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7/24/2019 Cap_01-4 http://slidepdf.com/reader/full/cap01-4 1/47  1 O QUE É A FILOSOFIA ? Há muitas opiniões diferentes sobre a natureza da filosofia, mas provavelmente ne- nhuma definição muito simples do assunto. Isso reflete o fato de que – de um modo que não se verifica em nenhuma outra disciplina – a natureza da filosofia é em si mesma um assunto importante de discordância filosófica, um assunto para o qual há uma longa his- tória de opiniões que competem entre si. A nossa convicção, que muitos partilham, é que ao final uma pessoa pode obter uma ideia realmente clara do que é a filosofia somente estudando, com efeito, o assunto em mais detalhes. Felizmente, contudo, há alguns pontos modestos sobre os quais há concordância su- ficientemente ampla para proporcionar um ponto de partida razoável. Em primeiro lugar, a palavra “filosofia” significa, literalmente, o amor pela sabedoria, e desde o início da sua longa história os filósofos perguntaram e tentaram responder a questões muito difíceis sobre os tópicos que pareciam os mais importantes para a humanidade, buscando, por isso mesmo, a sabedoria. Em segundo lugar, dado que o conhecimento parece importante, mesmo se não suficiente para a sabedoria, poder-se-ia perguntar que tipo de conhecimento  o estudo da filosofia produz. Uma resposta tradicional é que os filósofos descobrem a natureza es- sencial de várias coisas abstratas: verdade, conhecimento, pensamento, liberdade, dever,  justiça, beleza e, inclusive, a própria realidade. Uma versão mais contemporânea e talvez mais modesta dessa reivindicação é que os filósofos descobrem o conteúdo ou a análise correta dos conceitos que usamos quando pensamos sobre a verdade, o conhecimento e temas semelhantes – ou, talvez, os significados das palavras correspondentes. Em terceiro lugar, todos concordam que muitas áreas de investigação que come- çaram como partes da filosofia depois se tornaram ramificações da ciência. Isso acon- tece, aproximadamente, quando as questões envolvidas tornam-se definidas de modo suficientemente claro para tornar possível investigá-las em termos científicos, através de observação empírica e de teorização com base empírica. Assim, enquanto virtualmente todo tipo de conhecimento foi parte da filosofia para o filósofo grego da Antiguidade Aris- tóteles, a física e a biologia têm sido separadas da filosofia por muito tempo, com outras áreas seguindo por esse caminho mais recentemente. (Por exemplo, até o final do século  XIX, a psicologia ainda era vista como parte da filosofia.) Isso sugere que a filosofia pode ser identificada, ainda que um tanto indiretamente, como a origem daqueles temas que as pessoas ainda não aprenderam a investigar em termos científicos. Isso inclui alguns temas com respeito aos quais é difícil imaginar que isso jamais aconteça, porque são de- masiado gerais, demasiado difíceis e, possivelmente, demasiado fundamentais. Em quarto lugar, quase todos os filósofos concordam que a história da filosofia é importante para a própria natureza da filosofia e para a contínua investigação filosófica de um modo em que as outras histórias de outras disciplinas não são igualmente impor- tantes para elas. Isso se reflete na proporção bastante grande de seleções históricas no presente volume. Contudo, os filósofos também discordam sobre o quão importante a história da filosofia é – e sobre por que ela é importante. Uma abordagem da filosofia, oferecida pelo filósofo americano do século XX, Wil- frid Sellars, pode ajudar a resumir alguma das ideias anteriores e também revelar um pouco mais do sabor do assunto: O objetivo da filosofia, formulado abstratamente, é entender como as coisas, no mais amplo sentido possível do termo, estão conectadas no sentido mais amplo possível do termo. Sob “coisas no mais amplo sentido possível”, incluo itens radicalmente diferentes, como não só

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    O QUE A FILOSOFIA?

    H muitas opinies diferentes sobre a natureza da filosofia, mas provavelmente ne-nhuma definio muito simples do assunto. Isso reflete o fato de que de um modo queno se verifica em nenhuma outra disciplina a natureza da filosofia em si mesma umassunto importante de discordncia filosfica, um assunto para o qual h uma longa his-tria de opinies que competem entre si. A nossa convico, que muitos partilham, queao final uma pessoa pode obter uma ideia realmente clara do que a filosofia somenteestudando, com efeito, o assunto em mais detalhes.

    Felizmente, contudo, h alguns pontos modestos sobre os quais h concordncia su-ficientemente ampla para proporcionar um ponto de partida razovel. Em primeiro lugar,a palavra filosofia significa, literalmente, o amor pela sabedoria, e desde o incio da sualonga histria os filsofos perguntaram e tentaram responder a questes muito difceis

    sobre os tpicos que pareciam os mais importantes para a humanidade, buscando, porisso mesmo, a sabedoria.

    Em segundo lugar, dado que o conhecimento parece importante, mesmo se nosuficiente para a sabedoria, poder-se-ia perguntar que tipo de conhecimentoo estudo dafilosofia produz. Uma resposta tradicional que os filsofos descobrem a natureza es-sencial de vrias coisas abstratas: verdade, conhecimento, pensamento, liberdade, dever,justia, beleza e, inclusive, a prpria realidade. Uma verso mais contempornea e talvezmais modesta dessa reivindicao que os filsofos descobrem o contedo ou a anlisecorreta dos conceitosque usamos quando pensamos sobre a verdade, o conhecimento etemas semelhantes ou, talvez, os significados das palavras correspondentes.

    Em terceiro lugar, todos concordam que muitas reas de investigao que come-aram como partes da filosofia depois se tornaram ramificaes da cincia. Isso acon-tece, aproximadamente, quando as questes envolvidas tornam-se definidas de modo

    suficientemente claro para tornar possvel investig-las em termos cientficos, atravs deobservao emprica e de teorizao com base emprica. Assim, enquanto virtualmentetodo tipo de conhecimento foi parte da filosofia para o filsofo grego da Antiguidade Aris-tteles, a fsica e a biologia tm sido separadas da filosofia por muito tempo, com outrasreas seguindo por esse caminho mais recentemente. (Por exemplo, at o final do sculoXIX, a psicologia ainda era vista como parte da filosofia.) Isso sugere que a filosofia podeser identificada, ainda que um tanto indiretamente, como a origem daqueles temas queas pessoas ainda no aprenderam a investigar em termos cientficos. Isso inclui algunstemas com respeito aos quais difcil imaginar que isso jamais acontea, porque so de-masiado gerais, demasiado difceis e, possivelmente, demasiado fundamentais.

    Em quarto lugar, quase todos os filsofos concordam que a histriada filosofia importante para a prpria natureza da filosofia e para a contnua investigao filosficade um modo em que as outras histrias de outras disciplinas no so igualmente impor-

    tantes para elas. Isso se reflete na proporo bastante grande de selees histricas nopresente volume. Contudo, os filsofos tambm discordam sobre o quo importante ahistria da filosofia e sobrepor queela importante.

    Uma abordagem da filosofia, oferecida pelo filsofo americano do sculo XX, Wil-frid Sellars, pode ajudar a resumir alguma das ideias anteriores e tambm revelar umpouco mais do sabor do assunto:

    O objetivo da filosofia, formulado abstratamente, entender como as coisas, no mais amplosentido possvel do termo, esto conectadas no sentido mais amplo possvel do termo. Sobcoisas no mais amplo sentido possvel, incluo itens radicalmente diferentes, como no s

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    repolhos e reis, mas tambm nmeros e deveres, possibilidades e estaladas de dedosexperincia esttica e morte. Alcanar sucesso na filosofia seria, para usar um modo dexpresso contemporneo, estar familiarizado com o entorno, com respeito a todaessas coisas, no naquele modo irreflexivo no qual o centpoda da histria tinha familiaridade com o seu entorno antes que encarasse a questo como eu caminho?, manaquele modo reflexivo que significa que nenhum apoio intelectual est barrado. 1

    Como isso sugere, nada est realmente alm da competncia da filosofia. Colocando esse ponto de uma maneira apenas levemente diferente, a filosofia busc

    entender, de um modo plenamente reflexivo, de que maneira tudo est relacionado e conectado com, porm difere de tudo o mais.Esta uma concepo bastante abstrata, para dizer o mnimo, e tambm um

    concepo bastante exigente. Por um lado, existem pessoas que pensam que o nicmodo de aprender filosofia simplesmente comear lendo alguns textos filosficostentando compreender o que est acontecendo e qual o ponto, sem qualquer ajudaou conduo adicional. Essa viso est refletida em um antigo adgio de instrutor: jogue-os na gua e veja quem consegue nadar! Por outro lado, algumas pessoas pensamque uma orientao inicial filosofia, ainda que necessariamente uma orientao apenas aproximada e parcial, pode ser de grande ajuda. Dado que cremos que essa ltimconcepo correta, comeamos este captulo com um ensaio de Ann Baker sobre natureza da filosofia e, especialmente, sobre os elementos do pensamento filosfico.

    Uma das atividades filosficas centrais, refletida na tentativa de entender a na

    tureza essencial das coisas (ou dos conceitos), a clarificao. Os filsofos esto constantemente levantando questes sobre o que vrios tipos de coisas realmente vm ser (ou o que as palavras em questo realmente significam). Muitos dos dilogos dPlato esto focados sobre questes desse tipo, sobretudo questes relativas a noemorais ou avaliativas: O que a coragem?, O que a justia?, O que o conhecimento?, e assim por diante. No seu dilogoEutfron, Plato faz a pergunta: O qu a piedade?, que, para os gregos, equivalia aproximadamente pergunta O que a correo moral?. Aprendemos no Eutfronque Scrates foi acusado de corrompea juventude de Atenas; e na Apologiade Plato temos um relato do julgamento dScrates, no qual ele foi declarado culpado e condenado morte assim se tornandode fato, um mrtir para a filosofia. Na Apologia, na medida em que Scrates explanpor que no pode evitar a sua punio, desistindo da investigao filosfica, ele faz famosa afirmao de que a vida sem reflexo no digna de viver. A perspectiva e integridade intelectual refletidas nessa afirmao foram frequentemente consideradacomo paradigmticas do verdadeiro filsofo.

    Enquanto muitas pessoas creem que a filosofia obviamente importante e valiosa, existem aquelas que desprezam o pensamento filosfico como jogo mental irrelevante, desprezvel, sem importncia. Bertrand Russell argumenta que a filosofi valiosa mesmo que se revele como produzindo pouco ou nenhum conhecimentseguro. Assim, pois, mais de 2.000 anos depois de Plato ter escrito o Eutfrone Apologia, Russell defendeu o estudo e a prtica da filosofia como essenciais ao melhotipo de vida.

    Ann Baker

    Ann Baker (1953- ) uma lsofa americana que leciona na Universidade de Wa-shington, em Seattle, e uma das coeditoras deste livro. Neste ensaio, ela explica o que a losoa, apresenta as suas principais ramicaes ou subreas, explica os elementosbsicos do pensamento losco e discute como ler um texto losco.

    1Wilfrid Sellars, Philosophy and the Scientific Image of Man, reimpresso em Science, Perception anReality(London: Routledge & Kegan Paul, 1963), p. 1.

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    Voc decidiu ento estudar filoso-fia. Talvez voc tenha uma ideia bastanteclara do que o estudo da filosofia envol-ve, ou pode ter somente uma vaga ideiaou mesmo nenhuma ideia. 1 Dado queexistem algumas concepes interessante-

    mente diferentes de filosofia (os filsofosfilosofam at mesmo sobre a filosofia!), edado que precisamos de uma conceposingular da filosofia para guiar o nossotrabalho, comearemos o nosso estudoda filosofia desenvolvendo primeiramen-te uma concepo bastante especfica defilosofia. Ainda que nos baseemos nessaconcepo de filosofia ao longo do livro, responsabilidade sua (como um filso-fo em potencial) pensar cuidadosamentesobre ela e ter uma opinio sobre os seusmritos no momento em que tiver con-

    cludo o curso. Nesse meio-tempo, vocpode pensar que deveria haver mudanasou qualificaes, pequenas ou mesmograndes, na concepo de filosofia queestvamos usando.

    O CONTEDO DA FILOSOFIA

    Comecemos construindo a nossaconcepo de filosofia, diferenciandoentre o contedo caracterstico envolvi-do na disciplina da filosofia e o mtodocaracterstico do pensamento filosfico.O contedo diz respeito (obviamente)quilo sobre o que os filsofos pensam.Por exemplo, os filsofos pensam tipica-mente sobre questes como essas: O que o conhecimento? O que a verdade? Oque so as mentes? O que a conscin-cia? Somos genuinamente livres? Sermoralmente responsvel requer ser li-vre? Somos, por nossa prpria nature-za, egostas? H uma diferena genunaentre certo e errado ou bem e mal? Oque a justia? Deus existe? E at mes-mo, como j vimos, o que a filosofia?

    Ao tentar responder a essas questes,os filsofos pensam sobre alegaes*asseres especficas, focadas, que solanadas como sendo verdadeiras oufalsas e tambm sobre concepes ouposies mais abrangentes (compostas

    de muitas alegaes relacionadas), quetm o propsito de responder a questescomo aquelas listadas antes.

    Para generalizar a partir dessesexemplos, seria razovel dizer que o con-tedo da filosofia diz respeito:

    1. natureza fundamental da realidade a natureza do espao e do tempo,de propriedades e de universais, e emespecial, mas obviamente no de ma-neira exclusiva, da parte da realidadeque consiste de pessoas(a ramifica-o da filosofia chamada de metafsi-ca);

    2. natureza fundamental das relaescognitivas entre pessoas e outras par-tes da realidade as relaes de pen-sar sobre, conhecer, e assim por dian-

    te (a ramificao da filosofia chamadade epistemologia);3. natureza fundamental dos valores,

    sobretudo valores que pertencem srelaes ticas ou sociais entre as pes-soas e entre as pessoas e outras par-tes da realidade, tais como animaisno humanos, o ambiente, e assimpor diante (a ramificao da filosofiachamada de axiologia, que inclui oscampos mais especficos da tica, dafilosofia polticae da esttica). 2

    O MTODO DA FILOSOFIA

    Renunciaremos, de momento, aqualquer explanao posterior do conte-doda filosofia, dado que essa a tarefaprincipal do restante do livro. Todavia,existem algumas acepes implcitas fei-tas pelos filsofos, e a sua clarificaoexigir uma explicao do mtodo dopensamento filosfico.

    O mtodo do pensamento filosficorequer um conjunto de habilidade e al-guns hbitos intelectuais distintivos, que

    chamaremos de hbitos filosficos da men-te. Explanaremos sobre algumas dessashabilidades e desses hbitos neste ensaiointrodutrio, mas a sua plena apreciaorequer exercit-los nas concepes e nosargumentos filosficos desenvolvidos norestante do livro. Duas das habilidadesmais bsicas envolvidas no pensamentofilosfico so clarificare justificaralega-

    Introduo ao Pensamento Filosfico

    1 Pare e pense

    O que voc acha que a losoa

    ? Voc leu algum texto quechamaria de losco? Voc tevequaisquer discusses que consi-deraria loscas? H algum nasua famlia que especialmentelosco?

    * N. de T. A palavra claimstambm poderia sertraduzida aqui como reivindicaes.

    2

    Coloque cada uma dasquestes do pargrafo

    anterior em uma dessas trscategorias gerais.

    PARE

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    es: na qualidade de filsofos, temoscomo ocupao fazer dois tipos principaisde coisas, clarificar e justificar, em rela-o a um tipo especfico de objeto, umaalegao. O que queremos dizer com cla-rificar e justificar alegaes? Vamos des-montar esta frase.

    Primeiro, o que uma alegao?Como vimos h pouco, uma alegao uma assero, algo que dito com a in-teno de dizer alguma coisa que ouverdadeira ou falsa. Aqui esto algunsexemplos: h cerejeiras no ptio; Chica-go fica a oeste de Washington, D.C.; 7 +5 = 12; a relva vermelha; nenhum cojamais foi perdido; os polticos so uni-formemente honestos. Note que as alega-es podem ser tanto falsas quanto ver-dadeiras. Nem tudo o que voc diz umaalegao, uma vez que a sua inteno no sempre afirmar verdades. Por exemplo,uma pergunta no uma alegao, nem

    o uma exclamao ou um comando.Segundo, o que se quer dizer com

    clarificao? Quando um filsofo clarifi-cauma alegao, ele explica ou expressaem detalhes o significado da alegao. Aclarificao com frequncia valiosa ouinclusive requerida, porque o significadode uma alegao tal como foi inicialmen-te formulada pode ser seriamente obscu-ro de forma que se torna difcil discuti-loou avali-lo. Considere, por exemplo, aalegao de que Deus amor. Presumi-velmente, a pessoa que diz que Deus

    amor pretende dizer algo que verda-deiro, mas algumas pessoas consideramessa alegao muito confusa. Isso signi-fica meramente que Deus uma pessoaamorosa? No parece que a inteno querer dizer algo muito mais significativodo que isso. Mas o qu? Dado que o amor um tipo de emoo, o significado lite-ral da alegao no tem um sentido cla-ro (visto que Deus certamente no umtipo de emoo). Assim, talvez a alegaoseja metafrica, em vez de literal. mui-to mais fcil clarificar alegaes literaisdo que clarificar alegaes metafricas.No entanto, um trabalho importante declarificao feito mesmo ao se dizer quea alegao metafrica.

    Obviamente, algumas alegaesprecisam de mais clarificao do que ou-tras. Considere as seguintes alegaes:

    a) Dinheiro no pode comprar felicidade.b) Deus amor.

    c) Nenhum homem solteiro* feliz.d) Se uma pessoa me, ento essa pes

    soa do sexo feminino.e) Collies so cachorros.f) Estudar filosofia tem valor.

    Essas alegaes no so igualmentclaras. Qual alegao mais tem necessidade de clarificao? As alegaes (a) (b) so ambas metafricas, mas pode-smais facilmente imaginar a explanado significado metafrico de (a). Sem dvida, voc no pode literalmente comprafelicidade, dado que ela no pode ser encontrada em nenhuma loja (nem podser comprada pela internet!). Pormesse no o ponto real da alegao. Suponha, por exemplo, que voc estivessadvertindo sua irm mais nova de fazeo que lhe parecia um casamento muitruim: a nica coisa boa que voc consegue ver sobre o futuro marido dela qu

    ele muito rico. Seria natural dizer suirm que dinheiro no pode comprar felicidade, querendo dizer que se pode temuito dinheiro e ser ainda muito infeliz(Obviamente, voc estaria supondo quela quer ser feliz.)

    Voc pode clarificar uma alegasem, atravs disso, dar qualquer razpara pensar que a alegao verdadeiraPense em como voc poderia clarificar alegao (c), de que nenhum homem solteiro feliz. Essa certamente uma alegao falsa, mas algum ainda poderi

    ficar pensando sobre o significado de sefeliz. Antes que voc pensasse demaisobre isso, poderia pensar que certamente entende o que a felicidade. Contudoto logo voc tente defini-la claramentetodos os tipos de problemas aparecem(ver os Captulos 5 e 8). A clarificaos vezes, exige explicar somente um dotermos na alegao (tal como em (c))enquanto, em outros momentos, exigexplicar o significado de diversos termo(tal como em (f)). s vezes, uma alegao simplesmente necessita ser tornadmais precisa. Por exemplo, algum poderia perguntar-se se todos os collies sces, ou s a maioria dos collies so cesou s alguns collies so ces. O nvel dclarificao que uma alegao realmentnecessita pode depender do contexto.

    * N. de T. Cf., no original, a expresso bacheloCf. tambm o Apndice II.

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    Terceiro, o que se quer dizer comjustificao? Quando os filsofos ofere-cem justificao para uma alegao, elesdo razes para crer na alegao e quemelhor razo h para crer numa alega-o do que uma razo para pensar queela verdadeira? A nossa concepo defilosofia admite que uma razo para pen-sar que uma alegao verdadeira umaboa razo para crer nela. Alm disso, talrazo parece, num primeiro olhar, ser onicotipo de boa razo para crer numaalegao dado que aceitar a alegao, afinal, aceit-la como verdadeira. Emoutras palavras, se voc no tem uma ra-zo para pensar que uma alegao ver-dadeira, nesse caso voc aparentementeno tem nenhuma razo para crer nessaalegao. (Se poderia haver alguma baseaceitvel para crer numa alegao almde uma razo para pensar que ela ver-dadeira, essa uma questo levantada

    explicitamente no Captulo 7.)Suponhamos, para o restante desta

    discusso, que uma razo para uma ale-gao ser sempre uma razo para a ver-dade da alegao. Uma outra suposioque faremos, ao explicar o que se querdizer com justificao, que as razesavanadas para a verdade de uma alega-oseroelas mesmas sempre alegaes:asseres feitas na tentativa de dizer algoverdadeiro. E a suposio feita ao tratardessas alegaes como razes que a ver-dade das razes prov evidncia ou aval*

    de algum tipo para a verdade da alegaoem questo (a alegao que estamos ten-tando justificar).

    ARGUMENTOS E LGICA

    Lanar outras alegaes em suportede uma alegao que voc est defenden-do oferecer um argumento. Assim, pois,de acordo com a nossa acepo de justi-ficao, quando um filsofo justifica umaalegao, ele normalmente oferece um

    argumento. Em filosofia, um argumentono uma discordncia ou uma briga. Deacordo com a definio filosfica padro,um argumento um conjunto de alega-es, uma dos quais a concluso, e asoutras so as premissasoferecidas para

    dar suporte concluso: premissas queso afirmadas (pela pessoa que est pro-pondo o argumento) para torn-lo muitoprovvel ou, talvez, at mesmo para ga-rantir que a concluso verdadeira.

    Uma das primeiras coisas que vocaprender, ao desenvolver as habilidadesque so importantes para o mtodo filo-sfico, tornar-se muito sensvel dife-rena entre a concluso e as premissas deum argumento: a alegao que est sen-do asserida por um filsofo (a alegaoa favorda qual se argumentar) a con-cluso, enquanto as alegaes oferecidasem suporte da concluso so as premis-sas. Um dos hbitos filosoficamente dis-tintivos da mente aquele que distingueclaramente entre premissas e concluses,entre aquilo a favor do que se est argu-mentando e o que est sendo oferecidocomo uma razo.

    Uma questo que pode ser feita

    sobre as premissas de um argumento se so verdadeiras ou pelo menos se razovel pensar que so verdadeiras. Po-rm, enquanto a questo relativa a se aspremissas so verdadeiras crucial para afora do argumento, ela no deveria ser aprimeira questo que voc faz ao avaliarum argumento. Antes de se preocupar seas alegaes oferecidas como razes soverdadeiras, voc deveria perguntar a simesmo se, em sendo verdadeiras, elas ge-nuinamente dariam suporte alegao.Razes podem dar suporte a uma alega-

    o de modo mais ou menos bem-sucedi-do, e quando voc pergunta o quo boasso as razes oferecidas para a alegao(admitindo que so verdadeiras), vocest perguntando sobre aforada relaode suporte: a relao evidencial entre aspremissas e a concluso.

    Assim, a ideia central de um argu-mento filosfico a ideia de dar razespara uma alegao: oferecer premissaspara o propsito de mostrar que a con-cluso do argumento verdadeira.

    Alguns argumentos so argumen-tos dedutivos vlidos: argumentos cujaspremissas, se verdadeiras,garantema ver-dade da concluso. Considere o seguinteargumento para a alegao de que Mariapegou o carro: ou Joo pegou o carro ouMaria pegou o carro, e eu sei que Joo nopegou o carro, de modo que Maria devet-lo pegado. Voc pode avaliar a fora darelao de suporte desse argumento semconhecer Joo ou Maria, ou sem saber

    * N. de T. Esta a traduo que, via de regra, serproposta para warrantem sentido epistmico.

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    qualquer coisa sobre o carro. Voc sim-plesmente pergunta a si mesmo se as pre-missas, se verdadeiras, de fato do supor-te concluso. Elas do. Se as premissasdesse argumento so verdadeiras, ento aconcluso deve ser verdadeira.

    Contudo, alguns argumentos que sepretende dedutivos so invlidos: pos-svel que as premissas sejam verdadeiras,enquanto a concluso seja falsa. Conside-re o seguinte argumento para a alegaode que Maria pegou o carro: se Maria pe-gou o carro, ento Joo no o pegou; e eusei que Joo no o pegou; assim, Mariadeve t-lo pegado. Suponha que todas aspremissas so verdadeiras. A verdade da-quelas premissas garante (ou mesmo dsuporte para) a verdade da concluso?No, esse argumento comete a falcia deafirmar o consequente. (Uma falcia umequvoco no raciocnio.) Ser til digre-dir um pouco para ver claramente o que

    essa falcia e por que um equvocoraciocinar dessa maneira.

    Como voc ver, muitos argumen-tos filosficos incluem afirmaes condi-cionais: afirmaes da forma seA, entoB. Por exemplo, se Maria pegou o carro,entoJoo no o pegou. A primeira parteda condicional, a parteA, chamada deantecedente, e a segunda parte, a par-teB, chamada de consequente. (Umaafirmao condicional pode ser confusa,num primeiro momento, antes que se pen-se com cuidado sobre o que exatamente

    ela est dizendo. Considere a alegao deque, se George Washington era um polvo,ento George Washington tinha oito per-nas. essa alegao verdadeira ou falsa?Alguns estudantes inicialmente dizemque a alegao falsa, mas, assim que aolham novamente, veem claramente quea alegao verdadeira.) A verdade deuma afirmao condicional no requera verdade do antecedente (a alegaode que Maria pegou o carro), porque acondiconal est alegando apenas que,seMaria pegou o carro, ento Joo no opegou. A verdadeda condicional requerapenas queseo antecedente verdadeiro,ento o consequente deve ser verdadeiro(no pode ser falso); em outras palavras,se o consequente falso, ento o ante-cedente tambm deve ser falso para quea afirmao condicional total seja verda-deira. Contudo, se tanto Maria quantoJoo pegaram o carro (caso em que o an-tecedente verdadeiro e o consequente

    falso), ento a afirmao condiciona(seMaria pegou o carro, ento Joo no pegou) em si mesma falsa. Assim, suma afirmao condicional verdadeire o antecedente verdadeiro, nesse casvoc sabe que o consequente tambmdeve ser verdadeiro; e se uma afirmacondicional verdadeira e o consequent falso, ento voc sabe que o antecedente tambm deve ser falso. Porm, nadse segue da verdade de uma condicionae da verdade do consequente; portantoargumentos que alegamtirar uma concluso sobre a verdade do antecedente nbase da verdade da condicional e da verdade do consequente esto cometendo erro de raciocnio chamado de falcia dafirmar o consequente. 3

    Uma vez que as premissas, numcaso de afirmar o consequente, na realidade no do nenhum suporte concluso, voc poderia ser tentado a dizer qu

    esse no um argumento em absolutoTodavia, no parece correto dizer de forma taxativa que esse no um argumento: parece mais claro dizer que um maargumento e, melhor ainda, dizer exatamente o que ruim acerca dele. (Quandest diante de um argumento invlidovoc no precisa se preocupar se as suapremissas so verdadeiras, visto que, mesmo se elas o so, no oferecem sequer umsuporte mnimo para a concluso.)

    H outros tipos de argumentos cujapremissas oferecem razes boas, mas n

    conclusivas, para a verdade da concluso: argumentos que oferecem suportgenuno para as suas concluses, mas emque ainda possvel, embora improvveque a concluso seja falsa, muito emboras premissas sejam verdadeiras. Os argumentos mais comumenente referidocomo argumentos indutivos (ou, maiexplicitamente, argumentos indutivoenumerativos) so dessa forma, e muitos argumentos cientficos so desse tipoQuando, por exemplo, algum raciocinque todos os cisnes so brancos com basem muitas observaes diferentes de cisnes brancos, esse algum est oferecendum exemplo simples de um argumentindutivo. Voc no pode razoavelmentconcluir que todos os cisnes so brancocom base em uma observao de um cisne branco, ou mesmo de dois ou vinteporm, se existem observaes suficientes em locais e circunstncias suficientemente variados, ento voc pode razoa

    3

    H uma outra falcia, rela-cionada a essa, chamada de

    negar o antecedente. Voc deveriaser capaz de compreender o que aquele engano e por que ele umengano, dada essa explicao dafalcia de armar o consequente.

    PARE

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    velmente concluir que todos os cisnes(no apenas aqueles que voc observouat aqui) so brancos. Quando voc ra-ciocina que o sol nascer amanh combase na alegao de que ele nasceu todasas manhs at aqui por milhares de anos,voc est oferecendo um argumento in-dutivo. Os filsofos no chamam o bomargumento indutivo de vlido, porquea definio de validade consiste em que impossvel para a concluso ser falsa,enquanto as premissas so verdadeiras.Argumentos indutivos, por definio, tmconcluses que poderiam ser falsas, ain-da que as premissas sejam verdadeiras.Todavia, quanto melhor o argumentoindutivo mais inverossmil ou improv-vel que a concluso seja falsa, ao passoque as premissas so verdadeiras. Bonsargumentos indutivos, aqueles cuja rela-o evidencial ou de suporte entre as pre-missas e a concluso convincente, so

    normalmente descritos como fortes. Emtal argumento, a verdade das premissasoferece uma boa razo para pensar que aconcluso verdadeira.

    Um tipo diferente de argumentono-dedutivo cujas premissas, nova-mente, proporcionam boas razes, masno conclusivas, para a verdade das suasconcluses o que referido como umargumento explanatrio(tambm cha-mado de uma inferncia melhor expla-nao* ou um argumento abdutivo; es vezes o termo induo usado mais

    amplamente, de maneira a tambm in-cluir argumentos desse tipo). A ideia deum argumento explanatrio que hum fato afirmado, de algum tipo, a serexplanado, outras consideraes que sorelevantes para a explanao desse fato ealguma explanao que alegada comosendo a melhor luz daquelas conside-raes. Assim, pois, as premissas de talargumento incluem tanto uma afirmaodo fato afirmado a ser explicado quantoafirmaes dessas outras consideraesrelevantes, e a concluso uma afirma-o da explanao tomada como sendoa melhor. E tal argumento ser forte(ja-mais vlido) se a explanao oferecidarealmente for a melhor, admitindo-se que

    o fato em questo realmente um fato eque as outras consideraes supostamen-te relevantes so tambm verdadeiras.

    Aqui est um exemplo simples: su-ponha que a polcia chame voc no traba-lho para dizer-lhe que o seu carro esteveenvolvido num acidente e que o motoris-ta do carro abandonou a cena. A questo como explicar o fato de que o seu carroesteve num acidente (ao invs de aindaestar estacionado na entrada onde esta-va, quando voc saiu para pegar o nibuspara o trabalho, nesta manh). As seguin-tes consideraes posteriores parecem re-levantes: que sempre s voc e a sua irmMaria dirigem o carro, embora ela tenhasido recentemente proibida por voc dedirigi-lo, devido s vrias multas por ex-cesso de velocidade que ela recebeu; queh somente uma chave para esse carro,que fica pendurada num gancho na portados fundos; que Maria a nica pessoa

    (alm de voc) com acesso fcil a essachave e que a polcia encontrou o carrocom a chave ainda nele. Ento, poderiaser alegado, a explanao mais provveldo fato de que o seu carro estava no aci-dente, ao invs de ainda estar no estacio-namento onde voc pensava que estava, que Maria o dirigiu (apesar de estarproibida de faz-lo). Obviamente, vocter evidncia ainda melhor assim quefalar com ela ou descobrir, a partir de re-latos de testemunhas oculares, com quemo motorista do carro se parecia. Mas voc

    no tem, exatamente agora, uma razomuito boa para a concluso de que Mariapegou o carro? A sua razo no conclu-siva isto , a concluso no est garan-tida como sendo verdadeira porque houtras explanaes possveis para o fatode que o seu carro esteja na cena de umacidente que poderiam inclusive se reve-lar melhores no final das contas. (Talvezalgum tenha arrombado a sua casa, pe-gado a chave e levado o carro embora.)

    Usamos argumentos explanatriosdesse tipo na vida diria, e os cientistasfazem uso de argumentos explanatriospara tirar concluses sobre leis e entida-des tericas. Tais argumentos, com gran-de frequncia, tambm desempenhamum papel importante nas discusses filo-sficas.

    Resumindo, de acordo com a defi-nio padro de argumento com a qualcomeamos, se as premissas so ofere-cidas com o propsito de dar suporte

    * N. de T. Neste captulo, para explanation e toexplain, alm de explanao e explanar, seros vezes usadas, de modo equivalente, tambmas expresses explicao e explicar.

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    verdade de uma concluso, nesse caso oconjunto de alegaes que consistem na-quelas premissas e na concluso constituium argumento. O argumento dedutivose a verdade das premissas destinada agarantir a verdade da concluso; se a ver-dade das premissas meramente destina-da a tornar a verdade da concluso muitoverossmil ou provvel, mas no garan-tida, o argumento pode ser indutivoouexplanatrio ainda que existam tam-bm outras possibilidades que no consi-deramos aqui, como os argumentos queapelam para analogias. Um argumentodedutivo cujas premissas so relaciona-das sua concluso no modo correto deatingir o seu propsito vlido, enquantobons argumentos indutivos ou explanat-rios podem apenas ser fortes. Uma ques-to posterior sobre qualquer argumento se as prprias premissas so verdadeiras.

    UMA ILUSTRAO DOMTODO DA FILOSOFIA

    Temos pensado at agora, atravsde uma explanao inicial, em duas dashabilidades importantes envolvidas nomtodo da filosofia: clarificao e justifi-cao. Consideremos, agora, uma ilustra-o dessas habilidades, tentando clarifi-car e justificar a alegao de que estudarfilosofia tem valor.

    Claricao: denindoo que queremos dizer

    Clarifiquemos, primeiramente, aalegao de que estudar filosofia temvalor. Voc, de modo razovel, pergunta--se sobre o significado de ambas as par-tes da alegao: o que significa estudarfilosofia e o que significa tem valor?Suponha que algum leu o livro de Ber-trand Russell, Os problemas da filosofia,numa noite isso o suficiente para seter estudado filosofia? De acordo como que queremos dizer quando fazemos aalegao, no o . Voc tem de fazer maisdo que ler um livro de filosofia para terestudado filosofia. Leva muito mais doque uma noite para se estudar filosofia.Porm, no h uma quantidade exata deestudo que possa ser considerada como osignificado preciso de estudar filosofia.

    Algumas vezes, o que preciso partornar uma questo suficientemente clarapara ser razoavelmente discutida, substituir a alegao original por uma que clara e mais precisa, embora diga aproximadamente a mesma coisa. Assim, poisum tanto arbitrariamente, entenderemoestudar filosofia como significando fazer e passar por pelo menos quatro aulade filosofia*ou fazer algo razoavelmentsemelhante. (Provavelmente, voc poderia, por si mesmo, fazer o equivalente frequentar e a passar por quatro cursode filosofia se estivesse suficientementmotivado e tivesse alguns recursos parconferir o seu entendimento).

    Agora, o que voc quer dizer comtem valor na segunda parte da alegao? Tudo o que queremos dizer comvalor, aqui, que bom para voc, quvoc ficar significativamente melhor pot-lo feito. Voc poderia duvidar de qu

    a nossa alegao verdadeira, mas agora voc tem um sentido bastante bom dque queremos dizer com ele. Clarificamo(embora, talvez, ainda no suficientemente) a nossa alegao de que estudafilosofia tem valor.

    Poderamos fazer mais uma clarificao. Algum poderia perguntar se alegao que estudar filosofia temsempre valor, no importa quem o faa, ouapenas que normalmente tem valor. Poexemplo, pense sobre as seguintes alegaes que tm a forma defazer A B:

    Correr uma maratona exigente.Dar luz feito por pessoas do sex

    feminino.Assistir televiso divertido.Praticar exerccios regularmente

    importante.Obter um grau universitrio vale

    pena.

    O contexto, s vezes junto com contedo da alegao, determina normalmente se algum que afirma umdessas alegaes quer dizer sempre ona maior parte das vezes ainda quisso possa, s vezes, ser obscuro. Vamoadmitir que o que queremos dizer quando dizemos que estudar filosofia tem valor que issosempretem valor.

    * N. de T.Philosophy classes, ou seja, no sentidde disciplinas de filosofia cursadas ao longo dum perodo acadmico, como um trimestre oum semestre.

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    Assim, temos agora uma reafirma-o bastante boa da alegao originalresultante desse esforo inicial de clarifi-cao: a nossa alegao de que estudar fi-losofia tem valor significa que algum quefaz o equivalente a frequentar e a passarpor pelo menos quatro cursos de filosofiase beneficiar disso significativamente.Um dos hbitos mentais distintivamentefilosficos aquele de perceber quandoalegaes so mais ou menos claras.

    Justicao: oferecendoum argumento

    Agora, desloquemo-nos da clarifica-o para a justificao, lembrando que ajustificao filosfica tipicamente toma aforma de um argumento. Aqui est umargumento para a alegao que acaba-mos de clarificar:

    1.Estudar filosofia sempre faz com quevoc pense mais claramente.

    2. Pensar mais claramente sempre temvalor.

    3. Portanto, estudar filosofia sempre temvalor.

    O que faz disso um argumento? um conjunto de alegaes, uma das quais a concluso e as outras so premissaspostas para dar suporte concluso.(Quando voc oferece um argumento

    para uma alegao, a alegao a con-cluso do argumento.) Assim, as primei-ras duas sentenas so as premissas, e aterceira sentena a concluso.

    Apenas faa de conta, por um mo-mento, que as premissas so verdadeiras.Se elas so verdadeiras, a verdade daspremissas torna a concluso provvelou at mesmo certa de ser verdadeira?Para esse argumento, como para muitosoutros argumentos, voc precisa pen-sarsobre as premissas e a concluso nointuito de responder a essa questo aresposta a essa questo no o resultadode um teste mecnico claro. Na medidaem que voc adquire o hbito intelectualde avaliar argumentos, voc fica cada vezmelhor em distinguir os bons argumen-tos dos maus. O que voc deveria fazer supor que as premissas so verdadeirase, ento, tentar imaginar se seria possvelque a concluso fosse falsa, mesmo sendodada a verdade das premissas.

    Sugerimos que a verdade das pre-missas (se so verdadeiras) oferece umarazo muito boa para pensar que a con-cluso verdadeira. De fato, o argumen-to parece ser vlido: parece logicamenteimpossvel que as premissas sejam ver-dadeiras e a concluso seja falsa. (Con-sideraremos mais tarde uma razo paraquestionar se isso realmente assim.)Esse argumento, portanto, oferece umbom exemplo da relao de oferecer umaboa razo, que o elemento central deum argumento.

    No argumento anterior, se as pre-missas so verdadeiras, ento a conclu-so est aparentemente garantida comosendo verdadeira. evidente, porm, queno podemos simplesmente admitir queas premissas so verdadeiras. E, visto quea concluso do argumento foi justificadasomente se as premissas so verdadeiras,a nossa tarefa de justificar a alegao ori-

    ginal no est acabada at que tenhamospelo menos defendido as premissas (dan-do razes para pensar que as premissasso verdadeiras). Alm disso, deveramostambm considerar e responder s maisbvias objees, caso existam.

    Dando razes paraa verdade das premissas

    Comecemos com a primeira premis-sa: estudar filosofia sempre faz com que

    voc pense mais claramente. Em anteci-pao, pense sobre o que estar envolvidono estudo da filosofia: voc ler muitostextos filosficos diferentes, de muitos pe-rodos diferentes da histria, aprendendoo que diferentes filsofos disseram sobremuitos tpicos diferentes. Alm disso,como os autores so filsofos, eles nor-malmente estaro argumentando a favordas suas concepes, de modo que vocprecisa entender e avaliar criticamenteaquelas opinies e aqueles argumentosnuma tentativa de compreender o quevoc pensa acerca do tpico filosfico emquesto. Alm disso, como os filsofostm de discutir muitos outros assuntos aoexplanar e clarificar as suas concepes,apresentando argumentos e consideran-do objees a outras concepes (e, comoveremos, inclusive s suas prprias), umaobra filosfica normalmente bastantecomplicada, sendo que todas essas par-tes precisam ser devidamente resolvidas.

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    dos supervisores sugere a Doug que eltome uma aula particular, Doug jamais spergunta por que ou como aquela aula sencaixa no seu programa como um todoDoug provavelmente no tem um planclaro, mas tem sim o desejo de terminaa faculdade do modo mais eficiente possvel. Suponha que Joe esteja constantemente afiando as suas habilidades dpensamento: ele sempre pede supervisora para clarificar os seus conselhossempre pergunta por que esse um bomcurso para se fazer e tem em mente comclareza os requisitos de grau. razoveafirmar que, por causa da habilidade quJoe tem de pensar mais claramente dque Doug, Joe realizar o seu objetivmais provavelmente do que Doug e estnem sequer o melhor exemplo, ? Vocno tem de pensar com excepcional clareza para realizar o objetivo de terminaa faculdade do modo mais eficiente poss

    vel. Imagine o quo claramente voc temde pensar para ser um cidado responsvel ou um amigo afetuoso ou um timpai. Ser capaz de distinguir entre crer emalguma coisa com base em pensamentilusrio como oposto a crer em algumcoisa com base em boa evidncia pode fazer a diferena entre realizar um bom trabalho e realizar um trabalho inadequadem muitas reas das relaes humanasAssim, pensar claramente tem sempre valor porque o ajuda a conseguir o que vocquer: no importa que isso signifique se

    um empregado da justia, um bom pai oum perfeito intil.Nesse ponto, oferecemos raze

    para pensar que ambas as premissas sverdadeiras, e parece inicialmente claro que, se as premissas so verdadeirasento a concluso deve ser verdadeiraLogo, apresentamos e defendemos um argumento, mas isso basta para justificar alegao? Certamente uma justificaomas ainda no a mais forte justificaque poderamos dar. Uma justificaainda melhor para uma alegao tambminclui considerar e responder a objeeao nosso prprio argumento.

    Objees: considerando razescontra a verdade das premissas

    Alguns estudantes relutam em considerar objees a um argumento questo tentando defender, porque lhe

    Estudar filosofia envolve realizar todosesses procedimentos com cuidado.

    O que, ento, pensar claramen-te? Sem dvida, envolve ser capaz declarificar vrias ideias e opinies quevoc encontra, mas tambm envolve serlgico: considerar e, s vezes, descobrirrazes para aquelas opinies, junto coma capacidade de avaliar de modo bem--sucedido quando aquelas razes so boase quando no o so. Uma habilidade depensar claramente a habilidade de fazermalabarismos com combinaes compli-cadas de ideias, enquanto se atenta paraas diferentes relaes entre elas. E, comoqualquer habilidade, leva tempo e prti-ca para tornar-se bom nela. Voc precisapensar claramente para ao menos enten-der os filsofos e precisa ser capaz depensar claramente para avaliar opiniesfilosficas. Quando avalia uma opinio,voc decide se ela uma boa opinio

    (provavelmente verdadeira) ou uma mopinio (provavelmente falsa) e, comofilsofo, voc deve ter razes para fazeraquela avaliao. Portanto, algum queestudou filosofia dado o modo comoclarificamos essa ideia ou aprendeu apensar claramente pela primeira vez, ouento j sabia em certa medida como pen-sar claramente, mas teve agora grandequantidade de prtica adicional nisso, eassim presumivelmente pensa ainda maisclaramente. Eis uma defesa da primeirapremissa: uma razo para pensar que a

    primeira premissa verdadeira.Agora, consideremos uma defesapara a segunda premissa: a premissa deque pensar mais claramente sempre temvalor. Com certeza, podemos todos con-cordar que fazer alguma coisa que o aju-da a conseguir o que voc quer tem valor que voc se beneficia significativamenteao fazer algo que aumenta a sua habilida-de de conseguir o que quer (a menos, na-turalmente, que o que voc quer no sejabom para voc). Defendemos que pensarclaramente sempre faz isso. Suponha, porexemplo, que cada uma de duas pessoas chame-as de Joe e Doug quer terminara faculdade do modo mais eficiente poss-vel e suponha, alm disso, que Joe pensamuito mais claramente do que Doug. Su-ponha que Doug de fato jamais pensa demodo suficientemente intenso para man-ter na linha os requisitos de grau, ou atmesmo perceber que existem alguns des-ses requisitos. Suponha que, quando um

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    parece que esto enfraquecendo a suaprpria posio. Contudo, um argumen-to que considere e responda a objees muito mais forte do que um argumen-to que no considere nenhuma objeo.Imagine que voc est lendo dois edito-riais no jornal, um dos quais expressa assuas prprias opinies polticas, enquan-to o outro expressa opinies contrrias ssuas. Suponha que cada pea argumentaa favor da sua posio sem considerarquaisquer pontos de vista alternativosque poderiam levar a objees. Quandovoc l aquela com a qual voc concor-da infelizmente demasiado fcilapenas acompanhar o argumento (voc,afinal, j concorda com a concluso). Po-rm, quando l aquela da qual discorda,voc est provavelmente pensando emobjees ao longo do caminho, e assimtalvez no se sinta desafiado na sua pr-pria concepo, porque voc pensa que

    tem boas objees para as razes dadas afavor da concluso de que voc discorda.No entanto, imagine que o editorial deque voc discorda seguiu considerandoobjees similares quelas nas quais vocest pensando medida que o l e ima-gine que as repostas que ele d quelasobjees so bastante convincentes.

    Voc no se sentiria mais desconfor-tvel negando a importncia da opinioque ele defende nesse caso? No pare-ceria o desafio sua prpria concepomais srio? Analogamente, no ficaria a

    pea que argumenta a favor da opiniocom a qual voc concorda at mesmomais forte se tambm considerasse e res-pondesse a objees? Qualquer opinioargumentada com base em um lado so-mente, sem considerar perspectivas alter-nativas e as objees resultantes, no to convincente quanto uma opinio queconsiderou as mais fortes objees e mos-trou tambm como aquelas objees, noimporta o quanto paream fortes, podemreceber resposta de um modo satisfat-rio. Esse um hbito mental filosficoespecialmente importante: veja muitoslados de uma questo no fique satis-feito com uma perspectiva apenas.

    Queremos considerar e respondera objees pelo propsito de fortalecer onosso argumento, mas presumivelmentejulgamos o argumento bastante convin-cente (uma vez que o inventamos). Deque modo, ento, proceder para encon-trar boas objees? Essa outra das habi-

    lidades que voc adquirir medida quedesenvolver hbitos filosficos da mente:voc precisar ser capaz de assumir umaatitude crtica, criticando os argumentosde outros filsofos. Voc tambm podeadotar esse mesmo ponto de vista comrelao ao seu prprio argumento, fazen-do de conta que voc mantm o outroponto de vista e procurando fraquezas noseu argumento original.

    Voc poderia pensar, num primeiromomento, que o modo de objetar a umargumento objetando a sua concluso encontrar razes para pensar que a con-cluso falsa. Mas, de fato, isso no fun-ciona realmente muito bem se voc esttentando criticar o argumento original.Ora, se voc oferece razes para pensarque a concluso falsa, ento voc sim-plesmente produziu um outro argumentopara a concluso oposta. Voc agora temdois argumentos opostos, levando a re-

    sultados opostos, mas no est realmenteenvolvendo um com o outro em qualquerforma mais substancial. Eles no podemambos ser argumentos vlidos com pre-missas verdadeiras, e improvvel ain-da que no impossvel que sejam ambosfortes. Todavia, o mero conflito entre elesno oferece em si mesmo nenhuma per-cepo de qual equivocado ou o que at mesmo mais importante de comoele equivocado. Assim, pois, se o objeti-vo avaliar, criticar ou fortalecer o argu-mento original, o que faz mais sentido

    considerar objees s suas premissas ouao raciocnio das premissas concluso,em vez de razes para rejeitar a conclu-so. Se h boas razes para pensar que aspremissas de um argumento so falsas ouque o raciocnio das premissas conclu-so falho, ento o argumento falha emdar suporte sua concluso; porm, seaquelas objees podem ser respondidas,ento a posio total a favor da concluso fortalecida.

    Consideremos, inicialmente, umaobjeo a cada premissa do nosso argu-mento de amostra. Uma objeo a umapremissa uma razo para pensar quea premissa falsa. Consideremos a pri-meira premissa: estudar filosofia faz comque voc pense mais claramente. Algumpoderia objetar dizendo que estudar filo-sofia muito confuso. Para estudar filo-sofia, voc tem de ler muitos autores dife-rentes, sobre muitas questes diferentes,e muitos dos autores viveram h muito

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    tempo, de modo que o seu estilo de es-crever muito diferente do nosso e, emgeral, difcil de entender. Questes filos-ficas so difceis de entender sobretudoporque so demasiado abstratas e remo-tas em relao s preocupaes dirias.Por isso, muitas pessoas que estudam fi-losofia acabam ficando muito confusas, ecom certeza algum que muito confusono algum que pensa claramente. Por-tanto, estudar filosofia no faz com quealgum pense mais claramente.

    O que dizer sobre a segunda premis-sa: pensar mais claramente sempre temvalor? Algum poderia objetar a essa pre-missa apontando que, quanto mais cla-ramente algum pensa, mais claramentealgum v o quo vulnerveis ns, dbeisseres humanos, somos. Temos muitos de-sejos grandiosos, mas a nossa habilidadede conseguir o que queremos ampla-mente dependente de condies alm

    do nosso controle, e assim todo o nossoplanejamento e esquema , no final, so-mente pattico. Quanto mais claramentepensamos, mais claramente percebemosisso e mais paralisados nos tornamos. Ob-viamente, no nos beneficiamos em ficarto paralisados. Pelo contrrio, a ignorn-cia e o pensamento obscuro so a maioralegria. Portanto, pensar claramente notem sempre valor.

    Objees podem tambm ser feitasao raciocnioenvolvido na argumentaode que a concluso provavelmente ver-

    dadeira, dada a verdade das premissas.Considere uma objeo ao raciocnio doargumento de amostra. Suponha que al-gum reconhea a verdade de ambas aspremissas, mas argumente que h outrosmodos, com efeito muito mais fceis deaprender a pensar mais claramente doque estudando filosofia. Se a concluso de que estudar filosofia sempre tem va-lor significa que qualquer um deveria,consideradas todas as coisas, estudar filo-sofia, ento essa concluso poderia muitobem ser falsa, caso em que o argumentono realmente vlido no final das con-tas. Suponha que voc um especialistaem matemtica; suponha tambm queestudar matemtica ensina voc a pensarmais claramente; suponha ainda que, da-dos os seus talentos e interesses, tomar otempo para estudar filosofia tiraria tem-po de outras atividades de que voc gos-ta, sem adicionar muito benefcio (umavez que voc j est aprendendo a pensar

    claramente ao estudar matemtica). Assim, voc poderia argumentar que, mesmo sendo verdade que estudar filosofiensinaria voc a pensar mais claramente que pensar mais claramente tem sempre valor, falso que estudar filosofia temvalor para voc. falso que voc, em funo de tudo o que verdadeiro sobre sua vida, deveria estudar filosofia. Essobjeo desafia o raciocnio envolvido emtirar a concluso a partir das premissaem vez de desafiar uma das premissas.

    Nesse ponto, formulamos uma objeo a cada uma das nossas premissas uma objeo ao raciocnio do argumentotudo com o objetivo ltimo de fortalecea nossa posio a favor da alegao dque estudar filosofia tem valor por responder a essas objees. 4

    Respostas: mostrando por

    que as objees falham

    Obviamente, precisamos respondea essas objees: precisamos mostrar poque elas no so fortes o suficiente parafetar gravemente a fora do argumentoriginal. Ao responder a objees, voc vezes mostrar que o raciocnio das objees falho, enquanto em outros momentos voc pode responder mostrandque a afirmao original da premissa odo raciocnio precisa ser alterada ou qualificada para acomodar a objeo (mes

    mo ainda sendo capaz de estabelecer posio a favor da alegao que voc estdefendendo).

    A primeira objeo alega que o estudo da filosofia, ao invs de levar apensamento claro, algo confuso. Pormenquanto algumas pessoas de fato o consideram confuso, num primeiro momentoaquele sentido de confuso quase semprvai embora assim que se trabalha nelcom um pouco mais de intensidade. Realmente no muito fcil passar por quatrdisciplinas de filosofia sem adquirir as habilidades de pensar que resolvem a confuso. Essa objeo poderia ter tido pessrio se tivssemos especificado a ideia destudar filosofia como significando passapor somente um curso de filosofia, mas elno tem nenhum peso srio contra a prmeira premissa quando estudar filosofia entendido como requerendo que se tenhpassado por quatro cursos de filosofia (ofeito o equivalente a isso).

    4

    Voc consegue pensar emquaisquer outras objees

    a esse argumento?

    PARE

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    A segunda objeo alega que somosvirtualmente impotentes para obter o quequeremos, no importa o quo cuidado-samente planejamos e antecipamos, demodo que o pensamento claro no temde fato sempre valor. Mas que evidnciapode ser oferecida para tal alegao? Querazo esse objetor pode oferecer para aconcepo de que o nosso planejamentoe pensamento cuidadoso no faz nenhu-ma diferena (ou to pouca diferena aponto de ser irrelevante) para o resultadodos nossos esforos? Suponha que vocindique que sabe de muitos exemplos depessoas que, com frequncia, foram bem--sucedidas em conseguir o que queriam,quando planejaram isso cuidadosamente,e de outras pessoas que no planejamcuidadosamente e falham em obter o quequerem. Esses exemplos so contraexem-plos 5 opinio do objetor: exemplosque oferecem alguma razo para pensar

    que a opinio falsa. Naturalmente, nin-gum defenderia que o planejamento cui-dadoso garante bons resultados. A defesapara a premissa em considerao preci-sa apenas reivindicar que o pensamentocuidadoso, claro, torna mais provvel aobteno do que voc quer o que obastante para tornar tal pensamento va-lioso. Assim, o objetor precisa ofereceralguma razo para pensar que falso queo pensar cuidadosamente, claramente,torna mais provvel que voc obter oque quer.

    O defensor da objeo poderia res-ponder que todas aquelas pessoas queplanejaram cuidadosamente tiveramapenas sorte e as pessoas que no plane-jaram bem foram apenas azaradas. Supo-nha que o objetor continue a fazer a mes-ma afirmao (que aqueles que planejamapenas tm sorte), no importa o quodetalhados sejam os seus exemplos nemcom quantos exemplos voc aparea. Noh nada que algum possa dizer que pro-ve de forma conclusiva que temos maiscontrole do que a objeo diz que temos,de sorte que a opinio do objetor nopode ser mostrada de forma conclusivacomo estando errada. Por isso mesmo, legtima a insistncia do objetor acerca daopinio? intelectualmente respeitvelinsistir numa opinio, apesar de possveiscontraexemplos, simplesmente porque aopinio no foi provada de forma conclu-sivacomo sendo falsa? Isso parece clara-mente irrazovel.

    A nossa principal resposta a essaobjeo, ento, que a objeo repousanuma suposio muito controversa, mal-defendida, uma suposio que nos parececomo sendo manifestamente errada. Por-tanto, a objeo falha em ter qualquer for-a sria contra a premissa qual se volta.

    O que dizer sobre a objeo ao racio-cnio do argumento? A principal respostaa essa objeo que a objeo confundiuo contedo da concluso. O ponto do ar-gumento no era argumentar que todosdeveriam estudar filosofia, muito emboratalvez no fosse inteiramente irrazovelpara o objetor interpretar a conclusodesse modo. Um modo de entender aalegao de que estudar filosofia sempretem valor pensar que estudar filosofiater valor para qualquer um. E isso sugereenfaticamente que qualquer um deveriafaz-lo. No entanto, poderamos argu-mentar que a concluso do argumento

    no quer dizer que qualquer um, noimporta o que mais for verdadeiro a seurespeito, deveria encontrar algum tempopara estudar filosofia. A concluso, emvez disso, simplesmente significa que,sevoc estuda filosofia, ento esse estudoter valor para voc, no sentido de quevoc se beneficiar dele. Essa concluso completamente consistente com a alega-o de que, para qualquer pessoa em par-ticular, ela no deveria estudar filosofia,porque para aquela pessoa em particularo estudo da filosofia, apesar dos benef-

    cios que produz, no teria valor, todas ascoisas consideradas, dado o que teria deser sacrificado para dedicar-se a tal es-tudo e dada a possibilidade de adquiriraqueles mesmos benefcios, ou outrosmuito parecidos, de algum outro modo.(Aqui, voc pode ver o quanto a conside-rao de objees tambm pode ajudar aclarificar uma posio.)

    Resumo

    Clarificamos e justificamos a ale-gao de que estudar filosofia tem valor.Para tanto, ilustramos muitas das habi-lidades e dos hbitos mentais filosficosexigidos pelo mtodo da filosofia. Vocconsegue ver como a alegao clarifi-cada ainda mais no processo de justifica-o? Voc consegue ver o quo mais forte a justificao porque consideramos erespondemos a objees?

    5 Comentrio

    Uma outra importante ha-

    bilidade losca oferecercontraexemplos a alegaes outeorias loscas. Para criar umcontraexemplo, voc precisa pri-meiro compreender o que exata-mente a alegao ou a opinio dize, ento, pensar cuidadosamentesobre como ela se aplica a muitassituaes, procurando exemplosque mostram que ela est errada.

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    Como voc agora pode ver, um dosprimeiros desafios do fazer filosofia aprender a como dizer quando um filso-fo seja se voc ou algum que voc estlendo ou ouvindo est argumentado afavor de uma opinio, fazendo objeo aela ou respondendo a objees. medidaque voc praticar o pensar filosoficamen-te, mais hbil voc ficar em reconheceressas diferentes atividades, e voc ficarmelhor em clarificar alegaes, realizardistines e elaborar voc mesmo argu-mentos, objees e respostas.

    LENDO FILOSOFIA

    Com um pequeno esforo, quasequalquer um pode aprender a pensar fi-losoficamente. Contudo, voc poderiaperguntar o que preciso fazer para tra-balhar efetivamente na aquisio dessa

    habilidade. O primeiro e mais valioso re-curso sobre o qual voc deveria praticaro pensar filosoficamente o conjunto deselees de leitura neste livro (e quais-quer outros textos filosficos que vocpuder ler). Todavia, aprendemos que osestudantes com frequncia consideram aleitura da filosofia muito difcil, num pri-meiro momento, e assim inclumos algunsconselhos sobre ler filosofia junto com al-gumas breves ilustraes. Embora essesconselhos sejam dirigidos em especial leitura da filosofia, os principais pontos

    tambm se aplicam ao ato de assistir auma conferncia filosfica ou participa-o numa discusso filosfica.

    O material filosfico sobretudoargumentativo e crtico, quase nuncameramente expositivo. Voc no l filo-sofia com o intuito de reunir uma gran-de quantidade de fatos que ento me-morizar. Voc deve ler filosofia comose estivesse pensando ativamente juntocom o autor do texto, como se estives-se tendo uma conversao intelectualcom ele. Os filsofos esto argumentan-do a favor de uma opinio ou posio.Voc deve pensar no autor (ou no con-ferencista ou debatedor) como dizendo:Olhe isso o queeu penso, e isso porque eu penso assim. O que voc pensasobre isso?. Portanto, voc deve sempreter quatro perguntas em mente enquan-to est lendo (ou ouvindo conferncias,ou envolvendo-se em discusses com um

    outro filsofo): primeira, qual opiniou posio o filsofo est defendendoEm um artigo, a resposta a essa questpode diferir em diferentes lugares: umartigo pode estabelecer mais do que umobjetivo, e voc deve perguntar comesses objetivos conectam-se uns comos outros. Note tambm que o que estsendo defendido num aspecto particular pode ser muito simples e geral (poexemplo, a alegao de que Deus existeou muito complicado e especfico (poexemplo, a alegao de que uma objeparticular a um argumento particular dque Deus existe equivocada). A segunda questo a perguntar quais razes ouargumentos esto sendo oferecidos emsuporte da opinio que est sendo defendida. Tente esquematizar as respostas a essas duas questes enquanto vocl na sua cabea ou, o que melhorno papel (talvez na margem do livro)

    Voc, ento, estar numa boa posipara fazer as prximas duas questes: quofortesso as razes oferecidas e hobjees a elas? virtualmente impossvel fazer isso enquanto se est relaxandnuma disposio passiva da mente. Lefilosofia de modo bem-sucedido requeuma disposio mental ativa, crticaimaginativa um dos hbitos mentaidistintamente filosficos que voc precsa cultivar no intuito de aprender a pensar filosoficamente.

    H uma fonte principal de confus

    qual se deve prestar ateno. Como filosofia essencialmente reflexiva e crtica, um filsofo discutir outras posiee argumentos alm do que foi defendidnum artigo particular. Isso pode incluiqualquer um dos seguintes pontos:

    1. posies opostas quela defendida;2.posies semelhantes, mas ainda sig

    nificativamente diferentes em algumaspecto, daquela defendida (em que diferena ajuda a clarificar a opiniprincipal);

    3. argumentos em favor de posieopostas quela defendida, que sercriticadas;

    4. objees prpria posio do filsofos quais se responder;

    5. s vezes, at mesmo argumentos favor da opinio defendida que o flsofo noaceita e quer distinguir daqueles que de fato aceita.

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    obviamente importante distinguirtodas essas das prprias opinies e argu-mentos do filsofo, o que relativamen-te fcil de fazer se voc est alerta. (Porexemplo, argumentos e posies diferen-tes da sua prpria sero frequentementeintroduzidos por frases de no compro-metimento como poderia ser alegadoque... ou alguns escritores argumentamque... ou talvez por uma referncia auma pessoa particular que mantm a opi-nio ou o argumento em questo.)

    Via de regra, uma boa ideia pri-meiro olhar de modo bem rpido, atravsde uma leitura, para ganhar uma ideiada configurao geral do terreno e,ento, l-lo outra vez, mais cuidadosa ecriticamente. Do contrrio, muito fcilperder de vista o seu ponto principal namedida em que se trabalha nos argumen-tos detalhados. Lembre-se tambm deque uma releitura considervel ser cer-

    tamente necessria, especialmente, masno apenas ao ler-se uma seleo poste-rior que discorda de uma anterior. Quaseningum (incluindo filsofos profissio-nais) capaz de apreender adequada-mente um argumento complicado numasimples leitura. E o mais importante itemde aconselhamento: no desista! Quantomais voc trabalha nessas habilidades enesses hbitos, melhor voc se tornarneles e mais voc chegar a ver o prop-sito da filosofia. Dessa maneira, a tenaci-dade intelectual um dos mais essenciais

    hbitos filosficos da mente.

    DUAS PASSAGENS DE AMOSTRA

    s vezes, uma caracterizao geralde como fazer alguma coisa, tal como lerfilosofia, vai s at esse ponto, e o queum estudante realmente necessita deum exemplo concreto: um exemplo tex-tual de filosofia com alguma discussosobre como implementar algo daquelesconselhos gerais. Aqui, ento, esto duaspassagens de amostra, tomadas a partirde selees que aparecem mais adianteneste livro: uma de J.L. Mackie, sobre oproblema que o mal pe para a crenana existncia de Deus; e a outra de JohnLocke, sobre o problema de justificar anossa confiana de que os nossos senti-dos proporcionam informao confivelsobre o mundo.

    Exemplo 1: umapassagem contempornea

    Antes de analisarmos a primeirapassagem (apresentada a seguir), pre-cisamos dizer algo sobre o seu contex-to argumentativo. A prpria opinio deMackie que o problema do mal mostraque Deus, concebido como onipotente etotalmente bom, no existe. Contudo, elereconhece que algumas pessoas pensamque a resposta da vontade livre*ao pro-blema do mal desabona a sua opinio. Deacordo com a resposta da vontade livreao problema do mal, Deus deu ao ho-mem vontade livre, apesar do fato de quetal dom resultaria na ocorrncia do mal,porque, de acordo com a interpretaode Mackie dessa resposta: seria melhorcomo um todo que os homens devessemagir livremente, e s vezes errar, do queser autmatos inocentes, agindo correta-

    mente de um modo totalmente determi-nado (p. 689 deste livro).

    Assim, na passagem que analisare-mos, Mackie est objetando (dando ra-zes para rejeitar) a resposta da vonta-de livre ao problema do mal. Aqui est apassagem:

    (...) se Deus fez os homens de tal modoque, nas suas escolhas livres, eles s ve-zes preferem o que bom e, s vezes, oque mau, por que no poderia ter fei-to os homens de tal modo que sempreescolhessem livremente o bem? Se noh nenhuma impossibilidade lgica emum homem escolher livremente o bemem uma ou em diversas ocasies, nopode haver uma impossibilidade lgi-ca em escolher livremente o bem emtoda ocasio. Deus, portanto, no esta-va diante de uma escolha entre fazerautmatos inocentes e fazer seres que,ao agir livremente, s vezes agiriam demodo errado: estava aberta para ele a

    * N. de T. Embora a expressofree willsignifique,literalmente, vontade livre, ela traz consigo, na

    lngua inglesa, o sentido de livre-arbtrio; fos-sem esses conceitos postos em um contexto pre-ciso de discusso filosfica, a expresso inglesapara livre-arbtrio teria de ser, porm,free de-cision. Em contextos de uso menos determinado,como no caso de J.L. Mackie, que no faz umateoria sobre a vontade ou a liberdade, a ideiaque se quer transmitir com a primeira expresso, de modo simples, liberdade de deciso oucapacidade de livre deciso.

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    possibilidade obviamente melhor de fa-zer seres que agiriam livremente, massempre fariam a coisa certa. Obvia-mente, a sua falha em valer-se ele mes-mo dessa possibilidade inconsistentecom o seu ser tanto onipotente quantototalmente bom (p. 689).

    Mackie comea a passagem com

    uma questo, que frequentemente umaescolha retrica efetiva para fazer comque o leitor pense na direo correta. Per-ceba, contudo, que ele a segue com umaalegao, uma alegao que essencial sua objeo resposta da vontade livre:

    Se no h nenhuma impossibilidadelgica em um homem escolher livre-mente o bem em uma ou em diversasocasies, no pode haver uma impossi-bilidade lgica em escolher livrementeo bem em toda ocasio.

    Imediatamente depois dessa alega-o, Mackie tira a concluso de que Deuspoderia ter feito pessoas livres que (comoum resultado do modo como ele as fez)sempre escolhem livremente fazer o bem,mas formula isso de uma maneira maiscomplicada e menos perspcua:

    Deus no estava, ento, confrontadocom uma escolha entre fazer autma-tos inocentes e fazer seres que, ao agirlivremente, s vezes agiriam de modoerrado: estava aberta para ele a possi-

    bilidade obviamente melhor de fazerseres que agiriam livremente, mas sem-pre fariam a coisa certa.

    A ltima parte dessa sentena com-plicada na realidade formula a conclusorecm-afirmada, enquanto o restante tor-na claro como ela contrasta com a opi-nio a que ele est opondo-se.

    Quais outras premissas so reque-ridas para tornar esse argumento plena-mente explcito? bvio que, Mackie estadmitindo, sem explicitamente diz-lo,que logicamente possvel para algumescolher livremente o bem ao menos al-gumas vezes. difcil ver como o defen-sor da soluo da vontade livre poderianegar isso. Assim, temos agora duas pre-missas, uma explcita e uma implcita:

    1. Se no h nenhuma impossibilidadelgica em um homem escolher livre-mente o bem em uma ou em diversas

    ocasies, no pode haver uma impossibilidade lgica no seu escolher livremente o bem em toda ocasio.

    2. No h nenhuma impossibilidadlgica em um homem escolher livremente o bem em uma ou em diversaocasies.

    A partir dessas duas premissas, segue-se que no pode haver uma impossibilidade lgica em seu escolher livremente bem em toda ocasio e segue-se imediatamente dessa concluso intermediria qu de fato logicamente possvel que ele escolha livremente o bem em toda ocasio.

    Agora, qual suposio adicional estsendo feita antes que se siga que Deupoderia ter feito homens livres que sempre escolhem fazer o bem? H ainda maiuma premissa implcita, uma premisscom a qual Mackie est bastante certo dque os defensores da soluo da vontad

    livre concordariam.

    3. Deus pode tornar atual tudo o que logicamente possvel.

    Assim, simplesmente com uma pequena reflexo sobre lgica e o que elentende satisfazer o argumento, podemover o que Mackie estava pensando quando fez o movimento da afirmao condicional: se uma pessoa pode livrementescolher fazer o bem algumasvezes, ento essa pessoa pode escolher livrement

    fazer o bem todasas vezes para a concluso: Deus poderia ter feito as pessoatal que (como um resultado do modo emque as fez) elas escolheriam livrementfazer o bem todas as vezes. Aqui est argumento todo:

    1. Se no h nenhuma impossibilidadlgica em uma pessoa escolher livremente o bem numa ou em diversaocasies, no pode haver uma impossibilidade lgica no seu escolher livremente o bem em toda ocasio.

    2.

    No h nenhuma impossibilidadlgica em uma pessoa escolher livremente o bem numa ou em diversaocasies.

    Assim, no pode haver uma impossbilidade lgica no seu escolher livremente o bem em toda ocasio.

    Assim, logicamente possvel que elescolha livremente o bem em todocasio.

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    3. Deus pode tornar atual tudo o que logicamente possvel.

    Assim, Deus poderia ter feito pes-soas que (como um resultado do modoem que as fez) livremente escolhem obem em toda ocasio.

    Observe que voc ainda no obtma concluso de que Deus poderia ter fei-to pessoas que no fizeram nenhum mal,sem adicionar a premissa implcita adi-cional de que as pessoas que escolhemlivremente o bem em toda ocasio nofazem nenhum mal. (Mas o quo explci-tos realmente temos de ser? essa umaquesto para voc decidir ao pensar so-bre o argumento.)

    A sentena final de Mackie, na pas-sagem, diz mais do que o que ele precisadizer para objetar soluo da vontade li-vre voc v isso? Ele est ali reiterando asua opinio principal de que nenhum Deus

    que totalmente bom e todo-poderosopoderia permitir essa possibilidade parti-cular: homens livres que cometem o mal,quando os homens poderiam ser feitosexatamente to livres, mesmo sendo feitosassim, a ponto de no cometer o mal.

    Agora, lembre-se de que a sua tarefa ler Mackie criticamente. Para fazer isso,voc deve primeiramente ver com clarezao que ele est dizendo e por que ele pensaque verdadeiro, que a razo pela qualafirmarmos claramente a sua concluso eas suas premissas. Expusemos claramente

    o seu argumento e agora devemos tentaravali-lo: determinar o quo fortes so assuas razes. Lembre-se de que a primeiracoisa a fazer avaliar a forma do argu-mento: ele forte ou talvez at mesmovlido? Ele tal que, se todas as premissasso verdadeiras, ento a concluso pro-vavelmente verdadeira (ou mesmo estgarantida como sendo verdadeira)? A for-ma do raciocnio parece muito forte, noparece? (De fato, ele vlido.)

    Agora, procure ver quais, se alguma,das premissas so as mais questionveis.Embora haja alguns filsofos que aceita-riam todas as premissas de Mackie e, porconseguinte, aceitariam o seu argumento ea sua concluso, h uma premissa que mui-tos outros filsofos, incluindo muitos ou amaioria daqueles que so simpticos con-cepo que ele est criticando, rejeitariam.Voc consegue ver que premissa essa?Qual premissa seria a mais fcil de ser obje-tada? (Essa no uma questo fcil.)

    A premissa desse argumento que amais provavelmente desafivel , de fato,a premissa 3. Embora soe inicialmentemuito razovel supor que um Deus oni-potente pode criar qualquer coisa que logicamente possvel, h um modo sutilno qual isso pode estar errado. Emboraseja certamente possvel que uma pes-soa livre poderia sempre fazer a escolhamoralmente melhor (escolher o bem),pode Deus fazer com que uma pessoasempre escolha dessa maneira, sem fazercom que a pessoa no mais seja livre?A ideia subjacente, aqui, explorada emextenso muito maior no captulo so-bre a vontade livre, que, quando umapessoa escolhe livremente alguma coisa,nesse caso sempre verdadeiro que elapoderia ter escolhido outra coisa em vezdisso. Mas isso verdadeiro a respeitode algum que faz a melhor escolha emtermos morais, porque Deus o criou de

    modo a ocasionar que ele faa exatamen-te aquela escolha?

    Algum poderia ficar preocupadocom o fato de que, gastando todo essetempo sobre cada pargrafo isolado dasua leitura de filosofia, ela duraria parasempre, e a resposta a essa preocupa-o que voc obviamente no faz issoem todo pargrafo. Escolhemos passa-gens claramente argumentativas, espe-cialmente importantes, para usar comoexemplos. Agora, porm, voc deve sercapaz de ver por que raramente lhe pro-

    posto ler tantas pginas nos seus cursosde filosofia em relao maioria dos seusoutros cursos. Ler filosofia toma bastantetempo, reflexo, cuidado e imaginao.Note que poderamos ter continuadopor muito mais tempo, dado que apenascomeamos a fase de avaliao. O quolonge voc vai com a fase de avaliaodepende dos seus propsitos e do seunvel de experincia. o suficiente parasimplesmente entender a passagem ofe-recer respostas bastante curtas para asquestes que formamos antes, mas, casovoc devesse escrever um trabalho ava-liando o raciocnio de Mackie, voc teriade fazer mais.

    Exemplo 2: uma passagem histrica

    A outra passagem que considera-remos foi escrita numa poca muito di-ferente, mas ainda caracteristicamen-

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    te filosfica no sentido de que h umaalegao filosfica sendo feita e razessendo oferecidas para a verdade daquelaalegao. NoEnsaio sobre o entendimen-to humano, John Locke est defendendoa opinio bastante natural de que temosconhecimento do mundo (material) exte-rior e de que a nossa experincia sens-ria nos prov com justificao suficientepara fundamentar aquele conhecimento.Nos captulos anteriores do livro, Lockeenfoca a fonte e a natureza das nossasideias, porque cr que o ponto de partidarazovel para responder ao ctico mos-trar como podemos confiar que os nossossentidos nos do as ideias corretas (isto ,ideias em grande parte verdadeiras).

    No Livro IV, Captulo XI, ele ofere-ce quatro razes para a concluso de queos nossos sentidos no erram na infor-mao que eles no do da existncia dascoisas fora de ns. Abordaremos aqui a

    quarta dessas razes.

    Os nossos sentidos, em muitos casos,do testemunho da verdade do relatode cada um acerca da existncia de coi-sas sensveis fora de ns. Aquele que vum fogo, se duvidar que seja algumacoisa mais do que mera fantasia, podetambm senti-lo e ser convencido a pra sua mo nele. E essa certamente ja-mais poderia ser posta em tal dor in-tensa por uma mera ideia ou imagem,a menos que a dor seja uma fantasiatambm: a qual, todavia, quando a

    queimadura est curada, ele no podetrazer a si novamente, suscitando aideia dela. (p. 72)

    Primeiramente, o que significa aconcluso de Locke? Ele est falando so-bre a percepo sensria ordinria. Coma existncia de coisas fora de ns, elequer referir-se existncia de objetosmateriais ordinrios rvores, prdios,montanhas, rios, e assim por diante fora de ns, ou seja, fora tanto dos nossoscorpos quanto das nossas mentes. Coma informao que eles [os sentidos] nosdo, ele simplesmente quer referir-se screnas sobre tais objetos que natural-mente formamos como um resultado dapercepo sensria e que parecem refletiro contedo da experincia perceptual. E,ao dizer que os nossos sentidos no er-ram nessa informao, ele est dizendoque as crenas em questo so, ao menosna sua maior parte, verdadeiras.

    Assim, qual vem a ser a sua razpara essa concluso? Ele diz: Os nossosentidos, em muitos casos, do testemunho da verdade do relato de cada umacerca da existncia de coisas sensveifora de ns. Coisas sensveis so simplesmente coisas que podemos (aparentemente) sentir objetos materiais commesas e cadeiras. Mas o que ele quer dzer com do testemunho?

    Atente para o exemplo que ele oferece. (Exemplos so, com frequncia, crucialmente importantes no entendimentde alegaes filosficas abstratas.) Comdiria Locke, o seu sentido de viso relata voc que h um fogo e, ento, o seusentido de tato tambm relata a mesmcoisa, porque ele tambm lhe dir que hum fogo se voc puser a sua mo no(ou perto do) local onde o fogo parece estar. Se a sua percepo visual de um fogera uma mera ideia ou imagem (isto

    era algo como uma mera iluso mentano causada por, nem correspondendo a alguma coisa existente fora dvoc alguma coisa real), quando voctentasse sentir o que voc estava vendo, ento voc no atingiria a sensacorreta (isto , voc no experimentaridor ou calor) a menos, naturalmenteque a sensao de dor ou de calor fosse uma iluso (uma fantasia) tambm(Mas o quo provvel que duas ilusese ajustassem daquela maneira? isso parte do propsito de Locke.) Note ain

    da que, quando a queimadura cura, nse pode, atravs da imaginao somentefazer com que se experimente a mesmdor que se tem quando realmente se pa mo no fogo isso mostra, como pensLocke, que a dor experimentada no casatual mais do que simplesmente ummera ideia.

    Assim, o exemplo sugere que, paros diferentes sentidos dar testemunhda verdade do relato de cada um, significa, para um sentido, dizer-nos o quo outro sentido tambm nos diz. Obviamente, Locke pensa que isso d suport concluso de que os nossos sentidono erram. Contudo, precisamos dizemais sobre como essa concluso supostamente se segue. Como podemos raciocinar, a partir da premissa de que onossos sentidos concordam uns com ooutros dessa maneira, para a conclusde que o que eles nos dizem verdadeir(ou, pelo menos, muito provavelment

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    verdadeiro)? Algo parece correto sobreesse pensamento, mas como funciona oraciocnio?

    Locke parece estar pensando que,se o que os nossos sentidos nos informamno fosse verdadeiro, seria ento pelomenos muito improvvel que os nossossentidos concordariam uns com os outrosdessa maneira. Mas por que pensar queisso verdadeiro? Um modo de dar senti-do a esse argumento v-lo como um ar-gumento explanatrio ou uma inferncia melhor explanao. O que explanaria ofato de que os nossos sentidos concordamuns com os outros? 6

    Uma explanao possvel, aquelaque Locke parece ter em mente, esta:as nossas experincias perceptuais sosistematicamente causadas pelos objetosexternos, de um modo que faz com quea experincia perceptual reflita acurada-mente as propriedades daqueles objetos

    externos. Esta uma explanao do fatoem questo: se fosse assim, ento os di-ferentes sentidos, sendo afetados pelosmesmos objetos externos (quaisquer queestejam presentes onde os nossos corposesto localizados), deveriam concordaruns com os outros tal como concordam.Mas essa a melhor explanao? Ouexistem outras explanaes que so pelomenos igualmente boas igualmenteboas do ponto de vista a partir do qualLocke est formulando esse argumento,um argumento em que a preciso das

    nossas percepes e a prpria existnciado mundo material do senso comum es-to em questo?

    De fato, existe um nmero de ou-tras explanaes possveis, embora umaavaliao completa delas no seja pos-svel nessa discusso (ver o Captulo 2para mais detalhes sobre essa questo).Talvez estejamos sonhando. (Concor-dam as aparentes percepes umas comas outras nos sonhos?) Talvez um entepoderoso de alguma espcie esteja siste-maticamente causando percepes queno correspondem a qualquer realidadematerial, mas que ainda concordam. Tal-vez, ao invs disso, a sua mente subcons-ciente esteja fazendo isso. Ou o que dizersobre a possibilidade de que as percep-es em questo sejam sistematicamentecausadas pela realidade exterior (que omotivo pelo qual elas tm concordncia),mas de um modo que distorce aquela rea-lidade muito gravemente (que o motivo

    pelo qual as crenas resultantes no sode fato verdadeiras)? Qual explanao a melhor: a de Locke ou uma dessas ou-tras? E por qu?

    Uma outra coisa digna de nota que no estruturamos esse argumento empassos numerados, tal como fizemos como argumento de Mackie na passagem an-terior. Isso poderia ter sido feito, mas, anosso juzo, no teria sido particularmen-te de auxlio nesse caso. A estrutura des-se argumento muito simples: um fatoalegado acompanhado pela reivindicaode que uma certa concluso a melhorexplanao daquele fato. O que com-plicado so as razes para pensar que ofato alegado um fato e as razes parapensar que a melhor explanao alegadarealmente tm esse estatuto, e nenhumadessas coisas se presta muito bem ao tipode formulao em passos numerados quefuncionou to bem com o argumento de

    Mackie. A moral aqui que formular umargumento numa srie de passos oude qualquer outra maneira uma fer-ramentapara a clarificao e deveria serusada onde ela de auxlio, e no de ou-tra maneira.

    Um desafio para avaliar um racio-cnio de um filsofo, que surge com essapassagem de Locke e tambm em muitosoutros casos, que os filsofos, com fre-quncia, esto defendendo opinies quej acreditamos ser verdadeiras. Porm,tenha cuidado! A sua tarefa como filsofo

    avaliar criticamente a cogncia das ra-zes oferecidas para uma alegao, inde-pendentemente se voc cr na alegaoou no. Assim, para avaliar essa passa-gem, voc precisa escrutinar a razo queLocke oferece realmente, perguntandoa si mesmo se suficiente mostrar quea concluso verdadeira. Responder aessa questo difcil, porque avaliar ar-gumentos explanatrios requer decidirqual de muitas explanaes possveis a melhor uma questo para a qual ospadres relevantes no so inteiramenteclaros. No entanto, voc pode comear afazer tudo isso lendo e tentando entendera concepo de Locke, mesmo que noconsegue chegar at o final de tal linhade raciocnio. Quanto mais intensamen-te voc se fora a entender exatamenteo que ele est dizendo e a avaliar o quocogentes so as suas razes, mais habili-doso voc se tornar em ler filosofia e empensar filosoficamente.

    6

    Pense por si mesmo sobreessa questo por um minu-

    to ou dois.

    PARE

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    1. Por que precisamos de uma concepoparticular de losoa para os propsitosdeste curso? O que aconteceria se algumdissesse No precisamos de uma concep-o particular de losoa. Podemos traba-lhar juntos, fazendo losoa, mesmo se

    cada um de ns tiver diferentes concep-es de losoa? Isso soa razovel? Porque sim ou por que no?

    2. A rea da losoa chamada de metafsi-caestuda a natureza da realidade. O quevoc pensa sobre a realidade? Est claroquais coisas so reais e quais coisas noso reais? Liste algumas coisas que soreais. Em seguida, liste algumas outrascoisas que no so reais. A cincia estudaa natureza da realidade? Qual voc pensaque a diferena entre cincia e losoa?

    3. Alegamos que o nvel de claricao deque uma reivindicao necessita varia,

    dependendo do contexto. Considere, porexemplo, a reivindicao de que existemrvores no ptio. Agora, imagine o seguin-te contexto, no qual a reivindicao noprecisa de nenhuma claricao: suponhaque uma rma paisagstica foi contratadapara fertilizar todas as rvores no campus,e os funcionrios querem saber se preci-sam ir ao ptio. Voc lhes diz que existemrvores no ptio, e a sua alegao su-cientemente clara e precisa para os pro-psitos em questo. Suponha, porm, quehaja um outro contexto: uma rma paisa-gstica foi contratada para fertilizar todasas cerejeiras no campus, e os funcionriosquerem saber se precisam ir at o ptio.Agora, a alegao de que existem rvoresno ptio precisa ser claricada nesse casoque foi tornado muito mais preciso: elesprecisam ser informados se existem cere-

    jeirasno ptio. Agora, pense no exemplo

    de uma alegao e em dois contextos: umno qual a alegao precisa de claricae um no qual a mesmssima alegao nprecisa de nenhuma claricao.

    4. Alegamos que razes para crer numa revindicao deveriam ser razes para pen

    sar que a reivindicao verdadeira. Isssoa correto? Que outros tipos de razealgum poderia pensar que so boas parcrer numa reivindicao? Suponha que sua melhor amiga diz que acredita quganhou uma loteria de US$ 10 milheVoc deveria acreditar nela? Suponha quela no oferece nenhuma razo real parpensar que a sua reivindicao verdadeira, mas quer que voc acredite nela dqualquer maneira (talvez ela queira feste

    jar). essa uma boa razo para crer numreivindicao: porque algum quer quvoc acredite nela? O que dizer sobre a ale

    gao de que Deus existe? Sob que basalgum deveria acreditar nessa alegaoVoc deveria ter alguma razo para pensar que tal alegao verdadeira? Suponha que deixe voc feliz pensar que Deuexiste. essa uma boa razo para acreditana alegao? Pense em alguns exemplode alegaes nas quais voc considerque algum no deveria crer, a menoque haja uma boa razo para pensar quso verdadeiras, e em alguns exemplos dalegaes que voc considera que talvepossam ser acreditadas sob outros motvos. Voc obviamente ter de explicar contexto dos ltimos exemplos.

    5. Tente explicar para um amigo o argumento a favor da concluso de que estudar losoa tem valor. Que tipos dclaricaes voc teve de fazer? O seamigo fez objees? O seu amigo coconvencido?

    Questes para Discusso

    Plato

    Plato (427-347 a.C.) foi um dos dois maiores lsofos gregos da Antiguidade (sendoo outro Aristteles) e universalmente reconhecido como um dos mais importantes l-sofos em toda a histria da losoa. (O lgico e metafsico britnico do sculo XX, AlfredNorth Whitehead, observou certa vez que a histria da losoa ocidental consiste numasrie de notas de rodap a Plato um exagero, mas um exagero perdovel.) Os escritosde Plato consistem em dilogos nos quais a gura principal o seu mestre Scrates(469-399 a.C.). Normalmente se pensa que os dilogos iniciais, dos quais a presente sele-o um, reportam de modo mais preciso as opinies reais do Scrates histrico, sendoque os tardios desenvolvem as prprias opinies de Plato opinies que ele talvez

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    tenha visto como se desenvolvendo a partir das do seu mestre. Esse dilogo se passanos degraus da corte de Atenas, onde Scrates detm-se no intuito de falar com Eutfronsobre o assunto que cada um tem com a corte. O fundo do dilogo real: Scrates foiacusado de corromper a juventude de Atenas. (A seleo a seguir um relato do prprio

    julgamento.)Neste dilogo, vemos um exemplo de claricao conceitual: Scrates questiona

    Eutfron numa tentativa de claricar a ideia de piedade. Enquanto h conotaes reli-giosas na ideia de piedade, h tambm um signicado mais amplo, mais apropriado aos

    argumentos neste dilogo: a piedade equivale aproximadamente retido ou corre-o moral. Porm, nesse caso, a prpria ideia de uma ao moralmente correta precisade claricao, e sobre isso que o dilogo realmente trata. Eutfron est conante deque entende o que para uma ao ser piedosa nesse sentido e tenta explan-lo paraScrates.

    2 Extrado de Cinco dilogos (Five Dialogues, tra-duzido por G.M.A. Grube. Indianapolis: HacketPublishing Company, 1981).

    Nada sabemos sobre Eutfron, exceto o quepodemos obter a partir deste dilogo. Ele obvia-mente um sacerdote profissional, que considera asi mesmo um especialista sobre rituais.

    Eutfron2

    Eutfron: Que novidade h, Scrates,para te fazer deixar as costumei-ras disputas no Liceu e passar o teu

    tempo aqui no prtico do rei-arcon-te? Certamente no ests, como eu,colocando algum em juzo junto aorei-arconte?

    Scrates: Os atenienses no chamamisso de juzo, Eutfron, mas de umaacusao.

    E: O que isso que dizes? Algum deveter te acusado, pois no me dirs queacusaste alguma outra pessoa.

    S: No, de fato.E: Ento alguma outra pessoa te acu-

    sou?S: Exatamente.E: Quem ela?S: Eu mesmo no a conheo, Eutfron.

    Aparentemente um homem joveme desconhecido. Eles o chamam deMeleto, creio. Ele pertence ao demode Ptia, caso tu conheas algum da-quele demo chamado Meleto, com ca-belos longos, pouca barba e um narizbastante aquilino.

    E: Eu no o conheo, Scrates. Que acu-sao ele traz contra ti?

    S: Que acusao? Uma acusao nodesprezvel, creio, pois no coisa

    pequena para um jovem ter conheci-

    mento de to importante assunto. Elediz que sabe como os nossos jovensso corrompidos e quem os corrompe.

    Ele provavelmente sbio e, quandov a minha ignorncia corrompen-do os seus contemporneos, procedeacusando-me tanto diante da cidadequanto diante de sua me. Creio que o nico dos nossos homens pblicosa comear do modo correto, pois correto cuidar primeiramente que osjovens sejam to bons quanto poss-vel, assim como provvel que umbom lavrador tome cuidado primei-ramente das plantas jovens e depoisdas outras. Assim, tambm, Meletoprimeiramente se livra de ns quecorrompemos rebentos, como ele diz,e depois, ento, obviamente tomarcuidado dos mais velhos e tornar-se-- uma fonte de grandes bnos paraa cidade, como parece provvel queacontea com algum que iniciou des-sa maneira.

    E: Eu desejaria que isso fosse verdadei-ro, Scrates, mas temo que o opostoacontea. A mim parece que ele co-mea prejudicando o prprio coraoda cidade ao tentar fazer algo erradocontra ti. Dize-me o que ele afirma que

    tu fizeste para corromper os jovens?S: coisa estranha ouvi-lo dizer, pois

    afirma que eu sou um artfice de deu-ses, e segundo o motivo de que crionovos deuses, no crendo nos deusesantigos, ele me indiciou por causa de-les, tal como ele o afirma.

    E: Eu entendo, Scrates. Isso porqueafirmas que o sinal divino permanece

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    vindo a ti. 1 Assim, ele escreveu essaacusao contra ti como algum quefaz inovaes em questes religiosase vem ao tribunal para difamar-te, sa-bendo que tais coisas so facilmentemal-interpretadas pela multido. Omesmo se d no meu caso. Sempreque falo de questes religiosas na as-sembleia e predigo o futuro, eles riemde mim como se eu fosse doido; con-tudo, eu no predisse nada que notenha acontecido. No entanto, elestm inveja de todos ns que fazemosisso. No preciso preocupar-se comeles, mas encar-los de frente.

    S: Meu querido Eutfron, ser alvo de risostalvez no importe, pois os ateniensesno se importam com ningum queconsideram esperto, contanto que noensine a sua prpria sabedoria, mas sepensam que ele faz com que os outrossejam como ele mesmo, nesse caso fi-

    cam bravos, seja por inveja, como di-zes, seja por alguma outra razo.

    E: Eu certamente no tenho nenhum de-sejo de testar os sentimentos deles emrelao a mim nesse assunto.

    S: Talvez pareas fazer de ti mesmo sraramente disponvel e no estejasdisposto a ensinar a tua prpria sabe-doria, mas temo que o meu sentimen-to pelas pessoas faa com que pensemque despejo sobre qualquer um tudoo que tenho a dizer, no somente semcobrar taxa, mas mesmo feliz de re-

    compensar qualquer um que quiserouvir. Se, ento, eles pretendem rir demim, assim como dizes que eles riemde ti, no haveria nada desagradvelem que passem o seu tempo na corte,rindo e motejando, mas, se forem s-rios, no fica claro qual o resultado,exceto para vocs, profetas.

    E: Talvez no d em nada, Scrates, evenhas a lutar pelo teu caso comopensas ser melhor, assim como pensoque lutarei pelo meu caso.

    S: Qual o teu caso, Eutfron? s o acu-

    sado ou o acusador?E: O acusador.S: A quem acusas?E: A algum que sou considerado louco

    em acusar.S: Ests acusando algum que com faci-

    lidade escapar de ti?E: Longe disso, pois ele bastante idoso.S: Quem ele?E: O meu pai.

    S: Meu caro senhor! O teu prprio pai?E: Certamente.S: Qual a acusao? Sobre o que

    caso?E:Homicdio, Scrates.S: Pelos cus! Por certo, Eutfron, a maio

    ria dos homens no saberia como poderiam fazer isso e estar certos. No o quinho de qualquer um fazer issomas de algum que est muito adiantado em sabedoria. 2

    E: Sim, por Zeus, Scrates, assim mesmo.

    S: ento o homem que o teu pai matoum dos teus parentes? Isso talvez sejbvio, pois no acusarias o teu papelo homicdio de um estranho.

    E: Acho ridculo, Scrates, que penses qufaz qualquer diferena se a vtima umestranho ou um parente. Dever-se-isomente observar se o assassino agiu dmodo justo ou no; se agiu justamente

    deixe-se que v, mas, se no agiu assim, dever-se-ia acus-lo, mesmo se assassino partilha do teu lar e da tumesa. A infmia a mesma, caso, sabe