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Coordenação Alexandre Meirelles 3.ª edição revista, ampliada e atualizada para CONCURSOS PÚBLICOS 2019 Manual de DIREITO ADMINISTRATIVO Cyonil Borges Adriel Sá Facilitado

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Page 1: Borges-Sa Manual de Direito Administrativo Facilitado 3ed · 2019. 3. 12. · Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS 51 Do dispositivo, depreende-se que todos aqueles que integram a Federação

Coordenação

Alexandre Meirelles

3.ª edição

revista, ampliada e atualizada

para CONCURSOS PÚBLICOS

2019

Manual deDIREITO ADMINISTRATIVO

Cyonil BorgesAdriel Sá

Facilitado

Page 2: Borges-Sa Manual de Direito Administrativo Facilitado 3ed · 2019. 3. 12. · Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS 51 Do dispositivo, depreende-se que todos aqueles que integram a Federação

1NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O estudo do Direito Administrativo requer a compreensão de institutos dos mais diversos ramos do Direito e, especialmente, do Direito Constitucional. Por isso, antes de passarmos ao detalhamento dos pormenores de tão rica disciplina, que é o Direito Ad-ministrativo, avançaremos pelos estudos da Teoria Geral do Estado.

1.1.  ESTADO

O conceito de Estado não é fixo no tempo ou no espaço. A própria expressão Estado é, de modo relativo, recente, aparecendo, com o sentido que ora se utiliza, com mais ênfase na obra O príncipe, de Maquiavel (século XVI). Apesar disso, alguns elementos – ditos constitutivos – costumam ser constantes: o humano, o geográfico e o político-administrativo. Com outras palavras, e respeitadas as posições doutrinárias divergentes, a figura do Estado só se faz presente a partir da constituição, nessa ordem, por um povo, por um territórioe por um governo soberano.

Sinteticamente, cada um desses elementos pode assim ser definido:

– POVO é o elemento humano, a base demográfica. Contudo, há uma pequena ressalva. Na realidade, o povo traduz a ideia de cidadão. Com efeito, os cidadãos compõem o povo, ao passo que população é conceito mais abrangente, envolvendo, ainda, todos aqueles que, mesmo não sendo cidadãos, estejam em certo territó-rio. Os estrangeiros não naturalizados, por exemplo, fazem parte da população brasileira, caso aqui vivam, mas não do povo.

– TERRITÓRIO é o limite do Estado, sua base geográfica. – GOVERNO SOBERANO é o elemento condutor do Estado, responsável por sua

organização, afinal, não há Estado real sem soberania!

Ao lado desses elementos, há autores, como José Afonso da Silva, que acrescentam a finalidade como informadora do conceito de Estado, verdadeiro elemento teleológico (finalístico). E essa opinião se sustenta no fato de que não se pode pensar a figura do Estado sem um projeto para o futuro, ou seja, de um fim que o mova, o qual vem a ser a sua finalidade (os interesses públicos). Muitos autores fazem questão de destacar que os

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elementos citados são indissociáveis, ou seja, precisam “andar juntos” para que se chegue à noção conceitual que se tem, atualmente, de Estado. � IMPORTANTE

A uniformidade linguística não é elemento de formação dos Estados, apesar de excelente para que se dê identidade a um povo e facilite a formação de um grande Estado.

Nosso país, por exemplo, é de grande extensão territorial, sendo a integração bastante facilitada por conta da presença de um único idioma, o português. De outro lado, há países em que se fala mais de um idioma e nem por isso deixam de ser vistos como Estado. Exemplos disso, apenas para ilustrar, a Bélgica, a Suíça e o Canadá. Não precisa dizer que há países da África com variados dialetos e, nem por isso, deixam de ser considerados Estados.

Em síntese: Qualquer que seja o Estado, será formado pelos elementos povo, território e governo soberano.

Mas, por que aqui, no Brasil, existem União, Estados, Distrito Federal e Municípios? Qual o sentido jurídico de tais figuras? E os Territórios, onde se situam?

Antes de responder a tais quesitos, deve-se ter em mente que diversas são as formas de Estado, a depender da época, do território e de razões históricas.

1.1.1.  Formas de Estado

Entre as formas de organização do poder político, destacam-se a Confederação, o Estado Unitário e o Estado Federal. Na Confederação, há a reunião de Estados soberanos. No Estado Unitário (puro e impuro), existe um único centro de poder, responsável por todas as atribuições políticas, como a França. Já no Estado Federal, há diferentes polos de poder político, os quais atuam de forma autônoma entre si, como, por exemplo, o Brasil.

Diferentes polos de poder

político, que atuam de

forma autônoma

entre si

Único centro de poder,

responsável por todas as

atribuições políticas

Reunião de Estados

soberanos

Confederação Estado Unitário Estado Federal

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49Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS

Retornemos ao quesito: Qual o sentido jurídico das figuras: União, Estados, Distrito Federal e Municípios?

Vamos à resposta.

A União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios são as pessoas integrantes da Federação, ou seja, são entes políticos componentes da Federação Brasileira. São pessoas jurídicas de direito público interno. � FIQUE LIGADO!

Dica de memorização – A Federação é a FORMA DE ESTADO e é adotada aqui no Brasil.

U E M

Federação

Descentralização política

Todos autônomos, independentes entre si

DF

E os Territórios?

Atualmente, são inexistentes no solo brasileiro. Porém, caso voltassem a existir, os territórios deteriam competência exclusivamente administrativa, e, bem por isso, não poderiam ser considerados, pela CF/1988, como entes federados. Doutrinariamente, os territórios são reconhecidos como autarquias da União (seriam autarquias territoriais).

A capacidade de autogoverno é inexistente, porque o Presidente da República é responsável pela nomeação do Governador do Território, depois de arguição a ser pro-movida pelo Senado Federal. Sobre o tema, vejamos o inc. XIV do art. 84 da CF/1988 (competência privativa do Presidente da República):

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando de-terminado em lei”.

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Voltando à conformação jurídica de nossa Federação, há quem sustente que o Brasil seria, nesse aspecto, espelho do sistema norte-americano. Essa afirmação é só parcialmente verdadeira. Não é bem um espelho, pois a Federação Brasileira foi formada por desagre-gação (movimento centrífugo, segregador), diferentemente do sistema norte-americano (movimento centrípeto ou agregador).

Noutras palavras, nos EUA, havia Estados Soberanos, reunidos em Confederação desde 1776, os quais abriram mão de suas soberanias para aglutinarem-se em torno da Federação, em 1787. Note que houve um movimento da periferia para o centro – de agregação. Já, no Brasil, tínhamos um Estado Unitário, por desagregação (efeito segregador) foi criada a Federação, constitucionalizada a partir de 1891, conferindo-se aos Estados-membros mera autonomia, sendo a República Federativa a guardiã do atributo da soberania. Ou-tra grande diferença é que, no federalismo norte-americano, não se atribui autonomia a Municípios. Então, para o fim de provas, perceba que há diferenças de formação das federações brasileira e americana.

E F

E FE F

E F E F

E F

E F

E F

E S

E SE S

E S E S

E S

E S

E S

Do centro para a periferia Movimento centrífugo Federalismo por desagregação

Da periferia para o centro Movimento centrípeto Federalismo por agregação

EU EF

EU – Estado UnitárioEF – Estado FederalES – Estado Soberano

ExemplosBRASIL EUA

Como visto, o Federalismo está ligado à distribuição interna de poder por diferentes centros políticos. Todos os entes federativos são autônomos, ou seja, podem criar suas próprias normas (legislar), mas não são soberanos ou independentes. A soberania é atri-buto da República, que significa, em breves palavras, o reconhecimento de que o Estado brasileiro tem perante os demais Estados Soberanos. Para consolidar o entendimento, vejamos o art. 18 da Constituição Federal:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

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51Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS

Do dispositivo, depreende-se que todos aqueles que integram a Federação são entes políticos ou federados, com tríplice autonomia, de: legislar, administrar e se autogovernar. Para José dos Santos Carvalho Filho, autonomia, no sentido técnico-político, significa ter o ente político capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração. No primeiro caso, a entidade pode criar seu diploma constitutivo; no segundo, pode organizar seu governo e eleger seus dirigentes; no terceiro, pode organizar seus próprios serviços. Fica o registro de que, atualmente, a Federação é uma das cláusulas pétreas previstas no § 4.º do art. 60 da CF/1988.

Inclusive, esses traços diferenciam as pessoas políticas das entidades da Administra-ção Indireta (autarquias, por exemplo), pois estas são pessoas jurídicas exclusivamente administrativas. � EXEMPLO

A autarquia federal Banco Central não edita leis (autolegislação) e a empresa

pública federal Caixa Econômica não elege governador, prefeito, ou presidente

(autogoverno).

Já vimos que o Estado brasileiro é República Federativa e Estado Democrático de Direito. Agora, veremos dois novos conceitos para agruparmos ao rol já existente: o que é República? O que é ser de Direito e Democrático?

1.1.2.  Forma de governo

Na visão de José Afonso da Silva, a República (a coisa do povo para o povo) é forma de governo, ao lado da Monarquia, mas dessa distinta, referindo-se à maneira como se dá a instituição do poder na sociedade e a relação entre governantes e governados. Responde à questão de quem deve exercer o poder e como esse se exerce.

Ganha destaque o fato de que, no Regime Republicano, o exercício de tal poder não é vitalício. No caso brasileiro, por exemplo, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo, além de eletivos, não são exercidos nem ocupados em caráter permanente, por serem os mandatos temporários e seus ocupantes, transitórios.

Em síntese, podem ser apresentadas as seguintes características da forma de governo República:

ü Legitimidade popular dos Chefes dos Executivos (Presidente, Governadores e Prefeitos) e das Casas Legislativas;

ü Temporariedade dos mandatos eletivos (contraponto da vitaliciedade monárquica);

ü Prestação de contas pelos gestores públicos.

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� APROFUNDAMENTOChefia de Estado e de Governo

Cabe registrar que, no direito internacional, apenas a República tem competência para a formalização de tratados, dela não dispondo a União, os Estados-membros, o Distrito Federal ou os Municípios, enquanto pessoas jurídicas de direito público interno. Na oportunidade, a República é formalmente representada pela União, a qual assume a personalidade jurídica de direito público externo. Nesse particular, e de acordo com o STF (RE 229.096/RS), o Presidente da República subscreve os tratados como Chefe de Estado (representante do Estado em face de outros Estados igualmente soberanos), e não como Chefe de Governo (representante dos afazeres internos – políticas internas).

1.1.3.  Estado de Direito

Inicialmente, vejamos o que nos informa o art. 1.º da Constituição Federal de 1988:

“Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”

O Estado de Direito, destacado no dispositivo, pode ser assim traduzido: O Estado cria as leis (em sentido amplo – a norma) para que a todos sejam impostas, inclusive a si mesmo. Logo, o Estado não se afasta de cumprir a norma que cria. Aliás, de que valeria o Estado criar a norma para vê-la cumprida por todos, se não fosse o Estado o primeiro cumpridor?

A ideia de Estado de Direito baseia-se na imposição de “freios” à atividade do pró-prio Estado. A Lei diz respeito à vontade geral, a qual, obviamente, significa a vontade do povo, a contenção do Estado pelo povo, e não o inverso (parágrafo único do art. 1.º da CF/1988 – “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”).

Com efeito, o Estado de Direito surgiu, essencialmente, para fazer frente ao Estado Absolutista, cujo poder – de base divina e contratualista, por vezes – centrava-se na figura do soberano. No Estado de Direito, a contenção do poder é feita pela lei. Aplica-se a fórmula ocidentalizada do rule of law (o Estado é quem cria as regras, mas a estas deve se sujeitar).

De se destacar que esse “primado da lei” no Estado de Direito gera presunção aplicável a todo e qualquer ato que provenha do Estado: a presunção de legitimidade dos atos estatais. De fato, se o Estado é de Direito e, assim, pressupõe-se que cumpra a lei, todo e qualquer ato proveniente do Estado é produzido, presumidamente, de acordo com a ordem jurídica e, portanto, é legítimo.

E você, agora, pergunta-se: em que importa o conceito de Estado de Direito para o Direito Administrativo?

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53Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS

A resposta é: em tudo! Isso porque o Direito Administrativo nasceu com o Estado de Direito. Como sinaliza Dirley da Cunha Junior, é o Direito, ao qual o Estado passou a se submeter, que regula as relações entre a Administração Pública e os administrados, assegurando a correta e legítima gestão do interesse público e garantindo os direitos dos administrados.

1.1.4.  Estado Democrático

Ao mencionar Estado Democrático de Direito, a CF/1988 deixa evidente que não se trata de reunião meramente formal de elementos, e que os termos “Democrático” e “Direito”, portanto, têm alcances diferenciados, sendo a democracia mais abrangente do que o direito. � EXEMPLO

O Estado da Venezuela é de Direito? Pode-se ter em conta que sim. O problema é saber como são feitas tais leis: será que com a real participação dos cidadãos

ou meramente semântica ou formal?

Exatamente por isso que nosso texto constitucional se preocupou em inserir expres-samente o termo “Democrático”. Foi para afastar, de vez, a ideia de que a Constituição é meramente garantia (negativa ou liberdade, como é o caso da norte-americana), assu-mindo o compromisso formal de evolução para a ideia de Constituição Dirigente (leia--se: preocupada com os direitos sociais – de 2.ª geração – e não tão somente os de 1.ª geração – civis e políticos).

1.2.  TRIPARTIÇÃO DE PODERES E A ORIGEM DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Até o momento, aprendemos que, no Brasil, adotamos a forma de Governo República e a forma de Estado Federação.

Forma

Soberana

Entes autônomos U/E/DF/M

REPÚBLICA

FEDERAL

de Governo

de Estado

Passemos à investigação das três principais funções do Estado: legislar, administrar e julgar, as quais, inclusive, dão origem aos Poderes constituídos, tal qual escrito na CF/1988 (art. 2.º):

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“Art. 2.º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Exe-cutivo e o Judiciário”.

Diversos pensadores, modernos e clássicos, ocuparam-se da abordagem de quais e quantas seriam as principais funções a serem desempenhadas pelo Estado. Apenas para citar alguns mais conhecidos, destacam-se Aristóteles, Hobbes, Locke e Rousseau, com textos bastante difundidos no campo da filosofia jurídica.

Contudo, modernamente, o autor mais influente e discutido a respeito da repartição das atividades de Estado é, muito provavelmente, Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu.

Na sua clássica obra “O Espírito das Leis”, Montesquieu registrou que as missões fundamentais do Estado de legislar (função legislativa: criar o Direito novo), de julgar (função judicial ou jurisdicional: aplicar o Direito aos casos conflituosos, solucionando--os em definitivo) e de administrar (função administrativa ou executiva: usar a norma jurídica criada, para, aplicando-a, dar atendimento às demandas concretas da coletividade) deveriam ser exercidas por órgãos diferentes, independentes entre si.

Desse modo, quem julgasse, não administraria; quem administrasse, não legislaria, e assim sucessivamente. Essa ideia rodeia quase todo o direito ocidental moderno, tal como no Brasil, que, como dito, consagra essa “tripartição” de poderes no art. 2.º da CF/1988.

Acontece que, tecnicamente, a abordagem inicial de Montesquieu não falava de “Po-deres”, mas sim de órgãos distintos, exercentes do Poder. Decorre daí o entendimento de que o Poder é uno, havendo apenas uma distribuição funcional de seu exercício – aquilo que os constitucionalistas chamam de princípio da especialização.

De fato, o Poder do Estado, que é um só, indivisível, é exercido em diversas frentes. A divisão do Poder entre órgãos diferentes possibilita a esses efetuarem um controle re-cíproco, constituindo o que se reconhece na doutrina constitucionalista como sistema de “freios e contrapesos” (checks and balances).

Todavia, diferentemente da tripartição de Montesquieu (considerada mais rígida), o exercício dos Poderes no Brasil dá-se por precipuidade (preponderância, especialização) de função, enfim, não há exclusividade. A seguir, vejamos a representação gráfica da tripartição brasileira:

Administrar e julgar

Administrar e legislar

Poder Legislativo(Legislar e fiscalizar)

Poder Executivo(Administrar)

Poder Judiciário(Julgar)

Funções atípicas

Funções típicas

Legislar

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55Cap. 1 – NOÇÕES INTRODUTóRIAS

Para ilustrar, analisemos os ensinamentos do autor José dos Santos Carvalho Filho, que sintetiza a referida distribuição de funções: CITAÇÃO DOUTRINÁRIA

“Os Poderes estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize.

O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdi-cional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV, e 52, XIII, CF).

O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no exer-cício de função normativa, como na elaboração dos regimentos internos dos Tribunais (art. 96, I, ‘a’, CF), e de função administrativa, quando organiza os seus serviços (art. 96, I, ‘a’, ‘b’, ‘c’; art. 96, II, ‘a’, ‘b’ etc.).

Por fim, o Poder Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função administrativa, desempenha também função atípica normativa, quando produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através de seu poder regulamentar (art. 84, IV, CF), ou, ainda, quando edita medidas provisórias (art. 62, CF) ou leis delegadas (art. 68, CF). Quanto à função jurisdicional, o sistema constitucional pátrio vigente não deu margem a que pudesse ser exercida pelo Executivo”.

Portanto, no Brasil, a função administrativa de Estado é tipicamente exercida pelo Poder Executivo. Contudo, não há como negar que a mesma função é desempenhada por todos os demais Poderes. A questão seria identificar a quem é outorgada a função de forma típica ou atípica. Entendamos isso melhor.

A missão típica do Poder Judiciário é aplicar o direito aos casos litigiosos que lhes sejam submetidos. Contudo, atipicamente, pode deflagrar o processo legislativo, quando encaminha normas para apreciação do Poder Legislativo. Da mesma forma, o Judiciário realiza licitações (administração de compras, obras, serviços) e concursos públicos para seleção de servidores (administração de pessoas), exercendo, mais uma vez de maneira atípica, funções administrativas.

A função administrativa pode ser percebida com relação ao Poder Legislativo quando abre procedimentos administrativos e realiza concursos públicos para acesso aos cargos públicos. O Legislativo também desempenha a atividade jurisdicional, em sentido amplo, quando, por exemplo, o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (inc. I do art. 52 da Constituição Federal).

O Poder Executivo, cuja missão típica é a atividade administrativa, também exerce, atipicamente, a missão legislativa. Exemplo disso é a edição de medidas provisórias por parte do Presidente da República, que possuem força de lei desde sua edição (art. 62 da CF/1988). Havendo previsão na Constituição dos Estados e nas Leis Orgânicas, tanto os Governadores como os Prefeitos ficam autorizados a editarem medidas provisórias.

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Manual de DIREITO ADMINISTRATIVO Facilitado | Cyonil Borges • Adriel Sá56

� APROFUNDAMENTOPoder Executivo e a função jurisdicional

Note que não enfrentamos, acima, a discussão sobre a função jurisdicional a cargo do Poder Executivo. É um daqueles temas cercado de controvérsias. Para o autor José dos Santos Carvalho Filho, por exemplo, ao Poder Executivo não é dado o exercício da atividade jurisdicional (estrito senso), com o sentido que esta deve ser vista, ou seja, com força de definitividade. Ainda que o Executivo decida os processos administrativos de sua competência, as decisões não cons-tituirão coisa julgada material ou definitiva, em sentido estrito, à semelhança das decisões provenientes do Poder Judiciário.

Por isso, podem seus atos ser levados à apreciação do órgão judiciário compe-tente, em razão do princípio da inafastabilidade de jurisdição, contido no inc. XXXV do art. 5.º da Constituição Federal. Transcreva-se: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Obviamente, essa apreciação judicial não é ilimitada, conforme se verá no devido momento.

Assim, a Jurisdição é quase que monopolizada pelo Poder Judiciário e apenas em casos excepcionais pode ser exercida pelo Legislativo. Essa é a posição da doutrina majoritária.

Porém, em concursos públicos, poucas são as verdades absolutas. Há quem defenda que o Poder Executivo exerce atividade jurisdicional, porém sem defi-nitividade – como é o caso do autor Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Não há dúvida de que a questão é tormentosa e, nesse ponto, há forte diver-gência doutrinária, de modo que as bancas examinadoras não deveriam formular quesitos dessa natureza.

Fica a informação final de que os examinadores da banca FCC já formularam questões sobre a atividade judicante a ser levada a efeito pelo Poder Execu-tivo. Normalmente, o quesito se refere às funções exercidas pelas Comissões de Processo Administrativo Disciplinar. A banca examinadora considera, nesses casos, o conceito material de jurisdição, fundamentado pela resolução das lides (conflitos) e não o conceito formal de jurisdição, em que se exige a formação da coisa julgada material (traço da definitividade).

Por sua vez, a banca examinadora Cespe parece trilhar um raciocínio diverso, o de que o Poder Executivo exerce função administrativa ao julgar seus próprios servidores.

•  QF-1 Analista Legislativo (Cargo VI) – Câmara dos Deputados – Cespe – 2014 – No Brasil, o Poder Executivo exerce a função jurisdicional de forma atípica quando julga seus próprios servidores por infrações cometidas no exercício do cargo. Esse exercício é possível graças ao sistema de pesos e contrapesos adotado no país1.

1 QF-1: ERRADO. Para nós, o mais prudente seria a não elaboração de quesitos desta natureza, especialmente porque não há, de costume, indicação bibliográfica nos editais.