro vezes, no ano de 2001;

• as aplicações das TIC mais usadas com alunos são: processador de texto (32%), Internet

(23%), CD-ROM (18%).

11 Faramarz Amiri, conferencista e autor de vários artigos sobre a aplicação de novas tecnologias para o ensino e professor na “Wolverhampton University”, no Reino Unido. 12 Levantamento estatístico da responsabilidade do “Programa Nónio Século XXI”, do “Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento” do “Ministério da Educação”, referente ao ano lectivo de 2001/2002. Responderam 19337 professores de uma amostra de 26707 de 2499 escolas de todas as tipologias e de todos os níveis de ensino à excepção do superior, das redes pública e privada, de Portugal Continental.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

23

Estes professores apontam como os maiores obstáculos, na escola, para a integração real das

TIC, a falta de: meios técnicos (43%), recursos humanos (29%), formação específica para a integração

das TIC junto dos alunos (20%), motivação dos professores (10%), software e recursos digitais

apropriados (7%).

Ousaríamos acrescentar ainda os programas extensos e as turmas demasiado grandes

característicos do nosso sistema educativo, como obstáculos adicionais à utilização em pleno das TIC

nas nossas escolas e ao surgir da interactividade, originalidade, espírito de colaboração que devem

prevalecer na educação da era digital.

Um outro estudo13, desta vez ao outro extremo da questão – os alunos – resulta em conclusões

em tudo semelhantes, em relação à utilização das TIC no universo escolar português (JOVENS E

INTERNET, 2002).

A maior parte dos jovens questionados (85%) já utilizou a Internet pelo menos uma vez na vida;

também para a maior parte desses jovens (41%) o primeiro contacto com a Internet deu-se na escola.

Por outro lado, apesar da escola parecer ter sido, para um grande número de jovens o primeiro

local de acesso à rede, para muitos desses alunos, a experiência repetiu-se esporadicamente, e para

outros não mais se voltou a concretizar – no momento do inquérito, 83% já tinha tido algum contacto

com a Internet no estabelecimento de ensino que frequentava, mas 57% não tinha ainda utilizado

novamente a Internet na escola, desde o início desse ano lectivo.

Os jovens inquiridos indicaram utilizar a Internet na escola, num contexto exterior às aulas.

Apenas 28% refere navegar nas aulas e mais de metade dos alunos garante nunca ter utilizado a rede

numa aula. Utilizam a rede na escola tanto para o lazer como para os trabalhos escolares, mas os

trabalhos escolares são a última escolha.

No mesmo estudo realizado em outros países (Bélgica, Canadá, Espanha, França e Itália)

chegou-se a resultados curiosamente semelhantes, com excepção do Canadá que parece ter integrado

há mais tempo estas novas tecnologias, e que se revela diferente em muitos aspectos em relação aos 5

países europeus. Por exemplo, no Canadá encontra-se um valor de 99% para os alunos que dizem já

ter utilizado a Internet pelo menos uma vez contra 71% para os jovens europeus.

Também nestes países foi na escola que a maior parte dos jovens descobriu a Internet, mas, para

além desse papel de iniciação, a integração nas práticas pedagógicas é incipiente e irregular.

Parece que neste campo estaremos todos a começar.

13 Investigação realizada pelo “Instituto de Estudos Jornalísticos” da “Faculdade de Letras”, da “Universidade de Coimbra”, financiada pelo “Serviço de Educação” da “Fundação Calouste Gulbenkian” e pelo “Instituto de Inovação Educacional”, em colaboração com outras instituições internacionais. O objectivo foi traçar um retrato dos jovens face ao desenvolvimento da Internet, numa componente nacional e numa componente internacional, comparativa. As entrevistas tiveram lugar em Janeiro de 2000.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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Um trabalho mais recente14 (PAIVA, 2003), realizado em complemento ao já referido estudo

sobre os professores portugueses e as TIC, investigou também a forma e os objectivos com que os

alunos portugueses usam as novas tecnologias na escola, e confirmou estas impressões:

• apenas 45% dos alunos usou o computador em contexto educativo no ano lectivo anterior ao

do inquérito;

• a frequência de utilização do computador em contexto educativo é 14% para “uma vez por

semana” e de 8% para “utilizações inferiores a uma vez por mês”;

• só 39% dos alunos usa e-mail; usa-o essencialmente para comunicar com amigos sendo quase

nula a sua utilização com os professores;

• o que os alunos mais fazem com o computador na escola é escrever texto, “navegar” na

Internet, jogar, e participar em chats;

• os alunos referem como principal razão para os professores não usarem muito os

computadores na escola, a falta de computadores (61%) logo seguida de “os professores têm

que dar as matérias” com 36%.

E deixa-nos ainda outros dados, aparentemente surpreendentes:

• a frequência de utilização do computador em contexto educativo decresce quanto mais

elevado é o índice de desenvolvimento sócio-económico (IDS);

• a frequência de utilização do computador em contexto educativo decresce quanto mais

elevado é o nível de ensino;

• a utilização do computador na “aula” ou fora dela relaciona-se sobretudo com áreas não

disciplinares do currículo como a “Área Projecto”, o “Estudo Acompanhado” e a “Formação

Cívica”, sendo diminutas as percentagens de utilização nas disciplinas específicas.

Estes aspectos são, no entanto, compreensíveis, à luz das pressões sociais geradas nos meios de

IDS mais elevado, e que conferem especial importância ao bom cumprimento de programas e à

obtenção de classificações elevadas, em detrimento de utilização de estratégias inovadoras; pressões

tanto mais intensas quanto mais próximo do acesso ao ensino superior estiverem os alunos. É assim

que, aquela segunda resposta mais frequente, à questão sobre as razões que levam os professores a não

usarem muito os computadores na escola, é referida sobretudo por alunos do 11º ano.

Como nota final fica mais uma vez uma referência ao afastamento das raparigas em relação a

estas novas tecnologias, citando PAIVA (2003): «Há traços evidentes neste estudo que apontam para

14 Levantamento estatístico da responsabilidade do “Programa Nónio Século XXI”, do “Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento” do “Ministério da Educação”, referente ao ano lectivo de 2002/2003. Responderam 59 488 alunos de uma amostra de 84 757 alunos dos 4º, 6º, 8º, 9º, e 11º anos de escolaridade de escolas das redes pública e privada de Portugal Continental, de um universo de 539 842 alunos desses níveis de escolaridade.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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uma utilização mais masculina: há que empreender estratégias de utilização das TIC mais dirigidas a

raparigas.»

A escola não pode ficar indiferente às mudanças em seu redor, aos novos desafios colocados

pela sociedade, e ao mesmo tempo que ensinará os conteúdos tradicionais, terá de se adaptar às

possibilidades que se abrem com o uso das tecnologias da informação e comunicação de modo a

responder às necessidades e aspirações dos alunos e às expectativas e exigências da sociedade em

geral.

Sem contudo nunca esquecer que, do mesmo modo que as TIC não são resposta mágica para os

problemas sociais, também não serão resposta mágica para os problemas da educação, e não serão

resposta alguma se não forem acompanhados de uma nova atitude. «Innovative technologies cannot

make up for educational professionals who lack innovative methods and merely replicate learning

models that don’t work» (TAPSCOTT, 1998).

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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3. A geração da era digital

«Today's kids are so bathed in bits that they think it’s all part of the natural landscape. To them, the digital technology is no more intimidating than a VCR or a toaster.»

Don Tapscott in Growing up digital

3.1. Os “zap”

Nas páginas anteriores tentamos fundamentar que educar na era digital é um desafio novo e

diferente pelos objectivos, pelos recursos, pelas estratégias, e por tantos outros factores envolventes da

Sociedade da Informação. Há um factor de mudança particularmente importante – os destinatários do

processo, os alunos. A crucialidade dos alunos é óbvia porque é a eles que todo o esforço educativo se

dirige em primeira instância e sobretudo, porque serão eles a força motriz de toda a mudança.

A geração da era digital tem sido objecto de estudo de vários investigadores de vários campos,

desde a psicologia à sociologia, passando pelo marketing, e, é claro, pelos estudiosos da educação. É

assim que surgem algumas designações sugestivas como “Net Generation”, “N-Geners”, “e-

generation”, “generation Z”, “Zap generation”, “Hommo Zappiens”.

Don Tapscott, consultor e orador sobre estratégias de gestão e organização de empresas,

canadiano com formação em psicologia e estatística, autor de vários livros, entre os quais o famoso

“The Digital Economy”, sobre a influência das novas tecnologias no mundo dos negócios, é também o

autor de “Growing Up Digital: The Rise of the Net Generation” (TAPSCOTT, 1998). Ele chama a

atenção para a nova geração da era digital, os “N-Geners” e alerta os possíveis interessados, pais,

professores, políticos, especialistas de marketing, gestores, para a importância de compreenderem o

que esta nova geração poderá vir a fazer com a sua competência digital. O livro foi escrito com a

colaboração de mais de 300 “N-Geners” espalhados pelo mundo comunicando através de fóruns e e-

mail. Alguns desses registos podem ainda ser encontrados no site15 oficial do livro.

Wim Veen, professor da “Universidade de Tecnologia de Delft”, Holanda, e chefe do “Center

for Educational Innovation and Technology”, sublinha como a nova geração, íntima das novas

tecnologias digitais, a que chama “Homo Zappiens” (VEEN, 2003), se caracteriza por um novo modo

de aprender e de pensar revelando novas competências ainda não valorizadas pelas escolas actuais.

15 http://www.growingupdigital.com

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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Estas opiniões vieram de encontro e ajudaram a fundamentar a nossa opinião, alicerçada no

contacto, profissional ou informal, com jovens adolescentes: há uma geração diferente a emergir na

nossa sociedade.

A geração que habita as nossas escolas básicas e secundárias nasceu e cresceu na era digital.

São os jovens nascidos a partir de meados dos anos 80. Eles são a geração do telemóvel, computador,

Internet, leitores de mp3, TV por cabo, consolas de jogos. É uma geração habituada a “acção” desde o

berço e que cresceu a fazer zapping entre tarefas múltiplas. Daí o epíteto – geração “zap”.

3.2. Os baby-boomers

A expressão “baby-boomers” teve origem nos Estados Unidos e retrata um fenómeno

sociológico que teve maior expressão na América do Norte. A razão da expressão, que se poderá

traduzir à letra por “explosão de bebés” tem a ver com o grande aumento de natalidade ocorrido entre

1946-1965, após o termo da 2ª guerra mundial. É um fenómeno que ocorre naturalmente após épocas

de conflitos, crise e instabilidade seguidas de épocas de paz, euforia e desenvolvimento.

As crianças nascidas no pós-guerra irão ser influenciadas pela estabilidade, desafogo

económico, desenvolvimento técnico e social que caracterizou esses anos. Mas talvez o que mais tenha

influenciado estas crianças tenha sido a “caixa mágica que mudou o mundo” como é geralmente

referida a televisão. Foi a TV que trouxe o mundo para dentro de casa e todos passam a ser

testemunhas das grandes descobertas científicas, das grandes aventuras, das grandes desgraças, de

espectaculares eventos culturais e desportivos – o Homem na Lua, a guerra do Vietname, os Jogos

Olímpicos – tudo ali à sua frente, na sala de estar. Esta proximidade e testemunhar do mundo alargou

os horizontes, mudou os comportamentos, alterou as escalas de valores, incentivou o espírito crítico.

Foi assim que os baby boomers foram a geração mais contestatária de todos os tempos. Tudo foi

posto em causa e foi com eles que surgiu a expressão “generation gap” – o fosso entre as gerações –

pois o inimigo para eles era a geração anterior, “certinha” e bem comportada, que lhes tentava cortar

os voos. São imagens desses tempos os hippies, a contestação à guerra do Vietname, o “Maio de 68”

francês: em todo o mundo, os jovens desafiavam o poder instituído.

Em Portugal, como sempre, tudo aconteceu um pouco mais tarde e com efeitos bastante mais

suaves. Assim como a participação de Portugal fora quase nula na II Grande Guerra, também os

efeitos do pós-guerra foram mais atenuados. O surgir da “caixa mágica” deu-se bastante mais tarde, e

mais tarde ainda o acesso generalizado a ela. Mas o “Maio de 68” teve um paralelo no nosso “Abril de

69” em Coimbra com a famosa inauguração do edifício das matemáticas e, infelizmente, também

tivemos um “Vietname”, a nossa guerra nas colónias, e consequente contestação.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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Os baby-boomers cresceram num contexto social fundamentalmente diferente do dos seus

progenitores, profundamente influenciado pelo nascer de um novo meio de comunicação, a TV.

Cresceram em contacto directo com o mundo como nenhuma geração antes deles. Essa explosão da

comunicação trouxe-lhes uma afirmação da identidade que os levou a contestar os mais velhos e o

poder instituído, a contrariar a repressão a que estavam sujeitos e a fazer tudo para ser diferentes da

geração que os antecedeu.

Agora continuam a fazer questão de ser diferentes, e da relação com a nova geração, os “zap”,

sobressai um desejo de compreensão e um fomentar da liberdade de expressão dos jovens; existe

sobretudo amizade, proximidade e companheirismo, misturado com o natural instinto protector.

Os baby-boomers cresceram num ambiente familiar intenso, lar acolhedor, com a mãe ao

comando, geralmente numa casa cheia de irmãos e muitas vezes com os avós, e com tios e primos

habitando nas vizinhanças. Os dias passavam devagar – a escola, depois os tempos livres com os

amigos, a ver TV. O atingir da idade adulta era adiado ao máximo, antes era preciso experimentar

tudo, correr o mundo, havia tempo para pensar em carreiras.

Hoje, os jovens crescem num ambiente familiar de fim-de-semana. À semana, os dias são

frenéticos, o lar está vazio, a mãe trabalha fora de casa, toda a família sai de manhã e geralmente só

regressa ao fim do dia. Há poucas crianças em casa e muito raramente avós. A procura do sucesso

profissional e de melhores condições de vida faz com que as famílias se dispersem por zonas afastadas

e o contacto com tios e primos é esporádico. O sucesso profissional, actual ou futuro, passa a ser uma

preocupação constante.

Os baby-boomers rejeitavam o materialismo e abraçavam causas, muitas vezes utópicas, pelas

quais lutavam apaixonadamente.

Agora, possibilitados pelo maior poder económico de que em regra dispõem em relação aos

seus pais, “enchem” os “zap” de tudo. Sobrecarregam-nos com várias actividades extra-curriculares –

línguas, música, dança, desportos – também para ocupar-lhes as horas em que não podem estar juntos

mas sobretudo por transporem para eles os seus próprios desejos de crianças e adolescentes. Sentem-se

culpados pelo pouco tempo que lhes podem dedicar e tentam compensar isso com actividades, com

brinquedos, com roupa, com gadgets de todo o tipo.

Os baby-boomers são a classe actualmente no poder – são os pais, os tios, os professores dos

“zap”. E muito do que os “zap” são, como seria de esperar, deriva do que eles foram e são, e da

relação entre estas duas gerações.

3.3. A vida em zapping

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

29

Toda a revolução decorrente da chegada da “Sociedade da Informação” exige, após a surpresa

inicial, um esforço de adaptação e aprendizagem. Para os jovens da era digital contudo não haverá

surpresa, adaptação ou aprendizagem pois a “Sociedade da Informação” foi o que eles sempre

conheceram. Para eles, tudo terá de ser assim porque simplesmente não serão capazes de conceber que

fosse de outro modo.

Usar o computador para aprender é como usar o microondas para aquecer o leite. A tecnologia

digital é para eles mais um electrodoméstico. O que é compreensível, como diz Alan Kay16

«technology is technology only for people who are born before it was invented». Para quem já nasceu

entre ela, a tecnologia é como o ar – respiramo-lo espontaneamente e sabemos que não podemos

passar sem ele, mas não pensamos no ar – está lá, sempre esteve lá, mas é completamente

transparente, não se vê, não existe. (TAPSCOTT, 1998)

Consequentemente os “zap” não são deslumbrados pela tecnologia como os baby-boomers. Não

dão importância a características técnicas, avaliam tudo pelos resultados práticos e não pela retórica,

interessam-se apenas pelo que a máquina pode fazer por eles.

E também em consequência dessa transparência da tecnologia, têm imensa facilidade em lidar

com ela. Para quem já tem muitos modelos de outras experiências, o contacto com as novidades vai

provocar uma acomodação de novos dados a estruturas que já existem, tudo é surpreendente e nada

parece funcionar como se espera. Para os jovens, pelo contrário, tudo é novo e aprender é

simplesmente descobrir e assimilar, quase não existem ainda estruturas a exigir a acomodação de

novos dados. Tudo é intuitivo.

Foi a partir dos anos 80 que as famílias começaram a delegar nas creches e infantários os

primeiros anos de vida das suas crianças. Esta geração digital é uma geração habituada a “acção”

desde que nasce até às Escolas Básicas ou Secundárias em que se encontram. Cresceram tendo a noção

do “tanto para fazer e tão pouco tempo” característico da era digital. Vivem o stress diário das saídas

de casa e dos transportes para a escola, sempre acompanhados de várias actividades extra-curriculares

com que os pais insistem em enriquecer a sua formação. É uma vida entre tarefas múltiplas, muitas

vezes simultâneas, aproveitando cada minuto. Os “zap” são dinâmicos, activos e interessados por

muita coisa ao mesmo tempo. Mas não lhes interessa centrar a atenção numa única actividade durante

muito tempo. Por vezes são classificados de hiperactivos, e de terem dificuldade de se concentrar.

Todos os seus momentos são um zapping contínuo – saltam da TV, que não tem sentido sem o

respectivo telecomando e as dezenas de canais por cabo entre os quais “navegam” constantemente,

para o computador, onde comunicam em duas salas de chat ao mesmo tempo usando duas identidades

virtuais diferentes, entretanto mandam uma mensagem SMS para a(o) namorada(o), têm

16 Famoso como o ideólogo do computador pessoal, pela concepção do computador portátil e sobretudo como inventor do conceito de interface gráfica.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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simultaneamente a MTV a debitar o seu rapper favorito ao fundo, em seguida surfam na Net

pesquisando para o trabalho de casa enquanto olham pelo canto do olho para uma série na TV.

Para estes jovens é prioritário comunicar, em qualquer momento e onde quer que se encontrem.

Não se concebe um “zap” sem o respectivo telemóvel. Mais do que para fazer chamadas de voz, usam-

no para mensagens escritas, aliás, constantemente enviam e recebem SMS, onde quer que se

encontrem. Adoram os chat e encontram-se aí, nos seus tempos livres, mesmo depois de terem estado

juntos todo o dia, na escola.

A grande maioria não lê texto impresso a não ser por obrigação, na realidade têm relutância em

ler textos longos em qualquer suporte. Apesar disso comunicam sobretudo através de texto – se bem

que se trate de textos telegráficos e com uma grafia muito especial, para poderem escrever à

velocidade com que pensam.

Os “zap” também crescem num contexto fundamentalmente diferente do dos seus progenitores,

também profundamente influenciado pelo nascer de um novo meio de comunicação. Mas, ao contrário

dos baby-boomers, que eram meros observadores de um meio de transmissão de informação para as

massas – a TV – eles são activos participantes de um meio de comunicação individualizado e

interactivo – a Internet.

A busca de informação é activa. Não esperam que lhes dêem o que querem saber, investigam,

exploram, questionam. Por isso adoram a Internet, onde todos podem ser público e produtor, e

aborrecem-se com a passividade imposta pela TV, da qual apenas espreitam os programas que podem

influenciar de algum modo – os que aceitam chamadas dos telespectadores ou os que passam SMS no

rodapé continuamente – os que a tornam interactiva.

Detestam aborrecer-se e estão habituados a que tudo que façam tenha uma boa dose de

entretenimento, o que é também, curiosamente, uma das preocupações maiores dos adultos que os

rodeiam. E só se dedicam completamente e esforçadamente a uma actividade se acreditarem que se

vão divertir com ela.

Toda a abertura dos baby-boomers à auto-afirmação dos “zap”, a amizade e o companheirismo,

fazem com que eles retribuam também com amizade e companheirismo. Os jovens acham que os

“velhos” ou os “profs” são cool e até encontram interesses comuns, por exemplo, na música ou no

desporto.

Surge também um curioso e inesperado instinto protector, agora em sentido contrário. Já não há

“generation gap” mas aquilo que TAPSCOTT (1998) designa originalmente de “generation lap” – os

jovens como que “trazem os adultos ao colo” tentando evitar que se percam na parafernália digital.

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CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO “ZAP”

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Esse fomentar da liberdade de expressão desta nova geração desenvolveu neles um espírito

crítico muito activo; gostam de dar a sua opinião, de questionar, de discutir. Não têm medo ou

vergonha de se abrir – intelectualmente ou emotivamente.

Isso resulta muitas vezes num espírito de contra-corrente dirigido para a inovação a

originalidade e a criatividade. Além de lhes proporcionar um alto grau de auto-estima, de

autoconfiança e uma preocupação precoce com a afirmação de maturidade.

São produtos típicos da “sociedade à velocidade do pensamento” em que nasceram e que

habitam. Vivem em tempo real, tudo é imediato – de certo modo, estão para a geração que os precedeu

como o correio electrónico está para o correio tradicional. E são muitas vezes impacientes e

impiedosos com quem não acompanha a sua velocidade. Exigem horários flexíveis, quer para

actividades lectivas quer para os tempos livres, assim como provavelmente exigirão no futuro em

relação à actividade profissional.

A socialização precoce a que foram forçados desde muito cedo, e devido à qual se habituam a

conviver e a competir com os seus pares, favorece o gosto pelo trabalho em equipa. Colaborar para

projectos comuns é para eles um processo natural e não artificial ou forçado. O que está perfeitamente

enquadrado pela filosofia oficial desta nova era digital e da Internet em particular.

Muitas vezes são classificados como mimados,

materialistas, consumistas. É certo que os baby-boomers,

talvez sentindo-se algo culpados pelo pouco tempo que lhes

podem dedicar e tentando de algum modo compensá-los, os

encheram de bens materiais. Talvez este receber contínuo

lhes dê instintos consumistas.

O que parece ser verdade é que, a afirmação e

autoconfiança dos “zap” faz com que saibam muito bem o

que querem. Quando parecem dar importância desmesurada

a marcas, ao escolher os produtos que desejam, na realidade

fazem-no pelas suas qualidades e não por simples

ostentação. Aliás dão mais importância ao estilo (Fig. 1.4)

do que propriamente à marca. E têm sobretudo atracção pela

função, pela utilidade, e não pela forma.

Gostam de poder escolher e exigem ter sempre

grande diversidade de opções. Gostam de experimentar

antes e esperam poder voltar atrás, se mudarem de ideias.

Querem poder mudar de opinião um milhão de vezes. Gostam de formatar produtos à sua medida e ao

seu gosto e possuem um gosto próprio muito personalizado. Serão estes hábitos já uma consequência

Fig. 1.4 – Os “zap” Ilustração de Roberto Bassani

para Revista Visão

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de serem utilizadores experimentados dos jogos e simulações, em que se pode sempre recomeçar do

zero; do “customizable software”, ao gosto de cada um; do “surfar na Net” onde se pode sempre

“clicar” em “retroceder” sempre que se foi parar ao destino errado; de escrever com processadores de

texto com a possibilidade de “anular” sempre que se fez algo cujo resultado não agradou?

Não são idealistas utópicos como os baby-boomers, para eles o futuro é uma preocupação e as

carreiras desejadas estão em primeiro lugar. E são realistas, sabem que o “botão de retroceder” não

pode ser usado em tudo e que as decisões importantes da vida devem ser tomadas conscientemente.

São ambiciosos e desejam carreiras que lhes dêem dinheiro. Talvez por isso, sejam

frequentemente acusados de serem egoístas e pouco preocupados com valores sociais.

No entanto mostram inúmeras vezes a sua preocupação e são solidários com grandes questões.

O ambiente, o crime, a SIDA, o suicídio, a droga, a violência doméstica – são temas que preferem

investigar e discutir sempre que lhes seja proporcionado escolher.

São extremamente tolerantes e aceitam sem reservas a diversidade étnica, política, religiosa.

Têm curiosidade saudável e respeito pelo que é diferente.

Estas qualidades serão, sem dúvida, mais um fruto do contacto com a grande diversidade de

valores e culturas da Internet e com o acesso privilegiado ao mundo.

3.4. Os “zap” na escola

A sabedoria digital intuitiva que os “zap” possuem traduz-se numa sabedoria generalizada.

Sabem mais sobre a maior parte dos assuntos do que os baby-boomers sabiam com a mesma idade.

Assim como também parecem saber mais do que os colegas que ainda não têm acesso regular às TIC.

São hiperactivos também no trabalho – raramente estão inactivos e, de preferência, não se

dedicam a uma só actividade de cada vez, mas a várias.

Dificilmente se conseguem concentrar durante muito tempo numa actividade. Sobretudo se essa

actividade for unívoca, isto é, se implicar sobretudo receber – ouvir, ver, observar. Aplicam-se mais se

estiverem a “fazer” algo em troca. É a evolução do “broadcast learning” para “interactive learning”

como designa TAPSCOTT (1998).

O modo como processam a informação é característico da era digital – em hipermédia – de

modo não linear, descontínuo. Pensam sobre um assunto estabelecendo ligações a vários outros

assuntos interligados, em vez de estabelecerem uma sequência linear de raciocínio, do princípio ao

fim. Pensam em “hipertexto”. Além disso, conseguem facilmente processar vários tipos de informação

ao mesmo tempo – som, imagem, texto. (VEEN, 2003)

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A leitura e a escrita não são das actividades preferidas a não ser que envolvam alguma forma de

interactividade.

O comportamento frenético que os caracteriza é muitas vezes causa de conflitos na escola, onde

são muitas vezes acusados de desinteressados, distraídos, de não acatarem ordens e até de falta de

respeito.

O que tem muito a ver com o seu espírito crítico apurado. Se sentirem que são ouvidos também

ouvem melhor; se se sentirem injustiçados não perdoam. Pensam pela própria cabeça e não desculpam

incoerências dos superiores – respeitam-nos como iguais.

São contudo generosos com a geração mais velha e praticam o generation lap sempre que

necessário, se os sentirem em dificuldades causadas pela tecnologia. Mas são implacáveis se

suspeitarem de incompetência.

Gostam de colaborar para um fim comum, de trabalhar em grupo. Daí que recebam tão bem

actividades de projecto que lhes sejam propostas.

Gostam especialmente de desafios em que tenham que investigar para chegar a respostas

desconhecidas, de aprender pela descoberta.

Em geral, aplicam-se mais se forem desafiados para além das dificuldades medianas.

Para os “zap” a escola é um ponto de encontro com os colegas que por acaso é também o lugar

onde vão aprender. Eles gostam especialmente da escola por lhes proporcionar a convivência com os

seus pares.

Mas também gostam de aprender e são naturalmente curiosos, contudo exigem divertir-se no

processo. Não concebem fazer o que quer que seja se não acreditarem divertir-se com isso.

Esta geração não é necessariamente melhor nem pior do que as outras gerações que a

precederam, mas é uma geração substancialmente diferente. Com características menos boas, como a

hiper-actividade ou a busca constante do lúdico, e características bem positivas, como a curiosidade, o

espírito colaborativo e a procura de desafios. E, sendo diferente, coloca novos desafios à escola, que

deverá estar preparada para os receber.

3.5. Os “zap” portugueses

Don TAPSCOTT (1998) identifica os seus N-Geners como a geração nascida entre 1977 e

1997. Jovens que hoje têm entre 26 e 6 anos de idade; os mais velhos terão já entrado na vida activa ou

estarão agora a deixar as Universidades, os mais novos estarão a iniciar o ensino formal.

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Supomos que em Portugal o impacto da chegada da era digital se terá dado mais tarde e os

nossos “zap” deverão ser bastante mais jovens, pelo menos 10 anos mais jovens, talvez mais.

Imaginamos que os primeiros “zap” portugueses serão os adolescentes de 15 a 17 anos de idade,

residentes em meios urbanos de IDS elevado, e que se encontrarão agora a entrar no Ensino

Secundário. E até que ponto, mesmo estes, terão já integrado todas as características que acabamos de

descrever, também será algo a descobrir.

O estudo já citado “Os jovens e a Internet” (JOVENS E INTERNET, 2002) poderá dar-nos

algumas pistas sobre os “zap” portugueses. Os jovens do painel tinham entre 13 e 17 anos em Janeiro

de 2000 (nascidos entre 1983 e 1987), frequentando na escola entre o 7º ano e o 11º ano.

Chamamos, pois, a atenção para algumas características que nos parecem mais significativas.

A utilização da Internet pelos jovens parece ter-se vindo a generalizar:

• cerca de 85% dos jovens inquiridos já tinha utilizado a Internet no momento da investigação e

62% já a tinha utilizado várias vezes;

• 45% dos jovens inquiridos afirma ter acesso à Internet em casa;

• 50% dos utilizadores já contactou com a Internet há mais de um ano e 19% há mais de 2 anos;

• são os jovens (62%) quem mais se serve da Internet em casa; apenas 9% responde que são

prioritariamente os pais a utilizar a Rede;

Parece também que essa utilização se faz naturalmente e sobretudo para comunicar:

• 45% dos jovens utilizadores diz que já não pode passar sem a Internet mas 45% diz que vive

bem sem ela;

• 74% acha que é fácil aprender a usá-la;

• 87% concorda que a Internet pode ser um contributo para melhorar a comunicação entre as

pessoas e 60% acha que o uso da Internet não implica que falemos menos com os outros;

• 71% dos inquiridos diz já ter feito novos amigos através da Internet;

• 73% dos jovens inquiridos declara que o facto de ter uma ligação à Internet no lar não alterou

o tempo que passa em casa; apenas 12% afirma ter passado mais tempo no domicílio desde

que tem acesso à Rede no lar;

Mas parece ainda não se terem apercebido de todas as suas potencialidades e de não a levarem

muito a sério:

• 50% dos inquiridos concorda que os livros sejam mais eficazes para fazer pesquisas do que a

Internet e 63 % que é mais agradável aprender com os livros;

• 87% acredita que a Internet se tornará, no futuro, tão natural como a televisão mas 53% não

pensa que a Internet vá substituir a televisão;

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• 71% discorda que a Internet possa vir a substituir a escola, no futuro;

Apesar disso afirmam que é uma mais-valia em termos profissionais:

• 86% discorda que a Internet seja um perda de tempo;

• 73% acredita que dominar a Internet será essencial para o sucesso no trabalho;

Parece que a encaram sobretudo como um bom recurso para o lazer:

• 73% considera a Internet como um meio de diversão;

• 42% dos inquiridos menciona tanto o lazer como os trabalhos escolares, na utilização que

fazem da Internet; 42% indica apenas o lazer e uma minoria de 4% apenas os trabalhos

escolares;

• a maior parte dos jovens garante continuar a fazer as mesmas coisas, com a mesma frequência

com que fazia anteriormente; apenas a música parece ter sido afectada, 32% diz ouvir mais

música desde que têm Internet em casa;

• 80% das preferências dos cibernautas que ligam à Rede em casa são os sites ligados às artes e

espectáculo; o segundo tema mais votado é a comunicação em linha;

O que se manifesta no aumento do tempo passado online aos fins-de-semana:

• durante a semana, 39% dos jovens que usa a Internet em casa navega menos de meia hora e

5% mais de duas horas;

• 28% dos jovens que usam a Internet em casa indica estar entre uma a duas horas na Rede

durante o fim de semana e 25% diz mesmo estar mais de duas horas ligado;

O estudo já referido atrás (PAIVA, 2003), sobre os alunos portugueses e as TIC, contribui com

mais alguns detalhes para o retrato da nossa geração “zap”:

• 64% das famílias dos alunos tem computador em casa e 36% Internet, ambos usados

sobretudo pelos alunos; mas só cerca de 60% dos alunos usa o computador em casa;

• no 11º ano, 92% dos alunos tem telemóvel e 72% computador;

• em casa, 58% dos alunos joga, 44% navega na Internet e 30% participa em chats;

• o jogo não educativo é uma actividade ligada sobretudo aos rapazes; por exemplo, 80% das

alunas do 11º ano prefere ver televisão a jogar no computador;

• os jogos educativos são pouco apreciados pelos alunos (apenas 18%);

• 44% dos pais considera importante que os filhos saibam de computadores; só 18% dos alunos

considera que é importante saber de computadores para se ser bom aluno;

• a iniciação aos computadores fez-se para 44% dos inquiridos por auto-aprendizagem,

sobretudo no caso dos rapazes;

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• os tempos que despendem por semana com o computador são muito baixos;

• 92% de alunos afirma gostar de usar o computador.