caderno especial - adoção 18/12/2015

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CADERNO ESPECIAL ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015 O E STADO

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Jornal O Estado (Ceará)

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Page 1: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

C A D E R N O E S P E C I A L

ADOÇÃOFortaleza, Ceará, Brasil • Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

OESTADO

Page 2: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

O menino Flá-vio tem 4 anos, mas a vida já lhe ensinou que

pode ser muito dura. Logo quando era bebê foi es-pancado pelo pai e por isso levado à Casa do Me-nor pelo Conselho Tutelar, no dia 1º de novembro de 2011. Há dois anos ele teve a Destituição do Poder Fa-miliar julgada, documento que desvincula definitiva-mente a criança da família biológica. Mesmo assim, Flávio ainda está abriga-do, à espera de uma famí-lia, à espera de um lar.

O menino até que re-cebeu visita uma vez, mas em função de algumas se-quelas cognitivas, fruto do espancamento do geni-tor quando ainda era um bebê, o casal não o quis. No abrigo ele faz fonoau-diologia, fisioterapia e tem acompanhamento neces-sário para melhorar, mes-mo assim o preconceito ainda fala mais alto. Não há ninguém na fila por ele.

Mas há sempre uma esperança. E por isso Flá-vio espera uma família que o ame do jeito que ele é. Que lhe dê uma chance de amar, que se proponha a abrir o coração, (para proteção da criança, seu nome foi alterado).

São muitos. Não inco-modam. Não fazem pro-testos. Não incendeiam ônibus. Não gritam. São somente crianças e ado-lescentes. São vítimas. Da vida e do Estado. São víti-mas do abandono, do des-caso e do desamor. Mesmo assim, jamais dizem não ao amor. Pelo contrário,

estão de coração abertos, esperando atenção, colo de pai e de mãe. Estão es-perando por uma família.

Prática desumanaA institucionalização de-

morada de crianças e ado-lescentes no Brasil é uma prática desumana e ilegal. A Constituição Federal de 1998, no seu art. 227, ga-rante o direito às convivên-cias familiar e comunitária e atribui ao Estado, à socie-dade e à família o dever de garantir esse e outros direi-tos fundamentais.

No entanto, mesmo com tamanha clareza do texto constitucional, a lei Magna e Suprema, não é cumprida. Para a desem-bargadora Lisete Gade-lha “está faltando cultu-ra, compromisso, ideal. Temos uma sociedade doente por falta de po-líticas públicas. Cabe ao Poder Judiciário ordenar as relações, chamar para conversar, e dizer que não tem coisa melhor do mundo que responsabili-dade social”, afirma à de-sembargadora.

Para o defensor públi-co da 3a Vara da Infância e Juventude, Alfredo Hom-si, o sistema de Justiça tem lutado para conseguir mudar o destino de mui-tas crianças e adolescentes abrigados. “É prioridade para a Justiça dar anda-mento aos processos de adoção, bem como desvin-cular a criança da família. Temos, de fato, consegui-do quadriplicar o número de adoções no Estado”, disse ao fazer referência à especialização da 3ª Vara da Infância e Juventude, responsável desde 2014 por julgar apenas proces-sos relacionados à adoção.

Curso é obrigatórioO primeiro passo para

quem decide adotar, é com-parecer a Vara de Infân-cia e Juventude do Fórum Clóvis Beviláqua. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, indepen-dentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos en-tre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.

Logo em seguida, o pre-tendente, passa por um cur-so de preparação psicosso-cial e jurídica para adoção, que é obrigatório. Em For-taleza, a capacitação ocorre durante uma manhã, no Fó-rum Clóvis Beviláqua. Após comprovada a participação no curso, o candidato é sub-metido à avaliação psicosso-cial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional. Nas visitas são avaliadas a situação socioeconômica e psicoemocional dos futuros pais adotivos.

“É um mito pensar que é preciso ser bem favoreci-do economicamente para adotar. Pessoas que ga-nham um salário mínimo também podem adotar, porque o que se analisa é a infraestrutura familiar que a criança vai ter. Não existe um pré-requisito nesse sentido. O que deve ser obervado é a questão da motivação para adoção. O que levou o casal a que-rer adotar”, salienta Ma-rissol Melo, psicóloga da equipe multidisciplinar do Juizado da Infância. Estilo de vida incompatível com a criação de uma criança ou motivos como “ameni-zar a solidão”, “superar a perda de um ente queri-do”, “superar crise conju-gal”, entre outros, podem inviabilizar o processo de

adoção. O resultado dessa avaliação psicossocial será encaminhado ao Minis-tério Público e ao juiz da Vara de Infância.

Durante a entrevista técnica, o pretendente des-creverá o perfil da criança desejada. Para isso, é pos-sível escolher o sexo, a fai-xa etária, o estado de saú-de, e, até a cor da pele.

A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz profere uma sentença, concedendo o direito, ao candidato, de ter os dados inseridos no Cadastro Na-cional de Adoção (CNA), válidos por dois anos em todo o território nacional. Isso quer dizer que agora, pode conhecer uma crian-ça em qualquer local da

Federação, e não somente no Estado em que mora.

Falta de atitudeNeste momento o pre-

tendente está, automatica-mente, na fila de adoção do seu Estado e agora aguar-dará até aparecer uma criança com o perfil com-patível com o escolhido.

O promotor de Justiça, Dairton Costa de Olivei-ra, chama a atenção para a falta de atitude dos pre-tendentes. “Falta protago-nismo do pessoal da fila. Há omissão dessas pesso-as, que entram no CNA e ficam esperando um dia serem chamados. Falta protagonismo de ação da criação de grupos de ado-ção. Não existe projeto ou programa de acolhi-mento familiar, que é um

dos grandes passos para o aumento dos números de ação. Um projeto de apa-drinhamento acabou de ser aprovado, mas ainda não está em funcionamen-to. Falta também mais no-tícias sobre isso. Maior vi-sita da mídia aos abrigos. Dizem que não pode, mas pode sim. Falta à socieda-de ter sensibilidade. Falta iniciativa”, salientou.

Quando aparecer uma criança compatível com o perfil escolhido, a funcio-nária do Juizado da Infân-cia, entrará em contato. O histórico de vida da criança é apresentado ao adotante. Se houver interesse, am-bos são apresentados. Co-meça, então, o estágio de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe técnica. Nele, é permitido visitar o abrigo onde mora a criança. Se o relaciona-mento correr bem, o ado-tante poderá entrar com pedido formal de adoção. Após análise de relatórios feitos pela equipe multi-disciplinar, com vistas ao Ministério Público, a Jus-tiça concederá ou não a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo. A criança passa a morar com os adotantes, mas a equipe técnica con-tinua fazendo visitas peri-ódicas e apresentará uma avaliação conclusiva.

Caso tudo ocorra bem, o juiz proferirá a sentença de adoção e determinará a la-vratura do novo registro de nascimento, já com o so-brenome da nova família. Desta forma, é garantido ao filho adotivo os mesmos direitos do filho biológico. A adoção é irrevogável.

O PASSO A PASSOO processo de adoção geralmente é burocrático e demorado. Saiba qual o passo a passo

necessário para adotar um filho, entenda como esse processo funciona

ADOÇÃO2 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

MAIS CONTEÚDO ACESSEwww.oestadoce.com.br

COORDENAÇÃO: Soraya de Palhano • JORNALISTAS: Crisley Cavalcante, Gabriela de Palhano e Gilmar Santos• MARKETING: Glauber Luna • DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Kelton Vasconcelos • ARTES: Andy Monroy.EXPEDIENTE

1. Cópia autenticada da Carteira de Identi-dade e do CPF da(s) parte(s) interessada(s);

2. Cópia autenticada da Certidão de Nasci-mento (se solteiro) ou Certidão de Casamento (se casado);

3. Cópia autentica-da do comprovante de residência (Ex.: conta de água, luz ou telefone);

4. Cópia autenticada de comprovante ou de-claração de renda men-sal do(s) requerente(s) (Ex.: contracheque, declaração de Imposto de Renda, declaração de rendimentos bancá-rios, etc);

5. Atestado de saúde física e mental do(s) requerente(s). Obs.:

apenas a via original terá validade;

6. Dois atestados de idoneidade moral, cada um deles preenchido e assinado por pessoas diferentes, sem qualquer grau de parentesco com a(s) parte(s), atestando a boa conduta e a mo-ralidade da(s) pessoa(s) interessada(s) na habili-tação para a adoção pe-rante a sociedade. Obs.: Os atestados de ido-neidade moral só serão aceitos se acompanha-dos do reconhecimento de firma dos atestantes em cartõrio;

7. Certidão Negativa de Distribuição Cível (esta certidão já inclui antece-dentes criminais. Setor de Certidões - 1o andar).

DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIAConfira o que é preciso para a adoção

Mostra-nos o teu amor,ó Senhor, e concede-nos

a tua salvação! SALMOS 85:7

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

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Page 3: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

UNIÃO BEM SUCEDIDA REÚNEMAIS QUE DESEJOS E AFETOS

Eu estava grávida, e o nosso processo de adoção foi concomitante a gestação biológica

Visto do espa-ço, o céu se mostra com a cor negra, en-quanto nosso

planeta se apresenta com a cor azul, devido os 71% da superfície da Terra ser composta por extensões líquidas, provenientes dos mares e oceanos.

Nosso olhar em direção ao céu capta a cor azul. É uma doação do sublime, como a história de Adoção realizada pelo casal Mas-simo Baraglia, italiano de Roma, e de sua esposa, a cearense Lilissane Mon-teiro de Barros, pais dos filhos adotivos, Ana Clara Barros Baraglia (6 anos), Paulo Victor Barros Ba-raglia (5 anos), e do filho biológico, Caique Barros Baraglia (3 anos), pois o azul do céu é um só em qualquer espaço geográfi-co do planeta.

Do bairro fortalezense da Serrinha, eles se unem em torno de um mundo repleto de compromissos profissio-nais, desejos e afetos:

Meu esposo trabalha em Organizações Não Governamentais-ONGs. Ele veio da Itália como voluntário para traba-lhar com projetos sociais. Eu sou professora de Ge-ografia. E quando per-cebemos que a cada dia nossa relação ficava mais séria, passamos a falar sobre filhos. O Massimo comentava: “Os filhos podem ser biológicos, po-dem não ser biológicos”, aproveitando o momen-to para me relatar sobre algumas experiências de

casais com filhos adoti-vos que conhecia.

Nessas conversas eu também manifestava de não fazer para mim a mí-nima diferença. O impor-tante era construir uma família. Que vissem filhos biológicos, filhos adotivos.

Decididos em adotar uma criança, procuraram o Fórum e começaram a dar entrada nos docu-mentos necessários, sem jamais imaginarem que o futuro iria surpreendê-los:

No cadastro nacio-nal de adoção optamos por um perfil que pode-ria ser até cinco anos de idade, ser dois se fossem irmãos, independente de sexo, de raça. Mas, caso houvesse doenças, que fossem tratáveis.

Passados alguns meses descobri que estava grá-vida, e o nosso processo de adoção foi concomitante a gestação biológica.

No decorrer, nosso fi-lho Caíque nasceu, e fica-mos somente numa famí-lia de três durante quase dois anos, até recebermos um telefonema do Fórum informando sobre duas crianças, Ana Clara e Paulo Victor, irmãos dis-poníveis para a adoção dentro das nossas expec-tativas conforme consta-va em nosso cadastro.

Massimo e Lilissane, de dois se fizeram três, e se debruçaram sobre os acenos da vida para se tor-narem cinco, uma família muito mais que nuclear.

Ana Clara e Paulo Vic-tor se encontravam no abrigo Casa de Jeremias, e em companhia da As-sistente Social do Fórum,

Massimo e Lilissane se di-rigiram para lá:

Ao vê-los não tivemos dúvidas que estavam dentro do perfil que ha-víamos escolhido. En-tão, nada nos impedia a aproximação. Tudo iria depender da construção desse vínculo inicial, e como eles também iam nos receber. Planejamos fazer todo esse processo de aproximação com bas-tante calma. No primeiro dia ficamos observando e conversando sobre a história deles, e perceber como se comportavam com as demais crianças.

Há nos grandes encon-tros sempre a possibilida-de de profundas compre-ensões, a doação dourada que o tempo exige, a frui-ção dos primeiros passos em direção ao amor. As-sim, também se fertiliza o instinto materno:

Passados uns dois me-ses, fizemos com eles os primeiros passeios. O rit-mo depende muito do casal e das crianças. Sentimos logo que a Ana e o Paulo Victor eram bastante re-ceptivos, afetuosos, e isso já nos deixou surpresos. Apesar de eles ficarem feli-zes com a nossa presença, também demonstravam medo, certa resistência, principalmente porque eles vivenciaram a figura da mãe biológica, e das cuida-doras do abrigo, que natu-ralmente acabam substi-tuindo a figura materna.

Não demorou muito para Massimo e Lilissane serem chamados por Ana Clara e Paulo Victor de pai e de mãe, mesmo de

forma tímida, ainda um pouco receosos:

Na primeira vez que sa-

ímos do abrigo permane-cemos todos juntos durante o decorrer do dia. Somente no final de semana seguin-te eles dormiram conosco. Tudo com bastante cuida-do para a gente perceber como eles se sentiam.

Com o tempo, começa-mos a constatar que eles ficavam um pouco confu-sos com esse vai e volta do abrigo, principalmen-te quando nos despedía-mos deles.

No encontro de Ana Clara e Paulo Victor com o Caíque presenciamos logo laços de amizade. O contato deles com crian-ças menores que se encon-travam no abrigo facilitou tudo isso. Lá, eles brinca-vam juntos. Mesmo sendo maiores, desenvolveram o impulso interior em aju-dar os menores. Como o Caíque, evidenciaram esse mesmo cuidado:

Caíque achou tudo muito divertido, certa-mente por passar a ter companhia em casa, e com quem brincar a todo instante. E como se com-portavam com certa au-tonomia, Caíque também começou a querer a pro-ceder da mesma forma.

Depois que obtivemos a guarda provisória, e vie-ram para a nossa casa, inicialmente pergunta-vam pelo abrigo, inda-gavam pelos amiguinhos deixados lá. Para eles, era um lugar de referencia que transmitia total seguran-ça, apesar de serem pre-parados para a chegada de outra família, de uma

mãe e de um pai, mesmo porque testemunham os outros amiguinhos irem embora, e se sentem com a despedida por já existir vínculos entre eles.

Em toda relação ne-cessário se faz construir sentimento de segurança, momentos para diálogos, trocas afetivas e esclare-cimentos. É indispensável os papéis não permane-cerem duvidosos e inver-tidos. No caso dos filhos adotivos, que a educado-ra do abrigo não é a mãe deles, nem tampouco a moradia é definitiva, que eles ficam por lá enquanto chega uma mamãe e um papai. Nas crianças as dú-vidas tem vida longa:

E tivemos que explicar porque chegou esse papai e essa mamãe, e, não ou-tra? No começo eles per-guntavam mais, e a gen-te passou a compreender que a preocupação era com os amigos. Eles cos-tumavam nos indagar: nós estamos aqui e eles continuam lá?

A convivência entre pais e filhos se inscreve com a rotina, com as re-gras e a dieta, com os es-paços de adaptação, com a bagunça gerada no dia a dia, e os ensinamentos mais que necessários à vida inteira:

Mesmo diante das difi-culdades iniciais de adap-tação, a convivência foi se desenrolando de maneira muito positiva. Agora a gente percebe nitidamente que estão interagindo ain-da cada vez melhor. Não existe entre eles um confli-to grave, como um rejeitar

o outro. Eles brincam jun-tos, arengam juntos.

A adoção para nós é uma forma de construir família. É uma constitui-ção tão bonita quanto a que possuímos com o nos-so filho biológico. É a mes-ma vontade de acolher, de cuidar, de amar.

Quando fizemos o ca-dastro, em Fortaleza não existia nenhum grupo de apoio à adoção. Nós nos preparamos sozinhos, pesquisando na internet, acompanhando matérias sobre adoção, lendo de-poimentos, e comprando livros sobre o assunto.

Agora existe o grupo de apoio à adoção Acalanto. Nos encontros do Acalan-to, tanto vão os pais quan-to as crianças. Participar dele foi muito importante para nós, principalmente no período de adaptação, que é muito delicado.

Aprendemos que, como tudo na vida pode faltar, também pode sobrar. Existe amor demais um pelo outro aqui em casa.

O que temos a dizer, após um ano e meio de convivência com nossos filhos é que estamos muito felizes e somos uma famí-lia linda.

O céu será sempre azul se não nos restringirmos aos espaços menores da vida! Massimo e Lilissane estão ampliando seus ter-ritórios pessoais com os filhos, um biológico e dois adotivos, dentro da reali-dade mais tocante, que é a construção extraordinária de uma consciência fami-liar para além do querer, dos desejos e dos afetos.

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Massimo Baraglia, italiano, e de sua esposa, a cearense Lilissane Monteiro de Barros, pais dos filhos adotivos, Ana Clara Barros Baraglia, Paulo Victor Barros Baraglia, e do filho biológico, Caique Barros Baraglia

GYLMAR CHAVESEspecial para O Estado

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 3Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão. SALMOS 85:10

FOTO IRATUÃ FREITAS

Page 4: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

O QUE ACONTECE COM CRIANÇAS QUE NÃO

SÃO ADOTADAS?A Lei Nacional de Adoção determina que nenhuma criança ou adolescente pode ficar mais de 2 anos

institucionalizada. O prazo, no entanto, não é cumprido. O que ocorre quando eles completam 18 anos é ainda pior

Já parou para pen-sar como teria sido a sua vida se durante a sua in-fância, ao acordar,

não tivesse um pai ou uma mãe morando com você? Se quando sentir dor ou ficasse doente, não tives-se quem cuidar de você? É assim a realidade de vida de mais de 400 crianças e adolescentes em Forta-leza, sem pai e sem mãe, que moram em abrigos es-palhados pela cidade.

A vida inteira dentro do abrigo transformou completamente o menino Alberto, de apenas cin-co anos de idade. Desde o nascimento, ele vive na Casa do Menor, no Con-domínio Espiritual Uira-puru, bairro Castelão, em Fortaleza. O menino não tem pai ou mãe para pedir ajuda, e ele sabe bem dis-so. A institucionalização de toda uma vida o impe-de de aceitar adoção hoje em dia. A criança, vítima do descaso e do desamor, transformou o abrigo defi-nitivamente no seu lar.

Novo abandonoUma triste realidade

que o Estado não pode mais compactuar. Ao che-gar aos 18 anos ele não mais poderá viver no abri-go. Sofrerá um novo aban-dono. Como será a sua vida adulta? Quem está preocupado com ele?

O promotor Dairton Costa de Oliveira, respon-sável pela 7ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude ressalta a importância do poder pú-blico assumir para si a res-ponsabilidade por essas crianças, com um plano eficaz para terminar a for-mação desse cidadão e im-pedir que se tornem adul-tos problemáticos.

“É aqui que se resol-vem os problemas futuros da nação. Se temos um

centro socioeducativo em caos hoje e um setor cri-minal outro caos, isso se deve à omissão dos seto-res constituídos com rela-ção à infância e juventude. Se o Estado deixa crianças e adolescentes à margem da sociedade, criam-se marginalizados. O que es-tamos colhendo hoje são omissões em natureza de infância e juventude do passado”. Para o promotor, o futuro não é promissor. “As coisas vão piorar para o futuro porque estamos, ainda no presente, omitin-do-se em relação à criança e à adolescência. O caos do sistema socioeducativo de-corre da falta de prioridade absoluta dos órgãos consti-tuídos em atenção à infân-cia e juventude”.

Falta sensibilidadePara o representan-

te do Ministério Público, falta sensibilidade à so-ciedade e ao Estado. “A infância e juventude é in-visível porque são pesso-as que não são vistas pela sociedade. Não são trata-dos com a prioridade que deveria ser, porque a so-ciedade entende de forma errada que essa não é uma demanda urgente”.

Dairton Oliveira reco-nhece que o sistema está falido, mas comemora porque já esteve bem pior. Com a especialização da 3ª Vara da Infância e Ju-ventude do Fórum Clóvis Beviláqua, responsável desde 2014 por julgar ape-nas processos relaciona-dos à adoção, a situação tem melhorado, e os pro-cessos têm saído das es-tantes e ganhado forma por meio da maior cele-ridade nos julgamentos. Isso quer dizer que crian-ças e adolescentes, antes vítimas do esquecimento do Estado, passaram a ser lembradas e a oportunida-de de ganhar uma família hoje é maior, mesmo que a situação ainda não seja confortável.

“A situação da infân-cia melhorou em Forta-leza, mas precisa chegar no Interior. A desatenção e a falta de prioridade ab-soluta que a Constituição Federal de 1988 já previu. Como temos negligenciado esse tempo todo, estamos colhendo o caos dessa ne-gligência, pois a infância e juventude nunca teve a atenção que deveria”, disse o promotor de Justiça.

Carência de políticasSe a situação continu-

ar assim, meninos como Alberto, ao completarem 18 anos, não terão onde viver. Que condições o adolescente terá se antes o mundo dele era o abrigo? Como esse adolescente poderá dar os primeiros passos para a vida adulta? O defensor reconhece que o Ceará ainda engatinha no que diz respeito à im-plementação de medidas que possam mudar essa realidade, entre as quais condições profissionais para que esses adoles-centes possam se manter ao saírem dos abrigos. “Há carência de políticas públicas. Não há locais específicos para o acolhi-mento desses jovens, tão pouco programas sociais”, lamenta.

Por isso, o promotor Dairton Oliveira diz que “a estrutura do sistema precisa se reorganizar e alguém precisa dar prio-ridade absoluta e prote-ção integral para criança e adolescente. Sem isso, o futuro é o caos, como o que vivemos hoje”.

O fato é que meninos como Alberto, mesmo institucionalizados não somente de forma física, mas também psicológi-ca, não foram preparados para enfrentar a vida, fora dos muros das instituições (para proteção da criança, o seu nome foi alterado).

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O poder público tem que assumir para si a responsabilidade por essas crianças, com um plano efi-caz para terminar a formação desse cidadão e impedir que se tornem adultos problemáticos

FOTO DIVULGAÇÃO

ADOÇÃO4 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A fidelidade brotará daterra, e a justiça descerádos céus. SALMOS 85:11

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

Page 5: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

UM SUPER HERÓIPROCURA-SEAlguém que ofereça tempo, carinho e proteção.

Se você, adulto, tem receio em adotar, imagine a

felicidade que sente uma criança ao ser amada.

Adote. O Sistema FIEC defende essa campanha.

Page 6: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015
Page 7: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 7Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Todas as nações que tu formastevirão e te adorarão, Senhor, eglorificarão o teu nome. SALMOS 86:9

FOTO AGÊNCIA BRASIL

Não se pode per-mitir arriscar com o destino deste peque-ninos, com

demoradas tentativas de “recuperação” da familia biológica, condenando-os viver indefinidamente nas instituições.

A Infância inteira den-tro de um abrigo a espera de uma decisão judicial. Crianças sem vínculos com a família biológica per-dem a chance de adoção por causa da demora nos processos. O Estatuto da criança e adolescente, des-de 2009, estabeleceu um prazo máximo para per-manência da criança nos abrigos, justamente para impedir que elas cresçam sem uma família, direito previsto na lei. A situação de cada criança abrigada deve ser revista pelo juiz da vara de infância e ju-ventude a cada seis meses e o período máximo - não desejável - de permanência no abrigo é de dois anos.

Marcas emocionaisO Estatuto da criança

e do adolescente é claro quanto ao direito da crian-ça de viver em família, se não há possibilidade de retorno a família biológi-ca. Quanto maior a idade da criança menor a chance de ser adotada e maiores são as marcas emocionais geradas pelo abandono. O

direito a convivência fa-miliar e comunitária vai muito além do que, sim-plesmente, viver numa fa-mília, seja ela organizada da forma que for. A con-vivência familiar envolve uma série de situações que proporciona o desenvolvi-mento saudável da fase in-fantil e juvenil, com a con-sequente percepção para a criança de que ela é amada e que tem alguém que com ela se preocupa. Envolve esse direito mais do que a possibilidade de ter pai e

mãe, mas, acima de tudo, deles receber atenção, cui-dado e carinho.

“Se a família se mante-ve inerte, não há que se fa-lar em determinar regras e até mesmo estabelecer um prazo para a recupe-ração da família biológica, pois que desfavorece, dra-maticamente, a situação da criança abandonada, castigando-a cruelmente, já que se sabe que a gran-de maioria dos pretendes deseja crianças até seis anos de idade. Enquanto

“esperam” as crianças se tornam adolescentes, os quais, em situação de ris-co crescem nas entidades de acolhimento, esperan-do reinserção na família natural, muitas vezes tor-nando-se vítimas de abri-gamentos recorrentes. E, quando finalmente “ado-táveis”, permanecerão nas filas de espera, pois já não mais correspondem ao perfil idealizado pela maior parte das famílias interessadas em adoção” , afirma o Juiz da Infância e

Juventude, Fábio Ribeiro.Graças a uma ação pro-

ativa da desembargadora Lisete Gadelha, presiden-te da Comissão Estadual Judiciária de Adoção In-ternacional (Cejai) do Tri-bunal de Justiça do Ceará, o tempo de espera acabou para o menino Bernardo (7 anos), e suas irmãs, Ca-mila (9 anos) e Melissa. (12 anos). Os três irmãos encontram uma família e agora vivem feliz em Li-moeiro do Norte, distante 197 km de Fortaleza.

Logo ao ver os preten-dentes à adoção do Inte-rior, o menino logo disse: “bom dia, papai. Essas são minhas irmãs e suas filhas”. A atitude emocio-nou a todos. “Foi o contato que deu o grande pontapé. O casal reconheceu que não tinha como separar três irmãos e foi amor à primeira vista”, contou comemorando a desem-bargadora Lisete Gadelha, que se empenhou para que o encontro e, princi-palmente, o vínculo entre eles ocorresse.

Primeiro NatalQuase a história não

seria essa. Os irmãos es-tavam sendo vinculados a um casal do Estado de Santa Catarina. Quando a magistrada soube, deci-diu procurar pretenden-tes no Ceará. Ela acredita que o melhor para eles seria ficar aqui. “Temos de respeitar a lei, que de-termina buscarmos pri-meiro pretendentes na região onde as crianças estão abrigadas. Para quê mandá-los para longe se podiam ficar aqui?

As lembranças da pri-meira infância para os três irmãos ficaram no abrigo. Felizmente, muito embo-ra tenha demorado, a vida sorriu para eles e hoje po-dem comemorar o primeiro Natal de suas vidas em fa-mília, com papai e mamãe.

A ESPERA DE UMA DECISÃO JUDICIALNão se pode arriscar o destino destes pequeninos com demoradas tentativas de “recuperação” da familia biológica

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CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

Page 8: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

MANTER CRIANÇAEM ABRIGO É CRIME

Me conte algo que não sei.

O Cadastro Nacional de Adoção mudou para pior. O Conselho Nacional de Justiça precisa ter a res-ponsabilidade e a humil-dade de voltar atrás e con-sertar o que fez. O modelo anterior que foi substituí-do permitia uma série de interações mais produti-vas do que o atual. Antes era possível visualizar os casais que queriam ado-tar e as crianças, hoje você não consegue fazer isso, você só vê as crianças, há uma série de dificuldades de aplicações, não dá para ver o grupo de irmãos. O cadastro precisa voltar para o modelo anterior, antes que se encontre um terceiro modelo que seja o ideal, tem que voltar para o antigo. Apesar de ter sido uma intenção de sim-plificação, essa simplifica-ção tirou a funcionalidade, que era uma ótima ferra-menta na busca ativa para juntar crianças e famílias substitutas.

O que exatamente é a busca ativa por uma criança? A pessoa que quer adotar deve fazer isso? Como?

O plano nacional de convivência familiar e co-munitária (Lei comple-mentar ao Estatuto) deu aos grupos de apoio a ado-ção o papel de fazer essa busca ativa. E eles fazem assim, eles recebem infor-mação do Judiciário e do Ministério Público daque-las crianças que estão dis-poníveis para adoção sem candidatos a adoção no local e se faz a busca ativa pelos grupos. Se o cadas-tro funcionasse maravi-lhosamente, talvez a busca ativa por grupos de apoio não fosse necessária, mas como ele ainda não fun-ciona , é necessário que se faça esse tipo procura.

E as pessoas que es-tão na fila para adotar porque não podem vi-sitar abrigos? Não se-ria uma forma de in-centivar na adoção de crianças maiores?

Abrigo fechado é um crime que se comete con-tra a criança. As crianças não estão em regime fe-chado porque mataram al-guém, inclusive a Lei Na-cional de Adoção colocou no Estatuto da criança e do adolescente um artigo que determina que os pais candidatos, habilitados a adoção, sejam colocados em contato com as crian-ças, com todas as reservas para não criar falsas ex-pectativas, com todos os cuidados, mas que saibam

quem são essas crianças. Nós precisamos deixar que as histórias de amor aconteçam. Existem os encontros. Há pessoas que pensam em adotar crian-ças pequenininhas, mas quando encontram uma outra criança, com um ou-tro perfil, que nem tinham pensado, porque se falava de uma criança imaginá-ria, não de uma criança de verdade, que existe, que está ali, que tem uma for-ma de olhar, que tem uma forma de falar, que cativa. Não há nenhum artigo que determine que os abrigos estejam fechados. Abrigo fechado é uma coisa que está completamente fora do sistema de adoção. Obviamente essas visitas tem que ser controladas, acompanhadas, para que não haja uma repercussão negativa nas crianças. É muito melhor correr esse risco bom de manter os abrigos abertos, do que manter os abrigos fecha-dos e a criança continu-ar varrida para debaixo do tapete como acontece em muitos lugares, é um crime contra a infância. O ministério público não pode concordar com isso, ele precisa manter os abri-gos abertos, é função dele, dar visibilidade as essas crianças.

Como estão os pro-cessos de adoção do ponto de vista de uma família que sonha em ter um filho?

Essa é a pergunta mais difícil porque as realida-des são totalmente dife-rentes, em diferentes can-tos do país. Eu acredito o seguinte, o processo de adoção não pode demorar mais de nove meses, que é o período de uma ges-tação. E a pessoa precisa se habilitar antes de ado-tar. Agora quanto mais ela amplia o perfil dela, mais chance de adotar rápido ela tem. As pessoas fazem questão de criança até três anos de idade, as vezes a criança que está disponí-vel tem três anos e meio, quatro, e é uma adoção tão sensacional quanto a outra. Só que você é obri-gado a fixar um limite e ai você fixa e acaba perdendo um monte de criança.

E do ponto de vista da criança como está, o processo de uma criança que entra no sistema de institu-cionalização demo-ra muito na Justiça? Crianças ainda cres-cem nos abrigos, pas-sando três, quatro anos de sua vida lá, porque a Justiça não

libera para a adoção? Pode acontecer sim,

depende do grau de com-prometimento do poder judiciário, há locais em que não há equipe técnica e a morosidade é grande.

É razoável você ter um técnico para tratar de um cadastro com 180 famílias?

Não, não é razoável. Qualquer instituição pú-blica precisa ter um aten-dimento que cumpra a po-lítica a que se destina, de forma eficiente. O ministé-rio público e a magistratu-ra tem que dar o exemplo

de agilidade. Eu acho que o que melhorou foram: a existência de audiência concentrada e a obrigação da revisão dos processos a cada seis meses. Eu acho que essas coisas de certa forma trouxeram luz para o tema, ainda não estão funcionando a mil mara-vilhas do ponto de vista de esvaziar abrigo, como a gente queria. Mas trou-xeram uma obrigatorieda-de de ação desses entes, a formação de um plano de acompanhamento da situ-ação dessas crianças, então que certa forma documen-ta a história da criança na

instituição, que vai narrar os esforços de reintegração familiar, se for prudente. O que acontece hoje é que essa lei ela aterrissa no caos, num sistema em que as pessoas se acostuma-ram a andar lentamente e não ter pressa. No caso da infância é necessário que se tenha pressa.

Ainda tem muita criança crescendo em abrigo e sendo subme-tida a tentativas repe-tidas de reinserção fa-miliar?

Ainda tem muita crian-ça crescendo em abrigo.

Em nome da reintegra-ção familiar e da tentati-va de colocação, quando na verdade o que se faz é não se fazer nada, deixar a criança lá e fazer arreme-dos de aproximação com famílias, onde a recupe-ração é bastante impro-vável. Sempre errando em favor do adulto e nunca a favor da criança. E é por isso que ainda há crianças crescendo em abrigos.

De que forma toda essa situação das crianças pode melho-rar? Onde a Justiça e a sociedade devem in-vestir?

Eu acho que essas mu-danças vão ter efeito a mé-dio e longo prazo. Com as audiências concentradas vai ficar claro que as ten-tativas de reinserção fami-liar não podem ser feitas de forma exagerada, situ-ações que fazem a criança sofrer várias vezes. É uma mudança de paradigma que a gente está começan-do a viver. Mas ainda as pessoas agem de forma muito demagógica. Não é em função da pobreza que se perde a criança, é em função da falta de cuida-do que se perde a criança, a análise é mais objetiva. Em razão da falta de afe-to dessa família, eu provo que eu tenho afeto quando eu limpo, eu mando para a escola, eu educo. Geral-mente a família não exis-te, ela é desestruturada, muitas vezes é uma mãe que tem filhos com várias pessoas diferentes, que é depende de drogas, que se prostitui, não se interessa em manter o filho, porque o filho atrapalha essa vida que ela leva. E em vez de ter que julga-la, condena--la a perder a sua “coisa” eu simplesmente decido que a criança tem direito a viver uma relação que a proteja. Então o foco não é condenar essa mãe, é pro-teger a criança. Até nisso o processo de destituição tem que ser mais huma-nizado. A criança é um ser humano que tem mais di-reitos porque é um ser em formação.

A institucionaliza-ção de uma criança, ou seja, manter uma criança em abrigos não é solução. Você acha que a sociedade e a Justiça já tem plena consciência disso ou ainda tem quem defen-da isso como solução?

Eu acho que a socie-dade ainda aceita passi-vamente. Não acho que tenha gente que defenda isso, mas poder ser, tem gente que defende o na-zismo.

O que acontece com uma criança que vive em abrigo?

É muito triste, é uma criança que não pertence a ninguém, não se rela-ciona com as pessoas num patamar de sujeito de di-reitos, sujeito de afeto, de ser amada, agraciada, que tem um nome, que tem um olhar, uma forma de ser tratada especial. Ela é mais uma, num ambiente coletivo, que os psicólogos cansaram de comprovar isso, é nefasto, é devasta-dor, para o sistema cogni-

GABRIELA DE PALHANOEspecial para O Estado

ADOÇÃO8 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Perto está a salvação que Ele trará aos que o temem, e a sua glória habitará

em nossa terra. SALMOS 85:9

Sávio Bittencourt é Procurador de Justiça na Infância e Juventude do Estado do Rio de Janeiro. Ele é es-critor, autor de cinco livros, entre eles, o Manual do Pai Adotivo, pro-

fessor, consultor em meio ambiente e sus-tentabilidade e pai de cinco filhos, três bi-ológicos, todos adotados. Nesta entrevista, Sávio Bittencourt fala, sem meias palavras, sobre os problemas dos processos de adoção no Brasil, chama de crime e nazismo manter criança em abrigo e conta com sinceridade como é ter uma família colorida.

Acredito que o processo de adoção não pode demorar mais de nove meses, que é o período de uma gestação

FOTO GABRIELA DE PALHANO

ADOÇÃO8 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A fidelidade brotará daterra, e a justiça descerádos céus. SALMOS 85:11

Page 9: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 9Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Senhor nos trará bênçãos, e a nossa terra dará a sua co-lheita. SALMOS 85:12

tivo, para sua inteligên-cia, para a sua formação, para a sua saúde. Quantas crianças estão doentes e são adotadas e se curam de doenças num espaço de tempo pequeno, impensá-vel, num curto espaço de tempo, porque o que cura é a existência do amor, é a existência do cuidado.

Para o sistema de adoção funcionar o que é importante se ter em mente?

A gente tem que ter um sistema que trata a crian-ça como a pessoa principal das relações que ela vive. Quem é mais importante nesse processo é a criança, não é o pai e a mãe, nem os pretendentes a ado-ção. Quando ela está nes-se papel principal, todo o processo é para ver o que é melhor para ela. Se a fa-mília de origem é amoro-sa, caiu o barraco da famí-lia e teve que abrigar um mês, é uma coisa, mas há amor, há afeto. Agora sair convencendo as pessoas a amar, ensinando as pesso-as a amar é uma pretensão completamente descabi-da, e até um preconceito com essa pessoa que não quer o filho. A mãe acaba fazendo um discurso poli-ticamente correto de que ama o seu filho, quando na verdade os atos dela mos-tram que ela está preocu-pada com outras coisas. Quer se convencer a amar, inventam que o problema é a falta de políticas pú-blicas. Há muitos lugares com políticas funcionan-do, bolsa família, escola, moradia, tratamento para dependência. Não é fácil sair de uma situação de

drogas, e ninguém pode congelar a criança até que a mãe melhore para cuidar dela. É romântico demais para se sacrificar uma in-fância inteira. A gente ter que passar a errar em fa-vor da criança, e dar essa criança para uma família previamente habilitada, disposta a amar, disposta a tratar com carinho, sem ter que condenar a mãe biológica por isso.

Como é uma família adotiva?

É uma família como as outras, que tem os mesmos problemas. A adoção não é motivo para nenhuma distinção da ordem afetiva que se estabelece. Quando se tem filhos biológicos e adotivos é muito comum que as pessoas perguntem: mas eles se gostam? Os ir-mãos, eles brigam? É claro que eles brigam, eles são irmãos e como irmãos eles brigam como todo irmão. Eles se ajustam, eles se protegem, eles se amam, e eles brigam, nessa relação que é a família, simbióti-ca, pessoas que se ajudam, que ao mesmo tempo com-petem e fazem as pazes. O ambiente é esse, não há uma família ideal, as famí-lias de verdade elas tem es-ses problemas. E a família adotiva quando resolve fa-lar da adoção abertamente, quando resolve celebrar a adoção, em vez de escon-der, ela se torna, aí sim, um pouco diferente porque ela celebra o fato de você amar a pessoa que não gerou e que nem teria a capacidade de gerar. O mais legal é isso, é que você ama profunda-mente aquela pessoa, que você não gerou, e jamais

sairia do seu cromossomo. Só a adoção, esse encontro mágico, pode trazer a con-vivência com uma pessoa que é essencial para você, e que foi gerada por outra pessoa, e que é diferente, tem outra cor. São famílias coloridas, em que as pes-soas não baseiam a sua re-lação de amor apenas nas relações de semelhança física e de identidade de cromossomos. Deram um chute no pau da barraca que essa bobagem, e resol-veram amar livremente, o que é melhor.

Muitas pessoas tem preconceito contra adoção porque os fi-lhos vão querer conhe-cer os pais biológicos, ou por que as crianças serão mais difíceis?

Primeiro eles acham que os filhos adotivos vão te matar. Aquela menina Suzana Richthofen que matou os pais era filha bio-lógica, não adotiva. Não se herda o mal ou o bem, se aprende, é da convivência. É claro que se você mimar uma criança em vez de educar vai dar problema ou em vez de adotar, criar. Criança adotada não é filho de criação, criança adotada é filho de verdade. Agora com relação a informação sobre família biológica é natural, e é um direito. Isso deve ser enfrentado com as crianças com as crises que são inerentes a essa busca. Com treze anos, ele pode querer saber porque foi abandonado, porque foi entregue. Mas quando você semeia amor nunca se perde a colheita. Então um pai adotivo que passa por isso, deve se co-

locar a disposição. É que é mais uma curiosidade, o filho não vai embora, mo-rar com a mãe biológica, nem em novela isso é dito mais. É mais uma resposta para fechar uma lacuna, é mais uma resposta da sua própria história, do que qualquer questionamento ao amor do pai adotivo. Tem que se falar aberta-mente sobre adoção, e se dá o direito de contar essa história. Conheço crianças que quiseram ir atrás dessa história e outras que não, que disseram não quero ir, não quero saber disso agora porque está embara-lhando minha cabeça, que-ro fazer vestibular, quero fazer outra coisa. É uma

decisão que o filho tem que tomar quando crescer e o pai tem que mostrar toda a segurança do mundo, ele investiu amor demais não vai perder sua colheita.

O que você diria hoje para uma famí-lia que está pensando neste momento em adotar?

Só adote plenamente convencido de que essa é a melhor solução. Eu sem-pre fui um incentivador da adoção, mas a adoção não é um oba-oba, nem um passeio no País das Mara-vilhas. Filho dá trabalho, filho faz pirraça, perde ano na escola, filho fuma atrás da igreja. Você vai

ter que exercer a paterni-dade com a maior autori-dade, sem medo, e a gente comete muito erro nesse processo, é um processo de aprendizado, quando você acha que aprendeu, o filho muda porque cres-ceu, e você desaprende, então é algo que você tem que rearranjar, o tempo inteiro. Agora é importan-te lembrar, a adoção não foi feita para fazer carida-de, a adoção não foi feita para consertar casamento, nem para suprir carência. Se for isso parte para um apadrinhamento, vai con-tar história num abrigo, adoção não é teste drive, adoção é para sempre. A pessoa que vai adotar ela tem que saber que ela tem uma jazida de afeto no pei-to dela, que ela pode dar a criança e que é de verdade, que não é modismo. Dito isso, depois desse pres-suposto que estou falan-do, venha porque é uma coisa maravilhosa, venha porque muda a sua vida, é revelador, é motivador, é emocionante, é algo que como não acontece comu-mente, porque geralmente você tem filho procriando, traz tanta coisa nova, tanta energia, tanta coisa positi-va, você gostar de alguém diferente de você, alguém que não saiu das suas en-tranhas, que você não produziu fisicamente, que acaba você vendo o mundo diferente, mudando outras áreas da sua vida. Embo-ra esse não seja o papel da criança, o fato de você amá-la transforma você numa pessoa melhor.

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A adoção não é motivo para nenhuma distinção da ordem afetiva

FOTO GABRIELA DE PALHANO

Page 10: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO É O PRIMEIRO “SIM” FUNDAMENTAL A UMA VIDAA maior beneficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas filhas, certamente. Todos temos ligações. Todos somos filhos

C

M

Y

CM

MY

CY

CMY

K

Torradas_OESTADO 29,5X26,5.pdf 1 10/12/15 17:00

Sobre o universo observável exis-tem afirmações que ele tem vida própria, e os pla-

netas podem ser assumi-dos por galáxias as quais não são originários, inclu-sive pela Via Láctea, a qual faz parte o nosso Sistema Solar. Nada vive só no uni-verso. Tudo se entrelaça. Faz conexão. Algumas es-trelas também escapolem do seu local de nascimento e são adotadas por outras galáxias. No universo, tudo vive em equilíbrio. Ele é livre e se depende para se expandir. Podemos então perceber que a adoção é também uma prática side-ral, é uma dádiva absorvi-da pelo ser humano, é um caminho sensível e lumi-noso, é uma construção de novos mundos, como nos revela Dora Andrade, ide-alizadora da Edisca – Es-cola de Desenvolvimento Humano para Criança e Adolescente, reconhecida internacionalmente pela proposta de transformar vidas por meio da dança.

A Adoção é surpreen-dente! Em cada fase do desenvolvimento da crian-ça percebo o quanto o ser humano é admirável. Quando aparece o primei-ro dentinho, quando uma criança engatinha, fica

em pé, dar os primeiros passos, fala as primeiras palavras, expressa o pri-meiro pensamento inte-ligente e com conteúdo... Não existiu um dia na vida de minhas filhas que elas não soubessem que eram adotivas. Eu escrevi um livro bordado para as mi-nhas duas filhas adotivas contando a história delas.

Eu criava músicas e canta-va a história delas. Então elas sempre souberam de forma muito natural que eram adotadas. Não teve um marco assim: hoje eu vou contar para as meni-nas. Isso nunca aconteceu.

Quando Dora Andra-de adotou suas duas fi-lhas, Ana Isabel Holanda

de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, hoje com 17 e 9 anos, respecti-vamente, ela se encontra-va solteira. Com a chegada de Gilberto de Holanda Vasconcelos Filho em sua vida, elas também passa-ram a fazer parte da histó-ria de vida dele:

O Professor Antônio

Carlos Gomes da Cos-ta, que é um conceituado educador, foi conselheiro da Edisca durante mui-tos anos. Ele é padrinho da minha filha Isabel. Em nossas conversas ele falava que toda criança precisa ser adotada, até as biológicas. A adoção é ato de amor, e de respon-sabilidade para com uma

pessoa. Então Adoção é o primeiro SIM, o sim fun-damental que você dá a uma pequena vida. Eu tive uma imensa emoção ao ver cada uma das mi-nhas filhas pela primeira vez. Para mim, foi uma felicidade única, uma sensação de felicidade in-concebível, uma alegria misturada com senso de responsabilidade muito grande para com o des-tino de cada uma delas, e também um sentimen-to profundo de gratidão, uma gratidão a Deus, aos Anjos, aos Deuses, a vida e a tudo, porque essas me-ninas foram um divisor de águas em minha vida. Posso afirmar que elas me salvaram porque preen-cheram de sentido a minha vida. Não só a mim, como também ao pai delas.

Desde criança, Isabel, sua primeira filha adotiva, aprendeu a conviver com assuntos referentes a dan-ça, com plantas e árvores regadas no jardim de sua casa, a desenvolver víncu-los afetivos pelos animais, desde formigas a coelhos, galinhas, gatos e cachor-ros. Menina cheia de vida acompanhava sua mãe nas frequentes viagens, mes-mo antes de completar um ano de idade, e pro-vavelmente foi assim que absorveu o sentido dos li-mites e responsabilidades pelo fazer e o realizar. Não

optou pela arte de ser bai-larina, no entanto tem na alma o sentimento aguça-do da solidariedade.

Os constantes compro-missos profissionais de Dora Andrade pelo Brasil e exterior jamais dificul-taram sua relação com as filhas. Sempre há uma boa conversa com as duas sobre as definições de seu dia a dia à frente dos projetos da Edisca, o que a retém den-tro de um grande desafio:

Eu sempre trabalhei

muito. As minhas duas filhas, ambas chegaram com dois dias de vida. Eu nunca tirei um dia de licen-ça maternidade, mesmo tendo igual direito de uma mulher que tenha parido, nunca tirei um único dia de licença maternidade. Eu não tinha condições de me afastar nesses momentos da Edisca. Eu trabalhava direto. Então foi um perí-odo de extremo cansaço. Isabel, a minha primeira filha teve a sua primeira noite inteira de sono so-mente após dois anos. Ela tinha muita dificuldade para dormir. Mesmo que se tenha uma babá para ajudar é impossível você dormir ouvindo o choro de uma criança. Nesse pe-ríodo, eu vivia com muito sono, muito cansada, mes-mo que elas ficassem du-rante o dia na creche.

A casa de Dora Andra-

de é um lugar mais para descanso, espaço de me-ditação, reintegração com a natureza, embora por lá passem alguns amigos para falar sobre arte, filo-sofia, declamar poesia, ou-vir boa música, saborear de sua gastronomia. Sim, Dora Andrade também tem mãos e gosto apurado para essa bendita arte de se ali-mentar, tanto para nutrir o corpo quanto o espírito.

Somente quinze anos depois chegou Dora Alice, da cor do chocolate, silen-ciosa, os olhinhos miúdos e sossegados. Até hoje Dora Alice fala com o silêncio. Ela tem paixão pelo dese-nho, brinca sozinha horas a fio, é aplicada nos estudos, cumprimenta as visitas e escuta algumas conversas tão naturalmente. Às ve-zes imita os grunhidos das aves, dos cachorros e ga-tos que se espalham pelo imenso jardim da casa. Ela sobe e desce a escada que dá para o primeiro andar com desenvoltura e ele-gância. Tem olhos repletos de inteligência e sagacida-de. Dora Alice tem o mun-do dela, que se mistura com muitos outros, que interage com os pais, com os amigos da escola, com os amigos da família, com a irmã Isabel.

A família de Dora An-drade interage com facili-dade com a arte e com os formatos do pensar. Es-tão sempre juntos, mãe,

irmãos e suas filhas, so-mando-se, trocando re-flexões. A solidariedade está na energia emanada entre eles. Não gostam de proibir, preferem orientar, questionar, trazer novida-des para a relação cotidia-na. Nada sempre tão per-feito assim, pois também se ocuparam em aprender a lidar com pontos de vis-tas diferentes dentro de casa, com o frio que dá pela possibilidade de não cumprir as metas sociais da Edisca, com as preocu-pações ofertadas cotidia-namente pelo viver.

A vida será para Dora Andrade sempre uma re-alidade, consciência so-lidariedade, imensurável gratidão:

Todos estamos apren-dendo sobre os limites do mundo e suas responsabi-lidades. Jamais encontrei empecilhos para legali-zar a Adoção. Eu tenho guardado o parecer do Juiz quando ele finaliza o processo de adoção. Mui-to lindo o que escreveu. Chorei muito quando li o parecer. Não gastei um único centavo. Fui pelos trâmites normais.

Na minha experiência de adoção fui muito bem sucedida. Encheu a minha vida de sentido. Para mim existem ligações muito mais importantes que a genética. É muito legítima adoção de um ser huma-

no. Também não vejo o ato de adoção como uma generosidade. De forma particular, a maior bene-ficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas fi-lhas, certamente. Todos temos ligações. Todos so-mos filhos.

A minha filha Isabel pensa muito em não ter filhos biológicos. Talvez os tenha, mas, tendo ou não, ela pretende adotar.

Isabel é moça bonita e repleta de sensibilidade, tem a cor da pele branca--perolada, os cabelos com-pridos que lembram o talhe da palmeira, como assim o escritor José de Alencar descreveu a índia Tabajara Iracema. Seus olhos bri-lhosos refletem perspicácia e alegria, e bem abertos, acentuam com desmesura o modo de pensar:

Ser adotada represen-tou tudo para mim porque basicamente não saberia como seria minha vida se eu não estivesse adotada, e com a oportunidade que eu tenho de conhecer pes-soas tão significativas. Para mim, foi muito im-portante ser adotada. Eu não tenho vontade de co-nhecer a minha mãe bioló-gica, o meu pai biológico. Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cui-dou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!

Quando Dora adotou suas duas filhas, Ana Isabel Holanda de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, ela se encontrava solteira

Um sentimento profundo de gratidão a Deus

GYLMAR CHAVESEspecial para O Estado

ADOÇÃO10 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Pois tu és grande erealiza feitos maravilhosos;

só tu és Deus! SALMOS 86:10 ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 11Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

De todo o meu coração te louvarei,Senhor, meu Deus; glorificarei o teunome para sempre. SALMOS 86:12

Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cuidou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!FOTO IRATUÃ FREITASFOTO IRATUÃ FREITAS

Page 11: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO É O PRIMEIRO “SIM” FUNDAMENTAL A UMA VIDAA maior beneficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas filhas, certamente. Todos temos ligações. Todos somos filhos

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Torradas_OESTADO 29,5X26,5.pdf 1 10/12/15 17:00

Sobre o universo observável exis-tem afirmações que ele tem vida própria, e os pla-

netas podem ser assumi-dos por galáxias as quais não são originários, inclu-sive pela Via Láctea, a qual faz parte o nosso Sistema Solar. Nada vive só no uni-verso. Tudo se entrelaça. Faz conexão. Algumas es-trelas também escapolem do seu local de nascimento e são adotadas por outras galáxias. No universo, tudo vive em equilíbrio. Ele é livre e se depende para se expandir. Podemos então perceber que a adoção é também uma prática side-ral, é uma dádiva absorvi-da pelo ser humano, é um caminho sensível e lumi-noso, é uma construção de novos mundos, como nos revela Dora Andrade, ide-alizadora da Edisca – Es-cola de Desenvolvimento Humano para Criança e Adolescente, reconhecida internacionalmente pela proposta de transformar vidas por meio da dança.

A Adoção é surpreen-dente! Em cada fase do desenvolvimento da crian-ça percebo o quanto o ser humano é admirável. Quando aparece o primei-ro dentinho, quando uma criança engatinha, fica

em pé, dar os primeiros passos, fala as primeiras palavras, expressa o pri-meiro pensamento inte-ligente e com conteúdo... Não existiu um dia na vida de minhas filhas que elas não soubessem que eram adotivas. Eu escrevi um livro bordado para as mi-nhas duas filhas adotivas contando a história delas.

Eu criava músicas e canta-va a história delas. Então elas sempre souberam de forma muito natural que eram adotadas. Não teve um marco assim: hoje eu vou contar para as meni-nas. Isso nunca aconteceu.

Quando Dora Andra-de adotou suas duas fi-lhas, Ana Isabel Holanda

de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, hoje com 17 e 9 anos, respecti-vamente, ela se encontra-va solteira. Com a chegada de Gilberto de Holanda Vasconcelos Filho em sua vida, elas também passa-ram a fazer parte da histó-ria de vida dele:

O Professor Antônio

Carlos Gomes da Cos-ta, que é um conceituado educador, foi conselheiro da Edisca durante mui-tos anos. Ele é padrinho da minha filha Isabel. Em nossas conversas ele falava que toda criança precisa ser adotada, até as biológicas. A adoção é ato de amor, e de respon-sabilidade para com uma

pessoa. Então Adoção é o primeiro SIM, o sim fun-damental que você dá a uma pequena vida. Eu tive uma imensa emoção ao ver cada uma das mi-nhas filhas pela primeira vez. Para mim, foi uma felicidade única, uma sensação de felicidade in-concebível, uma alegria misturada com senso de responsabilidade muito grande para com o des-tino de cada uma delas, e também um sentimen-to profundo de gratidão, uma gratidão a Deus, aos Anjos, aos Deuses, a vida e a tudo, porque essas me-ninas foram um divisor de águas em minha vida. Posso afirmar que elas me salvaram porque preen-cheram de sentido a minha vida. Não só a mim, como também ao pai delas.

Desde criança, Isabel, sua primeira filha adotiva, aprendeu a conviver com assuntos referentes a dan-ça, com plantas e árvores regadas no jardim de sua casa, a desenvolver víncu-los afetivos pelos animais, desde formigas a coelhos, galinhas, gatos e cachor-ros. Menina cheia de vida acompanhava sua mãe nas frequentes viagens, mes-mo antes de completar um ano de idade, e pro-vavelmente foi assim que absorveu o sentido dos li-mites e responsabilidades pelo fazer e o realizar. Não

optou pela arte de ser bai-larina, no entanto tem na alma o sentimento aguça-do da solidariedade.

Os constantes compro-missos profissionais de Dora Andrade pelo Brasil e exterior jamais dificul-taram sua relação com as filhas. Sempre há uma boa conversa com as duas sobre as definições de seu dia a dia à frente dos projetos da Edisca, o que a retém den-tro de um grande desafio:

Eu sempre trabalhei

muito. As minhas duas filhas, ambas chegaram com dois dias de vida. Eu nunca tirei um dia de licen-ça maternidade, mesmo tendo igual direito de uma mulher que tenha parido, nunca tirei um único dia de licença maternidade. Eu não tinha condições de me afastar nesses momentos da Edisca. Eu trabalhava direto. Então foi um perí-odo de extremo cansaço. Isabel, a minha primeira filha teve a sua primeira noite inteira de sono so-mente após dois anos. Ela tinha muita dificuldade para dormir. Mesmo que se tenha uma babá para ajudar é impossível você dormir ouvindo o choro de uma criança. Nesse pe-ríodo, eu vivia com muito sono, muito cansada, mes-mo que elas ficassem du-rante o dia na creche.

A casa de Dora Andra-

de é um lugar mais para descanso, espaço de me-ditação, reintegração com a natureza, embora por lá passem alguns amigos para falar sobre arte, filo-sofia, declamar poesia, ou-vir boa música, saborear de sua gastronomia. Sim, Dora Andrade também tem mãos e gosto apurado para essa bendita arte de se ali-mentar, tanto para nutrir o corpo quanto o espírito.

Somente quinze anos depois chegou Dora Alice, da cor do chocolate, silen-ciosa, os olhinhos miúdos e sossegados. Até hoje Dora Alice fala com o silêncio. Ela tem paixão pelo dese-nho, brinca sozinha horas a fio, é aplicada nos estudos, cumprimenta as visitas e escuta algumas conversas tão naturalmente. Às ve-zes imita os grunhidos das aves, dos cachorros e ga-tos que se espalham pelo imenso jardim da casa. Ela sobe e desce a escada que dá para o primeiro andar com desenvoltura e ele-gância. Tem olhos repletos de inteligência e sagacida-de. Dora Alice tem o mun-do dela, que se mistura com muitos outros, que interage com os pais, com os amigos da escola, com os amigos da família, com a irmã Isabel.

A família de Dora An-drade interage com facili-dade com a arte e com os formatos do pensar. Es-tão sempre juntos, mãe,

irmãos e suas filhas, so-mando-se, trocando re-flexões. A solidariedade está na energia emanada entre eles. Não gostam de proibir, preferem orientar, questionar, trazer novida-des para a relação cotidia-na. Nada sempre tão per-feito assim, pois também se ocuparam em aprender a lidar com pontos de vis-tas diferentes dentro de casa, com o frio que dá pela possibilidade de não cumprir as metas sociais da Edisca, com as preocu-pações ofertadas cotidia-namente pelo viver.

A vida será para Dora Andrade sempre uma re-alidade, consciência so-lidariedade, imensurável gratidão:

Todos estamos apren-dendo sobre os limites do mundo e suas responsabi-lidades. Jamais encontrei empecilhos para legali-zar a Adoção. Eu tenho guardado o parecer do Juiz quando ele finaliza o processo de adoção. Mui-to lindo o que escreveu. Chorei muito quando li o parecer. Não gastei um único centavo. Fui pelos trâmites normais.

Na minha experiência de adoção fui muito bem sucedida. Encheu a minha vida de sentido. Para mim existem ligações muito mais importantes que a genética. É muito legítima adoção de um ser huma-

no. Também não vejo o ato de adoção como uma generosidade. De forma particular, a maior bene-ficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas fi-lhas, certamente. Todos temos ligações. Todos so-mos filhos.

A minha filha Isabel pensa muito em não ter filhos biológicos. Talvez os tenha, mas, tendo ou não, ela pretende adotar.

Isabel é moça bonita e repleta de sensibilidade, tem a cor da pele branca--perolada, os cabelos com-pridos que lembram o talhe da palmeira, como assim o escritor José de Alencar descreveu a índia Tabajara Iracema. Seus olhos bri-lhosos refletem perspicácia e alegria, e bem abertos, acentuam com desmesura o modo de pensar:

Ser adotada represen-tou tudo para mim porque basicamente não saberia como seria minha vida se eu não estivesse adotada, e com a oportunidade que eu tenho de conhecer pes-soas tão significativas. Para mim, foi muito im-portante ser adotada. Eu não tenho vontade de co-nhecer a minha mãe bioló-gica, o meu pai biológico. Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cui-dou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!

Quando Dora adotou suas duas filhas, Ana Isabel Holanda de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, ela se encontrava solteira

Um sentimento profundo de gratidão a Deus

GYLMAR CHAVESEspecial para O Estado

ADOÇÃO10 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Pois tu és grande erealiza feitos maravilhosos;

só tu és Deus! SALMOS 86:10 ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 11Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

De todo o meu coração te louvarei,Senhor, meu Deus; glorificarei o teunome para sempre. SALMOS 86:12

Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cuidou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!FOTO IRATUÃ FREITASFOTO IRATUÃ FREITAS

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ADOÇÕES CRESCEM NO CEARÁOs processos de Adoção saíram das estantes e passaram a dar vida ao sonho de crianças e adolescentes

A esperança de 415 crianças abrigadas no Ceará, à espera de uma famí-

lia, pode estar com os dias contados. Desde a especia-lização da 3ª Vara da In-fância e da Juventude, que tem à frente a juíza coor-denadora Maria Alda Ho-landa, ocorrida em junho de 2014, a unidade passou a ser responsável tanto pelo julgamento de proces-sos cíveis, por pedidos de guarda e tutela, ações de destituição do poder fami-liar, como por requerimen-tos de adoção. Com isso, os processos, mesmo que de forma ainda não ideal, saíram das estantes e pas-saram a dar vida ao sonho de crianças e adolescentes, que vivem a dura realida-de de não ter uma família. Esse passo já significa algo para quem antes não tinha quase nada.

Quase 100% a maisEm 2014, foram efetiva-

das 17 adoções em Forta-leza. Em 2015, até o dia 11 de novembro, haviam sido finalizadas 28 adoções, quase 100% a mais que ano passado. Isso sem contar as adoções em andamen-to, que somam 39, ou seja, são pretendentes que já estão com a guarda provi-sória da criança e a adoção definitiva já está bem en-

caminhada. “Foi um salto muito grande, não só com a relação à quantidade de adoções, mas com relação à idade das crianças. Nesse ano, crianças com menos de dois anos, foram desti-tuídas, o que é bem mais rápido. Conseguimos ado-ção de grupos de irmão, de 7 e 8 anos, as chamadas adoções tardias, que antes eram mais difíceis e agora estão mais fáceis, disse a chefe do setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Fórum Clóvis Bevilá-qua, Gabriella Costa.

Atualmente, há 178 pes-

soas cadastradas para a adoção e 65 crianças e/ou adolescentes disponíveis. A expectativa, segundo ela, é que vá ocorrendo ainda mais redução de crianças desabrigadas. “Temos, aproximadamente, 22 crianças recebendo visitas. Nesta semana vinculamos uma criança, um menino, de 4 anos e 5 meses a um casal que se habilitou em agosto”, comemorou a agi-lidade do processo.

Mudar o perfilNa visão de Gabriella

Costa, um dos entraves

para que as adoções sejam mais céleres ainda é a es-colha do perfil. “ Às vezes converso com eles e brin-co: se você engravidasse, poderia escolher? Nosso papel não é fazer julga-mento, mas orientar e co-locar a realidade. Não há garantias de ter um filho perfeito, mas não nos cabe interferir, apenas mostrar os dados”, disse.

“Hoje um casal queria uma criança de até seis meses. Mas não é assim. Muitas vezes uma crian-ça de 2 ou 3 anos abriga-da exige muita atenção porque elas não são de-vidamente estimuladas e ainda requerem grandes cuidados. Algumas com 4 anos ainda usam fraldas. Então conversando com eles expliquei a situação e no final eles mudaram o perfil para um ano”, expli-cou Gabriella Costa.

Bom sensoA iniciativa da chefe do

cadastro do Fórum Cló-vis Beviláqua que, com uma conversa com um casal conseguiu mudar o perfil por eles desejado é, sem dúvida, louvável, e demonstra que poucas palavras, um pouco de bom senso e boa vontade pode mudar para sempre a história de vida de uma criança. O fato é que há um total de 178 pessoas cadastradas, mas só uma servidora do setor de Ca-dastro, o que dificulta todo

o processo. O defensor público Al-

fredo Homsi concorda que a escolha do perfil ainda seja um entrave. “A faixa etária, de 0 a 5 anos, do sexo feminino, cor clara e sem doença considera-da de gravidade é o mais procurado. Há grande nú-mero de crianças e adoles-centes institucionalizados, mas com faixa etária su-perior a cinco anos, esse grupo não está dentro do perfil desejado por quem busca adoção. Nem sem-pre se enquadra. Acaba que vão permanecendo nas unidades sem concre-tizar o desejo de ter uma família”, lamenta.

Falta servidoresPara o defensor públi-

co Tibério Melo, o perfil é um problema. “Alguns perfis são preteridos. Há perfis mais solicitados que outros, infelizmente”, disse. No entanto, talvez nenhum problema seja maior do que a falta de servidores e infraestru-tura. “Nem a Defensoria Pública, nem Poder Judi-ciário receberam reforços nos últimos anos, ou seja, a demanda aumenta, mais a quantidade de servido-res para dar impulso aos processos é a mesma. A equipe multidisciplinar precisa se desdobrar, pois não há suporte”, critica.

Final felizSão muitas histórias,

afinal, são muitas vidas à espera de uma família em Fortaleza. Como num conto no qual o escritor pode criar finais felizes, a vida imita a arte e per-mite as pessoas abrirem seus corações. Foi assim para um casal que pro-curou o setor de cadastro do Fórum no último mês. “Em uma sexta-feira um casal chegou aqui e que-ria uma criança com até 4 anos. Mostrei gêmeas, com 5 anos e meio. Não tinha pretendentes para elas e já íamos ligar para o interior à procura de pretendentes. Eles foram embora, pois não aceita-ram a idade das meninas, além do mais só queriam uma criança e não duas. Na segunda-feira volta-ram aqui e pediram para mudar o perfil. Disseram que as crianças não tinha saído de suas cabeças. A adoção tem tudo para se concretizar”, acredita Ga-briella Costa.

No meio de histórias escritas pela tristeza e de-samor, algumas emocio-nam e ajudam a transfor-mar vidas. Que histórias como essa sejam reprises da vida real e continuem dando esperança para as crianças e adolescentes abrigadas. Que a cada ano, o Ceará possa come-morar números expressi-vos de adoções.

FONTE: SETOR DE CADASTRO DO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA

ANO ADOÇÕES2010 082011 212012 122013 14 2014 172015 28

ADOÇÕES NO ESTADOAté novembro de 2015

Obs: Neste ano de 2015, as adoções em anda-mento somam 39; adotantes que já estão com a guarda provisória da criança

PRETENDENTES HABILITADOS ATIVOSNacional 33.080Estadual 379Fortaleza 178

CRIANÇAS DISPONÍVEISNacional 6.247Estadual 169Fortaleza 65

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ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 13Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sim Senhor, tu és o nossoescudo, ó Santo de Israel, tués o nosso rei. SALMOS 89:18

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

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EXISTEM ÊXITOS QUE DÃO CERTO DE OUTRA FORMANuma manhã, Cristiana teve o ímpeto de se dirigir ao Fórum para indagar a respeito dos processos de adoção

Cristiana Maria Cabral Figueire-do é uma moça cheia de beleza, extrovert ida ,

fisioterapeuta que ama a profissão, proveniente da cidade do Baturité.

Ela reside num aparta-mento de onde podemos apreciar os aviões reali-zando a aproximação para o pouso no Pinto Martins. Com destreza, ela se mo-vimenta por toda a sala, e abre a cortina cor do cre-me para deixa-la em co-nexão com o vento. Neste simpático ambiente está uma mesinha própria para criança com uma cadeiri-nha alegre. Cristiana é mu-lher de mínimos detalhes!

Despertada para a ado-ção por um caminho que deu certo de outra forma, já trabalhava trabalhar com bebês prematuros na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, quando se deparou com o fato de uma mãe ter concedido à luz a uma criança, e tê-la aban-donada logo no outro dia.

Saulo nascera extre-mamente belo, e todos do hospital ficaram apaixo-nados por ele, o que dei-xou Cristiana apavorada, pois à cada dia um desejo incontrolável de ser mãe se apoderou dela: “Eu es-tava solteira e a partir da-quele momento se desen-volveu em mim a vontade corrente de ter um bebê... De adotar um bebê... e eu passei a ter medo da pos-sibilidade de alguém tam-bém se interessar por ele.”

Numa manhã, ao sair de casa, Cristiana teve o ímpeto de se dirigir ao Fórum para se indagar a respeito dos processos de adoção: “O promotor me disse que inicialmente eu teria de fazer um cadastro, e que o referido bebê sai-ria da maternidade direto para o abrigo”.

Cristiana não se conte-ve. Uma tristeza se abateu sobre ela acompanhada de

intenso choro. Como ja-mais foi de desistir de algo em sua vida, resolveu ir à luta. Nesse caminho sur-giu em seu sentimento o desejo possível de reinte-grá-lo a família, e, se caso não conseguisse, tornar--se sua mãe adotiva: “Ao encontrar o pai do Saulo, ele me disse que não tinha mais contato com a mãe... Mas, eu senti algo estra-nho, como se estivesse omitindo alguma preciosa informação”.

Na verdade, a mãe de Saulo, que à época tinha 22 anos, morava com os pais no município de Ita-piúna quando se desco-briu grávida. Usando de todos os artifícios para esconder a gestação, ao completar sete meses via-jou para Fortaleza a fim de ter o bebê às escondidas.

No dia que Cristiana foi se encontrar com o pai do Saulo, levara uma foto dele com a intenção de sensibi-lizá-lo. O que algum tempo depois acabou sendo o elo de religação com a famí-lia: “Ele me ligou pedindo a minha ajuda, pois a mãe viu a foto e ficou muito an-gustiada, pedindo por tudo que fosse feito alguma coi-sa para reavê-lo”.

Dissera ainda o pai de Saulo, que o avô desejoso de criar o neto dele tomara partido da filha, e mandou recado para saber como poderia ajudar para isso acontecer, desconstruindo desse modo a possibilida-de de Cristiana adotá-lo, conforme concordara du-rante o primeiro encontro.

Certamente o avô de Saulo sabia a dimensão que causaria seu pedido. Em contato com a mãe, Cristiana a aconselhou que viesse para Fortale-za o mais rápido possível, mesmo porque a criança estava internada pela se-gunda vez com problemas respiratórios em um hos-pital pediátrico.

Juntos, os três se di-rigiram ao Fórum a fim de se informarem como funcionava o processo de reintegração familiar. E

em seguida, para a Casa Abrigo: “Mãe e filho é uma questão de vínculo. Mes-mo o filho sendo biológi-co e a mãe não se dedicar a ele por meio do contato físico, aconchegar, o vín-culo pode ser perdido”.

Nos primeiros instan-tes, mãe de Saulo ficou observando de longe, es-boçando está feliz, embora não demonstrasse aquela emoção intrínseca que há entre mãe e filho: “Ela pe-gava o bebe e me entrega-va na mesma hora. Aí eu dizia, ele é seu...”.

Três vezes por sema-na, Cristiana a levava para visita-lo. Numa das ve-zes, obteve a orientação da Assistente Social que ele poderia ser registrado, mesmo que esse ato não confirmasse ainda a resti-tuição familiar definitiva.

Após um mês receben-do a visita da mãe, Saulo contraiu outra pneumonia e precisou de internação, a terceira desde que nascera.

Com a mãe bastante assustada, Cristiana sem-pre cheia de ímpeto foi ao Fórum conversar com a Defensora, pedir para ela acelerar o processo, pois os pais estavam querendo o filho de volta, e que ela os conhecia, e que a mãe resi-dente no interior do Esta-do estava encontrando di-ficuldades em permanecer na capital. “A Defensora disse que a solução seria os avós pedirem a guar-da temporária da criança, que o Fórum concede por mais ou menos por seis meses. Somente depois de ser constatada a adap-tação os pais ganhariam a guarda definitiva. Que esperassem, pois entraria em contato com a Conse-lheira Tutelar da cidade onde residiam”.

Em poucos dias os avós de Saulo reafirmaram o de-sejo de acolherem a crian-ça: “Eu também telefonei para a Conselheira Tutelar de Itapiúna e pedi para ela acelerar o processo e viesse com os avós para recebe-rem a guarda temporária. Na verdade, eu tinha receio

dele ir a óbito, pois já esta-va se tornando frequente a pneumonia...”

Para Cristiana a emo-ção ao presenciar o rece-bimento do documento da guarda temporária recom-pensou todas as tristezas. Ainda mais com o convite para ser madrinha: “Não me tornei a mãe dele, no entanto fiquei sendo con-siderada uma pessoa da família”.

Saulo se foi, mas, Cris-tiana não desistiu de ser mãe...

Uma vida traz outra vida“A gente inicialmente

preenche uma ficha com todos os dados, escolhen-do o perfil da criança que quer adotar. O meu dese-jo era que tivesse até um ano, independente do sexo e cor. E, caso portasse al-gum problema de saúde, que fosse resolvido”.

Numa de suas férias, Cristiana se encontrava em Porto de Galinhas, quando a psicóloga do Fó-rum telefonou informando de haver uma criança que preenchia os requisitos em termos de perfil por ela indicado. Tinha o nome de Pedro, e perguntou se ela desejava conhece-lo. “Eu desliguei o telefone muito emocionada, completa-mente entregue ao choro. Na verdade não estava mais esperando tanto por essa oportunidade de ado-tar uma criança”.

E como Deus sempre coloca tudo no verdadeiro lugar, nesse mesmo dia, uma amiga de Cristiana, que não tinha conheci-mento sobre o seu desejo de adotar uma criança, postou uma citação bíbli-ca via Instagram: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assustes”. Isaias, 41:10.

Ao ler esse versículo Cristiana sentira a sensa-ção que Deus estava ten-tando lhe dizer: “Eu Sou mãe contigo. Eu Sou pai contigo”.

A mãe de Pedro era usu-ária de craque e também o abandonara em um hospi-

tal. Estava ali na Casa de Jeremias desde os dois me-ses, e já se passara mais de um ano e oito meses para ser liberado e se iniciar o processo de adoção.

“Na realidade, ele não mexeu comigo. Cheguei a sentir que ainda não era a minha criança. Ele tinha uma estética física com-pletamente contrária ao que imaginara, mas, um pensamento forte me to-mou: Meu Deus, porque vou abandonar essa crian-ça da possibilidade de ter uma segunda mãe?”

Na segunda vez que fui visita-lo já me senti con-quistada: “Ele passou suas mãozinhas no meu rosto e depois alisou meu cabe-lo com bastante meiguice, me causando muita emo-ção com aquele gesto de carinho”.

Depois da terceira vez que saíram juntos, Pedro passou a dar escândalo quando Cristiana demons-trava chegado o momento de irem embora. Esse com-portamento mexia muito com ela, que passou a sair do abrigo somente depois que ele pegava no sono.

As segundas-feiras sem-pre chegam, e passados dois meses e meio, ocorreu o primeiro final de semana juntos, quando o escândalo de Pedro ao se despedir de Cristiana foi ainda maior: “Inconsolável nos braços da cuidadora, essa cena mexeu muito comigo, e só me atiçou a vontade de ir conversar com a psicóloga do Fórum”.

Sempre movida por seu ímpeto, logo ao chegar à Maternidade Escola Assis Chateaubriand, ligou para a psicóloga do Fórum e disse que iria entrar com o pedido de guarda tem-porária, mesmo que ela achasse sua decisão pre-coce, ou que colocasse no relatório: “Não desejava mais ver meu filho se sen-tir rejeitado, e repleto de insegurança”.

A psicóloga, depois de ouvi-la fez outra propos-ta. Sinalizou que passas-se mais um mês levando

Pedro todos os finais de semana para sua casa, para continuar observan-do o comportamento dele. Cristiana não aceitou. Dis-se com todas as forças do meu coração materno do sofrimento que seu filho estava passando. “Que não aguentava mais...”

A decisãoTudo parecia sem fim.

Então, Cristiana foi firme em afirmar que com ou sem concordância entraria com o pedido.

Nesse mesmo dia, a Psicóloga e a Assistente Social da Casa de Jeremias disseram-na que a apoia-riam: “A gente envia um relatório sobre a formação do vínculo mãe-filho”.

Duas semanas depois saiu o resultado positivo da solicitação. E Pedro se des-pediu da Casa de Jeremias.

O primeiro mês foi mui-to difícil para Cristiana e para o pequeno Pedro. Ele não queria sair um só instante dos braços dela. Acordava muito pela ma-drugada, chorando, como se estivesse transmitindo certa insegurança. Conse-quentemente, jamais dei-xou de demonstrar carinho. “Ele gosta de cantar, de dançar, e uma das coisas que mais me chama a aten-ção é o avanço dele na parte motora, da percepção, e da linguagem. Hoje ele fala, às vezes fala até demais”.

Pedro ensinou a sua mãe sobre a importância incondicional do carinho, que produz o amor, mu-danças infinitas...

Um belo dia, Pedro e o Saulo se conheceram. E os dois se mostraram nitida-mente enciumados e dispu-taram os espaços mais lúdi-cos da casa, os brinquedos, os afetos maternos...

Mas, Pedro já ensinara a mãe a ser carinhosa até nos momentos mais di-fíceis que a vida impõe, e também a fazê-la perceber que o amor pelos filhos a tudo transcende.

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GYLMAR CHAVESEspecial para O Estado

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 15Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Perto está a salvação que Ele trará aos que o temem, e a sua glóriahabitará em nossa terra. SALMOS 85:9

Cristiana Maria Cabral Figueiredo encontrou Pedro, que estava na Casa de Jeremias desde os dois meses, só foi liberado após um ano e oito meses de espera

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Page 16: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO16 • Fortaleza, Ceará, BrasilSexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Os céus são teus, e tua também é a terra; fundaste o mundo e tudo

o que nele existe. SALMOS 89:11

INFORMAÇÕES QUE PODEMMUDAR A VIDA DE UMA CRIANÇA

A Ordem dos Advogados do Brasil – Sec-cional de São Paulo (OAB-

-SP) editou a cartilha “Ado-ção: Um Ato de Amor”. No documento, que teve au-torização judicial para ser editado, constam mais de 140 perguntas e respostas a respeito da adoção no Bra-sil. Para a confecção da car-tilha, a OAB-SP contou com a colaboração das crianças institucionalizadas da As-sociação Santa Terezinha, de Carapicuíba, interior do Estado. Na cartilha, a ado-ção é separado por tema, que vai desde os aspectos gerais da adoção, passa pelo processo de habilitação e cadastro de pretendentes, estágio e convivência, po-der familiar, processo ju-dicial, adoção internacio-nal, entre outros.

A adoção é um ato que pode mudar a vida de mui-tas crianças. A informação correta ajuda as pessoas a tomarem essa importan-te decisão. Para esclare-cer dúvidas a respeito da adoção, seguem abaixo al-gumas informações, com base na cartilha da Sec-cional de São Paulo, cuja proposta é dar orientação jurídica de qualidade so-bre o processo de adoção.

O que é adoção - É

a única forma admitida por lei de alguém assumir como filho uma criança ou adolescente nascido de ou-tra pessoa. A adoção é re-alizada através do juizado da infância e juventude.

Adoção tardia - É a adoção de crianças maiores.

Quem pode adotar - Segundo o ECA, homens e mulheres, não importa o seu estado civil, desde que sejam maiores de 18 de idade, 16 anos mais velhos do que o adotado. Pesso-as solteiras, viúvas ou di-vorciadas, com modestas, mas estáveis condições socioeconômicas também podem adotar.

Quem pode ser ado-tado - Crianças e adoles-centes que, por alguma razão, teve o vínculo fami-liar rompido e encontra-se disponível para adoção

Duas pessoas po-dem adotar uma mes-ma criança - Sim, des-de que sejam casadas ou vivam em união estável e uma delas tenha no míni-mo 18 anos de idade.

Adotar criança sen-do solteiro - A lei não prevê distinção entre sol-teiro e casado. Tanto um como o outro deverá ser avaliado pela equipe téc-nica da vara da infância e juventude para que seja

verificada a capacidade de escolher, amar e educar uma criança. Esse estudo psicossocial será submeti-do ao magistrado, que de-cidirá sobre a conveniência da habilitação solicitada.

Pessoas separadas ou divorciadas podem adotar em conjunto - Sim, desde que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o es-tágio de convivência tenha sido iniciado na constância da união estável e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda.

Limite máximo de idade para adotar - Não. Qualquer pessoa em pleno gozo de suas facul-dades mentais e com capa-cidade civil pode adotar, desde que habilitada pelo poder judiciário.

O adotante pode es-colher a criança que pretende adotar - Ao adotante é reservado o direito de indicar o perfil da criança a ser adotada, no momento do preenchi-mento do cadastro.

Distinção entre fi-lho adotivo e biológi-co - Não. O filho adotivo tem resguardado o mesmo direitos e deveres do filho biológico, inclusive direi-tos sucessórios, sendo ve-

dada qualquer tipo de di-ferenciação.

O abrigo - Denomina--se instituição de acolhi-mento o antigo “abrigo”, pú-blico ou privado, que recebe a criança e o adolescente, por ordem judicial, enquan-to se decida pela reintegra-ção à família ou colocação em família substituta, o que deve ocorrer no prazo máxi-mo de dois anos.

Poder Familiar - São os direitos e deveres dos pais, relativos aos filhos menores de 18 anos. Visa

garantir o direito e dever de criação, educação, as-sistência da criança e do adolescente.

Contar ao filho ado-tivo sobre a adoção - É imprescindível contar à criança que ela foi adotada, por várias razões. A criança adotiva tem o direito de sa-ber sobre sua origem. Isso permite que ela construa um sentimento de identi-dade consistente, baseado na realidade.

É possível perder o Poder Familiar - Sim,

o Poder Familiar pode ser suspenso ou extinto por ato judicial. São conside-radas causas que levam à perda do Poder Familiar, entre outras, castigar de forma imoderada, aban-donar, e descumprir de-terminações judiciais.

A adoção é para sempre - Sim, segundo o ECA, a adoção é irrevo-gável, mas como qualquer pai, os adotivos estão su-jeitos à perda do Poder Familiar.

O que é guarda - É a posse legal que os cuida-dores adquirem a partir da convivência com a criança ou adolescente. É uma me-dida que visa proteger o in-divíduo hipossuficiente.

O que é adoção inter-nacional - É chamada ado-ção feita por estrangeiros.

Quem pode ser ado-tado - Crianças e adoles-centes com até 18 anos à data do pedido de adoção.

Quem encontrar um bebê abandonado pode adotá-lo - Uma criança em situação de abandono não está automaticamen-te disponível para adoção. Nesse caso, o procedimen-to adequado é procurar os órgãos competentes, como delegacia, Vara da Infância e da Juventude e/ou Con-selho Tutelar.

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

FOTO DIVULGAÇÃO

Page 17: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

A CORRENTE DO BEM

Há um ditado que diz: “nada é por acaso”. De fato. Quem nunca viveu

um momento inesperado na vida para que algo me-lhor ocorresse logo à frente? Nem sempre planejamen-tos dão certo. Nem sempre a vida traça roteiros seme-lhantes aos nossos. Quando o inesperado ocorre e nos coloca ante a oportunida-de de mudar para melhor a vida de alguém é porque a nossa missão vai além do que imaginamos.

Em um mundo ideal, as boas ações seriam multipli-cadas infinitamente. Mas enquanto o mundo ideal é real apenas nas fábulas, que as boas ações sejam como correntes do bem em bus-ca de fazer a diferença. Em Fortaleza, há, segundo a De-fensoria Pública do Estado, 415 crianças e adolescentes abrigados esperando que alguém possa fazer a dife-rença para eles, vítimas do desamor e esquecidas pelo poder público. Mas ainda bem que há correntes do bem para não serem esque-cidas pelo mundo.

Essa corrente é forma-da também pelo trabalho voluntário de pessoas da iniciativa privada, que re-presentam grande con-tribuição para as crianças abandonadas. “Estamos tentando fazer um trabalho de colocar essas crianças em escolas particulares. A ideia é formar um grupo e ver as escolas existentes no entorno dos abrigos de Fortaleza, fazer um mape-

amento e irmos atrás de pessoas que custeiem essas matrículas”, explicou o em-presário e voluntário Adau-to Farias. De acordo com ele, o objetivo é que a ação não pare por aí. “Todas as empresas são obrigadas a terem menores aprendizes. Então que peguem essas crianças e deem oportu-nidades. Por meio de uma rede de amigos vamos atrás de pessoas que contratarem menores aprendizes dos abrigos. É uma oportunida-de que pode mudar a vida de um adolescente”, disse.

De fato, uma oportu-nidade que pode mudar a vida de muitos adoles-centes abrigados que, ao chegarem à maioridade terão de deixar as insti-tuições de acolhimento. O que fazer depois? O que o mundo terá a oferecer a esses adolescentes? Que tipo de vida levarão na sociedade se antes o que conheciam era a vida no abrigo? A assistente social dos abrigos Casa do Me-nor e Casa de Jeremias, Érica Bularmaqui, disse que é um grande desafio para os adolescentes que precisam sair das institui-ções quando completam 18 anos. “É uma situação preocupante porque antes a vida deles era dentro da instituição, onde tinham tudo o que precisavam. O fato de serem obrigados e sair e passarem a viver por conta própria não pode ser caracterizado como um segundo abandono. Por isso, o Estado precisa definir ações para acolher e dar suporte necessário a esses adolescentes, de modo que eles possam ter

condições de seguir a vida fora do abrigo”, disse.

Mas não é o que o Estado faz. Segundo o defensor pú-blico Tibério Augusto Lima, há um projeto em Fortaleza para ser implantada uma república, um espaço para acolher adolescentes que após a maioridade precisam deixar os abrigos. Mas en-quanto a iniciativa do Poder Público ainda é apenas um projeto, a iniciativa priva-da começa a mostrar ações mais concreta.

Na visão do empresário Adauto Farias, a vida para esses adolescentes será me-lhor se lhes for proporcio-nada a educação necessária para que possam dar con-tinuidade à vida. “Às vezes as pessoas têm inteligência, mas não tem oportunidade. Se não cuidarmos das crian-ças de hoje teremos mar-ginais mais à frente, prin-

cipalmente se as crianças veem de ambientes ruins ou maus tratos dos pais. Se tem uma família desequilibrada, dificilmente será equilibra-do. Investir em educação é o único caminho para mudar essa situação”, disse.

O empresário e vo-luntário acredita que dar oportunidade a esses ado-lescentes por meio de pro-gramas específicos como o menor aprendiz, pode fa-zer a diferença. A aprendi-zagem é estabelecida pela Lei nº 10.097/2000, re-gulamentada pelo Decreto nº. 5.598/2005, e estabe-lece que todas as empresas de médio e grande porte estão obrigadas a contra-tar adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos.

Trata-se de um contra-to especial de trabalho por tempo determinado, de no máximo dois anos. Os jo-

vens beneficiários são con-tratados por empresas como aprendizes de ofício previs-to na Classificação Brasilei-ra de Ocupações - CBO do Ministério do Trabalho e Emprego, ao mesmo tem-po em que são matriculados em cursos de aprendizagem, em instituições qualificado-ras reconhecidas, respon-sáveis pela certificação. A carga horária estabelecida no contrato deverá somar o tempo necessário à vivência das práticas do trabalho na empresa e ao aprendizado de conteúdos teóricos mi-nistrados na instituição de aprendizagem.

De acordo com a legisla-ção vigente, a cota de apren-dizes está fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no má-ximo, por estabelecimento, calculada sobre o total de empregados cujas funções demandem formação pro-

fissional, cabendo ao em-pregador, dentro dos limites fixados, contratar o número de aprendizes que melhor atender às suas necessida-des. Para Adauto Farias, a aprendizagem é uma opor-tunidade que pode mudar a vida de um adolescente. “Muitas vezes falta apenas uma oportunidade. Se ela aparece, pode fazer a dife-rença e é isso que nós quere-mos incentivar”.

A respeito do processo de adoção, Adauto Farias disse acreditar que tudo ocorre no tempo correto. “A ado-ção é uma ação muito séria e é preciso que se leve um tempo razoável para que a criança não seja prejudica-da, afinal, o interesse maior é no bem estar dela. Acredi-to que os processos de crian-ças menores de três anos estão recebendo o impulso necessário. Nossa preocu-pação maior são as adoções tardias, aquelas crianças com mais de 5 ou 7 anos, ou até mesmo os adolescentes. Por isso, estamos buscando apoiar por meio da oportu-nidade”, disse.

“A coisa mais bonita que pode existir em uma socie-dade é a adoção, representa um grau de evolução muito grande. É uma ação mara-vilhosa. Parabenizo os ado-tantes e àqueles que estão trabalhando em prol dessas crianças. Que continuem esse trabalho, que as empre-sas abram suas portas para receberem essas crianças como menores aprendizes e ajudem a transformar suas vidas”. Que a corrente do bem se multiplique.

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No total, são 415 crianças e adolescentes abrigados esperando que alguém possa fazer a diferença para elesFOTO DIVULGAÇÃO

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 17Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Perto está a salvação que Ele trará aos que o temem, e a sua glóriahabitará em nossa terra. SALMOS 85:9

Adotar é acreditar que o amor é mais

forte que o destino

Page 18: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

Ter alguém ao seu lado a vida toda.#esseéoplano

Page 19: Caderno Especial - Adoção 18/12/2015

ADOÇÃO INTERNACIONALÉ A ÚNICA SOLUÇÃO?

Se o processo de adoção para brasileiros é demorado e burocrático, para os estrangeiros é ainda mais

A Lei Nacional de Adoção d e t e r m i n a que a adoção de crianças

brasileiras feita por es-trangeiros só deve ocorrer quando não foi encontra-da uma família brasilei-ra disponível. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a maio-ria das adoções interna-cional é feita com crian-ças maiores de 6 anos e, geralmente, com grupos de irmãos. Entre 2008 e 2015, ocorreram 657 adoções em todo o Brasil, segundo o CNJ, sendo a maioria por pretendentes italianos. Dos 16 organis-mos estrangeiros creden-ciados junto à Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), 13 são da Itália.

O artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adoles-cente (ECA) determina que a colocação da crian-ça em família substituta estrangeira só é cabível para fins de adoção. Além disso, o país de acolhi-da precisa ser signatário da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria

de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993, conhecida como Conven-ção de Haia.

Cejai/CEO processo de adoção

internacional, bem como a habilitação de residen-te no Brasil para adoção no exterior, é de respon-sabilidade das Autorida-des Centrais dos Estados e do Distrito Federal. No Ceará, é a Comissão Esta-dual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai/CE), que tem à frente a desem-bargadora Lisete Gade-lha, que é contra a ado-ção internacional. Para a desembargadora, que assumiu em abril de 2015, não há necessidade de enviar as crianças e ado-lescentes brasileiros para o exterior, pois é possí-vel encontrar uma famí-lia para eles no Brasil. A magistrada entende que o vínculo familiar deve ser trabalhado de forma mais intensa, pois o melhor para a criança é ficar com a sua família. Somente quando não for possível em nenhuma hipótese é que a criança deve ser ins-titucionalizada e colocada para adoção, mas nunca disponibilizada para ado-ção internacional.

As estatísticas corro-boram com o entendi-mento da desembargado-ra. De acordo com o CNJ, a quantidade de adoções internacionais tem caí-do nos últimos anos. Em 2009, 415 crianças e ado-lescentes ganharam um novo lar fora do País. Em 2014 foram apenas 126, destes, 97 ganharam pais italianos, 15 franceses, oito americanos, quatro espanhóis, uma criança foi para Andorra e outra para Portugal.

Processo demoradoSe o processo de ado-

ção para brasileiros é de-morado e burocrático, para os estrangeiros é ainda mais. Primeiro, o pretendente de outro país deve escolher um estado brasileiro para que seja feito o encaminhamento do processo por meio de organismos estrangeiros credenciados para atuar no Brasil.

Outra alternativa, se-gundo o CNJ, é procurar a Cejai do respectivo Es-tado, com sede nos Tribu-nais de Justiça. Todos os documentos exigidos que estiverem em uma língua estrangeira devem ser traduzidos por tradutor público juramentado. Em

seguida, um colegiado de juízes vai julgar a docu-mentação e deferir ou não o pedido do casal.

A atuação das Comis-sões Estaduais deve ir desde a fase que antecede o estágio de convivência até o acompanhamento, por pelo menos dois anos, após a adoção.

CNJDurante os meses que

antecedem a visita do ca-sal estrangeiro ao país, a criança mantém contato com os pretendentes por telefone ou videoconfe-rência, segundo o CNJ. Quando chegam ao es-tágio de convivência, os pretendentes encontram--se com a criança, acom-panhados por um profis-sional da Comissão.

As visitas também pas-sam a ser acompanhadas por membros da Comis-são. Desde março deste ano, casais estrangeiros podem ser incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). De acordo com o CNJ há no Brasil 46 processos de adoção por estrangeiros em an-damento no Cadastro Na-cional de Adoção (CNA).

CRISLEY CAVALCANTEEspecial para O Estado

ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • 19Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A justiça irá adiante dele e preparará o caminho para os seus passos. SALMOS 85:13

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FOTO IRATUÃ FREITAS

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