caderno especial - aniversário de sp - o estado de s. paulo
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Caderno especial de aniversário de São Paulo, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.TRANSCRIPT
Produto: ESTADO - BR - 1 - 25/01/10 H1 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
SP456ANOS* ESPECIAL
A almada
metrópole
A essência do multiculturalismo paulistano a partir da história de 25 pessoascujas trajetórias se ligam por pequenas coincidências
VitorHugoBrandalise/Textos/KeinyAndrade/Fotos/
ESCALAPB PB ESCALACOR COR
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O ESTADO DE S. PAULO H SEGUNDA-FEIRA25 DE JANEIRO DE 2010
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Produto: ESTADO - BR - 2 - 25/01/10 H2 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Anchieta: rua, palácio, ilha, time de futebol...Ésegunda-feira, ocentro de São Pauloferve, mas as por-tas azuis de pinho-de-riga estão lacra-
das a cadeado, alheias a todomovimento ao redor. É dia demanutenção no Pátio do Colé-gio, onde a cidade foi fundada,em 25 de janeiro de 1554. Dia delavar e estender os 12 tapetesdas portas, de enxaguar os 35metros de toldos de acrílico, depodar três árvores centená-rias, de varrer o piso de pedra.Também é dia de passar outramãodemassacorridanaspare-des originalmente pintadas acal. Momentos de ordináriasimplicidade, e conservação.
Segurando escada de 15 me-tros sob o sol das 11 horas, umsenhor de sorriso tímido lançapalavras de incentivo ao aju-dante, que oscila inseguro noantepenúltimo degrau, balan-çando uma lata de tinta bran-ca:“Vai comfé,rapaz. Sem me-do da altura, que aí em cimatodos te protegem. E, se preci-sar, aqui embaixo também.” Ocompromisso deste senhor, alidirigido apenas ao ajudante, éextensivo, também, a todas asconstruções que os circundam– cabe a Cícero Fernando daSilva Melo, pernambucano de37 anos, zelador e funcionáriomais antigo do Pátio do Colé-gio, a importante missão de to-marconta doberço deuma me-trópole.
Do povoado das Pimentas,
onde vivem 500 famílias, nomeio do sertão pernambuca-no, Cícero acabou na Sé, regiãocentral da maior cidade daAmérica Latina. “É o serviçode qualquer zelador comum”,define, com modéstia, o ho-memcujoprimeiro emprego fi-xo na cidade fora no local maissimbólico que poderia haver.Desde 1999, é Cícero quem zelapor tudo ali.
“Quando cheguei, não tinhanem ideia do que eraesse lugar.Achavaqueeraumcolégioanti-go transformado em museu, al-go assim”, contou, sentadonum dos bancos de granito doJardim do Pátio, próximo aorestaurantedocomplexo–tam-bém há biblioteca e museu,além da capela do beato José deAnchieta. Uma figueira cente-nária e dois jequitibás som-breiam os 300 metros quadra-dos do jardim. Ali também estáo maior orgulho do zelador: umexemplarde pau-brasil,planta-do por ele, na primeira semanade serviço. “Quando a famíliavem visitar, é a primeira coisaque mostro.”
Também é Cícero quem tirao pó, uma vez por semana, daúnica parede de taipa de pilãoremanescente no local, datadada segunda metade do século17.Serviçoque–Cíceronãocon-segue evitar – lembra demais olocal onde nasceu. No povoadodas Pimentas, ainda hoje, amaioria das casas também é detaipa de pilão. “Acho engraça-
do os monitores chamarem aatenção para ela, porque a casaem que nasci também era as-sim, de barro. Um cômodo só,onde ficavam penduradas seteredes para os sete da família.”
Em Pernambuco, Cícero le-vava vida dura: começou a tra-balhar aos 8 anos, nas roças demilhoefeijão.Maistarde,carre-gou sacos de ração de 40 a 80quilos numa avícola, até com-pletar 26 anos, quando decidiuseguir o caminho de uma dasirmãsesemudouparaSãoPau-lo. Hoje vive sozinho no Campo
Limpo, zona sul, em casa aluga-da,detrêscômodos–comopro-jeto futuro, quer comprar a ca-sa e trazer para a capital a filhaLaura, de 15 anos, que mora emPernambuco com os avós.
“Até vou visitar a família,mas passo dois ou três dias e jáquerovoltar. Minhavida éaqui,onde tem mais oportunidade, ea da minha filha também vaiser”, afirma. “Já me joguei devez na correria. Tenho muito aagradecer à cidade.”
A mãe de Cícero, Josefa Ma-ria, de 67 anos, também agra-
dece – no dia em que precisoudo filho, deu graças por ele mo-rar na cidade grande. Em2002, vivendo nos confins dePernambuco, Josefa começoua sentir dor no peito, apertoque subia até a garganta. Empouco tempo, mal conseguiacomer ou falar. No posto desaúde local, foi desenganada.Ligou aos prantos para o filho,que a recebeu para uma deses-perada consulta médica.
Passoupor um posto desaú-de de Guaianases e pelo Hospi-tal Municipal da Mooca, na zo-na leste, até ser encaminhadaao Instituto Dante Pazzanesede Cardiologia, zona sul. Apósexames, soube que bastaria se-guirumtratamento pararesol-veroproblema.“Tomoosmedi-camentos até hoje. Devo tudoàquela visita a São Paulo”, co-mentou Josefa, do telefone deuma mercearia no povoadodas Pimentas, numa tarde re-cente de segunda-feira. “Tam-bém não esqueço a doutora eguardo a receita para lembrardela.”
qEra12demaiode2003,umasegunda-feirachuvosae,co-
mo lembra Josefa, “cheia de car-ros para lá e para cá”. No DantePazzanese, quem a atendeu foiuma então residente, com 26anos recém-completados. Ela ti-nhaosonhodesetornarcardiolo-gista.Conformedescritonabemguardada receita médica, cha-mava-seSandra. ●
●●● Flávio da Silva tem uma tare-fa única entre os cerca de 40mil zeladores de São Paulo:cuidar do imóvel que marca onascimento da cidade. Foi láque, há exatos 456 anos, doispadres celebraram a missa deinauguração do colégio jesuíti-co no Planalto de Piratininga,evento que é hoje comemora-do como o aniversário da capi-tal paulista. Mas o nome quese sobressaiu na história nãofoi de nenhum dos padres, esim o de um irmão jesuíta espa-nhol de apenas 19 anos queajudou a preparar a celebra-ção: José de Anchieta.Hoje, Anchieta dá nome a seteruas, uma avenida, uma rodo-via e uma ilha em São Paulo,além de um município e um
palácio no Espírito Santo e ou-tra cidade em Santa Catarina.Até time de futebol, escolas ehospitais levam o nome do je-suíta. Dentro do próprio Pátiodo Colégio, onde ele morou porquase duas décadas, existem aBasílica José de Anchieta e oMuseu Padre Anchieta, queexibe mais de 700 relíquiashistóricas e tem 15 mil volu-mes no seu acervo bibliográfi-co. As homenagens são várias,mas não foram suficientes pa-ra os devotos do jesuíta, quequerem mesmo é que ele setorne santo. Anchieta foi beatifi-cado em 1980 pelo papa JoãoPaulo II e ainda depende dacomprovação de mais um mila-gre para ter a santidade reco-nhecida pela Santa Sé. ●
O cuidador do berço da metrópoleCícero, pernambucano de 37 anos, é desde 1999 o guardião fiel do Pátio do Colégio
Uma cidade e sua gente
Quer entender uma cidade? Tentecomeçar por sua gente. Tente des-vendar os mistérios, os quereres eas angústias de quem dá vida à me-trópole. Tente captar a essênciados que dão feições a São Paulo,
que a maltratam de vez em quando, mas quetambém a afagam. É sobre essa gente que se de-bruça o olhar desta edição especial. Sobre paulis-tanos estrangeiros, paulistanos brasileiros, pau-listanos paulistas e, sim, paulistanos paulistanos.
Em sete dias, o Estado percorreu 1.091 km,encheu cinco blocos de anotações e disparou2.739 vezes o botão da máquina fotográfica. O
resultado: a garimpagem de 25 histórias degente. Não quaisquer histórias. Não qualquergente.
São pessoas cujas trajetórias se ligam porpequenas coincidências: estiveram num mes-mo lugar num mesmo dia, chamaram a aten-ção umas das outras, dependem de seus servi-ços... Uma história leva a outra e a outra e as-sim por diante. O cenário: sempre São Paulo,do centro aos extremos e de volta ao centro. Éum abraço na cidade.
Um pouco disso tudo está nas próximas pági-nas, captado e filtrado por uma dupla que não éfilha da terra, mas de coração: o repórter catari-
nense Vitor Hugo Brandalise e o fotógrafo bo-tucatuense Keiny Andrade.
Na prosa, estão as alegrias, os medos, os so-nhos dessa gente. Nas imagens em preto-e-bran-co, os pequenos e grandes gestos, iluminadosdiscretamente por uma cor que às vezes nempercebemos, em meio a tanto cinza.
Há também quatro homenagens. O músico Ed-gar Scandurra, o escritor José de Souza Martins,o artista plástico Marcelo Hardt e o dramaturgoMário Viana criaram presentes para São Paulo,pelos seus 456 anos, comemorados hoje. Os mi-mos, em formatos distintos, são mais um retratoda diversidade da megalópole. ● VIVIANE KULCZYNSKI
TAIPADEPILÃO–Diantedodetalhedaparede, dasegundametadedoséculo 17,queatrai tantosolhares, ozelador achagraça: ‘Acasaemquenasci tambémeraassim,debarro’
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H2 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
Produto: ESTADO - BR - 4 - 25/01/10 H4 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Uma bombafeita de gordura,sal e cigarro
Sandra, médica cardiologista boliviana, adotou SP há 9 anos e deu à cidade 3 paulistaninhos
Um batalhão de devoradores de carboidratos
●●●São Paulo é uma cidadeque dá trabalho a SandraCamacho e seus 2.297 cole-gas cardiologistas. Segundolevantamento feito pelo Da-tasus em 2006, a cidadetem a terceira maior taxa demortalidade por doenças docoração entre as capitaisbrasileiras, atrás apenas doRio de Janeiro e do Recife.São 9 mil casos por ano, mé-dia de 75,8 mortes por 100mil habitantes. Em 2007 oresultado foi ainda pior:12.499 paulistanos morre-ram de enfarte e outrasdoenças relacionadas aocoração naquele ano. O fa-tor de mais peso nesse cená-rio é justamente o ponteiroda balança dos paulistanos.Quatro em cada dez morado-res da cidade está acima dopeso, o que equivale a umcontingente de 4,5 milhõesde pessoas - população su-perior à de todos os outrosmunicípios brasileiros à ex-ceção do Rio. Entre as capi-tais, apenas os próprios ca-riocas possuem porcenta-gem maior de sobrepesoentre seus habitantes. Masesse não é a única explica-ção para os problemas car-díacos de São Paulo: 19,9%dos paulistanos com maisde 15 anos fumam, 35,4%são sedentários e 29,3% dapopulação é hipertensa -riscos que nem sempre os2.608 desfibriladores exis-tentes na capital conseguemdar conta. ●
O cheiro é o de maçã verde e obarulho,decriançasbrincando–estamosnasalavizinhaàáreaderecreação do hospital e materni-dade Vida’s, em Interlagos, zonasul da capital, na tarde de umasegunda-feira recente. “Oquê?”,inclinou-separafren-te a médica cardiologistae pediatra Sandra Artia-gaCamacho,hojeaos32anos, confrontada nosusto com seu passa-do de residente.Quandosoubedeta-lhesdoquesetrata-va–agradecidase-nhora de um dis-tantepovoadoper-nambucano –, amédica arrumoua gola do jaleco,baixouoolhar,pas-souamãonoscabe-los e respirou fun-do. Se emocionou.
Sandra sabe o quesenteedizquesãomo-mentos como esse quefazem valer o sacrifício.“Nunca podemos perderde vista os sentimentos dospacientes. Exemplos assimdão força para seguir adiante”,diz a médica, nascida em SantaCruz de La Sierra, na Bolívia, emoradora de São Paulo há noveanos.“Érecompensadoressase-nhoralembrar.Faztantotempo,eu era tão novata...”
Difícil, porém, lembrar deta-lhes da mulher cuja história tan-to marcou. Já se passaram seteanosearotinadaprofissãotrazaela, hoje,casos semelhantes pra-ticamente todos os dias.
Formada pela UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul,Sandra dá expediente em trêshospitais, se revezando em trêsespecialidades. No Vida’s, é pe-diatra; na Assistência Médica
Ambulatorial da Sé (AMA-Sé),centrodacapital,épronto-socor-rista; e na AMA-Especialidadesde Vila das Mercês, na zona sul,exerceaespecialidadequeprefe-re,acardiologia.Nototal,sãocer-ca de 80 pacientes por semana.
“É para isso que o médico seesforçanosestudos.Paraajudaro máximo possível de pessoas”,diz a doutora, que estudou emMatoGrossodoSulporcausada
proximidade da sua terra, massabia que, depois, o futuro seriaem São Paulo. “Antes, meu ir-mão percorreu o mesmo cami-nho. A cidade é fantástica paraestudar,fiztantoscursosquantopude.”
Sandra chegou à capital em2001 e estranhou, desde o início,o tamanho da cidade. “Era tudogrande demais, me perdia sem-prenotrânsitoenemabriaajane-
la para perguntar, por medo daviolência”, diz Sandra, aindacom leve sotaque castelhano.“Masmeacostumei.Meimagina-
va em São Paulo, sempre tive osonho da metrópole.”
E Sandra, cada vezmais, faz parte da metró-
pole que escolheu – deuà cidade três novos
paulistanos, dois fi-lhos e uma filha, de4, 6 e 7 anos. “Fico
só em função de-les. É Parque daÁgua Branca,ParquedaMôni-ca, Ibirapuera...Umafesta”,con-ta. “E os paren-tes de fora, levofazer comprasno Bom Retiro.”
Como princi-pal problema,
aponta o trânsito,que tanto a ator-
menta. Nos dias emquetrabalhaemInter-
lagos,porexemplo, levaduas horas para chegar a
SantaCecília,nocentro,on-de mora. Em casos assim, pa-
ranão deixaro marido,Paul, namão,invariavelmenteparanapa-daria da esquina, para improvi-sar o lanche-jantar. Foi o que feznaqueledia–apoiou-senobalcãoepediudoiscroissantsdepresun-to e queijo.
eApressada, não levou 5 mi-nutos. Passou o cartão (R$
5,80) e foi embora, carregandoos croissants – salgados que, detanto que saem, já estavam nofim. Sem problemas: dali a pou-co, o jovem padeiro responsá-vel pelos salgados, variedademaisvendidanacasa,começariao preparo da primeira fornadada noite. ●
O pão que oSouza amassou
●●●Não há duvidas de que ospaulistanos adoram os pãesque os 80 mil empregados das4,8 mil padarias da cidade pro-duzem diariamente. Cada mora-dor da capital come, em média,1,3 por dia, o que resulta em 15milhões de pãezinhos consumi-dos a cada 24 horas. São quase500 unidades - ou 30 kg - dosmais variados tipos de pão porano. Os números impressio-nam, mas o mesmo não pode
ser dito do salário de quem fazdessa atividade o seu ganha-pão. De acordo com o Ministé-rio do Trabalho, a remuneraçãomensal média de um padeirofoi de R$ 807,75 mensais emnovembro de 2009, R$ 547 amenos que o rendimento mé-dio do trabalhador paulistanono mesmo período. Se o saláriode José Souza estiver nessepadrão, ele levaria quase trêsanos e meio para pagar o finan-
ciamento de seu lote no JardimFontalis, reservando um terçoda renda para as prestações.Um sacrifício que pode valer apena: o distrito do Tremembé,onde fica o terreno, foi a segun-da região no ranking da valori-zação imobiliária na capital en-tre 1998 e 2008, segundo aEmpresa Brasileira de Estudosde Patrimônio (Embraesp). Ho-je, o metro quadrado no bairrocusta em média R$ 1.911. ●
O notívago José estica, abre e dobraa massa, em jornadas de 8 h
Corações marcados e bem tratados
Às22horasdeumase-gunda-feiradejanei-ro,numapadariadocentro de São Pau-lo,José Souzase de-
bruçava sobre a pia do subsolo,esfregando forte o sabão nasmãos.Eraoprimeiropreparati-vo do padeiro para a jornada deoito horas, durante a qual teriade produzir um salgado a cadaminutoemeio,sequisessefinali-zar as encomendas da noite.Naslateraismetálicasdosrefri-geradores da cozinha, papéisdependurados o lembravamdas 290 pendências noturnas –40 pães de queijo, 30 tortinhasde goiaba e, simplesmente, 320croissants. Indicativo certo deque, ao longo da madrugada,duas mãos solitárias trabalha-riam firme, até que saíssem osprimeiros raios de sol.
JoséSouzatem26anosetra-balha sozinho nas madrugadasdapadaria,naproduçãodosqui-tutes que serão assados no diaseguinte. A padaria de esquinaemque trabalha é referência naregião de Santa Cecília, localdas compras de fim de tarde davizinhança – como fez a médicaSandra Camacho após o expe-diente. “Foi comigo que come-çou o turno da noite aqui, comoexperiência. E deu tão certoque continuo há um ano emeio”, conta José, encostadoemumapilhadesacosde50qui-los de farinha. “Muita gentevem de madrugada, principal-mente os baladeiros, e tambémde manhã cedinho. E o que maissai é esse salgado francês, queeu nem sabia o que era.”
No ofício, ele aprendeu o quesão croissants, e que o segredoé folhear bem a massa – esticar,abrir edobrar, três vezes segui-das, besuntando a fina misturacom manteiga. “Coisa que ain-da vou fazer na minha própriapadaria”, sonha o salgadeiro,naturaldeBomJardim,emPer-nambuco, vivendo em São Pau-lo desde 2002.
Morador do Jardim Fonta-lis, bairro carente da zona nor-te, José também já começou ase mexer para concretizar ou-tro sonho, o da casa própria –comprou terreno no bairro (R$11 mil) e pretende logo cons-truir, para deixar de pagar alu-guel, R$ 250 tirados do saláriodeR$1.100. “Falta uma casapa-ra convencer a mulher a me daros três filhos que quero arras-tar por aí.”
Ele quer seguir o caminhodos dois irmãos mais velhos,que aportaram aqui antes, eacha que está no trilho certa.“Quando eles chegaram, se as-sustaramcomessetamanhoto-do, com a violência, e queriamvoltar. Mas hoje cada um temsua casa e carro próprios”, con-ta. “Comigo aconteceu a mes-ma coisa: quando cheguei, as-sustei desde que saí da rodoviá-ria, mas hoje já acostumei e te-nho coisas que nunca teria naminha terra. Vou seguir nessecaminho, já que aqui conseguitodo tipo de oportunidade.”
Depois de circular a noite to-daentreformasdebolodecenou-ra, pães de queijo e bombas dechocolate – e de produzir poucomaisde doisterços do quelhe fo-ra encomendado –, chega a horade José partir. Às 6h30, deixa apadaria em direção ao TerminalSantana,zonanorte,ondefazbal-deação até o extremo norte.
qCom o ônibus parado noterminal,Joséembarcaso-
zinho, é o primeiro passageiro asubir naquela manhã. Faz umsinal de cabeça para o cobra-dor, homem de cabelos loiros,pele branca e olhos azuis, que,José notou, “parece ser do Sul”.Compenetrado, olhando parafrente, o cobrador esboça umsorriso, como se tivesse ouvidoas palavras do padeiro. Mas tu-dooquediz,colocandoacabeçapara fora da janela, é “vamos,vamos, minha gente, vamosque o ônibus vai sair!”. ●
RECEITADEFELICIDADE– ‘Faltaacasaparaconvenceramulheramedaros3 filhosquequeroarrastarporaí’
NACHEGADA–Estranhamento
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H4 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
Produto: ESTADO - BR - 5 - 25/01/10 H5 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
A terceira‘maior’ cidadealagoana
Benditoé o fruto dáo troco, nalinha 1788
●●●Histórias de migrantescomo a de Claudevan serepetiram pelo menos145.206 vezes até 2000.Esse era o número de ala-goanos vivendo em SãoPaulo na época, de acor-do com o IBGE – um con-tingente menor apenas doque o de Maceió e o deArapiraca, no agreste. Ho-je, um quinto da popula-ção paulistana nasceu noNordeste. Esse fluxo mi-gratório, porém, vem mu-dando. Entre 1980 e2000, o saldo migratóriofoi negativo em 120 milpessoas, o que significaque há mais gente deixan-do São Paulo do que che-gando. A expectativa daFundação Seade para operíodo de 2001 a 2010 éde que a evasão seja decerca de 55 mil pessoas. ●
Do posto de cobrador, Claudevancorre para as garotas de sua vida
BATALHA–Nopassado, transportavacriançasdaroçaparaacidade,emveículocombancosdemadeiraecapotadecouro
Os olhos azuis e oscabelos loiros sãoherança do bisa-vô. É resquício decolonizaçãoholan-
desa, e não tem nada a vercomoSul.NaturaldeBatalha,na bacia leiteira de Alagoas, ocobradorClaudevanSilvadosSantos, de 47 anos, vive emSãoPaulodesde1997.Hojees-tá feliz como nunca: a primei-ra de suas filhas acaba de en-trar na universidade, o “futu-ro começa a se garantir”. Eraum sonho que nutria para si.
“Agora é ela quem levaadiante o sonho que tive”, dizocobradordeônibus,respon-sávelpelocontroledacatracada linha 1788, Jardim Fonta-lis, que deixa o Terminal San-tana, zona norte, de hora emhoraapartirdas6h30.“Tinhamuitavontadedeverissorea-lizado.” Vontade que vem dotempo em que trabalhava co-mo motorista escolar em Ba-talha, nos anos 80.
Transportava 15 criançasda roça para a cidade, numacaminhonete adaptada combancos de madeira e capotade couro. “Estudei só até a 8ªsérie e pensava como seria iralém.Vouacompanhardeper-to a trajetória da minha filha.”
Dotrabalhonasacolejantecadeira do cobrador, ele só sequeixa das reclamações dosusuários.“Dizemqueficouca-roagora,masissoéporqueto-do mundo tem necessidade”.E o ônibus entra num trechoesburacado da estrada, che-gandoaoextremonortedaca-pital – a vegetação da Canta-reira começa a aparecer, ascasas em locais irregulares,nos morros, também. “Nessalinha, as pessoas são necessi-tadas,énormalreclamarem.”
Claudevan é homem entredez mulheres – filho único nomeio de quatro irmãs, pai deseis meninas. Diz viver “ro-deado de suas garotas” e, aofimdoexpediente,éaelasquese dedica. Numa terça-feirarecente,jáàs9h30,ansiavape-la hora de voltar para casa,queria fazer um “jantar bemgostoso”.“Ficoolhandoopes-soaldescerjáimaginandoquesão os últimos do dia.”
qE, naquela primeira via-gem,oúltimopassagei-
roadesembarcardo1788foium estudante, carregando al-goquechamouaatençãodoco-brador: o livro Eclipse, de Ste-phenieMeyer.“Bonitoveraju-ventude, não é?” O rapaz des-ceuquasecorrendo.Tropeçan-donoque pareciaser atraso. ●
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SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H5O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H5
Produto: ESTADO - BR - 6 - 25/01/10 H6 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Com crise,sem crise, oluxo sobrevive
30% estuda e boa parte paga caro
Ademir temia contar que era joalheiro;hoje, se orgulha de ser professor
Um passadobrilhante e umpresente de ouro
●●● Há mais de 3,2 milhões deestudantes em São Paulo detodos os níveis educacionais,segundo o Instituto Nacionalde Pesquisas Educacionais(Inep). O número correspondea 29% da população da cida-de. Só no nível superior são146 instituições que oferecem2.150 cursos de graduação pre-senciais a mais de 555 mil alu-nos. Resumindo: o contingentede paulistanos na universidadeé superior à população total de5.531 municípios do País. Deacordo com o IBGE, a taxa de
analfabetismo da populaçãoda cidade com mais de 15 anosé de 4,89%, mas, por outrolado, ainda há 115 mil criançasem idade escolar fora das sa-las de aula, a maioria nas re-giões mais pobres do Municí-pio. Num contraste tipicamen-te paulistano, ficam aqui váriasdas escolas particulares maiscaras do Brasil: levantamentofeito pelo Estado indica que amensalidade média dos 29 me-lhores colégios de São Paulo,pelo ranking do Enem, será decerca de R$ 1.600 em 2010. ●
●●●Apenas na capital, há 167grandes e pequenas empre-sas fabricantes de joias, fo-lhados e bijuterias que abas-tecem um mercado cujo fatu-ramento gira em torno de R$820 milhões anuais na cida-de (19% do total nacional),segundo o sindicato do setore a Fiesp. Os lucros, no entan-to, não são bem distribuídos:apenas R$ 33,4 milhões porano terminam nas folhas depagamento da indústria, pa-ra tristeza dos 2.754 traba-lhadores da capital.
Contradições de um mer-cado em franca expansão,principalmente pela forçados consumidores paulista-nos de alto padrão. O anopassado começou sob osefeitos da crise, mas o setorde alto luxo cresceu 8%, deacordo com a consultoriaGfK. São Paulo é o principalreduto das marcas classe A,um mercado de R$ 4 bilhõesanuais movido pelo consumode 34 mil paulistanos comrendimento mensal superiora R$ 50 mil. Haja glamour. ●
Os planos de um sonhador acordadoAniversariante do dia, o estudante Luiz tem projetos ousados, como o de mediar conflitos
“Ninguém me-rece!”, res-mungava oadolescen-t e a n t e s
mesmo de descer do ônibus, noTerminal Santana, zona norteda capital. Eram 9h30 de umaterça-feiradefériaseoestudan-te Luiz Felipe Zani, de 15 anos,estava incrédulo por já estarem pé. Especialmente apósuma noite na internet. “Só por-que a mãe obriga!”, continuou.Para, em seguida, arrematar:“Nada pode ser mais ‘coisa demãe’ do que isso que vou fazeragora.” A passos pesados, LuizFelipesearrastavaparaumcur-so de informática.
O jovem reclama, mas temfama de adorar estudar. Na Es-cola Estadual Alberto Cardoso,onde completou o fundamentale hoje cursa o 1º ano do ensinomédio, nunca pegou exame,nem ficou em recuperação. Es-tuda francês há um ano e nãosai de casa sem a companhia deum livro. “Não posso ver umshopping que já entro correndoem alguma livraria. Meus ami-gos brincam que sou nerd, masnão tem nada disso, só gosto deficarantenado”,conta,seguran-do o exemplar de Eclipse quechamou a atenção do cobradorde ônibus Claudevan.
Vez por outra, gosta de dei-xar a zona norte e desbravar acidade. Sozinho, já foi à Pinaco-teca – “mistura antigo com mo-
derno, é o prédio mais bonito dacidade”–,ao MemorialdaAmé-ricaLatina –“láétudo meio lon-ge, né?” –, ao Horto Florestal,ao Museu da Língua Portugue-sa, ao InstitutoButantã. “Quemmora aqui tem de conhecer,tem de ver o que é, explorar.”
Em dois anos, quer prestarvestibular para Psicologia. Dizque o objetivo é ajudar as pes-soas–segundoele, issoéinfluên-cia da mãe, que trabalha comoenfermeira domiciliar. “Gosta-ria de ajudar as pessoas a se en-tenderem melhor, a evitar osconflitos”, diz. “E conflito temmuito, especialmente aqui.Tem gente estressada, que bri-ga no trânsito, em casa, nas lo-
jas.Acidademerecequeseupo-vo brigue menos. Bom, se eu vi-rar psicólogo, tenho certeza deque mercado não vai faltar.”
Luiz Felipe sonha alto. Querestudar em Harvard ou naUSP. “Vi uma palestra de umprofessor da USP na escola nosemestre passado e me empol-guei. É para lá que quero ir, senão conseguir sair do País.”
Nascido no bairro do Tre-membé, Luiz Felipe “divide” oaniversário com sua cidade na-tal. Como não gosta de festas,decidiu que hoje vai, simples-mente, “se dar um presente”. Eera nisso que pensava semanasatrás, quando entrou numa li-vrarianoShoppingCenterNor-te, para escolher a lembrança.
Na loja, após deixar paratrás uma enorme pilha do títuloCrepúsculo, o estudante voltou-se para a prateleira de CDs eDVDs. Passou os olhos pelo ro-ck nacional, internacional, en-controu o último disco de LadyGaga, The Fame Monster. Maslogo desistiu de comprar qual-quer coisa – voltaria outro dia,com a mãe.
eDiante da desistência dogaroto,umsenhordecal-
ças caqui, camisa xadrez,olhos azuis e cabelos divididosbem à esquerda pediu licença.Retirou da estante exatamenteomesmoLadyGaga, jogouope-sodocorponopédireitoesuspi-rou: “Meio caro aqui, não?” ●
ESTUDIOSO– Acordarcedopodenão sercom ele,masa intimidadedo jovemcomos livrosé inegável
TOQUEDEMESTRE– ‘Ensinooquesepode eoquenão sepode fazer, que tipodepedra podeencaixar comqualmetal. Elesmedizemoquequerem,eudigoseépossível ounão’
Seexisteumjeitodeas-sustar o paulistanoAdemir Quental – quetambém dispensouqualquer CD de Lady
Gaga, numa tarde de terça-fei-ra recente –, é perguntando suaprofissão. Por segundos, ele he-sitará, levantaráasobrancelha,entortará o canto direito da bo-ca e continuará mudo. Depois,lembrará que já não há o quetemer.
“Antigamente, quando erajoalheiro,hesitavasempreemdi-zer o que fazia. Já imaginou?Termedodedizeroquefaz!Sim-plesmenteabsurdo”, comentou,pouco antes de chegar em casa,em Higienópolis, zona oeste, on-de pegaria material para lecio-
nar Design de Joias no IstitutoEuropeo di Design (IED), suaatual ocupação. “Tinha receio,basta dizer ‘joalheiro’ para ummundo fantasioso se formar nacabeça do interlocutor. As ima-gens que vêm são de brilhantes,ouro e prata em algum cofre decasa, só esperando para seremroubados”, disse ele, aos 58anos.Alógicapoderiaserenten-dida com uma pergunta sim-ples: se você fosse joalheiro, di-riaaqualquerumoquefaz?“Eu,não. Dizia que trabalhava comferramentaria,metalurgia,qual-quer coisa.”
Por mais de meio século, en-tre1950e2003,afamíliadeAde-mirproduziu joias numafábricaemItaquera,zonaleste.Apaisa-
gem na região, onde hoje vivem200 mil pessoas, era idílica, complantaçõesdepêssegosondeho-jehá estradas ecasas.“Era zonarural, um lugar calmo para pro-duzirmos o material em paz.Nos últimos tempos, já estavaimpossível,comtentativasdear-rombamento quase mensais.”
Os anos em que acompanhouo pai e o avô nos tornos mecâni-cos da fábrica deram a Ademirrespaldo para ensinar o ofício acentenasdejovens. Paraele,seupapel no IED é ensinar aos jo-vensatéondeaimaginaçãopodeir. “Ensino o que se pode e o quenãosepodefazer,quetipodepe-dra pode encaixar com qual me-tal.Elesmedizemoquequerem,eu digo se é possível ou não.”
As joias, ensina o professor,podemrefletir até mesmoa evo-luçãourbanadeumacidade.EmSão Paulo, dois dos principaispontos do mercado joalheiro,por exemplo, deixaram de exis-tir por causa da degradação docentro nas décadas de 1970 e1980. “Havia um prédio inteirodaH.SternnaPraçadaRepúbli-caediversaslojasdegrifenaBa-rão de Itapetinga, mas todas semudaram.Seguiram o mercadode luxo rumo aos shoppings eaos Jardins.”
Joias também podem fazerparte da história de uma cidade,e vice-versa. Foi o que aconte-
ceu em janeiro de 2004, nas co-memorações do 450º aniversá-rio da cidade, quando houve umconcurso que premiou a joiacuja silhueta mais conseguisseretratar o passado da cidade.Ademir atuou como jurado e apeçavencedora,inspiradanate-la Antropofagia, de Tarsila doAmaral, o emocionou. “Umajoiaqueconsegueretrataroespí-ritodeumaépocaéoqueacredi-to ser o momento pleno de mi-nha profissão.”
Por causa das joias, a famíliadeAdemir–principalmenteola-do do pai, de sobrenome Fragu-glia – é conhecida até hoje emItaquera. No ponto mais antigodobairro,nomescomoTitoeNa-tale Fraguglia ainda hoje sãolembrados, mas como grandescraques do futebol de várzea lo-cal,ostentandoofardamentodoClube Elite Itaquerense. A pro-va são fotografias guardadas dooutro lado da cidade, no aparta-mento de Ademir.
qApoiado na varanda, o ex-joalheiro lembra com sau-
dades daqueles tempos. “Saíacorrendodafábricaparaapisci-na do clube.” Clube que vê min-guaronúmerodesócios,masdoqual os Fraguglia ainda hoje sãosócios de honra. E por onde cir-cula,há55anos,umatualmem-broda diretoria. ●
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H6 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
Produto: ESTADO - BR - 7 - 25/01/10 H7 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Lugar de Índioé no meio do Elite
Melhorar o bome velho poeirãotambém rende voto
Luiz Antônio ganhou apelido por viver em Itaquera; suasatisfação é ser dirigente vitalício do clube de várzea
●●●A periferia paulistana pre-serva outra grande tradiçãoesportiva além dos clubescomo o Elite: o futebol devárzea. Segundo a Secreta-ria Municipal de Esportes,existem 622 campos na cida-de e cerca de 1.200 equipesdisputam anualmente osgrandes torneios de futebolamador de São Paulo. É tan-ta gente que, desde 2007,vereadores garantiram maisde R$80 milhões em emen-das no Orçamento munici-pal para reformar 300 des-ses campos. O grande núme-ro de eleitores beneficiados– 30 mil jogadores adultos,além dos pais das 100 milcrianças que disputam ascategorias de base – faz crerque o investimento deverávaler a pena em 2010. ●
RURAL– Colegasdeclasse tiravamsarrodizendoqueonças,macacosecapivaras faziampartedeseu caminhoatéocolégio
Quando descobriramde onde ele vinha,nos tempos de LiceuEduardoPrado,colé-gio de elite do Itaim-Bibi, na zona oeste,
passaram a chamá-lo de “Índio”.Nos idos dos anos 1960, viver emItaquera, numa distante e ruralzona leste, era o mesmo que mo-rar no meio do mato. Onças, ma-cacosecapivaras,segundoaspia-dascorrentes,fariampartedoca-minho até o colégio, passandopor trilhas abertas a facão.
Noprimeiroanonaescola,pa-raqueparassemdeincomodá-lo,orapazde17anosescondiaasori-gens. “Dizia que morava na VilaMariana,ounocentro,ounaBar-ra Funda, para evitar gozação”,contaotalrapaz,LuizAntônioAs-cenção,aos62anoseaindamora-dordeItaquera.Comadiferençadeque,agora,paraosenhorLuizi-nho, morar no bairro é orgulho.
“Era coisa de adolescente.Aindanaquelesanospercebiquenão tinha por que achar ruim.Aceitei o apelido e fui feliz no Li-
ceu.Econseguitrazermuitagen-te para conhecer o que realmen-teeraItaquera”,conta,sentadoàmesa de reuniões do Clube EliteItaquerense, razão principal deseuorgulho,doqualésóciodesdeos 5 anos e de cujo Conselho deHonra é membro vitalício.
“Frequento esse lugar desdeque me conheço por gente. É umautêntico clube de várzea, de umjeito que quase não existe mais.”Dentro do clube, fundado em1933, circula ar interiorano, des-de as duas clássicas piscinas re-
tangulares de azulejos azuis, atéa cancha de bocha, atraçãomaior. “Temos menos mídia queos clubes da região central, masuma coisa é certa: é feito comamorfamiliar,coisaquenosgran-dalhões não se vê há muito.”
Num bairro sem opção de la-zer, era no Clube Elite que os jo-vens passavam o tempo. Luizi-nhocomeçoucarreira promisso-ra no futebol, dividindo o campocom membros da família Fragu-glia – os parentes do ex-joalheiroAdemir. Depois, chegou a jogarcom os profissionais do Corin-thians, na meia-direita, mas, aos20 anos, uma contusão no joelhofez com que abandonasse o cam-po. “Minha corrida foi curta.”
Abriu,então,umsupermerca-dopertodoclube,efoiaessesdoisestabelecimentos que dedicoupartedavida.“Masandopreocu-pado”, diz. Há fundamento: até adécada de 1980, o quadro socialdo Elite chegava a 2,5 mil sócios;hojenãopassados800.“Esóme-tade frequenta. O resto paga amensalidade por amor. Querover o que vai ser quando eles seforem.”
Ofuturodobairro–quetemnaquase total falta de árvores umacaracterística marcante – tam-bémoinquieta.“Daquiapoucova-mosterdeabrirumburaconoas-falto e no concreto para mostraràs crianças o que é terra. Árvore,queébom,não temquase nenhu-ma”,criticaoitaquerense,quead-quiriu o hábito de caminhar pelobairrodesdequevendeu osuper-mercado,nos anos 1990.
qHoje, temficado maiscom afamília. Costuma acompa-
nhar as duas filhas nos compro-missosprofissionais.Numaquar-ta-feira recente, foi com a maisnova ao Sindicato dos Professo-res de São Paulo, na Vila Maria-na, zona sul, resolver uma pen-dência. Após 15 minutos de espe-ra,entregaramdocumentos,quedeveriam seguir adiante comum motoboy. Tentando de-monstrarrapidez,orapazsimpá-ticochegouesbaforidoaosindica-to, para pegar a “encomenda”.Antes que subisse as escadas, ospapéis estavam em suas mãos.“Vou correndo!” Na verdade, jáestava–enemprecisavaavisar.●
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SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H7O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H7
Produto: ESTADO - BR - 8 - 25/01/10 H8 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Uma epidemiaainda semprofilaxia
Um anjo doce
Bom mesmo é d(o)ar o sangue
Deslizando sobrefios de navalha
As promessas de Maria Helenase transformam na felicidade alheia
●●●O prefeito Gilberto Kas-sab (DEM) teve 1,2 milhãode motivos para incluir aconstrução de oito vias exclu-sivas para motociclistas noPlano de Metas de sua ges-tão. Esse é o número de mo-tos que trafegam diariamen-te na Região Metropolitana –quase um quinto do totalnacional. O principal argu-mento dos que defendem aimplantação das motovias éa segurança: as motos sãoapenas 12% da frota de veí-culos da capital, mas corres-pondem a 32% dos aciden-tes que resultam em morte,de acordo com a Companhiade Engenharia de Tráfego.
Segundo a Secretaria Es-tadual da Saúde, 77% dosacidentes com motoboys(são 300 mil profissionaisna capital) acontecem quan-do eles estão a caminho dotrabalho ou na volta paracasa. Dois morrem a cadatrês dias. ●
‘Que tal uma vida assim’, questiona o motoboyAlexandre, que põe a mão na buzina 375 vezes por dia
●●●Maria Helena não está sozi-nha na solidariedade prestadaaos hospitais. Além de doces,muito sangue é doado na capi-tal: 822 pessoas por dia abremmão de 450 ml do seu plasma– são 300 mil bolsas ou 135milhões de litros de sangueanuais, o suficiente para en-
cher 54 piscinas olímpicas porano ou 1,5 lago como o do Par-que da Aclimação.
Além disso, cerca de 123 milpaulistanos – ou 0,1% da popu-lação da cidade – fazem algumtrabalho com o Centro de Vo-luntariado de São Paulo, queajuda 814 entidades. ●
Há pelo menos seismeses,a produto-ra de TV MariaHelena Amaral,de62anos,nãoto-
ma refrigerante. Também dei-xou de lado os doces, a começarpelo favorito chocolate, e o ci-garro pode ser o próximo da lis-ta. Maria Helena é mulher dadaa fazer promessas – e essas últi-mas,quedizemrespeitosomen-te a ela, são certamente as me-nores que já fez. Algo pequeno,diante do universo de solidarie-dade que conseguiu criar.
“Calma, não é nada demais.São bobagens que todo mundofaz por aí”, tenta Maria Helena,buscando ser modesta. “Boba-gens”,sefôssemosacreditarne-la, seriam os cobertores com-pradostodoinvernoparamora-dores de rua da região da 25 deMarço, a ajuda que dera àsmãesdeprimeiraviagemnoan-tigo Hospital Matarazzo, as pe-ças de teatro e sessões de cine-ma para crianças do centro on-cológico do Hospital São Paulo,as cestas básicas mensais quedestinaa organizaçõesde apoioa quem não tem onde morar. Etambémdiriamrespeitoàscen-tenas de pacotes de doces – quecostumam abarrotar os baúsde motoboys – destinados aoGrupo de Apoio ao Adolescentee à Criança com Câncer(Graac), na Vila Mariana, últi-mapromessaquepassouacum-prir, em junho do ano passado.
Não comer nenhum tipo dedoce nem tomar refrigerantesão, aliás, promessas com pra-zodevalidade.Expiramrespec-tivamente em junho e dezem-bro. A doação de gostosuras aoGraac – pelo menos 50 pacotesde balas, chocolates, paçocas epirulitos por mês – e de cestasbásicas aos moradores de rua,não. “Essas vou cumprir até ofim da minha vida.”
Maria Helena é, além de su-persticiosa, cheia de fé. Na nu-ca, tem tatuados os nomes deNossa Senhora de Schoenstatte de Santo Expedito, a quemdestina as promessas. “Geral-mente são para o meu filho, Pe-dro, ou para alguém da família,sempre relacionados com saú-de”,conta.“Àsvezes sãobestei-ras, como quando meu filho nãoatendia o celular porque estavanuma festa de samba, e eu pen-sei logo no pior. Foi daí que co-mecei a doar as cestas básicas.”
Vivendo no limite entre os
bairros de Higienópolis e SantaCecília, região central da capi-tal, Maria Helena tem contatodiário com os moradores derua,semprepresentesnosarre-doresdoMinhocão.“Vejo area-lidade e tenho certeza de que amaioria das pessoas daqui nãofaz sua parte. Deve partir, sem-pre, do poder público, mas maisdoação ajudaria.”
Tentando ser anônima, Ma-ria Helena nunca soube o queacontece na outra ponta desuas doações. Até que, após oNatal, recebeu uma carta doGraac agradecendo a doaçãode 30 brinquedos e dos docesquejáenviara–quema“dedura-ra”,elasoubedepois, foiomoto-boy Alexandre, que respondeuinocenteàcuriosidadedeumdi-retor da instituição. Na cartado Graac, faziam menção à fes-ta natalina e à do Dia das Crian-ças,dasquaisparticiparamcer-ca de 50 crianças e adolescen-tes, curadas ou em tratamentocontra o câncer.
qUma delas, garota falan-tede5anos,estavarecém-
curada de leucemia. Para ela,conforme contava à mãe, o me-lhor momento vinha no fim dassessões de quimioterapia. Eraquandorecebiaasbalasdeiogur-tedeque tantogosta. “Aísim, dávontadedeconheceressascrian-ças”, entrega Maria Helena. ●
São cerca de 200 quilô-metros rodados, nas12 horas e meia de ex-pedientediário.Apro-ximadamente 15 via-
gens por dia, em serviços quecruzam a cidade por todas asregiões. Com média de uma bu-zinada a cada dois minutos, cal-cula-se, grosso modo, 375 aper-tões no botão estridente a cadajornada de trabalho. Tudo issopara reforçar o sentimento, aochegar em casa, ao tirar as lu-vas e o capacete, de que nin-guém respeita ninguém.
“Que tal uma vida assim? Nofio da navalha, com vontade otempo todo de jogar o pé contra
qualquer retrovisor que se vêna frente, mas se segurando,pensando que se deve respei-tar? Que tal uma vida assim?”
AlexandreVilche Rosa,de 38anos–omotoboyqueprestaser-viços para o Sindicato dos Pro-fessores de São Paulo –, tem jei-tocaracterístico de falar dapro-fissão. Repete palavras como setivesse dúvidas, como se fossehábitooquestionamentodaroti-na, diariamente das 7h30 às 20horas,sobre duasrodas nas viasdacapital.“Parecequeestátodomundo louco, um querendo pas-sar por cima do outro, uma ba-gunça que nunca vi igual. Aí, vo-cê convive nesse meio e fica doi-
dotambém,semsaberdireitoco-mo deve se comportar. Tem derespirar fundo para não fazerbesteira.”
Há 12 anos trabalhando co-mo motoboy, Alexandre nuncase envolveu em acidentes noexercíciodaprofissão.Conside-ra-se homem prudente. Nãotempontosnacarteiradehabili-tação. E não pensa em parar.“Nem sei o que faria fora dasruas da cidade.”
Além de todo o estresse, elereclama da atual competição,num mercado cujo número demotoboys quadruplicou desde2000. “O trabalho era melhorantes, com menos motos na rua
e caindo mais dinheiro no fimdo mês”, diz, calculando rece-ber hoje entre R$ 2,5 mil e R$2,8 mil por mês. Dez anos atrás,tirava até R$ 5 mil. “E mais mo-tossignificamtambémmaismo-vimento e perigos a enfrentar.”
Na tentativa de escapar dasarmadilhas das ruas, desenvol-veu método próprio: olhar sem-pre à frente, procurando for-mas de voltar, ainda no cami-nho de ida. “Se você conseguirverocaminhodevolta,podeevi-tar os piores pontos”, diz. “Sónãodáparaevitaras incomoda-ções, aí não tem saída.”
Nomeio da loucuradas ruas,os poucos momentos de belezamarcam. Acontecem pelo me-nos uma vez por mês, em via-gens entre Higienópolis, zonaoeste, e Vila Mariana, zona sul,nas quais o baú da motocicleta,geralmenteabarrotadodeenve-lopespardosdedocumentos,re-cebe como encomenda pacotese pacotes de doces.
eGuloseimas enviadas poruma senhora que, por
mais que tente, não consegue fi-car anônima. Entre os muitosclientes,éaúnicacujonomeomo-toboy não esquece. “Nem que eufizesse força. Marca muito.” ●
MÃOÚNICA–Oprofissional do trânsitoensinauma liçãoquevalepara avida: ‘é precisoolhar sempreà frente, procurando formasdevoltar, aindanocaminhode ida’
ANONIMATO–MariaHelenanão fazbondadepara ficar conhecida
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H8 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
Produto: ESTADO - BR - 9 - 25/01/10 H9 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Quando ainfância não ébrincadeira
Futuro, o melhordiagnósticoAos 5 anos, Samara venceu aleucemia e atesta: quer ser ‘dotôla’
●●●Entre 1998 e 2002, quase3,5 mil crianças e adolescen-tes tiveram câncer em SãoPaulo. A quantidade é gran-de, mas a rede hospitalarpara atendê-los também:169 hospitais públicos e pri-vados têm 28.158 leitos pre-parados para receber pa-cientes de câncer infantil nacidade. Existem ainda 87laboratórios de anatomiapatológica e citologia, 14serviços de rádio e quimiote-rapia e 12 unidades de saú-de com programas de pre-venção e detecção na cida-de. Todo esse esforço é ple-namente justificado: segun-do um estudo do InstitutoNacional do Câncer de2008, o câncer é a doençaque mais mata jovens entre5 e 18 anos no Brasil. ●
Foi o único momentode timidez da tarde.“Contaparaeles,Sa-mara, diz o que vocêquer ser quando
crescer”, incentivou a mãe, a ca-beleireira Vanusa da Silva, de 28anos, sentada num sofá verde-li-mão, em São Mateus, zona lesteda capital. A menina, de 5 anos,atéentãofalante,afundouacabe-çanotravesseiro.“Vamos,Sama-ra, não fica tímida.” A garota, en-tão, levantou os olhos da almofa-da, abriu a boca devagar e disse,baixinho: “Quelo ser dotôla.” E
voltouàmaciasegurançadosofá,esperando o assunto mudar.
Há oito meses, Samara deci-diuquequerser médica.Disse is-so pela primeira vez no dia maisimportante de sua vida: foi numsábadodemaiopassado,quando,apósdoisanosetrêsmesesdetra-tamento no hospital do Grupo deApoioaoAdolescenteeàCriançacom Câncer (Graac), ouviu dosmédicosqueforafinalmentecura-da de uma leucemia.
“Os médicos e as enfermeirasforamtãoatenciosos,otratamen-tofoitãocuidadoso,queelaseim-
pressionou.Osmomentosforamdifíceis,masdecrescimentoparanós”,resumeopai,JamesCleydaSilva, de 35 anos, segurança decondomínio na Vila Carrão, tam-bém zona leste.
No início de 2007, Samara ti-nha 2 anos quando reclamou dedor no pescoço. Havia dois nódu-los em sua garganta. Uma sema-na depois, ela dava entrada noGraac, com diagnóstico de leuce-mialinfoide–75%damedulaesta-va avariada e havia nódulos emseu coração. “Nos avisaram queela tinha dois dias de vida e fica-mos malucos. Eu não conseguiatrabalhar e, nos dias seguintes,corria para o meio do mato, paraajoelhar e rezar”,conta James.
O tratamento foi duro para amenina – os medicamentos a dei-xaram inchada e, sete meses de-pois do diagnóstico, seus cabeloscomeçaramacair.Aos3anos,elatinhavergonha desairdo quarto.“Foiomomentomaisdifícil.Mas,logo depois, convivendo com ou-trascriançasassim,elaentendeuqueera natural.”
Nas salas de quimio, Samara
semostroucriançaforte.“Elacor-ria dali para a sala dos brinque-dos.Issosemfalarnasbalas(aque-las,doadasporMariaHelena),quetrazia para casa. Ela tem estrela,vai longe”, diz Vanusa, que che-gouaSãoPaulocomomaridoem2002,deixandoparatrásaBahia.
Devoto de São Judas Tadeu,James acredita ter recebidoapoiodosantonosmomentosde-cisivos. “Sonhei que ele dizia queminha mulher estava grávida e,dois dias depois, descobrimosque a Samara estava vindo. Hásempre algo ligado ao santo.”
Frequentador das missas noSantuário São Judas Tadeu, noJabaquara,zonasul,osegurançadiz ter vontade de conhecer o pá-roco.“Nuncativecoragem,elepa-recetão atarefado.”
qOportunidades,segundopla-nilhapenduradana secreta-
ria do Santuário, não devem serproblema: o padre dá expedien-tetodososdias,distribuibênçãosde manhã, tarde e noite, e aindapresta atendimento aos fiéis an-tese após cada missa. ●
CURADA–Paicontaodesesperoaosaberdadoençadapequena: ‘Nosavisaramqueela tinhadoisdiasdevida;nãoconseguia trabalhar, corriaparaomeiodomatopara rezar’
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SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H9O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H9
Produto: ESTADO - BR - 12 - 25/01/10 H12 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Um rebanho emcada esquina,e em expansão
Um funilchamado mercadode trabalho
O dono de uma santa paciência
Filosofia, cabelo,barba e bigodeMaria das Graças, a ‘Conceição’,só quer saber de cliente feliz
●●●O Santuário São JudasTadeu pode ser até o maior,mas, na lista dos templos eigrejas registrados na Prefei-tura, é apenas mais um no-me em meio às 3.584 institui-ções religiosas em funciona-mento na cidade. E o ritmode crescimento é veloz: cria-se, em média, um local deoração a cada dois dias. Gran-de parte dos novos templos éevangélico, embora 7,5 mi-lhões de paulistanos (68%do total) sejam católicos –70%, mulheres com mais de40 anos, 40% sem filhos e16% moram sozinhos. ●
O pároco Luiz Fernando, do Santuário São Judas Tadeu, é o conselheiro de milhares de fiéis
●●●A filha de Maria das Gra-ças, que é enfermeira, e osoutros 799 mil paulistanosque estavam procurandoemprego em novembro de2009 perderam uma chancede entrar no mercado de tra-balho – no ano passado, 150mil vagas foram criadas nacapital. Houve quem sugeris-se até mudança de domicí-lio, especialmente às 80 milpessoas que passaram todoo ano de 2009 desemprega-das: entre as regiões metro-politanas, a taxa de desem-prego em São Paulo (13%)só era menor que as de Reci-fe e Salvador. Duas catego-rias não tiveram do que re-clamar, pois exibiram o sal-do mais positivo na cidade –20.809 serventes e 10.151auxiliares de escritório de-ram adeus ao seguro-desem-prego em 2009, segundo oCadastro Geral de Emprega-dos e Desempregados (Ca-ged). Para a filha da Mariadas Graças, faltou sorte, jáque 1.109 vagas para enfer-meiros foram criadas. ●
Onome é Maria dasGraças. “Ma-ri-a-das-gra-ças”, ela so-letrou, na tentativade se fazer lembrar.
Também apontou, mais de umavez, a placa acima da cadeira naqual atende, para mostrar comosechama.Denadaadiantou.Poralgum motivo, o mais fiel clientedacabeleireira–padreLuizFer-nandoPereira – insiste em reba-tizá-la: “Conceição.”
“Vaientender.Elevem,sem-pre rindo, e chama: ‘Conceição,cadê a Conceição?’ Falei mil ve-zes, mas não adianta. Fazer oquê?”, conforma-se Maria dasGraças Oliveira, de 54 anos, ca-beleireira num salão de belezano Jabaquara, zona sul da capi-tal. “O que importa é o clientefeliz.”
Cabelereira há 28 anos, Ma-riadasGraçastemdefiniçãoori-ginal sobre o ofício: costuma di-zer que o melhor da profissão éque, “embaixo dos cabelos, hásempre alguém para conver-sar”.“Falarcomo clienteéoquehá de melhor no trabalho. E digoa você que, após tanto tempo,
consigo entender a cabeça dosclientes, sobre o que querem e oque não querem conversar.”
Nascida em Tuparetama, nosertão pernambucano, Mariadas Graças veio para São Pauloem 1974, na esteira do marido,que chegara à capital nove anosantes.Duranteoperíodoemqueestiveram distantes, se corres-ponderam apenas por carta.Com um detalhe: ela as ditava,pois não sabia escrever. E aindanão aprendeu. “Sei ler quase tu-do, mas nunca aprendi a escre-ver.Éumadasfrustraçõesdami-nhavida,maspelomenosconse-gui fazer com que meus filhosaprendessem.”
E é a filha mais nova, Sandra,de 28 anos, que vem tomando amaior parte das orações de Ma-ria das Graças. Evangélica, noscultosdaCongregaçãoCristãdoBrasil, ela ora para que a filha,enfermeira formada, consigaemprego. “Se formou e tudo,presta concursos para lá e paracá e ainda não deu sorte. QueiraDeus que isso termine logo.”
Apesar dos problemas, a ca-beleireira moradora da Água
Funda, zona sul, diz gostar deviver em São Paulo. “Gosto tan-to que, quando visito Pernam-buco, não tenho sensação dechegar em casa. A sensaçãovem quando volto.”
qMariadas Graçasnão éda-da a muitas distrações. “A
não ser nos feriados. Aí, gostode ir ao zoológico.” Sobre os bi-chos preferidos, a cabeleireiratem resposta pronta: gosta dos
macacos. “Gosto de ver os ma-cacos maiores, tão espertosque parecem gente.” São bi-chos de pelo brilhoso, tratadosporumhomemquefalapou-co e sonha muito. ●
RESIGNADA– ‘Sei lerquase tudo,masnuncaaprendiaescrever’
OMBROAMIGO– ‘Éconselho sobre relacionamento comamulher, comvizinho, sobreproblemasdesaúde,dedinheiro, atésobrequal cachorroémelhorparaapartamento’
Para começo de con-versa, o padre LuizFernando Pereira,de36anos,párocodoSantuário São Judas
Tadeu, gostaria de dizer quenão, não há nada a temer – qual-quer fiel pode procurá-lo, paraconversa, aconselhamento ouconfissão,emqualquerdiadase-mana. “O maior prazer do padreé falar com seu rebanho. O tem-po em que o padre falava latim,decostaspara osfiéis,esaíasematender ninguém, ficou paratrás”, garante. “Bom mesmo,aliás,seriasetodosparassempa-ra conversar após as celebra-ções, sem medo, sem receio.”
No maior santuário da capi-tal, visitado por até 300 mil fiéispor mês, levar suas palavras aopé da letra significaria conver-sa para mais de metro. “Modes-tamente, entre 5 e 10 pessoas
me procuram hoje para falarapós a missa. Mas fico feliz por-que é sobre todo tipo de coisa”,diz. “É conselho sobre o relacio-namento com a mulher, com ovizinho, sobre problemas desaúde, de dinheiro, até sobrequal cachorro é melhor paraapartamento. E tem de atendertodos pacientemente.”
Eisodesafio,dizLuizFernan-do, do padre na metrópole:atuar como conselheiro, se fa-zer lembrar. “As pessoas preci-sam recordar que existem igre-jas na cidade. E tem de ser nasatividades do dia a dia. O sino jásumiu no meio das buzinas e atorre, no meio dos prédios”, dizo padre, que deixou Varginha(MG) há cinco anos para viverem São Paulo. “Gosto de pas-sear no Ibirapuera, de ir a res-taurantes e livrarias. E isso,aqui, tem de monte.”
Moradordecidadesinteriora-nas a vida inteira, o pároco deSãoJudas tem visão peculiar so-breacidade–aimagemqueguar-daparadefinirametrópoleédasavenidascujofinalnãoconsegueenxergar.“Éosímbolodacidadeque engole, da terra sem fim. DoSantuário,nãosevêofimdaAve-nida Jabaquara, por exemplo.Avenidas sem fim. Quantas nãoexistem por aí?”
Paragarantiras40missasse-manais nas duas igrejas do San-tuário, que completa 70 anos em2010, a paróquia tem 30 padres.Parte deles se reúne diariamen-te, para discutir a vida espiritualna capital. “No meio da correriadametrópole,seapessoanãoto-ma cuidado, acaba se esvazian-do, entrando no piloto automáti-co.Équandoeudigoqueacidadeo engole”, diz. “Quando a pessoacomeça a questionar quem ela é
eoque está fazendo,geralmenteé falta de Deus em sua vida.”
NoSantuário, acenamaisco-mum é a de fiéis parados, rezan-do sob a imagem de São Judas(protetordospobres,desespera-doseendividados)dependuradana fachada, a 6 metros do solo.“Não se pode vir até o Santuárioedeixarderezarali,oudeseben-zercomáguabenta.Éoqueindi-camos a todos os fiéis.”
eAinda na tentativa de aten-dermelhorseupúblico,oze-
loso padre diz cuidar para ficarsempredentrodalinha.Compraas camisas bege e as calças ver-des de alfaiates da obra social daparóquiae,quinzenalmente,cor-ta rente os cabelos negros. Vaisempreàmesmacabeleireira–aúnica que sabe exatamente on-deficamostrêsredemoinhos,noladoesquerdodeseucocuruto. ●
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H12 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
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A bicharadatem feito festana floresta
O encantadorde chimpanzésJoão Caetano, tratador no zoo, vive asonhar que está no lombo de pangaré
●●●Que êxodo rural quenada.Nosúltimos 50 anos, a popu-laçãoda cidade cresceu numritmo muitomenor que odaexpansãodozoológico ondeJoãoCaetano trabalha. Em1958, anoda fundação doparque, habitavamno zoo482animais. Hoje já sãocer-ca de3.200, crescimento dequase 11% por ano. Já entre apopulaçãohumana da capi-tal, o crescimento anual noperíodo foi de cercade 5%.Forado zoo, háoutra popula-çãoanimal que cresce semparar: a dos bichos domésti-cos.DeacordocomaFaculda-dede Medicina Veterinária eZootecniada USP, as popula-çõescaninae felinaaumenta-ram60% e152%, entre 2002e2008.Apesar disso, elesaindaestão longe deameaçarasuperioridade numéricahumanas: são2,4 milhões decãese 580 mil gatos ante 11milhões depessoas.●
Odesafio diário deJoão Caetano dosSantos, encarrega-dodecuidardosma-cacos do Zoológico
de São Paulo há 29 anos, se dános fins de tarde, no momentode fechar a jaula dos animais. Équando algum dos bichos – ge-ralmente Vitória, chimpanzé de8 meses, a “mais engraçadinha”entre os dez colegas do zoo – de-cidecolocaramãonovãodapor-
ta, impedindo João de encerraroexpediente.Seuhoráriotermi-na às 18 horas, mas há dias emque fica até as 20h, até as 21h,tentando convencer os prima-tas a deixá-lo partir.
“Temgentequedizqueépor-que gostam de mim e não que-remqueeuvá.Masseiqueépor-que são teimosos mesmo. Sãobrincalhõesquesóeles”,contaotratador,homemde53anosedepoucas palavras, que deixou Ja-
cobina, na Bahia, em 1979, se-guindo o exemplo dos três ir-mãos.“Atravesseiapicadaaber-ta pela família, para encontrarum futuro que lá não tinha”, elediz, sentado numa cadeira demetal no recinto atrás das jau-las, onde passa a maior partedasdezhorasdoexpediente, lon-ge da vista do público.
Caminhando pelo corredorde 20 metros, João Caetano sedetém: Chico, o mais velho doschimpanzés, com ar melancóli-co, estende a mão para fora dasgrades. “Que há, Chico? Tudobem?”, pergunta o tratador,apertando a mão oferecida peloprimata. Embora chimpanzéspossamvocalizar24 sons,Chiconão emite nenhum – simples-mente se recolhe e senta numabanqueta. Logo, outros quatrochimpanzés percebem a movi-mentação e invadem o recinto.“São curiosos que só. Agora pa-raram, mas, no começo, eu eraalvo até de cusparadas.”
Descontados os contratem-pos do fim do dia, o trabalho nozoológico é até rotineiro. Alémda limpeza e aplicação de bacte-ricida às 9h e das duas refeiçõesdiárias que prepara – bandejasde 2 kg de banana, laranja, ma-çã,pera,almeirão, repolhoe100g de coração de boi cozido paracada um –, não há muito mais ainventar. “É algo simples, comque me acostumei e que gostode fazer.” Por dentro, porém, ocaladohomemescondeinquieta-ções de profundidade maior.
Seu sonho mais recorrentediz respeito a cavalos no sertão.“Costumosonharquetenhoumcavalo e que no lombo dele voutrotando, de volta ao sertão daminha terra. Ter um cavalo vi-rou meu maior sonho”, conta.“É o Melado, o pangaré que ti-nhanainfância,voltando.Quan-dotiveromeu,voudaromesmonome.”
Solteiro e sem filhos, o ho-mem atarracado de apelido
Amaral–zagueirocorintianodadécada de 1970 – é envolto poruma indisfarçável aura de soli-dão. Nos domingos de folga, seupassatempo é passear pelo cen-tro da capital, sozinho. Não temrumocerto. Só sabeque vai par-tir da Estação Saúde do Metrô,zona sul, e parar em qualquerponto do Centro Velho. “Pas-seioparaconhecer.Quandopre-cisar chegar a algum desses lu-gares, saberei me virar.”
qNospasseiospelocentro,otratador costuma ir à Li-
berdade, na tradicional Feirade Artes e Artesanato do bair-ro. Entre as 240 barracas quevendem comidas típicas orien-tais, João Caetano escolhe sem-pre a mesma: de espetinhos decamarão, na saída do metrô, àdireita. Barraca onde trabalha,desde criança, o chinês queaprendeu a tirar, da arte de es-petar crustáceos, o ganha-pãode toda a família. ●
ATENDIMENTOVIP–Tratador fazparacadaanimalumabandejade2kgdebanana, laranja, maçã,pera, almeirão, repolhoecoração deboi
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SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H13O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H13
Produto: ESTADO - BR - 14 - 25/01/10 H14 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Um novo recorde:o de modalidadesesportivas●●● Francisco Carlos de Oli-veira pode preferir o tênis,mas o cenário esportivo deSão Paulo oferece alternati-vas bem menos usuais paraquem quer algo diferente. Orúgbi, por exemplo, foi prati-cado por mais de 300 joga-dores – incluindo cerca de70 mulheres – nas 14 equi-pes da capital que disputa-ram alguma categoria doúltimo Campeonato Paulis-ta. Já as mesas de pingue-pongue foram mais popula-res: quase 500 atletas pau-listanos participaram dascompetições brasileiras detênis de mesa. E, fora do cir-cuito oficial, estima-se que,em São Paulo, existam 25mil jogadores de squash, 4mil atletas de bocha, 400praticantes de malha e 100assíduos jogadores de xa-drez japonês. ●
O fast-food da dinastia Ming
Saint Paul, uma terra de muitos sotaques
Um olho na bola, outro na frigideiraFrancisco bate um bolão com a espátula e a raquete
Lee se divide entre a fábrica de rolinhos primavera e uma badalada barraca na Liberdade
●●●As estatísticas do registrocivil mostram que São Paulo jánão é mais uma cidade tão es-trangeira como era há algumasdécadas. Em 1950, 12% doscasamentos ocorridos na cida-de incluíam pelo menos umcônjuge estrangeiro, ante ape-nas 2% no ano passado. Alémdisso, a proporção de estran-geiras no total de mulheresque tiveram filhos passou de8% para 1,4% e a proporçãode óbitos de não-brasileiros nonúmero total de mortes caiu de24% para 7%, segundo levanta-mento divulgado pela Funda-ção Seade. Nos últimos anos,no entanto, essa tendênciavem aos poucos se revertendo.De acordo com a Polícia Fede-ral, houve um aumento de 51%no total de novos registros deestrangeiros no Brasil, de
2004 a 2007 – grande partedeles na cidade de São Paulo.A população estrangeira quemais cresce hoje na capitalpaulista é a de bolivianos. ODepartamento de Estrangeirosdo Ministério da Justiça conta-bilizava 35 mil bolivianos regu-larizados na capital em 2008,um número que certamentecresceu após a anistia concedi-da em 2009, por meio de de-creto presidencial. Segundo osdados oficiais, 42 mil estrangei-ros foram regularizados no anopassado – 80% deles no Esta-do de São Paulo. No total,16.881 bolivianos, 5.492 chine-ses, 4.642 peruanos, 4.135 pa-raguaios, 2.700 africanos,2.390 europeus (de qualquernacionalidade), 1.129 coreanose 274 americanos “adotaram”o Brasil. ●
MEDALHISTA– Ovencedorde18 torneiosem2009começouno tênis catandobolinhasemclubedeelite
WuMing Lee nãotem tempo pa-ra mais nada –sete dias na se-mana,setedias
de trabalho. De segunda a sexta,o empresário chinês de 42 anoscomanda a empresa de massasda família, em jornadas de até 12horas diárias. Aos sábados e do-mingos, toma conta da barracade comida oriental do pai, há 35anos no mesmo ponto da Feirada Liberdade, vendendo tempu-ráepãochinês,alémdosespetosde camarão tão procurados pelotratador João Caetano, e porou-tras800pessoas,queenfrentammultidões para comprar a igua-ria a cada fim de semana.
“Épouco tempo livre,mas tu-do bem. Agora é hora de correr,paracumprir o plano de me apo-sentar aos 50”, disse Ming Lee,num rápido encontro no Shop-pingEldorado,emPinheiros,zo-na oeste, no fim de mais um diade trabalho. Dentro da puxada
rotina, o empresário – nascidoemTaiwan,masvivendoemSãoPaulodesdeos6anos–temfolgaapenas à noite. “Até dá para mededicaraalgumhobby,massemcondições de levar a sério.”
Tanto esforço trouxe aos ne-góciosbonsresultados.Desdeos11 anos tomando conta da barra-cadopai,MingLeecriouapartirdela uma lucrativa empresa demassas orientais, que abasteceredesdefast-fooddecomidachi-nesa de todo o País. Localizadaem Cotia, na grande São Paulo,suaempresaproduzmassaparaa maioria dos rolinhos primave-raque chegam àcasa dospaulis-tanosviaredesdedeliverydeco-mida chinesa.
Ainda assim, mesmo com aguinadanadinâmicadarendafa-miliar, trocando o artesanal peloindustrial, o empresário garanteque o maior orgulho dos MingLee–quechegaram aoBrasilem1973, buscando escapar de umapossível invasão da China conti-
nentalaTaiwan–continuasendoa barraca da Liberdade. “Já pen-sou no quanto seria perdido, nãofosseafeira,ondeastradiçõesdoorientesemantêmvivas?Temosorgulho de fazer parte disso.”
Nas poucas horas de folga,MingLeesededicaaotênis,hob-by que leva a sério desde 2007,quandosefiliouàFederaçãoPau-lista.De lá para cá, participou de15 torneios amadores da entida-de, mas ainda não conseguiu sesagrar campeão.
eTivesse mais tempo paratreinar, talvez as coisas fos-
sem diferentes. E o empresáriotalvezpudesseescapardeumaououtrafrustraçãorecente–comoadenovembro,nafinaldoCampeo-nato Estadual de Idades (40 a 44anos),naqualMingLeefoiderro-tado pelo atual papa-títulos dacategoria. Um homem que, di-zemoscorneteiros, segura numadasmãosaraquete,paranaoutramanterfirme afrigideira. ●
SUCESSO–Nos finsdesemana,pelo menos800pessoasentramna filaparadegustar osespetinhosdecamarão; tempuráeoutras iguariaschinesas tambémvendembem
Franciscoseposiciona-va no fundo da qua-dra, rebatendo pa-cientementeasinves-tidasdoadversário.A
trocadebolasjáduravatrêsminu-tos quando o oponente – conheci-dofeirante-empresário,especialis-taemespetos de camarãoetenis-ta nas horas vagas – se preparouparasubiràrede.Percebendohe-sitação,Franciscobateuforte,cru-zado,muitolongedeumMingLeequeseesticavatodo.Fimdejogoe
decampeonato.Maisumtítulo–o18ºem2009–paraFranciscoCar-losdeOliveira,de42anos,dedica-dochapeirodeumbardazonasul,cujo cotidiano é dividido, dia apósdia,entreopisoduro dasquadraseobrilhosoazulejodacozinha.
A brincadeira corrente noscírculos de tenistas do Brooklin,onde costuma jogar, é que Fran-cisco não rebate bolinhas com araquete, mas com a espátula devirar hambúrguer. Dizem quesai engordurado da cozinha da
PlayTennis,decujobaréproprie-tário, diretamente para a qua-dra. Não sem antes enxugar asmãos num pano de prato. Piadasque o chapeiro recebe com bomhumor – “são brincadeiras deamigos,degente quevive no bar,comquemjogo,entãocaionagar-galhada junto” –, mas que de-monstram sua origem humilde.
Aos 13 anos, o rapaz de CidadeAdemar, também na zona sul, te-ve o primeiro contato com o têniscatandobolinhasnoClubePaulis-
tano, nos Jardins, reduto da elite.“Soube o que era tênis pelo meuavô,quetomavacontadosequipa-mentosesportivosdelá.Tinhame-dodeentrar naquadra,não acha-vaquefossemeulugar.Hoje,agra-deçoaDeusporumdiaterpisadodentrodasquatrolinhas.”
Após14anostrabalhandonora-mo da alimentação, em redes delanchonetenasquaisexerceufun-ções de office-boy a subgerente,Franciscorecebeu,em1998,ocon-vite para trabalhar na unidade
Brooklin da Play Tennis, cujo baracaboucomprando.E,assim,comaproximidadedasseisquadrasdocomplexo,Franciscoconsegueho-je jogar tênis de duas a três horaspor dia – o que garantiu média demais de um título por mês no anopassado.
Paulistano orgulhoso, Fran-cisco vê no centro a salvação dacidade–comodiz,quandonãova-le mais a pena crescer, resta me-lhorar o que já existe. “Quandotrabalhava no centro, olhava aimensidão dos prédios, a elegân-cia do Largo do Arouche e nemacreditavaqueerameucaminhodaroça.Certo,estátudomeiopa-ra baixo, degradado, mas, parasersincero,quandopassoporláanostalgiatomacontaesóvejocoi-sa boa, fecho os olhos para o res-to”, disse. “Mas as autoridadesnão podem fazer o mesmo.”
TambéméaocentroqueFran-cisco recorre para incrementarseus negócios. Pelo menos umavez por mês, vai à Rua Paula Sou-sa, na Luz, especializada em arti-gos para cozinha. Numa chuvosamanhã de sexta-feira, foi lá com-prarpanelas.Quandochegou,pa-rounumbotecode esquina,pediucafépreto,puro,bebeuesumiu.Ti-nha de voltar ao Brooklin, ondeprepararia um almoço, para de-poiscorrerparaaquadra.
qAssim que deixou o bote-quim,seulugarnobalcãofoi
ocupadoporumamulherdeca-belos castanhos amarrados,bolsa bege atravessada no peito,que também pediu café. Não ti-nha pressa. Observava o movi-mento, acariciando a barriga –dentro dela cresce uma vida, queem breve nascerá paulistana. ●
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H14 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
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Em cartaz,a diversidadecultural da cidade
Você tem fome de quê? De quê?
A moderna mulhercom multifunções
EusouoLoboMau,LoboMau,LoboMau
Thays largou a Odontologia para estudar Gastronomiae se dedicar também à tarefa de ser mãe: Vitória vem aí
Paulo se reveza entre assustarChapeuzinho e dublar o Cascão
●●● O ramo da cultura e entre-tenimento em São Paulo é,de longe, o maior do Brasil.Só nas artes cênicas, a capi-tal conta com 160 salas deteatro em funcionamento,onde são feitas mais de 15mil apresentações por ano.Além disso, segundo a SãoPaulo Turismo, existem nacidade 260 salas de cinema,110 museus, 90 bibliotecas,40 centros culturais, 7 casasde espetáculos com mais de300 lugares, 7 estádios defutebol e um autódromo, ode Interlagos, zona sul. ●
●●●Todos os dias, 476 novospaulistanos vêm à luz nas ma-ternidades da cidade. São cer-ca de 173 mil bebês nascidospor ano, número ao qual a filhada chef Thays Oliveira irá sesomar em 2010. Mas, paracriar a pequena Vitória comconforto, a mãe vai ter de en-frentar uma concorrência seve-ra. Segundo a Associação Bra-sileira de Bares e Restauran-tes, funcionam em São Paulo12,5 mil restaurantes que ser-vem 52 tipos de cozinha. Exis-tem, por exemplo, 1.500 pizza-rias, 500 churrascarias, 250
restaurantes japoneses e 60casas vegetarianas em funcio-namento. A cada semana, trêsrestaurantes são abertos e, porcausa da alta volatilidade dosetor, dois são fechados. Mas aboa notícia é que muita gentefaz questão de comer bem: 5%dos restaurantes da cidadesão voltados para o públicoclasse A, e 1% (ou cerca de120) para o AA. Nos últimos, ogasto médio chega a R$ 150por pessoa – soma que garan-te o emprego de cerca de 780mil paulistanos que trabalhamno setor todo. ●
Amulher estranhou abebida logo no pri-meirogole.Cappuc-cino cremoso, emvez da média com
leite, naquele bar do centro ve-lho da capital? “Que é isso?!”,exclamou a chef de cozinhaThays Oliveira, de 35 anos, coma experiência de quem tem nocurrículo um curso de baristapelo Senac. “Leite cremosonum bar, sem que eu sequer ti-vesse pedido? Estamos ficandomais chiques do que imaginei”,disse, abrindo sorriso que con-tagiou o atendente. Mas é claroque não era só pelo café. Thaysestá feliz, e o motivo carrega nabarriga: dentro de dois meses,chegaráVitória,suasegundafi-
lha, outra criança a nascer nacapital.
DesdequeseformouemGas-tronomia pela FaculdadeAnhembi Morumbi, no início doanopassado,estaex-dentistapa-ranaense – abandonou a profis-sãoporque“todosreclamam,deumjeitooudeoutro,detododen-tista” – realiza testes com suashabilidades gastronômicas. Es-tagioucomochefAlexAtala,ten-tou criar uma microempresa devenda de panetones, de molhospara massas e, agora, foi à RuaPaula Sousa para comprar má-quina de fazer macarrão. Faráconjuntocomaembaladoraavá-cuo,paravendermassasartesa-nais congeladas, empreitadaque está prestes a dar início.
Embora ainda procure ru-mos dentro do mercado, umdos caminhos já está definido:pode levar um, dois, cinco anos,mas ainda vai abrir seu própriorestaurante. “Essa é a maravi-lha de morar em São Paulo.Aqui é possível encontrar espa-ço. Oportunidades não vão fal-tar”, diz a chef, moradora de Pi-nheiros, zona oeste da capital.“Podeescreverquevoutermeurestaurante, ainda vou prepa-rar os pratos de muita gente.”
É provável, porém, que 2010ainda não seja o ano – com Vitó-ria chegando no fim de março,fica difícil estabelecer prazos
de negócios. O novo bebê farácompanhia a Sofia, de 3 anos,outra filha do casal Thays e Re-nato, engenheiro de produção.EoParqueVilla-Lobos,emfren-te à casa da família, será aindamaisfrequentado.EoIbirapue-ra, também. Isso sem falar noTeatro Ruth Escobar.
Éparaessacasadeespetácu-los, localizada na Bela Vista, ovelho Bexiga, bairro-reduto dadramaturgia paulistana, queThays leva Sofia, pelo menosuma vez por mês. Sua peça pre-ferida é Chapeuzinho Vermelho,uma leitura clássica da históriainfantil,comtextodeMariaCla-raMachado.“Jávimoscincove-zes, e ela nunca cansa. Semprese surpreende, se emociona emorre de rir”, conta Thays. “E,todas as vezes, fica horas falan-do do Lobo Mau.”
eNo fim de cada espetáculo,Sofiapedeàmãeparalevá-
la para conhecer o lobo. Inva-riavelmente, porém, a meninamuda de ideia quando vê a figu-ra,depelosesbranquiçados,cal-ça roxa surrada, velha camisaamarela. Agarra-se, então, àpernada mãeepede para ir em-bora – o que, segundo contaThays, é uma pena: após tantastentativas frustradas de conhe-cer o tal lobo, ela mesma ficacuriosapara saberquemele é. ●
ÀESPERA–Thayseomarido,Renato, aguardamparadaqui adoismesesachegadadeVitória: anovapaulistana farácompanhiaaSofia,primogênitadocasal
PELEDECORDEIRO–Oloboviracachorroem ‘OsSaltimbancos’: públicomirim tambémse transforma
Dizer, simplesmente,que o Lobo Mau éPaulo Cavalcante,atorpaulistanode50anos, bacharel em
TeatropelaEscoladeComunica-çãoeArtesdaUSP,tirariadahis-tória absolutamente toda graça.
O que importa é dizer que – eeleapostaquepoucossaibamdis-so–a mesmavoz nasalada abra-dar “Chapeuzinhooo”, nos pal-cos do Teatro Ruth Escobar, naBela Vista, grita estripulias co-mo“Mônica,sua escandalosa!”e“Corre,Cebolinhaaa!”pelasruasdomíticoBairrodoLimoeiro, larda turma mais famosa dos qua-drinhos brasileiros. O ator PauloCavalcante – além do Lobo Mauque tanto impressiona a meninaSofia, filha da chef Thays Olivei-ra – é também, há 27 anos, a vozdo sujinho Cascão, nos desenhosanimados da Turma da Mônica.
Dublador profissional, Paulojá não sabe o número de filmes,minisséries e vídeo-gibis nosquais gravou a voz do persona-gem. Começou pelo distante APrincesaeoRobô,de1983,segun-do longa-metragem da Mauri-cio de Souza Produções, e, des-de então, não mais parou. “Masnãoécasodesereconhecerfacil-mente. As pessoas percebem
que tenho o dom da imitação,mas, se disser que houve um diaem que alguém me parou na ruapor reconhecer que tenho ‘vozdo Cascão’, estaria mentindo”,diz, brincalhão.
Nosprimeirosanosdadécadade 1980, também deu corpo aopersonagem,interpretandoosu-jinho em peças itinerantes. Fo-ram momentos que mais tardeacabaram rendendo frutos tam-bém no plano pessoal. “Tenhoduasfilhas:umacoma‘vozdaMô-nica’(adubladoraMarliBortolet-to)eoutracom o ‘corpodaMôni-ca’ (a atriz Patrícia Messias, queinterpreta a dentucinha no Par-que).Émergulharosuficientenouniverso da turma, né?”, brinca.
Apesar do extenso trabalhocom dublagem, a maior parte dotempo Paulo dedica aos palcos.Na peça Os Saltimbancos, tam-bémnoRuthEscobar,oatorestáem cartaz há 21 anos, no papel doCachorro. “E é incrível percebercomoopúblicodaspeçasérotati-vo. Cansei de ouvir crianças gri-tando ‘Olha o Lobo!’, durante OsSaltimbancos,poishaviaassistidoantesàpeçaChapeuzinho”,conta.
Mesmopassados26anosdes-de que subiu aospalcos pela pri-meira vez, ainda há espaço parasurpresasnarotinado ator–co-
mo quando percebeu, há poucotempo, que fazia parte do ritualdecrescimentodospequenoses-pectadores. “Um dia, enquantocumprimentava crianças de-pois do espetáculo, um rapazi-nho de 3 ou 4 anos me puxou amão, tirou da boca sua chupetae me deu. Ele queria entregar achupetaparao LoboMau,comosinal de que aquilo não faziamais parte de sua vida, de quenão voltaria a usá-la.”
A cena se repetiu pelo menosdez vezes, desde que entrou emcartazcomoLoboMau,em2007.“Issomostra a forçaque operso-nagem, tão antigo, mantém ain-dahojeentreascrianças.Éfasci-nante”, diz o ator, que tambémtrabalha com teatro de improvi-so,emempresasnacapital.“Tea-tro é minha maior paixão.”
De férias em seu apartamen-
to no Itaim-Bibi, zona oeste, oator se preparava, numa sexta-feira nublada, para ir ao shop-ping – precisava comprar o pre-sentedafilha,quefaziaaniversá-rionaquele dia. Passoumeia ho-ra no Shopping Frei Caneca edesistiu. Não encontrou nadade seu interesse.
qAntes de deixar a vaga naRua Herculano de Freitas,
BelaVista,emfrenteaumprédioresidencial marrom, de 12 anda-res, fez sinal para que um taxistaque esperava a vez de parar porali passasse. Eram 18 horas e odianãoiabemparaohomemdaMeriva branca – completarapoucomaisdametadedas13cor-ridas que calculara como metapara o dia. Esperaria um poucomais no ponto, talvez conseguis-se um último passageiro. ●
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H16 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
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Crime, além deorganizado,milionário
Bailandonas curvasda cidade
No asfalto, eles são pelo menos 38 mil artistas
Quando a vida imita um roteiro de Sessão da Tarde
Erivaldo, que guia táxi por toda parte,quer agora conduzir seu par pelo salão
Amália se diverte sempre que é comparada à versátil personagem de ‘Legalmente Loira’
●●●Lidar com o crime organi-zado é lidar com muito di-nheiro. Basta dar uma olha-da nos números de uma dasdenúncias mais famosasfeitas pelo ex-chefe de Amá-lia: o traficante Juan CarlosAbadía morava em uma ca-sa de R$ 2 milhões na Gran-de São Paulo, tinha 85 reló-gios e 7 carros de luxo e foicondenado a pagar 11.370salários mínimos. O Ministé-rio da Fazenda já calculou otamanho dos dividendoscriminosos na capital – oórgão apontou que o crimeorganizado movimentou cer-ca de R$ 60 milhões em SãoPaulo, entre 2005 e 2007. ●
●●●Erivaldo dirige um dos 33 miltáxis que rodam diariamentepor São Paulo – uma fração de0,6% do universo de 5,8 mi-lhões de carros que compõem afrota da capital. Segundo o Sin-dicato dos Taxistas de São Pau-lo, há 38 mil paulistanos traba-lhando na área, sendo que cer-ca de 5 mil dividem o mesmocarro com um colega de profis-
são. O serviço é concentrado:40% das corridas são feitas naregião dos Jardins ou no eixoFaria Lima/Berrini, áreas poronde se movimenta grande par-te da população de maior poderaquisitivo de São Paulo. Mas as30 operadoras de rádio-táxi eos 2 mil pontos espalhados pelacidade garantem a oferta nosoutros bairros da cidade. Para
quem quer gastar menos, umaopção é o transporte público.Segundo a SPTrans, existemem São Paulo 15 mil ônibus ur-banos oferecendo 1.333 linhas epassando por 28 terminais aolongo da cidade. Tudo isso, jun-to com os 61,3 km de metrô e260,8 km de trilhos de trem,transporta cerca de 6 milhõesde passageiros por dia. ●
“Chega! Diaruim demais,acho que jádeu.” Apósmeia hora es-
perando passageiro num pontoda Bela Vista, região central deSão Paulo, o persistente taxistaErivaldo Reis de Sousa sucum-biu. Desligou o taxímetro da Me-riva branca, desabafou e, saindodo carro, decidiu dar atenção àconversa.
Para contar que, ainda hoje,aos42 anos, continua anutrir so-nho dos tempos de adolescente.Desde antes dos 20, a maior von-tadedohomemé,simplesmente,aprender a dançar. Isso porque,confessa, não aguenta mais: atétemcoragemparalevantar,con-vidarparceiraepartirparaapis-ta – mas, com “dois pés esquer-dos” enfiados nos sapatos, mexee remexe meio minuto, se perde,bate quadril com quadril, pededesculpas e volta, frustrado,atrás de apoio no balcão do bar.
Sente-se“perdedor”.“Parecesimplesveropessoalnapista.Aí,dá uma vontade doida de saber
também.Mas,quandotomocora-gem, volto logo, sempre triste,vendo todo mundo ali, no forró,na lambada. E eu não consigonem um dois pra lá, dois pra cá.”
Ainda não decidiu quando,mas promete procurar uma es-cola de dança. “Vou aprenderde todo jeito.” Difícil vai ser en-contrarespaçonarotina.Erival-doficanopontodetáxidas6h30às 21h. Isso de segunda a sába-do.“Nos domingos, só penso emir para a cama. Não dá para fa-zer mais nada.”
Taxista há sete anos, este ex-promotor de vendas da Kolynosdiz que, ainda hoje, faz corridastodos os dias para pelo menosuma rua “inédita”. “É assim queperceboaenormidadedacidade.Rodo o dia todo e sempre acabonum lugar novo”, conta ele, quechegou a São Paulo aos 13 anos,vindo do Maranhão.
Eletambémpercebe,naatitu-de de alguns passageiros, a soli-dãoqueumagrandecidadepodetrazer–háquemochame,elecon-ta,nãosóparacondução,maspe-la companhia. “Já fui ao Merca-
dão, a churrascarias, até aoWet’nWild,sócomoconvidado”,diz. “São pessoas que queremsair, mas não têm companhia.Chamam na primeira ou na últi-ma viagem do dia, avisando quepagarãotudo.Essaéavantagemde trabalhar num mesmo ponto,ondetodosmeconhecem”,contaErivaldo, que tem como meta re-
ceber R$ 1 mil por semana – na-quela, porém, já era sexta-feira eele conseguira apenas R$ 300.
Para descontar o mau movi-mento,precisavasaircedonase-gunda seguinte – e começoubem. Às 9h30, já havia feito qua-tro corridas (R$ 95) e precisouabastecer. Parou num posto naRua Amaral Gurgel, embaixo do
Minhocão,encheuotanqueecor-reu para o Brooklin, zona sul, pa-ra pegar outro passageiro.
eAssim que Erivaldo saiu,uma Pajero Sport preta en-
costou na mesma bomba.Amo-toristabaixouovidroe,semtirarosfonesdeouvido,avisou,emaltosom:“Póóóde completááár!” ●
QUERDANÇARCOMIGO?– ‘Parecesimplesveropessoalnapista,masnãoconsigonemumdoispralá,doispracá’
NOVAEMPREITADA–Domundodamoda,para oda investigaçãocriminal, para oDireitoeparaodagastronomia: lançamentodemarcadecarnespremium, das terrasdeseupai
Na turma do 7º se-mestre de Direitoda Fundação Ar-mando ÁlvaresPenteado (Faap), a
estudanteAmáliaRodante,de22anos,adonadaPajeroSportdevi-damente abastecida, é vista co-mo uma Elle Woods da vida real.Dizemquesófaltatingirocabelotododeloiroecarregarcachorri-nho na bolsa, para se igualar àpersonagemdaatriz Reese Whi-terspoonnofilmeLegalmenteLoi-ra – uma aspirante a advogadaque usa conhecimentos de patri-cinha para vingar na carreira.
É porque Amália vai à aulacom laptop rosa e revista Vogueembaixo do braço? Porque co-meçou cedo a faculdade deFashion Business? Porque tra-balhounaDasluporseismesesefoi embaixadora do Club A, deAmaury Jr.? Ou porque, como apersonagem, entrou na faculda-de aos 18 anos, estagiou no Gru-
po de Atuação Especial de Com-bateaoCrimeOrganizado(Gae-co) e vê como opção carreira naárea criminal?
“O pessoal pega no pé, mas ébrincadeira. O importante é que,no final, ela (Elle Woods) se dámuitobem”, entrounaonda aes-tudante, logo que chegou ao Ho-tel Unique, no Jardim Paulista,onde realizava, numa quinta-fei-ra, um bico no mundo da moda.“Moda é opção forte, mas aindanão tem nada decidido. À frente,vejo um caminho aberto.”
Possibilidades são várias, navida desta brasiliense que moraem São Paulo há cinco anos, naVilaNovaConceição,umdosme-trosquadradosmaiscarosdaca-pital. Quando chegou, em 2005,para cursar Moda na AnhembiMorumbi, queria ser estilista.“Medesiludicomocurso,teóricodemais, e decidi dar um tempo.Entrar para o Direito me dariasubsídio para outras carreiras.”
Depois, no Gaeco, em 2006,estagiando com o promotor Ro-berto Porto – autor das denún-cias contra o traficante colom-biano Juan Carlos Abadía e con-traaIgrejaUniversal,porexem-plo –, pensou que aquela era ou-tra opção. “Tem de ser frio, éuma área pesada”, conta. “Seriadesafiador.”
Entre opções tão diversas,Amália acaba de encontrar maisuma.Agora,pensaementrarpa-raomercadodecarnes.“Mascal-ma”, como ela disse. Não é qual-quer mercado de carnes – é “o”mercado de carnes.
Com o gado das fazendas dopai,tambémempreiteiroemBra-sília, Amália teve a ideia de criaruma marca de carnes de luxo.Em março, deve lançar por aquium selo próprio de carnes pre-mium,30cortesdegadocombai-xo teor de gordura, tratado comágua de poço artesiano e abatidodemadrugada,paraqueatempe-
ratura não influencie no resulta-do final.
“É o desafio da vez, não se po-dem desprezar boas ideias”, dis-se Amália, confiante, caminhan-do pelos tapetes felpudos do Sa-lão Casa Moda São Paulo, entremodelos que divulgam 45 grifesnacionais e estrangeiras. “Outraetapa da vida que segue.”
Naquele dia, a estudante fica-ria no Unique até as 18 horas. Ànoite,nãosairiadecasa.Tinhadeestudar para a única dependên-ciaquepegounosemestre,provamarcada para as 8 horas do diaseguinte.“Nãofosseisso,nemes-taria aqui. Continuaria as fériasem Los Angeles com a família”,conta. “Era só 0,25 ponto, bemque tentei convencer a professo-ra, mas não teve jeito.”
qNão era rigidez excessiva,como admite Amália. Mas
simumaprofessoraqueacredi-ta na importância do que faz. ●
ESCALAPB PB ESCALACOR COR
%HermesFileInfo:H-17:20100125:
SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H17O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H17
Produto: ESTADO - BR - 18 - 25/01/10 H18 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Um cenáriomelhor, maslonge do ideal
Juízes ouvem mais ‘sim’ do que ‘não’
Séria,massemperderaternurajamais
Umaporçãodeseuesforço,porfavor
●●● Marina logo fará parte doseleto grupo dos 106,5 mil pau-listanos que se casam todos osanos na cidade, segundo da-dos de 2008 do IBGE. Na mé-dia, são 149 casamentos legaispor dia, ou seja, há dois novosrecém-casados a cada 10 minu-tos. Quatro de cada cinco delesdecidem se casar nos sábados– o que faz com que a taxa decasamentos desse dia da sema-na seja de um a cada dois minu-tos. O mês mais “casamentei-ro” é dezembro, quando ocor-rem 12% dos casamentos. Já o
menos escolhido é janeiro, queconta com apenas 1,5% dosmatrimônios. A idade médiados noivos paulistanos (31,2anos) é maior do que a das noi-vas (28,4 anos), e os homenssão mais velho que as mulhe-res em 67,5% dos casamen-tos. A maioria das uniões ocor-re entre solteiros, mas 11,2%dos noivos paulistanos são di-vorciados, ante 7,4% das noi-vas. Os divórcios estão em que-da na capital: foram 9.219 em2008, cerca de 8% a menosque em 2007. ●
Dedicação não falta ao garçomAdemir, ‘exemplo a ser seguido’
Marina credita sua jovialidade ao convívio com alunos, que a veem rígida, mas defensora da liberdade
●●●Pode-se dizer que SãoPaulo é hoje um lugar maisseguro do que quando o gar-çom Ademir chegou à capi-tal. Segundo a Secretaria deEstado da Segurança Públi-ca de São Paulo, o númerode homicídios dolosos pas-sou de 4.268 em 2003 para1.263 em 2008 – uma varia-ção de 70% –, enquanto osfurtos e roubos de veículosdiminuíram 24%. Pode sersinal de que o trabalho dos89.028 policiais militares e35.695 policiais civis e técni-co-científicos divididos nas93 delegacias de polícia es-teja dando frutos. No entan-to, há também dados negati-vos, que apontam um longocaminho a percorrer. Os fur-tos, por exemplo, aumenta-ram 8% desde então e atingi-ram a marca de 154.539 em2008. Já as ocorrências deroubos acabaram diminuin-do 24% desde 2003, mastiveram uma leve alta secomparadas com os núme-ros de 2001 – 109.637 ante108.651. ●
Do quadro de garçonsque trabalhavam noGardênia – restau-rante em Pinheiros,zona oeste – em
2003, existe um, e apenas um,que ainda continua no local. E élogoAdemirSimão,revelaçãodoestabelecimento, definido pelaproprietária como “experienteexemplo a ser seguido”, mesmotendo apenas 28 anos.
Garçomque, ao ficar sabendoda história de Marina – a profes-sora-noivaprestesacasar–sesol-tou na hora, num efusivo bate-pronto: “Se quiser, avise essa se-nhora de que posso muito bemter sido eu que a atendi. Se temalguma coisa que sou, e é assimque tenho de ser, é atencioso. Aíela acertou!” Ademir Simão temorgulho de ser garçom, tirou no-tamáximanumcursoemBarba-cena (MG), ficou “6 meses, 960horas” aprendendo o ofício e, pe-la forma entusiasmada como serefere aos detalhes do trabalho,simplesmente ama o que faz.
“O melhor é quando o clientechama pelo nome e até autorizaescolheropratoparaele.Jáacon-
teceu comigo, me senti honra-do”, conta o garçom, que nasceuem Nossa Senhora dos Remé-dios, cidade mineira de 15 mil ha-bitantes, e chegou a São Pauloem2003,diretamenteparaoGar-dênia.“Fuibem,saídocursocer-to de que teria emprego.”
Aofalardosrumosquesuavi-da tomou, seus olhos se ilumi-nam.“Conseguitrazerminhame-nina para cá e casar com ela, te-nhoum emprego em que me res-peitamejáconseguicomprarumcarro”,conta.“Tenhoasensaçãode estar no caminho.”
MoradorderegiãocarentedoCampo Limpo, zona sul, Ademirsótemepelaviolência,queconsi-dera “próxima demais”. “É sem-preamesmacoisa:quemvêfingequenãoaconteceunada.Eospro-blemas se repetem. É o pior davida por aqui.”
Paratentarcontinuarnostri-lhos, fez no ano passado cursobásico de vinhos e, assim que seformou, tinha novo sonho. Quersersommelier.“Oprofessordis-se que tenho porte. Vou correratrás.”
Ademir enfrenta turnos de
trabalho de dez horas diárias,seis dias por semana. É encarre-gado também de fazer pesquisadepreços. “Parafrutas ecarnes,os melhores ficam no MercadãodePinheiros.Échegareanotar.”
E foi para lá que Ademir sedirigiu numa manhã recente deterça-feira. Precisava pesquisarospreçosdefrutasparafazercai-pirinha. Naquele dia, destacou opreço do maracujá, R$ 5,99/kg.
qEnquanto isso, entrava nomercadoumasenhorasor-
ridente, que também parou emfrente à gôndola de maracujás.Demorouolhandoopreço,masle-vou quatro frutas amarelas. ●
Afórmula da juventu-de de Marina Vezzo-ni Scurzio, de 40anos recém-comple-tados, vem do pró-
prioofícioqueexerce.ProfessoradeProcessoCivilemtrêsfaculda-des, acredita que o convívio comos alunos a deixa, como brinca,“com a mesma idade da turma”.“Herdeiavocaçãoparaavidaaca-dêmica de meu avô, que deu au-lasnaPUCpor52anos.Echegouàvelhicecomamelhorformapos-sível”, disse, da confortável casaem Alphaville, depois de outrodiadeaulasnaFundaçãoArman-do Álvares Penteado (Faap), zo-na oeste. “Tenho planos de que omesmo aconteça comigo.”
Parasemanterjovial,aprofes-sora – seriíssima em classe, se-gundoalunos–temcomoprogra-ma preferido ir a barzinhos como noivo, aos sábados, “para se es-quecer do mundo”. “Nada podeser mais relaxante, depois de
uma semana inteira de traba-lho”, disse Marina, que tambémdáaulasnaEscolaPaulistadeDi-reito, na Liberdade, e na Unifieo,em Osasco, de segunda a sexta odiatodoenossábadosdemanhã.
Pelasopiniõesquedemonstrater, Marina é mulher que gostada sensação de liberdade – senti-mentoque,segundoela,podeserencontrado em abundância nu-ma cidade como São Paulo.“Uma imagem que me marca nacidade é a das calçadas, lotadasdegente,secruzandoeentrecru-zando. Qualquer um ali no meiose torna invisível. É uma massaenorme de pessoas escondidas”,disse. “Gosto de pensar que, alino meio, sou alguém e ninguémao mesmo tempo. Circular livre-mente é o que há de melhor.”
Eéporgostartantodeliberda-de que a professora sofre tantonos momentos de ir e voltar dotrabalho–perde,pordia,pelome-nos três horas no trânsito. “Te-
nho certeza de que o atendentedolava-rápidopensaquesouma-luca. Levo o guarda-roupa intei-ro no carro. Tem sapato, casa-cos, nécessaire”, contou Marina,sorocabanaqueaos7anossemu-
dou para São Paulo com os pais.Emtemposdefériasnembem
terminadas – há poucos dias, ain-daaplicouprovaaos15alunosqueficaram em dependência naFaap, inclusive uma certa estu-
dante brasiliense –, a professorasededica,também,aumaativida-de especial. Tem ido a salões defesta, bufês e confeitarias, paratratardospreparativosdosegun-do casamento, marcado para 26de março. Numa tarde de segun-da-feirarecente,estevenumacon-feitaria em Pinheiros, numa tra-vessa da Rua Pedroso de Morais,ondeencomendou 500doces.
eNo caminho, passou emfrente ao restaurante Gar-
dênia, e boas memórias lhe vie-ram à mente. Foi naquele lugaremque,seteanosantes,seencon-trara pela primeira vez com o fu-turo marido, Marcos Gabriel.Lembra ter gostado não só dacompanhiae dojantar, mas tam-bém do atendimento – os gar-çons eram atenciosos, “pare-ciamsaber”quesetratavadeumprimeiro encontro. Naquele dia,se perguntou se algum delesainda estaria lá. ●
TINTIM–Cursobásicodevinhosacendeuavontadedeser sommelier
PELASRUASDACIDADE– ‘Gostodepensarque,ali nomeio (dascalçadas lotadas), soualguémeninguémaomesmo tempo; circular livrementeéoquehádemelhor’, sintetiza
ESCALAPB - ESCALACOR -
%HermesFileInfo:H-18:20100125:
H18 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO
Produto: ESTADO - BR - 19 - 25/01/10 H19 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
Uma paisagemmais limpa e clarae despoluída
‘Só ficou nomuro tristeza etinta fresca...’
●●●Não há como falar daquestão urbanística da cida-de de São Paulo sem tocarna Lei da Cidade Limpa, queproíbe a publicidade nasruas e limita as placas docomércio. A lei está em vi-gor desde janeiro de 2007,mas muitos lojistas aindainsistem em não seguir asregras. No ano passado,grande parte deles estavana Vila Mariana – lá, a Prefei-tura retirou cerca de 9 milfaixas no primeiro semestre.Esse número corresponde a375 faixas por semana, qua-se 80% a mais do que emsubprefeituras vizinhas. Secomparada com os bairrosmais periféricos de São Pau-lo, a média da Vila Marianaficava quase 15 vezes maior.Mas os anunciantes da re-gião e de toda a cidade pode-rão ter uma pequena tréguacaso mantenham a perseve-rança até 2014 – a pedidoda Fifa, o prefeito GilbertoKassab (DEM) estuda enviarum projeto à Câmara Munici-pal para flexibilizar a Lei Ci-dade Limpa por 30 dias, du-rante a realização da Copado Mundo de Futebol. ●
Nomeiodocaminho,tinhaumacaminhadora
●●●O pinta e repinta dos grafi-tes em São Paulo acontecemuitas vezes a despeito davontade dos artistas. Atéalgum tempo atrás, a Prefei-tura apagava com poucocritério várias obras espalha-das pela cidade – algumas,até mesmo, pintadas comautorização, como foi o casode um grafite da dupla osge-meos, substituído por cama-das de tinta cinza por enga-no, em julho de 2008. O inci-dente repercutiu negativa-mente e a Prefeitura adotouuma estratégia de aproxima-ção com os grafiteiros. Em2009, o prefeito GilbertoKassab (DEM) traçou umaestratégia de apoio às inter-venções urbanas por meiode patrocínio da iniciativaprivada e liberou a coloca-ção de pequenos anúncios –antes proibidos pela Lei daCidade Limpa – em painéisde grafite bancados pelasempresas. ●
Cuti-cutieasfelpudasovelhasvoadoras
A arquiteta Iris corre a cidade a passos lentos,como quem admira uma obra-prima ameaçada
Guid é a descolada e meiga grafiteiraTatiana; e todos nós, o seu rebanho
Logonoprimeiroinstan-te, chama a atenção otom da voz. Potente,límpida – faz pensarem alguém decidido,
que sabe qual caminho escolher.“Seu João, você não fecha a ban-caqueeuvolto,hein?Ficaaberti-
nho aí!”, disse a arquiteta paulis-tana Iris Di Ciommo, de 59 anos,em frente a uma barraca de fru-tas secas no Mercado MunicipaldePinheiros,zonaoeste,ondean-tes havia comprado maracujás.Resposta imediata do feirante:“Não se preocupe, dona Iris, que
comasenhoraagentenãofalta!”A julgar pelo seu histórico,
confiança não fica somente notimbredevoz.Éumadesuasmar-cas. Num momento em que aconstrução civil seguia firme, nofim dos anos 70, a jovem arquite-taformadapelaFaculdadedeAr-
quitetura e Urbanismo da USPlargou projetos de edifícios e sededicou ao então incerto merca-do da comunicação visual.
“Osclientesestranharam.De-monstrarpormeiodesímbolosoque era uma marca? Não que-riam ouvir falar”, conta. “Aindanãofaziapartedanossacultura.”Masaapostadeucerto:aarquite-ta vive de comunicação visual há32anos,commédiade3a5“bonsprojetos” por ano, em empresas,ou prestando serviço a editoras.
Para quem trabalha com co-municaçãovisual,umaleicomoaCidade Limpa, de 2007, poderiaser vista como enxugamento demercado. “Mas é claro que não.Excesso de comunicação visualsignificanão havercomunicaçãovisual. Além do mais, escondia aarquitetura da cidade”, diz a mo-radoradaVilaMariana,zonasul.
Observadora das mudançasdacidade,umdosprincipaishábi-tos da arquiteta é caminhar porbairros cujas tradições estejamameaçadas. Foi assim na VilaOlímpia–elaborouoprojetográ-ficodeumlivrosobreobairro,dofotógrafo Fernando Stickel, quemostra detalhes da Vila antes dabrutalverticalização–etemsidoassim em Pinheiros.
São pelo menos quatro pas-seios a pé semanais, “sem fins es-portivos”, a maioria por ruas dobairrodazonaoeste.“Asruastêmcaracterísticas originais, mas épreciso aproveitar para cami-nharagora.VejaoLargodaBata-ta:quemcaminhoulá,caminhou.”
E foi numa dessas caminha-dasquepercebeuseupontoprefe-rido no bairro – o grafitado murodeumaescolaestadual,alvodesu-cessivas gerações da arte de ruapaulistana. “O conceito dele nãomuda, se mantém assim há anos.Nãoseráderrubadotãocedo,por-
queépartedeumaescola.É umatradição que vai ficar, sem amea-çadas empreiteiras.”
eEntre as pixações no muro,umnomesedestaca,emver-
de–éGuid,emletrascursivas.Al-guémaísabeoqueéGuid?●
MARACUJÁSEMANGAS– Aarquitetacaprichanas suasescolhasepede: ‘não fechaabanca, hein?’
FORMASESPIRAIS–Nas obrasdadesigner, elaexplica, asbolinhassãosímbolodeenergia, ‘forçaquenos rodeia, forçadanatureza’: seucoloridopessoal, eladeixaescondidinho
Poissaibamque Guidéuma coisa “cuti”. Al-go fofinho, adaptadodo inglês cute, apelidoqueagrafiteiraTatia-
na Garrido, paulistana de 31anos, recebeu ainda na adoles-cência, quando estudava noBrás,zona leste de São Paulo.Ascolegas diziam que ela era meigaeque desenhava figuras– princi-palmente ovelhinhas – mais mei-gas ainda.
“Falavam que eu era ‘cuti-cuti’, e isso não saiu mais da mi-nha cabeça. Aí, quando preciseide um apelido para caracterizar,acabouficandoGuidmesmo”,elaexplicou, sempre sorrindo, para-daemfrenteaummurodeescolapúblicaemPinheiros–que,pinta-do e repintado, tanto chama a
atençãodeumaarquitetapaulis-tana caminhante. “E as ovelhi-nhas também continuam por aí,colorindo a cidade...”
A marca registrada de Guidsão as felpudas ovelhas voadoras– no caso do muro em Pinheiros,pintadaderosaeroxo–circunda-das por bolas coloridas, rechea-dasdeespirais.“Sãoosdoisdese-nhos que mais faço. As bolinhassão de energia, força que nos ro-deia, força da natureza”, diz. E asovelhassomosnós.Nós?“Opovo,obediente, que carrega um sofri-mentocontraoqualédifícil lutar.Como acontece com as ovelhas.Ninguém pergunta se têm frio.Vão logo tosquiando. Conosco, éassim também”, explica. “Mas ointeressante é que, ao mesmotempo, as ovelhas se mantêm do-
ces, parecem não perder a espe-rança.Assimcomotemosdeser.”
Sua personalidade, ela definenasola dosapato. Se, natarde deuma terça-feira recente, Guidusava camisa xadrez larga, ócu-los escuros que tapavam metadedo rosto e calça jeans – roupassem colorido especial –, quandoerguia o tênis branco, a sola eracolorida da ponta ao calcanhar.“Hoje sou assim. Clean, mas des-colada. Uma designer séria, deempresa séria e que trabalha sé-rio, mas que deixa escondido seuladocolorido,deixandoaparecerde vez em quando.”
Mesmo trabalhando desde2007comodesignerdeumamar-cadeskatewear, jamaisabando-nou as ruas. “Mas agora, em vezdeirtodososfinsdesemanagrafi-tar, vou só uma vez por mês.”
E há vezesem quea grafiteiralevaafilhaOlívia,de10anos,parapintar com ela. Grafitaram ummuro na Avenida 23 de Maio, edizemquevãorepetiraexperiên-cia. “Ela fez uma boneca floridalinda, os donos do muro adora-ram. E está lá até hoje.”
Muitas vezes, porém, mesmoque os donos dos muros “ado-rem” a grafitagem, a Prefeituranãocompartilhadosentimento–dasobrasdeGuid,elaconta,pelo
menos 20 foram apagadas, mes-mo que tivessem autorização.“Parecequeasempresascontra-tadas saem atirando cinza semdó, o maior desrespeito”, diz.“Ainda assim, estamos sentindoqueografitehojejáémaisrespei-tado. Pena que o reconhecimen-totemdevirdeforaprimeiro,co-moaconteceucomosgemeos,pa-ra depois chegar aqui.”
Paulistana do Brás, Guid tra-balha hoje no design de tênis e jáproduziu 90 projetos. Como pas-sa dez horas por dia em frente aum computador, acabou adqui-rindo problema típico da função– uma tendinite, constante dordos dedos ao ombro que quase aimpededemexerobraçodireito.“Atrapalhatambémografite.Co-mecei a me tratar quando quispintar um mural na Dutra e nãoconsegui nem erguer o braço.”
qPor isso, faz visitas sema-naisaofisioterapeuta,em
Santana,zonanorte.Naquelater-ça-feira,eraláseucompromisso.Chegando à clinica, se recostouno banco da sala de espera. O lu-gar estava lotado. Do responsá-vel por sua recuperação, nem si-nal–estavaenfurnadonoconsul-tório, atendendo um pacienteatrás do outro. ●
ESCALAPB PB ESCALACOR COR
%HermesFileInfo:H-19:20100125:
SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010 ESPECIAL H19O ESTADO DE S. PAULO ESPECIAL H19
Produto: ESTADO - BR - 20 - 25/01/10 H20 - CYANMAGENTAAMARELOPRETO
No Clube daLuluzinha, poucoshomens entram●●●Tiago é um dos poucosexemplares masculinos numuniverso dominado pelasdamas. Dos 15.604 fisiotera-peutas registrados em SãoPaulo, quase 13 mil (ou82%) são mulheres. A dispa-ridade é ainda maior entreos terapeutas ocupacionais:dos 1.113 que trabalham naárea, 1.080 (ou 97%) são dosexo feminino. Isso implicaque, no conjunto dos ho-mens, há mais musicólogos,vinagreiros e jogadores dexadrez japonês do que os 33raros terapeutas ocupacio-nais da cidade. ●
Yes, we love turistas
Bairristaporvocação,exploradorporopção
●●● A vista do Terraço Itália po-de ser estonteante, mas o pon-to preferido pelos turistas paraadmirar a imensidão de SãoPaulo é outro. Dos mirantes dacidade, apenas o Edifício AltinoArantes – o famoso prédio doBanespa – consta na lista das12 atrações turísticas mais visi-tadas, feita pela São Paulo Tu-rismo (SPTuris). As cinco pre-feridas são, na ordem: Parque
do Ibirapuera, Museu de Artede São Paulo (Masp), AvenidaPaulista, Mercado Municipal ePinacoteca do Estado. A SPTu-ris traçou também um perfildos turistas na capital paulista:33% são americanos ou euro-peus, 50% se hospedam emhotéis e 14% vêm a negócios.Em média, cada turista fica 5,4noites na cidade e gasta cercade R$ 210 por dia. ●
Tiago montou sua vida em torno de Santana, mas começa, aos poucos, a cruzar a ‘fronteira’
Um ascensorpara o paraísoEnoquelevaao41.ºandardoEd.Itália,paraumavistadedeslumbrantes360º
EXPEDIENTECoordenação e Edição: Viviane Kulczynski Chefia de reportagem: Iuri Pitta Reportagem: Vitor Hugo Brandalise e Rodrigo BurgarelliFotografia: Keiny Andrade Direção de Arte: Fabio Sales Diagramação: Eloy Mattoso Tratamento de imagem: Alexandre Godinho
Oatarefado fisiotera-peuta Tiago Vascon-cellos, de 28 anos, éumhomem-zonanor-te. Mora na Parada
Inglesa,faznataçãonoSescSan-tana, éum dos seis donos de umaclínica também em Santana equando, ao fim do expediente, sepropõe a relaxar, dirige por dezminutos e encosta na AvenidaDumont Villares, no bairro de...Sim, Santana.
Paraofisioterapeuta,suaroti-naexemplificaumaconhecidade-finição da metrópole – aquela, deque“hámuitascidadesdentrodeuma só”. “Consigo fazer tudo nomeu bairro. Todas as opções es-tãoaoredor,gastronomia,diver-são, esporte. E não é bairrismo,em outras regiões da cidade éigual”, disse o fisioterapeuta,após outro dia de trabalho na clí-nica, onde recebeu a grafiteiracom dor no punho.
Formadoem 2004 naUniver-sidadeSãoCamilo,ofisioterapeu-tavêseuofíciocomoumadaspro-fissões“dofuturo”–masoqueelequernãoécurarlesões,esimevi-tar que aconteçam. Fundou, nofim do ano, uma empresa de gi-násticalaboraleergonomia.“Va-mos entender a dinâmica do tra-balho nas empresas convenia-das, para tentar prevenir os pro-blemas físicos nos funcionários”,
explica ele, cuja clínica atendeaté150pacientespordia.“Jápen-sou prevenir tudo isso?”
Embora passe boa parte dotempo na zona norte, Tiago dizgostardacidadeinteira.Nosúlti-mostempos,conta,“atétemido”a outros bairros, principalmenteembuscadelazereopçõescultu-rais. “Levei minha namoradanum show de stand-up comedyno Teatro Shopping Frei Cane-
ca, e frequento o Ibirapuera pelomenos duas vezes por mês.”
Tiagosóseressentedeconhe-cer pouco o centro da cidade.“Justamente o lugar de mais his-tória, eu conheço pouco. E isso éincrível, porque vem gente de fo-ra só para visitar o centro, paraver os prédios históricos e tudo omais. E eu, paulistano, só fui aoPátio do Colégio uma vez, e nemlembro direito...”
Quando se deu conta disso,Tiagodecidiumudar.Emdezem-bro,debutounoMercadoMunici-pal, tradicional ponto de comér-ciodealimentosdacapital,funda-do em 1933. “Comi pela primeiravez o sanduíche de mortadela.”
A próxima visita, ele conta, se-rá ao Terraço Itália, no segundoedifício mais alto da cidade. “To-dos falam de lá, da boa comida, damúsica,davista.Devedarparaver
tudodelá,deveserumaboaformaderedescobrirminhacidade.”
eTiago pretende ir ao Terra-ço Itália antes do carnaval e
num fim de tarde, para “tentarpegaropordosol”.Nessedia,pa-ra chegar ao topo, terá de dividirespaçonoelevadorcomumbem-humoradohomemdevozgros-sa, cujomaior orgulhoé apertar,o dia inteiro, o botão de nº 41. ●
São apenas 12 metros,vencidos em exatos 16segundos. É somenteum gesto, o apertar deum botão. São quatro
metros quadrados, com uma ca-deira e um espelho. E é somenteuma palavra. “Sobe!”
Pode o ofício do ascensoristaser considerado poético? “Sintoque estou levando as pessoas afazerem algo especial. Não achoque isso me torne especial, mastorna,sim,especialomeuofício.”QuemdizéEnoqueFlorencio,as-censorista responsável pelo últi-mo trecho até o topo do EdifícioItália,nocentrodacapital,deon-desetemuma dasvistasmais fa-mosasdeSãoPaulo.Paraseche-gar até lá, são percorridos no to-tal 41 andares, ou 165 metros – osúltimos deles, do 37º ao 41º, ondefica a área aberta à visitação, nohoráriocomercial,sósechegape-las mãos de Enoque.
Soaacampainha,alguémestáchamando. As portas se abrem eoascensorista,paranaensede35anos,franzeassobrancelhas–es-tásério,pareceteralgoimportan-te a dizer. Mas o que sai é um lar-gosorriso,um“vamoslá,meulin-do!”eparalásobeEnoque,deno-vo até o 41º, carregando dessavezumfuncionáriodorestauran-te Terraço Itália.
Sua característica marcante,quem o vê logo percebe, é o bomhumor. “Dá para tratar a todoscom descontração, basta ter dis-cernimentoparaperceberquan-do é hora”, diz Enoque, homemde voz aveludada e predileçãopor palavras bonitas.
Nossetemeses emquetraba-lha como ascensorista do Edifí-cio Itália – houve reformulação
no quadro de pessoal em junhopassado–,Enoquepercebeuaim-portância de respeitar o estilodos visitantes. “Para alguém ‘deposses’,bastadizer‘oespaçoéto-do seu’, que o sorriso vem na ho-ra. É só observar e entender.”
Todas as tardes, Enoque car-rega entre 100 e 150 pessoas, amaioriaturistas,queprocuramavista 360 graus da cidade, a par-tirdaAvenida Ipiranga– é lá queo fisioterapeuta Tiago pretendeir em breve. “Dá para ver no ros-to das pessoas que elas gosta-ram.Nãoentendonadadoquedi-zem os estrangeiros, mas só pelaexpressão vejo que gostaram.”
Naturalde RibeirãodoPinhal(PR), Enoque mudou-se paraSão Paulo com os pais, com 1 anodeidade.Hojevivenumacasatér-reaemSãoMiguelPaulista,zonaleste.“Minhavidainteirafoiaqui.Meumaiororgulhoélevaraspes-soas a verem a cidade do melhorângulo que há.”
Ao fim do expediente numaterça-feirarecente,Enoquetam-bém subiu ao topo do edifício.“Sinto que em cada janela háuma oportunidade”, disse. “Eolhar de cima dá esperança, osproblemasparecemmenoscom-plicados. Olhando daqui, tenhocerteza de que vamos consertartudo o que não vai bem. Tem deser assim.”
Temdeserassim,disseEno-que. Para todos os josés, lui-zes, ademires, sandras, ta-tianas, marias, alexandres,samaras, joões, franciscos,thayses, paulos, erivaldos,claudevans, amálias, mari-nas, iris, tiagos e ming lees.Para quem, como Cícero, zelapor ela. Tem de ser assim. ●
PERTINHO– ‘Consigofazertudonomeubairro.Todasasopçõesestãoaoredor,gastronomia,diversão,esporte’
OTIMISMORETUMBANTE– ‘Olhandodaqui, tenhocertezadequevamosconsertar tudooquenãovai bem’
ESCALAPB - ESCALACOR -
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H20 ESPECIAL SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO