caderno especial estadão | educação profissional

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H1 SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO Economia estadão.com.br & NEGÓCIOS JONNE RORIZ/ESTADÃO EDUCAÇÃO FERRAMENTA PARA O DESENVOLVIMENTO Para não perder a corrida da competitividade, o País precisa enfrentar o desafio de investir na qualificação profissional O Brasil corre para não perder espaço no cenário mundial. O governo anun- cia planos para estimular a econo- mia. Os juros nunca estiveram tão baixos. Para manter o crescimento, porém, falta um elemento essencial: mão de obra qualificada. Investir em inovação e educação profissionalizan- te é fundamental para aumentar a produtividade. O tema foi debatido no terceiro encontro da sé- rie Fóruns Estadão Brasil Competitivo, promovi- do pelo Grupo Estado em parceria com a Confede- ração Nacional da Indústria (CNI). Apenas 6,6% dos jovens brasileiros de 15 a 19 anos estão matriculados em escolas de ensino mé- dio profissionalizante, afirmou o presidente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Se- nai), Rafael Lucchesi. Na avaliação dele, esse por- centual é muito baixo se comparado à média de 42% dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O desafio fica ainda maior quando considerada a necessidade de o Brasil formar 7,2 milhões de pro- fissionais de nível técnico até 2015. Diante desse quadro, especialistas apontam que a valorização do diploma universitário em detrimento do ensi- no técnico chega a ser prejudicial para o desenvol- vimento do País – mesmo o Brasil tendo irrisórios 15% de jovens ingressando no ensino superior. “Te- mos problemas antigos de capacitação de mão de obra que se devem à cultura bacharelesca, à ideia de que apenas um diploma de ensino superior seja capaz de garantir uma boa carreira profissional”, disse James Wright, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Uni- versidade de São Paulo e coordenador do Progra- ma de Estudos do Futuro da Fundação Instituto de Administração da USP. Nesse cenário, porém, existem iniciativas impor- tantes do governo e da iniciativa privada. Ode- brecht e Embraer, por exemplo, têm experiências bem-sucedidas. “No Colégio Embraer Juarez Wan- derley, há módulos de pré-engenharia nos quais os alunos têm a oportunidade de conhecer a área an- tes de ingressar num curso superior. É uma forma de motivação”, disse Emilio Matsuo, engenheiro- chefe da Embraer. Este caderno especial é um convite ao aprofun- damento do debate sobre um tema fundamental para que a economia brasileira mantenha a posi- ção de destaque que conquistou nos últimos anos e aumente sua competitividade diante dos concor- rentes globais. Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

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Educação: ferramento para o desenvolvimento Para não perder a corrida da competitividde, o País precisa enfrentar o desafio de investir na qualificação profissional. Esse foi o diagnóstico dos seis especialistas que participaram do Fórum Estadão Brasil Competitivo. O evento, que teve o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi realizado no dia 06 de novembro, em São Paulo.

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%HermesFileInfo:H-1:20121109:H1 SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

Economiaestadão.com.br

& NEGÓCIOSJONNE RORIZ/ESTADÃO

EDUCAÇÃOFERRAMENTA PARA

O DESENVOLVIMENTOPara não perder a corrida da competitividade,

o País precisa enfrentar o desafiode investir na qualificação profissional

O Brasil corre para não perder espaçono cenário mundial. O governo anun-cia planos para estimular a econo-mia. Os juros nunca estiveram tão

baixos. Para manter o crescimento, porém, faltaum elemento essencial: mão de obra qualificada.Investir em inovação e educação profissionalizan-te é fundamental para aumentar a produtividade.

O tema foi debatido no terceiro encontro da sé-rie Fóruns Estadão Brasil Competitivo, promovi-do pelo Grupo Estado em parceria com a Confede-ração Nacional da Indústria (CNI).

Apenas 6,6% dos jovens brasileiros de 15 a 19

anos estão matriculados em escolas de ensino mé-dio profissionalizante, afirmou o presidente doServiço Nacional de Aprendizagem Industrial (Se-nai), Rafael Lucchesi. Na avaliação dele, esse por-centual é muito baixo se comparado à média de42% dos países da Organização para Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE).

O desafio fica ainda maior quando considerada anecessidade de o Brasil formar 7,2 milhões de pro-fissionais de nível técnico até 2015. Diante dessequadro, especialistas apontam que a valorizaçãodo diploma universitário em detrimento do ensi-no técnico chega a ser prejudicial para o desenvol-

vimento do País – mesmo o Brasil tendo irrisórios15% de jovens ingressando no ensino superior. “Te-mos problemas antigos de capacitação de mão deobra que se devem à cultura bacharelesca, à ideiade que apenas um diploma de ensino superior sejacapaz de garantir uma boa carreira profissional”,disse James Wright, professor da Faculdade deEconomia, Administração e Contabilidade da Uni-versidade de São Paulo e coordenador do Progra-ma de Estudos do Futuro da Fundação Instituto deAdministração da USP.

Nesse cenário, porém, existem iniciativas impor-tantes do governo e da iniciativa privada. Ode-

brecht e Embraer, por exemplo, têm experiênciasbem-sucedidas. “No Colégio Embraer Juarez Wan-derley, há módulos de pré-engenharia nos quais osalunos têm a oportunidade de conhecer a área an-tes de ingressar num curso superior. É uma formade motivação”, disse Emilio Matsuo, engenheiro-chefe da Embraer.

Este caderno especial é um convite ao aprofun-damento do debate sobre um tema fundamentalpara que a economia brasileira mantenha a posi-ção de destaque que conquistou nos últimos anose aumente sua competitividade diante dos concor-rentes globais.

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

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H2 Especial SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO-6/11/2012

PROPOSTAS

FOTOS: CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO-6/11/2012

Formação técnicapode alavancarcompetitividadeCarência de mão de obra qualificada é apontada como umdos gargalos mais complexos enfrentados pelas empresas

Beatriz BullaFrancisco Carlos de AssisDayanne Sousa

Com escassez de mão de obraqualificada e baixa proporção dejovens que chegam às universida-des, o Brasil vive hoje o desafiode aumentar sua produtividadepor meio de investimento eminovação e educação profissiona-lizante. Essa avaliação da educa-ção nacional foi consenso duran-te o seminário “Educação e for-mação de mão de obra para ocrescimento”, terceiro da sérieFóruns Estadão Brasil Competi-tivo, realizado pelo Grupo Esta-do em parceria com a Confedera-ção Nacional da Indústria(CNI).

O porcentual de 6,6% de jo-vens brasileiros de 15 a 19 anosmatriculados em escolas de ensi-no médio profissionalizante, deacordo com o presidente do Ser-

viço Nacional de AprendizagemIndustrial (Senai), Rafael Luc-chesi, é muito baixo comparadoà média dos países da Organiza-ção para a Cooperação e Desen-v o l v i m e n t o E c o n ô m i c o(OCDE), que chega a 42%. Inten-sificar forças, tanto do governoquanto da iniciativa privada noensino profissionalizante semostra essencial para um paísque, até 2015, precisará de 7,2 mi-lhões de profissionais de níveltécnico.

Diante do desafio, especialis-tas apontam que a valorizaçãodo diploma universitário em de-trimento do ensino técnico, cha-mada de “cultura bacharelesca”,é prejudicial para o desenvolvi-mento do País, já que o númerode jovens que chega ao ensinosuperior no Brasil ainda é irrisó-rio, cerca de 15% do total. “Te-mos problemas antigos de capa-citação de mão de obra que se

devem à cultura bacharelesca, àideia de que apenas um diplomade ensino superior basta para ga-rantir uma boa vida”, reforçouJames Wright, professor da Fa-culdade de Economia, Adminis-tração e Contabilidade da Uni-versidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador do Progra-ma de Estudos do Futuro da Fun-dação Instituto de Administra-ção da USP (Profuturo-FIA).

Sem preparo. Lucchesi chamaa atenção para o futuro dos jo-vens que não chegam ao ensinosuperior atualmente e, de acor-do com ele, se deparam com omercado de trabalho sem prepa-ração profissional. “Todo o con-teúdo de aprendizado é pensadocomo se todos fossem para a uni-versidade, mas a maior parte nãovai”, criticou. Também presenteno evento, o diretor de integra-ção de redes do Ministério da

Educação (MEC), Marcelo Fe-res, reforçou que vivemos umacultura que dá muito valor ao di-ploma. Feres afirmou que o Paístem aproximadamente 6,5 mi-lhõesde estudantes no ensino su-perior e 1,3 milhão no ensino téc-nico. “Isso não é sustentável pa-ra uma economia que busca ocrescimento”, complementouFeres.

O reitor da Unimonte, OziresSilva, também relacionou a edu-cação com inovação e ganho decompetitividade. Ele apontouque o “fanatismo” da Coreia doSul por educação durante anosproporcionou a eleição de umveículo da montadora coreanaHyundai como “carro do ano”nos Estados Unidos este ano.“Nós temos parâmetros funda-mentais para dar um salto para ofuturo. Por que não o Brasil?”,indagou Ozires.

Wright concorda que a forma-ção profissional está essencial-mente ligada ao aumento da pro-dutividade nacional. “Temosum desafio enorme de melhorara produtividade, o que obvia-mente envolve qualificação pro-fissional, infraestrutura e taxade poupança, entre outros. Maso desafio fundamental é o desen-volvimento da educação”, afir-mou Wright. De acordo com ele,o Brasil vem perdendo a corridada competitividade nos últimosdez anos para outras economiasemergentes, ao crescer à médiade 1,5% ao ano, ante os 9% daChina ou até mesmo os 3% daCoreia. “A distância está aumen-tando em termos de geração derenda”, lamentou.

O professor apontou que um

trabalhador brasileiro em 2011gerava anualmente R$ 31.085 deProduto Interno Bruto (PIB) emrelação à População Economica-mente Ativa (PEA). Para atingira mesma produtividade que ummexicano em 2040, cada traba-lhador brasileiro deverá gerar R$120.545 naquele ano. “É um gran-de desafio de produtividade.”

Área técnica. Ele destacou ain-da que o problema brasileiro nãoé o número de formados na uni-versidade, e sim o reduzido nú-mero de pessoas com formaçãona área de ciência, tecnologia eáreas técnicas. “Nossa propor-ção de engenheiros é extrema-mente baixa”, afirmou Wright.Segundo ele, 40% dos matricula-dos em cursos superiores estãocursando Administração, Direi-to e Pedagogia, ante 7% de matrí-culas em áreas técnicas. O núme-ro deveria chegar próximo a 25%

da população universitária, parafins de comparação com outrospaíses, segundo o professor.

Dados da OCDE mostram queno Brasil a proporção de enge-nheiros em relação ao total deuniversitários é de apenas 4,6%,enquanto essa relação é bemmaior em países como Chile(13,7%), Japão (19%), Coreia doSul (23,2%) e Malásia (45%). Namédia da OCDE, a proporção éde 12%. Lucchesi afirmou ser pre-ciso “melhorar a matriz educa-cional” do País, com mais forma-ção de engenheiros. Wright com-plementou: “Precisamos orien-tar nossos alunos para aprende-rem efetivamente matemática epara uma formação técnica pro-fissional”. De acordo com o pre-sidente do Senai, contudo, a valo-rização do profissional técnicotende a ser crescente no merca-do profissional no País.

“Na medida em que os novosprogramas hoje estão aliados auma política de valorização pro-fissional, seguramente esse pro-fissional técnico de nível médiocomeça a ter o valor salarial e ovalor social do trabalho inclusi-ve maiores do que em casos deprofissional de nível superior”,concordou Feres.

O diretor ressaltou a impor-tância do lançamento do Progra-ma Nacional de Acesso ao Ensi-no Técnico e Emprego (Prona-tec), há um ano, como funda-mental para ampliar a escolari-dade no nível técnico e em cur-sos de tecnologia. “O Pronatecé um conjunto de iniciativasque visa a ampliação aceleradada oferta de cursos técnicos e deeducação continuada.”

● Cenário

CARLOS ALBERTOBARREIROSDIRETOR DE COMUNICAÇÃO DA CNI“É grave o problema de escassezde mão de obra qualificada...O Brasil patina rumo aodesenvolvimento.”

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

RAFAEL LUCCHESIPRESIDENTE DO SENAI“Claramente, temos umproblema na matriz educacional.Há um desequilíbrio com relaçãoà mão de obra qualificadaformada na universidade e ademanda por profissionaistécnicos nas empresas.”

PAULO QUARESMADIRETOR DE PESSOAS EORGANIZAÇÃO DA ODEBRECHT“Procuramos oferecer plano decarreira aos profissionais denível técnico e valorizá-los damesma forma que valorizamosos que têm graduação de ensinosuperior.”

MARCELO FERESDIRETOR DE INTEGRAÇÃODE REDES DO MINISTÉRIODA EDUCAÇÃO“Temos identificado umanecessidade de ampliar a ofertade cursos profissionalizantes eaté 2014 nossa meta é criar8 milhões de novas vagas.”

EMILIO MATSUOENGENHEIRO-CHEFE DA EMBRAER“É possível ver alguma carênciade motivação para seguircarreiras técnicas ou deengenharia, embora naEmbraer eu não sintatanta falta de mão de obrade engenheiros.”

JAMES WRIGHTPROFESSOR DA FEA/USP“Segundo a OCDE,o Brasil é o 5.º paísna formação de bacharéis,mas a proporção deengenheiros e gente comformação técnica émuito baixa.”

OZIRES SILVAREITOR DA UNIMONTE“Não conheço nenhumpaís em que educaçãoseja tributada. Aqui, osalunos são tributados,cursos de capacitação deempresas e doações aescolas também.”

Debate. PauloQuaresma, RafaelLucchesi, LeandroModé (‘Estado’) eMarcelo Feres

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 Especial H3

Paulo Saldaña

Criador da Embraer, ex-presi-dente da Petrobrás e ex-minis-tro de Estado, o engenheiro Ozi-res Silva se declara “vítima” dopoder transformador do conhe-cimento. Aos 81 anos, reitor daUnimonte (Santos), ele hoje ca-pitaneia uma campanha pelaisenção tributária dos cursos deprofissionalização.

● Qual é o maior desafio do Bra-

sil na área de educação?Temos de discutir como fabri-car brasileiros vencedores, por-que não estamos fazendo isso.Os sul-coreanos e chineses es-tão, franceses e americanos con-tinuam. Esse é o ponto central.

● Mas quais são os desafios?O tributo às universidades parti-culares é uma punição. Comovocê vai cobrar um aluno quan-do cerca de 30% do que ele pa-ga vai para o Tesouro Nacional?Não acredito que tributaçãodas escolas ajude o Tesouro,mas causam dano enorme aoPaís. A escola privada tem qua-se 80% dos alunos de ensino su-perior e fica difícil pagar bempara os professores, permitirgastos em aperfeiçoamento e

equilibrar as contas tendo tan-tos tributos. Na Europa, porexemplo, os países, com a crise,discutem a retirada de incenti-vos dados às universidades.

● Quais consequências disso?Hoje o nível de evasão é enor-me. Encarecendo a mensalida-de, 40% dos alunos que se ma-triculam não se formam. Ele saisem a graduação e não postulabons empregos. Por outro lado,é um prejuízo enorme. Uma es-timativa mostra que temos 7 mi-lhões de carteiras vazias. Emum país precisando criar talen-tos e oportunidades, eles vão fa-zer falta e podem ser um poten-cial grande a ser explorado.

● Mas nas públicas gratuitas aevasão também é grande.É estranho, de fato. Há núme-ros que nos deixam preocupa-dos. Parece que os jovens nãoprocuram mais a escola e háuma tendência de reduzir. Da-dos do MEC indicam queda no

acréscimo de matrículas e evo-lução dos formados. É um qua-dro para analisar. Pode ser aqualidade do ensino e o preçode se formar. Temos de baterna mesma tecla, na prioridadeda educação. Incentivar que ospais deem a melhor educaçãopara os filhos e o governo, os in-centivos. A Coreia era um paíspobre em 1970. Lançaram umacampanha de educação incrívele hoje o carro do ano no mundoé o Hyundai. O investimentoforte em educação é fundamen-tal, porque não se sobe uma es-cada a partir do último degrau.

● O que o sr. acha do ProUni (pro-grama de bolsas a alunos eminstituições privadas)?Tem um mérito, mas o custo dauniversidade continua. O gover-no abre mão do imposto desdeque a gente forme o cara. Quemganha? O País. Mas quem paga?A escola.

● Muitas instituições privadas

são ruins e formam mal. Desone-rá-las não pode beneficiar quemoferece ensino ruim?Esse cara vai existir sempre. Osmaus exemplos não podem sera regra. Temos de fazer da regraos bons exemplos e coibir osmaus. Não dá para garantir is-so, mas devemos oferecer umachance para o que o indivíduoseja um sucesso.

● O sr. acredita que esse otimis-mo possa influenciar a melhorada educação e do País?É o que constrói. O otimismocria novas fronteiras e desafios.

● O que o sr. acha das cotas nasuniversidades federais?Acho horrível. Para uma mino-ria de boa cabeça é positivo,mas para a maioria vai ter o sen-tido de ser discriminado. Háuma diferença crucial entre Bra-sil e Austrália, por exemplo. Osaustralianos são mais cultos, asescolas são melhores, o paísmais desenvolvido. Sabe qual

estratégia? Vencem os melho-res. Aqui, temos de ajudar ospiores, é meio bruto dizer isso.O Brasil quer desenvolver oPaís todo da mesma maneira.Temos a ideia de que numa cor-rida todos ficam em primeiro.Esquecem que a desigualdade éo projeto da natureza, não exis-tem duas pessoas iguais.

● Mas a educação não pode mu-dar a desigualdade?A desigualdade é projeto da na-tureza, você não pode mudar.Você tem de consagrar o me-lhor sempre. É claro que preci-sa oferecer todas as condiçõespara que as pessoas sejam me-lhores. Tem de dar estímulo, fa-lar para cada mãe e pai sempredar estímulo de sucesso, queeles têm de dar o melhor pontode partida para os filhos, masele vai ter de vencer sozinho. Alei de cotas tem um risco enor-me, inclusive de procurar neu-tralizar a competição sadia. Es-se risco vamos correr.

Desempregado desde julho, Ro-drigo Oliveira Brito se matricu-lou em um curso técnico de dese-nhista mecânico, que frequen-tou gratuitamente até a últimasegunda-feira. Antes, Brito traba-lhava como torneiro mecânico eprocurou outra qualificação pro-fissional no Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (Se-nai). Após o fim do curso de doismeses, voltou ao status inicial:desempregado. “Ainda não te-nho trabalho em vista.”

O zelador Luis Antonio da Sil-va reforça o time dos desempre-gados que começou um cursotécnico, só que no Serviço Nacio-nal de Aprendizagem Comercial(Senac), mas também sem pers-pectiva de trabalho.

A situação de ambos é motepara as críticas feitas por especia-listas ao Programa Nacional deAcesso ao Ensino Técnico e Em-prego (Pronatec). Tido como a

maior aposta do governo DilmaRousseff para a educação, o pro-grama prevê um conjunto de ini-ciativas para ampliar e democra-tizar a oferta de cursos técnicos,mas recebe questionamentospor não zelar pela qualidade doensino e pelo destino dos alunosno mercado de trabalho.

“Não se pode falar em ofere-cer ensino técnico sem um moni-toramento muito próximo da de-mandae das condições de empre-gabilidade futura”, avalia Clau-dio de Moura Castro, doutor emeconomia pela Universidade deVanderbilt (EUA) e pesquisador

em educação. O secretário deEducação Profissional e Tecno-lógica do Ministério da Educa-ção (MEC), Marco Antonio deOliveira, admite: “Num primei-

ro momento, até temos oferta apartir dos cursos disponíveis”.

Durante o seminário da sériede fóruns Brasil Competitivo, odiretor de integração de redesdo MEC, Marcelo Feres, afirmouque o governo está preparandoum mapa da educação profissio-nal num esforço para adequar aoferta de cursos à demanda. “Te-mos expectativa de no final doano que vem já ter resultadosdesses estudos.” De acordo comFeres, há ações iniciadas em par-ceria com o Ministério do Traba-lho “para contribuir com a ques-tão da intermediação da mão de

obra, ampliando as chances deocupação desses beneficiários”.

As metas do governo para oPronatec são altas: criação de 8milhões de vagas e investimen-tos de R$ 24 bilhões até 2014.

A professora da Faculdade deEducação da USP Carmen Vidi-gal Moraes diz que o programanão é voltado para uma educa-ção ampla e integrada. “Quemcontrola, supervisiona e vai pen-sar um currículo integrado?”,questiona. “Não temos um ob-servatório nacional de gestão pú-blica que permita um conheci-mento da economia.” O MEC,contudo, reforça que há um catá-logo nacional de cursos técnicosque define critérios e carga horá-ria para os cursos. / B.B.

Estudiosos apontam falhas nos cursos profissionalizantes

ENTREVISTA

Tributar ensino prejudica qualificaçãoInvestimentos de empresas em cursos de qualificação são entendidos como ‘salário indireto’ e sobre eles incide Imposto de Renda

CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

‘Imposto sobre escolasnão ajuda educação’

Francisco Carlos de AssisBeatriz BullaDayanne Sousa

A educação é problema de todose as empresas podem, devem efazem o que compete a elas emtermos de qualificação profissio-nal. Este foi um dos pontos con-clusivos do seminário Educaçãoe formação de mão de obra parao crescimento, terceiro da sériede Fóruns Estadão Brasil Com-petitivo, promovido pelo GrupoEstado em parceria com a Confe-deração Nacional da Indústria(CNI). O que separa as posiçõesde empresários e acadêmicos dogoverno é a tributação de investi-mentos empresariais na qualifi-cação profissional.

“Na questão da qualificaçãoprofissional, o papel do governodeveria ser de apoiar com maisênfase as iniciativas do setor pri-vado”, cobrou o professor da Fa-culdade de Economia e Arquite-tura (FEA) da Universidade deSão Paulo (USP) e coordenadordo Profuturo-FIA, JamesWrigth. “A gente dá prerrogati-vas muito grandes para a áreaeconômica com uma visão mui-to simplista, muito de curto pra-zo. O imposto que é recolhidotributando ensino é muito pou-co (ante o total da arrecadação noPaís) e causa um grande dano,porque desestimula o aprimora-mento da população.”

No mundo moderno, comple-mentou o professor, deveriamser estabelecidas grandes diretri-zes de longo prazo. “O governointerferir no curto prazo (com tri-butos) acaba sendo pouco pro-dutivo”, disse. Para ele, o gover-no poderia abrir mão da arreca-dação sobre a educação.

Para Ozires Silva, engenheirocriador da Embraer, ex-presiden-te da Petrobrás, ex-ministro deEstado e atual reitor da Unimon-te, a tributação sobre cursos decapacitação de empregados é omaior entrave para as compa-nhias investirem em educação.“A empresa precisa efetivamen-te treinar os seus trabalhadores,a gente não pode imaginar que aescola vai entregar tudo prontoe acabado. A única coisa que la-mento é que no Brasil as empre-sas são tributadas para fazer issoe acredito que deveria ser o con-trário, as empresas deveriam serestimuladas.”

Segundo Ozires, os custos decursos oferecidos pelas empre-sas a seus empregados são enten-didos pela Receita Federal comobenefício do tipo “salário indire-to” e contabilizados para inci-dência de Imposto de Renda. Es-tão nessa mesma categoria bene-fícios como pagamento de despe-sas de supermercado e cartõesde crédito, de aluguel de imóveisou veículos e de mensalidadesde clubes e associações. O presi-dente do Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (Se-nai), Rafael Lucchesi, disse que acobrança é uma forma de evitarirregularidades, mas prejudica aformação de funcionários. “Porcausa de algumas poucas empre-sas, todas são punidas.”

Outro exemplo, de acordocom o presidente do Senai, é oPrograma de Financiamento Es-tudantil (Fies), que oferece umamodalidade de crédito para em-presas criarem cursos de forma-ção profissional com juros de3,4% ao ano. Apesar de conside-rar a taxa atraente, Lucchesi criti-ca a incidência de impostos, “in-

coerente com a própria iniciati-va federal de estimular o ensinotécnico e profissional”.

Paulo Quaresma, diretor dePessoas e Organização da Ode-brecht Infraestrutura, falou dosucesso do Projeto Acreditar daempresa que, em quatro anos, re-cebeu investimentos de R$ 40milhões. “Não tivemos um realdo governo federal.” A Embraertambém desenvolveu progra-mas de treinamento e especiali-zação de engenheiros, além detreinamento de projetistas, con-tou o engenheiro-chefe da Em-braer, Emilio Matsuo. Para de-senvolver os programas, a em-presa contou com parceiros depeso, como o Instituto Tecnoló-gico de Aeronáutica (ITA) e oCentro Paula Souza.

Para Marcelo Feres, diretorde Integração de Redes e respon-sável pelas ações do ProgramaNacional de Acesso ao EnsinoTécnico e Emprego (Pronatec),as empresas não substituem o go-verno com essas ações. “Não en-tendemos que a empresa estejafazendo, no âmbito educacional,o papel do governo. Acho quesão papéis complementares e,do ponto de vista de investimen-tos, seguramente o governo fede-ral tem feito o seu papel.”

Feres concorda ser necessá-rio que outros atores sociaiscomplementem e participem ati-vamente para um processo de ca-pacitação mais direcionado àssuas necessidades, às suas espe-cificidades. “O Brasil é um paísde dimensão continental. Entãofica difícil a gente falar em cifrascomo sendo muito ou pouco.Atualmente, o investimento dogoverno federal com relação aoPronatec é de milhões de reaispor ano. Então, seguramente, te-mos investimentos realizadosem grande medida. Mas, aindaassim, as empresas podem e de-vem fazer também o seu aporte,tendo em vista que a intenção équalificar cada vez mais e me-lhor para a competitividade na-cional.”

Ozires Silva, reitor da Unimonte

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

● Questionamento

Maiores críticas dizemrespeito à falta de‘monitoramento entredemanda e condiçõesde empregabilidade’

Para Ozires Silva, os 30%de tributos pagos pelasinstituições de ensino nãoajudam Tesouro e causamdano maior ao País

● Necessidade

Prejudicial. Para Wright, ‘o governo poderia abrir mão da arrecadação (sobre a educação)’

CARMEN VIDIGALMORAESPROFESSORA DA FACULDADE DEEDUCAÇÃODA USP“Quem controla, supervisiona evai pensar um currículointegrado?”

OZIRES SILVAREITOR DA UNIMONTE“A empresa precisaefetivamente treinar seustrabalhadores, a gente nãopode imaginar que a escola vaientregar tudo pronto e acabado.A única coisa que lamento é queno Brasil as empresas sãotributadas para fazer issoe acredito que deveria ser ocontrário, as empresasdeveriam ser estimuladas.”

Page 4: Caderno Especial Estadão | Educação Profissional

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H4 Especial SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

Artigo

Reinventar o mercado

A remuneração média das 21 ocu-pações técnicas de nível médioque hoje estão entre as mais de-mandadas pela indústria brasilei-ra é superior aos salários que re-cebem diversos profissionaisgraduados. É o que mostra levan-tamento feito pelo Senai em 18Estados com base nas informa-

ções das diretorias dos departa-mentos regionais da instituiçãoe dados do Cadastro Geral deEmpregados e Desempregados(Caged) e da Relação Anual deInformações Sociais (Rais).

De acordo com a pesquisa, osalário médio inicial dos técni-cos que estão mais valorizadosno mercado de trabalho superaR$ 2 mil. Com dez anos de atua-ção, esses profissionais atingemuma remuneração média demais de R$ 5,6 mil. “As remunera-ções são atrativas na admissão eessas ocupações apresentam ga-nho salarial significativo com o

aumento do tempo de experiên-cia”, enfatiza Rafael Lucchesi, di-retor-geral do Senai.

Profissões em alta. Em SãoPaulo, enquanto os técnicos pro-jetistas recebem no começo dacarreira R$ 4,1 mil e os técnicosem automação R$ 3,5 mil, os pro-fissionais de nível superior re-cém-formados em Análise de Sis-temas e Desenho Industrial ga-nham menos de R$ 2,8 mil. Maisum exemplo é que a remunera-ção média dos técnicos com dezanos de experiência atinge R$ 6mil, valor acima do alcançado

por engenheiros mecatrônicos efarmacêuticos com o mesmotempo de serviço.

No Estado de Minas Gerais, osprofissionais técnicos de nívelmédio mais demandados são osdas áreas de mineração e de pe-tróleo e gás, com salários médiosiniciais que chegam a R$ 4 mil. Aremuneração média das ocupa-ções técnicas na admissão é deR$ 2,9 mil, superior ao que rece-bem advogados e veterináriosem início de carreira. Já o valormédio recebido por técnicoscom mais de dez anos de traba-lho é de R$ 5,7 mil, mais do que

ganham enfermeiros e biólogos.No caso do Rio de Janeiro, a

remuneração de um técnico emmineração parte de R$ 8,6 mil.Nesse mercado, o salário médiodos técnicos em início de carrei-ra é de R$ 2,5 mil, superior aosvalores pagos aos nutricionistase biólogos.

Os técnicos em energias reno-váveis e em biocombustíveis es-tão sendo intensamente recruta-dos por empresas no Rio Grandedo Sul e os salários iniciais estãona faixa de R$ 3,2 mil. Esse valorsupera os pagamentos de nutri-cionistas e farmacêuticos recém-

formados.A crescente demanda por mão

de obra especializada em Per-nambuco elevou os salários. Amédia recebida pelos técnicos éde R$ 2,5 mil, superior às remune-rações de médicos e analistas desistemas.

Os técnicos em manutençãode aeronaves são bastante de-mandados em Estados como Ba-hia, Goiás, Mato Grosso, MatoGrosso do Sul e Santa Catarina.O salário na admissão chega a R$3,1 mil em Goiás, muito acimados valores pagos inicialmente aanalistas de sistemas e advoga-dos. O valor médio pago aos téc-nicos em manutenção de aerona-ves com dez anos de experiênciaé de 6,7 mil. / D.R.

O tipo de educação que tere-mos demanda primeiro umadefinição sobre o país que de-sejamos ser. Se pretendemos

ser um país produtor de tecnologia, pre-cisamos formar profissionais não ape-nas bem preparados tecnicamente, maspessoas capazes de repensar paradig-mas e inovar. Isso significa, em primei-ro lugar, uma aposta na excelência aca-dêmica. Qual é a fórmula? Não creio queexista uma. Há um conjunto de práticasque qualquer instituição pode seguir.Selecionar professores com isenção ecritério acadêmico, investir em pesqui-sa, criar condições e exigir que professo-res preparem suas aulas meticulosa-mente. E sempre lembrar que uma aca-demia é um espaço da ciência, não daideologia.

Qualquer gestor acadêmico deverialer o clássico de Weber, A Ciência comoVocação. A universidade é um territó-rio de liberdade, de exercício do que

Kant chamou de uso público da razão.Espaço onde tudo é permitido, desdeque submetido ao rigor da ciência e doargumento analítico.

Preparar os alunos para o mercado éuma parte importante da vida acadêmi-ca. Pode-se tratar de carreira profissio-nal desde o primeiro semestre. As boasinstituições fazem isso. Colocam seusalunos frente a frente com os melhoresCEOs, estudam e produzem casos em-presariais, fazem joint ventures paraprojetos, bolsas e bons laboratórios.Mas essa é apenas uma parte da histó-ria. Em grande medida, o mercado detrabalho também é produzido pelos es-tudantes. Larry Page e Sergei Brineram estudantes de Stanford, no fimdos anos 90. Excelentes alunos. Brinera russo e chegou a Stanford com umabolsa da National Science Foundation.Ambos poderiam arranjar bons empre-gos, mas resolveram criar uma empre-sa. O resto da história, nós conhece-

mos. Há aí uma grande lição. Boas insti-tuições universitárias prepararam osalunos para o mercado. Instituições deexcelência preparam os alunos parareinventar o mercado. Daí o sentido depremiar sistematicamente o méritodos alunos, manter centros de em-preendedorismo, participar de compe-tições internacionais e gerar uma cultu-ra de negócios e inovação entre os estu-dantes.

Por fim, penso que não há outro cami-nho, caso pretendamos dar um efetivosalto de qualidade na nossa educaçãosuperior, do que apostar em um forteprocesso de internacionalização de nos-sas instituições nos próximos anos. Pre-cisamos atrair professores do exterior,ampliar a base de disciplinas em inglêsem nossas instituições, buscar certifica-ções reconhecidas internacionalmentee melhorar nossa posição nos rankingsglobais. No Brasil, fala-se muito em en-viar alunos para estudar no exterior. Is-

so é importante, não há dúvida. Mas épreciso dar a mesma prioridade paraatrair alunos do exterior para estu-dar no Brasil. Somos o maior merca-do da América Latina e vamos sediarlogo a seguir os dois maiores eventosesportivos do planeta. Há um claropotencial inexplorado de atração dealunos chineses, indianos e mesmoeuropeus, que facilmente percebe-rão no Brasil oportunidades mais se-dutoras que aquelas do Velho Conti-nente em crise. Temos desprezado,historicamente, o valor estratégicoda captação de jovens talentos paranosso desenvolvimento. Há um lon-go caminho a trilhar, mas não parecehaver dúvidas sobre qual é a agenda aperseguir.

É DOUTOR EM FILOSOFIA E MESTRE EM

CIÊNCIAS POLÍTICAS (UFRGS) E DIRETOR-

GERAL DO IBMEC/RJ

Salário pode superar o de profissionais de nível superior

É preciso premiar deforma sistemáticao mérito dos bons alunose gerar uma cultura denegócios e inovação

Indústria precisade 7,2 milhões detécnicos até 2015Segundo estudo, 1,1 milhão vagas serão abertas nos próximostrês anos para jovens que estão chegando ao mercado de trabalho

FONTE: Mapa do Trabalho Industrial 2012

JOSÉ PAULO LACERDA/CNI-1/7/2011

Daniela RochaESPECIAL PARA O ESTADO

A necessidade de mão de obraespecializada na indústria écrescente. Até 2015, o País teráde formar 7,2 milhões de traba-lhadores em cursos técnicos e

de média qualificação paraatuar em 177 ocupações indus-triais. Isso significa que a de-manda por esses profissionaispara os próximos três anos é24% maior que a de 2008 a 2011,aponta o Mapa do Trabalho In-dustrial 2012 feito pelo Serviço

Nacional de Aprendizagem In-dustrial (Senai).

Serão 1,1 milhão de novasoportunidades de emprego até2015 para os jovens que vão in-gressar no mercado de traba-lho, destaca Marcio GuerraAmorim, gerente executivo ad-

junto da Unidade de Estudos eProspectiva do Senai.

Além disso, o setor deverá ca-pacitar outros 6,1 milhões detrabalhadores para acompa-nhar os avanços tecnológicos ea evolução das normas de quali-dade, regulamentações e certifi-

cações de produtos.“Para elevar a competitivida-

de da indústria é necessárioatualizar também os trabalha-dores que já estão no mercado”,afirma Amorim. “Os profissio-nais se beneficiam desse proces-so porque o conhecimento ga-

rante maior empregabilidade eainda dá chance para galgaremnovas posições”.

A maior necessidade de pro-fissionais qualificados se con-centra nas Regiões Sudeste(57,6%) e Sul (20,9%), especial-mente nos Estados de São Pau-lo, Minas Gerais, Rio de Janeiro,Rio Grande do Sul e Paraná. Pe-lo estudo, nas demais regiões,aparece na frente o Nordeste(11,9%) seguido pelo Centro-Oeste (5,5%) e Norte (4,1%).

A pesquisa indica que os cur-sos profissionalizantes de 200 a400 horas serão os mais requisi-tados, com destaque para a pre-paração para indústria de ali-mentos e de operadores para osetor de vestuário. Os cursostécnicos com duração média de18 a 24 meses com carga horáriade 1.000 a 1.400 horas estarãovoltados à formação de técni-cos de controle de produção.

Novas vagas. As construtoras,fabricantes de veículos, indús-trias de máquinas e equipamen-tos, indústrias de alimentos, be-bidas e vestuário serão responsá-veis por cerca de 50% das novasvagas, algo em torno de 600 milpostos de trabalho.

Entre os técnicos de nível mé-dio, a ocupação que lidera a de-manda, com mais de 16 mil va-gas, é a de técnicos em constru-ção civil, responsáveis por de-senvolver levantamentos topo-gráficos, elaborar planilhas deorçamento, inspecionar a quali-dade de materiais e supervisio-nar as obras seguindo projetos enormas.

Depois, vem o técnico de con-trole de produção nas montado-ras de veículos (9,5 mil). Esseprofissional acompanha os pro-cessos de produção e suprimen-to de materiais, seguindo nor-mas e especificações.

Operadores de máquinas deusinagem por controle numéri-co computadorizado (8,2 mil va-gas) calculam e ajustam a alimen-tação e a velocidade das máqui-nas e o tamanho e a posição doscortes para a criação de peças.

Entre os trabalhadores forma-dos em cursos profissionalizan-tes, a maior demanda é por ope-radores de máquina de vestuário(25 mil vagas), seguidos por ope-radores de máquina de produtosplásticos e borracha (11 mil va-gas) e marceneiros (10 mil).

Corte e costura. Aula profissionalizante voltada para a indústria do vestuário: setor está entre os que mais precisam de formação de mão de obra qualificada

OcupaçõesNecessidade de capacitação 2012-2015

Trabalhadores da indústria de alimentos (cozinheiros industriais) 174.586

Operadores de máquinas para costura de peças do vestuário 88.600

Preparadores e operadores de máquinas pesadas para a construção 81.817

Mecânicos de manutenção de máquinas industriais 62.866

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

OcupaçõesNecessidade de capacitação 2012-2015

Técnicos de controle de produção 88.766

Técnicos em eletrônica 39.919

Técnicos em eletricidade e eletrotécnica 27.972

Técnicos de desenvolvimento de sistemas e aplicações 25.204

Técnicos em operação e monitoração de computadores 21.677

ÁREAS TÉCNICAS

Segundo pesquisa,salário médio inicial detécnicos valorizadosno mercado de trabalhopassa de R$ 2 mil

●✽FERNANDO LUÍSSCHÜLER

ÁREAS DE MÉDIA QUALIFICAÇÃO

Page 5: Caderno Especial Estadão | Educação Profissional

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 Especial H5

Daniela RochaESPECIAL PARA O ESTADO

O modelo educacional brasilei-ro está longe do que se vê nospaíses desenvolvidos e mesmode outros emergentes. Apesarde recentes avanços, o País ain-da privilegia muito a educaçãoregular em detrimento da pro-fissionalizante. A avaliação é deRafael Lucchesi, presidente doServiço Nacional de Aprendiza-gem Industrial (Senai) em en-trevista ao Estado. Segundoele, o investimento em forma-ção técnica ajuda a elevar a pro-dutividade das empresas.

A seguir, os principais tre-chos da entrevista.

● Como o sr. vê o modelo educa-cional brasileiro?Estamos muito centrados naeducação regular em vez do en-sino profissional. Apenas 6,6%dos brasileiros entre 15 e 19anos optam pela educação pro-fissional técnica de nível médio.

A média dos 34 países da OCDE(Organização para Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômi-co) é de 42%. Na Alemanha, amédia é de 53% e na Coreia doSul e França, de mais de 40%.No Japão, o índice é de 55%.Também temos baixa qualidadeno ensino básico (fundamentale médio), situação que precisamudar. No ranking da OCDE, oBrasil aparece na 53.ª posiçãoem um painel de 65 nações.

● O ensino em outros paísesbem posicionados nesse rankingé mais direcionado ao ambientede negócios?A abrangência do ensino univer-sitário é acima do brasileiro. Te-mos só 14% da população no en-sino superior, para uma médiade 40%. Mas a grande diferençaé o fato de haver um grandecontingente de jovens que fa-zem a educação geral de nívelmédio com a educação profis-sionalizante. Isso cria um mer-cado de trabalho mais funcio-nal. No ambiente de negócios,há necessidade de profissionaiscom formação universitária,mas também são requisitadostécnicos e operadores.

● Que ações existem para am-pliar a estrutura educacional?

Os governos estaduais têm am-pliado os programas de educa-ção profissional. São Paulo es-tá aumentando a capacidadede atendimento do Centro Pau-la Souza de escolas técnicas. Ogoverno federal também estáexpandindo sua rede de esco-las e estruturou o Pronatec(Programa Nacional de Acessoao Ensino Técnico e Emprego)para aumentar notavelmente aoferta de cursos técnicos de ní-vel médio, assim como os deformação inicial e continuada.O Sistema S vem aumentandoconsideravelmente o númerode matrículas. O Senai está do-brando o número de matrícu-las até 2014. Até lá serão 4 mi-lhões de matrículas por ano.

● Como o sr. avalia o Pronatec?É uma política muito bem con-cebida. Mobiliza um conjuntode atores – redes públicas fede-ral e estaduais, rede de ensinoprivado e o Sistema S. Buscaampliar de forma ágil as vagaspara jovens na formação técni-ca de nível médio e aumentar aoferta de cursos de qualificaçãode curta duração, com cargashorárias de 200 a 400 horas, pa-ra formação de eletricistas, ope-radores de máquinas indus-triais, cozinheiros, soldadores e

torneiros mecânicos. O Fundode Financiamento Estudantil éuma ideia bem estruturada quefaz parte do Pronatec, baseadono mesmo modelo que alargoua possibilidade de jovens caren-tes financiarem sua educaçãosuperior. Os jovens podem fi-nanciar a sua educação técnicae, além disso, as empresas quefinanciam processos de qualifi-cação de seus funcionários tam-

bém são beneficiadas com essafacilidade de acesso ao créditoa taxas baixas.

● Como estimular os jovens aingressarem no ensino técnico?Fizemos um estudo consideran-do as 21 ocupações técnicasmais demandadas em 18 Esta-dos e ficou constatado que o sa-lário médio inicial é de R$ 2mil. Com dez anos de carreira,

o salário médio chega a R$ 6mil. Ou seja, os técnicos têm re-munerações superiores às ofe-recidas para muitas ocupaçõesde nível universitário. É impor-tante disseminar essa informa-ção para que a juventude bus-que esses cursos. Hoje vemosuma onda de jovens de classemédia que busca a educaçãoprofissional, mas esse númeroainda pode aumentar muito.Há muita oportunidade paraquem tem formação técnica.Muitos desses profissionaisconseguem colocação no mer-cado de trabalho mais rapida-mente do que bacharéis em Di-reito, por exemplo.

● A formação técnica deve serassociada com a universitária?Com certeza, uma não exclui aoutra. O aluno com boa forma-ção técnica de nível médio temcondições de seguir uma carrei-ra sólida, e isso pode até orien-tar melhor a formação universi-tária dele posteriormente. Essecaminho pode corrigir um ou-tro problema que temos no Bra-sil, que é o déficit de engenhei-ros. A cada 100 graduados, ape-nas 5 são engenheiros. Númeromuito menor do que o registra-do em diversos países. No Ja-pão, são 25 engenheiros a cada100 formados. Na China, maisde 30. Temos enorme deficiên-cia também quando compara-mos o nosso sistema educacio-nal universitário tecnológicocom os de países desenvolvidosou de diversas nações emergen-tes. Acredito que a juventudepode buscar na educação profis-sional técnica uma carreira está-vel e bem-remunerada. Com is-so, vai conseguir melhores con-dições para prosseguir os estu-dos buscando uma graduaçãotecnológica.

ENTREVISTA

CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO-6/11/2012

‘Ensino profissionalgarante uma carreiraestável e bem paga’

Rafael Lucchesi, presidente do Senai

Lacuna. Mercado exige técnicos e operadores, diz Lucchesi

Para diretor-geral doSenai, formação técnicaabre oportunidades eeleva a produtividadedas empresas

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

Page 6: Caderno Especial Estadão | Educação Profissional

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H6 Especial SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

A demanda por técnicos aumen-ta no campo à medida que o se-tor se moderniza. “De dez anospara cá, a cadeia agropecuáriatem se posicionado melhor emtermos de rentabilidade devidoaos crescentes investimentosem tecnologias”, diz Daniel Car-rara, secretário executivo doServiço Nacional de Aprendiza-gem Rural (Senar), parte do Sis-tema S.

Segundo ele, o tratorista, porexemplo, não é preparado paraoperar as máquinas baseadasnos sistemas de georreferencia-mento e computação embarca-da. “O novo operador deve ter

conhecimento de informática ede gestão”, comenta.

A instituição vai certificar es-te ano 1 milhão de trabalhado-res. O foco está nos cursos deformação inicial e continuadade curta duração, de 40 a 80 ho-ras, para capacitar rapidamenteum grande contingente de traba-lhadores. É preciso recuperar oatraso.

O aperfeiçoamento dos pro-fissionais se dá especialmentenas áreas de operação e manu-tenção de máquinas agrícolas,de ordenha higiênica do leite ede inseminação de animais napecuária. Além disso, são ofere-cidos cursos de qualificação de400 horas, mais abrangentes, so-bre cadeias específicas como apecuária de leite.

Este ano, o Senar abriu seu pri-meiro curso técnico de nível mé-dio, com duração de 1.200 horas,em Araguacema, no Tocantins,para formar 50 técnicos em flo-restas. O projeto deve ser expan-dido nos próximos anos.

Todos os cursos oferecidos pe-lo Senar são gratuitos. A entida-de, de direito privado e sem finslucrativos, é mantida com contri-

buições compulsórias sobre a co-mercialização de produtos agro-pecuários. O funcionamento sedá por intermédio dos 2.150 sin-dicatos rurais espalhados por to-do o País. Esses sindicatos cap-tam as demandas dos municí-pios e montam nas propriedadesrurais os cenários pedagógicospara as aulas teóricas e práticas.

De acordo com Daniel Carra-ra, o Programa Nacional de Aces-so ao Ensino Técnico e Emprego(Pronatec) do governo federalcriou este ano um adicional de 23

mil vagas para estudantes emcursos de formação inicial e con-tinuada de 160 horas, em perío-do subsequente ao ensino mé-dio. “Essa iniciativa é importan-te para manter o jovem no meiorural. Muitas vezes, ele sai do en-sino médio deixando de aprovei-tar as oportunidades de trabalhoque existem no campo.” Em2013, a expectativa é que 50 miljovens sejam capacitados den-tro do Pronatec.

Atualmente, entre os trabalha-dores mais requisitados pelo se-tor estão os operadores de má-quinas agrícolas, especialistasna aplicação de adubos e defensi-vos e operadores em pecuária deleite. No entanto, existe deman-da na maioria das 167 ocupações,desde técnicos especializadosna produção de húmus até pilo-tos de aviões agrícolas.

“As remuneraçõestêm aumen-tado em diversas categorias. Osprofissionais que lidam com má-quinas agrícolas são os mais valo-rizados. Por exemplo, os opera-dores de colhedoras de cana-de-açúcar chegam a receber de R$ 5mil a R$ 6 mil”, destaca o secretá-rio executivo do Senar. / D.R.

Novas tecnologias no meio ruralmudam perfil dos trabalhadores

Prestígio da educação profissionaldepende de mudança de mentalidadeEnsino fundamental e médio direcionam jovens para a graduação, mas necessidade do mercado de trabalho reflete outra realidade

ADRE LESSA/ESTADÃO-17/10/2012

DIVULGAÇÃO

Dúvidas. Estudantes em curso preparatório para vestibular em São Paulo: modelo educacional é questionado diante da falta de profissionais qualificados

Daniela RochaESPECIAL PARA O ESTADO

No Brasil, menos de 15% dos jo-vens entre 18 e 24 anos chegamàs universidades, de acordo como Censo da Educação Superiordo Instituto Nacional de Estu-dos e Pesquisas Educacionais(Inep) do Ministério da Educa-ção. Ou seja: dos 24 milhões dejovens brasileiros, apenas 3,4 mi-lhões buscam a graduação. O res-tante, mais de 20 milhões, temde buscar outros caminhos. Emoutra via, todos os setores da eco-nomia – indústria, comércio, ser-viços e agropecuária – apresen-tam demanda crescente por téc-nicos. Ha vagas no País, mas fal-tam profissionais qualificados ecom conhecimentos específicospara preenchê-las.

Por isso, a educação profissio-nal no País precisa ser reforçadaem um ritmo mais acelerado, de-fende Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (Se-nai), para quem o modelo educa-cional brasileiro é muito focadona rede regular. O conteúdo dosensinos fundamental e médio di-reciona os alunos para a universi-dade, diz. “Como menos de15%dos jovens brasileiros vão para oensino superior, milhares de es-tudantesficam sem projeto de in-serção no mercado de trabalho.”

Esse é um cenário que começaa mudar. Apesar de ainda baixo,o número de jovens no ensinotécnico de nível médio tem avan-çado. De acordo com MarceloNeri, presidente do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada(Ipea), em 2004 a participaçãodos jovens entre 15 e 17 anos erade apenas 3% nas seis maioresregiões metropolitanas do País.Hoje, já é de 7,6%. “É o que cha-mamos de onda jovem, estimula-da por políticas de ensino esta-duais e iniciativas do setor priva-do, o que antecede o Pronatec(Programa Nacional de Acessoao Ensino Técnico e Emprego)do governo federal”, explica.

Principalmente os jovens daclasse C passaram a se qualificar.“Quando os jovens partem paraos processos de seleção das em-presas, percebem que são mui-tas as exigências. Muitos bus-cam mais conhecimento, se ma-triculam em cursos”, acrescentaLuiz Gonzaga Bertelli, presiden-te do Centro de Integração Em-presa-Escola (Ciee).

Modelagem atual. Tradicional-mente, o ensino profissional téc-nico e os programas de qualifica-ção são oferecidos por escolasparticulares e pelo Sistema S,que, apesar de contar com recur-sos públicos – as contribuições

compulsórias de empresas –, écomandado pelo patronato. Porum acordo firmado com o MECem 2008, as entidades do Siste-ma S se comprometeram a desti-nar parcelas significativas desuas receitas aos cursos gratui-tos, seguindo metas progressi-vas até 2014. No caso do ServiçoNacional de Aprendizagem In-dustrial (Senai) e do Serviço Na-cional de Aprendizagem Comer-cial (Senac), dois terços do arre-cadado terá essa destinação.

“Na formação de técnicos noPaís, 56% das matrículas estãonas mãos do setor privado; o res-tante, na esfera pública. Issomostra que o Estado delegou àiniciativa privada a formaçãodos trabalhadores técnicos brasi-leiros”, afirma Aparecida Neride Souza, professora de Sociolo-gia da Educação na Faculdade deEducação da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp),com base em dados recentes doInep. Os governos, explica ela,trabalham na ampliação de suasredes e, em muitos casos, articu-lados com as instituições priva-das e o Sistema S. Dessa forma, ofinanciamento vem do poder pú-

blico, mas o ensino é organizadopelas organizações privadas.

O Programa Nacional de Aces-so ao Ensino Técnico e Emprego(Pronatec) do governo federal jásoma vagas gratuitas no ensinotécnico de nível médio e nos cur-sos de qualificação de trabalha-dores. “Hoje isso se dá mais noscursos de formação inicial e con-tinuada. A oferta de vagas em cur-sos técnicos ainda é pequena,mas esperamos que aumente”,afirma Almério Araújo, coorde-nador de Ensino Técnico e Mé-dio do Centro Paula Souza do go-verno do Estado de São Paulo.

No Brasil, empresas e gover-

nos se mobilizam para reverter asituação, acrescenta AntonioFreitas, pró-reitor de Ensino daFundação Getúlio Vargas do Riode Janeiro (FGV-RJ) e conselhei-ro da Fundação de Apoio à EscolaTécnica do Rio de Janeiro (Fae-tec). “O País é a sexta economia,mas o 60.º em educação e o 80.ºem inovação, o que é inconcebí-vel ”, diz o professor. Ele conside-ra importante o lançamento doPrograma Ciência sem Frontei-ras do governo federal, no qualserão oferecidas 101 mil bolsas aolongo de quatro anos, associadasàs ao ensino superior tecnológi-co e às áreas de engenharia, ciên-ciasexatasebiomédicas. Oobjeti-vo é que os estudantes tenhamacesso às inovações tecnológi-cas. Além disso, o programa bus-ca atrair pesquisadores do exte-rior que queiram se fixar no Bra-sil ou estabelecer parcerias comos pesquisadores brasileiros.

Defasagens. Na visão de espe-cialistas, o aumento da oferta deensino técnico deve ser feito se-guindo padrões de qualidade noâmbito pedagógico e com baseno diálogo com as empresas.

“Os cursos devem estar alinha-dos com as necessidades do mer-cado”, comenta Ana Luiza Kul-ler, coordenadora de Educaçãodo Senac-SP.

Outro desafio é suprir as defa-sagens da educação básica emportuguês, matemática e ciên-cias. “Cada instituição se organi-za para resolver esse problema.Há uma série de opções para queos alunos aprendam o que deve-riam ter aprendido na educaçãobásica e possam acompanhar oscursos”, explica Ana Luiza. Enão é só: a professora daUnicamp Aparecida Neri de Sou-za lembra ainda que 10% dos bra-sileiros são analfabetos.

“O que se espera é que todosos brasileiros consigam termi-nar pelo menos o ensino médio.Existem cursos gratuitos de for-mação inicial que dão oportuni-dade de trabalho a essas pessoasque não tiveram acesso à educa-ção”, acrescenta o professor An-tonio Freitas, da FGV-RJ.

Mudança de paradigma. Pormuitos anos, o ensino técnicofoi preterido no País. “A socieda-de brasileira ainda tem a crença

que a formação universitária é abase. Nossa escola tem um mo-delo academicista, não tem a ló-gica voltada ao mundo do traba-lho. Isso acaba sendo uma limita-ção”, enfatiza Lucchesi. Os jo-vens precisam conhecer mais asoportunidades que se abrem,derrubando esse paradigma, dizele, citando pesquisa do Senaique indica que as remuneraçõesde técnicos superam as ofereci-das a diversas ocupações univer-sitárias no Brasil.

“As ocupações técnicas em-pregam mais e apresentam bonssalários. E os jovens têm a chan-ce de ingressar cedo no mercadode trabalho e custear novos estu-dos”, afirma Anna Beatriz Waeh-neldt, diretora de Educação Pro-fissional do Senac Nacional.

Estudos revelam que os ga-nhos salariais após cursos deeducação profissional são de1,4% a 12% para formação inicial,de acordo com as áreas; em tor-no de 14% para cursos técnicosde nível médio e de 24% para tec-nólogos. “Os retornos não sãodesprezíveis, mas pouco conhe-cidos”, conclui Marcelo Neri,presidente do Ipea.

Formação. Cursos de curta duração terão de 40 a 80 horas

● Oportunidade

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

● Fixação

Cursos dão formaçãoinicial e continuadade curta duração paraampliar a oferta demão de obra

ANTONIO FREITASPROFESSOR DA FGV-RJ“O que se esperaé que todos os brasileirosconsigam terminar pelomenos o ensino médio. Cursosgratuitos de formação inicialdão oportunidade de trabalhoa pessoas que não tiveramacesso à educação.”

DANIEL CARRARASECRETÁRIO EXECUTIVO DOSERVIÇO NACIONAL DEAPRENDIZAGEM RURAL (SENAR)“O novo operador deve terconhecimento de informática ede gestão. Essa iniciativa éimportante para manter o jovemno meio rural. Muitas vezes,ele sai do ensino médiodeixando de aproveitar asoportunidades de trabalho queexistem no campo.”

Page 7: Caderno Especial Estadão | Educação Profissional

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 Especial H7

Olimpíada do Conhecimento

Sistema S

AOlimpíada do Co-nhecimento, maiorcompetição de edu-cação profissional

das Américas, contará em suasétima edição com a participa-ção recorde de 638 estudan-tes do Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (Se-nai) e do Serviço Nacional deAprendizagem Comercial (Se-nac) de todo o País. As provas,preparadas com base nas qua-lificações exigidas no merca-do de trabalho, serão realiza-das em São Paulo, entre os

dias 12 e 18 de novembro.Os jovens inscritos – entre 14 e

21 anos – concluíram no mínimo400 horas em cursos de aprendi-zagem industrial ou formaçãotécnica de nível médio. Eles fo-ram selecionados em torneios se-melhantes nos Estados de ori-gem e agora vão concorrer, naetapa nacional, buscando as me-lhores pontuações em 54 ocupa-ções profissionais.

“A ideia é valorizar os estudan-tes das duas instituições e ajudaros jovens a conhecerem as dife-rentes profissões”, destaca o pro-

fessor José Luís Gonçalves Lei-tão, gerente da Olimpíada do Co-nhecimento do Senai.

Segundo ele, as notas dos alu-nos formarão um conjunto de in-dicadores que auxiliará o Senai eo Senac a avaliar a qualidade doscursos e aprimorá-los conformeas necessidades da indústria e co-mércio.

O número de ocupações pro-fissionais na Olimpíada do Co-nhecimento tem aumentado deuma edição para outra. De 26 em2001, saltou para 54. Entre as pro-fissões incorporadas estão im-pressão offset, tecnologia de edi-ficação, estruturas metálicas,marcenaria de estruturas, siste-ma de construção drywall, pintu-ra automotiva, funilaria automo-tiva, robótica móvel e sistema detransporte de informação.

“A entrada de novas profis-sões ocorre por causa do incre-

mento de tecnologias no merca-do”, explica José Luís Leitão.Por exemplo, as edificações ti-nham como base as colunas deconcreto armado, mas atualmen-te foi incluída a aplicação de es-truturas metálicas de suportenas construções.

Algumas ocupações que jáeram contempladas há mais tem-po nos cursos do Senai só passa-ram a fazer parte do torneio esteano, entre elas impressão offset.Nesses casos, houve alinhamen-to dos currículos entre as unida-des estaduais, o que permitirá acompetição em igualdade de con-dições.

Mundial. Os estudantes selecio-nados na Olimpíada do Conheci-mento vão participar no ano quevem da 42.ª WorldSkills, compe-tição internacional de educaçãoprofissional que será em Leip-

zig, na Alemanha. Em 2011, notorneio mundial sediado emLondres, o Brasil ficou em segun-do lugar, atrás da Coreia do Sul eà frente de países como Japão,Suíça e Cingapura. Os alunos bra-sileiros receberam seis meda-lhas de ouro, três de prata e duasde bronze. O País passou a serreferência mundial na formaçãode profissionais em desenho me-cânico em CAD, eletrônica in-dustrial e mecânica de refrigera-ção, áreas que tiveram ouro emduas edições da competição.

O aluno Willian Ramon Gras-sioti de Sousa, de 21 anos, con-quistou medalha de ouro no tor-neio WorldSkills no ano passadoem Mecânica de Refrigeração.“Minha força de vontade foimaior do que tudo.” Morador deTaguatinga do Norte, em Brasí-lia, Grassioti sempre estudouem escola pública, mas no ensi-

no médio decidiu seguir a pro-fissão do pai e ingressou para-lelamente no curso de apren-dizagem industrial de mecâni-ca de refrigeração.

Em Web Design, o vence-dor foi Natã Miccael Barbo-sa, de 20 anos. Para o estudan-te, o curso técnico é uma por-ta de entrada para mercadode trabalho. “É muito impor-tante para as pessoas que que-rem começar a trabalhar ce-do nas áreas que gostam”, res-salta. / D.R.

OLIMPÍADA DO CONHECIMENTO

2012 NO PAVILHÃO DE EXPOSIÇÕES

DO ANHEMBI, ZONA NORTE DE SÃO

PAULO. ENTRE OS DIAS 12 E 18 DE

NOVEMBRO. ENTRADA GRATUITA

João Carlos de OliveiraESPECIAL PARA O ESTADO

É preciso massificar o acesso aoensino universitário para se dis-por de mão de obra qualificada,diz o professor Naércio AquinoMenezes Filho, do Instituto de

Ensino e Pesquisas (Insper). Sóassim, diz ele, o País poderá con-correr em melhores condiçõescom outros países. “Apenas 10%da população adulta brasileiratem curso universitário”, diz Me-nezes Filho. “Nos Estados Uni-dos e na Coreia, esse porcentualchega a 40%; na França, 35%; eno vizinho Chile, 25%.”

Mas o Brasil avançou bastanteem alguns aspectos da área deensino superior. Entre 2000 e2010, a oferta de cursos universi-tários cresceu no País, mas espe-cialmente na área de humanas.

Em decorrência, conta MenezesFilho, a oferta de profissionaisem áreas como, por exemplo, tu-rismo, publicidade e mesmo en-fermagem aumentou, enquantoos salários caíram em termosreais (descontada a inflação).

É exatamente o oposto do queocorreu, no mesmo período, pa-ra médicos, engenheiros, profis-sionais em ciências ambientais eem ciências físicas. Nesses ca-sos, diz o professor, que tambémcoordena os cursos de políticaspúblicas do Insper, a oferta deprofissionais formados se man-

teve constante, embora a deman-da tenha crescido. Resultado: ossalários aumentaram 5% em ter-mos reais nesse período.

Menezes Filho resume: o mer-cado sinaliza a necessidade deprofissionais de nível universitá-rio nas áreas de tecnologia. “OBrasil precisa de cientistas, de en-genheiros, de médicos.”

Formar profissionais nessasáreas, porém, exige investimen-tos elevados por causa da neces-sidade de sofisticados laborató-rios de pesquisa e de uma maiorinfraestrutura de aprendizado(como hospitais, por exemplo),além de um corpo docente maisqualificado. Tudo isso encarecea mensalidade, o que reduz a pos-sibilidade de acesso das classesmais pobres.

Para Menezes Filho, é preciso

promover mudanças na compo-sição dos cursos de ensino supe-rior, que incluam novas formasde financiamento do estudantee mais investimentos – públicose privados – em universidades ecursos.

O professor acredita que osmecanismos de financiamentopúblico para estudantes no ensi-

no superior, como o ProUni e oFies, deveriam “ser mais direcio-nados para esses cursos”. Even-tualmente, por causa das mensa-lidades elevadas, o governo po-deria aperfeiçoar esses mecanis-mos, alongando os prazos de pa-gamentos, por exemplo.

E, embora ele acredite na ne-cessidade dessas mudanças noensino superior, a prioridade dogoverno na educação, na opi-nião dele, é “melhorar a qualida-de da educação básica do Bra-sil”. Menezes Filho lembrou acolocação do País no Pisa, indi-cador da qualidade de ensino bá-sico (matemática, literatura eciências) da Organização paraCooperação e Desenvolvimen-to Econômico (OCDE): entre 55países, o Brasil ficou com umvergonhoso 52.º lugar.

Número de cursos cresce,especialmente de Humanas

Serviço

RYAN PYLE/THE NEW YORK TIMES

Com técnicos, produtividade cresceEspecialistas chamam a atenção para a necessidade de aprimorar o ensino técnico no País para conquistar o interesse dos jovens

Wladimir D’Andrade

Empresas, governos e entidadescivis precisarão se juntar no mo-vimento de qualificação de mãode obra no País, para adequar anecessidade de trabalhadores es-pecializados na sustentação dosinvestimentos futuros. Segundoos especialistas, a solução passapelo aprimoramento do ensinotécnico e pelo aprendizado den-tro das empresas, levando o jo-vem se especializar enquanto es-tuda, antes de buscar o primeiroemprego.

O esforço conjunto poderá re-sultar em reformas na legislaçãotrabalhista e promover o ensinotécnico como boa alternativa decarreira e perspectiva de remu-neração atraente, avalia Stépha-ne Garelli, diretor do institutosuíço de formação de executi-vos, Centro de CompetitividadeMundial da IMD Escola de Negó-cios.

Garelli afirma que o Brasil pre-cisa desenvolver sistemas de en-sino que permitam ao jovem es-tudante desenvolver habilida-des sem necessidade de cursarensino superior – caminho que amaioria da população não podepagar. No último Anuário Mun-dial da Competitividade (WCY,na sigla em inglês), divulgado pe-lo IMD em maio, o indicador quemostra a disponibilidade de for-ça de trabalho qualificada em vá-rios setores de atuação coloca oBrasil na 57.ª colocação, de umtotal de 59 nações avaliadas.

Garelli cita exemplos de paí-ses europeus, onde jovens rece-bem formação das empresas du-rante um período do dia, sem dei-xarem de lado a escola regular.“Esse sistema de aprendizadotem sido muito desenvolvido naAlemanha e na Suíça. As pessoasse tornam operacionais no mer-cado de trabalho mais rapida-mente se comparado com o pe-ríodo mais longo de formaçãoacadêmica. É preciso que os tra-balhadores desenvolvam suashabilidades nas empresas, inves-tir em treinamento.”

Em Dubai e Abu Dabi, noOriente Médio, cita Garelli, osgovernos exigem das multinacio-

nais, como contrapartida daatuação das empresas no local, acriação de colégios técnicos paratreinar a força de trabalho local.“Companhias estrangeiras po-dem ser importantes agentes daformação da mão de obra local etransferir novas habilidades pa-ra os trabalhadores do país.”

O problema da falta de mão deobra qualificada no Brasil decor-re do cenário positivo da econo-mia brasileira, diz Carlos Arru-da, coordenador do Núcleo deInovação da Fundação Dom Ca-bral, instituição responsável pe-los dados do Brasil no WCY, doIMD. De acordo com ele, as opor-tunidades de emprego disponí-veis no mercado brasileiro deses-timulam o jovem a aprofundar asua formação. “A educação setornou algo importante, mas

não prioritário”, diz.Uma das consequências desta

situação é a “baixíssima” produ-tividade do brasileiro. No WCYo Brasil ocupa a 52.ª posição noranking de 59 países que mede arentabilidade do trabalhador emrelação ao Produto Interno Bru-to (PIB). Os dados, de 2011, mos-tram que a rentabilidade anualmédia da mão de obra brasileiraé de US$ 22.914. Na Argentina éde US$ 45.558; no Canadá, chegaa US$ 78.887; e nos Estados Uni-dos, US$ 106.098. “À medidaque incluímos mais gente nomercado de trabalho com baixaqualificação, menos valor agrega-mos à nossa economia”, afirmaArruda.

Um dado que pode ilustrar aescassez de profissionais comcondições de levar a um aumen-

to da produtividade da econo-mia nacional é a baixa formaçãode profissionais graduados nasáreas de ciência e engenharia. Deacordo com o WCY, apenas15,2% dos alunos das universida-des brasileiras estão matricula-dos em cursos dessas áreas, opior porcentual entre 56 paísesanalisados nesse quesito. NoChile a parcela atingiu 29,3% ena China, 55,08%.

“As engenharias ficaram pre-sas a uma redução da demandapelos profissionais após o mila-gre econômico (da década de70). Muitos, então, foram traba-lhar no setor financeiro”, contao diretor da Fundação Dom Ca-bral. “Se um país quer crescercom agregação de valor, tem deformar profissionais nessa área(engenharia)”, diz.

Resistência cultural. No Bra-sil, a qualificação técnica damão de obra é dependente dochamado Sistema S, formadopor organizações criadas pelossetores produtivos e que incluio Serviço Nacional de Aprendi-zagem Industrial (Senai), o Ser-viço Nacional de Aprendiza-gem Comercial (Senac) e o Ser-viço Nacional de Aprendiza-gem do Cooperativismo (Ses-coop), entre outros.

Este conjunto de institui-ções, no entanto, não consegueatender o tamanho da necessi-dade atual das empresas porprofissionais. “Embora comavanços nos últimos anos, essaqualificação não está sendo su-ficiente para atender à deman-da atual e muito menos a futu-ra”, afirma a diretora da Escola

de Administração de Empresasde São Paulo (Eaesp), da Funda-ção Getúlio Vargas (FGV), Ma-ria Tereza Fleury.

De acordo com ela, existe noPaís uma herança cultural davalorização do bachareladoque cria resistências quanto aoutros caminhos para a forma-ção profissional. “O Brasil pre-cisa dar um reconhecimento aoensino técnico semelhante aoque recebe uma pessoa comcurso universitário”, afirma.

Mas aos poucos, ela observa,ocorre na sociedade brasileirauma flexibilização do conceitosobre a formação técnica. “Jácomeçamos a ver, em uma sé-rie de grupos sociais e entre osjovens que hoje saem do primei-ro grau, uma mudança deolhar.”

Oferta devagas

1.Senai. Serão oferecidas2,5 milhões de vagas em2012, a maioria delaspara cursos de aprendi-

zagem industrial e aperfeiçoa-

mento profissional, sendo 60%das vagas oferecidas gratuitas.De janeiro a agosto deste ano,foram efetuadas 179,4 mil matrí-culas nos cursos técnicos denível médio em 49 diferentesáreas, sendo 55% ou 98,1 mil gra-tuitas.

2.Senac. Mais de 1 mi-lhão de matrículas dejaneiro a agosto, sen-do mais de 382 mil em

cursos gratuitos, incluindo Pro-natec. Trinta por cento das ins-crições são em cursos técnicosde nível médio, com destaquepara os eixos de gestão e negó-

cios, turismo e lazer e ambientee saúde, e nos superiores (76cursos tecnológicos). O restan-te das matrículas, em cursos dequalificação básica e aprimora-mento profissional.

3.Senar. Serão ofereci-das 1 milhão de vagasgratuitas em cursosde formação inicial e

continuada – 23 mil em cursosde 160 horas dentro do Prona-tec. O Senar lançou este ano oprimeiro curso técnico de nívelmédio (1.200 horas).

DISPUTA TEM RECORDEDE INSCRITOS ESTE ANOSenai e Senac classificaram 638 estudantes

Rumos. Na China, estudantes buscam formação profissional nas áreas de ciência e tecnologia: o porcentual atinge 55,08%; no Brasil, o índice é de 15,2%

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

● Baixo alcance

Professor do Insperchama a atenção para anecessidade de maiscientistas, engenheirose médicos no País

NAÉRCIO AQUINOMENEZES FILHOPROFESSOR DO INSPER“Apenas 10% da populaçãoadulta brasileira tem cursouniversitário. Nos EstadosUnidos e na Coreia, esseporcentual chega a 40%.”

Page 8: Caderno Especial Estadão | Educação Profissional

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H8 Especial SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

Soluções

O bicentenário da In-dependência doBrasil, a ser come-morado em 2022, é

a data-limite para que o Paísresolva suas principais defi-ciências na área de educação.Utopia? Para o movimentoTodos pela Educação, trata-se de um objetivo factível: atélá, será possível construir umsistema de educação básicade qualidade para toda a popu-lação, com a premissa de quetodos os setores da sociedadese mobilizem para isso.

Criado em 2006 por lideran-ças da sociedade civil, acadêmi-cos e empresários – como MariaAlice Setubal, do Banco Itaú; Vi-viane Senna, do Instituto AyrtonSenna; e Jorge Gerdau Johannpe-ter, da Gerdau – o movimentoTodos pela Educação partiu doprincípio de que as deficiênciasna educação ameaçam a sobera-nia nacional e o papel que o Paíspretende assumir nos próximosanos. Para estimular a mudança,o movimento começou a pesqui-sar indicadores de qualidade doensino em diversos países e,

após realizar vários encontroscom especialistas na área, estabe-leceu cinco metas principais: to-da criança e jovem de 4 a 17 anosna escola; toda criança plena-mente alfabetizada até os 8 anos;todo aluno com aprendizadoadequado à sua série; todo jo-

vem com o ensino médio con-cluído até os 19 anos e investi-mento em educação ampliado ebem gerido. As metas estipula-das pelo movimento receberama adesão do Ministério da Educa-ção em 2006.

“O Brasil não está mais no mo-

mento de pujança econômicaque vimos nos últimos anos. Aeducação de qualidade semprefoi estratégica, mas agora a ques-tão é mais do que urgente, é ur-gentíssima”, afirma PriscilaCruz, diretora executiva da enti-dade.

O Brasil, diz ela, perde vanta-genscompetitivas emnão univer-salizar o acesso ao ensino e me-lhorar a qualidade da educação.“Os 50 países com os maioresPIBs do mundo já universaliza-ram o acesso à educação, menoso Brasil, que é a sexta economia.Temos 3,8 milhões de crianças ejovens fora da escola, o que é es-candaloso.” O País tem hoje 98%das crianças matriculadas no en-sinofundamental. No ensino mé-dio, esse índice cai para 80%.

Segundo Priscila, o ensino mé-dio enfrenta um duplo desafio:sair da estagnação – os númerosde matrículas não aumentam hádez anos – e se tornar atrativopara os jovens. “De cada 100 alu-nos que ingressam no primeiroano do ensino fundamental, só50 concluem o ensino médio.

Eles sofrem com a defasagemque trazem dos anos anterio-res e ficam desestimulados.”

O empresário Luís Norber-to Pascoal, presidente do Gru-po DPaschoal, que atua nasáreas de serviços automoti-vos e agronegócio, foi um dosfundadores do Todos pelaEducação. Já experiente emprogramas de incentivo à edu-cação – Pascoal mantém aFundação Educar, de apoio aoensino público –, o empresá-rio viu no movimento a possi-bilidade de dar escala aos pro-jetos das entidades do tercei-ro setor e fomentar políticaspúblicas mais abrangentes.

“Um dos principais desa-fios, além de colocar e mantero jovem na escola, será o decapacitar 2 milhões de profes-sores até 2022. E isso só serápossível se abrirmos quatroou cinco frentes de batalha”,diz Pascoal. “Não teremosum ensino médio bom se ofundamental tiver carências.Então, a atuação tem que serintegral.” /A.V.

PAULO GIANDALIA/ESTADÃO-17/10/2011

Terceiro setorse volta parao ensino médioOrganizações não governamentais dão apoio à educação econcentram esforços na capacitação e no ensino profissionalizante

TUDO RESOLVIDOATÉ 2022. E ISSONÃO É UTOPIAPara o movimento Todos pela Educação,é possível ter um sistema de qualidade até lá

Pressa. Para Priscila Cruz, ‘a questão, agora, é urgentíssima’

Andrea VialliESPECIAL PARA O ESTADO

O chamado terceiro setor – quereúne as organizações não gover-namentais e sem fins lucrativos,institutos e fundações ligadas aempresas – há tempos elegeu aeducação como área prioritáriapara suas ações. De um total de134 instituições mapeadas peloGrupo de Institutos, Fundaçõese Empresas (Gife), 82% inves-tem em programas educativosou de apoio à educação pública,segundo estudo concluído em2010 e que está sendo atualiza-do. O ensino fundamental aindarecebe mais de 80% dos investi-mentos sociais, mas cresce oapoio ao ensino médio – 75% dasentidades direcionam recursospara este fim – e também ao ensi-no profissionalizante (39% dasinstituições).

A atenção ao ensino médio e

profissionalizante não ocorre àtoa. O maior déficit educacionalbrasileiro está concentrado noensino médio: de um universode 3,8 milhões de crianças e jo-vens que estão fora da escola ho-je, 1,7 milhão se encontra na fai-xa etária entre 15 e 17 anos – o querepresenta grave risco para a eco-nomia brasileira no médio e lon-go prazos. Na prática, alertam es-pecialistas, o Brasil desperdiça ochamado bônus demográfico –situação em que a população eco-nomicamente ativa supera a dedependentes, como crianças eidosos.

“O maior gargalo da educaçãobrasileira está, sem dúvida, noensino médio. Já estamos des-perdiçando o bônus demográfi-co e colocando sob ameaça os re-centes ganhos de mobilidade so-cial e redução das desigualdadesregistrados nos últimos anos”,afirma Ricardo Henriques, supe-

rintendente executivo do Insti-tuto Unibanco – braço social dainstituição financeira que em2008 foi incorporado pelo ban-co Itaú e investe em projetos vol-tados para jovens na área de edu-cação e gestão escolar.

Para Henriques, que traba-lhou nos Ministérios de Assistên-cia Social (2003 a 2004) e Educa-ção (2004 a 2007) e foi um dosresponsáveis por desenhar o pro-grama Bolsa Família, o Brasil pre-cisa acelerar o processo de tor-nar a escola um ambiente maisatraente para o jovem – e isso pas-sa pela ajuda das organizaçõesnão governamentais.

“A fronteira educacional avan-ça no mundo e o Brasil está len-to. Nossos jovens estão ficandopara trás na corrida pelo conheci-mento e boas oportunidades detrabalho”, diz Henriques. “Paraacelerar esse processo é precisopolítica pública, mas o terceiro

setor pode ajudar com métricasinovadoras e apoio à gestão esco-lar para que as iniciativas bem-sucedidas ganhem escala.”

Reforço. Um dos programasque Henriques coordena no Ins-tituto Unibanco tem foco noaprimoramento da gestão esco-lar no ensino médio. A ideia éapoiar a gestão da escola e a capa-citação dos docentes, para queos professores se dediquem100% à tarefa de reforçar a apren-dizagem dos alunos.

A experiência positiva em es-colas de São Paulo e Minas Ge-rais fez com que a metodologiautilizada se tornasse política pú-blica: este ano, o instituto assi-nou um convênio com o MEC pa-ra expandir o programa paramais cinco Estados e 3.715 esco-las. O plano é beneficiar 3 mi-lhões de estudantes até 2016,com melhoria nos índices deaprovação e nos indicadores dequalidade, como o Índice de De-senvolvimento da Educação Bá-sica (Ideb).

O Instituto Ayrton Senna, quenasceu do desejo do tetracam-peão do automobilismo de redu-zir as disparidades sociais no Bra-sil, é outra entidade do terceirosetor cujo trabalho influencia po-líticas públicas. Fundado em1994, logo após a morte de Sen-na, e gerenciado pela irmã dele,Viviane Senna, o instituto se no-tabilizou por trabalhar em parce-rias com a rede pública de ensi-no. Introduziu programas de re-forço escolar – para ajudar alu-nos repetentes, em defasagemde aprendizado e com dificulda-des no processo de alfabetização

–, gestão escolar e treinamentospara uso de tecnologia em salade aula, entre outros. Em 18anos, atingiu a marca de 2 mi-lhões de estudantes beneficia-dos, em 1.300 escolas em todo oPaís. “Esse é o trabalho que o ter-ceiro setor pode fazer pela educa-ção: mostrar que o ensino públi-co pode ser de qualidade”, dizInês Kisil Miskalo, coordenado-ra da área de educação formal doInstituto Ayrton Senna.

Segundo ela, as metodologiasutilizadas pelo instituto acaba-ram se disseminando no boca aboca dos professores e secretá-rios de Educação. “As boas práti-cas se espalham entre as escolas,os professores vão se aproprian-do daquele conhecimento e issoacaba contaminando positiva-mente toda a comunidade”, con-ta Inês. Há casos de municípios,como a pequena Castelo doPiauí (PI), de 18 mil habitantes,em que a melhoria na educaçãopública influenciou a articula-ção de outras secretarias, comoSaúde e Assistência Social, e auma melhoria ampla nos indica-dores sociais, como redução da

mortalidade infantil e da gravi-dez na adolescência.

Ensino profissionalizante.Além do investimento social pri-vado, outra vertente em que asONGs atuam é no ensino profis-sionalizante e capacitação paraos jovens entrarem no mercadode trabalho. Um exemplo é a Es-pro (Ensino Social Profissionali-zante), entidade ligada ao Ro-tary Clube, que atua na capacita-ção profissional de jovens desde1979 e é mantida com recursosda iniciativa privada. Nas unida-des de formação, os jovens têmcontato com noções básicas so-bre o mercado de trabalho e tam-bém podem fazer cursos na áreade práticas bancárias, varejo, téc-nicas administrativas, gestãohospitalar, entre outros.

O Espro também funciona co-mo um banco de jovens talentospara as empresas contrataremaprendizes como forma de cum-prir a Lei do Aprendiz (nº10.097/00), que estabelece quetodas as empresas de médio egrande portes devem ter no seuquadro de funcionários uma por-centagemde 5% a 15% de aprendi-zes entre 16 e 24 anos.

“O crescimento econômicodos últimos anos ajudou a am-pliar os postos de trabalho, maso acesso ao primeiro empregoainda é difícil para a maioria dosjovens”, afirma Marinus Jan vander Molen, superintendente exe-cutivo do Espro. Com dez cen-tros de formação só na cidade deSão Paulo e sete filiais nas princi-pais regiões metropolitanas, oEspro já auxiliou na formação demais de 60 mil jovens.

Fóruns Estadão BRASIL COMPETITIVO

● Desperdício

DIVULGAÇÃO-8/5/2009

RICARDO HENRIQUESUPERINTENDENTE EXECUTIVO DOINSTITUTO UNIBANCO“O maior gargalo da educaçãobrasileira está, sem dúvida, noensino médio. Já estamosdesperdiçando o bônusdemográfico e colocando sobameaça os recentes ganhos demobilidade social.”

Modelo. Alunos de escola de Teresina (PI) que adota o programa do Instituto Ayrton Senna: mais de 2 milhões de estudantes em 1.300 escolas do País já foram atendidos