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Campus de Toledo _____________________________________________________ NATÁLIA RAQUEL NIEDERMAYER A LUTA PELOS DIREITOS INDÍGENAS: REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL E O MOVIMENTO REGIONALIZADO DO POVO GUARANI _____________________________________________________ TOLEDO - PR 2016

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Campus de Toledo

_____________________________________________________ NATÁLIA RAQUEL NIEDERMAYER

A LUTA PELOS DIREITOS INDÍGENAS: REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA

INDIGENISTA NO BRASIL E O MOVIMENTO REGIONALIZADO DO POVO

GUARANI

_____________________________________________________

TOLEDO - PR

2016

2

NATÁLIA RAQUEL NIEDERMAYER

A LUTA PELOS DIREITOS INDÍGENAS: REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA

INDIGENISTA NO BRASIL E O MOVIMENTO REGIONALIZADO DO POVO

GUARANI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Marli Renate von

Borstel Roesler.

TOLEDO-PR

2016

3

NATÁLIA RAQUEL NIEDERMAYER

A LUTA PELOS DIREITOS INDÍGENAS: REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA

INDIGENISTA NO BRASIL E O MOVIMENTO REGIONALIZADO DO POVO

GUARANI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Marli Renate von

Borstel Roesler.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profa. Dra. Marli Renate von Borstel Roesler

(Orientadora)

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

__________________________________________

Profa. Ms. India Nara Smaha

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

__________________________________________

Profa. Ms. Jacqueline Parmigiani

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 25 de fevereiro de 2016.

4

Em memória de todos indígenas

que já morreram vítimas das injustiças.

E em respeito aos povos indígenas que

lutam pela garantia dos seus direitos.

5

AGRADECIMENTOS

Viver novas experiências é sempre um privilégio e agradecer é sempre um gesto

de gentileza e sinceridade por quem ao nosso lado caminhou. Assim, agradeço

primeiramente a Deus, por ter sido a primeira representação do amor, abstrato e tão real.

Agradeço em especial pelo seu doce olhar mirando os meus todas as vezes que admiro,

em suspiros, as cores e os brilhos desse mundo, como o amor em aquarela, e que me faz

dizer sempre a mesma palavra “caramba!!!” Aqui o amor é simples e me faz feliz.

Agradeço à minha família por todas as vivências que me fizeram crescer e pelas

vezes em que o amor não foi medido, mas foi sincero e paciente.

À professora Marli, imensamente, porque todos os teus ensinamentos me

fizeram ser uma pessoa mais atenta com a realidade, olhar com mais indignação às

injustiças e ter mais coragem para lutar pela garantia dos direitos. Com toda certeza,

estar ao seu lado e aprender foi fantástico.

Às professoras do curso de Serviço Social, tão importantes na minha formação

profissional, guardo cada uma de vocês com muito carinho, de modo especial, às

professoras India Nara e Jacqueline Parmigiani, por terem aceitado meu convite para

participar da minha banca e compartilhar desse momento tão importante na minha vida.

Paulina, Ilson e toda comunidade da aldeia Tekohá Yhovy, agradeço vocês pelos

infinitos ensinamentos, coragem, sinceridade, alegria, pela oportunidade de poder

conhecer a realidade em que vivem, lutar e gritar pelos direitos dos povos indígenas

com vocês. Assumo esse compromisso para sempre e sem medo lutarei por esses

direitos.

Ao Hepteto fantástico, galerinha massa e colorida que durante esses quatro anos

de vivência acadêmica, e também, fora da academia, me fizeram ser muito feliz e me

encheram de coragem a cada dia. Vocês despertaram em mim a crença de que a vida é

sim generosa e gostosa de ser vivida. Giane, Sérgio, Fernanda, Lilian, Sandy e Isabel,

amo vocês e quero sempre celebrar a vida junto de vocês. Agradeço também toda turma

que me acolheu todos os dias da minha formação profissional, é muito bom estar com

vocês.

Àqueles amores e amizades que de tão perfeitos fazem muitas pessoas

duvidarem de suas existências (hehe). Manu, Bella, Ju, Fran, Giovani, Ana, Mi, Marcos,

Carla, Rê amo muito vocês.

Michelle, Fran e Rafa do Mundo das Cópias, obrigada pelo trabalho, dedicação e

amizade durante esses anos.

Às (os) companheiras (os) da Executiva Nacional dos (as) Estudantes de Serviço

Social (Jeni, Bruna, Vanessa, Cássio, Cézar, Jackson, Sidney) que juntas (os) na

Coordenação Regional RVI (Por todas as vozes) engrandeceram minha formação

6

acadêmica e me ensinaram o valor da solidariedade dentro no Movimento Estudantil de

Serviço Social. Estar e militar junto com vocês, foi um privilégio, uma honra.

Às companheiras e companheiros do Movimento Estudantil de Serviço Social da

UNIOESTE, obrigada pela dedicação, construção coletiva, interesse e amor pela luta

contra todas as formas de opressão existentes nessa sociedade. Orgulho-me de caminhar

ao lado de vocês nessa estrada que ainda está longe de terminar.

“Da luta não me retiro, me atiro do alto e que me atirem no peito, da luta não me

retiro” (O Teatro Mágico)

À minha supervisora no campo de estágio, Inês Terezinha Pastório, você me

ensinou muito durante esse tempo de formação, obrigada por todos os ensinamentos,

pela paciência e pela prontidão diária.

E como diz Fernando Anitelli do grupo O Teatro Mágico:

“Se lembrar de celebrar muito mais”

Obrigada a todas e todos.

7

“CHE” GUEVARA NÃO MORREU

Che Guevara não morreu

Não, não morreu, aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Che eu creio no teu canto

Como um manto em minha dor

E que todo desencanto

Seja ressuscitador

Vejo um mundo dividido

Contemplando o reviver

Da esperança que morria

No silêncio do teu ser

Che Guevara não morreu

Che eu creio seja eterna

Esta rosa agreste e branca

Brotada no teu sorriso

Que nem mesmo a morte arranca

E que segue tua estrada

Outro irmão com tua mão

Com teu fuzil retomado

Com teu risco e decisão

Che Guevara não morreu

Che eu creio na tua volta

Sem dar muita explicação

Como a folha vai no vento

Como chove no sertão

Ouço a América cantando

Novamente o canto teu

Espalhando pelos campos

A morte que não se deu

(Sérgio Ricardo)

8

NIEDERMAYER, Natália Raquel. A luta pelos direitos indígenas: reflexões sobre a

política indigenista no Brasil e o movimento regionalizado de luta do Povo

Guarani. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de

Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná- Campus

Toledo-PR, 2016.

RESUMO

Esta pesquisa parte de indagações advindas da temática dos direitos dos povos

indígenas e, busca, a partir de conhecimentos sistematizados, embasamentos da teoria

social crítica de Marx, compreender como se expressa a luta histórica, política e cultural

dos direitos dos povos indígenas situadas no modo de produção capitalista e os

rebatimentos das violações na realidade desses povos, apresentando a realidade do povo

Guarani, através da aproximação pelo Projeto de Extensão: “Ações socioambientais em

defesa dos direitos dos povos indígenas na aldeia Tekohá Yhovy- município de Guaíra-

PR,” frente às condições de vulnerabilidades e constantes violações dos direitos à vida,

território, saúde, educação, alimentação, assistência, meio ambiente saudável e da

carência de políticas públicas para estes povos tradicionais, a pesquisa científica, de

abordagem qualitativa, formula como objetivos específicos, apresentar o resgate

histórico sobre o processo de colonização das terras brasileiras, identificando a gênese

das violações dos direitos originários dos povos indígenas; sistematizar conhecimentos

teóricos e documentais que identifiquem a dinâmica internacional e constitucional

nacional em defesa dos direitos dos povos indígenas; investigar avanços protetivos das

políticas públicas em defesa dos direitos dos povos indígenas, contribuir com a

sistematização de referencial teórico e empírico no tema de direitos aos povos indígenas

e formas de violação dos direitos humanos, como possibilidade de fortalecer a luta pelos

direitos desses povos, intervenções do Serviço Social e áreas afins. Para atingir os

propósitos do estudo, a proposta investigativa de caráter exploratório se fundamenta no

levantamento bibliográfico, na pesquisa documental, norteada pela abordagem

qualitativa dos dados apresentados, compreendendo a realidade através da totalidade

dos elementos apresentados, construídos dentro de um movimento histórico que não

pode ser negado; partindo das seguintes categorias de análise: formação socioeconômica

brasileira, direitos humanos, direitos dos povos indígenas, território, etnia guarani,

políticas sociais e emancipação humana.

PALAVRAS- CHAVE: Povos Indígenas, direitos humanos, política indigenista.

9

LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS

GRÁFICO 1. PERCEPÇÃO DO PRECONCEITO CONTRA INDÍGENAS.....................35

GRÁFICO 2. PERCEPÇÃO DO PRECONCEITO INTER-RACIAL NO BRASIL-

ÍNDIO/BRANCO.................................................................................................................36

GRÁFICO 3. NO BRASIL TEM MUITA TERRA PARA POUCO ÍNDIO.......................37

GRÁFICO 4. ÍNDIO BOM É ÍNDIO MORTO...................................................................37

GRÁFICO 5. CONHECIMENTO DO ESTATUTO DO ÍNDIO........................................39

GRÁFICO 6. QUANTIDADE DE POVOS INDÍGENAS EXISTENTES NO BRASIL

HOJE.....................................................................................................................................39

GRÁFICO 7. TAMANHO DA POPULAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL.........................40

QUADRO 1. PROJETOS, PROPOSTA E PORTARIAS QUE AMEAÇAM DIREITOS

INÍGENAS...........................................................................................................................41

QUADRO 2. ALDEIAS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE GUAÍRA-PR................68

10

LISTA DE SIGLAS

CEP- Código de Ética Profissional

CF- Constituição Federal

CIMI- Conselho Indigenista Missionário

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito

CRAS- Centro de Referência da Assistência Social

FPA- Fundação Perseu Abramo

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

FUNASA - Fundação Nacional da Saúde

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ISA - Instituto Socioambiental

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome

OIT - Organização Internacional do Trabalho

ONU - Organização das Nações Unidas

PEC - Projeto de Emenda Constitucional

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNDH- Programa Nacional de Direitos Humanos

RSL- Instituto Rosa Luxemburgo

SPI - Serviço de Proteção ao Índio

STACS - Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social

UNIND - União das Nações Indígenas

11

SUMÁRIO

RESUMO..........................................................................................................................8

LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS..........................................................................9

LISTA DE SIGLAS.......................................................................................................10

INTRODUÇÃO.............................................................................................................12

1. ÍNDIOS INVADIDOS: ESTEREÓTIPOS EUROPEUS NAS RELAÇÕES

SOCIAIS E EXPLORAÇÃO DE TRABALHO E BENS..........................................17

1.1 A LUTA PELA TERRA, APROPRIAÇÃO E EXPLORAÇÃO DAS RIQUEZAS

NATURAIS: A FORMAÇÃO E DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.............................17

1.2 POVO GUARANI: O GRANDE POVO..................................................................22

1.3 O POVO GUARANI NA COLONIZAÇÃO NO OESTE DO PARANÁ................25

1.4 A FORMAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO E OS CONFLITOS

FUNDIÁRIOS ENVOLVENDO POVOS INDÍGENAS................................................28

2. O DIREITO A TERRA COMO UM ESPAÇO DE PRESERVAÇÃO DA

CULTURA E MODO DE VIDA DOS POVOS INDÍGENAS..................................32

2.1 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS ÍNDIGENAS: UMA DÍVIDA.....43

2.2 A PROTEÇÃO DO DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL..............47

3 O DESAFIO HISTÓRICO-POLÍTICO DE FORMULAR A POLÍTICA

INDIGENISTA COM A PARTICIPAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS:

CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL.............................................................55

3.1 SERVIÇO SOCIAL DA UNIOESTE CAMPUS TOLEDO: A EXPERIÊNCIA DO

PROJETO DE EXTENSÃO - AÇÕES SOCIOAMBIENTAIS EM DEFESA DOS

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NA ALDEIA TEKOHÁ YHOVY NO

MUNICÍPIO DE GUAÍRA- PR......................................................................................66

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................77

ANEXOS.........................................................................................................................84

12

INTRODUÇÃO

Frente à realidade vivenciada pelos povos indígenas no Brasil, e em específico o

povo Guarani na região oeste do estado paranaense, é necessário inclinar-se sobre essa

realidade a fim de identificar as demandas indígenas e dar respostas eficazes, através de

uma política indigenista que consiga compreender a totalidade e complexidade da

cultura desses povos, e que seja capaz de proteger a universalidade dos direitos dos

povos indígenas, garantindo a sobrevivência dessas comunidades tradicionais.

O despertar e o interesse pela temática desse trabalho de Conclusão de Curso, foi

construído desde o início da graduação, um despertar gradual, crítico e propositivo no

curso de Serviço Social constituído através da militância junto aos povos indígenas,

organização de encontros com o tema, construção e desenvolvimento do Projeto de

Extensão: Ações Socioambientais em defesa dos direitos dos povos indígenas na Aldeia

Tekohá Yhovy, no município de Guaíra, iniciado no ano de 2014, vinculado ao

Programa de Extensão: Ação socioambiental e formação em educação ambiental da

Sala de Estudos e Informações em Políticas Ambientais e Sustentabilidade – SEIPAS -

Unioeste/Toledo e ao Programa de Educação Tutorial- PET Serviço Social e, produção

de diversos trabalhos acadêmicos.

A proposta da pesquisa de campo inicialmente estabelecida, com

delimitação para estudo dentro da Aldeia Tekohá Yhovy, não pode ser materializada por

procedimentos e exigências formais e burocráticas exigidos pelo Comitê de

Ética/Fundação Nacional do Índio (FUNAI)/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

(CONEP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Os inúmeros trâmites e instâncias decisórias afetaram a pesquisa científica em território

indígena, inviabilizaram o estudo de campo e participação dos próprios sujeitos da

pesquisa (lideranças indígenas, profissionais da saúde, educação, assistência social e

FUNAI, escritório de Guaíra) que interessados em contribuir para essa sistematização

de conhecimento não tiveram sua própria autonomia respeitada. O que nos faz

manifestar indignação sobre a centralidade de poderes decisórios sobre a autonomia dos

sujeitos da pesquisa.

Diante disso, não menos importante, foi realizada a pesquisa bibliográfica e

documental de abordagem qualitativa de caráter exploratória, compreendendo, de

acordo com Minayo (1994) o mais profundo das relações, dos processos da realidade.

Este trabalho foi construído através de importantes estudos de vários (as) autores,

13

legislações no plano nacional e internacional e, consulta a materiais já produzidos sobre

essa temática e que se encontram na biblioteca da Unioeste.

Nesse sentido, esta pesquisa realizada, justifica-se pela atualidade da temática

indígena, sendo necessário o debate em torno das constantes vulnerabilidades vividas e

profundas violações dos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas –

nominados também como povos tradicionais. Estes povos, que historicamente pautam

suas lutas sociais e ambientais, denunciando a prevalência do etnocentrismo no nosso

país, concomitante com o desvelar das contradições do capital e sua lógica produtiva

expropriadora e destrutiva.

A pesquisa estrutura-se desta forma, na perspectiva de fundamentação na teoria

social crítica de Marx para a compreensão do objeto e do tema voltado aos direitos dos

povos indígenas compreendendo que essa teoria, de acordo com Netto (2009) possibilita

uma visão global da dinâmica social concreta, indo além da aparência fenomênica,

imediata e empírica para apreender a essência do objeto que é histórico.

Desse modo, a pesquisa vinculada ao Trabalho de Conclusão do Curso de

Serviço Social-UNIOESTE-Toledo, tem como objetivo compreender como se expressa

a luta histórica, política e cultural dos direitos dos povos indígenas situadas no modo de

produção capitalista e os rebatimentos das violações na realidade desses povos,

apresentando a realidade do povo Guarani, através da aproximação pelo projeto de

extensão. Essas lutas e violações materializadas no difícil reconhecimento dos direitos à

vida, território, meio ambiente, saúde, educação, alimentação, assistência social, cultura

entre outros.

O estudo foi sistematizado de acordo com a cronologia da história, desde a

colonização, abordando a gênese das violações dos direitos dos povos indígenas. Assim,

o primeiro capítulo desse trabalho aborda estudos já realizados sobre o período da

colonização e invasão das terras brasileiras durante o período de expansão marítima e

econômica da Europa. Essa colonização das terras brasileiras significou o

subdesenvolvimento de um país, marcado pelo eurocentrismo, que viu seus povos

originários sendo exterminados, torturados e escravizados, viu o roubo das riquezas

naturais dessas ricas terras, “doadas” ao império português e espanhol através do

Tratado de Tordesilhas, enriquecendo impérios a troco de nada. A ideia do índio

preguiçoso, rebelde, adorador de crenças não cristãs, visto pelos olhos do europeu

recém-chegado, perpetua até os dias de hoje. São visões preconceituosas e limitadas

para a compreensão da totalidade da cultura dos povos indígenas.

14

As violações sobre os direitos originários dos povos que sempre existiram aqui

se deram de todos os modos possíveis, invasão, expulsão, escravização, contágio de

doenças, assassinatos em massa, catequização pelos missionários. Todas essas

violências cometidas negaram e negam ainda hoje o direito originário desses povos

sobre essas terras, negando assim o direito da própria existência dos indígenas, tendo

em vista que existir, para eles, depende do território, lugar em que se preserva a cultura.

Nesse sentido, para compreender alguns elementos da cultura indígena, o

trabalho aprofundou- se na singularidade da cultura dos povos da etnia Guarani, tendo

em vista que já existe uma aproximação com essa cultura através do Projeto de

Extensão. Apresentar elementos do modo de vida da cultura Guarani significou uma

busca pelo conhecimento, o resgate histórico da ocupação territorial dos índios Guarani

em diversas partes da América, mais especificamente nos territórios hoje conhecidos

como Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai antes da chegada dos europeus. A

territorialidade para o Povo Guarani é demarcada historicamente de modo muito

particular e dinâmico, vivida, entendida e usada enquanto parte fundamental de sua rica

cultura sem que fosse compreendida pelos invasores.

A colonização significou a negação da territorialidade e da cultura do povo

guarani, muitos morreram pelas doenças trazidas pelos missionários ou morreram como

escravos, outros assassinados, alguns conseguiram fugir, embrenhando- se na mata.

Além disso, a colonização foi o início do processo da formação do espaço

agrário brasileiro que constituiu- se de modo desigual através da distribuição de terras e

instituição da propriedade privada que deu origem à concentração fundiária no Brasil,

consolidação do agronegócio e à manutenção da pobreza como uma expressão desse

processo desigual. Atrelado a isso, os conflitos fundiários envolvendo povos indígenas

no Brasil estão inteiramente ligados a essa estrutura fundiária, isso porque, o principal

objetivo é a produção em larga escala que, por sua vez, necessita de extensas

propriedades de terra para a sua lucratividade. Desta forma, a crescente busca por terras

vem provocando a invasão de terras indígenas, uma vez que, por não estarem

demarcadas ficam à mercê de fazendeiros, que cada vez mais, vão se adentrando de

forma agressiva no território indígena. O resultado disso é o agravamento dos

confrontos entre comunidades indígenas e fazendeiros em todo o país. Isso tem gerado

uma reivindicação por parte dos povos indígenas pelas demarcações de suas terras,

como forma de impedir a perda de território para latifundiários.

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A luta pelos direitos dos povos indígenas é histórica e está pautada

principalmente na demarcação das terras ocupadas tradicionalmente. Diante de avanços

no campo jurídico, essa luta está respaldada em leis e declarações que asseguram a

garantia dos direitos dos povos originários ao território e junto a isso, a construção de

uma política indigenista que possa garantir a sobrevivência da cultura indígena. Não

basta apenas demarcar terras indígenas, é necessário que o estado atenda todas as

demandas, garantindo a universalidade dos direitos, abolindo todas as práticas

integracionistas e tutelares.

Deste modo, apresentamos no segundo capítulo, os avanços jurídicos no plano

internacional e nacional, no que se refere a proteção dos direitos dos povos indígenas,

avanços que materializam a resistência destes povos diante de tanto retrocesso e

negação dos direitos originários. Sabemos que escrever e aprovar leis não resolvem os

problemas, é preciso transformá-las em práticas eficazes, enfrentar outras práticas

conservadores e genocidas e, lutar por um novo projeto societário, livre da opressão e

discriminação.

No terceiro capítulo, serão apresentados elementos para compreender o desafio

histórico-político de formular a política indigenista com a participação dos povos

indígenas e o papel do Serviço Social frente este desafio. Construir uma política

indigenista com a participação desses povos significa ultrapassar todas as políticas já

construídas pelos não indígenas, uma elite política, branca, que, desde a colonização

ocupa os cargos políticos e exclui as minorias de direitos, não garantindo a participação

para formulação das leis e políticas que lhes afetam. Em grande medida, a CF 1988

mudou esse quadro, no entanto, o desafio ainda é enorme e reflete na realidade

vivenciada pelos indígenas.

Diante dessa realidade, pensar a intervenção profissional do assistente social

significa enfrentar enormes desafios estruturados no modo de produção capitalista, que

impõe uma visão naturalizada sobre as violências e opressões sofridas pelas minorias de

direitos. Significa desafiar o estado em suas práticas, que, negam direitos já

conquistados. Atuar na realidade dos povos indígenas é lutar por uma nova sociedade,

justa, livre da opressão e dominação de uma classe sobre a outra.

Nesse sentido, o objeto e tema deste estudo voltado aos direitos dos povos

indígenas tem extrema importância no debate contemporâneo, nas discussões e

fundamentações do Projeto Ético Político do Serviço Social, dos compromissos do

Estado e da Sociedade com a equidade dos direitos humanos fundamentais.

16

A pesquisa proposta terá contribuições tanto na formação acadêmica para

futuros profissionais assistentes sociais, como meio para compreender, através deste

subsídio teórico, como se expressa a proteção e a violação dos direitos dos povos

indígenas e de cidadania. Também de apresentar provocações avaliativas e propositivas

a categoria profissional e áreas afins acerca da temática indígena, incitando o

compromisso para com estes povos, na defesa dos direitos das minorias exploradas e

marginalizadas, em tempos desafiadores da crescente e persistente naturalização das

violências intrínsecas do modo de produção capitalista.

17

1 ÍNDIOS INVADIDOS: ESTERIÓTIPOS EUROPEUS NAS RELAÇÕES

SOCIAIS E EXPLORAÇÃO DE TRABALHO E BENS

A partir de referências teóricas, pretende-se aqui, realizar o resgate histórico

sobre a relação de índios e não-índios no período colonial, relação que deu-se através de

um estranhamento mútuo entre os sujeitos, com as visões equivocadas dos europeus

sobre o índio, de que era preguiçoso e de práticas anticristãs, além de ser “selvagem”

por não aceitar obedecer as regras dos colonizadores.

Em consequência desse encontro, ocorreu um verdadeiro genocídio contra os

povos originários, através da exploração, escravização, contágio de doenças, guerras

para dominar os territórios, tendo como objetivo a apropriação das enormes riquezas

naturais existentes nas terras brasileiras.

1.1 A LUTA PELA TERRA, APROPRIAÇÃO E EXPLORAÇÃO DOS BENS: A

FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Os primeiros contatos entre os indígenas e os recém-chegados foram marcados

por um estranhamento recíproco. Afinal, para ambos, o “outro” era o “estranho

diferente”. Os indígenas estranharam os rostos cobertos de barbas dos portugueses, seus

corpos cobertos de panos e sua fala incompreensível, assim como apresentados pelas

figuras que sempre vemos em todos os livros didáticos. Os portugueses também se

impressionaram com as “vergonhas” dos nativos, seus rostos desenhados e hábitos

totalmente diferenciados daqueles que os europeus conheciam e praticavam.

Descobrir as riquezas e a grande quantidade de mão-de-obra existente nessas

terras fez brilhar os olhos dos invasores. Os europeus se apropriaram das terras que até

então era ocupada pelos índios e também de sua mão de obra, tornando-os escravos e

desprovidos de suas terras. No início do século XVI, momento da história que marca o

contato dos europeus com o povo indígena que aqui vivia na Mata Atlântica, com

expressiva quantidade de árvores da espécie pau-brasil. Os indígenas conheciam suas

qualidades: usavam a madeira para fazer arcos e flechas e a resina para pintar penas de

aves, e seus corpos para atividades culturais.

Os europeus conheciam o pau-brasil asiático, muito apreciado na construção de

móveis e embarcações. Mas o que atribuía alto valor comercial ao pau-brasil do

Ocidente era o corante vermelho, usado para tingir tecidos. O desejo dos que aqui

18

chegaram para expropriar desse recurso natural com tamanha avareza foi descrita por

Léry apud Darcy Ribeiro (1995, p. 46).

Os nossos tupinambás muito se admiraram dos franceses e outros

estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar os seus arabutan. Uma

vez um velho perguntou- me: Por que vinde vós outros, maírs e perôs

(franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer?

Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita,

mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos como ele

supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir [...] pois no nosso país

existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras,

espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles

compra todo o pau- brasil com que muitos navios voltam carregados

(LÉRY apud DARCY RIBEIRO, 1995, p.46).

Quando os portugueses chegaram ao litoral da América do Sul, encontraram

vastas matas de pau-brasil e logo passaram a explorá-las e a expropriar da madeira. As

tarefas de localizar as árvores, cortá-las e transportar as toras até as praias eram feitas

pelos indígenas. Atraídos pelos lucros oferecidos pelo comércio do pau-brasil, navios de

países europeus concorrentes de Portugal passaram a fazer diversas incursões ao atual

litoral brasileiro, aliando-se a tribos indígenas rivais daquelas que faziam escambo com

os portugueses. Caio Prado Júnior (1998) descreve:

Com ou sem direitos, o certo é que até quase meados do séc. XVI

encontraremos portugueses e franceses traficando ativamente na costa

brasileira com o pau- brasil. Era uma exploração rudimentar que não

deixou traços apreciáveis, a não ser na destruição impiedosa e em

larga escala das florestas nativas donde se extraía a preciosa madeira.

[...] É graças aliás à presença relativamente numerosa de tribos nativas

no litoral brasileiro que foi possível dar à indústria um

desenvolvimento apreciável. [...] Não foi difícil obter que os indígenas

trabalhassem: miçangas, tecidos e peças de vestuário, mais raramente

canivetes, facas e outros pequenos objetos, de valor ínfimo para os

traficantes, empregavam- se arduamente em servi- los. Para facilitar o

serviço e apressar o trabalho, também se presenteavam os índios com

ferramentas mais importantes e custosas: serras, machados (JÚNIOR,

1998, p.16).

No século XVI1, os Tupinambás aliaram-se aos franceses para combater seus

inimigos, os Tupiniquins, aliados dos portugueses. Com a vitória portuguesa, os

1 “Mesmo em face do novo inimigo todo poderoso vindo de além- mar, quando se estabeleceu o conflito

aberto, os Tupis só conseguiram estruturar efêmeras confederações regionais que logo desapareceram. A

mais importante delas, conhecida como Confederação dos Tamoios, foi ensejada pela aliança com os

franceses instalados na baía de Guanabara. Reuniu de 1563 a 1567, os Tupinambá do Rio de Janeiro e os

Carijó do Planalto Paulista [...] para fazerem a guerra aos portugueses e aos outros grupos indígenas que

19

franceses foram expulsos e os Tupinambás, massacrados. Logo após a chegada dos

portugueses, o escambo garantiu a força de trabalho necessária para a exploração do

pau-brasil. Guimarães (1968) destaca que as guerras entre os índios eram arquitetadas

pelos invasores de modo a sucumbir indígenas e ganhar território.

Tribos inteiras foram jogadas contra outras tribos, para o que se

agravavam antigas discórdias e se fomentavam novas. Na arte de

intrigar os nativos, de despertar e acirrar ódio entre os mesmos, os

colonizadores portugueses aplicaram aqui sua grande perícia já

comprovada em outras áreas e repetida com toda perfeição, mais

tarde, na caça ais negros da Guiné. Desse modo o mercado de trabalho

iria rapidamente aumentar, ao suprimir também com os prisioneiros

feitos pelas tribos vitoriosas nas guerras que, para tal fim, os indígenas

eram empurrados (GUIMARÃES, 1968, p.14).

Contudo, com a instalação de colonos e a introdução de atividades agrícolas

(cana- de- açúcar principalmente), os colonizadores passaram a escravizar os indígenas,

e que segundo os mesmos, essa seria a única utilidade que esse povo nativo teria para

servir de escravo.

A escravização dos indígenas foi restringida pela Coroa desde a segunda metade

do século XVI. De acordo com uma lei de 1570, ela só era permitida nas guerras justas,

travadas contra grupos hostis que demonstravam resistência aos colonizadores. De

acordo com esse momento da história, Júnior (1998) afirma:

Para fazer frente a este estado de coisas, a metrópole procurará legislar

na matéria. Data de 1570 a primeira carta régia a respeito. Estabelece-

se nela o direito da escravidão dos índios, mas limitada aos

prisioneiros em “guerra justa”. Era entendida como tal aquela que

resultasse da agressão dos indígenas, ou que fosse promovida contra

tribos que recusavam submeter- se aos colonos a entrarem em

entendimento com eles. [...] Mas todas mantiveram em princípio a

escravidão dos índios, que somente será abolida inteiramente em

meados do séc. XVIII. Manter- se- à, aliás, mesmo depois, embora

maios ou menos disfarçada (JÚNIOR, 1998, p.35- 36).

A proibição da escravização indígena resultou, em parte, da pressão dos padres

jesuítas, que pretendiam converter os nativos ao cristianismo, instituindo (através da

cruz e da espada) novos ritos religiosos extinguindo assim, as “heresias” praticadas

pelos indígenas. Os jesuítas começaram a chegar ao Brasil em 1549. Eles fundaram

os apoiavam. [...] tanto os franceses como os portugueses combatiam com exércitos indígenas de milhares

de guerreiros. [...] E eles nem sabiam por que lutavam, simplesmente eram atiçados pelos europeus,

explorando sua agressividade recíproca.” (RIBEIRO, 1995, p. 33)

20

colégios próximos às aldeias indígenas, onde se dedicaram à catequese. Mais tarde,

dirigiram-se para o interior das matas, fundando aldeias cristãs que reuniam os

indígenas da região – as missões. Nessas reduções, os nativos eram catequizados

segundo a fé cristã, submetidos a uma rígida disciplina de orações e trabalho. O fato de

os padres utilizarem o trabalho dos indígenas nas missões, mas exigirem que a Coroa

proibisse sua escravização, causava frequentes confrontos com os colonos2.

Ao longo dos séculos XVI e XVII, ocorreu no Brasil uma grande redução das

populações nativas. Nações inteiras desapareceram vitimadas por doenças introduzidas

pelos europeus, como a varíola e o sarampo, para as quais os indígenas não tinham

resistência. Os relatos desse elemento letal para extermínio de milhares de indígenas

durante a colonização são espantosos.

[...] as grandes armas da conquista, responsáveis principais pela

depopulação do Brasil, foram as enfermidades desconhecidas dos

índios com que os invasores os contaminaram. [...] Cerca de 40 mil

índios reunidos insensatamente pelos jesuítas nas aldeias do

Recôncavo, em meados do século XVI, atacados de varíola, morreram

quase todos, deixando os 3 mil sobreviventes tão enfraquecidos que

foi impossível reconstituir a missão (RIBEIRO, 1995, p.52).

As torturas cometidas e duras condições do trabalho e de sobrevivência dos

escravos indígenas também foram responsáveis por numerosas mortes.

A ideia de que o indígena era preguiçoso persistiu no Brasil por muito tempo.

Historiadores do século XIX a utilizaram para explicar por que os portugueses

decidiram substituir o trabalho do indígena pelo do africano. A ideia do indígena

preguiçoso foi criada a partir da maneira como os europeus viam a América e seus

habitantes. De acordo com Júnior (1998): “Além da resistência que ofereceu ao

trabalho, o índio se mostrou mau trabalhador, de pouca resistência física e eficiência

mínima. Nunca teria sido capaz de dar conta de uma tarefa colonizadora levada em

grande escala. [...] Aqui será o negro africano que resolverá o problema do trabalho.”

(JÚNIOR, 1998, p. 36).

Em muitos textos escritos pelos viajantes do século XVI, o Novo Mundo era

associado ao Paraíso Bíblico. Nessa terra os nativos não precisariam se esforçar para

2Nesse período começou o conflito entre os jesuítas e os colonos espanhóis e portugueses. Os colonos

desejavam somente escravizar o indígena, afim de enriquecer e mesmo que muitos indígenas acabassem

morrendo pelas condições de trabalho, era necessário sacrificar esse povo afim de cumprir as ordens de

Deus e do império. A vontade do colono prevaleceu diante do trabalho dos jesuítas.

21

conseguir aquilo de que necessitavam, pois tudo estava à mão. A ideia sobre a preguiça

era reforçada pela diferença de costumes e valores entre os nativos e os europeus. Essa

visão sobre o indígena nessas terras é apresentada por Ribeiro (1995) e que nos mostra

os equívocos pela visão de quem aqui chegou.

Aos olhos dos recém-chegados, aquela indiada louçã, de encher os

olhos só pelo prazer de vê-los, aos homens e as mulheres, com seus

corpos em flor, tinham um defeito capital: eram vadios, vivendo uma

vida inútil e sem pertença. O que produziam? Nada. Que é que

amealhavam? Nada. Viviam suas vidas fúteis vidas fartas, como se

nesse mundo só lhes coubessem viver (RIBEIRO, 1995, p.45).

Na verdade, ao contrário do que pensava o europeu, o trabalho não só fazia parte

do modo de vida indígena, como também apresentava fundamental importância. Na

maior parte das sociedades ameríndias, a satisfação das necessidades da comunidade é

responsabilidade de todos.

Quando os portugueses passaram a exigir que os indígenas trabalhassem na

produção agrícola, os nativos se rebelaram. Como resposta, os europeus não hesitaram

em usar a violência para forçá-los a trabalhar, escravizando muitos povos. Segundo

Guimarães (1968)

Iria terminar, por esse motivo, a fase das relações pacíficas entre

ambos os povos, aproximando- se igualmente do fim do período em

que o escambo assegurara aos portugueses o caminho para o saque das

riquezas da região descoberta (GUIMARÃES, 1968, p.9).

Além disso, a ideia da acumulação não existe nas sociedades indígenas. A

grande maioria das comunidades indígenas só produz ou retira da natureza o

fundamental à sua sobrevivência. Para eles, não existe lógica em alguém ter mais do que

precisa. Portanto, não há razão para continuar trabalhando quando as necessidades do

grupo já foram satisfeitas. Como escreve Ribeiro (1995) para os indígenas, antes da

colonização, a vida era uma tranquila fruição da existência, num mundo dadivoso e

numa sociedade solidária.

Do contrário, a missão para quem aqui tinha chegado e já se instalado, era de

submeter esse povo ‘preguiçoso’ apropriando- se das suas terras e de seus ricos bens,

impondo sobre eles as visões trazidas do velho mundo para que pudessem ser dóceis

produzindo todas as riquezas para a metrópole na condição de escravos. Por muito

tempo continuou assim, o tratamento para os povos nativos, as mortes e a escravização

22

marcou as transformações do território, continuou as violentas expropriações das terras.

As plantações e os engenhos se tornaram cativeiros para os indígenas sobreviventes.

A luta pela apropriação da terra e exploração dos bens ainda segue de forma

violenta e cruel como no princípio, mas se dará através da utilização de outras

estratégias, não menos genocidas. Guimarães afirma que

A começar pelo século XIX, a propriedade privada continuará

impondo- se a ferro e fogo, mas o que ela destrói e esmaga pela força

é a própria ordem jurídica instituída pelo home civilizado. Sob o signo

da violência contra as populações nativas, cujo direito congênito à

propriedade da terra nunca foi respeitado e muito menos exercido, é

que nasce e se desenvolve o latifúndio no Brasil. Desse estigma de

legitimidade que é seu pecado original jamais ele se redimira

(GUIMARÃES, 1968, p. 15).

Com essa determinação é que o progresso seguiu em marcha durante todo o

processo de colonização do Brasil, deixando esse território marcado, pelos

colonizadores, com sangue indígena.

Antes da chegada dos colonizadores, essas terras brasileiras eram cultivadas por

povos indígenas de diversas etnias, dentre elas, um grande povo que se autodenominava

Avá. Essa etnia foi reconhecida como o Povo Guarani.

1.2 POVO GUARANI: O GRANDE POVO

O Povo Guarani ocupou diversas partes da América, mais especificamente nos

territórios hoje conhecidos como Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. A

territorialidade para o Povo Guarani é demarcada historicamente de modo muito

particular e dinâmico, vivida, entendida e usada enquanto parte fundamental de sua rica

cultura sem que fosse compreendida pelos invasores e por historiadores que dizem ter

identificado um vazio demográfico nas terras ocupadas pelo Povo Guarani. Como nos

apresenta Parmigiani (2015, p.145) essa concepção de territorialidade não pode ser

compreendida de modo estático, independente de todo processo histórico dentro da

própria cultura do Povo Guarani. Esse povo era livre dentro do seu vasto território e, a

partir da mobilidade, exercia também seu modo de vida. Nas palavras de Schallenberger

(2006)

23

A territorialidade guarani sugere o seu entendimento a partir da

espacialidade vivenciada e simbolicamente representada. Um espaço

integrado no modo de vida, ou seja, um conjunto de elementos

constitutivos da cultura, cuja dimensão é o horizonte possível da

circulação dos sujeitos que sempre estão em busca de parentes e da

mãe-terra generosa que sustenta a vida (SCHALLENBERGER, 2006,

p.33).

Clastres (1974) apresenta o povo Guarani do século XVI ocupando um território

vasto em que possuíam aldeias situadas a milhares de quilômetros uma das outras,

vivendo uma mesma organização a partir da unidade linguística, cultural e religiosa

como elemento determinante e unificador da cultura Guarani. Entre o Povo Guarani

existem vários grupos que falam a mesma língua, possuem cultura muito semelhante,

mas, se autodenominam de forma diferente, seguindo sua regionalidade e ramo familiar.

Entre as denominações do Povo Guarani estão: Pãi-Tavyterã ou Kaiowá, Mbyá, Aché

ou Guayakí, Avá Katu, Avá Guarani ou Ñhandeva ou Chiripá, Guarani Ocidentais do

Chaco e Gwarayu.

Não existe um senso total capaz que tenha contabilizado de modo exato a

população Guarani na América do Sul. No entanto, Clastres (1974) em seu livro A

sociedade contra o Estado, apresenta um estudo sobre a demografia ameríndia capaz de

contabilizar aproximadamente a população Guarani:

[...] Pode- se avaliar em 360 mil km² a superfície do território guarani.

[...] Felizmente encontramos nos cronistas informações que nos fazem

progredir; e, particularmente, uma indicação muito precisa de Staden.

Este, durante os nove meses que esteve prisioneiro dos Tupinambás,

levado de grupo em grupo, teve todo o tempo de observar a vida dos

senhores. Ele anota que as aldeias distavam em geral, de 9 a 12 km

uma das outras, o que daria cerca de 150 km² de espaço por grupo

local. Guardemos este número e suponhamos que o mesmo acontecia

junto aso Guarani. É, possível, a partir daí, conhecer o número-

hipotético e estatístico- de grupos locais. Ele seria de 350 mil

divididos por 150: 2.340, aproximadamente. Aceitamos como

verossímil o número de seiscentas pessoas em média por unidade.

Teremos então: 2.340x600= 1.404.000 habitantes. Logo, cerca de um

milhão e meio de índios Guarani antes da chegada dos brancos. [...] os

150 mil índios de 1730 eram dez vezes mais numerosos dois séculos

antes: eles eram um milhão e meio (CLASTRES, 1974, p. 109- 113).

24

Atualmente, é no Brasil que se encontra a terceira maior população do Povo

Guarani3. De acordo com o Instituto Socioambiental (2008) a partir de estimativas da

Fundação Nacional da Saúde (FUNASA e FUNAI), existem aproximadamente 51.000

indígenas guaranis, sendo 31.000 Kaiowa, 13.000 Ñandeva e 7.000 Mbya, localizados

principalmente na região centro oeste e sul. (ISA, 2008)

Para o Povo Guarani, o território é mais do que um simples espaço ocupado ou

fonte de sustento, a terra para o Guarani é lugar onde se produz toda a sua cultura, é o

lugar de ser Guarani. A terra tradicional ocupada por esse povo é chamada de Tekoha,

que significa modo de ser. Parmigiani (2015) descreve que

A imposição de uma noção ocidental de território obrigou os Guaranis

elaborarem a noção de tekoha como forma de opor a ideia que os

brancos têm de “aldeia” como lugar fechado, circunscrito, lugar de

confinamento, de reduções. A palavra tekoha, uma junção semântica

do termo teko (modo de ser) com o sufixo verbal há (causa, fim, lugar

etc), pode ser traduzida como: o lugar de moradia das leis, dos

costumes, o lugar onde se realiza o modo de ser Guarani. A terra para

os Guaranis não é terra para plantar, comercializar ou lucrar, mas é

lugar de ser Guarani, lugar onde a cultura pode se realizar

(PARMIGIANI, 2015, p.147).

A Tekoha é constituída por uma família extensa que é um ente sócio-político,

econômico e territorial autônomo, a estrutura basilar da sociedade Guarani. Segundo

Parmigiani (2015), cada pessoa é parte de uma família extensa e se identifica com ela. A

família extensa é um grupo de pessoas relacionadas entre si por laços de parentesco

consanguíneo e que geralmente é conduzida por um casal mais velho.

O conceito de propriedade para o Povo Guarani é totalmente diferente do que se

entende pela nossa sociedade capitalista. O povo Guarani não se considera dono da

terra, nem daquilo que vive nela. Entendem que tudo é dado por Deus e o usufruto da

terra deve ser feito de forma equilibrada e com total respeito, e tudo o que fazem é

vigiado pelos deuses e pelos outros guaranis. No ano de 2007, Wilson Changary,

presidente da Assembleia do Povo Guarani da Bolívia, reafirma esse modo de vida do

Grande Povo, descrita na revista Campanha Guarani.

Esta terra livre, independente e soberana tem que se basear nos

princípios fundamentais indígenas. Princípios que superam os

3 A maior população Guarani vive na Bolívia, cerca de 150 mil indígenas, em seguida está o Paraguai,

onde vivem cerca de 53. 500 indígenas Guarani e a quarta maior população vive na Argentina, cerca de

42 mil indígenas. (Campanha Guarani, 2007)

25

interesses pessoais e transcendem e abraçam as esferas social,

econômica, cultural e político. Estes princípios são a essência

fundamental do ser Guarani, como a busca incessante da Terra Sem

Males e da Liberdade. Mas, quem me responde? ... Nem Deus me

responde quando vou ser livre...!!! Nossa essência é de ser sem dono”

...o Deus nosso é a Natureza e não a Lei...”. Princípios que impregnam

o ser social, como a Mboroaiu, Mborerekua, Yoparareko,esse amor,

estima, carinho, solidariedade, expressada em sentimento ao próximo,

que permite superar e desprender- se do ser mesquinho e

individualista (CHANGARY, 2007, p.5).

Na economia do modo de vida do Povo Guarani, o princípio da reciprocidade

não se expressa através do trabalho coletivo, no sentido de todos trabalharem e serem

donos de tudo, o que se pratica é a obrigação de sempre ajudar o outro que necessitar,

de receber ajuda quando for necessário e de participar sempre com alegria no trabalho

do outro Guarani. Essa reciprocidade e disposição existente entre o Povo Guarani é

chamada de Japói, conceito que se diferencia totalmente do individualismo e

mesquinhez presente na nossa sociedade inscrita no modo de produção capitalista

(Campanha Guarani, s/d). Para Schallenberger (2009)

A terra, que em seu seio gera a vida, sustenta as plantas e por elas é

sustentada, acolhe os animais, protege os rios, fértil e generosa,

possibilita a dádiva e que, na partilha da vida, se transforma em dom.

O dom é um elemento de grande significado na cultura tribal guarani,

uma vez que ela se reflete nas práticas culturais e na dinâmica social

(SCHALLENBERGER, 2009, p.33).

Existe na cultura guarani um compromisso com a reciprocidade com os demais,

o respeito à natureza e todos os seus elementos, entendidos como partes da cultura e que

sustentam a religiosidade praticada e conservada por esse povo.

1.3 O POVO GUARANI NA COLONIZAÇÃO NO OESTE DO PARANÁ

No início do século XVI, o Povo Guarani, até então livre, vivendo seu próprio

modo de vida, torna-se objeto disputado pela coroa espanhola e portuguesa. No ano de

1494, é assinado o Tratado de Tordesilhas entre essas duas coroas. Esse tratado

simbolizou o ato de traçar uma linha imaginária que cortava a América em duas partes.

A partir desse tratado, passou a pertencer a coroa espanhola “todas as terras descobertas

a ocidente de uma linha tirada de polo a polo, trezentas e setenta léguas a oeste das ilhas

de Cabo Verde; e a Portugal as descobertas a leste da mesma linha” (Carvalho, 2013.p.

26

267). Com essa divisão, o atual estado do Paraná ficou sob o domínio da coroa

espanhola, apenas uma faixa do litoral ficou para Portugal.

Com isso, os espanhóis se estabeleceram no interior dessa região do território e

começaram a fundar as cidades como, por exemplo, a Ciudad Real del Guairá em 1556.

Em seus estudos, José Luiz de Carvalho (2009) afirma que em toda essa região era

denominada pelos espanhóis de Província do Guairá4 e com a chegada da Companhia de

Jesus da Europa, iniciou-se, através dos jesuítas, a fundação de missões no Guairá,

tendo como objetivo, a catequização dos indígenas. A Companhia de Jesus instalou

cerca de quinze missões nessa região, que foram construídas às margens dos rios Tibagi,

Ivaí, Piquiri e Paranapanema. (Carvalho, 2009) Os caminhos construídos através desses

rios pelos indígenas foram fundamentais para a penetração e invasão dos colonizadores

europeus na região.

No início de 1628, os bandeirantes5 destruíram as missões jesuíticas e as cidades

espanholas construídas nessa região. As entradas desses bandeirantes tinham como

objetivo, capturar os indígenas para fazer deles escravos, e assim estendiam o território

português sobre o espanhol. Carvalho (2009) aponta que entre os anos de 1631 e 1632,

as missões e as cidades construídas estavam praticamente destruídas e abandonadas

pelos espanhóis. Milhares de índios foram levados para as vilas portuguesas para serem

vendidos como escravos.

A escravidão, no entanto, não era só praticada nas vilas portuguesas,

mesmo antes da fundação de missões no território do Paraguai os

índios eram constantemente escravizados no cultivo da erva-mate.

Eram as encomiedas, sistema de produção da erva-mate usado nas

províncias espanholas, que tinhas como única mão-de-obra os braços

escravos indígenas, e que estava em plena atividade nesse período das

missões (CARVALHO, 2009, p.20).

Parellada (2009) aponta que os bandeirantes paulistas já praticavam a captura de

índios Guarani na metade do século XVI, e eram vendidos para cumprir trabalhos

domésticos e agrícolas. Entre 1628 e 1630, cerca de 50 mil índios que viviam na

4O Guairá compreendia a região localizada entre o rio Paraná na vertente oeste, rio Paranapanema ao

norte, o Iguaçú ao sul e, a leste, as escarpas do argentino Furnas, região de governança do Paraguai, de

colonização espanhola. (SBRAVATI, 2009,p.27) 5 As bandeiras eram organizadas por iniciativa de particulares, os bandeirantes, e compostas

hierarquicamente por um chefe branco ou mameluco (filho de índio com branco), que comandava os

outros integrantes, como religiosos, escravos e indígenas. Os principais objetivos das bandeiras eram: 1º

Combater os invasores estrangeiros; indígenas inimigos e escravos quilombolas; 2º desbravar os sertões e descobrir ouro e pedras preciosas; 3º aprisionar mão-de-obra indígena. (ARANTES, 2009, p.81)

27

Província do Guairá foram levados a São Paulo, formando as bases das vilas paulistas.

Segundo Schallenberger (2006, p.76) “resultou daí uma progressiva destruição do

território simbólico do povo Guarani e a inviabilidade da sua reconstrução a partir da

organização do espaço missioneiro”.

Já ultrapassado o período colonial, a esfoliação sobre os indígenas continua

marcando o processo de formação e consolidação do território brasileiro. Citamos aqui,

em específico, no estado do Paraná, final do século XIX a apropriação de 5.000.000

hectares pela empresa de erva mate, sob a responsabilidade de Tomás Laranjeiras. É

sensato afirmar que essa área era ocupada por indígenas, sobre isto, Parmigiani (2015)

afirma:

É preciso ter claro que o ciclo da exploração da erva-mate, mesmo não

desapropriando os grupos indígenas de suas terras, fez uso da mão de

obra indígena que foi explorada em condições sub-humanas e com

extrema violência que obrigou as comunidades indígenas, em vários

momentos, a abandonarem seus territórios (PARMIGIANI, 2015,

p.149).

O Parque Nacional do Iguaçu também carrega uma dívida histórica, desde o ano

de 1939, quando removeu comunidades inteiras próximas do rio Iguaçu, comunidades

que viviam longe, umas das outras, como já mencionado anteriormente, não

reconhecendo a territorialidade desse povo. A retirada dos indígenas não foi pacífica,

podemos assegurar esse episódio, a partir de relatos de indígenas sobreviventes, que

diante da situação de violência procuravam se esconder mato adentro. Um desses relatos

pode ser encontrado na tese de doutorado da antropóloga Maria Lúcia Brant Carvalho.

No relato de uma indígena de 90 anos de idade decorre o seguinte:

Nasci no Oco’y Jakutinga em 1924. Fui morar na aldeia Guarani em

1934, Morei ali até 1943. Moravam 50 famílias na aldeia Guarani,

perto do rio Iguaçu, lá onde hoje é o Parque Nacional do Iguaçu. Teve

guerra com os índios para tirar os Guaranis da terra: eu vi, eu vi!

Mataram tudo! Jogavam os índios nas Cataratas, abriam a barriga com

facão e jogavam depois nas Cataratas! Era para o corpo não boiar, pra

afundar! O cacique da aldeia Guarani (Téve) e a mulher dele (Aispis)

foram tudo morto, e jogado nas cataratas. Nesse massacre, tinha

quatro padres: dois era amigo dos índios e dois era contra os índios,

um de cada lado, que era “irmãos”, brigaram muito e se mataram ali.

A catarata é cemitério de guarani (CARVALHO, 2005, p.330).

28

As críticas atingem a própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI)6 que através

de documentos oficiais ignoram a territorialidade, modo de vida e cultura do povo

Guarani que viviam nessa região, tomando decisões propositadas e prejudiciais. Esses

procedimentos refletem ainda hoje na realidade dos povos indígenas na luta pelo

território.

A primeira dessas evidências é o Relatório de Viagem de um

representante da FUNAI de 1976, no qual o autor identifica 12

famílias Guaranis que residem as margens do rio Paraná a 31 Km da

cidade de São Miguel do Iguaçu e decide pala aplicação do art..33 do

capítulo IV da Lei 6001/73, o qual tratar a área como terra de domínio

indígena, sem, entretanto, reconhece- lá como “propriedade coletiva”,

o que tornaria possível a concessão de títulos de propriedade

individual às famílias encontradas. A metodologia adotada pelo

representante da FUNAI ignora a territorialidade Guarani e acaba

tratando as comunidades indígenas como se fossem famílias

remanescentes de algum antigo aldeamento que não existia mais,

podendo então, serem removidas (PARMIGIANI, 2015, p. 152).

A presença dos indígenas nesse território sempre incomodou quem aqui chegou,

agindo de modo a satisfazer interesses próprios, e interesses econômicos coletivos. Por

isso, expulsar os indígenas ou exterminá-los fez parte do projeto de desenvolvimento

arquitetado nessas terras, desenvolvimento que só seria possível sem a presença

incomoda dos povos originários.

1.4 O ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO E OS CONFLITOS FUNDIÁRIOS

ENVOLVENDO POVOS INDÍGENAS

O processo de formação do espaço agrário brasileiro está atrelado a três

momentos históricos que remontam ao início da colonização do nosso território:

Capitanias Hereditárias; Primeira Lei de Terras; modernização da Agricultura. Tais

momentos nos ajudam a compreender o processo desigual de distribuição de terras, que

deram origem à concentração fundiária no Brasil e à manutenção da pobreza como uma

expressão desse processo desigual. O modelo de concentração fundiária brasileira:

6 Nesse período, a FUNAI recebia duras críticas da sociedade civil, tendo em vista que (sob a direção de

militares) intensificou as ações de exploração do patrimônio e trabalho indígena durante o regime militar,

agindo nas frentes de atração da mesma forma que agia o Serviço de Proteção do Índio (SPI- extinto no

ano de 1967, pelos militares, com o argumento de ter se tornado um órgão corrupto e mal gerenciado). (

MEIRA, 2013, p.104)

29

estrutura injusta da propriedade de terras no Brasil e os conflitos envolvendo povos

indígenas

Com o objetivo de ocupação de terras, a Coroa Portuguesa instituiu o modelo de

Capitanias Hereditárias, que consistia na divisão do território em extensões de terra e

concedê-las a particulares que adquiriam o direito de explorar. De acordo com

Guimarães (1989), “Estruturavam- se, assim, tanto a propriedade como o Estado, sob os

mesmos moldes e princípios que regiam os domínios feudais: grandes extensões

territoriais entregues a senhores dotados de poderes absolutos sobre as pessoas e as

coisas”. (GUIMARÃES, 1968, p.46).

Outro momento significativo em relação a concentração fundiária brasileira

refere-se a Primeira Lei de Terras – Lei nº 601, de 1850 – que teve como principal

característica a implantação da propriedade privada das terras. De acordo com Stédile

(2005, p.6) o que levou à sanção dessa lei foi a pressão por parte dos ingleses pela

substituição da mão-de-obra escrava pela assalariada, tendo em vista, a abolição da

escravatura. Desta forma, essa lei significou o impedimento do acesso de escravos

libertos à propriedade privada. Neste momento, a terra passa a ser mercadoria,

expressando uma relação de compra e venda.

Segundo Stédile (2005, p.6), “A Lei nº 601, de 1850, foi então o batistério do

latifúndio no Brasil. Ela regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade

rural, que é base legal, até os dias atuais, para a estrutura injusta da propriedade de

terras no Brasil”. (STÉDILE, 2005, p.6).

Com sua estrutura fundiária consolidada, em 1970 acentua-se no Brasil o

processo de transformação da produção e organização da agricultura, configurando-se

na sua modernização. Esta se justifica pela substituição do modelo de agricultura

pautada nas formas tradicionais de produção por novas técnicas e a utilização de

insumos industriais modernos, o que significou nas palavras de Silva (1980) a inserção

e o desenvolvimento do modo de produção capitalista nas relações de produção do

campo.

A agricultura enquadra-se à lógica industrial, respondendo aos ditames impostos

por esta. O Estado passa a incentivar por meio de políticas de credito a produção de

commodities – produtos estimulados pelo Estado e destinados à exportação. Neste

contexto, excluem-se os pequenos proprietários de terra que não puderam adequar-se ao

processo de modernização. Exclui-se também desse processo toda a população

originária do território brasileiro, que por não atribuírem à terra um valor de mercadoria

30

e objetivo de lucratividade, foram expulsos e/ou exterminados, perdendo assim grande

parte de seu território.

Os conflitos fundiários envolvendo povos indígenas no Brasil estão inteiramente

ligados ao crescimento do agronegócio, isso porque, o principal foco do agronegócio é a

produção de commodities em larga escala que, por sua vez, necessita de extensas

propriedades de terra para a sua lucratividade. Desta forma, a crescente busca por terras

vem provocando a invasão de terras indígenas, uma vez que, por não estarem

demarcadas ficam à mercê de fazendeiros, que cada vez mais, vão se adentrando de

forma agressiva no território indígena. O resultado disso é o agravamento dos

confrontos entre comunidades indígenas e fazendeiros em todo o país. Isso tem gerado

uma reivindicação por parte dos povos indígenas pelas demarcações de suas terras,

como forma de impedir a perda de território para latifundiários.

Os dados numéricos de quantos índios habitam o Brasil são imprecisos, pois,

nunca se realizou um censo indígena em âmbito nacional. Os dados que o Instituto

Socioambiental (ISA, 2014) nos traz é de que são 280 mil índios aldeados, ou ainda,

segundo dados da FUNAI, 320 mil. Imprecisos ou não, essa população representa cerca

de 2% da população brasileira, muito pouco para preocupar o governo e se efetivar suas

políticas, além do que a distribuição geográfica dificulta qualquer tentativa.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), com base em 2013, o ritmo de

demarcações tem diminuído com o decorrer dos anos, em boa parte por conta da

influência cada vez maior do agronegócio sobre as terras. No governo de José Sarney,

Fernando Collor de Melo e Itamar Franco, foi homologado, 195 Terras Indígenas no

Brasil. No governo de Fernando Henrique Cardoso foram 145; no Governo Lula, 87 e,

com a atual presidenta Dilma, apenas 11. (ISA, 2013).

Segundo Márcio Santilli (2000) “a afirmação de direitos de minorias é uma

questão delicada. Em princípio, esses direitos significam limites e constrangimentos aos

direitos da maioria. E é ela quem faz as leis.” (SANTILLI, 2000, p. 64).

Neste sentido é um equívoco pensar que a questão indígena se resume apenas a

um conflito entre povos indígenas e latifundiários. O que está em disputa é um projeto

de sociedade, no qual esteja assegurado em lei o direito de existência, social e cultural,

dos povos indígenas em seus territórios historicamente ocupados, o que nos remonta

novamente ao processo de colonização onde comunidades inteiras foram dizimadas

pelos interesses políticos e econômicos e em nome da lei de Deus.

31

Como destaca o antropólogo Gersem Baniwa, em uma entrevista para o site

EBC Cidadania:

Um plano indigenista para o Brasil passa pela existência de um

Projeto de Nação do Brasil. Quando observamos a difícil situação de

vida dos povos indígenas, pelas permanentes violações de seus

direitos básicos, como o direito ao território e à saúde, podemos

acreditar que ou o país ainda não definiu seu projeto de nação; ou já

definiu e neste projeto não há lugar para os povos indígenas

(BANIWA, 2013, s.p).

Frente ao direcionamento histórico e do fortalecimento em defesa dos direitos

dos povos indígenas, dentre eles, o direito a demarcação das terras indígenas, que

segundo Relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2006-2007) um dos

principais argumentos utilizados para explicar a morosidade nos procedimentos para

demarcação das terras indígenas, é a falta de recursos financeiros. Isso implica

profundamente na precariedade dos serviços de assistência prestados a essa população,

na falta de atendimento, falta de equipamentos e remédios, demora no repasse de

recurso e dificuldades no transporte e remoção de doentes.

Com base no Censo Demográfico 2000, pesquisadores do IBGE constataram que

para cada mil crianças indígenas nascidas vivas, 51,4 morreram antes de completar um

ano de vida, enquanto no mesmo período, a população não indígena apresentou taxa de

mortalidade de 22,9 crianças por cada mil. Portanto, a taxa de mortalidade entre índios e

não índios registrou uma diferença de 124%. (IBGE, 2000).

O número de crianças indígenas que morrem vítimas de doenças facilmente

tratáveis, como por exemplo, diarreia aguda e vômito têm crescido de modo alarmante a

cada ano. Segundo o Relatório de Violência contra os Povos Indígena no Brasil do ano

de 2010, foram registradas 92 mortes de crianças indígenas de 0 a 5 anos. O Relatório

do ano de 2014 apresenta o alarmante número de 785 crianças que morreram vítimas de

doenças facilmente tratáveis. (CIMI, 2010-2012)

Segundo o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (2012) o

número de assassinatos de indígenas é crescente a cada ano. Em 2012 foram registradas

60 vítimas, contra os 51 casos de assassinato em 2011. Também cresceu o número de

assassinatos em Mato Grosso do Sul, com o registro de 37 vítimas, contra os 32 casos

registrados em 2011. O estado continua à frente no número de casos no país, com mais

de 60% das ocorrências. A grande maioria das mortes ocorreu entre indígenas do povo

32

Guarani-Kaiowá, com 34 pessoas assassinadas. Também ouve mortes entre o povo

Terena (2) e Guarani Nhandeva (1). (CIMI, 2012, p.138).

O suicídio e a tentativa de suicídio também são preocupantes e mais uma vez

expressam a difícil realidade dos povos indígenas no nosso país, podemos afirmar que a

quantidade de casos, é reflexo, da omissão do poder público, e tal omissão é violenta.

Em 2012 voltou a subir os casos de suicídios entre os Guarani-Kaiowá, com 56 vítimas.

Os dados são do próprio Ministério da Saúde (DIASI/DSEI) que indicam 611 casos de

suicídios nos últimos 13 anos (2000-2012). Os dados referentes aos suicídios apontam

para uma realidade de genocídio silencioso no estado do Mato Grosso do Sul e a faixa

etária mais atingida está entre os jovens de 15 a 29 anos.

Diante destas informações, é possível perceber que o aumento das mortes e da

violência contra os povos indígenas é reflexo destas políticas que se omitem, negando

os direitos destes povos. É importante destacar a necessidade urgente para a demarcação

do território indígena e mais do que isso, é fundamental construiu uma política

indigenista que torne efetiva a proteção dos direitos e a promoção da dignidade desses

povos.

33

2 O DIREITO A TERRA COMO UM ESPAÇO DE PRESERVAÇÃO DA

CULTURA E MODO DE VIDA DOS POVOS INDÍGENAS

Sabemos que uma das principais demandas dos povos indígenas é o direito à

terra, demanda que historicamente é pautada denunciando as constantes violações dos

direitos desses povos, violações cometidas por meio de interesses arraigados no

etnocentrismo europeu que incumbe um valor de mercado sobre as terras, causando

consequentemente o confinamento desses povos em minúsculas áreas já não mais

produtivas, provocando a escassez dos recursos naturais.

Oposto a esse pensamento mercadológico da sociedade capitalista está o

pensamento dos povos indígenas que compreendem seu território como um espaço de

preservação da sua cultura em todas as suas dimensões, o modo de vida de seu povo.

Como destaca Martins (1986)

A insuficiência decorrente do cercamento territorial aparece como

específica insuficiência para continuar sendo índio, pois a condição de

ser índio está inteiramente vinculada à definição do território.

Continuar a ser índio depende de [...] soluções que permitam a

sobrevivência num espaço que se tornou culturalmente limitado e se

tornou, num certo sentido, branco. [...] Na perspectiva que aparece nos

depoimentos indígenas, a terra não é simplesmente um instrumento

econômico. Ela aparece em primeiro lugar como condição da vida,

como meio de reprodução social (MARTINS, 1986, p.36- 37).

A história do nosso país é marcada pela invasão dos colonizadores, expulsando

os indígenas dos seus territórios, expulsão que ocorre até hoje, à luz dos nossos olhos,

com objetivo de promover a valorização dos imóveis rurais e o crescimento das

fronteiras do agronegócio o que acaba por confinar os indígenas em seus territórios

reivindicados e provocar a morte de tantos outros.

De acordo com dados do ISA (2012), 7os indígenas hoje possuem 678 territórios

demarcados, em todo o território brasileiro, uma área de aproximadamente 112.703.122

hectares². Na região da Amazônia Legal estão localizadas 414 dessas terras demarcadas,

totalizando 110.970. 489 hectares, ocupando 21,73 % do território brasileiro. Isso

significa que 98,6% da área demarcada para os povos indígenas, estão na Amazônia

Legal e os outros 1,4% se encontra em todas as outras regiões do território brasileiro.

7 Disponível em< http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/situacao-juridica-das-tis-hoje > acesso em 11

nov./ 2015.

34

O mais recente censo sobre a população nacional, realizada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado no ano de 2010 mostra que mais

da metade dos 896, 9 mil indígenas não moram na Amazônia Legal, estão espalhados

em todo o restante do território brasileiro, dividindo 1,4% de territórios demarcados, um

número quase imperceptível se comparado aos territórios demarcados somente na região

da Amazônia legal.

Diante dessa realidade Spensy Pimentel (2013) argumenta que “À luz desses

dados, a falácia do argumento de que há muita terra para poucos índios se desfaz

facilmente, portanto. Não é preciso buscar muito para perceber quais interesses estão

por trás da divulgação enviesada dos dados referentes à distribuição das terras indígenas

no país.” (PIMENTEL, 2013, p.87).

A partir da realidade do estado do Mato Grosso do Sul é possível visualizar

melhor a realidade vivenciada pelos indígenas. Ainda de acordo com os dados do IBGE

(2010) o estado do Mato Grosso do Sul, possui a segunda maior população indígena no

Brasil, 77.025 pessoas, ficando atrás do Amazonas apenas. Desse total de indígenas, 70

mil são dos dois grupos mais numerosos, os Guarani- Kaiowa e os Terena,

sobrevivendo com cerca de 70 mil hectares, e são justamente esses dois grupos que não

estão na Amazônia Legal, em territórios demarcados.

Podemos perceber aqui que existe um problema sério no acesso à informação

sobre a situação das terras indígenas no território brasileiro, e que infelizmente, acaba

sendo uma verdade difundida pela mídia mentirosa e por grupos ruralistas que

constroem laudos falsos e provocam terrorismos na população8, o que acaba por

acentuar ainda mais os conflitos e preconceitos existentes contra os povos indígenas.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA) em parceria com o

Instituo Rosa Luxemburgo (RSL) intitulada – A pesquisa Indígena no Brasil Demandas

dos Povos e Percepções da Opinião Pública9- retratam também esse panorama da

desinformação e preconceito em relação aos povos indígenas.

8 Caso recente sobre laudo falso divulgado na região oeste do Paraná. Disponível em:

http://oindigenista.com/2015/07/03/universidade-do-parana-investiga-ilegalidades-de-professor-e-

antropologo-que-assessora-ruralistas-contra-indigenas/. 9 A pesquisa foi realizada no ano de 2010, tendo como amostra no módulo I 2.006 entrevistas, divididos

em duas subamostras espelhadas, de 1.000(A) e 1.006(B) entrevistas. No módulo II e III as entrevistas

foram realizadas com lideranças dos povos indígenas no Brasil e com indígenas não aldeados e urbanos,

essa última realizada no ano de 2011.

Disponível em: http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/Pesquisa_Completa.pdf

35

O Gráfico um (1) responde a pergunta feita em relação ao preconceito contra

indígenas e, é possível perceber que o maior índice se concentra na região sul e norte do

país, mas todos os outros índices apresentados mostram uma diferença ínfima em

relação às demais regiões do país.

GRÁFICO 1

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

Outro gráfico apresentado e que responde essa mesma pergunta retrata a triste

realidade do preconceito que existe contra indígenas, quando 79% dos entrevistados

respondem que existe sim preconceito contra esses povos no Brasil.

GRÁFICO 2

36

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

O preconceito em maior índice apresentado pelo quadro diz respeito aos brancos

em relação aos indígenas. O ranço do colonialismo europeu ainda faz parte da nossa

cultura quando podemos visualizar um número tão expressivo de 79% na pesquisa.

Outros dois gráficos respondem a duas perguntas realizadas, a primeira pergunta

refere- se à expressão “no Brasil tem muita terra pra pouco índio” e a outra refere- se a

expressão “índio bom é índio morto”. Os índices de desinformação e preconceito contra

os indígenas nesses dois quadros são desanimadores e revelam a difícil situação

enfrentada por esses povos quando nos deparamos com essa realidade.

GRÁFICO 3

37

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

GRÁFICO 4

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

38

Diante dos gráficos (1, 2, 3 e 4) apresentados e dos indicadores apontados, é

possível perceber que as regiões em que existem os maiores índices de preconceito

contra os povos indígenas são as regiões que mais possuem ocorrências de invasão de

terras, assassinatos e tentativas contra eles.

Segundo o CIMI, no ano de 2014, as regiões que mais tiveram registros em

relação aos conflitos territoriais, envolvendo invasão das terras indígenas formam as

regiões norte, com 49 casos registrados, região nordeste com 28 casos registrados e a

região centro- oeste com 21 casos. Em relação as mais diversas violências registradas

contra os indígenas (ameaças, assassinatos, homicídio doloso, lesões corporais, racismo,

tentativa de assassinato, violência sexual) os maiores índices foram registrados nas

regiões centro- oeste com 77 casos, (50 mortes), na região norte com 64 casos de

violência, na região nordeste, 56 casos, na região sul, 43 registos e na região sudeste, 9

casos registrados. (CIMI, 2014, p. 75-101)

Se compararmos a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em parceria

com o Instituto Rosa Luxemburgo com o Relatório do CIMI, podemos afirmar que a

violência contra os povos indígenas é consequente do preconceito enraizado na nossa

sociedade capitalista.

No 3º gráfico, sobre os indicadores apresentados em relação à expressão “no

Brasil tem muita terra para pouco índio”, podemos observar que o maior índice de

concordância com essa expressão é na região nordeste, onde 38% dos entrevistados

concordam totalmente e 22 % concordam em parte. Segundo dados do CIMI, na região

nordeste ocorreram 28 registros de conflitos territoriais e invasão das terras indígenas.

Na região norte, 37% concordam totalmente e 25% concordam em parte, e de acordo

com o relatório do CIMI, foi à região que mais registrou casos de conflitos territoriais,

49 casos no total. Na região centro-oeste, 22% concordam totalmente e 21% concordam

em parte e, segundo o mesmo relatório, foram registrados 21 casos de conflitos

territoriais.

Se observarmos o 4º gráfico e seus indicadores que respondem a afirmação

“índio bom é índio morto”, percebemos que a região com maior concordância com a

expressão, é a centro- oeste, onde 6% concordam plenamente e 2% concordam em

parte. E de acordo com o Relatório do CIMI, é a região que mais registrou casos de

violência contra indígenas, um total de 77 casos. A segunda região que mais concordou

com a afirmação, é a norte, com 5% dos entrevistados que concordam totalmente e 4%

concordam em parte. Segundo o relatório do CIMI, a região norte é a segunda região

39

que mais registrou casos de violência contra os indígenas, um total de 64 casos. Na

região sul, 3% dos entrevistados concordam totalmente com a afirmação e outros 3%

concordam em parte. O número dos casos de violência registrado nessa região soma um

total de 43 registros. Na região do nordeste, 2% concordam totalmente e 2% concordam

em partes. O número de caos registrados sobre a violência contra indígenas no nordeste

é de 56 casos.

Atrelado a discriminação e violência contra os indígenas está a falta de

conhecimento sobre esses povos. A falta de informação correta sobre a realidade dos

indígenas é sempre uma porta aberta para a veiculação de informações mentirosas,

preconceituosas e, que, acaba por aprofundar ainda mais todas as formas de violências

cometidas. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo também abordou essa problemática

e os índices apresentados demonstram que existe sim um desconhecimento enorme

sobre esses povos. E ainda, expressam a necessidade de tornar a realidade desses povos

visível à sociedade.

GRÁFICO5

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

GRÁFICO 6

40

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

GRÁFICO 7

FONTE: Fundação Perseu Abramo/ Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, 2013.

41

Diante dos gráficos apresentados (5,6 e 7), é possível perceber que a falta de

informação e do acesso a elas em relação aos indígenas no nosso país é enorme, e isso

implica profundamente em visões e ideias equivocadas, sobre a realidade desses povos,

reafirmando ainda mais os preconceitos existentes. De acordo com Castilho e Lima

(2013)

Os dados da pesquisa mostram que ainda é correto reafirmar, no

liminar do século XXI, a permanência e a intensidade inaceitável de

diversos estereótipos sobre os povos indígenas no Brasil, o que

demonstra antes de tudo uma grande desinformação e a força do

preconceito. [...] está embutida a prevalência das visões impostas pela

hegemonia das elites rurais e do empreendedorismo industrial, bem

como a enorme lacuna de informação deixada pelo sistema de ensino

[...] funcionam como quadros de pensamentos do cidadão comum,

estão orientados não apenas pelo passivo de significações oriundos do

período colonial, pela ignorância de nossas elites, mas também,

sobretudo, pelos efeitos das conquistas de direitos que permitiu

recolocar a presença indígena em outros patamares (CASTILHO e

LIMA, 2013, p. 68-69).

Outras grandes problemáticas que ameaçam as terras indígenas no Brasil 10são

os Projetos de leis e emendas Constitucionais que tramitam no Congresso. Trata-se de

uma ofensiva promovida por deputados ligados ao agronegócio, com o objetivo de

impedir a demarcação de terras, fazendo crescer ainda mais os latifúndios e a produção

em larga escala.

A PEC 215/2000 apresentada o deputado federal Almir Moraes de Sá, do Partido

da República (PR-RR) propõe que as demarcações de terras indígenas, a titulação dos

territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental passem a ser

uma responsabilidade do Congresso Nacional, ou seja, uma atribuição dos deputados

federais e senadores (bancada ruralista), e não mais do poder Executivo, e ainda

estabelece a revisão das terras indígenas já demarcadas, tornando legal a invasão e posse

dessas terras. (CIMI, 2015)

Existem outros projetos que representam grandes ameaças ao direito do

reconhecimento das terras indígenas.

QUADRO 1

PROJETOS

/PRPOSTAS

AUTOR EMENTA

10http://www.cimi.org.br/pec2015/cartilha.pdf

42

/PORTARIAS

PL 1610/1996 Romero Jucá -

PFL/RR

Dispõe sobre a mineração em terra indígena,

considerando que “qualquer interessado” pode

requerer autorização de lavra em terra indígena.

O projeto não contempla satisfatoriamente o

direito de consulta aos que serão afetados pela

atividade minerária - a “consulta pública”

prevista no PL não dá às comunidades afetadas a

possibilidade de rejeitar a exploração mineral.

Portaria

419/2011

Ministros de

Meio Ambiente,

Justiça, Cultura

Saúde.

Regulamenta prazos para o trabalho e

manifestação da FUNAI e demais órgãos

incumbidos de elaborar pareceres em processos

de licenciamento ambiental. Essa portaria visa

agilizar a liberação de obras de infraestrutura em

terras indígenas, incluindo grandes

empreendimentos como hidrelétricas e abertura

de estradas.

Portaria

303/2012

Luís Inácio

Adams—

AGU—

Advocacia Geral

da União

Fixa uma interpretação sobre as condicionantes

estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal

(STF) no julgamento do caso Raposa Serra do

Sol, estendendo a aplicação delas à todas as

terras indígenas do país. A portaria determina

que os procedimentos de demarcação já

“finalizados” sejam “revistos e adequados”.

PLP 227—

2012

Homero Pereira -

PSD/MT,

Reinaldo

Azambuja -

PSDB/MS,

Carlos Magno -

PP/RO e outros

Regulamenta o § 6º do art. 231, da Constituição

Federal de 1988 definindo os bens de relevante

interesse público da União para fins de

demarcação de Terras Indígenas, que legaliza

latifúndios e assentamentos dentro dos territórios

indígenas.

PEC 237/2013 Nelson Padovani

- PSC/PR

Acrescente-se o art. 176-A no texto

Constitucional para tornar possível a posse

indireta de terras indígenas à produtores rurais na

forma de concessão. (CIMI, 2015)

43

O que vem acontecendo no nosso país em especifico, nos espaços políticos, de

decisão, é uma política intencional de massacre, violência, negação e silênciamento dos

direitos indígenas, uma verdadeira ditadura contra os povos originários. No entanto, os

indígenas tem se mostrado resistentes e articulados entre si e com os seus aliados. É

através das mobilizações e resistências contra seus inimigos conservadores e

reacionários que os povos indígenas tornam visíveis essa realidade para as mais diversas

organizações internacionais que atuam em defesa dos direitos humanos, como por

exemplo, a ONU11, que tem se manifestado diante das situações de violência. Outras

mudanças importantes ocorreram como a criação da Comissão Nacional da Verdade

no ano de 2015 e a Comissão Indígena da Verdade e Justiça como sinais de avanços,

apesar de ser muito pouco ainda.

No ano de 1968 as denúncias das violências e dos massacres e do extermínio de

etnias inteiras (a exemplo do massacre do Paralelo 11, em que todos os indígenas da

etnia Cinta Larga forma envenenados e assassinados) tornaram- se um manifesto no

mundo todo, registradas em mais de sete mil páginas do Relatório Figueiredo12 e, é

nesse momento que essas situações começaram a ser mais fortemente denunciada nas

mais diversas Comissões Parlamentares de Inquérito instauradas (CPIs).

2.1 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS ÍNDIGENAS: UMA DÍVIDA

A proteção dos povos indígenas no plano internacional sobreveio no século XX,

mesmo comportando um caráter que objetivava a integração e tutela dos povos

indígenas com a sociedade não indígena. A Convenção 107 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) adotada no ano de 1957 previa a integração e proteção

dos povos indígenas e tribais. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1966

através do decreto 58.824 e logo no seu primeiro artigo é possível compreender o

caráter integracionista proposto para ser cumprido pelo governo. (OIT, 1966)

Art. 1º. A presente Convenção se aplica:

a) aos membros das populações tribais ou semitribais em países

independentes, cujas condições sociais e econômicas correspondem a

um estágio menos adiantado que o atingido pelos outros setores da

11Disponível em <http://política.estadao.com.br/noticias/geral,relatorio-da-onu-critica-politicas-

indigenistas-do-brasil,421234 >acesso em 21 dez 2015. 12 Disponível em< https://idejust.files.wordpress.com/2012/12/povos-indc3adgenas-e-ditadura-militar-

relatc3b3rio-parcial-30_11_2012.pdf > acesso em 23 nov 2015.

44

comunidade nacional e que sejam regidas, total ou parcialmente, por

costumes e tradições que lhes sejam peculiares por uma legislação

especial;

b) aos membros das populações tribais ou semitribais de países

independentes que sejam consideradas como indígenas pelo fato de

descenderem das populações que habitavam o país, ou uma região

geográfica a que pertença tal país, na época da conquista ou da

colonização e que, qualquer que seja seu estatuto jurídico, levem uma

vida mais conforme às instituições sociais, econômicas e culturais

daquela época do que às instituições peculiares à nação a que

pertencem.

2. Para os fins da presente convenção, o termo “semitribal” abrange os

grupos e as pessoas que, embora prestes a perderem suas

características tribais, não se achem ainda integrados na comunidade

nacional (OIT, 1966, p.1-2).

Diante desse panorama ainda que equivocado em relação aos direitos dos povos

indígenas podemos dizer que o avanço mais significativo sucedeu–se à partir da

Convenção 169 da OIT sobre os povos indígenas e tribais de 1989, da qual do Brasil é

signatário e ratificada apenas no ano de 2002 pelo decreto 5.051, estabelece de forma

definitiva, nos artigos 8º, 9º, 10º e 12º que a diversidade étnica-cultural dos indígenas e

seus povos têm que ser respeitadas em todos os seus aspectos, e de obrigar a seus

governos a assumirem a responsabilidade de desenvolverem ações coordenadas e

sistemáticas de proteção dos direitos dos povos indígenas, e garantia de respeito pela

sua integralidade, com pleno gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais

(OIT, 1989).

A Convenção dedica uma especial atenção à relação dos povos indígenas e

tribais com a terra ou território que ocupam ou utilizam de alguma forma,

principalmente aos aspectos coletivos dessa relação. É nesse enfoque que a Convenção

reconhece o direito de posse e propriedade desses povos e preceitua medidas a serem

tomadas para salvaguardar esses direitos, inclusive sobre terras que, como observado

em determinados casos, não sejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais

tenham, tradicionalmente, tido acesso para suas atividades e subsistência. Em seus

artigos 13º e 14º, a Convenção estabelece aos governos o respeito à importância

especial para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, sua relação com as

terras ou territórios, na qual os direitos de propriedade e posse de terras

tradicionalmente ocupadas pelos povos interessados deverão ser reconhecidos. (OIT,

1989)

45

Os avanços no campo jurídico sobre os direitos dos povos indígenas foram

demarcados com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos

Indígenas, no ano de 2007. Não se trata de um movimento que se seguiu de forma

tranquila e simples, o que demandou intensos enfrentamentos no plano internacional. As

discussões afetas a construção dos direitos dos povos indígenas torna- se fundamental

quando se abriu espaço para a participação dos próprios indígenas, definindo o

protagonismo desses sujeitos. Esse momento que definiu a participação e reinvindicação

dos povos indígenas é apresentado por Santos (2013) quando em 1977 foi realizada a

primeira Conferência Internacional de Organizações Não- Governamentais tendo como

proposta discutir:

[...] sobre a discriminação dos povos indígenas, na qual, pela primeira

vez, os grupos indígenas conseguiram ser ouvidos na reinvindicação

de serem designados como povos, e não mais como minoria étnica.

Com isso se intensificou o movimento pelo reconhecimento dos povos

indígenas pelo direito internacional, principalmente a partir de 1980,

quando se acentua a noção de “povos indígenas” como conceito

analítico e como categoria de identidade de titularidade de direito

(SANTOS, 2013, p.43).

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas insere-se em um

contexto de resistência e por esse motivo, no ano de 1995 deu- se o inicio da Primeira

década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, até o ano de 2004. Durante esse

período, através de um grupo de trabalho criado pela Comissão de Direitos Humanos foi

discutida a proposta da Declaração. Em 2007 a Declaração das Nações Unidas sobre os

Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada 13com 143 votos a favor, 4 votos contrários,

Canadá, Estados Unidos e Austrália, e 11 abstenções. As justificativas mais levantadas

dos votos contrários à Declaração são lembradas por Santos (2013)

[...] falta de uma definição clara do termo “indígena”; as referências e

construções potencialmente impróprias ao direito de

autodeterminação; as discordâncias referentes aos direitos à terra, aos

territórios e aos recursos naturais; e o entendimento de que as leis

comunitárias infringem a universalidade constitucional (SANTOS,

2013, p.45-46).

13Nações Unidas Rio de Janeiro, publicada em 2008. Disponível em<

http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf> acesso em 11 out. 2015.

46

A Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas em seus artigos iniciais parte do

princípio de que os povos e indivíduos indígenas são livres e iguais a todos os demais

povos, sendo proibida toda forma de discriminação, afirmação demarcada no artigo 2.

Uma das passagens mais polêmicas da Declaração é a que está nos artigos 3 e 4, em que

os povos indígenas têm direito à autodeterminação14, e ao autogoverno15. Essa menção

ao direito de autodeterminação, podendo decidir livremente sua condição política16 foi

um dos motivos alegados pelos países que votaram contra a Declaração. Em seu artigo

26, a Declaração faz menção à proteção do território indígena e a responsabilização do

Estado na garantia desse direito.

Art 2: Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os

demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a

nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que

esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.

Art 3: Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude

desse direito determinam livremente sua condição política e buscam

livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Art 4: Os povos indígenas, no exercício do seu direito à

autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas

questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a

disporem dos meios para financiar suas funções autônomas.

Art. 26: 1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e

recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de

outra forma utilizado ou adquirido.

2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e

controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da

propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou

de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham

adquirido.

14 De acordo com Bottomore, no Dicionário do Pensamento Marxista (2001, p.123) “o próprio marxismo

é herdeiro de uma concepção mais rica e mais ampla de liberdade como autodeterminação.” Os marxistas

e o próprio Marx em seus estudos compreenderam a liberdade como sendo a eliminação dos obstáculos

que impedem a emancipação humana, que impedem o desenvolvimento das possibilidades humanas e que

impedem formas de criar uma condição digna para a vida humana. 15 Os estudos marxistas também abordaram a sociedade tribal e seu significado. Desse modo, como é

descrito no Dicionário do Pensamento Marxista (2001, p.358) “o termo ‘tribo’ também tem associações

com o termo ‘povo’ [...] a imagem de uma sociedade sectária, ligada pelo parentesco, que cresce de fora

para dentro e é ferozmente autoprotetora, resultou dos contatos entre civilizações ‘avançadas’, dotadas de

escrita, e culturas sem escrita, presumivelmente menos sofisticadas e tecnologicamente ‘inferiores’. Esses

critério etnocêntricos tendem a obscurecer a distinção entre os Estados tribais e sociedades tribais sem

Estado” 16 Diante da intencionalidade construída pelos governos, prevendo a integração e tutela dos povos

indígenas e tribais, podemos identificar elementos da organização desses povos que se contrapõem aos

interesses da sociedade não indígena, e que acabou resultando na aversão ao termo autogoverno,

organização e condição política das sociedades indígenas e tribais. Trata- se de uma “sociedade sem

classes, funciona através de associação de parentesco ou quase- parentesco, não tem estrutura civil nem

autoridade civil. As aldeias que a constituem são autônomas mas vinculadas entre si; assim como mantêm

um igualitarismo interno, também se relacionam com outras aldeias em um quadro de não exploração”

(BOTTOMORE, 2001, p. 359)

47

3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas

terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará

adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da

terra dos povos indígenas a que se refiram (ONU, 2008, p.6-8).

Embora não tenhamos a partir dessa declaração a universalidade dos direitos dos

povos indígenas cobertos, torna- se fundamental demarcar que esta declaração é um

marco importante por ter sido produto de longos debates no plano internacional,

possibilitando uma reflexão sobre a necessidade do reconhecimento dos direitos

universais dos povos indígenas, trazendo em sua reflexão o resgate histórico e atual das

mais diversas opressões sofridas e por consequência a conscientização sobre a

necessidade de propostas que sejam capazes de promover o enfrentamento e a garantia

dos direitos.

2.2 A PROTEÇÃO DO DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

Mesmo que os povos indígenas estejam contemplados como sujeitos de direitos

nos marcos jurídicos brasileiros, é importante lembrar que esses povos sempre foram

considerados como um obstáculo ao processo de desenvolvimento e progresso do nosso

país, portanto, é necessária a instituição de uma tutela a esses “sujeitos incapazes de

contribuírem com esse progresso”. Essa visão completamente equivocada sobre os

povos das terras brasileiras foi determinada pelo etnocentrismo do homem branco, o

europeu colonizador que aqui instituiu seu modo de vida, de dominação e exploração

sobre os indígenas.

É necessário pensar a proteção dos direitos dos povos indígenas, reconhecer que

nas terras brasileira houve um genocídio indígena e que por consequência assumimos

uma dívida histórica e moral, o que nos obriga a tomar e responder essas demandas, que

desde a colonização permanecem e que a passos lentos é alcançada pelo poder público,

não sendo capaz de promover mudanças profundas e significativas no cenário das

violações dos direitos dos povos indígenas.

Desde a independência do Brasil, as constituições, exceto a Constituição do ano

de 1891, afiançaram aos índios seus direitos, porém, não em sua universalidade. As

constituições de 1824, 1934, 1937, 1946 e 196717, proclamam debilmente o direito ao

17 Disponível em <www4.planalto.gov.br/legislação/legislação-historica/constituições-anteriores-1>

Acesso em 27/10/2015.

48

território indígena e, apresentando o caráter integracionista e tutelar das legislações

afetas aos indígenas. A Constituição de 1824 não dedica Titulo, Capitulo ou Secção aos

Índios. Mas, eles são considerados, pelo artigo 6º, cidadãos brasileiros.

Artigo 6º − São cidadãos brasileiros:

I − Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos,

ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por

serviço de sua Nação. (BRASIL, 1824, s.p)

Constituição de 1934:

Art. 129 – Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se

achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado

aliená-las. (BRASIL, 1934, s.p)

Constituição de 1937:

Art. 154 – Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se

achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada

a alienação das mesmas. (BRASIL, 1937, s.p)

Constituição de 1946:

Art. 216 – Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se

achem permanentemente localizados, com a condição de não a

transferirem. (BRASIL, 1946, s.p)

Constituição de 1967:

Art. 186 – É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras

que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos

recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (BRASIL,

1967, s.p c).

Em 1973, momento de intensos conflitos que atingiram os povos indígenas, a

legislação brasileira dá um grande passo no que se refere ao direito indígena, com a

promulgação da lei 6.101, conhecida como o Estatuto do Índio, tendo como finalidade

a regulação da situação jurídica dos índios, ou silvícolas, e das comunidades indígenas,

conforme estabelece o artigo 1º. No entanto, esse Estatuto veio confirmar-se com a

concepção que acaba por remeter o período colonial, quando propõe “integrá- los,

progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.” (BRASIL, 1973). Conforme

destaca Bonin e Stefanello (2013):

O Estatuto do Índio de 1973 traz consigo esse “ranço” do pensamento

dos homens da história, permitindo que a condição de tutelados

cerceie- além de reduzir a capacidade civil dos índios, a autogestão de

suas terras e a projeção de seu futuro como povos- sua livre expressão

política e acesso aos serviços públicos [...] (BONIN e STEFANELLO,

2013, p. 122).

A Constituição Federal (CF) de 1988 é considerada um marco histórico no que

diz respeito aos direitos dos povos indígenas, pois é a partir desse momento que o

49

Estado assume uma relação mais participante diante da realidade desses povos,

sobrepondo- se as diversas concepções integracionistas contempladas em outras

legislações, que afirmavam sobre a cultura indígena como inferior, garantindo assim, o

direito de ser índio. Nesse sentido, a CF dedica, um capítulo específico, ao direito

indígena. (Capitulo VIII, "Dos Índios"). Neste Capitulo:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre

as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-

las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes

legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e

interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do

processo. (BRASIL, 2010, p.97).

A CF também destaca a importância do território para os povos indígenas

conforme descrito no parágrafo primeiro, segundo e quarto do artigo 231.

§1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles

habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades

produtivas, as imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais

necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e

cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§2º [...] cabendo- lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos

rios e dos lagos nelas existentes.

§4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e

os direitos sobre elas, imprescritíveis. (BRASIL, 2010, p.97).

O reconhecimento sobre os avanços jurídicos da CF após muitos anos revelam a

necessidade de um novo olhar sobre a realidade dos povos indígenas, como destacam

Gonçalves e Liberato (2013).

O direito de continuar a ser índio vagarosamente vem sendo adquirido

pelas tribos indígenas, encerrando mais de quinhentos anos de

integração forçada através das Políticas Integracionistas. As normas

constitucionais devem ser analisadas de acordo com a realidade. A

Constituição vigente encampam os direitos humanos [...] (Gonçalves e

Liberato, 2013.p, 104).

É necessário que, diante de todo esse aparato jurídico o Estado esteja presente e

acompanhe os reclames dos povos indígenas, cumprindo com seu papel de proteção e

promoção dos direitos já garantidos.

50

Diante desse cenário que demonstra os avanços jurídicos, a CF de 1988 abriu

espaço para várias discussões em torno de outras legislações, como por exemplo, o

próprio Estatuto do Índio, e a partir do ano de 1990 surgem novas proposições para a

reestruturação do Estatuto. Como observam Bonin e Stefanello (2013)

Um dos resultados da mobilização e articulação dos povos indígenas é

o Projeto de Estatuto dos Povos Indígenas apresentado pelo Ministério

da Justiça à Câmara dos Deputados em 2009, possuindo cerca de 250

artigos, enquanto o Estatuto do Índio de 1973 possui apenas 68.

Enquanto a Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973 tinha como intuito

regular a “situação jurídica dos silvícolas” com o propósito de integrá-

los progressivamente à sociedade, o Novo Projeto de Estatuto dos

Povos Indígenas tem como princípio regular a situação jurídica dos

indígenas, suas comunidades e povos, fazendo respeitar sua

organização social, cultura, terras que ocupam e seus bens (BONIN e

STEFANELLO, 2013, p.123).

Sabemos que esse Projeto não apresenta um ideal universalizador sobre os

diretos indígenas, uma vez que, todas as políticas indigenistas são construídas pelos

brancos dentro de uma sociedade que em sua lógica ocidental desconhece as relações

grupais e solidárias em que se sustentam as relações desses povos. Ainda nas palavras

de Bonin e Stefanello (2013, p. 123) “[...] ainda que o novo Estatuto contenha

importantes mudanças, o mesmo não deixa de ser reflexo da política indigenista

produzida pela sociedade dominante e excludente que impera nas relações de poder,

seja no Congresso Nacional ou em diversos tribunais.”

Todavia é importante destacar os avanços do Projeto de Estatuto dos Direitos

dos Povos Indígenas em relação ao Estatuto de 1973.

Art. 6º. A política de proteção dos povos indígenas e promoção dos

direitos indígenas terá como finalidades:

I - garantir aos indígenas o acesso aos conhecimentos da sociedade

brasileira e sobre o seu funcionamento;

II - garantir meios para sua auto-sustentação, respeitadas as suas

diferenças culturais;

III - assegurar a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida

e de subsistência;

IV - assegurar o seu reconhecimento como grupos etnicamente

diferenciados, respeitando suas organizações sociais, usos, costumes,

línguas e tradições, seus modos de viver, criar e fazer, seus valores

culturais e artísticos e demais formas de expressão;

V - garantir a posse e a permanência nas suas terras e o usufruto

exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos nelas existentes;

VI - garantir o pleno exercício dos direitos civis e políticos;

51

VII - proteger os bens de valor artístico, histórico e cultural, os sítios

arqueológicos e as demais formas de referência à identidade, à ação e

à história dos povos ou comunidades indígenas;

VIII – proteger os povos em risco de extinção, em situação de

isolamento voluntário ou não contatados (BRASIL, 2009, p.2).

Em meio aos avanços apresentados pelo Projeto de Estatuto dos Direitos dos

Povos Indígenas, Bonin e Stefanello destacam o respeito e a não restrição dos indígenas

em todos os espaços públicos por motivo dos trajes e pinturas, assegurando assim a

manifestação cultural desses povos. O Projeto também propõe definições para Povos

Indígenas que são definidos como coletividades de origem pré-colombiana,

apresentando particularidades culturais, tendo uma identidade e organização social

própria. Para a definição de Comunidade, entende- se como um grupo humano local

com um ou mais povos tendo uma organização própria, e como Indígena, é aquele que

se considera pertencente a um povo ou comunidade e que é reconhecido como tal por

seu povo, enquanto o Estatuto de 1973 apresenta as definições de Índios ou Silvícolas e

como Comunidade Indígena ou Tribal, classificando- os como isolados, em vias de

integração ou integrados (Bonin e Stefanello 2013). Nesse sentido, é respeitável

reconhecer os progressos apresentados pelo Projeto.

O governo brasileiro recentemente aprovou em 2010 o Programa Nacional de

Direitos Humanos (PNDH III), com o intuito do Estado brasileiro, assumir os direitos

humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade como política

pública. Ele expressa avanços na efetivação dos compromissos constitucionais e

internacionais com direitos humanos e resultou de amplo debate na sociedade e no

governo. Tal programa dedica um capítulo específico para os povos indígenas.

O Decreto n° 7.037 de 21 dez 2009, atualizado pelo Decreto nº 7.177 de 12 de

maio de 2010, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República, define o Programa Nacional dos Direitos Humanos – PNDH 3. No eixo

orientador III: Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades, Diretriz 9.

Combate às desigualdades estruturais, encontramos o objetivo estratégico II: Garantia

aos povos indígenas da manutenção e resgate das condições de reprodução, assegurando

seus modos de vida. Algumas ações programáticas previstas para tal eixo são:

a) Assegurar a integridade das terras indígenas para proteger e

promover o modo de vida dos povos indígenas. Responsável:

Ministério da Justiça; Parceiro: Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

c) Aplicar os saberes dos povos indígenas e das comunidades

52

tradicionais na elaboração de políticas públicas, respeitando a

Convenção n° 169 da OIT. Responsável: Ministério da Justiça.

Parceiro: Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

l) Adotar medidas de proteção dos direitos das crianças indígenas nas

redes de ensino, saúde e assistência social, em consonância com a

promoção dos seus modos de vida. Responsáveis: Ministério da

Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome; Secretaria Especial dos Direitos Humanos

da Presidência da República. Parceiro: Fundação Nacional do Índio

(FUNAI). (BRASIL, 2009, p. 88-90).

Também, destacamos o compromisso coletivo assumido por nações,

organizações nacionais e internacionais e sociedade civil, durante a Conferência das

Nações Unida para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de janeiro,

na construção da Agenda 21 Global, que em seu capítulo 26, apresenta reconhecimento

e fortalecimento do papel das populações indígenas e suas comunidades, para subsidiar

áreas de programas e base para a ação:

As populações indígenas e suas comunidades devem desfrutar a

plenitude dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, sem

impedimentos ou discriminações. Sua capacidade de participar

plenamente das práticas de desenvolvimento sustentável em suas

terras tendeu a ser limitada, em consequência de fatores de natureza

econômica, social e histórica. Tendo em vista a interrelação entre o

meio natural e seu desenvolvimento sustentável e o bem estar cultural,

social, econômico e físico das populações indígenas, os esforços

nacionais e internacionais de implementação de um desenvolvimento

ambientalmente saudável e sustentável devem reconhecer, acomodar,

promover e fortalecer o papel das populações indígenas e suas

comunidades (AGENDA 21, 1992, p.373).

Outro elemento importante sobre a construção dos direitos indígenas que deve

ser lembrado, diz respeito aos movimentos indigenistas e suas resistências diante das

lutas travadas nos mais diversos espaços.

Segundo escritos de Terena (2013) o registro do primeiro movimento indígena

no Brasil surgiu no final da década de 1970 e início de 198018, chamado de União das

Nações Indígenas (UNIND). Esse movimento era construído por 15 jovens indígenas e

tinha como “propósito somar com as autoridades tradicionais na busca do bem comum

como a demarcação das terras e as iniciativas na defesa de Povos que sempre tiveram

18Outras entidades desse período: Comissão Pró- Índio de SP, Rio, Bahia e Paraná, Conselho Indigenista

Missionário (CIMI); Centro de Documentação Indigenista (CEDI), além da Associação Brasileira de

Antropologia (ABA) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tinha um caráter mais amplo na sua

participação, na defesa dos direitos humanos. (TERENA, 2013. p. 53)

53

um interlocutor, um especialista que falava por eles nas relações interculturais sob o

risco de falsos diálogos ou da manipulação quando os interesses estatais se faziam

presentes” (TERENA, 2013, p.53).

Terena, nos esclarece que a UNIND não nasceu como um movimento ou

organização indígena consolidada, mas se tratava de um grupo de estudantes indígenas

que faziam intercâmbios em Brasília, nos espaços educacionais (colégios e

universidades). Esse grupo se tornou um movimento de resistência indígena no

momento em que o governo militar percebeu que esses jovens, nos espaços de

intercâmbio, traziam em seu discurso uma ameaça aos dogmas e formas de ação

indigenista, desenvolvidas por esse mesmo governo.

É nesse momento de desconfiança, que os militares dirigentes da FUNAI, a

mandos do Conselho de Segurança Nacional decidem desocupar Brasília desses jovens

indígenas, com o argumento de que Brasília seria um lugar atípico para a presença de

indígenas. Diante disso, os 15 jovens indígenas, inteligentes e ‘indisciplinados’

manifestam- se publicamente, em defesa dos direitos humanos, do livre- arbítrio e do

direito poder estudar e morar em Brasília. (TERENA, 2013)

Nesse sentido, é fundamental buscar a garantia do protagonismo indígena dentro

dos movimentos sociais indigenistas que encampam a luta pelos direitos desses povos e

pensar que o primeiro movimento foi protagonizado por jovens indígenas nos espaços

educacionais reafirma a necessidade da participação desses sujeitos nos movimentos de

resistência.

Nos anos de ditadura militar, de cerceamento de toda forma de expressão que

proclamava aversão à ordem, da liberdade e de luta, foram anos de movimentação dos

indígenas e das entidades de apoio. Com o processo da abertura democrática tem- se

também um grande marco para os povos indígenas, A CF de 1988 através da garantia de

um Capítulo específico que demarca os direitos desses povos mostrou o resultado das

organizações das lideranças tradicionais, das entidades e dos aliados na luta pela

garantia dos direitos indígenas, como uma importante conquista.

No decorrer da década de 1980 e 1990 foram surgindo associações e

organizações indígenas com representações regionais e nacionais, dando assim, maior

visibilidade às lutas desses povos. Algumas delas citadas por Terena (2013):

A própria UNIND foi transformada em UNI, nascendo dela o Núcleo

de Cultura Indígena em São Paulo, o Núcleo de Direitos Indígenas em

54

Brasília e o Centro de Estudo e Formação Indígena em Goiânia. Na

região amazônica a Coordenação das Organizações Indígenas da

Amazônia Brasileira (COIAB), A Federação das Organizações

Indígenas do Rio Negro (FORIN), a UNI- Acre, a Coordenação dos

Povos Indígenas de Rondônia (CONPIR) e a Coordenação Indígena

de Roraima (CIR) entre outras, e mais recentemente as Articulações

Indígenas do Nordeste, Pantanal, Sul e Leste, o ITC- Comitê

Intertribal, o Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade

Intelectual (INBRAPI), além do Conselho Nacional da Mulher

Indígena (CONAMI) junto com o grupo de Mulheres Indígenas

(GRUMIN), totalizando mais de 100 organizações indígenas

brasileiras. [...] Todos esses movimentos e organizações são

conhecidas e convidadas para debate e negociações, mas nenhuma

delas ocupa um assento nas instâncias de decisão (TERENA, 2013,

p.54-55).

Diante disso, é fundamental que os movimentos e organizações se solidifiquem

cada vez mais, assumindo novos diálogos com o Poder Público, exigindo espaços nas

instâncias de decisão, cobrando do governo políticas mais universais e eficazes,

garantindo a representatividade indígena, a participação democrática e a efetivação dos

direitos.

55

3 O DESAFIO HISTÓRICO-POLÍTICO DE FORMULAR A POLÍTICA

INDIGENISTA COM A PARTICIPAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS: O

POSICIONAMENTO DO SERVIÇO SOCIAL

Diante dos avanços constitucionais jurídicos apresentados, é importante refletir

sobre a participação dos indígenas nesses espaços e os desafios encontrados para

efetiva-la, entendendo que a participação desses sujeitos é fundamental para não

construir ações cegas e até mesmo de caráter autoritário, não respeitando a autonomia e

particularidades de cada povo.

Pensar em política indigenista é entender que a garantia do direito dar-se-á

primeiramente através do reconhecimento e demarcação das terras19. É buscar saber

quem são os Povos Indígenas, em quais espaços se encontram, é identificar seus

costumes e tradições, compreender e respeitar as formas de organizações econômicas,

sociais, territoriais, ambientais e sua estrutura social para buscar o desenvolvimento de

uma visão complexa e universal sobre os direitos coletivos desses povos. É preciso

identificar as suas vulnerabilidades e ouvir suas demandas, respeitando a

autodeterminação de cada povo e os específicos modos de vida. Além disso, é

fundamental que esses povos indígenas sejam partícipes em todos os processos de

formulação dessas políticas. Segundo Terena (2013)

A política indigenista não pode ser uma demanda imediata a pressões

ou demandas indígenas pontuais como o Dia do Índio, Dia do Meio

Ambiente, bolsas de estudo, nomeação de um assessor sem autonomia

e poder de decisão, uma fundação sem poder político, pois são

demandas parciais e que não correspondem aos direitos humanos mais

amplos e está contextualizado a um determinado aspecto. [...] Uma

política indigenista deve reconhecer a participação indígena [...]

(TERENA, 2013, p. 58-59).

O Estado brasileiro começou a dar respostas a essas demandas somente no ano

de 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio. O SPI foi um órgão

administrado pelo governo federal em um momento que ainda predominavam antigas

ideias evolucionistas sobre a humanidade e o seu desenvolvimento por estágios, tendo

19“É importante ressaltar que a demarcação é um ato secundário. Ainda que a terra indígena não esteja

demarcada, o fato de existir ocupação tradicional é já é suficiente para que as terras sejam protegidas pela

União” (MARÉS, 2013, p.174)

“A terra indígena se define não pela demarcação, mas pela ocupação indígena, como dispõe a

Constituição. [...] A Constituição ordenou à União que demarque as terras indígenas com a finalidade de

proteger e respeitar os bens de cada povo. Está claro que o direito sobre as terras independe desta

demarcação, que é mero ato administrativo de natureza declaratória” (MARÉS, 2013, p.24)

56

como base uma ideologia etnocêntrica e nas teorias raciais que marcaram o século XIX

até o início do século XX. Em meio a isso, o ordenamento jurídico vigente nesse

período, considerava os índios como indivíduos incapazes, estabelecendo assim, uma

figura jurídica com o objetivo de tutela e incorporando a assimilação forçada desses

povos a sociedade nacional, não respeitando a garantia da reprodução física e cultural

dos povos indígenas. (BRASIL, Política Indigenista no Brasil s/d)

Com a extinção do SPI, devido denúncias de corrupção foi criada a Fundação

Nacional do Índio no ano de 1967. No entanto, a política indigenista do estado

brasileiro continuou a ser conduzida através da tutela e da integração dos indígenas à

sociedade dominante. Esse caráter da política indigenista assumida pelo Estado

reforçava a ideia paternalista, mantendo os povos indígenas submissos e profundamente

dependentes. (BRASIL, Política Indigenista no Brasil, s.d)

Na década de 1980, com o processo de redemocratização do Estado brasileiro e

posteriormente, com o advento da CF 1988, a política indigenista sofreu mudanças

conceituais (como por exemplo, o termo autodeterminação) e jurídicas através da

ampliação dos espaços de formulação dessas políticas, garantindo a participação do

povo indígena na auto-organização política. Nesse sentido, buscou- se extinguir o

caráter de tutela das políticas para a afirmação da autonomia dos povos e a necessidade

de respostas mais efetivas do Estado. Diante desse processo de redemocratização,

Terena aponta que:

A Política Indigenista deve estar gabaritada a partir de novos

parâmetros de desenvolvimento de médio e longo prazo, executada e

concentrada numa agência politicamente forte, com status de

Ministério, capaz de responder as demandas dentro de um plano de

metas com objetivos, prazos e resultados compatíveis (TERENA,

2013, p.62).

Nesse período de mudanças, a própria FUNAI, em sua gestão e atuação, sofreu

uma reestruturação pela necessidade de planejar e construir ações mais eficientes de

acordo com as reais reinvindicações dos povos indígenas.

No ano de 2009, ocorreu a reestruturação da FUNAI a partir do Decreto 7.056,

anunciando mudanças na gestão do Órgão, dividindo as responsabilidades presidenciais.

No entanto, esse decreto gerou graves conflitos com os indígenas por ser um decreto

construído de forma arbitrária sem consulta prévia aos povos indígenas que seriam

diretamente afetados, já que o próprio decreto prevê o fechamento de 24 das cerca de 50

57

administrações regionais do órgão indigenista e de todos os postos indígenas no país,

ocorrendo um grande distanciamento entre a FUNAI e os povos indígenas. (BRASIL,

2007, s.p)

Em entrevista ao Jornal do Senado, o líder indigenista, Carlos Pankararu

afirmou que o decreto "é mal intencionado, uma vez que foi editado no último dia do

ano passado, quando o Congresso Nacional estava em recesso e sem consultar a

população indígena, não respeitando o que estabelece a Convenção 169 da OIT”. O

presidente da FUNAI desse período, Márcio Meira foi alvo de duras críticas vindas

dos povos indígenas, e segundo eles, todo esse processo mostrou ter um caráter de

ditadura. (JORNAL DO SENADO, 2010).

Como resultado de toda problemática gerada em torno deste decreto e das

reinvindicações dos povos indígenas, foram realizadas várias reuniões e, no ano de 2012

foi aprovado o novo decreto Nº 7.778, de 27 de Julho de 201220, revogando o anterior,

garantindo a participação de representações indígenas na decisão. A partir desse

momento ocorreram intensivas cobranças sobre a atuação da FUNAI e sobre as políticas

indigenistas por ela desenvolvidas.

O Estatuto21 da FUNAI, no artigo 2º prevê, entre outros, a garantia e promoção

dos direitos sociais aos povos indígenas, através da participação desses povos e de suas

representações nos espaços que definem suas políticas públicas.

Art. 2o A FUNAI tem por finalidade:

I – proteger e promover os direitos dos povos indígenas, em nome da

União;

II - formular, coordenar, articular, monitorar e garantir o cumprimento

da política indigenista do Estado brasileiro, baseada nos seguintes

princípios:

a) reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições dos povos indígenas;

b) respeito ao cidadão indígena, suas comunidades e organizações;

c) garantia ao direito originário, à inalienabilidade e à

indisponibilidade das terras que tradicionalmente ocupam e ao

usufruto exclusivo das riquezas nelas existentes;

d) garantia aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade

e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los;

e) garantia da proteção e conservação do meio ambiente nas terras

indígenas;

f) garantia de promoção de direitos sociais, econômicos e culturais aos

povos indígenas; e

20Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7778.htm>

acesso em 29 dez 2015. 21 Lei no 5.371, de 5 de dezembro de 1967

58

g) garantia de participação dos povos indígenas e suas organizações

em instâncias do Estado que definam políticas públicas que lhes

digam respeito; (FUNAI, 1967. Grifo nosso d).

Diante do que prevê o Estatuto, a atuação da FUNAI22 firma-se no entendimento

de que as políticas sociais devem necessariamente prever ações indigenistas que

assegurem em suas ações o respeito e a promoção das especificidades socioculturais e

territoriais dos povos indígenas, por meio do controle social e da participação indígena,

de modo a garantir intervenções nos espaços institucionais de diálogo entre os diversos

sujeitos que atuam no campo do indigenismo e nos processos de formulação das

políticas públicas. (FUNAI, 2013)

Nesse sentido, tendo em vista o que prevê o Estatuto da FUNAI em específico

no art.2 que garante a participação dos povos indígenas em todos os espaços que lhe

afetam, é certo afirmar que ainda existe um longo caminho a ser percorrido a exemplo

da formulação do Decreto 7.056 que consistiu em um processo arbitrário e relações

hierárquicas de poder, desrespeitando assim, direitos já conquistados e garantidos em lei

pelos povos indígenas.

É necessário que exista um diálogo muito amplo com diversos órgãos e setores

municipais, estaduais e federais para o desenvolvimento da política indigenista. Diante

disso, como apresentado pela FUNAI, as ações que buscam promover a garantia aos

direitos sociais dos Povos Indígenas através do diálogo com os diversos órgãos visam à:

Qualificação da política de transferência de renda, em parceria com o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),

notadamente o Programa Bolsa Família;

Monitoramento e acompanhamento das ações de saúde executadas

pelo Ministério da Saúde (MS);

Promoção da acessibilidade dos povos indígenas à política

previdenciária, em parceria com o Instituto Nacional do Seguro Social

(INSS);

Promoção da acessibilidade dos povos indígenas à documentação civil

básica, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da

Presidência da República (SDH/PR);

Acesso ao Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI);

Promoção da acessibilidade à energia elétrica, em parceria com o

Ministério de Minas e Energia (MME);

Distribuição emergencial de alimentos aos povos indígenas em

situação de insegurança alimentar e nutricional, em parceria com o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a

22 Disponível em< http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/direitos-sociais > acesso em 29 dez

2015

59

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB/MAPA) e com a

Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai);

Realização de obras de moradia e infraestrutura comunitária, em

parceria com o Ministério das Cidades (FUNAI, 2013, s.p).

Com o objetivo de estruturar e garantir espaços de decisão que promovam a

participação indígena foi criado o Conselho Nacional de Política Indigenista23pelo

Decreto nº 8.593, de 17 de dezembro de 2015, no âmbito do Ministério da Justiça. Esse

novo Conselho garante maior representatividade de órgãos do poder executivo federal,

representantes de povos e organizações indígenas em todas as regiões (de 20 para 28

representantes), sendo responsáveis pela elaboração, acompanhamento e implementação

de políticas públicas, voltadas aos povos indígenas. (FUNAI, 2015, S.P)

A construção e realização da 1º Conferência Nacional de Política Indigenista

realizada nos dias 17 a 20 de novembro de 2015 em Brasília, com o tem A relação do

Estado Brasileiro com os Povos Indígenas no Brasil sob o paradigma da

Constituição de 198824, também representou um grande avanço em relação à

participação dos povos indígenas. Às 866 propostas construídas em etapas locais e

regionais, aprovadas na Conferência demonstra mais uma vez, a necessidade de

políticas mais efetivas e um posicionamento mais sério e comprometido do Estado

brasileiro. De qualquer modo, construir uma Conferência sobre Políticas Indigenistas na

atual conjuntura demonstra sinais de avanços e apresenta-se mais uma vez, como uma

forma de resistência dos povos indígenas na busca pela proteção dos seus direitos.

A criação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e

a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)25, em 2004, foram os pontos de

partida para o governo federal desenvolver ações direcionadas para os indígenas

visando combater a extrema pobreza. No ano 2005, esse tema foi discutido na V

Conferência Nacional de Assistência Social, em uma Oficina específica, que abordou a

discussão sobre a organização da Proteção Social Básica 26em comunidades indígenas e

23Disponível em < http://www.funai.gov.br/> acesso em 29 dez 2015. 24 Disponível em < www.conferenciaindigenista.funai.gov.br> acesso em 29 dez 2015. 25 A Política de Assistência Social é direito do cidadão e dever do Estado. Deve prover os mínimos

sociais e é realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade através de

Serviços, Programas, Projetos e Benefícios. É ofertada a quem dela necessitar, de forma gratuita e

articulada às demais Políticas Públicas na garantia e acesso a direitos sociais. A Política, a partir de 2004,

estabelece o Sistema Único de Assistência Social- SUAS, para atendimento à população através dos

níveis de Proteção Social Básica e Proteção Social de Média e Alta Complexidade. A Assistência Social é

organizada de forma descentralizada e participativa, financiada e gerenciada pelos três entes federados:

União, Estados, Distrito Federal e Municípios. ( SMAS, 2012) 26 A Proteção Social Básica tem como objetivo prevenir situações de riscos por meio do desenvolvimento

de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina- se à

60

quilombolas. No ano seguinte, com objetivo de dar sequência à essa discussão, o

Conselho Nacional de Assistência Social criou um Grupo de Trabalho para discutir o

tema “comunidades indígenas e quilombolas”. (BRASIL, 2007, s.p)

Diante disso, através da política social, o governo federal vem buscando incluir

os povos indígenas nos programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa

Família, o Fome Zero através da distribuição de cestas básicas através de ações de

caráter emergencial e investimentos em produção sustentável de alimentos, através do

Programa Carteira Indígena, desenvolvido em parceria com o Ministério do Meio

Ambiente.

Em novembro de 2005, haviam 28.914 famílias indígenas inscritas no

Cadastro Único do Governo Federal, sendo que destas, 19.091

estavam recebendo benefícios do Programa Bolsa Família. Ainda em

2005, foram distribuídas 277.176cestas de alimentos beneficiando

38.162 famílias em 20 estados. [...] o Programa Carteira Indígena de

execução direta pelas comunidades indígenas em produção sustentável

de alimentos aplicou em 2005 um total de R$ 7.771.102,92, em 203

projetos aprovados e beneficiando 11. 579 famílias (BRASIL, 2007,

s.p).

Além disso, a Assistência Social atua através do Programa de Atenção Integral à

Família (PAIF), Benefício de Prestação Continuada (BPC), Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI), todos esses programas são desenvolvidos pelo Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS)27.

O MDS deu início a implantação dos CRAS nas comunidades indígenas (terras

regularizadas) - CRAS Indígena – com o objetivo tornar a oferta de serviços da proteção

social básica mais próxima aos indígenas como prevê o art.4º da Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS, 1993)28 “IV - igualdade de direitos no acesso ao

atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às

populações urbanas e rurais;”

população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de

renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos) e, ou, fragilizações de vínculos afetivos- relacionais

e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiência, dentre outras). A

Proteção Social Básica se materializa através de Serviços, Programas, Projetos e Benefícios. (SMAS,

2012) 27 É uma unidade pública estatal responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social básica

de assistência social às famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade social. Constituiu a unidade

efetivadora da referências e contra referência do usuário na rede sócio assistencial do Sistema Único de

Assistência Social- SUAS e de referência para os serviços das demais política públicas. 28www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm

61

Cabe destacar que os indígenas em maior vulnerabilidade social não se

encontram em terras demarcadas, mas fora delas. Os indígenas que vivem em áreas não

demarcadas estão diariamente mais expostos a todas as formas de violência e possuem

maior dificuldade de acesso aos programas e serviços ofertados pelos órgãos do Estado.

Nesse sentido, é fundamental que a instalação dos CRAS indígenas, não se limite a

áreas já demarcadas, buscando assim, maior aproximação com suas demandas.

De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a

Fome (MDS)29, em todo o estado do Paraná, existem doze (12) CRAS indígena, (em

anexo I) todos em terras já regularizadas. Isso significa que existe um grau de

desassistência enorme nas terras indígenas não demarcadas e a pobreza acomete

milhares de indígenas. Segundo Yazbek (2009. p.13) “chama atenção à presença de

indígenas, apesar de representarem, comparativamente, uma pequena parcela da

população em situação extrema pobreza. Os indígenas totalizam 817.963 pessoas no

país, sendo que 326.375 se encontram em extrema pobreza, representando praticamente

quatro em cada dez indígenas (39,9%)”.

Diante da busca pela consolidação da política de assistência social para os povos

indígenas é necessário que se construa um permanente diálogo com esses usuários. É

preciso compreender as especificidades das comunidades indígenas através das suas

diferentes formas de organização social, o que implica em ter que qualificar melhor a

equipe técnica (incluindo profissionais de antropologia nas equipes) para uma melhor

intervenção com esses grupos, buscando sempre promover a inclusão através do

conhecimento, sem fragilizar seus valores éticos e culturais de grande complexidade,

como descrito no Relatório do GT Indígena:

O cuidado no sentido de promover o respeito a valores culturais e a

práticas sociais distintas, evitando intervenções que fragilizem a

regulação social tradicional destas comunidades, exige um amplo

trabalho de qualificação técnica da intervenção, assim como uma

adequada capacitação e composição técnica (BRASIL, 2007, s.p).

Todas as ações delineadas devem ser fruto do diálogo com esses povos, é

necessário que haja respeito a autonomia das comunidades indígenas e consulta às suas

demandas, garantindo assim que a política da assistência social seja eficaz para os povos

indígenas. Como destaca Felipe Brisuela (2002) Líder Mbyá- Guarani da aldeia de

29 Disponível em <http://www.mds.gov.br/suas/guia_protecao/cras-centros-de-referencia-da-assistencia-

social/cras_pr.pdf> acesso em 28 nov 2015.

62

Riozinho- RS, apresentado pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social

(STCAS) do estado do Rio Grande do Sul.

O que acaba com o povo indígena? O que acaba com os indígenas é

que o branco, que estudou, muitas vezes quer fazer tudo sozinho. É

isso que acaba com nós Guarani hoje. Porque, se não planeja junto

com a comunidade, a comunidade diz: não é isso que nós queria. Aí,

o que se faz fica tudo perdido. O trabalho fica perdido. Mas quem é

que perde? Quem perde somos nós. Porque o trabalho de vocês está

garantido. No fim do mês, o salário vem. Mas na comunidade

indígena não é bem assim (STACS, 2002, p.18).

O líder indígena segue em sua fala fazendo apontamentos sobre a política da

assistência social atentando para a necessidade do profissional assistente social e equipe,

defender a garantia do território além da garantia de programas e benefícios.

A assistência social tem a oportunidade de melhorar, mas como o

nosso povo quer. Branco escreve. Mas o Guarani vai adiante. Vocês

só acompanham. Vocês que fizeram as leis e não o índio. Por isso

vocês precisam explicar a lei, que a comunidade fica sabendo. A

comunidade precisa saber. Também precisa falar com as famílias. [...]

A assistência social não tem que dar o remédio e o alimento. É

importante que entenda o que é vida para o Guarani. Será que é

comida? Onde se prepara os alimentos? O alimento é a alegria, a

felicidade, a paz, a energia do povo. Os povos indígenas sabem como

agir. Não se pode fazer uma política sozinho, mas frente a frente. Mas

também é necessário pedir o principal, que é a demarcação das terras

(STACS, 2002, p.18).

Para o profissional Assistente Social que atua diretamente com as demandas

apresentadas pelos povos indígenas, lutar pela demarcação das terras indígenas, além

das ações imediatas e emergenciais, além dos programas, projetos e benefícios

assistenciais faz referência à luta e defesa por um novo projeto societário, tendo em

vista que, demarcar todas as terras indígenas reivindicadas pelos indígenas hoje é

utópico dentro do nosso atual modo de produção capitalista. Esse modo de produção

hoje vigente exclui os povos indígenas e proclama o latifundiário como dono das terras

brasileiras.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC) e da Organização das Nações

Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) “os programas assistenciais não

são suficientes para resolver um problema que é estrutural e que reflete a necessidade de

solucionar os problemas de terra e de autos-sustentação econômica” (MEC/Unesco,

2006, s.p).

63

Além da atuação dos profissionais, é necessário que a Política Nacional de

Assistência Social construa programas com ações diferenciadas para essa demanda na

(concessão e aplicação) garantia dos benefícios assistenciais. É um equívoco, por

exemplo, utilizar o critério de renda per capita nas comunidades indígenas, tendo em

vista que as relações familiares e de parentesco dos povos indígenas diferencia-se da

família nuclear não indígena. Para universalizar direitos é necessário que se construa

uma lógica de respeito às especificidades dos usuários.

A atuação do profissional assistente social (em conjunto com equipe

multidisciplinar) precisa distinguir- se de todas as outras práticas autoritárias e

clientelistas desenvolvidas e direcionadas aos povos indígenas. Nesse sentido Yazbek

(2009) destaca a contribuição dos (as) profissionais.

Os assistentes sociais vêm, e muito, contribuindo, nas últimas

décadas, para a construção de uma cultura do direito e da cidadania,

resistindo ao conservadorismo e considerando as políticas sociais

como possibilidades concretas de construção de direitos e iniciativas

de “contra-desmanche” nessa ordem social injusta e desigual

(YAZBEK, 2009, p.161).

A relação do Serviço Social, da prática do (a) profissional direcionada às

demandas indígenas precisa estar embasada nos princípios do Código de Ética do/a

Assistente Social.

Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das

demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena

expansão dos indivíduos sociais; a defesa intransigente dos direitos

humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo e o empenho na

eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito

à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à

discussão das diferenças; construção de uma nova ordem societária,

sem dominação exploração de classe, etnia e gênero (CEP, 1993).

São os princípios do Código de Ética Profissional do Assistente Social que

direcionam as ações desses profissionais e determina o direcionamento da prática

através projeto ético-político, construído coletivamente pela categoria profissional.

Pensar a prática desse profissional dentro de uma sociedade dividida por classe revela

seu direcionamento político e seus interesses para a construção de um novo projeto

societário ou a manutenção do atual projeto.

De acordo com Braz e Teixeira (2009):

64

Não há dúvidas de que o projeto ético-político do Serviço Social

brasileiro está vinculado a um projeto de transformação da sociedade.

Essa vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política

da intervenção profissional põe. Ao atuarmos no movimento

contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social

às nossas ações profissionais que favorecem a um ou a outro projeto

societário (BRAZ e TEIXEIRA, 2009, p.189).

O Serviço Social ao atuar na garantia dos direitos da classe trabalhadora, das

populações tradicionais, se posiciona contrário ao atual projeto de sociedade desigual e

a todas as práticas que retiram os direitos já conquistados por esses sujeitos. No

entanto, esse profissional encontra desafios e limites na sua atuação. Como aponta

Behring e Santos (2009):

É necessário compreender, portanto, que, apesar dos avanços

democráticos e da organização de inúmeros sujeitos coletivos e suas

lutas reivindicando direitos, temos que considerar a relação de

determinação posta pela totalidade da vida social. As respostas dadas

aos sujeitos em suas lutas são permeadas por interesses de classes. Em

cada conjuntura, as conquistas e/ou regressão de direitos resultam

embates políticos e, nesse front, os interesses do capital têm

prevalecido. Longe de negar ou desvalorizar as lutas memoráveis pela

realização dos direitos, o que está em jogo é a capacidade de o

segmento do trabalho construir um projeto político emancipatório

frente ao capital, ou seja, lutar por direitos, mas ir além deles

(BEHRING e SANTOS, 2009, p.280).

Diante dessa realidade, de um estado transgressor dos direitos já conquistados

pela classe trabalhadora, encontra-se um enorme desafio para uma atuação

emancipatória dos sujeitos, aqui em específico, dos povos indígenas, o que limita a

atuação prática do profissional assistente social. Esse desafio da prática profissional é

materializado pela desresponsabilização do Estado em relação às políticas sociais

universais, através da redução de gastos sociais, terceirização dos serviços públicos,

subcontratação de profissionais nos postos governamentais o que acaba por consolidar

retrocessos e estagnação das conquistas dos diretos sociais proclamados na CF 1988.

De acordo com Raichelis (2009, p.383) “trata-se de uma dinâmica societária que

atinge as diferentes profissões, e também o Serviço Social, que tem nas políticas sociais

seu campo de intervenção privilegiado”. Nesse sentido, a autora destaca a necessidade

de recuperar o trabalho de base junto à população, na busca da consolidação

democrática dos direitos:

65

O Serviço Social tem uma rica trajetória de trabalho direito com a

população e proximidade com seu modo de vida cotidiano. [...] Sem

abandonar os espaços institucionais como Conselhos e Conferências, é

preciso extrapolá- los e combiná-los com outros mecanismos de ação

coletiva, capazes de impulsionar a participação popular em múltiplos

espaços onde possam manifestar suas visões, expectativas,

necessidades e reivindicações (RAICHELIS, 2009, p. 389-390).

Assim, na atuação direta com os povos indígenas, é necessário incluir o debate

sobre a diversidade cultural dos povos e a participação indígena na formulação das

políticas a eles aplicadas, valorizando-os como sujeitos autônomos neste processo,

viabilizando ao Serviço Social, identificar as reais necessidades indígenas e construir

uma atuação mais condizente para a emancipação desses povos.

Referindo-se a realidade indígena, o grande desafio para os profissionais,

consiste em praticar, de modo permanente, o método da reflexão, vivência,

compreensão, para acompanhar e apreender a totalidade das relações complexas e as

vinculações do movimento histórico vivenciado pelas diversas etnias. É necessário

avaliaras ações desenvolvidas, os determinantes sociais, culturais, econômicos e

políticos que poderão afetar a organização e o modo de vida dos povos indígenas.

Afinal, esses sujeitos lutam para assegurar um modo de vida com outra temporalidade,

identificados pelas tradições culturais e pelas forças da natureza que demarcam práticas

e crenças. Netto (2009) destaca a importância de buscar permanentemente o

conhecimento existente no espaço que o (a) profissional ocupa:

Ao profissional cabe apropriar- se criticamente do conhecimento

existente sobre o problema específico com o qual ele se ocupa. É

necessário dominar a bibliografia teórica (em suas diversas tendências

e correntes, e as suas principais polêmicas), a documentação legal, a

sistematização das experiências, as modalidades das intervenções

institucionais e instituintes, as formas e organização de controle

social, o papel e os interesses dos usuários e dos sujeitos coletivos

envolvidos etc. Também é importante, neste passo, ampliar o

conhecimento sobre a instituição/organização na qual o próprio

profissional se insere (NETTO, 2009, p.668-700).

Diante disso, a formação profissional necessita ser um processo permanente para

a qualificação da prática profissional e que será percebido na leitura das particularidades

das várias etnias, na apreensão das singularidades e dos movimentos que compõe a

66

totalidade de cada território/espaço e que constituem campos de intervenção das (os)

profissionais assistentes sociais.

Nesse sentido, a formação permanente será fundamental para a construção de

novos conceitos e novos modelos de intervenção que tenham como suporte os

fundamentos de uma dada realidade. Como um modelo de intervenção pode-se destacar

o projeto de extensão “Ações socioambientais em defesa dos direitos dos povos

indígenas na Aldeia Tekohá Yhovy- município de Guaíra, PR”, que será descrito no

item a seguir:

3.1 SERVIÇO SOCIAL DA UNIOESTE CAMPUS TOLEDO: A EXPERIÊNCIA DO

PROJETO DE EXTENSÃO - AÇÕES SOCIOAMBIENTAIS EM DEFESA DOS

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NA ALDEIA TEKOHÁ YHOVY NO

MUNICÍPIO DE GUAÍRA- PR

Pensar o espaço de formação do Serviço Social e seu projeto pedagógico

significa conceber a educação e a sociedade norteada pela construção de um novo

projeto societário, livre da dominação, exploração e opressão de classe, etnia e gênero.

Como afirma Kokie (2009):

Portadoras de uma direção intelectual e ideopolítica, componente

imperativo do projeto profissional, as diretrizes curriculares, base para

os projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Serviço Social,

estão pautadas em princípios que na presente quadra histórica indicam

os fundamentos para uma formação profissional desenvolvida com

flexibilidade; rigor teórico, histórico e metodológico [...] apropriação

dos princípios éticos; empenho teórico prático à aproximação aos

carecimentos das classes trabalhadoras (KOKIE, 2009, p. 213).

A formação profissional embasada na teoria social crítica, compreendida através

da relação teoria e prática, aliada ao espaço formativo de interdisciplinaridade e

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é responsável pela qualificação

crítica e apresenta- se como um espaço de resistência e fortalecimento do projeto ético-

político da profissão.

Nesse sentido, é preciso construir saberes e práticas que buscam a transformação

da realidade na sociedade, pulverizar resultados e investigar novas intervenções. O

espaço da formação profissional possibilita uma aproximação com as demandas

apresentadas fora do espaço formativo, mas que também refletem dentro das instituições

de ensino. É importante demarcar, que essas instituições, dentro da lógica contraditória

67

das relações sociais e dos interesses de classe, por vezes fragilizam e engessam, pelos

processos burocráticos e formais, inúmeras ações planejadas (pesquisa/extensão) que

podem agregar benefícios à sociedade. Diante desse cenário de interesses, pensar dentro

de uma instituição de ensino superior e estabelecer ações fora dela, voltadas à um

determinado grupo, a exemplo dos povos indígenas, demonstra resistência e o

direcionamento político dos sujeitos envolvidos.

Diante do exposto, destaca-se o Projeto de Extensão Ações Socioambientais em

defesa dos direitos dos povos indígenas na Aldeia Tekohá Yhovy- (em anexo II) no

município de Guaíra30, desenvolvido conjuntamente pelo Programa de Educação

Tutorial (PET)31 do curso de Serviço Social e colaboradores durante o ano de 2014 e

2015, que demonstrou ser um novo espaço de fortalecimento, luta e resistência na

defesa de um novo projeto societário.

Contextualizando brevemente o Programa de Educação Tutorial do Curso de

Serviço Social- PET SS, destacamos que, por apresentar o diferencial de ser um

programa temático (Meio ambiente e uso sustentável dos recursos naturais) tem como

objetivo desenvolver novas atividades e experiências pedagógicas interdisciplinares no

âmbito do curso, através da atuação dos bolsistas como agentes multiplicadores de

saberes e de novas práticas, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão.

Através do desenvolvimento das diversas atividades busca-se uma formação

culta, posição crítica e de participação ativa frente às questões socioambientais. Um

formador e multiplicador de opiniões e de atitudes que promovam o bem estar dos

cidadãos com prudência no trato do meio ambiente, como sendo um lugar de interação

30O município de Guaíra (que significa ‘lugar de difícil acesso’ na língua guarani) situa- se no oeste do

Estado do Paraná, as margens do Rio Paraná e desde os primórdios foi um território pertencente aos

povos indígenas, da etnia Guarani, povos estes, que foram catequizados pelos jesuítas espanhóis e

posteriormente dizimados e escravizados pelos portugueses. Hoje, segundo dados do IBGE (2014) a

população do município de Guaíra é de 32.394 habitantes no território de 560.485 km², tendo uma

economia girando em torno do setor de serviços, comércio e turismo. De acordo com o senso indígena do

IBGE (2010) a população indígena no município de Guaíra é de 454 índios, no entanto, segundo dados

dos Relatórios de Visita Técnica do Ministério Público Federal (2013) já são mais de 1000 indígenas em 8

aldeamentos no município de Guaíra. 31 Foi criado em 1979 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES, com

o nome Programa Especial de Treinamento- PET, foi transferido no final de 1999 para a Secretaria de

Educação Superior. Em 2004, o PET passou a ser identificado como Programa de Educação Tutorial.

Regulamentado pela Lei n° 11.180, de 23 de setembro de 2005, e pelas Portarias MEC nº 3.385, de 29 de

setembro de 2005 e, nº 1.632 de 25 setembro 2005. Tem como objetivo promover a formação ampla e de

qualidade acadêmica dos (as) alunos (as) de graduação envolvidos (as) direta ou indiretamente como

programa, estimulando a fixação de valores que favorecem a cidadania e a consciência social de todos

(as) os (as) participantes e a melhoria dos cursos de graduação, através do desenvolvimento de atividades

buscando promover a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (PET, 2008)

68

entre aspectos naturais e sociais. Procura-se, com respaldo na legislação ambiental

atingir as propostas estabelecidas pelo Programa de Educação Tutorial – PET

relacionando suas ações com o curso de Serviço Social atingindo uma sustentabilidade

em âmbito local para de forma gradual avançar para uma sustentabilidade global. (PET

SS, 2008)

O projeto de extensão universitário tem contribuído de modo significativo para a

formação das (os) estudantes e professores envolvidos, tornando- se assim, num

diferencial dentro do processo formativo. Desta forma, através das atividades de

extensão, o programa insere-se nas mais diversas realidades e, em relação ao projeto já

referido, insere-se numa realidade difícil e delicada para os povos indígenas.

No município de Guaíra PR, existem 8 aldeamentos e todos eles encontram

inúmeras dificuldades de sobrevivência devido as péssimas condições de vida. Essas

condições são apresentadas nos Relatórios do Ministério Público Federal, quando no

ano de 2013 realizou visitas em todos os aldeamentos no município. A tabela abaixo

apresenta as aldeias e um breve relato da realidade vivenciada pelos povos indígenas.

QUADRO 2

Tekoha

Guarani

1 ano e 5 meses de ocupação. Encontra-se em situação de litígio. 58

moradores. Relatam que não conseguem emprego, nem como boia-fria.

Não tem acesso à água, luz, moradia e área para plantio. Aldeia tem

péssimas condições de vida. Há ainda o suposto envenenamento e notícia

de vários índios adoecidos. Os materiais de construção são coletados em

lixões. Não conseguem criar animais por falta de água. Como já foi

noticiado pela FUNAI há uma suposta ameaça de morte contra o cacique

Tekohá

Jevy

230 moradores. Encontra-se em situação de litígio. Proprietários:

Eugewerner Durks, Rubens da Silva e outro. Foi determinada a

reintegração, mas houve recurso. Não tem acesso à água e saneamento

básico, a luz foi recentemente instalada e as crianças tem aula em

condições precária dentro da aldeia. Plantam alimentos, mas são

insuficientes assim como a distribuição de cestas básicas.

Tekohá

Karumbe'y

83 moradores. Não se encontra em situação de litígio, no entanto

apresenta péssimas condições de vida para os indígenas. Algumas

residências possuem água fornecida através da SANEPAR, mas o custo

de manutenção inviabiliza que todos tenham acesso à água tratada. Não

existe escola dentro da aldeia.

Tekohá

Marangatu

A ocupação existe há 9 anos e está em processo judicial por ser área da

ITAIPU. Apenas 400 moradores da aldeia, e apenas pequena parcela tem

acesso à agua e luz. Não tem saneamento básico e as condições de ensino

69

dentro da aldeia são péssimas.

Tekohá

Mirim

70 pessoas que ocupam a área desde 2006, e que também se encontra em

situação de litígio, por ser uma área da ITAIPU e de outros dois

proprietários. As condições de vida são péssimas, não tem acesso à luz,

água e saneamento. As crianças não têm escola dentro da aldeia e por isso

as aulas acontecem na casa de reza

Tekohá

Porã

A ocupação existe há 25 anos, sendo que a área foi doada para os

indígenas, mas não possuem documentação.

240 pessoas moram na aldeia. Algumas casas tem acesso a agua e

energia. Existe uma escola com duas professoras na aldeia.

Tekohá

Taturi

33 pessoas ocupam a área que se encontra em situação de litígio por ser

área da ITAIPU e mineradora Andreis. As condições de vida são

péssimas. Não tem acesso á água, luz, saneamento e não possuem escola

dentro da aldeia.

Tekohá

Yhovy

Ocupam a área desde 2009, que se encontra em situação de litígio,

resistindo à reintegração de posse. Hoje são mais de 300 pessoas que

moram na aldeia. Uma escola com melhores condições está na fase final

de construção. Poucas casas têm acesso à luz e água. Saneamento básico

não existe. (MPF, 2013).

A aproximação aos dados apresentados pelo Ministério Público Federal de

Guaíra, diagnosticando a realidade dos indígenas e, através do projeto de extensão, com

a comunidade Tekohá Yhovy em específico, possibilitou maior apreensão da realidade e

das inúmeras dificuldades encontradas pelos indígenas. Além do relato acima, os

indígenas encontram sérias dificuldades no acesso aos serviços públicos, programas e

benefícios. As cestas básicas distribuídas a cada dois meses através do Programa Brasil

sem Miséria sofre constantes atrasos na entrega (de até três meses), isso acaba

provocando graves consequências, como por exemplo, desnutrição. O próprio

município não faz a devida distribuição de cestas básicas através da assistência social,

quando apenas 12 famílias das 48 que hoje moram na aldeia, recebem cestas mensais.

O Programa Bolsa Família, benefício garantido à maioria das famílias, auxilia

diante dessa realidade, mas acaba sendo insuficiente quando as cestas atrasam, quando a

maioria dos indígenas não consegue emprego na cidade, quando precisam comprar

material escolar para as crianças. As próprias condicionalidades exigidas por esses

programas dificultam o acesso dos indígenas, rotatividade das famílias, falta de

70

documentação, permanência na escola, enquanto não existe nenhum incentivo e

investimento do poder público para a educação dentro da própria aldeia a fim de

preservar a língua materna.

Além de não existir incentivo para a educação dentro da aldeia, existem

situações de racismo sofridas pelas crianças e jovens indígenas que frequentam as

escolas da rede municipal e estadual. Não é difícil entender o porquê de existir evasão

escolar nessas situações.

É diante dessa realidade desafiadora que o projeto de extensão se insere e, uma

das ações iniciadas pelo projeto e a mais significativa na avaliação das lideranças

indígenas do referido aldeamento, é a construção da nova escola da comunidade

indígena, sua estrutura física, social e pedagógica. Pensar esse espaço dentro da aldeia,

para a formação das crianças indígenas, significa posicionar-se politicamente, em favor

da preservação dos saberes tradicionais da cultura indígena, significa alinhar- se ao

posicionamento da categoria profissional manifestas pelos conselhos (federal/estadual).

O projeto também avançou em 2015, no aprofundamento de estudos sobre

direitos humanos dos povos indígenas e do movimento regionalizado de luta do povo

guarani por seus direitos de acesso á terra, cultura e organização social. Ao longo do

desenvolvimento das atividades, foi alcançada uma ótima participação dos membros da

comunidade indígena nas atividades e também da participação discente nas atividades

agendadas e, destacamos a participação interdisciplinar de acadêmicos e docentes

envolvidos com cursos de graduação e pós-graduação de diferentes áreas.

Muitas foram às dificuldades encontradas para desenvolver as atividades, como

por exemplo, recurso para materiais, mantimentos, transporte e apoio dos órgãos

responsáveis. Essas dificuldades demonstram a fragilidade da estrutura e dos

investimentos na educação e muitas vezes acabam refletindo nas ações desenvolvidas.

No entanto, sabemos que a responsabilidade é grande, diante da omissão do Estado, das

constantes violações de direitos que acometem esses povos, o projeto de extensão

desenvolvido torna-se um diferencial na realidade desses indígenas. Como afirmam as

lideranças indígenas da Aldeia Tekohá Yhovy e, que fundamenta a proposição

extencionista da UNIOESTE, é preciso lutar e resistir diante de tanto retrocesso e

desinteresse no nosso país.

[...]Nós caciques não lutamos pela terra pra nós. São para as crianças

que futuramente crescerão e futuramente precisarão de um espaço.

71

Nosso principal objetivo por querer a terra é a gente não perder a

nossa cultura. A cultura é uma única coisa que sobrou pra nós, o resto

já foi tirado de nós. Está se tentando tirar mais ainda que é a cultura

que a gente ainda tem. Muitas vezes a gente é julgado como um povo

que não conhece mais a cultura, mas talvez a culpa seja da falta de um

espaço, da falta de uma aldeia demarcada, pra gente ter a nossa

própria autonomia. Porque se a gente se misturar com os brancos, que

são a sociedade de vocês, se a gente se misturar, sair, ter que viver na

cidade, aí o nosso povo vai sumindo pouco a pouco. A nossa língua

vai se perdendo. Não tem como a gente ir lá no meio da rua e dançar e

fumar o cachimbo... os brancos vão dizer que nós estamos todos

bêbados, por isso nós estamos dançando. A gente precisa de um

espaço onde a gente possa ser guarani. Do jeito que a gente é. Nosso

motivo é bem simples, a gente não quer que a nossa cultura, o nosso

ser, se perca (MPF, 2013, p. 2).

Para os povos indígenas, também é preciso buscar estratégias para continuar

sobrevivendo nessas terras brasileiras e a religião tem sido o grande alicerce na luta

diária. O relato da vice-cacique e professora da aldeia Tekohá Yhovy, participante do

projeto de extensão em 2014 e 2015, constante no relatório das atividades de 2016, faz a

avaliação das dificuldades vivenciadas e em contrapartida, a resistência que a cultura

indígena sempre tem demonstrado.

A religião, a cultura sempre foi uma estratégia sem duvida nenhuma,

desde muito tempo atrás até hoje, por mais que nessa região a gente é

visto como se nós não fossemos indígenas, nós somos vistos de forma

que a gente não sabe mais, não conhecemos mais a nossa religião, a

nossa cultura, e, internamente dentro da aldeia é essa estratégia que a

gente usa, a gente mantém o nosso cântico, nosso canto, rituais, não

somente pra usar como resistência, mas sim é um ritual em favor do

planeta terra, porque nós Povo Guarani, não é por querer

simplesmente brigar, não simplesmente por querem tirar terra que hoje

se diz que é dos brancos, dos fazendeiros, mas nos sabemos que a

América Latina inteira era dos povos indígenas, e de certa forma a

gente mantém nosso ritual que é pra além da nossa luta, além de

preservar ela é a favor do mundo que nós povo guarani nos

preocupamos com o futuro do planeta terra. A cultura e a religião é

uma estratégia ao qual os brancos por mais que façam pesquisas e

outros meios de procurar desvendar a religião e a cultura indígenas

eles nunca vão conseguir, porque nos somos da terra, nos fomos feitos

da terra, nosso corpo é terra, não é que a terra seja nossa, mas os

brancos não tem como tirar a gente, não tem como tirar os povos

indígenas da terra, porque nos pertencemos a ela (UNIOESTE, 2015,

s.p).

A vice-cacique segue seu relato avaliativo, apontando as dificuldades

enfrentadas quando pensa sobre os direitos e o modo de vida do seu povo.

72

Os brancos destruíram, os brancos destruíram até os parentes, nossos

irmãos que Deus deixou com o corpo de uma árvore, de um animal, os

tigres eles são rezadores, os leões são rezadores e isso dói quando a

gente pensa nos direitos, quando a gente pensa em terra, em uma

demarcação, tudo isso dói na gente, eles destruíram muito de nós já, o

nosso sangue está espalhado, está misturado a essa terra e por isso que

eu digo que os brancos nunca vão entender a mente, o pensamento,

eles nunca vão entender o ser indígena, o porque que os indígenas

vivem desse jeito, porque os indígenas não trabalham pra ganhar

dinheiro, eles não trabalham pra lucrar, eles não economizam

dinheiro, todas essas coisas os brancos nunca vão entender, somente

nós enquanto indígenas nos sabemos e entendemos por que nos temos

que viver assim, porque não podemos explorar o meio ambiente pra

lucrar em cima, porque ai a gente vai tá destruindo o nosso próprio

parente (UNIOESTE, 2015).

A luta continua, os povos indígenas querem paz, respeito e dignidade. E essa

realidade só vai mudar quando a sociedade se transformar, por isso, precisamos lutar

por uma nova sociedade, justa e libertária que respeite o modo de vida desses povos.

A terra que a gente reivindica hoje não é pra nos lucrar em cima, não é

pra fazer grandes lavouras e depois começar a comercializar não é pra

isso que a gente quer terra, a gente quer terra pra cuidar, pra recuperar

o meio ambiente que foram perdidos e pra que meio ambiente seja

recuperado não é difícil, é só você deixar ela abandonada, por mais

que os brancos vão nos julgar dizendo que esses índios são

vagabundos, não trabalham, mas eles, talvez pros fazendeiros, pros

ruralistas o meio ambiente não seja o mais importante pra eles, mas

pra gente é, então é pra isso que a gente quer a terra, pra recuperar um

pouco das árvores que já foram mortas, das bilhões e bilhões de

arvores que já foram destruídos, que foram mortas e que de certa

forma a mãe natureza ela possa ter um pouquinho de paz, que desde o

dia que nos fomos perseguidos eles também estão sendo perseguidos,

então a gente busca paz pra aqueles que já se foram, dos humanos

indígenas que já se foram, que por aqui forma mortos a muito tempo e

também a gente procura paz pra mãe natureza que também vem

sofrendo da mesma forma que a gente tá sofrendo e eles vão sofrendo

até que os povos indígenas sejam perseguidos e a mãe natureza só vai

descansar no dia em que os indígenas não forem mais perseguidos,

não forem mais feitos de escravos, não forem mais mortos,

injustiçados , porque os indígenas que forma mortos é como uma

árvore que é cortada , simplesmente corta, arrebenta a raiz e acaba por

isso e pessoas indígenas que são mortos pelos brancos também é

assim, é igualzinho a arvore que é arrancada do chão, porque nada é

feito quando os índios são mortos, acaba por isso mesmo , ninguém

faz nada, finge que não aconteceu nada, finge que foi uma coisa atoa

por ai e tentam escondem várias coisas e escondem mesmo , por mais

que a gente procure correr atrás a gente corre atrás e nada é feito e

uma das estratégias que a gente pensa é que se essa PEC 215 for

aprovada nós mesmos faria a demarcação da nossa terra com as nossas

próprias mãos, não ia ser matando alguém, mas fazendo limite,

delimitação com a construção de casas da onde a gente queria que

73

fosse a nossa terra a gente ia fazendo cerca com as nossas próprias

casas e dessa forma que a gente ia fazer nossa própria demarcação

(UNIOESTE, 2015, s.p).

Esse relato demarca a posição do povo guarani, um povo que não recua, mas luta

e permanece reivindicando seus direitos. É preciso ouvir essa demanda, assumir o

compromisso e junto a eles, lutar por um novo projeto societário. No entanto,

afirmamos que a maior responsabilidade em dar respostas a esses sujeitos é do estado,

compreendendo que esse próprio estado é o maior violador dos direitos da classe

trabalhadora e dos grupos tradicionais.

Diante disso, devemos também, enquanto sujeitos dessa história, construir

valores que tenham por objetivo a emancipação humana e assim alcançar uma nova

sociabilidade. Segundo Tonet (2005, p.144) “este objetivo, a emancipação humana, é

sinônimo de liberdade plena e porque, neste momento histórico, é não só uma

possibilidade real, mas também uma necessidade imperiosa para a humanidade”.

A partir do projeto de extensão da Unioeste, tendo-se como princípio a

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e do arcabouço teórico apreendido

durante a formação no curso de Serviço Social foi possível conhecer e refletir mais

profundamente sobre a realidade desse grande povo e, assumir o compromisso para que

de fato os direitos sejam respeitados em sua universalidade.

74

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Lembrem- se que a revolução é importante e que cada um de nós,

sozinho, não vale nada. Sobretudo, sejam capazes de sentir, no mais

profundo, qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em

qualquer parte do mundo. É a qualidade mais linda de um

revolucionário” (CHE).

Deparar- se com a realidade dos povos indígenas, e encontrar nela, diante de

tanta violência expressa sem medida em suas várias formas, tamanha resistência e luta

pela garantia da sobrevivência da sua cultura, seu modo de vida opondo- se as

exigências do atual modo de produção capitalista é acreditar na revolução, na

construção de uma nova sociedade, na terra sem males. Como diz Galeano, é a utopia

que nos permite seguir andando com vistas a um novo horizonte, justo e plenamente

livre.

É diante dessa realidade desafiadora, contraditória e complexa que se impõe a

necessidade de assumir um direcionamento social capaz de transformar a realidade

desses sujeitos, através de um olhar crítico para compreender a totalidade e as

particularidades das relações e determinações culturais, componentes do modo de vida

de cada etnia, neste trabalho em específico, do povo guarani.

Através deste estudo afirmamos que a maior demanda apresentada pelos povos

indígenas é a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas e, isso requer do (a)

profissional que atua nesse campo, práticas que possam reafirmar a necessidade da

garantia desse direito originário para que se consiga garantir a universalidade dos

direitos desses povos.

Diante do resgate histórico realizado nesse estudo, é possível perceber a

dimensão do desafio que se apresenta frente às dificuldades e obstáculos que tem suas

origens na formação e consolidação política e econômica do nosso país, na estrutura

fundiária do espaço agrário, que possui seus pilares afundados em estruturas

eurocêntricas e imperialistas de economias desenvolvidas e que, acabam por ditar regras

em nossas terras. Em consequência, essas influências refletem na realidade dos povos

indígenas do nosso país quando, práticas (institucionais ou não) conservadoras de ranço

colonialista são direcionadas às demandas apresentadas pelos povos indígenas, não

respeitando modo de vida, territorialidade, autonomia, espiritualidade e particularidades

de cada etnia que hoje ainda sobrevive e resiste.

75

Esse também é um grande desafio para a construção de uma política indigenista

eficaz no nosso país, primeiro porque não existe política indigenista que atenda a

universalidade dos direitos desses povos sem antes respeitar a territorialidade e

demarcar todas as terras indígenas, segundo pelo fato de que, para construir uma

política eficaz é necessário garantir a participação dos povos indígenas na sua

formulação, inclusive, esse direito está garantido constitucionalmente. Nesse sentido, o

desafio é pratica-lo.

Não é possível negar os avanços conquistados pelos indígenas e movimentos

indigenistas de resistência sobre a proteção dos seus direitos, tanto no plano

internacional como nacional, conforme apresentado no segundo capítulo deste estudo.

No entanto, são avanços que apontam a necessidade do fortalecimento de políticas e

práticas direcionadas a esses povos, tendo em vista que, frente à atual conjuntura, são

insuficientes para resolver os problemas enfrentados pelos povos indígenas, que são

estruturais desse modo de produção capitalista.

Destacamos a importância do trabalho realizado pelos (as) profissionais

assistentes sociais diante dessa realidade, enfatizando o compromisso assumido pela

categoria profissional com a defesa intransigente aos direitos das minorias exploradas e

marginalizadas, compreendendo que a questão indígena tem extrema importância nas

discussões e debates inseridos na mesma. Assim como na busca de efetiva realização

dos princípios norteadores dos direitos dos povos indígenas, configurados como

cidadãos brasileiros detentores de direitos, garantidos, como já expomos, em vários

documentos, leis e decretos. Devemos assim, como categoria, assumindo nosso

compromisso ético político, reafirmar nosso dever com esses povos, na luta por uma

sociedade mais igualitária e menos excludente, livre de todas as formas de opressão e

exploração.

É importante lembrar que este trabalho e seus resultados serão potencializados

através da relação interdisciplinar, agregando experiências com outros profissionais de

outras áreas que atuam nesse campo, garantindo maior efetividade das políticas

indigenistas desenvolvidas, tendo sempre em vista que o horizonte a ser alcançado é a

demarcação das terras indígenas. Para isso, é essencial a utilização de métodos que

realmente garantam a participação ativa dos povos indígenas. É através dessa

participação que, as lutas desses povos pelos seus direitos devem alcançar maior

visibilidade, transformando olhares e ações, desmentindo falácias sobre as condições de

vida dos indígenas.

76

Diante dessas considerações, finalizo essa etapa do estudo, sinalizando que é

somente o início de muitos outros trabalhos que sempre irão buscar a valorização e o

respeito à cultura de todos os povos indígenas. Afirmo que este trabalho não se resume

ao que está escrito, mas significa em todos os sentidos à dedicação pela luta com desejo

revolucionário, buscando a garantia dos direitos indígenas através da vivência.

HASTA LA VICTORIA, SIEMPRE. (CHE)

77

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ANEXOS