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45 2014 ∕ MAIO MAIO / 2014 44 Cabeça de cavalo A moda surgiu num livro que sugere um “experimento social”: fazer turismo vestindo uma cabeça de cavalo. A ideia chegou à rede através de um vídeo de Tom Green, apresen- tador canadense. FACEBOOK CURTIR INSTAGRAM MEMES POSTS TWITTER

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Cabeça de cavaloA moda surgiu num livro que

sugere um “experimento social”: fazer

turismo vestindo uma cabeça de cavalo. A ideia chegou à rede através de um vídeo de Tom

Green, apresen-tador canadense.

FACEBOOK

CURTIRINSTAGRAM MEMES

POSTS

TWITTER

M A I O / 2 0 1 44 6

“Mano vamo para de viver uma vida imaginária ai

pq curtida e faminha de FACE nao vai acrescentar

nada pra vc viu .! #pega_visao_rapa !” Assim com-

partilhou seu último status Lucas Lima, o líder

dos rolezinhos morto no início de abril durante

uma briga em um baile funk, em episódio ainda

misterioso. Lucas Lima tinha 56 mil seguidores no

Facebook. Cada comentário — em geral frases de

auto-ajuda, versículos bíblicos ou auto-ostentação

— era curtido em média por 200 pessoas e com-

partilhado dezenas de vezes. Ele não era artista,

empresário, profissional de sucesso, esportista,

modelo de beleza, político. Sua fama advinha jus-

tamente de ser um fã. Tinha 18 anos e fazia bicos

como servente de pedreiro enquanto fechava o

segundo grau. Morador do bairro de Itaquera, na

zona leste de São Paulo, curtia funk ostentação,

carros bacanas, roupas caras e se notabilizou por

ter sido o principal articulador de um rolezinho

— flashmob de adolescentes que se reúnem para

cantar funk, zoar e namorar — que juntou 3 mil

pessoas no shopping Itaquera.

Lucas tornou-se também a face mais conhecida

de outro curioso fenômeno, este planetário: a era

das celebridades instantâneas. Uma época que

cria pessoas famosas apenas por curtir. Lucas

compartilhava seu gosto pelo mundo do funk e,

como vários garotos de sua idade, queria pegar

geral, tomar umas, se vestir na estica e ser famoso.

O que fazia? Ele simplesmente gostava; e outros

mandavam um joinha justamente por causa disso.

Ele também trabalhava loucamente no Facebook

curtindo posts e status e fotos de seguidores.

Quanto mais amigos, mais seguidores, curtidas

e retuitadas, o maior capital social de Lucas. Não

tenho tudo o que quero, poderia dizer ele, mas

curto tudo o que amo. E Lucas viu que era bom.

“Na essência, somos todos seres sociais, vivemos

para os olhos dos outros”, diz Mario Corso, psi-

canalista e autor do livro A Psicanálise na Terra do Nunca. “Todo mundo quer ser querido, quer

ser notado. Ninguém escapa.”

O primeiro like da história do Facebook foi dado

no dia 9 de fevereiro de 2009. Cinco anos de-

pois, os números mostram o “curtir” como um dos

maiores fenômenos culturais da atualidade. São

1,8 milhão por minuto ou 4,5 bilhões diários na re-

de social criada por Mark Zuckerberg. A moda se

espalhou por outros sites. Por trás desse sucesso

está a relação que os jovens desenvolveram com

a ferramenta. Ter uma postagem curtida, assim

como curtir algo postado por outra pessoa, é uma

forma de ganhar reputação, repercussão. Você só

existe se é curtido ou compartilhado. Esse tipo

de sentimento já influencia a vida das pessoas.

Larissa Giampaoli, 25 anos, é paulistana e mora

em Los Angeles. Com mais de 10 mil seguidores

no Instagram, faz previsão de quantos likes vai

A primeira ocorrência do catbearding é

uma foto posta-da pelo tumblr Catsasters em julho de 2011. Dois dias de-

pois, apareceu a rede social

Reddit e alcan-çou sites como

o Buzzfeed e o Huffington

Post.

Barba de gato

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conseguir com uma foto e se preocupa com os

detalhes para fazer mais sucesso nas redes sociais.

“Já levei mais de uma troca de roupa para pontos

turísticos na minha última viagem para não ficar

repetida nas fotos. Penso no meu ‘público’.”

EEsse Campeonato da Curtição, em que se mede

o índice de popularidade de alguém pelo número

de curtidas, seguidores, amigos ou republicações

de seus posts, acaba de ganhar um documentário

nos Estados Unidos. É Generation Like, dirigido

por Douglas Ruschkoff, que afirma: “Você é o que

você curte”. Um trecho chocante do filme ocorre

quando um bando de adolescentes confessa não

saber o que quer dizer o termo “vender-se”. Não

acham que podem ser usados por empresas para

entender seus hábitos de consumo e assim ofere-

cer a eles produtos que consumirão — e mais tarde

fotografarão e compartilharão. O documentário

demonstra como o marketing moderno é indis-

tinguível da cultura da internet. Ok, somos todos

marcas agora, lembra o filme. Nem é preciso pes-

quisa: os próprios consumidores dizem ao mundo

corporativo o que é bacana — a começar por seus

perfis. Algumas pessoas podem assistir ao do-

cumentário como a radiografia de uma moderna

náusea, outros poderão vê-lo como o caminho das

pedras até o sucesso.

Qualificada como “Me Me Me Generation” pela

revista Time, a geração Y, base de tal fenômeno,

foi retratada como acomodada, narcisista, com ex-

pectativas irreais, afundada na cultura de celebri-

dades e crente que é especial. Fica menos tempo

nos empregos do que as anteriores, mais preocu-

pada em obter satisfação e significado do trabalho

do que em fazer carreira. É uma geração que mira

no intangível conceito de felicidade — que pare-

ce antigo, mas segundo o economista Eduardo

Giannetti, em seu livro Felicidade (Companhia

das Letras), é bem recente. Ele demonstra como

o bem-estar pessoal está ligado ao bem-estar so-

cial, mas que as realizações e ambições mudam de

geração para geração. O bem-estar econômico já

foi o grande horizonte da realização da felicidade.

Para Giannetti, hoje a grande realização é amar

e ser amado. “Continuar aumentando a renda e

os padrões de consumo não vai tornar as pessoas

mais felizes com a vida que têm”, diz o economista.

“Somos cada vez mais infelizes porque teimamos

em querer saciar todas as nossas vontades, desejos

e caprichos. (...) A gente não pode tudo, não.”

PÚBLICO X PRIVADOO rótulo da Time parece particularmente feliz se

transposto para sua versão homófona em por-

tuguês: na “geração mimimi”, o que importa é o

quanto você é amado. Se não é, vem o mimimi,

o chororô e a pulsão de morte. Para escapar da

autocomplacência, curtir-se é o primeiro passo

para o sucesso. Estudo de tendência de consumo

realizado pela Ford mostra que 62% dos adultos

têm melhor auto-estima depois de ser curtidos e

compartilhados em redes sociais. “Num mundo

de hiper-auto-expressão, diários públicos crôni-

cos e outras formas de manifestações digitais,

os consumidores estão criando um ‘eu’ público

que talvez precise de mais validação do que o ‘eu’

verdadeiro”, diz um trecho da pesquisa. Com base

no relatório, Tom Gara, colunista do jornal Wall Street Journal, diz que “Criamos uma forte neces-

sidade de revisitar a nossa narrativa, refiná-la e

editá-la para o nosso gosto — e o gosto dos outros.

Mas quando limamos as arestas no nosso ‘eu’ pú-

blico, não escamoteamos o nosso ‘eu’ verdadeiro?”

Curtem-se imagens de bebês fofinhos; crian-

ças; gatos; cães; crepúsculos; frases de auto-ajuda;

jantares sensacionais; paisagens espetaculares;

memes engraçados. Algumas pessoas topam até

se submeter a situações vexatórias/bizarras para

angariar mais likes. Tome como exemplo o desafio

da canela. Nele, uma pessoa enche uma colher

com o pó da especiaria e tenta engolir tudo de

uma só vez enquanto grava para postar o vídeo

na web. Invariavelmente, os desafiantes falham:

o pó irrita as vias nasais, causa tosse e uma série

de outras reações grotescas. A primeira edição do

desafio foi feita offline em 2001, pelo americano

No Sellotape Selfies, as fotos retratam inter-nautas que en-volveram seus

rostos com fita. Tudo começou com a estudan-te Lizzie Durley, que imitou uma cena do ator Jim Carrey no filme

Sim, Senhor!.

Fita adesiva

na cara

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Erik Goodlad, mas ele só viralizou a partir de

2006, quando um metaleiro chamado Pipe pos-

tou um vídeo no YouTube. O desafio da canela é

apenas um entre milhares de memes que surgem

(e desaparecem com a mesma velocidade) na web.

HIPNÓTICO E CONFORTADORO campeão de likes é o selfie, o autorretrato. Até

Barack Obama, o homem mais poderoso do mun-

do, e seu vice-presidente entraram na onda. Assim

como há celebridades do cinema e da TV que au-

mentam sua base de fãs postando selfies — o ator

James Franco, eternamente em lua-de-mel consigo

mesmo, está entre os exemplos mais irritantes —,

há quem tenha ficado famoso justamente por isso.

É o caso do Benny Winfield, um representante de

vendas de produtos hospitalares de Houston. Ele

postou 500 fotos quase iguais no Instagram — e

conquistou 200 mil seguidores. Há algo de hipnó-

tico e confortador em ver o carismático homem de

bigode na mesma posição todo santo dia. Com a

fama, Winfield (que usa o alter ego @mrpimpgood-

game) abriu uma loja de camisetas.

O vício em selfies rendeu um estudo. A Selfie-

City analisou mais de 3,2 mil imagens em cinco

cidades do mundo: Nova York, São Paulo, Ber-

lim, Bangcoc e Moscou. Uma das constatações:

mulheres fazem mais autorretratos do que ho-

mens. Mais do que isso, elas tiram a foto de um

ângulo 15 graus mais alto para conseguir mos-

trar o próprio corpo. Nem todo mundo lida bem

com a dependência. O britânico Danny Bowman,

19 anos, ficou tão obcecado em obter a imagem

perfeita que passava até dez horas por dia tirando

fotos — chegou a postar 200 delas num prazo de

24 horas. Teve de sair da escola por causa disso e

ficou em casa por seis meses em busca do autor-

retrato campeão. Considerado o primeiro viciado

em selfies, e frustrado em não captar a imagem

ideal, tentou o suicídio — felizmente, sua mãe o

salvou de uma overdose de remédios. Entrou em

terapia e abandonou o iPhone. Seu psiquiatra diz

que o problema não era o excesso de vaidade, e

sim o transtorno dismórfico corporal, quando a

pessoa tem uma preocupação com um ou mais

defeitos percebidos em sua aparência.

Essa frustração pode, em último caso, influen-

ciar negativamente o futuro de países. Em janei-

ro, o departamento de Saúde Mental da Tailândia

emitiu um preocupante aviso sobre o vício em

likes entre os jovens adultos do país. “Se eles não

recebem curtidas, postam outras selfies. Se nem

assim conseguem respostas dos seguidores, per-

dem a autoconfiança e se sentem insatisfeitos com

eles mesmos ou com seus corpos. Isso pode afetar

o desenvolvimento do país no futuro, já que deve

cair o número dos líderes da nova geração. Sem

falar na chance de obstruir a criatividade e o po-

der de inovação da Tailândia.” Em menor escala,

isso acontece por aqui. Rodrigo Diório, estudan-

te de nutrição em Volta Redonda, no Rio de Janei-

ro, já teve uma foto curtida 1.975 vezes no Insta-

gram. Agora, fica incomodado quando não ganha

likes suficientes. “Depois de postar entro de cin-

co em cinco minutos para ver o que escreveram,

quem me marcou, quem seguiu, quem curtiu”,

afirma Diório. “Quando a foto não atinge um nú-

mero de likes eu apago.”

PPara saber o que curtir temos de saber o que é

legal, o que é bacana, o que é cool. Na era das

celebridades instantâneas — em que ser famoso

por 15 minutos, como propunha o artista Andy

Warhol, está à disposição de todos — a relação

se inverteu. Você é curtido porque tem segui-

dores, e tem seguidores porque é curtido. É uma

questão de espalhar seu “eu” nas redes sociais.

Não importa o que você faz, tem de fazer inin-

terruptamente. É o ato de alimentar o tamago-

tchi da rede social: dar tuítes aos porcos, dar

de comer tanto a fãs quanto a trolls. Quanto

mais você é curtido, mais é curtido — ensina o

algoritmo do Facebook. Se você para de ser cur-

tido, para de aparecer na timeline de seus se-

guidores — e eles se esquecem de você. Não é

preciso talento para ser conhecido, mas sim a

eficiência dos robozinhos de Zuckerberg.

Em 2008, Spunky McPunk

postou o pri-meiro exemplo conhecido do “moneyface”: ele aparecia

segurando uma nota antiga de 20 libras ester-linas, estampa-da com o rosto do compositor

inglês Sir Edward Elgar.

Cara de dinheiro

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TThainá Santos, uma mineira de 19 anos, tem

90 mil seguidores no Facebook. Ela conseguiu os

fãs pela rede social Ask — e pela decisão de raspar

o cabelo e ficar totalmente careca. Em seguida co-

meçou a patrocinar encontros beneficentes, como

doações de sangue e afins. Por que você é tão pop,

Thainá? “Meu jeito, eu sou muito sincera e espon-

tânea”, ela diz, pelo chat do Facebook. “Adoro dar

conselhos, as pessoas amam isso em mim e curtem

muito!” E o que você curte? “Posts engraçados,

vídeos, frases. Não curto coisas desnecessárias

ou que não me acrescentam em algo, eu gosto de

posts inteligentes!” Mas foram muitos seguidores

em muito pouco tempo, não? Você fica muito tempo

na internet e no Facebook? “Antigamente eu cos-

tumava ficar mais tempo, hoje em dia nem tanto.”

Em média quantas coisas você posta por dia? “Três

frases, por aí... E 1 ou 2 fotos só! Ganho uns 300

seguidores por dia... acabei de chegar aos 90 mil!”

A explicação para essa compulsão por redes

sociais está no cérebro. Mais especificamente

no núcleo accumbens, região localizada na parte

frontal inferior ligada à sensação do prazer. O Ins-

tituto Freie, em Berlim, mediu a atividade cerebral

de voluntários enquanto eles recebiam feedback

sobre si mesmos. Logo perceberam que o núcleo

accumbens ficava mais ativo quando esses retor-

nos eram positivos. Quando relacionaram o núcleo

accumbens com atividade no Facebook, percebe-

ram que quanto maior a atividade nessa região do

cérebro maior a chance de alguém passar mais

tempo online. Já a professora Kristen Lindquist,

da Universidade da Carolina do Norte, mostrou

que as pessoas recebem uma dose de dopamina,

substância liberada pelo cérebro que dá a sensação

de prazer e de recompensa, quando recebem likes

ou têm seus posts retuitados — efeito parecido com

o da cocaína. “Ao longo do tempo você precisa

Encha uma colher de canela

em pó, tente engolir e, cla-ro, filme tudo

para divulgar na web. O pó irrita as vias nasais, causando rea-

ções grotescas. O primeiro

desafio foi feito offline em 2001.

Entre em galileu.globo.com para ler mais entrevistas com especialistas sobre as pessoas que fazem tudo por um like.+

de mais e mais daquela substância para sentir a

mesma coisa”, diz Kristen. Estudos como esses são

os primeiros a retratar o assunto. Nos próximos

meses devem ser divulgados outros. “O vício em

redes sociais ainda não foi incluído no manual de

diagnóstico e estatísticas de doenças psiquiátricas,

mas existem pesquisadores trabalhando nisso”,

diz Dar Meshi, pesquisador do Freie.

GOSTABILIDADEHá centenas de manuais que ajudam a melhorar

sua inteligência social — a ciência da likeability, a

sua gostabilidade (perdoe o horrível neologismo).

Nos Estados Unidos, acabou de sair o livro The Likeability Factor, do guru marqueteiro Tim San-

ders, que ajudará você a angariar joinhas (sem pre-

cisar comprar — sim, é possível adquirir joinhas e

curtidas). “As escolhas que outras pessoas fazem

a seu respeito determinam sua saúde, riqueza e

felicidade”, diz o texto. “E décadas de pesquisas

provam que as pessoas escolhem as coisas de que

gostam. Votam nelas, compram-nas, casam com

elas e gastam tempo precioso com elas. A boa

notícia é que você pode se armar para esse torneio

e vencer suas batalhas pela preferência. Como?

Aumentando seu fator de gostabilidade. Quanto

mais você é curtido, mais feliz sua vida será.”

Além da gostabilidade, é sempre bom lembrar do

inevitável Círculo do Pop. No começo, você é Cult

— aqui e ali alguém te curte. Depois, vira Hype — e

passa a ser curtido cada vez mais. Se você corres-

ponde às demandas, torna-se Pop — ou seja, é um

sucesso. Mas, se você não conseguir manter-se no

Campeonato da Curtição, o terrível Círculo do Pop

pode fazer um giro para a direita — e aí você vira

Trash. Aquilo que já foi bacana, já foi superlegal,

mas ninguém aguenta mais. O pessoal que te curtia

agora acha você brega porque todo mundo curte.

Com sorte, você escapa de Trash e, com o tempo

e a nostalgia inevitável, vira Vintage — e depois,

quem sabe, pode até voltar a ser Cult de novo. De-

pendendo de seu ânimo, pode ser curtido até voltar

ao Hype, Pop... Mas isso vai depender da sua capa-

cidade de fazer malhação social. Quem curte?

O desa-fio da canela