caderno representaçoes memorias e identidades do parana seed

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GOVERNO DO PARAN SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO

REPRESENTAES, MEMRIAS E IDENTIDADES

CURITIBA 2009

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4/13/2009 11:25:32 AM

Depsito legal na Fundao Biblioteca Nacional, conforme Decreto Federal n.1825/1907, de 20 de Dezembro de 1907. permitida a reproduo total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO Avenida gua Verde, 2140 - Telefone: (0XX) 41 3340-1500 80240-900 CURITIBA - PARANCATALOGAO NA FONTE - CEDITEC - SEED-PR. Representaes, memrias, identidades / obra coletiva. Curitiba : SEED Pr., 2009. p 112. (Caderno pedaggico de Histria do Paran). ISBN: 978-85-85380-66-3 1. Histria. 2. Ensino Fundamental e Mdio. 3. Educao-Paran. 4. Representaes. 5. Memrias. 6. Identidades. I. Arajo, Maria Bethnia de. II. Bandeira, Eduel Domingues. III. Cabrini, Conceio. IV. Cerri, Luis Fernando. V. Cunha Filho, Valter Fernandes da. VI. Ranzi, Serlei Maria Fischer. VII. Savoia, Sandro Cavalieri. VIII. Paran. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia de Educao. Departamento de Ensino Fundamental. IX. Material de apoio didtico. X. Ttulo. XI. Srie.

CDU93/99+373.3(816.2)

IMPRESSO NO BRASIL DISTRIBUIO GRATUITA

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GOVERNO DO PARAN Roberto Requio SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde DIRETOR GERAL Ricardo Fernandes Bezerra SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO Alayde Maria Pinto Digiovanni DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL - 2006 Ftima Ikiko Yokohama Lilian Ianke Leite DEPARTAMENTO DE EDUCAO BSICA Mary Lane Hutner EQUIPE TCNICO-PEDAGGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL - 2006 Eduel Domingues Bandeira Maria Bethnia de Araujo Sandro Cavalieri Savoia ASSESSORIA TCNICO-PEDAGGICA Conceio Cabrini Luis Fernando Cerri Serlei Maria Fischer Ranzi Valter Fernandes da Cunha Filho COLABORADORA Edilson Aparecido Chaves Fbio Luciano Iachtechen Ivonei Lopes de Lima Juraci Santos Marcelo Fronza Mara Rbia Lemos Debacco Hamann Ndia Maria Guariza EDITORAO, ILUSTRAES E REVISO ORTOGRFICA MEMVAVMEM Editora 2009

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APRESENTAO

A meta da educao do Estado do Paran para a Educao Bsica a formao de qualidade dos nossos educandos acolhidos por um trabalho docente crtico e articulado s diretrizes da poltica educacional que vem sendo construda. Entendemos que o apoio e a orientao dos alunos est a cargo do professor, mas so os recursos educacionais que oferecem a base desse projeto. Desta forma, o Caderno Pedaggico, que ora apresentamos, buscou atender aos anseios dos professores, no que diz respeito ao material didtico-pedaggico, atravs da reflexo e do dilogo com todos os profissionais da rede pblica estadual de ensino. Inteligncia, criatividade, esprito de iniciativa, capacidade e perseverana foram aspectos importantssimos que contriburam para esta realizao que, efetivamente abriu possibilidades para evidenciar um trabalho diferenciado, com os contedos especficos da rea do conhecimento. Assim sendo, ele surge no sentido de difundir e incutir valores no cotidiano dos alunos, desde cedo, preparando-os para enfrentar um mundo em constante transformao. Esse Caderno mostra perspectivas que se abrem nos mais diversos campos do saber e implicam num modelo educacional permanentemente novo, dinmico e interativo atento a uma realidade que se transforma a cada momento. Desta forma, ao enfatizar a absoro do novo, a educao do Paran est construindo os caminhos e so estes, os ideais que alimentam a nossa proposta educacional.

Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde

Secretria de Estado da Educao

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Palavra da Superintendente da Educao do Paran.

com alegria que a Superintendente da Educao cumpre a sua funo de apresentar, para o pblico escolar, o volume 7 dos Cadernos Pedaggicos do Ensino Fundamental, voltado para o ensino da Histria do Paran para os alunos da Educao Bsica. Focando o ensino da histria paranaense nas representaes, memrias e identidades, este caderno, que ora segue para as escolas da Rede Pblica de Ensino, se constitui em um conjunto de orientaes tericas e prticas para o trabalho pedaggico com esta disciplina nas salas de aula do Estado. Ele foi todo pensado e escrito dentro do tema previamente escolhido, o das comemoraes do Centenrio da Emancipao Poltica do Paran e tem em vista dar continuidade aos trabalhos j desenvolvidos pelos professores das diferentes regies do Estado, quando do desenvolvimento do Projeto Sesquicentenrio do Paran no Contexto Escolar. Pretende, tambm, responder s demandas por materiais didtico-pedaggicos de Histria do Paran. No segue a linha da historiografia oficial; ao contrrio, problematiza as especificidades do contedo a partir das memrias, experincias e histrias dos sujeitos que viveram aquele contexto. Possibilita, tambm, uma abordagem da Histria, no como uma verdade pronta e definitiva, mas como uma constante anlise e reconstruo, em torno das aes e relaes dos sujeitos no tempo e no espao. Faz pensar e reconhece nos agentes da escola, que iro lidar com o material, a capacidade de escrever a sua prpria histria. Neste sentido, cumpre ressaltar o captulo dedicado aos excludos do processo de colonizao e modernizao, tais como os povos indgenas e afrodescendentes. Ao demonstrar a preocupao em utilizar fontes diversificadas, que permitem um trabalho a partir do prprio documento, assim como a problematizao de questes do cotidiano da comunidade em que est inserida a escola, este caderno vem potencializar, na disciplina de Histria, o esforo de todos ns em garantir uma educao crtica e de qualidade para todos.

Alayde Maria Pinto DigiovanniSuperintendente da Educao.

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SUMRIOORGANIZAO TERICO-METODOLGICA ..................................................... 8 UNIDADE I AS FESTAS DO CENTENRIO DE EMANCIPAO POLTICA DO PARAN .... 11 Festas e rituais como objeto de estudo no ensino de Histria........................... 21 Anlise e uso escolar dos documentos: Inventrio de possibilidades ................ 27 Questionando, contextualizando, decodicando o documento: construindo explicaes em Histria .................................................................. 30 A lei 704 de 29 de agosto de 1853 .............................................................. 31 A capa da revista IIlustrao Paranaense ..................................................... 32 A propaganda da Goodyear .......................................................................... 34 A comisso e a programao ....................................................................... 36 As fotos e imagens dos festejos ................................................................. 38 UNIDADE II DIFERENTES VOZES, DIFERENTES DISCURSOS ............................................. 41 Os excludos do processo de colonizao e modernizao: povos indgenas e afrodescendentes ................................................................. 49 O caso Xet ........................................................................................................ 49 O caso da Invernada do Paiol de Telha: a luta pela terra .................................... 53 O uso dos documentos histricos no contexto escolar: Inventrio de possibilidades ............................................................................... 58 Anlise dos discursos: fragmentos..................................................................... 60 A fonte oral em sala de aula ............................................................................... 64 UNIDADE III A PRAA 19 DE DEZEMBRO, UM SMBOLO DAS COMEMORAES DO CENTENRIO .............................................................. 67 A Praa 19 de Dezembro .................................................................................... 69 Hoje dia de Praa! ........................................................................................... 75 O olhar atual dos usurios sobre a Praa 19 de Dezembro ................................ 77 A importncia da Educao Patrimonial para as novas geraes ....................... 78 Agora com voc: sugesto de estudo ............................................................. 79 Estudo do meio como fonte para o ensino de Histria: Inventrio de possibilidades ............................................................................... 83 Roteiro de visitao praa possibilidade 1 .................................................... 83 Roteiro de visitao praa possibilidade 2 .................................................... 85 REFERNCIAS....................................................................................88 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................92 ANEXOS ...........................................................................................99

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Histria

REPRESENTAES, MEMRIAS, IDENTIDADESSEED_DEF_Historia.indb 7 4/13/2009 11:25:50 AM

ORGANIZAO TERICA METODOLGICAO presente material tem por objetivos subsidiar teoricamente a implementao das Diretrizes Curriculares da Rede Pblica de Educao Bsica do Estado do Paran (Histria), ampliar as possibilidades de trabalho dos professores de Histria, ressaltando as relaes culturais, de trabalho e de poder; orientar metodologicamente a prtica docente, estimulando a reflexo sobre os contedos, os conceitos e as concepes de Histria presentes em diferentes contextos; e, por fim, demostrar como articular as memrias e histrias locais/regionais aos contedos especficos da disciplina escolar, favorecendo a construo do conhecimento histrico. O tema escolhido, As Comemoraes do Centenrio de Emancipao Poltica do Paran, visa ainda dar continuidade aos trabalhos j desenvolvidos pelos professores das diferentes regies do Estado, quando do desenvolvimento do Projeto Sesquicentenrio do Paran no Contexto Escolar bem como responder as demandas por materiais didtico-pedaggicos de Histria do Paran. Entretanto, como alertou Fernando Novaes (2000) no contexto dos festejos dos 500 de Descobrimento do Brasil, essas comemoraes normalmente so tidas como marcos periodizadores, ou seja, tendem a ser naturalizadas:(...) as datas, os episdios ou as personagens, que acabam por ficar na tradio historiogrfica como marcos periodizadores, exprimem um discurso quase sempre eivado de ideologia, o que expressa certos movimentos do poder ao longo da histria. Assim sendo, normalmente, os historiadores, quando tratam desses assuntos, o que procuram fazer o contra-discurso, chamando de historiografia oficial, tradicional, estas narrativas laudatrias, e procuram desmistificar estes heris e episdios. Muitas vezes isso bem feito, outras vezes no, pois raramente est bem definido o que historiografia oficial ou tradicional.

Esse alerta nos convida a traar um paralelo entre as Comemoraes do Centenrio da Emancipao Poltica do Paran e dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Em ambos os casos colocaram8

Ensino Fundamental

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se margem das comemoraes de uma histria oficial, a memria dos excludos, isto , dos indgenas, negros, trabalhadores do campo e da cidade, entre outros. A questo que se coloca como reverter esse processo? Com base nas Diretrizes Curriculares da Rede Pblica de Educao Bsica do Estado do Paran (Histria) este material se prope a problematizar com os alunos um contedo especfico a partir das memrias, experincias e histrias dos sujeitos que viveram aquele contexto. Possibilita tambm uma abordagem da Histria, no como uma verdade pronta e definitiva, mas como uma constante anlise e reconstruo, em torno das aes e relaes dos sujeitos no tempo e no espao. A fim de alcanar os objetivos propostos, este caderno foi divido em trs unidades que tratam do contexto, das representaes, das prticas, dos ritos, dos signos, dos smbolos, das experincias, das identidades e das memrias dos sujeitos que viveram o ano de 1953 no Paran. importante ressaltar que este material no uma receita e sim um ponto de partida que implica em escolhas, sejam elas: um recorte temporal, espacial ou temtico, implica tambm no aproveitamento e na melhoria das idias aqui explicitadas, assim como na proposio de novos temas e pesquisas. O tema traz, ainda, uma grande riqueza de possibilidades no que diz respeito aos encaminhamentos metodolgicos necessrios escola, uma vez que permite aos alunos o exerccio da pesquisa histrica nas escolas da rede pblica estadual. Neste caderno, foram utilizadas fontes diversificadas que permitem um trabalho a partir do prprio documento, assim como a problematizao de questes do cotidiano da comunidade em que est inserida a escola. Essas possibilidades de anlise e de tratamento metodolgico so identificadas ao longo do texto, para facilitar sua visualizao. Sugerimos que o professor proponha aos alunos pesquisas sobre os temas e/ou nomes dos personagens que aparecerem grafados colorido no texto. So, na sua grande maioria, de fcil localizao podendo ser pesquisados em bibliotecas, na internet e mesmo a partir da memria dos sujeitos envolvidos.

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Caderno Pedaggico de Histria

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O CD-ROM que acompanha o material foi pensado como um recurso adicional no qual disponibilizamos inmeros documentos escritos e imagens, alm do material que comps o Projeto Sesquicentenrio do Paran no Contexto Escolar (2003), o caderno temtico Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005) e o caderno temtico Educando para as Relaes tnico-Raciais (2006). Da mesma forma o material vem acompanhado de um documentrio em DVD, que apresenta vrias imagens do Paran das dcadas de 1940/50, isto , do contexto do centenrio da emancipao poltica do Estado. Esperamos que o presente material contribua para despertar a curiosidade de professores e alunos para que juntos faam emergir as memrias e histrias das suas comunidades, municpios e regies com vistas valorizao das experincias individuais e coletivas na construo da conscincia histrica.

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Ensino Fundamental

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Unidade

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Nada do que humano ser agora alheio ao historiador. Da a multiplicao de estudos sobre a cultura, os sentimentos, as idias, as mentalidades, o imaginrio, o cotidiano. E tambm sobre instituies e fenmenos sociais antes considerados de pequena importncia, seno irrelevantes, como o casamento, a famlia, organizaes polticas e profissionais, igrejas, etnias, a doena, a velhice, a infncia, a educao, as festas e rituais, os movimentos populares. Jos Murilo de Carvalho

AS FESTAS DO CENTENRIO DE EMANCIPAO POLTICA DO PARANCaderno Pedaggico de Histria 11SEED_DEF_Historia.indb 11 4/13/2009 11:26:01 AM

Nesta unidade pretendemos fazer uma anlise sobre alguns aspectos do perodo de formao do Paran, desde sua emancipao poltica at a dcada de 50, trazendo elementos das relaes culturais, de trabalho e de poder, para a compreenso do contexto histrico das comemoraes do Centenrio da Emancipao Poltica do Paran. Para tanto dividimos este perodo em dois momentos: o da Emancipao Poltica do Paran at a Proclamao da Repblica (1853-1889) e da Consolidao da Repblica aos governos desenvolvimentistas da dcada de 50. A luta pela emancipao poltica comeou a ganhar fora no incio do sculo XIX. As cidades paranaenses, que faziam parte da 5 Comarca de So Paulo, denunciavam que o governo da Provncia era alheio aos interesses da regio. O progresso da agricultura e do comrcio, assim como a necessidade de um governo mais prximo dos interesses da populao, visto que So Paulo distava 110 lguas, eram as reivindicaes em pauta na dcada de 1820, no movimento conhecido como Conjura Separatista, que, no entanto, no encontrou eco naquele momento. Economicamente mais forte, no decorrer da prxima dcada (1830) em conseqncia do comrcio de gado e da exportao de mate para a regio da Prata, a Comarca passou a ter uma posio estratgica devido aos movimentos revolucionrios do Sul. A independncia da Provncia Cisplatina, a Guerra dos Farrapos e a Revoluo Liberal de Sorocaba contriburam para aumentar a importncia da Comarca frente ao governo central e ao governo provincial, que, em troca de apoio contra os liberais, prometeu a separao da Comarca e sua elevao Provncia. Com a vitria do governo central contra os liberais encaminhado, em 1843, Cmara do Imprio um projeto de elevao da Comarca de Curitiba categoria de Provncia. Esse projeto tramitou durante 10 anos, com sugestes de emendas, medidas protelatrias, discursos favorveis, e tambm intensa propaganda pela emancipao veiculada, principalmente por Paula Gomes (Francisco de Paula e Silva Gomes) na imprensa da Corte e de So Paulo. Finalmente em 20 de agosto de 1853 o projeto foi aprovado e transformado em lei em 29 de agosto do mesmo ano. Ensino Fundamental

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A Provncia foi oficialmente instalada em 19 de dezembro de 1853, com a chegada de Zacarias Ges de Vasconcelos, seu primeiro presidente, que teve como tarefa instalar e organizar a Provncia do Paran. Nesse momento, o projeto de Paran foi eminentemente de cunho poltico-administrativo, pois no havia ainda um discurso de identidade paranaense, de valores comuns a toda populao e, sim, objetivos claramente ligados a determinados setores da sociedade, fossem eles comerciantes do litoral, fazendeiros ervateiros ou tropeiros.

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Caderno Pedaggico de Histria 13

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O primeiro perodo da Emancipao Poltica do Paran at a Proclamao da Repblica (1853-1889) se caracterizou pela pequena autonomia das provncias frente ao governo central, pela represso aos movimentos regionalistas e pela unidade territorial expressa, tambm, no poder simblico do Imperador, que procurava mediar a disputa de poder entre as provncias. No Paran, nesse primeiro momento, as elites econmicas que apoiaram a emancipao tiveram suas reivindicaes atendidas pelo poder central, visto que a pouca tradio do Paran enquanto unidade regional no pesava na disputa por recursos da coroa. Com a Proclamao da Repblica e a adoo do federalismo, pela Constituio de 1891, as unidades da federao, agora chamadas de Estados e no mais de Provncias, ganharam mais autonomia, podendo decidir sobre diversos assuntos dentro do seu territrio, passaram a ter tambm um status formal de igualdade perante os outros Estados. Entretanto, na prtica, os Estados com maior representao poltica (como So Paulo, Minas Gerais e Pernambuco) estabeleceram um monoplio das decises na vida poltica nacional, inclusive quanto distribuio dos recursos da Unio, privilegiando algumas regies1. Nesse contexto as elites das regies com menor representatividade poltica, como o Paran, sentindo-se preteridas na distribuio de recursos federais, elaboraram discursos para organizar novas estratgias de ao em busca da superao das dificuldades apresentadas pelo novo contexto institucional. Dentre os discursos construdos na poca, o regionalismo foi tema de debate em vrios Estados2. No Paran, o regionalismo foi denominado Paranismo3 teve

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Ver LOVE, Joseph. O regionalismo gacho e as origens da revoluo de 1930. So Paulo: Perspectiva, 1975.

CUNHA FILHO, Valter Fernandes da. Estado, poltica econmica e cultura desenvolvimentista: o caso do Banco de Desenvolvimento do Paran S. A. Curitiba, 2005, 381 p. Tese (Doutorado em Histria), Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paran.3

Segundo Romrio Martins, o termo paranismo teria sido utilizado pela primeira vez em 1906 pelo poeta Domingos Nascimento, quando de seu retorno de uma viagem ao norte do estado onde a populao local, em sua maioria de origem paulista, o havia chamado de paranista, em meno ao termo paulista, isto , ao natural do estado de So Paulo. O termo paranista passa ento a ser utilizado pelos intelectuais do movimento, uma vez que, ao contrario do termo paranaense, passa a aglutinar no apenas os naturais do Paran mas todos aqueles que escolheram o estado como sua morada. PEREIRA, Luis Fernando Lopes. Paranismo: cultura e imaginrio no Paran da Primeira Repblica. Curitiba, 1996. Dissertao (Mestrado). Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paran.

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como seu principal representante Romrio Martins e suas idias sobre a construo da identidade do povo do Paran. A gravura e este extrato de texto so uma demonstrao dessa inteno.Paranista aquele que em terras do Paran lavrou um campo, vadeou uma floresta, lanou uma ponte, construiu uma mquina, dirigiu uma fbrica, comps uma estrofe, pintou um quadro, esculpiu uma esttua, redigiu uma lei liberal, praticou a bondade, iluminou um crebro, evitou uma injustia, educou um sentimento, reformou um perverso, escreveu um livro, plantou uma rvore. (Martins, R. Mensagem do Centro Paranista ao Presidente do Estado Dr. Affonso Camargo, 1927)4

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Entre os smbolos do Paranismo o pinheiro e o mate, foram exaltados na obra de Romrio MartinsO Pinheiro alto, eril de longos braos estendidos para os horizontes, - o Paran transfigurado no smbolo verde das esperanas que se realizam, da hospitalidade acolhedora dos advindos de todos os quadrantes do mundo, da afirmao de fora e de altura incitadora das resistncias para o trabalho e para as preocupaes altrusticas. (Romrio Martins In: Szvara, Dcio.Figura 1: Documento - revista Illustrao Paranaense O forjador: runas de um mito Romrio Martins, 1893(Detalhe da capa). Obra de Joo Turim. (1927-1930) 1944. 2 ed. Curitiba: Aos quatro ventos, 2004, p.26)

A partir de ento um novo projeto para o Paran passou a ser gestado por intelectuais ligados a instituies criadas neste contexto, como por exemplo, o Instituto Histrico e Geogrfico Paranaense (1900), a Universidade do Paran (1912), o Centro Paranista (1927) e o Crculo de Estudos Bandeirante (1929). Tal projeto propunha, em linhas gerais, a emancipao do Paran em vrias frentes, a saber, o desenvolvimento econmico regional, via substituio do extrativismo (do mate e da madeira) pela atividadeTRINDADE, Etelvina Maria de Castro; ANDREAZZA, Maria Luiza. Cultura e educao no Paran. Curitiba: SEED/UFPR, 2001. (Histria do Paran: textos introdutrios). Esta coleo est disponvel nas bibliotecas de todas as escolas da rede estadual de ensino.4

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agrcola (trigo e caf); no campo da poltica props-se a criao de uma nova elite poltico-administrativa consciente da urgncia da concretizao do projeto, tanto no nvel federal como no regional; na esfera cultural este discurso, liderado por Romrio Martins5, visava a construo de uma identidade e de um modelo de homem preferencialmente concretizado na figura do europeu. No entanto, o projeto de identidade paranaense, gestado durante as primeiras dcadas do sculo XX, passou por um perodo de inrcia em decorrncia do projeto nacionalista do governo Vargas, que, durante o Estado Novo, centralizou o poder federal, controlando a influncia dos governos estaduais ao implantar um regime autoritrio, porm economicamente modernizador. O Paran, governado pelo interventor Manoel Ribas, de 1932 a 1945, atendia as prioridades do governo federal, e no os interesses locais6. No campo educacional aumentou o nmero de escolas, favorecendo a implementao da Campanha de Nacionalizao, que tinha entre os objetivos, integrar os imigrantes estrangeiros por meio da educao, ao ensinar o idioma e os valores nacionais; nas obras pblicas as aes contemplavam a integrao do campo, produtor, com a capital e os portos ao financiar a abertura de estradas, alm disso, deu continuidade ao processo de colonizao do Norte, Oeste e Sudoeste, visando a produo de alimentos para o consumo interno e tambm favorecendo a continuidade da produo de caf. A modernizao, tema central dessa prtica, seria tambm o discurso dos prximos governantes do Paran: Moyss Lupion (1947-1951) e Bento Munhoz da Rocha Netto (1951-1956). Aps o fim da ditadura varguista, o Brasil passou por uma grande transformao econmica e social, caracterstica do ps-guerra no mundo capitalista, deixando de ser um pas de economia essencialmente primrio-exportadora para desenvolver atividades industriais, atravs da poltica de substituio de importaes.5

Para saber mais ver a obra de SVARA, Dcio. O forjador: runas de um mito. Romrio Martins, 1893-1944. 2. ed. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004.

MAGALHES, Marion Brepohl. Paran: poltica e governo. Curitiba: SEED/UFPR, 2001, p.48. (Histria do Paran: textos introdutrios). Esta coleo est disponvel nas bibliotecas de todas as escolas da rede estadual de ensino.

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O Paran tambm vivenciava um surto de desenvolvimento econmico, propiciado, principalmente pelo sucesso das lavouras de caf, nas terras-roxas do Norte/Noroeste paranaense. A recente ocupao desta regio do estado, assim como a do Oeste e do Sudoeste, contribuiu significativamente para o crescimento do Paran e sua insero definitiva no panorama nacional. A modernizao e a prosperidade entram no cotidiano das pessoas atravs da disseminao do American way of life, veiculado pelos meios de comunicao de massa. As cidades surgiam numa velocidade espantosa, da mesma forma que se desmembravam em outras cidades, como lembram os reprteres Arnaldo P. dHorta e Rubem Braga7 que visitaram a regio na dcada de 1950 e relataram impressionados com as mudanas vertiginosas da regio, inclusive denominando as cidades da regio de Cidades Cogumelo, ou Figura 2: Documento - propaganda Arno, veicuseja, cidades que brotavam da selva. lada na revista o Cruzeiro /1953 Entre os anos 1950 e 1960 surgiram 65% dos municpios do Paran existentes at o incio da dcada de 1990, segundo Dennison de Oliveira8. No norte a expanso pode ser explicada pela expanso das atividades ligadas ao caf, como o beneficiamento, o transporte, bem como as atividades de manuteno e intermediao financeira. No sudoeste, a explorao da madeira e a pecuria, assim como, as atividades relacionadas a elas geraram a grande proliferao e adensamento de centros urbanos.

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BRAGA, Rubem; DHORTA, Arnaldo P. Dois reprteres no Paran. Curitiba: Imprensa Oficial, 2001. (Brasil Diferente).

OLIVEIRA, Dennison de. Urbanizao e industrializao no Paran. Curitiba: SEED/UFPR. 2001, p. 31. (Histria do Paran: textos introdutrios). Esta coleo est disponvel nas bibliotecas de todas as escolas da rede estadual de ensino.

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Nacionalmente os feitos do Paran como territrio do futuro, do progresso, da prosperidade e o desenvolvimento econmico se faziam conhecer pelas propagandas veiculadas em revistas como a O Cruzeiro9. Peridicos e jornais locais tambm contriburam para divulgar os empreendimentos e oportunidades de vida melhor nas regies cafeeiras. Crescimento populacional, urbanizao e desenvolvimento econmico, foram alguns dos pilares desta nova sociedade, que vislumbrava um futuro brilhante para um Paran, que se tornava a cada dia mais moderno e prspero. O ambien- Figura 3: Documento - propaganda te urbano passava a se configurar como Goodyear, veiculada na revista O Cruzeiro grande smbolo dos novos valores sociais /1953 que as classes dirigentes tentavam legitimar. Assim se tornava importante a criao de uma identidade paranaense, que viesse aglutinar os diferentes povos/projetos em torno de um objetivo comum. Segundo Szvara (2004, p. 1-2)Na dcada de 1950, no mbito das comemoraes do centenrio da emancipao poltica do Estado, foram elaboradas verses do Paran e do homem paranaense, s quais as imagens de hoje ainda muito de assemelham. Duas obras do perodo (1950) forma objeto de estudo em artigos recentes, onde seus autores concluem que, em Um Brasil diferente, O Paran vivo [ttulos das obras em 1950], a utopia paranaense se realiza, neste vivo e neste diferente, conferindo uma identidade regional ao Paran. Para garantir esta identidade necessrio recuperar e preservar as singularidades regionais homens brancos, urbanizados e laboriosos que determinam sentido da histria, o progresso10.

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Segundo Cabrini (2005), A revista O Cruzeiro comeou a ser publicada em 1928, pelos Dirios Associados, de Assis Chateaubriand, caracterizando-se como a principal revista ilustrada at os anos 60, com a introduo de novos meios grficos e visuais, como o fotojornalismo. Os anncios, que ocupavam boa parte das pginas da revista, mostram a importncia da propaganda e induzem o pblico alvo, principalmente o feminino, ao consumo. Os assuntos, tambm dirigidos principalmente ao pblico feminino, eram variados: cinema, vida dos artistas, esporte, sade, poltica, culinria, moda, sees de charges. Alm disso, comportava textos jornalsticos e ficcionais; Rachel de Queiroz assume na revista esses dois gneros, como jornalista, tendo a ltima pgina fixa para a sua matria, e como romancista, publicando o seu romance em 1950, em folhetim, no peridico. O leitor de O Cruzeiro (ou qualquer outra revista de variedades) conduz a leitura entrecortada seguindo o prazer do olhar, seqenciando as pginas pelo folhear atrado pelas manchetes e imagens. Estas possibilitam a aquisio rpida de informaes, podendo, o leitor, em alguns momentos, se deter em algo que lhe foi comunicado. Em uma segunda leitura, certamente o leitor seguir outro caminho, podendo voltar ao texto, ou imagem com a qual deseja estabelecer um dilogo. Como obteve as informaes com rapidez, o leitor tambm, com a mesma velocidade, traduzir as mensagens em novos textos, e, talvez, em novas linguagens: possivelmente a mensagem ser motivo de comentrios, transformando-se em oralidade. Ver SVARA, op. cit.

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Com a redemocratizao do Brasil nos anos 50, foi retomado o projeto do desenvolvimento econmico a partir da industrializao. Esta seria a melhor alternativa para o desenvolvimento, pois com a industrializao nem mesmo o clima seria fator de adversidade para o completo desenvolvimento do Estado11. nesse contexto que as comemoraes do Centenrio da Emancipao Poltica do Paran ocorrem. Como toda festa cvica, essa acontece dentro de um balizamento de datas. Neste caso, trata-se das datas de 29 de Agosto (em que a lei da emancipao sancionada pelo Imperador D. Pedro II, em 1853) e 19 de Dezembro (em que se completa a emancipao, marcada pela chegada de Zacarias Ges de Vasconcelos a Curitiba quando concretiza a instalao e assume a presidncia da nova provncia). Embora entre essas datas tenha ocorrido a maior concentrao das comemoraes, elas foram realizadas durante todo o ano de 1953, lideradas pela capital paranaense. A comemorao tem por objetivo tornar novamente presentes (ou seja, representar) os acontecimentos do passado que so julgados importantes para integrar a comunidade que a realiza. Para organizar as comemoraes de 1953 instituda pelo governo do Estado uma comisso, composta por membros representantes de diferentes setores da sociedade. A Comisso de Comemoraes do Centenrio do Paran: Pela lei n 1039, de 10 de novembro de 1952, foi transformada em entidade autrquica, com a personalidade jurdica e patrimnio prprio, e sob a denominao de Comisso de Comemoraes do Centenrio do Paran, a Comisso de Festejos criada anteriormente. Dito rgo tem por fim planejar, promover e dar execuo aos atos destinados a registrar, com o mximo brilho, o transcurso do I Centenrio da emancipao poltica do Paran.

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Em 1953 houve a primeira grande geada que atingiu os cafezais e abalou as contas pblicas, diminuindo no somente a capacidade de compra da populao mais tambm, o potencial de investimentos do governo do Estado. Ver: CARNEIRO, David. Fasmas estruturais da economia do Paran. Curitiba: Imprensa da Universidade do Paran, [s.d.].

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Na foto: Em uma das visitas a obras da Exposio Internacional do Caf os membros da Comisso: Da esquerda para a direita: Monsenhor Jernimo Mazzarotto, Coronel Jos Domingues dos Santos, Dr. Jos Loureiro Fernandes, sr. Sylla Santerre Guimares, Dr. Brasil Pinheiro Machado, presidente, sr. Gabriel da Veiga e o sr. J. L. Froes Arantes.(Fonte: Ilustrao Brasileira, 1953, p. 190)Fonte: Maria Bethnia de Araujo, acervo particular. Fonte: Sandro Cavalieri Savoia, acervo particular.

A comemorao teve como principal espao a Capital, que se torna plo turstico em funo da festa12. Uma srie de eventos, realizados em diferentes espaos da cidade, marcou o ano de 1953. Jantares e bailes elegantes em clubes de elite, homenagens a personalidades na Assemblia Legislativa, inaugurao de obras pblicas (principalmente estradas e o obelisco da Praa 19 de Dezembro), desfiles, procisses, exposies (exposio internacional do caf), congressos (vrios exemplos), lanamento de produtos e produo de souvenires (medalhas, selos e louas,) e recepes faziam parte Figura 4: Documento loua e selos da agenda das festas do Centenrio. comemorativos As comemoraes de 1953 trazem em seu bojo o discurso de modernidade, prosperidade e progresso que caracterizavam o Paran naquele contexto, assim como encerra uma identidade forjada em torno do territrio e da populao, representada pela capital, escolhida como palco priviFonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 175

Figura 5: Documento - foto do projeto do Teatro Guara, 1953.

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Ver o DVD que acompanha o Caderno Histria: Memrias, Representaes, Identidades.

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legiado para a instalao dos smbolos de progresso, da modernidade e da cultura. Esse ltimo aspecto se revelou central nas obras edificadas na capital para a afirmao material e simblica da prosperidade paranaense como a construo da Biblioteca Pblica do Paran, o Teatro Guara, o Centro de Letras do Paran, e o Grupo Escolar Tiradentes. Outros smbolos podem ser percebidos, como a construo do Centro Cvico, a retomada do Plano Agache, representando a centralizao administrativa da capital e a grandeza do Paran, assim como a Praa Dezenove de Dezembro (que ser estudada na unidade 3). No interior do Estado o desenvolvimento das cidades e a urbanizao tambm contriburam de maneira significativa na construo dos discursos de prosperidade, modernizao e progresso do territrio paranaense. Esse projeto de modernidade tambm pode ser percebido na edificao de obras pblicas com linhas arquitetnicas tidas como modernas, como por exemplo, o posto de sade de Porecatu, o Hotel Cayob em Guaratuba e a estao rodoviria de Londrina.Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 221, 215, 228

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Figura 6: Documento - fotos, Hotel Cayob em Guaratuba, posto de sade de Porecatu, e rodoviria de Londrina.

Festas e rituais como objeto de estudo no ensino de HistriaPara entender melhor como e porque as festas e comemoraes tm um papel relevante na exteriorizao dos projetos de identidade, como o do Paran, faz-se necessrio uma breve contextualizao desta forma de rito/ritual em articulao s especificidades da comemorao de 1953 e a seus discursos.

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Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 179

As festas cvicas surgem no contexto da laicizao da sociedade, sendo seu maior exemplo o processo de construo de uma identidade nacional, popular e laica durante a Revoluo Francesa. A inspirao para a festa e o calendrio cvico repousa na Igreja Catlica, cuja liturgia se d atravs de um ciclo anual de festas sacras, atravs da quais ensina-se, relembra-se e convida-se a vivenciar os itens da f. A Repblica institui, para o povo acostumado a essas festas, novos Figura 7: Documento - foto, Banda dos fuzileiros momentos de formao da identidade: alm de Paixo, Pscoa, Natal, a navais data de independncia, da proclamao da Repblica, das batalhas e dos feitos dos grandes homens ... Por isso, o parentesco das festas cvicas com os dias santos ou dias de guarda da Igreja no ser gratuito. Da tambm o termo ritual, bem como a parfrase presente no ttulo do artigo de Lcia L. Oliveira, As Festas que a Repblica Manda Guardar13. Desde a dcada de 1930, em Curitiba e na maioria das cidades paranaenses, as ruas mostravam uma movimentao intensa. Desfiles cvicos e esportivos, que tanto agradavam ao governo de Vargas, assim como corsos carnavalescos e procisses religiosas aglutinavam a populao, que corria a assistir, aplaudir ou participar do espetculo. Nas comemoraes do Centenrio no foi diferente. Grandes eventos como shows artsticos, desfiles, procisses religiosas, exposies, feiras, partidas de futebol, apresentaes de pera, canto coral e turfe reuniram uma multido nas ruas e praas da cidade, assim como nos clubes, sociedades e ginsios. Eventos reservados s auto- Figura 8: Documento - foto, Procisso doCongresso Eucarstico

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OLIVEIRA, Lucia Lippi. As festas que a Repblica manda guardar. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v.1, n. 4, p. 172-189, 1989.

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Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 157

ridades tambm tiveram seu espao, como por exemplo, a abertura de exposies, de diversas inauguraes de obras pblicas, de banquetes, de bailes, de sesses solenes de descerramento de placas comemorativas, de recepes, de revista s tropas, entre outras atividades. Na Capital, o dia 29 de agosto de 1953 amanheceu com uma alvorada festiva executada pela Banda de clarins da Polcia Militar, do alto de um dos edifcios do centro; s 8 horas, na Praa Santos Andrade houve o hasteamento solene do pavilho nacional e da bandeira do Paran, e tambm a interpretao dos hinos do Paran e do Centenrio pelo Coro Orfenico do Instituto de Educao, em seguida uma revoada Figura 9: Documento - foto, Desfile das etnias de pombos e o discurso do prof. Laertes de Macedo Munhoz, presidente da Assemblia Legislativa do Estado. Ainda pela manh, s 10 horas, foi oficiada uma missa solene pelo Arcebisbo Metropolitano, D. Manoel da Silveira DElloux. Pela parte da tarde na Assemblia Legislativa do Estado foi inaugurado um bronze relativo emancipao da Provncia, com os discursos do governador e do presidente da Assemblia. noite, na Praa General Ozrio, houve a apresentao da Banda Sinfnica da Polcia Militar num grande concerto, com a execuo de obras de autores brasileiros e paranaenses. Por fim, s 23 horas, foi promovido um baile de gala no Clube Curitibano com a presena de autoridades. Durante a segunda quinzena do ms de setembro foram realizadas as Olimpadas Estudantis do Paran, que reuniu representantes de Figura 10: Documento - fotos, Olimpadas diversas cidades do Estado. No final de EstudantisFonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 178

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Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 147

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novembro, entre os dias 26 e 29, ocorreu o I Congresso Eucarstico Provincial do Paran, um evento da igreja catlica, que contou com o translado da imagem de Nossa Senhora do Rocio de Paranagu Curitiba, diversas missas e comunhes, sesses solenes, sesses de estudos, procisso e exposio do santssimo sacramento. Alm dos eventos realizados na Catedral Metropolitana, foi construdo um altar na Praa da Repblica, atual Praa Rui Barbosa. O ms de dezembro recebeu especial ateno com a realizao de uma srie de eventos, mas o auge aconteceu entre os dias 18 e 21, com a presena do Presidente da Repblica. No dia 18, aps a recepo do presidente e de governadores de outros Estados, no Aeroporto Afonso Penna, houve uma homenagem ao primeiro Presidente da Provncia do Paran, o conselheiro Zacarias Ges de Vasconcelos, na praa que leva seu nome. Ainda durante a tarde houve um desfile tnico de estudantes e escoteiros com trajes tpicos das naes: germnica, polonesa, japonesa, italiana, ucraniana, srio-libanesa, francesa, holandesa, e das comunidades britnica e portuguesa. Mais tarde os representantes do governo se reuniram para a inaugurao do Grupo Escolar Tirandentes. noite aconteceu a recepo oficial do Centenrio, oferecida pelo governo do Estado s autoridades e a sociedade paranaense no Clube Curitibano. No dia 19 as comemoraes iniciaram-se zero hora com o anncio festivo e solene do Centenrio. Fogos de artifcio, sinos, apitos e sirenes anunciaram o novo sculo de vida do Paran, na seqncia o Governador do Paran e o Presidente da Repblica fizeram seus discursos. O dia 19, assim como o dia 29 de agosto, prosseguiu com alvorada festiva da banda da Polcia Militar, revista s tropas e desfiles militares com a participao das diferentes unidades das Foras Armadas, seguido de hasteamento solene do pavilho nacional e do Paran. Durante o dia as autoridades participaram de inauguraes e da abertura da Exposio Internacional do Caf, nesse primeiro momento somente com as autoridades, a noite os portes foramFigura 11: Documento - foto, Bento Munhoz e Getlio Vargas tomam caf 24

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Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 103

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abertos ao pblico. Este grande evento ofereceu ao povo espetculo de fogos de artifcio, baile ao ar livre, nmeros de arte e apresentaes folclricas. Durante a noite foi oferecido ao Presidente da Repblica e convidados um banquete no Clube Curitibano. Finalmente no dia 20, ocorreu uma grande festa pblica no bairro do Bacacheri, oferecida pela Sociedade Duque de Caxias. Na Praa Tiradentes, em frente da Catedral Metropolitana, foi celebrada uma missa oficial pelo Arcebisbo Metropolitano Dom Manuel da Silveira DElboux. Ainda durante a manh, alguns governadores de Estados e o Presidente da Repblica se reuniram para uma conferncia seguida de almoo. tarde foram inauguradas Postos de Puericultura da Campanha do Centenrio, creches e uma placa de bronze na Biblioteca Pblica do Paran. No fim do dia aconteceu uma Festa Turfstica, no Hipdromo do Guabirotuba com a disputa de grandes prmios. Encerrou-se o dia com um baile na Sociedade Rio Branco, com a apresentao de bal no Colgio Estadual do Paran e com a partida internacional de futebol no Estdio do Ferrovirio. No dia 21, o Presidente retornou a Capital Federal, mas os eventos se estenderam at o dia 30 com descerramentos de placas de bronze, natal popular, apresentaes artsticas, inauguraes, congressos e banquetes.14 O estudo dos rituais nas esferas do civismo no se contrape ao cotidiano, mas expressa de uma determinada maneira e justifica sua anlise, pois segundo Roberto Da Matta (1997, p.63)(...) no seria um modo de procurar as essncias de um momento especial e qualitativamente diferente, mas uma maneira de estudar como elementos triviais do mundo social podem ser deslocados e assim, transformados em smbolos que, em certos contextos, permitem englobar um momento especial ou extraordinrio.15

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Analisando a festa cvica de 1953, percebe-se que, embora revestida do carter regional que lhe prprio, no deixa de configurar e funcionar como uma festa nacional, pois, parte do trabalho

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lbum comemorativo Ilustrao Brasileira. Rio de Janeiro: 1953.

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 63. Grifo do autor.

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de ligao que a festa deve promover no se resume a uma relao com um passado e um futuro imaginados e desejados, mas envolve a ligao poltico-territorial. Isso dado pelo carter nacional da festa regional, ao receber participantes de todo o pas: os governadores de outros estados, deputados, senadores, bem como o Presidente da Repblica. Alm de ampliar as dimenses da festa, a inteno marcar a inexistncia de rupturas entre o Paran e o Brasil (os estados e a Unio): o Estado em festa posto como uma unidade que se esfora por realizar a vocao do todo nacional. Ao tratar das comemoraes em sala de aula importante introduzir a discusso das prticas e representaes presentes nos rituais com os seus smbolos, os signos e os ritos. Assim, o professor pode analisar com seus alunos como os rituais que constituem seu cotidiano escolar, familiar e comunitrio transformam o trivial em especial. Segundo Peter McLaren16 (1991), o ritual, uma das principais formas de ao simblica, pois vai alm da herana religiosa inerente humanidade, e mantm-se vivo nas culturas, em geral, pelo interesse na antiguidade e pela nobreza e peso da tradio. Os rituais so parte indissocivel da condio humana, e vo alm das atividades sagradas e solenes, invadindo as atividades seculares. O ritual, integralmente ligado ao cotidiana, constitui-se de gestos (ritmos evocativos de significados que formam atos simblicos dinmicos) e posturas (que se constituem em paradas simblicas da ao)17. Uma importante caracterstica definidora do ritual a presena de um ritmo definido nos gestos que o compe, e uma gama restrita ou fechada de significados evocados pelos gestos, de maneira a transmitir aberta ou subliminarmente, alguma informao relativa ao relacionamento social em andamento. Um conjunto de gestos sem ritmo, nos quais todos os significados possveis so igualmente provveis (e que, portanto, so incapazes de transmitir alguma informao) no pode ser considerado um ritual.16

No captulo 1 da obra de McLAREN, Peter. Rituais na escola: em direo a uma economia poltica de smbolos e gestos na educao. Petrpolis: Vozes, 1991. Segundo as definies de Ronald Grimes citadas por McLAREN, op. cit.

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Gestos como uma procisso de bandeiras com posio de destaque para a paranaense, o ato de escutar discursos que se referem aos eventos histricos fundadores do Estado, declamar, aplaudir poemas e jograis sobre o mesmo assunto so gestos que apontam todos para uma mesma direo, passam uma mensagem, constituem o ritual. McLaren tambm aborda o aspecto da teatralizao que os rituais comportam. O ritual tambm um momento de suspenso voluntria da descrena, abrindo espao para a funo poltica de encarnar e transmitir certas vises de mundo. Alm disso, os rituais podem servir para possibilitar aos participantes a reflexo sobre sua prpria localizao na cultura dominante, (e tambm para o estudo dessa participao) para comunicar classificando informaes em diferentes contextos.

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Anlise e uso escolar dos documentos: inventrio de possibilidadesNessa unidade, trabalhamos com documentos que permitem desenvolver reflexes sobre os marcos envolvidos na festa do centenrio: a emancipao poltica do Paran, os governantes e os demais sujeitos dessa festa, ou seja, os paranaenses e os outros brasileiros de 1953. Na segunda unidade, procuraremos desconstruir esses rituais de identidade, apontando os silncios e os aspectos no-comemorveis (ou seja, os contrapontos s representaes triunfalistas, ufanistas, homogeneizadoras e oficiais da identidade paranaense) que so tambm fundamentais para entender essa histria e suas conseqncias sobre a atualidade. Este tipo de trabalho, produzido especialmente para o caderno, mostra uma possibilidade de estudo com o documento, partimos de um problema: O que motivou a grande comemorao (praticamente um ano inteiro) da emancipao poltica do Paran? Quem fez parte da festa? Construmos um texto contextualizando a festa e o que estava sendo comemorado. Alm do texto, estaremos encaminhando em anexo alguns documentos que podero ser utilizados no sentido

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de identificar pedagogicamente algumas operaes intelectuais que merecero nfase no aprendizado da Histria. O importante que o seu uso possa gerar uma reflexo e contribuir para que os alunos sejam conduzidos de forma mais ou menos autnoma a produo de um saber. Isso significa ultrapassar exerccios mais comuns de identificao ou de reproduo (memorizao) de um contedo recebido passivamente pelo estudante. O professor est diante de tipos diversificados de documentos: 1) imagens (fotos, mapas, propaganda); 2) escritos (discursos, leis, cronograma da festa, extratos de jornais). Eles podem ser usados de vrias formas no contexto da sala de aula, por exemplo: na problematizao de contedos, no trabalho com conceitos18, dentre eles noes de tempo19, para estabelecer noes de causalidade20 que estimulem a pesquisa e a construo de novos questionamentos por parte dos alunos. Sobre os tipos de documentos podemos nos perguntar: existem documentos mais confiveis que outros? Como fazer para criticar o documento? Os documentos so frutos da experincia humana, a deciso sobre o que guardar e como guardar para servir como indcios da atividade humana no passado envolvem fora poltica, intencionalidade e lugares para a sua conservao. O documento deve ser abordado no como um portador da verdade, como prova de realidade, mas como uma fonte de informaes a ser interpretada. O documento um fornecedor de indcios da realidade histrica, conforme o que indica Leite (1986, p. 1483)18

O professor deve levar em considerao que a construo de conceitos e aquisio de um vocabulrio especfico da disciplina de Histria so recursos indispensveis para uma anlise relacional da realidade social.Quando defendemos a construo dos conceitos por que no acreditamos no uso de definies abstratas, que podem ser simplesmente memorizadas pelos alunos. So muitos os conceitos indicados como fundamentais para o ensino de Histria, alguns so de carter mais geral da rea de Humanas e outros mais especficos da disciplina de Histria. Professor, h um certo consenso entre os especialistas sobre a centralidade da noo de tempo no trabalho com o ensino de Histria. A noo de tempo deve ser construda gradativamente e continuamente nas atividades de ensino aprendizagem e Histria. Uma questo essencial na aquisio da conscincia do tempo a oposio passado/presente: estabelecer relaes entre aquilo que permanece, aquilo que muda; identificar, explicar e significar os acontecimentos; so buscar as mltiplas causas entrelaadas com tempos tambm mltiplos na construo do sentido da mudana. Uma reflexo sobre o tempo na disciplina escolar de Histria uma operao mltipla, progressiva e deve contribuir para que os alunos passem a pensar historicamente. (Ranzi; Moreno, 2005, p. 10-15). Trabalhar com a noo de causalidade levar o aluno a compreender e esclarecer os componentes e as relaes de foras que envolvem um evento ou uma situao. Portanto, a noo de causalidade aqui no pode ser identificada na viso mecnica de causa e conseqncia.

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Para uma tendncia historiogrfica, o documento fala; para alguns entusiastas da eloqncia da imagem fotogrfica, esta transmite clara e diretamente informaes. Para outra, contudo, tanto o documento escrito quanto as imagens iconogrficas ou fotogrficas so representaes que aguardam um leitor que as decifre.21

Como todo documento, entretanto, indispensvel que eles sejam trabalhados considerando que pertencem a contextos especficos, identificando o(s) sujeito(s) envolvido(s) (produtores e receptores da mensagem), as intenes dos sujeitos, as finalidades do texto, a data aproximada em que foi produzido e sua origem. Nesse sentido, o trabalho com documentos pode e deve contribuir para o processo de ensino e aprendizagem em Histria. O uso do documento na sala de aula deve ser progressivo, dirigido, aos poucos possibilitando a familiarizao do aluno com a observao do documento. O documento diferente do livro didtico, um elemento de cunho modesto, ou fragmentrio, descrito e utilizvel conforme a convenincia. usado como uma matria prima, para ser o lugar de um trabalho, de uma observao, de uma anlise a ser desenvolvida. O documento diferentemente do livro didtico deve ser selecionado, preparado, traduzido para o uso no ato de ensinar. O documento concreto e representa a experincia, a realidade observvel (MONIOT, p. 170-74). Sugerimos que se desenvolvam questes que, por um lado, contextualizem os documentos (respondendo quem, onde, o que, quando, como, para que e por que22) e, por outro, proponham problemas e discusses para os alunos, aproveitando os comentrios acima e outras idias e anlises julgadas pertinentes. Buscando sozinho ou com os alunos, nos arquivos locais tambm denominados lugares da memria (bibliotecas, cartrios, jornais, acervos das cmaras municipais e prefeituras, acervos familiares, etc.), o professor pode encontrar documentos interessantes que se refiram a essa temtica do centenrio, do sesquicentenrio, da construo de uma identidade ao homem paranaense ou sobre outros temas que possam21 22

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LEITE, Miriam L.M. A imagem atravs das palavras. Cincia e Cultura, v. 38, n. 9, p. 1483, 1986.

Para maiores detalhes sobre essa metodologia, ver OLIVEIRA, Sandra R.F. de. Sete categorias de perguntas e a interpretao de fontes histricas no primeiro grau. Histria e Ensino. Londrina, n. 4, p. 89-102, out. 1998.

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ser significativos em seu contexto de trabalho. A utilizao dessas fontes pode ocorrer como complemento ou contraponto aos documentos que foram selecionados neste caderno, ou ainda de modo independente, em outro contexto de estudos.

Questionando, contextualizando, decodificando o documento: construindo explicaes em Histria.O trabalho com os documentos pode ser feito com um documento ou com um conjunto de documentos. Quando a atividade realizada com um documento ela envolve uma anlise mais factual do mesmo. No caso dos documentos escritos, por exemplo, algumas questes podem contribuir para sua decodificao e anlise: Que tipo de texto se trata? Qual a idia principal do texto? Quais so os detalhes secundrios coerentes com a idia principal? Como podem ser representados por escrito as idias principais e seus detalhes? Este tipo de encaminhamento pode levar a explorao de conceitos, das representaes e contribuir para que o aluno aprenda a observar, interpretar e contextualizar o documento e o contedo trabalhado. O trabalho com um conjunto de documentos objetivos vem proporcionar ao aluno uma anlise mais global, pois vai exigir dele maior reflexo na medida em que produz um conhecimento novo, contribui para enriquecer conceitos, estabelecer relaes e formular problemas. Em sala de aula possvel fazer as duas coisas. O professor precisa apresentar de maneira explcita os problemas e os conceitos centrais e ajudar os alunos a observar e analisar o documento, mas no fazer a anlise por eles. Ao professor cabe fazer o encaminhamento do trabalho levando em conta a tarefa que o aluno deve cumprir, definindo a margem de liberdade no cumprimento da tarefa, a forma da produo final e os critrios de avaliao das respostas em funo de um contrato firmado a priori com os alunos. Para facilitar o trabalho em sala de aula, alguns documentos foram separados a partir da ordem em que se apresentam no texto, com sugestes e provocaes com o objetivo de subsidiar terica e metodologicamente o professor.

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A Lei 704 de 29 de agosto de 1853Na anlise da lei destacamos alguns pontos, no entanto possvel complementar essa anlise, assim como fazer novas interpretaes. No prembulo da referida lei destaca-se: asntesedaestruturapolticadoImprio, aquestododireitodivinoeuniodaentreIgrejaeEstado, osacordosinternacionaisdapocae arelaoentreospoderes(legislativo,executivoemoderador). Quanto aos artigos podemos destacar os elementos para a criao de uma unidade da nao (nesse caso, a provncia): oslimitesterritoriais, acriaodacapital, arepresentaointernanoquadropolticodoImprioe acobranadeimpostosetaxasparaasustentaodaadministrao pblica criada (no caso a nica disposio que deve ser confirmada pelo poder central23). importante ainda reparar na forma de datar, pois esta envolve e refora a independncia (... aos vinte e nove de Agosto de mil oitocentos e cinqenta e trs, trigsimo segundo da Independncia e do Imprio), que marco de identidade e de legitimidade do poder do qual emana a lei. A datao importante? O aluno deve ser estimulado a guardar determinadas datas? As datas so elementos organizadores de um saber, para que os alunos percebam a importncia de guardar uma data ela tem que conter um significado para ele. Aps um trabalho como esse bem provvel que a emancipao do Paran adquira algum sentido para o aluno e ele lembre dessa data no momento em que ela for evocada por um evento comemorativo.

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Procure estar atento as questes que envolvem o ensino da Educao Fiscal nos dias atuais.

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Nessa abordagem, importante considerar que a Lei de 1853 objeto de leitura e interpretao no discurso que o governador Bento Munhoz da Rocha Netto proferiu por ocasio do Centenrio da Emancipao (que ser analisado na unidade 2), e que ambos os documentos so objeto do nosso interesse, na atualidade. As nossas prprias intenes como sujeitos so importantes para levar em conta no momento da anlise, uma vez que ajudam a problematizar com o aluno pois, as interpretaes no so neutras, e podem ser melhor compreendidas quando consideramos os interesses envolvidos, em seus diferentes contextos (ou seja, em 1853, em 1953 e na atualidade, inclusive nos muitos materiais publicados por ocasio do sesquicentenrio, em 2003). A mesma observao cabe quando da anlise dos demais documentos presentes neste caderno.

A capa da revista Illustrao ParanaenseSugerimos um trabalho a partir da anlise da imagem da capa da revista lllustrao Paranaense, de autoria de Joo Turim, com a identificao dos smbolos construdos o homem, o pinheiro, o pinho - e seus significados para os paranistas. Selecionamos dois trechos da obra de Dcio Szvara que podem contribuir para o debate em torno da construo desses e outros smbolos por Romrio Martins:Smbolo da terra, mas tambm do homem paranaense hospitaleiro, trabalhador, altrusta o pinheiro confunde-se com a prpria imagem deste homem. Alto, eril, forte e de braos abertos para o futuro auspicioso o ideal que passa a caracterizar o tipo humano do Paran (SZVARA, 2004, p.26). Se a imagem do pinheiro transfigura-se no corpo do homem paranaense, o mate torna-se a seiva que lhe garante a fora fsica e a potncia moral (SZVARA, 2004, p.29).

Partindo do debate podemos propor para os alunos questes como, por exemplo, o que sentir-se paranaense hoje? Existe uma identidade paranaense? Isto necessrio? Quais smbolos representam a identidade dos habitantes do Paran hoje? As idias de Romrio Martins podem ainda representar a imagem do paranaense? Por qu?32

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Mais uma possibilidade de trabalho em sala de aula apresenta-se a partir dos fragmentos de texto, do captulo Os trs Parans, de Ruy Wachowicz (2002). Aps a leitura do captulo na ntegra sugerimos que se discuta a idia de identidade paranaense, constituda em decorrncia do processo de colonizao do Estado.(...) Em conseqncia das fases histricas que condicionaram a colonizao do territrio paranaense, podemos dividir a ocupao do estado em trs reas histrico-culturais. A primeira rea corresponde ao que chamamos de Paran Tradicional. Esse Paran iniciou sua histria no sculo XVII, com a descoberta do primeiro ouro encontrado pelos portugueses no Brasil: Iguape, Canania, Paranagu, Curitiba. (...) No sculo XVIII, com o surgimento do caminho de tropas SorocabaViamo, teve incio a ocupao dos Campos Gerais. (...) Foi esta sociedade, que tinha suas bases em Paranagu (litoral), Curitiba (primeiro planalto) e Campos Gerais, que promoveu na primeira parte do sculo XIX a ocupao dos Campos de Guarapuava e Palmas. (...) A segunda rea cultural do estado corresponde ao norte do Paran. (...) (...) A terceira rea histrico-cultural originou-se aps meados da dcada de 1950. (...) A este deslocamento populacional chamamos de frente sulista, ocupando a maior parte do sudoeste e parte do oeste paranaense. (WACHOWICZ, 2002. p. 277-287.)

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Outra possibilidade uma leitura crtica da questo identitria a partir das obras de Romrio Martins24 e de Wilson Martins25, debatendo a idia de construo do Paran e identificando as ausncias tnicas nestes discursos, por exemplo, em relao aos povos indgenas e afrodescendentes. Sugerimos ainda o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa com artistas da regio. A partir da identificao dos artistas locais possvel analisar se suas obras expressam os smbolos do Paran. Quais so esses smbolos? Eles so identificados pela populao como paranaenses? Eles ajudam a construir uma identidade local? Entre outras questes.

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MARTINS, Romrio. Histria do Paran. Curitiba: Farol do Saber, 1995. MARTINS, Romrio. Terra e gente do Paran. Curitiba: Farol do Saber, 1995. MARTINS, Romrio. Quantos somos e quem somos: dados para a histria e a estatstica do povoamento do Paran. Curitiba: Empresa Grfica Paranaense, 1941.

25 MARTINS, Wilson. Um Brasil diferente: ensaios sobre o fenmeno de aculturao no Paran, 2 ed., So Paulo: T. A Queirz, 1989. MARTINS, Wilson. A inveno do Paran: estudo sobre a presidncia de Zacarias de Ges e Vasconcelos. Curitiba: Imprensa Oficial, 1999.

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A propaganda da GoodyearUma categoria de documento interessante e desafiadora para o uso em sala de aula so as propagandas e anncios veiculados na mdia. A partir dos anncios podemos discutir as vises de mundo dos sujeitos daquele contexto, suas aspiraes, suas necessidades, seus sonhos de consumo, alm de proporcionar aos alunos um rico debate sobre o cotidiano das pessoas ao longo do tempo. Devemos lembrar que a inveno da imagem do Paran moderno26 est relacionada domesticao da mata, colocada pejorativamente como Selva. A lavoura de caf representava uma etapa necessria para o progresso econmico do estado. Esta representao veiculada em meios de comunicao como: revistas, jornais, ou em forma de artigos de propagandas oficiais e de empresas privadas. Segundo o Luis Fernando Cerri (2005, p. 321), a propaganda:(...) tomada como elemento do conjunto da sociedade capitalista, em que vivemos pode ser compreendida tambm como expresso da poca em que ocorre, e portanto como uma fonte histrica de primeira ordem, principalmente se o que temos em mente pesquisar o recorte da realidade para o qual ela se dirige, isto , os sonhos, desejos, as expectativas das pessoas, isoladas ou em grupos, s quais os anncios se dirigem para satisfazer e criar necessidades. por vender mais do que produtos ou servios que a propaganda acaba por tornar-se uma referncia fundamental para o estudo do imaginrio.

A propaganda, veiculada na revista O Cruzeiro de 21 de novembro de 1953, reflete a colonizao do norte do Paran. Verifica-se uma boa oportunidade de trabalho para se refletir o processo de colonizao e seus desdobramentos, quanto aos aspectos, scioambientais, scio-econmicos e culturais, entre outros, promovidos no Estado. Este anncio exemplar para traduzir o discurso de modernidade do perodo. Existe uma srie de elementos na imagem e no ttulo que podem ser problematizados com os alunos, como por exemplo:

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Ver: PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Departamento de Ensino Fundamental. Cadernos Temticos: Educao do campo. Curitiba: SEED, 2005.

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a dicotomia campo cidade, rural urbano, atrasado moderno; avelocidadedastransformaeseanoodetempoexpresso nos dizeres da noite para o dia; aderrubadadamataeasquestesdaeducaoambiental27; a relao entre a vida selvagem (representada pela selva, mata) e a civilizao (representada pela lavoura); entre outras possibilidades. O texto que acompanha a imagem tambm pode servir de ponto de partida para uma discusso em torno do contexto histrico. Devido qualidade do texto na imagem optamos por transcrev-lo na ntegra: Uma Nao em Marcha... Paran, o novo El Dorado brasileiro, bem o smbolo desta poca trepidante de uma Nao em marcha... A, onde ontem era a selva virgem, surgem, da noite para o dia, cidades ricas e movimentadas. Arapongas, Londrina, Maring, Apucarana, Mandaguari... erguem-se hoje onde h 20 anos ouvia-se ecoar o bzio dos selvagens. E, por todo o Norte do Estado ontem jngal intransitvel desenrolam-se os cafezais [sic], que dentro de poucos anos estaro produzindo 12 milhes de sacas. A renda do Estado cresceu 4.520% aos ltimos 16 anos; a populao dobrou, num decnio; e Paranagu, seu escoadouro martimo, transformou-se num rival de Santos na exportao de caf. Na conquista desta nova fronteira econmica do Brasil ao lado do Homem, esse eterno heri da Histria coube ao caminho um papel predominante. Rasgando caminhos onde no havia estradas, carregando homens, mercadorias, alimentos, riquezas, o caminho foi o grande dinamizador deste [sic] rush espetacular. A Cia. Goodyear do Brasil sente-se orgulhosa por sua participao nesta obra gigantesca, suprindo com pneus brasileiros os caminhes e tratores dos pioneiros que criaram essa pujante lavoura. Muitas so as possibilidades de anlise deste texto. Podemos, com o auxlio do professor de Lngua Portuguesa, partir das palavras que faziam parte dos discursos da poca e seus significados, propondo, por exemplo uma pesquisa em revistas e jornais da poca, que se encontram nos acervos locais, com o objetivo de27

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Para saber mais ver: BRASIL. Lei n 9795/99: Dispe sobre a educao ambiental, institui a Poltica Nacional de Educao Ambiental e d outras providncias

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perceber as mudanas e permanncias tanto da Histria, quanto da Lngua ao longo do tempo. Com a ajuda do professor de Matemtica podemos estudar as taxas de crescimento populacional e econmico do Paran e seu lugar de destaque no panorama nacional. Com o professor de Geografia podemos estudar os impactos que este desenvolvimento acarretou junto ao meio ambiente, na substituio das matas nativas pelo caf e, tambm, o crescimento populacional e a urbanizao. possvel ainda, uma anlise do documento levando em considerao: Anlisenarrativa:oqueelavaloriza,qualaidiaprincipal a seduo se d por qual argumento? Quais so os personagens/sujeitos representados? Como o ambiente? Quaissoosvalorespromovidos?Comoencaradaamodernidade, a civilizao, o meio ambiente, a questo indgena? Quemodestinatrio? Quemfazapropaganda?Quaisasintenes?Oquesepretende vender?

A comisso e a programaoEsses dois documentos enfocam a comemorao em seu aspecto organizativo e no pice de sua execuo (a programao dos festejos do dia 19 de Dezembro de 1953). A Comisso uma espcie de representao da sociedade, uma vez que, com apoio do Estado, assume a condio de sujeito coletivo privilegiado que planeja, orienta e faz executar a festa. Nesse sentido, percebe-se que a sociedade representada pela Comisso formada apenas por aqueles segmentos que detm algum poder, excluindo as pessoas comuns e aqueles sujeitos que no tinham lugar no projeto de Paran assumido pelo governo. Os organizadores encontram-se diante da misso de vincular o Paran e o Brasil contemporneo, articulando aos discursos as representaes da sociedade. Podemos trabalhar os silncios presentes no documento, por exemplo, em relao: asquestesdegnero, asquestestnicaseraciaise asclassessociaisrepresentadas.36

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A anlise do programa permite que se perceba qual o ideal de ordem cvica pretendida pela elite. Nessa configurao a ordem dos eventos organizada para o dia da festa pode dar uma idia da importncia que cada um possui na representao daquela sociedade. Permite levantar problemas, questes como: Apresenamilitardesdeasprimeirashoras(bandaedepois desfile de tropas, tpico dos desfiles nacionais os militares representam o brao armado da ptria, sem o qual no se imagina a sua existncia ou continuidade). Oritualdossmbolosdeidentidadeabandeira,ainaugurao dos monumentos (naquele momento, s o obelisco o restante dos elementos da Praa 19 de Dezembro [que ser estudada na unidade 3] - so apenas projetos). Osdiscursosdopoderlegislativonainauguraodoobelisco e as representaes contidas no discurso. Asreuniesdetrabalhoqueospolticosparticipamduranteo dia (representantes do povo trabalham como parte dos festejos ligao entre cotidiano e ritual). Asrelaesentretrabalhoeeconomia(ExposioInternacional do Caf). A importncia do lazer e da cultura o baile e as apresentaes folclricas, a abertura da exposio ao pblico. (o estabelecimento de uma ordem e de uma hierarquia entre os estados: primeiro as autoridades, depois o povo.) Odesfiletnicodosestudantesqueseapresentacomouma representao de um Paran que se v como um Estado de imigrantes, e ignora a conribuio de indgenas e de comunidades afro-brasileiras presentes no territrio. Alm dessas questes, podemos ainda analisar qual o papel das classes sociais durante o evento e quais seus espaos de relaes: alta sociedade, classes populares, pessoas presentes no evento e os espectadores deste.

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As fotos e as imagens dos festejosUma fotografia deve ser vista como recorte e representao do real, no como real em si, levando em considerao o contexto em que ela foi produzida, as intenes de quem a produziu, o tipo de publicao em que ela circulou, os leitores a quem se destinou. Uma das questes mais importantes no uso das fotos como documento a intencionalidade que estava por trs dos registros e, no caso das fotos deste caderno, levar em considerao tambm a intencionalidade na escolha das fotos que deveriam fazer parte do lbum Comemorativo Oficial. importante lembrar que a foto um tipo de comunicao, e como tal possui signos prprios que permitem vrias possibilidades de leitura. A imagem, como nos lembra Kubrusly (1984, p.10), ao contrrio do texto escrito, tende a ser emocional, sinttica, onrica, ilgica, (...) consegue passar uma emoo, mas no estimula a anlise. Portanto, no momento de trabalhar com este tipo de fonte histrica, o professor precisa ter a clareza de que a fotografia uma representao a partir do real. Ela deve ser compreendida a partir do processo de construo da representao em que se originou (intencionalidade). A imagem fotogrfica fornece provas, indcios, funciona sempre como documento iconogrfico acerca de uma dada realidade (KOSSOY, 1999, p.31, 33). Sendo assim, a realidade da fotografia no corresponde (necessariamente) a verdade histrica, apenas o registro expressivo da aparncia... A realidade da fotografia reside nas mltiplas interpretaes, nas diferentes leituras que cada receptor dela faz num dado momento. (KOSSOY, 1999, p. 38). Outro ponto a ser ressaltado em relao ao uso de fotografias a averiguao de algum tipo de manipulao tcnica. Especialmente hoje em dia com o amplo uso de mquinas fotogrficas digitais e a facilidade de acesso a programas de alterao de imagens so importantes notar se as imagens trabalhadas sofreram alguma trucagem que altere sua fidelidade. Pode-se discutir a partir da quais

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as intenes do autor ao realizar esta manipulao, isto , qual a mensagem que se tenta passar a partir daquela imagem. Como nos alerta Kossoy (1999, p.54) no so apenas os truques que podem alterar o significado de uma imagem pois, desde sempre as imagens foram vulnerveis s alteraes de seus significados em funo do ttulo que recebem, dos textos que ilustram, das legendas que as acompanham, da forma como so paginadas, dos contrapontos que estabelecem quando diagramadas com outras fotos etc.. O conjunto de fontes fotogrficas, disponvel neste caderno, pode ser trabalhado, ainda, com a descrio de seus elementos e a anlise/interpretao das atividades que representa. Em relao aos elementos o professor pode pedir uma descrio dos lugares, das pessoas e das personalidades representados, assim como, suas maneiras de vestir, seus gestos, suas expresses. Identificar se a foto externa, interna ou de estdio, entre outros aspectos. Pode-se, ainda, fazer uma anlise tcnica da imagem representada: ngulo escolhido, instante representado, o zoom utilizado, o momento fotografado (espontneo ou arranjado). Na anlise das atividades podemos partir de questes que articulem as imagens ao cotidiano daquelas sociedades como por exemplo, se o evento uma comemorao especial ou um evento corriqueiro, que atividades so representadas, quais so silenciadas e grupos evidenciados. Alm disso, o professor pode apontar as relaes especficas de permanncias e mudanas presentes nas imagens, fazer a relao da imagem com outros documentos, possibilitando uma abordagem mais ampla do contexto analisado, bem como, a comparao com outros Figura 12: Documento - foto, Procisso do Congresso Eucarstico contextos histricos.

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Fonte: Revista Ilustrao Brasileira, 1953, p. 157

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A partir da anlise das imagens registradas nos rituais do Centenrio possvel, por exemplo, propor em sala de aula a problematizao dos desfiles, procurando semelhanas e diferenas entre o ritual representado nas fotos e seus significados, em comparao com outros documentos. Propomos uma anlise relacional de uma das fotografias da Procisso do Congresso Eucarstico com o trecho abaixo, referente a uma documentao francesa do sculo XVIII, sobre as procisses gerais na cidade de Montpellier:Uma procssion gnrale em Montpellier no estimulava fs nem incentivava o comrcio: expressava a ordem corporativa da sociedade urbana. Era uma declarao desfraldada nas ruas, na qual a sociedade representava-se para si mesma e algumas vezes, para Deus, porque isso tambm ocorria quando Montpellier era ameaada pela seca ou pela fome. Mas, como se pode interpret-la dois sculos aps a poeira assentar e os mantos serem definitivamente empacotados? (...) Uma procisso no podia ser tomada como um modelo da sociedade, porque exagerava certos elementos e negligenciava outros.(...) as procisses davam um lugar significativo para os pobres, embora abrissem pouco espao para os comerciantes e nenhum para os donos de manufaturas. Tambm omitiam quase todos os artesos, operrios, diaristas e criados que formavam o grosso da populao; e excluam todos os Protestantes um cidado em cada seis.28

Como o professor pode notar, o trecho, embora trate de um perodo diferente, cuja historicidade deve ser respeitada, guarda enormes semelhanas com o modo de fazer festa cvica adotado pelos festejos do centenrio, o que sugere continuidades, mas, sobretudo, questes instigantes para interpretar essa atividade em 1953 e no presente. Constitui-se, portanto, em grande oportunidade para discutir seus significados a partir de um problema posto em sala, que pode levar a pesquisas e debates, bem como a uma viso crtica e consciente sobre a participao nas atividades cvicas contemporneas. Outra possibilidade interessante de trabalho em sala de aula a pesquisa dos rituais presentes no cotidiano da comunidade em que est inserida a escola. Um desfile cvico em comemorao ao aniversrio do municpio, uma parada militar pelo Sete de Setembro, uma romaria em celebrao ao santo padroeiro ou mesmo uma festa especfica da escola.DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: e outros episdios da histria cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 157 161.28

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Unidade

O dom de despertar no passado s centelhas da esperana privilgio exclusivo do Historiador convencido de que tambm os mortos no estaro em segurana se o inimigo vencer. E esse inimigo no tem cessado de vencer. Walter Benjamin

DIFERENTES VOZES, DIFERENTES DISCURSOSSEED_DEF_Historia.indb 41 4/13/2009 11:27:34 AM

Nesta unidade trabalharemos com as diferentes vises da dcada de 50, sobre o projeto de modernizao, no contexto das comemoraes do Centenrio da Emancipao Poltica. Procuraremos desconstruir os rituais de identidade, apontando os silncios e os aspectos no-comemorveis ou seja, os contrapontos s representaes triunfalistas, ufanistas, homogeneizadoras e oficiais da identidade paranaense. Tendo como foco, por um lado, as vozes que constituram o imaginrio da noo de progresso e desenvolvimento, dando idia de uma regio harmnica, sem conflitos polticosociais. Por outro, as vozes, que se opunham a essa representao e que foram excludas do discurso oficial, por se identificarem com outros projetos que se contrapunham idia do novo Paran que estava sendo construdo. No campo, podemos encontrar exemplos de discursos dissonantes que se faziam presentes naquele contexto, alis, a questo agrria continua a ser hoje um dos focos de tenso social no Brasil, bem como, no Paran. Com a expanso cafeeira no norte do Paran, a partir da dcada de 1940, a posse da terra tornou-se foco de conflito. Pequenos proprietrios que haviam adquirido terras tanto pela concesso estatal quanto pela compra num primeiro momento passaram a sofrer a presso de grandes proprietrios e de poderosas companhias colonizadoras, muitas vezes respaldadas pelo poder pblico29. Essas empresas interessadas em lucrar com a venda de terras frteis para o plantio do caf comearam a praticar a grilagem de terras, expulsando famlias inteiras de pequenas e mdias propriedades, muitas vezes com a contratao de jagunos e/ou apoio das foras militares. Sentindo-se desprezadas pelas autoridades pblicas, as populaes se organizaram em movimentos armados de resistncia, em diversas regies do Estado. Segundo Ianni (1987, p.7), no Paran,29

Ver: OLIVEIRA, Ricardo Costa de. (org.) A construo do Paran moderno: polticos e poltica no governo do Paran de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004. BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Ceclia Maria. Histria do Paran. Curitiba: Grafipar, 1969, v.1.

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os movimentos sociais do campo no eclodem somente na dcada de 1940, pois, datam do incio do sculo XX, como por exemplo,em Jacarezinho (1920-1930), na regio de Tibagi e Faxinal (1933-1935 e, depois em 1941), em Jaguapit (1946-1949), Campo Mouro (1948, 1952), Porecatu (1950-51), Sudoeste (1950-57), Cascavel (final da dcada de 50 at 61), Alto Paran (1961), apenas para citar os exemplos mais conhecidos, registraram-se movimentos que marcaram a conquista da terra no Paran, resultando, com freqncia, na expulso ou morte de posseiros. Essa situao continua nos anos seguintes, quando o Estado interfere mais decisivamente na resoluo de focos de conflito pela posse da terra, atravs de desapropriaes localizadas e regularizao fundiria. Mesmo assim, o Paran continuou a destacar-se pela ocorrncia de questes de terra.

Podemos notar que, a populao paranaense do campo - em sua maioria, representada por posseiros e pequenos proprietrios que usufruam a terra por uma posse no legalizada - sofreram com o processo de grilagem e alienao de suas terras. Como reao grilagem de terras, na dcada de 50, algumas cidades do sudoeste foram tomadas por movimentos armados e chegaram inclusive a serem administradas por uma Junta de Governo Popular30, como o caso de Pato Branco. A questo da terra presente em vrios momentos do sculo XX, gerou no Paran a resistncia e a formulao de vrios projetos de poder por parte dos posseiros, isto acarretou diversas conquistas como a regularizao de diversas reas, a organizao dos trabalhadores rurais em sindicatos, cooperativas e organizaes (como o MST), que colocou em nvel nacional o debate sobre a reforma agrria e sobre um novo modelo de desenvolvimento no campo. Monumento concebido por Oscar Niemeyer, localizado no km 108 da BR 277, Campo largo Paran. Esta obra de arte foi feita em homenagem ao trabalhador rural, Antnio Tavares de Souza, morto pela polcia Militar, neste local em 02/05/2000. Ele e outros trabalhadores do campo, foram impedidos de entrar na cidade de Curitiba (o trabalho com monumentos educao patrimonial ser realizado na unidade 3).Figura 13: Documento - Monumento MST.

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COLNAGHI, Maria Cristina. Colonizao e poltica. In: PAZ, Franscisco Moraes. Cenrios de economia e poltica: Paran. Curitiba: Prephcio, 1991.

Fonte: www.comitatomst.it/0205001.htm

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Neste sentido, importante articular as diferentes vozes deste contexto histrico, para se perceber melhor os interesses e desejos dos diferentes grupos sociais que tentaram impor suas idias a partir de seus discursos e representaes. Como vimos na primeira unidade, na representao de uma memria oficial dos festejos do Centenrio foram apresentados somente alguns grupos dando idia de um Paran harmnico e pacfico. Nessas representaes foram excludos povos indgenas, afrodescendentes, trabalhadores do campo que perderam suas terras e outros grupos sociais que no se enquadravam no imaginrio das comemoraes. Esses sujeitos excludos ficaram a margem dessa comemorao, e sua participao restritingiu-se a espectadores do evento. Iniciaremos com fragmentos de discursos do ento governador do Paran, Bento Munhoz da Rocha Netto (1950-1955) e Getlio Vargas (1950-1954) presidente do Brasil, proferidos na recepo de gala, realizada no Clube Curitibano, em 19 de dezembro de 1953 e transcritos no lbum oficial das comemoraes a Ilustrao Brasileira. (...) Ouo o passo dos brasileiros que convergem para o Paran atravs de todos os caminhos da Ptria grande. Vm de Minas e So Paulo, empurrados pela onda verde dos cafeeiros que desceram para o Sul vivendo seu ciclo e revolucionando a tradicional economia paranaense; vm do Nordeste, ressequido e superpovoado, com intrepidez e a coragem dos que lutam, sempre se habituaram a lutar, sem esmorecer para abrir o serto e fazer o cafezal avanar. Vm do Sul, transbordando do minifndio colonial e fazendo sobreviver, aqui, os traos humanos que nos so caracterstiFoto 14: Documento foto, O cos, depois de mais um sculo de imigrao. Vm de todas presidente Getlio Vargas, o as esperanas e de todas as coragens nacionais.governador Bento Munhoz e o vice-presidente Caf Filho nas Comemoraes do 1 Centenrio da Emancipao Poltica do Paran.foto Folha Imagem/Arquivo ltima Hora. Apud: Neves, 1995, p.159

O Brasil marcou encontro no Paran quando festejamos o centenrio (...).(Fonte: Ilustrao Brasileira. 1953, p. 200. Trecho do discurso do governador Bento Munhoz da Rocha Netto)

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importante lembrar que o discurso, como todo documento, carregado de intenes e tem como objetivo constituir idias consolidando determinadas memrias. Alm disso, deve-se verificar, nos discursos, tanto do governador como do presidente, a idia de progresso, embasada na colonizao e na fora econmica do caf. Quanto ao discurso de Getlio Vargas importante questionar o porqu da anunciada idia de paz social, ou seja, mostrar a inexistncia de conflitos sociais omitindo-se assim, as vozes de outros grupos que, muitas vezes, foram alijados de suas terras, negandose tambm a histria de movimentos populares como o do Contestado e a revolta de trabalhadores rurais no norte do Paran, no final da dcada de 40. (...) Parece que o destino vos reservou para alertar o pas, na crise atual do desenvolvimento, mostrando aos pessimistas e aos cticos um tonificante exemplo das possibilidades imensas que se abrem para o nosso futuro. Ningum ousaria descrer do Brasil, ao contemplar o espetculo do Paran moderno. Prenunciando o porvir esplendoroso, o vosso presente de estupendo progresso honra o passado e testemunha o vigor desse esprito bandeirante a que deveis as primeiras conquistas da vossa existncia. Pelas condies felizes da sua evoluo histrica e poltica, o Paran constitui uma singularidade na vida nacional. Pois surgindo no quadro das nossas provncias quando o Imprio j se consolidara nos alicerces de sua estrutura, no conheceu os embates domsticos e as dissenses internas que marcaram o incio da nossa rdua formao, deixando na alma de tantas populaes locais o ferreteado da animosidade que s aos poucos o tempo conseguiu apagar. Desde os primrdios, oferecestes a lio extraordinria e admirvel de um povo uno, sem privilgios, sem preconceitos, sem obstinadas vinditas, sem tradies de rancor. Nunca vingaram aqui as prerrogativas diferenciadoras do nascimento e da fortuna. Em vosso clima estimulante nunca se respirou a atmosfera mals das prevenes raciais ou religiosas. Sempre ignorastes o que divide os homens e compromete a ventura dos povos. Tendes motivos para vos ufanar da vossa fibra, dos vossos feitos, do vosso mpeto desbravador, porm jamais erguestes as barreiras do regionalismo ou da xenofobia para afastar do convvio amigo, ou para excluir dos bens prometidos pelo solo generoso, os forasteiros que aqui arribaram, com o desejo e a esperana de prosperar.(Fonte: Ilustrao Brasileira. 1953, p. 201. Trechos do discurso do presidente Getlio Vargas)

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A representao veiculada no discurso do governador e do presidente, na dcada de 50, desconsidera os conflitos entre os vrios grupos sociais, entre eles os posseiros e os povos indgenas, que perdiam suas terras em prol do chamado Paran moderno. Contradizendo essa representao, algumas vozes dissonantes conseguiram encontrar eco em suas regies. Exemplo disso, foi o SERTANEJO, peridico de Apucarana que trazia um discurso diferente do oficial. O tom otimista e triunfalista verificado, por exemplo, nas palavras do Governador Bento Munhoz da Rocha Netto, pode ser confrontado com as denncias da expanso cafeeira, e ocupao de terras no norte paranaense, presentes no poema de Elias Farah (1953): (...) Vinham atrs da terra vermelha. Como o sangue, e forte como as suas vontades de trabalho. O ideal da melhor vida estampava-se em seus rostos. Da descoberta, a notcia correu pelo Estado, pelo Pas e pelo Mundo (...). (...) E a mata vergou sob a potncia do machado e da foice; e a sua virgindade foi caindo em toda a extenso; e os homens rasgaram os picades enquanto as queimadas fumegavam at o cair da chuva(...). (...) A terra germinou. Do seu ventre surgiram os cereais. Os cafezais despontavam suas verdes folhas que deixavam a bca [sic] da cova. Morriam velhos abatidos pela aspereza da luta ou atacados pela malria. Morriam criancinhas preferidas pela desinteria (...). (...) Os eleitos, representantes do povo, sentaram-se nas fofas poltronas da assemblia legislativa, os frutos da terra, aumentaram, aumentando os impostos, a renda do estado. E na Bahia, os tabaqueiros, receberam encomendas de charutos especiais. O Brasil aumentou a importao de usque. Aumentou a importao de Cadilacs, de casimira inglesa, dos culos raiban e at das secretrias! (...). (...) E os lavradores, ah! Os lavradores existiam, para eles. Pagavam os impostos que cresciam. E as leis - ora as leis (...).

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(...) A terra no de quem planta. S.Excias . requereram-na, adquiriram-na, legalmente. E a terra ficou para quem colheu os frutos adubados pelo suor, pelo sofrimento, pelas vidas dos que se foram(...). (...) Depois da fala dos governantes, feita pelo troar dos fuzis e metralhadora, o desespero impeliu os que restaram para novos rumos, existem novos caminhos a seguir e um dia se acertar o destino dos povos (...)Poema: s/ttulo, Elias Farah. Revista O Sertanejo, Seo Painel, v. 1, n.1, 1953. Fragmentos de poesia publicada no peridico Sertanejo (sem ttulo).

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Alm do Poema, o mesmo peridico divulga a repercusso nacional das denncias de um nmero anterior do Sertanejo, no Jornal carioca: Notcias de Hoje.

A imprensa popular diz a verdade. (...), A denncia de Sertanejo sobre massacre dos camponeses em Sapecado e Guaret, nas terras griladas pela Soc. Territorial Ub, atingiu seus objetivos de desmascarao do governo entreguista dos Srs. Getlio Vargas e Bento Munhoz da Rocha, os quais tudo prometendo aos posseiros, cerca de trs mil e seiscentos, ordenaram o despejo levado a efeito barbaramente por contigentes policiais e jagunos. Notcias de Hoje, estampou em suas pginas ampla reportagem com vrias fotografias colhidas no prprio local onde