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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 775 (Ano IX) (06/01/2017) ISSN - - BRASÍLIA 2017 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 775

(Ano IX)

(06/01/2017)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2017 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–-

 

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        1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 775 de 06/01/2017 (ano IX) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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Circ

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 ‐ 1984‐0454 

SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

06/01/2017 Eduardo Luiz Santos Cabette 

» WHATSAPP e investigação criminal: reserva de jurisdição e 

entendimento do STJ

ARTIGOS  

06/01/2017 Andre Vicentini Gazal » Autofinanciamento para o tráfico de drogas 

06/01/2017 Dark Blacker de Andrade 

» Análise crítica e dogmática dos princípios aplicáveis ao artigo 28 da Lei 

11.343 de 2006 

06/01/2017 Juliana Vieira Bernat de Souza 

» As Agências Reguladoras no Brasil e a Regulamentação no Setor de 

Saúde. 

06/01/2017 Hevelise Silvana Santos da Silva 

» Política pública brasileira: aplicação na assistência municipal 

06/01/2017 Carolina Dias Martins da Rosa e Silva 

» A constitucionalização do direito de família e seus reflexos nas relações 

familiares 

06/01/2017 Tauã Lima Verdan Rangel 

» O Princípio da Função Social da Propriedade: Painel à luz da 

Interpretação Jurisprudencial 

 

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 ‐ 1984‐0454 

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WHATSAPP E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: RESERVA DE JURISDIÇÃO E ENTENDIMENTO DO STJ 

 

EDUARDO  LUIZ  SANTOS  CABETTE:  Delegado  de 

Polícia, Mestre em Direito Social, Pós ‐ graduado com 

especialização  em  Direito  Penal  e  Criminologia, 

Professor  de  Direito  Penal,  Processo  Penal, 

Criminologia e  Legislação Penal e Processual Penal 

Especial na graduação e na pós ‐ graduação da Unisal 

e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos 

Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal. 

A chamada interpretação progressiva ocorre quando um dispositivo 

de lei deve ser submetido a atualização por via interpretativa, sempre que 

há uma alteração nas circunstâncias sociais e esse dispositivo permite uma 

ampliação ou restrição de sentido. 

Um  exemplo  prático  dessa  interpretação  progressiva  e  ampla  do 

dispositivo  encontra‐se  na  decisão  do  STJ  no  HC  51.531  –  RO 

(2014/0232367‐7),  tendo  como  Relator  o  Ministro  Nefi  Cordeiro, 

equiparando  mensagens  de  texto  e  conversas  via  whatsapp  a 

comunicações  telefônicas  de  qualquer  natureza  preconizadas  pela  Lei 

9296/96 e exigentes de ordem judicial para acesso e transcrição, sob pena 

de ilicitude probatória. 

Assim se manifesta o Ministro: 

“Nas  conversas  mantidas  pelo 

programa  whatsapp,  que  é  forma  de 

comunicação  escrita,  imediata,  entre 

interlocutores,  tem‐se  efetiva 

interceptação  inautorizada  de 

comunicações.  É  situação  similar  às 

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conversas mantidas por e‐mail, onde para 

o  acesso  tem‐se  igualmente  exigido  a 

prévia ordem  judicial.  (...). Atualmente, o 

celular  deixou  de  ser  apenas  um 

instrumento  de  conversação  pela  voz  à 

longa  distância,  permitindo,  diante  do 

avanço tecnológico, o acesso de múltiplas 

funções,  incluindo, no  caso, a verificação 

da  correspondência  eletrônica,  de 

mensagens  e  de  outros  aplicativos  que 

possibilitam  a  comunicação  por meio  de 

troca de dados de forma similar à telefonia 

convencional”. 

O “decisum” paradigmático em comento já gera frutos nos Tribunais 

Estaduais: 

“Direito  Processual  Penal.  Prova. 

Realização  de  interceptação  de 

comunicação  telefônica,  informática  ou 

telemática,  ou  quebra  de  segredo  de 

justiça sem autorização judicial. Teoria dos 

frutos da árvore envenenada. 1. Declaro, 

de  ofício,  a  nulidade  das  provas  obtidas 

pelo  aplicativo Watsapp  por  ausência  de 

autorização judicial (Precedente STJ – RHC 

51.531  –  RO,  6ª.  Turma)  2.  Impõe‐se  a 

rescisão  do  julgado  quando  este  for 

contrário  à  evidência  dos  autos, 

desclassificando‐se para o artigo 28, da Lei 

de Drogas, com remessa da ação penal ao 

Juizado Criminal, prejudicado o exame das 

demais  teses.  3.  Ação  revisional  julgada 

parcialmente procedente” (TJGO – S. Crim 

– Rev. Crim.  428199 – 19.2015.8.09.0000 

– rel. Lilia Monica de Castro Borges Escher 

– j. 21.09.2016 – public. 03.10.2016). 

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Seguindo o raciocínio pretoriano, Melo e Silva aduz: 

“Nesses casos, o direito à privacidade 

não  pode  ser  mitigado  em  razão  do 

constante  e  crescente  desenvolvimento 

tecnológico que  transformou os celulares 

em  verdadeiros microcomputadores,  em 

que é possível enviar mensagens de texto, 

acessar  a  internet,  verificar  e  enviar  e  – 

mails  e,  o  mais  utilizado  ultimamente, 

enviar mensagens por meio de aplicativos 

utilizando a internet, que funcionam como 

verdadeiros  e  – mails  vinculados  a  uma 

conta telefônica. 

Daí  por  que  a  inquestionável 

disponibilização e o crescente uso desses 

artefatos  tecnológicos  da  sociedade  já 

demarcaram a mudança de paradigma no 

mundo  do  armazenamento  e  da 

comunicação de dados e informações. Por 

isso, essa atual realidade está a exigir nova 

perspectiva  hermenêutica  da  legislação 

que disciplina a garantia da privacidade. E 

assim  deve  ser  porque  as  garantias 

fundamentais  dadas  aos  cidadãos, 

consagradas  na  Carta  Magna  de  1988, 

devem, em função desse novo quadro da 

tecnologia  das  comunicações,  ser  vistas 

com o olhar do século XXI, para frente, em 

uma visão prospectiva”. [1] 

O  mesmo  autor  lembra  importante  marco  para  reforçar  esse 

entendimento. Trata‐se da Lei 12.965/14 que assim prevê em seu artigo 

7º, incisos I a III: 

“Art.  7º.  O  acesso  à  internet  é 

essencial  ao  exercício da  cidadania,  e  ao 

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usuário  são  assegurados  os  seguintes 

direitos: 

I‐inviolabilidade  da  intimidade  e  da 

vida privada,  sua proteção e  indenização 

pelo  dano material  ou moral  decorrente 

de sua violação; 

II‐inviolabilidade  e  sigilo  do  fluxo  de 

suas comunicações pela internet, salvo por 

ordem judicial, na forma da lei; 

III‐inviolabilidade  e  sigilo  de  suas 

comunicações  privadas,  armazenadas, 

salvo por ordem judicial”. [2] 

Observe‐se que no caso do whatsapp e outros aplicativos similares, 

inclusive  as  comunicações  “armazenadas”  e  não  somente  aquelas  em 

“fluxo” são resguardadas por reserva de jurisdição, o que revela o acerto 

da  doutrina  do  das  decisões  jurisprudenciais  expostas.  Essa  reserva, 

portanto, emana tanto da Constituição Federal (artigo 5º., incisos X e XII) 

como  da  legislação  ordinária  específica  (artigo  7º,  I,  II  e  III  da  Lei 

12.965/14). 

Tenha‐se  em mente  que  atualmente,  por meio  de  um  aparelho 

celular,  é  viável  acessar  o  conteúdo  de  conversas  e  comunicações  em 

geral, com potencial violador da  intimidade ainda maior do que com o 

mero acesso a conversas telefônicas que são breves e não deixam registro 

escrito. O acesso a um celular pode dar conhecimento não somente de 

comunicações  verbais  e  escritas, mas  até mesmo  de  dados  bancários, 

fotos,  documentos,  filmagens,  mídias  em  geral.  A  situação  chega  a 

configurar,  no  dizer  de  Melo  e  Silva,  uma  verdadeira  “interceptação 

previamente degravada” a que os órgãos investigativos têm acesso para 

simples leitura. [3] 

Citando  o  escólio  de  Knunik,  pode‐se  dizer  o  “novo  paradigma 

tecnológico” conduz a uma necessária “proteção ao direito probatório de 

terceira  geração”.  Nesse  passo,  “e  – mails  ou  conversas  instantâneas 

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através da internet não podem ser consideradas ‘cartas abertas’ nas mãos 

da polícia”. [4] 

Por outra banda o mesmo STJ, no RHC 75.800, julgado pela sua 5ª. 

Turma, decidiu que se houver ordem de busca e apreensão do celular está 

implícita  a  verificação  do  conteúdo  de  quaisquer mensagens,  ligações, 

textos,  fotos,  imagens etc. A ordem  judicial de busca e apreensão, por 

consequência lógica, permitiria o acesso aos dados. Este foi o argumento 

do Ministro relator, Felix Fischer, ao afirmar que a ordem de busca “não 

possui  irregularidades  e  permite  a  coleta  de  mensagens”.  Outro 

argumento foi o de que a busca do celular seria inútil se não houvesse o 

direito  de  acesso  aos  dados,  já  que  o  aparelho  em  si,  “desprovido  de 

conteúdo”, não tem serventia “como prova criminal”. [5] 

Efetivamente  razão  assiste  ao  STJ,  pois  que  a  ordem  de  busca  e 

apreensão de um celular somente pode ter por finalidade a pesquisa de 

seu conteúdo. Afora isso, seria um ato despido de sentido. Seria o mesmo 

que afirmar que a ordem de busca e apreensão de uma arma não  tem 

implícita  em  si  a  autorização  para  a  realização  de  exames  periciais  no 

armamento. 

REFERÊNCIAS 

KNUNIK, Danilo. Temas de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal. A trilogia Olmstead – Katz - - Kyllo: o artigo 5º. da Constituição Federal do século XXI. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

MELO E SILVA, Philipe Benoni. A interceptação previamente degravada verificada a posteriori. Boletim IBCCrim. n. 289, p. 11 – 14, dez., 2016.

RODAS, Sérgio. Busca e apreensão de celular autoriza o acesso a dados de mensagens, diz STJ. Disponível em www.consultorjurídico.com.br , acesso em 23.12.2016.

NOTAS:

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[1] MELO E SILVA, Philipe Benoni. A interceptação previamente degravada verificada a posteriori. Boletim IBCCrim. n. 289, dez., 2016, p. 11 – 12.

[2] Op. Cit., p. 12.

[3] Op. Cit., p. 13.

[4] Op. Cit., p. 13. Cf. KNUNIK, Danilo. Temas de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal. A trilogia Olmstead – Katz - - Kyllo: o artigo 5º. da Constituição Federal do século XXI. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 179.

[5] RODAS, Sérgio. Busca e apreensão de celular autoriza o acesso a dados de mensagens, diz STJ. Disponível em www.consultorjurídico.com.br , acesso em 23.12.2016.

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AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS

ANDRE VICENTINI GAZAL: Defensor Público do Estado de São Paulo. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito Constitucional.

RESUMO: O presente estudo visa analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede do REsp nº 1.290.296, relação ao crime de autofinanciamento para o tráfico de drogas.

Palavras-chave: Tráfico de Drogas – Autofinanciamento.

INTRODUÇÃO

A aproximação com o tema em discussão ocorreu em um estudo para apresentação de uma Revisão Criminal sobre uma condenação por tráfico de drogas e autofinanciamento ao tráfico de drogas.

O presente trabalho analisará alguns aspectos do crime de autofinanciamento para o tráfico de drogas, a partir da decisão proferida no REsp nº 1.290.296- PR, apresentando a sua devida aplicação em um caso concreto.

1. BREVE ANÁLISE DO CRIME DE FINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS

Na vigência da Lei nº 6.368/76 o indivíduo que concorresse para o tráfico de drogas por meio de financiamento responderia pelo artigo 12 (atual artigo 33), aplicando a norma do concurso de pessoas do artigo 29 do Código Penal, agravando a pena pelo artigo 62, inciso I, do mesmo diploma legal.

Ocorre que na elaboração da Lei nº 11.343/06 foi inserido um tipo específico para o delito de financiamento ao tráfico de drogas.

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“Em fiel observância a uma das recomendações da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de Viena (art. 3º, § 1º, V), incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto executivo nº 154/1991, o legislador da nova Lei de Drogas resolveu tipificar como crime autônomo a conduta daquele que financia ou custeia a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei nº 11.343/06. Portanto, aquele agente que antes era punido como mero partícipe do crime de tráfico de drogas passa a responder pelo tipo penal autônomo do art. 36 da Lei nº 11.346/06. Cria-se, portanto, mais uma exceção pluralista à teoria monista do concurso de agentes”.[1]

Assim, o legislador criou um tipo específico para a atividade de financiar ou custar o tráfico, afastando-se da regra geral.

O artigo 36 diz: “Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes

previsto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta lei; Pena – reclusão, de 08 (oito) anos a 20 (vinte) anos, e

pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias multa”.

Os elementos do tipo são dois verbos distintos: Financiar: sustentar os gastos, custear, bancar; Custear: prover despesas e gastos.

Os verbos do tipo devem ser praticados com o objetivo da prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas.

2. AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS

A maior controvérsia surgida com a criação do delito autônomo de financiamento para o tráfico de drogas se refere à hipótese de autofinanciamento. Isso ocorre quando o mesmo agente, além de financiar o tráfico, acaba também praticando condutas típicas do próprio tráfico por ele financiado.

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Exemplificando, um agente custeia a compra de determinada droga por um terceiro, mas ao mesmo tempo, concorre no transporte e armazenamento da droga para consumo.

Na questão acima exemplificada, surgiram três entendimentos doutrinários: 1- Responderia pelo crime de financiamento ao tráfico em concurso material com o delito de tráfico; 2- Responderia pelo crime de tráfico com a majorante prevista no artigo 40, inciso VII, da lei de Drogas; 3- Responderia apenas pelo crime de financiamento ou custeio ao tráfico.

A questão ainda é discutida pela doutrina, mas o Superior Tribunal de Justiça analisando um caso concreto, adotou o segundo entendimento no REsp 1.290.296-PR.

3. RECURSO ESPECIAL Nº 1.290.296- PR

No julgamento do REsp nº 1.290.296-PR o Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura elucidou a questão:

’”De acordo com a doutrina especialista no assunto, denomina-se autofinanciamento a situação em que o agente atua ao mesmo tempo como financiador e como traficante de drogas. A matéria gera divergências, havendo manifestações no sentido de que haveria concurso material dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 36 da Lei nº 11.343⁄2006; de que o agente responderia pela pena do artigo 33, caput, com a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da Lei; e de que responderia apenas pelo delito do artigo 36, cuja pena é mais grave que a do artigo 33, caput, da Lei de Drogas.

Com a devida vênia de posicionamentos diversos, creio que a razão está com a Corte Regional, que adotou a segunda solução,punindo os recorridos pelo crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343⁄2006, com a causa de aumento do art. 40, inciso VII, da mesma Lei.

Com efeito, ao prever como delito autônomo a atividade de financiar ou custear o tráfico (art. 36 da Lei nº 11.343⁄2006), objetivou o legislador, em exceção à teoria monista, punir o

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agente que não tem participação direta na execução no tráfico, limitando-se a fornecer dinheiro ou bens para subsidiar a mercancia, sem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ilicitamente.

Por outro lado, para os casos de tráfico cumulado com o financiamento ou custeio da prática do crime, expressamente foi estabelecida a aplicação da causa de aumento de pena do artigo 40, inciso VII, da referida Lei, in verbis:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

(…) VII – o agente financiar ou custear a prática do crime. Eventual adoção de entendimento contrário incorreria em

inegável bis in idem, ao permitir a aplicação da aludida causa de aumento de pena cumulada com a condenação pelo financiamento ou custeio do tráfico. Ou, de outro modo, levaria à conclusão de que a previsão do artigo 40, inciso VII, da Lei de Drogas seria inócua quanto às penas do artigo 33, caput, da Lei, ao se atestar a impossibilidade de aplicação daquela causa de aumento em casos de autofinanciamento para o tráfico”. (grifos nossos – Recurso Especial nº1.290.296-PR Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura )[2]

CONCLUSÃO

A decisão do Superior Tribunal de Justiça é importante diante da celeuma criada na doutrina que apresentava três entendimentos diversos ao mesmo caso concreto.

No entanto, a decisão pode até ser questionável no ponto de vista de que a pena desse agente será menos branda em relação ao que atua apenas como financiador.

Assim, a decisão do Superior Tribunal de Justiça evita uma dupla punição pela mesma conduta delitiva, mas parece que a melhor solução

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seria o agente responder apenas pelo artigo 36 da Lei de Drogas, sendo o tráfico de drogas absorvido através do princípio da consunção, evitando-se o mencionado no parágrafo anterior.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016

FILHO, Vicente Greco. Tóxicos. 14ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011

GOMES, Luís Flávio; Cunha, Rogério Sanches. Legislação Criminal Especial. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NOTAS:

[1] Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, Ed. JusPodivm, 4ª ed., pág. 772

[2] Disponível para consulta no site: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea

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ANÁLISE CRÍTICA E DOGMÁTICA DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO ARTIGO 28 DA LEI 11.343 DE 2006

DARK BLACKER DE ANDRADE: Advogado, formado na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Pós-graduado em ciências criminais.

RESUMO: O presente artigo visa analisar de  forma  crítica os princípios 

aplicáveis ao artigo 28 da Lei de Drogas, tipo legal que prevê a conduta de 

portar/adquirir drogas para consumo pessoal. O tema, objeto de muitos 

debates acadêmicos, encontra‐se em voga em decorrência do  início do 

enfrentamento de  sua  inconstitucionalidade pelo plenário do  Supremo 

Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) 635659. Longe de querer 

exaurir  todos  os  valores  aplicáveis  à  temática,  perpassaremos  por 

princípios  como  o  da  intimidade,  igualdade,  lesividade  e  dignidade 

humana.  Será  realizada  uma  análise  dogmática  e,  posteriormente, 

verificação da legitimidade da incriminação da conduta do usuário frente 

aos anseios constitucionais do Estado Democrático de Direito. 

PALAVRAS‐CHAVE:  ARTIGO  28  DA  LEI  11.343/2006  –  PRINCÍPIOS 

APLICÁVEIS  –  INTIMIDADE  –  LESIVIDADE  –  IGUALDADE  –  DIGNIDADE 

HUMANA. 

ABSTRACT: This article aims to analyze critically the principles applicable 

to article 28 of the Law on Drugs, a legal type that provides for the conduct 

of carrying / purchasing drugs for personal consumption. The subject, the 

subject of many academic debates, is in vogue as a result of the beginning 

of  the  confrontation  by  the  plenary  of  the  Federal  Supreme  Court  in 

Extraordinary  Appeal  (RE)  635659  on  the  unconstitutionality  of  said 

article.  Far  from  wanting  to  exhaust  all  the  values  applicable  to  the 

subject, we will go through principles such as  intimacy, equality,  lesivity 

and  human  dignity. A  dogmatic  analysis will  be  carried  out  and,  later, 

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verification of  the  legitimacy of  the  incrimination of  the conduct of  the 

user against the constitutional longings of the Democratic State of Right. 

KEYWORDS: ARTICLE 28 OF LAW 11.343 / 2006 ‐ APPLICABLE PRINCIPLES 

‐ INTIMACY ‐ LESIVITY ‐ EQUALITY ‐ HUMAN DIGNITY. 

.    ANÁLISE  DO  CRIME  DE  ADQUIRIR/PORTAR  DROGAS  PARA 

CONSUMO PESSOAL

1.1    Artigo 28 da Lei n.° 11.343 de 2006 

O Direito Penal  regula as  condutas humanas que  se ajustam aos 

seus  dispositivos  legais,  ou  seja,  ações  ou  omissões  especificadas  nos 

denominados  tipos  penais.  Destarte,  por  interlúdio  dessas  descrições 

normativas, busca‐se tutelar os valores mais nobres dos seres humanos, a 

exemplo da liberdade, à vida, dentre outros bens jurídicos. 

Nessa  senda,  os  elementos  insertos  nos  textos  normativos 

possibilitam  a  diferenciação  entre  os  atos  de  vontade  proibidos  dos 

permitidos, isto é, quando uma pessoa pratica uma ação ou omissão que 

se ajuste a um desses comandos descritivo‐normativos, diz‐se que  fora 

praticada um fato típico. Consoante explicita Zaffaroni e Pierangeli (2011, 

p.  387),  “obtivemos  já  duas  características  do  delito:  uma  genérica 

(conduta) e outra específica (tipicidade), ou seja, que a conduta típica é 

uma espécie do gênero conduta”. 

Assim  sendo,  são modelos absortos de  comportamentos que,  se 

forem  realizados, haverá  responsabilização penal. Ainda  sobre o  tema, 

expõe  Zaffaroni  e  Pierangeli  (2011,  p.  388)  que  “os  tipos  penais  são 

instrumentos  legais,  logicamente  necessários  e  de  natureza 

predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de 

condutas humanas penalmente relevantes”. 

A conduta que ora se analisa e seus demais delineamentos estão 

expressos no artigo 28 da Lei de Drogas, segue a redação: 

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Art.  28.  Quem  adquirir,  guardar,  tiver  em 

depósito,  transportar  ou  trouxer  consigo,  para 

consumo  pessoal,  drogas  sem  autorização  ou  em 

desacordo com determinação legal ou regulamentar 

será submetido às seguintes penas:  I – advertência 

sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços 

à  comunidade;  III  –  medida  educativa  de 

comparecimento a programa ou curso educativo. § 

1°  Às  mesmas  medidas  submeti‐se  quem,  para 

consumo  pessoal,  semeia,  cultiva  ou  colhe  plantas 

destinadas à preparação de pequena quantidade de 

substâncias ou produto capaz de causar dependência 

física ou psíquica. § 2° Para determinar  se a droga 

destinava‐se  a  consumo  pessoal,  o  juiz  atenderá  à 

natureza e à quantidade da substância apreendida, 

ao  local  e  às  condições  em  que  se  desenvolveu  a 

ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como 

à  conduta  e  aos  antecedentes  do  agente.  §  3°  As 

penas  previstas  nos  incisos  II  e  III  do  caput  deste 

artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) 

meses.  §  4°  Em  caso  de  reincidência,  as  penas 

previstas  nos  incisos  II  e  III  do  caput  deste  artigo 

serão  aplicadas  pelo  prazo  máximo  de  10  (dez) 

meses. § 5° A prestação de  serviços à  comunidade 

será  cumprida  em  programas  comunitários, 

entidades  educacionais  ou  assistenciais,  hospitais, 

estabelecimentos congêneres, públicos ou privados 

sem  fins  lucrativos,  que  se  ocupem, 

preferencialmente, da prevenção do consumo ou da 

recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 

6° Para garantia das medidas a que se refere o caput, 

nos incisos I, II, III, a que injustificadamente se recuse 

o agente, poderá o juiz submetê‐lo, sucessivamente 

a:  I  –  admoestação  verbal;  II  – multa.  §  7° O  juiz 

determinará  ao  Poder  Público  que  coloque  à 

disposição  do  infrator,  gratuitamente, 

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estabelecimento  de  saúde,  preferencialmente 

ambulatorial, para tratamento especializado[1].  

Merece ser dito que essa norma pode ser visualizada de acordo com 

os  seus  elementos: os objetivos‐descritivos, os normativos  (expressões 

que necessitam de uma verificação cognitiva para extrair seus sentidos) e 

os  subjetivos.  É  preciso  verificar  cada  uma  dessas  informações  para 

entendermos de  forma clara e precisa quais comportamentos humanos 

que se amoldam ao tipo em comento.  

Os  verbos  ‐  elementos  objetivos  ‐  são  os  núcleos  do  tipo  penal 

alocados no  texto, consubstanciando em ações penalmente  relevantes. 

Pela redação do artigo retrotranscrito, verifica‐se que foi promovido um 

alargamento na criminalização do usuário de drogas. Antes, o artigo 16 da 

Lei n.° 6.368 de 1976 previa apenas as condutas de adquirir, guardar e ter 

em depósito, sendo acrescido pela nova lei os verbos transportar ou trazer 

consigo substâncias ou produtos proscritos pela lei brasileira, ocorrendo à 

chamada novatio legis incriminadora. 

Praticar a conduta constante no verbo adquirir significa comprar, 

angariar  mediante  o  pagamento  ou  de  forma  gratuita.  Em  relação  à 

expressão guardar, possui o sentido de conservar para utilização em curto 

período, proteger. Ademais, trazer consigo denota a ideia de ter junto ao 

corpo, na carteira, bolso, ou outro meio. Ter em depósito significa maior 

perpetuidade e quantidade relacionada às substâncias psicotrópicas. Por 

fim, transportar significa levar de um lugar para outro por intermédio de 

veículos, sacolas, malas, e etc. 

A posteriori, em seu parágrafo primeiro, o artigo também prevê os 

comportamentos  de  semear  (propalar),  cultivar  (amanhar)  ou  colher 

(recolher) substâncias ou produtos que possam causar dependência física 

ou psíquica, não havendo maiores controvérsias quanto ao sentido desses 

verbos. 

Importante  destacar  que  as  condutas  de  usar  ou  consumir  não 

configuram ilícito penal por falta de previsão normativa (em consonância 

com  o  princípio  da  legalidade).  Basta  imaginarmos  uma  pessoa  sendo 

flagrada após a utilização de alguma substância estupefaciente, a saber, a 

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maconha,  a  cocaína,  o  crack,  dessa  forma,  terminantemente  este 

indivíduo não terá praticado qualquer conduta ilícita (ou antijurídica). 

Em  outro  giro,  o  elemento  subjetivo  do  crime  se  consubstancia 

no dolo, ou seja, na vontade livre e consciente de praticar alguma conduta 

descrita  como  delito.  Traçando  os  contornos  do  tema,  Moraes  e 

Capobianco afirmam que o crime doloso: 

É  aquele praticado pelo agente que objetiva o 

resultado  ou  que,  no  mínimo,  assume  o  risco  de 

produzi‐lo,  isto é,  tem  consciência da  conduta que 

pratica.  Dolo  é  a  vontade  livre  e  consciente  de 

praticar  a  ação  ou  omissão,  de  executar  o  fato 

definido  como  crime  pela  letra  da  lei  (MORAIS; 

CAPOBIANCO, 2010 p.150). 

In  casu,  seria  a  vontade  livre  e  consciente  de  adquirir  ou  trazer 

consigo substância entorpecente na forma prevista no artigo 28 da Lei de 

Drogas.  Não  menos  importante,  porém,  que  a  assunção  do  risco  de 

produzir o resultado desejado (dolo), é impreterível à vontade “específica” 

de  obter  a  droga  para  uso  pessoal.  Sem  a  presença  desse  elemento 

específico da redação legal, o autor terá praticado crime diverso ou o fato 

será irrelevante para o Direito Penal. 

Corroborando  o  exposto,  verbi  gratia,  na  hipótese  de  alguma 

pessoa trazer consigo algum tipo de substancia estupefaciente (o crack, 

por exemplo) com o objetivo de vendê‐la, ao invés de consumi‐la, estará 

inserto na figura prevista no art. 33 da Lei n.° 11.343 de 2006, praticando 

o tráfico ilícito de drogas. 

Nesse ponto, com o fito de diferenciar o usuário do traficante de 

drogas ‐ isso porque as cinco condutas que estão previstas no artigo 28 da 

Lei n.° 11.343 de 2006 também aparecem em seu artigo 33 que dispõe 

sobre  a  figura  do  tráfico  de  drogas  ‐  o  §  2°  traz  critérios  objetivos  e 

subjetivos  de  diferenciação.  Desta maneira,  os  operadores  do  direito 

como os Delegados de Polícia, Promotores e Juízes deverão se atentar à 

natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições 

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em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoas, bem 

como à conduta e aos antecedentes do agente[2]. 

    PANORAMA JURÍDICO 

2.1    Questão Principiológica 

A criminalização da conduta de obter substância entorpecente para 

consumo pessoal entra em colisão com princípios fundamentais do Estado 

Democrático de Direito. Dessa maneira, para compreensão do campo de 

aplicação  e  efetividade  dos  princípios  consagrados  em  nosso 

ordenamento jurídico, passemos à sua análise, verificando seus conceitos 

e  desmembramentos  doutrinários,  investigando  cada  uma  das  normas 

que se relacionam com a temática em comento. 

Destarte,  inegável a  importância de tais proposições genéricas na 

elaboração  e  aplicação  das  leis  do  ordenamento  jurídico.  Quando  da 

regulamentação  de  determinado  interesse  social,  as  autoridades 

competentes  devem  se  basear  na  seleção  das  cargas  valorativas  que 

fundamentem tal ingerência estatal, assim explicita Paulo Nader: 

Quando  se  vai  disciplinar  uma  determinada 

ordem de interesse social, a autoridade competente 

não  caminha  sem  um  roteiro  predelineado,  sem 

planejamento, sem definição prévia de propósitos. O 

ponto  de  partida  para  composição  de  um  ato 

legislativo  deve  ser  o  da  seleção  dos  valores  e 

princípios  que  se  quer  cosagrar,  que  se  deseja 

infundir no ordenamento  jurídico  (NADER, 2007, p. 

200). 

Toda  legislação pressupõe a existência de normas  jurídicas que a 

norteia e delimita. E não apenas  isso, a  legitimidade destas mesmas  leis 

depende,  dentre  alguns  outros  fatores,  da  observância  dos  princípios 

fundamentais  em  consonância  com  a  Constituição  Federal,  diploma 

regulador de todo sistema de normas. Com clareza de ideias Nilo Batista 

afirma que: 

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Tais princípios básicos, embora reconhecidos ou 

assimilados pelo direito penal, seja através de norma 

expressa  (como,  por  exemplo,  o  princípio  da 

legalidade – art. 1° CP), seja pelo conteúdo de muitas 

normas  a  eles  adequadas  (como,  por  exemplo,  a 

inexistência de pena de morte ou mutilações – art. 32 

CP – e o objetivo de integração social na execução da 

pena  –  art.  1°  LEP  –  com  relação  ao  princípio  da 

humanidade),  não  deixam  de  ter  um  sentido 

programático,  e  aspiram  ser  a  plataforma mínima 

sobre a qual possa elabora‐se o direito penal de um 

estado de direito democrático (BATISTA, 2007, p. 61‐

62). 

Inegavelmente,  estes  comandos  valorativos  que  permeiam  o 

ordenamento  jurídico brasileiro possuem papel de extrema  importância 

para consecução da justiça no caso concreto. Por conta disso, passemos, 

neste momento, a perquirir sobre sua definição, começando a partir do 

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: 

Princípio.  (latim  principium,  ‐ii)  S.  m.  1.  O 

primeiro  impulso  dado  a  uma  coisa.  2.  Ato  de 

principiar uma coisa. 3. Origem. 4. Causa primária. 5. 

O  que  constitui  a  matéria.  6.  O  que  entra  na 

composição de algo. 7. Opinião. 8. Frase que exprime 

uma  conduta  ou  um  tipo  de  comportamento.  9. 

Aquilo  que  regula  o  comportamento  ou  a  ação  de 

alguém; preceito moral. 10. Frase ou raciocínio que é 

base  de  uma  arte,  de  uma  ciência  ou  de  uma 

teoria[3]. 

No mesmo dicionário podemos obter o significado de princípios – 

no plural – consubstanciando o seguinte: “Princípios. (...) 11. O princípio 

da  vida,  as  primeiras  épocas  da  vida.  12. Antecedentes.  13.  Educação, 

instrução.  14.  Opiniões,  convicções.  15.  Regras  ou  conhecimentos 

fundamentais e mais gerais”[4]. 

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De  tais  acepções,  conseguimos  extraídas  conotações  que  nos 

remetem ao começo de algo, o que está a princípio, premissas iniciais de 

alguma  ciência,  teoria,  de  onde  emana  algo,  nascente.  Chega‐se  à 

conclusão que nos vários campos de cognição, sejam  relacionados com 

uma  ciência,  teoria  etc.,  princípios  designam  ideias  iniciais  que  lhes 

servem de arrimo, não sendo outro o sentido conferido à Ciência Jurídica. 

Posicionando‐se  sobre  o  tema,  Cristiano  Chaves  e  Nelson  Rosenvald 

trazem a seguinte proposição: 

[...]  Os  princípios  revestem‐se  de  grade 

relevância  porque  marcam,  basicamente,  todo 

sistema  jurídico.  São  proposições  genéricas  que 

informam uma ciência. Sua base valorativa. [...] São, 

portanto,  as  bases  sobre  as  quais  se  constrói  o 

sistema  jurídico. Em outras palavras: constituem as 

proposições genéricas que servem de substrato para 

organização  de  um  ordenamento  jurídico.  Daí  sua 

induvidosa  importância  no  estudo  das  ciências 

jurídicas (CHAVES; ROSENVALD, 2007, p. 35‐36). 

Para José Afonso da Silva (2005, p. 92) os princípios são ordenações 

que se irradiam e imantam os sistemas de normas. Igualmente, Luiz Flávio 

Gomes (2005, p. 01) afirma em seu artigo que “princípios são diretrizes 

gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele)”[5]. 

Conforme  demonstrados  pelos  brilhantes  autores 

supramencionados  os  princípios  possuem  inestimável  relevância  para 

ciência  jurídica,  por  tal  razão,  faz‐se  imperioso  esquadrinhá‐los  para 

compreensão  da  matéria.  Alertando  sobre  esta  necessidade,  o  autor 

Chade Rezek Neto  citado por Djalma  Eutímio  em  seu Curso de Direito 

Penal aduz: 

Desnecessário  sublinhar,  por  evidente,  sua 

importância na interpretação e aplicação do direito, 

pois  “com  o  auxílio  dos  Princípios  Jurídicos,  a 

interpretação  do  Direito  se modifica  para melhor, 

enfocando  ao  aplicador  do  Direito  não  apenas  a 

localização de uma regra para sua aplicação imediata, 

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mas, sim, a construção da norma jurídica aplicável ao 

problema jurídico. Portanto, os Princípios Jurídicos se 

caracterizam por serem de importância fundamental, 

em  relação  à  evolução  do  direito  positivo,  para  a 

regulação  de  novos  fenômenos  sociais”  (REZEK, 

2004, p. 44 apud DJALMA, 2007, p. 53). 

Vale salientar que a Ciência Jurídica se localiza no campo da cultura, 

então,  possui  como  característica  a  mutabilidade,  onde  as  teorias  e 

ideologias mudam em conformidade com os discursos que a corroboram. 

Bem  assim,  possui  uma  linguagem  plurívoca,  discursos  polivalentes 

destinados a prescrever modelos de conduta social a serem seguidas. 

Não  restam dúvidas que a gama de  ideias que  fundamentam  tal 

ciência  traduzem uma peculiaridade ao conceito de princípios  jurídicos, 

qual  seja, várias designações. No  livro dedicado ao  tema,  “Conceito de 

Princípios Constitucionais”, Ruy Samuel Espíndola expõe a seguinte ilação: 

Assim,  na  Ciência  Jurídica,  tem‐se  usado  o 

termo  princípio  ora  para  designar  a  formulação 

dogmática  de  conceitos  estruturados  por  sobre  o 

direito positivo, ora para designar determinado tipo 

de  normas  jurídicas  e  ora  para  estabelecer  os 

postulados  teóricos,  as  proposições  jurídicas 

construídas  independentemente  de  uma  ordem 

jurídica  concreta  ou  de  institutos  de  direito  ou 

normas  legais  vigentes.  Essa  polissemia  não  é 

benéfica neste campo do saber, em que a confusão 

de conceitos e ideias pode levar à frustração da práxis 

jurídica ou à sonegação, por uma prática equívoca, de 

direitos  ou  de  situações  protegíveis  pelo  sistema 

jurídico posto (ESPÍNDOLA, 2002, p. 55). 

Nesse diapasão, dependendo do contexto em que se encartam, aos 

princípios  são  conferidas  pela  Ciência  do  Direito  diferentes  funções  e 

modos  de  aplicação.  Repisando  este  raciocínio  continua  Ruy  Samuel 

Espíndola: 

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Ao  se  tratar  de  princípios,  neste  campo  das 

ciências  humanas,  deve‐se  distinguir  claramente 

entre a norma e o texto que a contempla; a norma do 

discurso sobre a norma; as categorias de normas que 

veiculam princípios. E mais: os princípios constantes 

nas  normas  devem  distinguir‐se  dos  princípios 

próprios à interpretação das normas. E ao se realizar 

esse exercício de distinção, chega‐se à conclusão de 

que a noção de princípio antes apontada é apenas o 

primeiro  momento  de  uma  indagação  teórica 

tendente a dar conta dos grandes problemas que são 

colocados aos operadores do Direito, no momento 

de  lidarem  com  os  “princípios  no  Direito” 

(ESPÍNDOLA, 2002. p. 56). 

Diante  da  supramencionada  polissemia  conceitual,  surge  a 

incontornável necessidade de distinguir os princípios jurídicos das regras 

de  direito.  Traçando  este  perfil  exegético  e  ressaltando  obrigatória 

distinção acima apontada aduz José Afonso da Silva: 

Há,  no  entanto,  quem  concebe  regras  e 

princípios como espécies de normas, de modo que a 

distinção  entre  regras  e  princípios  constitui  uma 

distinção  entre  duas  espécies  de  normas.  A 

compreensão  dessa  doutrina  exige  conceituação 

precisa  de  normas  e  regras,  inclusive  para 

estabelecer  a  distinção  entre  ambas,  o  que  os 

expositores  da  doutrina  não  têm  feito,  deixando 

assim obscuro seu ensinamento  (AFONSO, 2005, p. 

92). 

Nessa  sistemática,  sendo  o  Direito  preponderantemente 

dogmático, pois objetiva resolver as pretensões com a menor insegurança 

social  possível,  necessita  de  mecanismos  para  este  arrefecimento  da 

realidade fática. As normas, nesse contexto, seriam a forma com que se 

identificaria o direito. Alguns doutrinadores, a exemplo de Hans Kelsen, 

desenvolveram  teorias  que  colocavam  a  norma  como  objeto  central, 

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senão exclusivo, da Ciência Jurídica. Nesse sentido explica Tércio Sampaio 

Ferraz Jr: 

[...]  Kelsen  afirma  que  os  comportamentos 

humanos  só  são  conhecidos  mediatamente  pelo 

cientista  do  direito,  isto  é,  enquanto  regulado  por 

normas. Os comportamentos, a conduta de um ser 

humano  perante  outro,  diz  ele,  são  fenômenos 

empíricos,  perceptíveis  pelos  sentidos,  e  que 

manifestam um significado. Por exemplo, levantar o 

braço  numa  assembleia  é  uma  conduta.  Seu 

significado  tem  um  aspecto  subjetivo  e  outro 

objetivo. O significado subjetivo desse ato pode ser, 

conforme  a  intenção  do  agente,  um  simples 

movimento  de  preguiça,  o  ato  de  espreguiçar‐se. 

Entretanto,  no  contexto,  esse  ato  pode  ter  um 

significado  objetivo:  manifestou‐se,  ao  levantar  a 

mão, um voto computável para tomar uma decisão. 

Esse  significado  objetivo  é  constituído  por  uma 

norma, a norma segundo a qual o ato de votar será 

contado pelo erguimento do braço (SAMPAIO, 2007, 

p. 98). 

Nas próprias palavras de Hans Kelsen: 

O  que  transforma  este  fato  num  ato  jurídico 

(lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu 

ser natural,  isto é, o seu ser  tal como determinado 

pela  lei  da  causalidade  e  encerrado  no  sistema  da 

natureza, mas o seu objetivo que está  ligado a esse 

ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico 

específico,  a  sua  particular  significação  jurídica, 

recebe‐a o fato em questão por  intermédio de uma 

norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que 

lhe empresta a significação jurídica, por forma que o 

ato  pode  ser  interpretado  segundo  esta  norma 

(KELSEN, 1998, p. 03). 

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Essa teoria, chamada de pura, sofreu diversas críticas devido a sua 

abordagem  extremista,  isso  porque,  o  autor  isolou  a  norma  de  suas 

intenções subjetivas, sociais e etc. Não obstante, deve‐se mencionar que 

a  teoria  em  comento  foi  desenvolvida  em  um  momento  histórico 

denominado de fenômeno da positivação, onde o direito era entendido 

basicamente como disposto por atos humanos, atos de legislar. 

É  certo, porém, que as normas  se  referem a enunciados  verbais 

abstratos que projetam como deve ser o comportamento, por isso consisti 

em um dever‐ser. Constituem em imperativos a ser observados, ou seja, 

caso haja descumprimento  se  impõe  sobre  a  vontade das pessoas por 

intermédio de uma sanção. Trançando estes contornos Paulo Nader aduz: 

[...] instrumento de definição da conduta exigida 

pelo  Estado.  Ela  esclarece  ao 

agente  como e quando agir. O Direito Positivo, em 

todos  os  sistemas  jurídicos,  compõe‐se  de  normas 

jurídicas,  que  são  padrões  de  conduta  social 

impostos  pelo  Estado,  para  que  seja  possível  a 

convivência  dos  homens  em  sociedade  (NADER, 

2007, p. 83). 

Decorre disso que as normas seriam o gênero do qual derivam as 

espécies  regras  e  princípios  jurídicos.  Robert  Alexy  expõe  esta 

diferenciação: 

Trata‐se de dois tipos distintos de norma. Regras 

são  "mandamentos  definitivos",  quer  dizer,  que 

ordenam fazer uma coisa numa medida previamente 

definida.  Princípios,  por  outro  lado,  são 

"mandamentos  de  otimização",  ou  seja,  ordenam 

fazer uma coisa na máxima medida possível. Assim, 

regras são normas cuja medida de aplicação  já vem 

previamente  definida,  enquanto  princípios  são 

normas cuja medida de aplicação deve ser definida, 

pelo julgador, em cada situação de aplicação (ALEXY, 

2001, p. 202). 

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 Repisando o quanto exposto Inocêncio Mártires Coelho explica: 

Noutras palavras, em se  tratando de  regras de 

direito, sempre que a sua previsão se verificar numa 

dada situação de fato concreta, valeta pata essa 

situação  exclusivamente  a  sua  conseqüência 

jurídica, com o afastamento de quaisquer outras que 

dispuserem de maneira diversa, porque no sistema 

não  podem  coexistir  normas  incompatíveis.[...]  No 

campo  da  aplicação  dos  princípios,  ao  contrário,  a 

maioria  entende  que  não  se  faz  necessária  a 

formulação  de  regras  de  colisão,  porque  essas 

espécies  normativas  —  por  sua  própria  natureza, 

finalidade e formulação — parece não se prestarem 

a provocar conflitos, criando apenas momentâneos 

estados  de  tensão  ou  de  mal‐estar 

hermenêutico,  que  o  operador  jurídico  prima 

facie  verifica  serem  passageiros  e  plenamente 

superáveis  no  curso  do  processo  de  aplicação  do 

Direito (MENDES; MÁRTIRES; GONET, p. 53‐55). 

  

Visto a diferenciação entre as espécies de normas jurídicas, torna‐

se  imprescindível  ressaltar  que,  nos  dias  atuais,  a  doutrina majoritária 

reconhece o excessivo grau de juridicidade dos princípios. Assim, afirma 

Alexy (2001, p. 86) que “Los principios son normas que ordenan que algo 

sea  realizado  en  la mayor medida  posible,  dentro  de  las  posibilidades 

jurídicas  existentes.  Por  lo  tanto  los  principios  son  mandatos  de 

optimización”[6].    

Estes mandamentos  valorativos  são  normas,  obrigam,  possuem 

eficácia  jurídica  com  relação  aos  comportamentos  humanos, 

independente da separação conceitual entre Princípios Gerais do Direito 

e  Princípios  Positivos  do  Direito.  Nesse  ponto,  traçando  as  principais 

características desses dois institutos, Eberhard Grabitz delineia o seguinte: 

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Repartem‐se os princípios, numa  certa  fase da 

elaboração  doutrinária,  em  duas  categorias:  a  dos 

que  assumem  o  caráter  de  ideias  jurídicas 

norteadoras,  postulando  concretização  na  lei  e  na 

jurisprudência, e a dos que, não sendo apenas ratio 

legis, mas, também,  lex, se cristalizam desse modo, 

consoante  Larenz  assinala,  numa  regra  jurídica  de 

aplicação  imediata  (1973,  p.  240‐241  apud 

BONAVIDES, 2000, p. 272). 

A partir daí, os princípios gerais do direito podem ser valorados a 

partir  de  premissas  falsas  ou  verdadeiras,  em  consonância  com  as 

descrições normativas da Ciência  Jurídica. De outra parte, os princípios 

positivos do direito são estimados conforme o válido ou inválido, vigente 

ou não, eficaz ou ineficaz, enquanto sistema lógico de normas positivas. 

Inegável  é,  porém,  a  normatividade  que  os  acobertam, 

independente das diferenciações supracitadas. Sendo assim, o artigo 4° da 

Lei de Introdução ao Direito Brasileiro corroborando esta tese, prevendo 

estarem insertos os primeiros na locução que os descrevem, e o segundo, 

no  vernáculo  “lei”.  Ruy  Samuel  Espíndola  (2002,  p.  61)  vai  além, 

conferindo  normatividade  não  só  aos  princípios  que  são  expressa  e 

explicitamente contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também 

aos  que,  defluentes  de  seu  sistema,  são  enunciados  pela  doutrina  e 

descobertos no ato de aplicar o Direito. 

Enfim,  feito  tais  considerações,  passemos  agora  a  análise 

principiológica na perspectiva Constitucional, vertente esta de inestimável 

relevância  para  consecução  dos  objetivos  desse  trabalho  acadêmico. 

Como  assenta  Luís  Roberto  Barroso  (2009,  p.  203)  “os  princípios  – 

notadamente  os  princípios  constitucionais  –  são  a  porta  pelo  qual  os 

valores passam do plano ético para o mundo jurídico”. 

2.2    Perspectiva Constitucional 

O Estado de Direito se consolidou ao longo do século XIX na Europa, 

modelo que separa os poderes e protege os direitos individuais, ideologia 

esta sublimada pela Revolução Francesa. Na segunda metade do século 

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XX  com o  fim da  Segunda Guerra Mundial  erguem‐se  as Constituições 

Normativas, sobrepujando o valorativo papel do Direito nessas mudanças 

sociais. 

Nesse  novo  panorama,  para  que  uma  norma  jurídica  possua 

validade  terminantemente  deve  estar  em  conformidade  com  a 

Constituição,  norma  fundamental  de  todo  o  sistema  jurídico.  Tecendo 

ilações sobre o exposto, Luiz Roberto Barroso dar por certo que: 

A  validade  das  leis  já  não  depende  apenas  da 

forma  de  sua  produção,  mas  também  da  efetiva 

compatibilidade  de  seu  conteúdo  com  as  normas 

constitucionais,  às  quais  se  reconhece  a 

imperatividade  típica  do  Direito.  Mas  que  isso:  a 

Constituição não apenas impõe limites ao legislador 

e  ao  administrador, mas  lhes  determina,  também, 

deveres de atuação (BARROSO, 2009, p. 244‐245).    

O  grande  marco  no  Brasil  desse  novo  direcionamento  foi  a 

Constituição  Federal  de  1988.  É  estabelecido,  incontroversamente,  o 

caráter humanitário com esteio na nova tábua axiológica idealizada pela 

justiça distributiva e  igualdade substancial, paralelo aos dois postulados 

fundamentais: dignidade humana e solidariedade social. Nesse contexto, 

a Carta Magna em seu preâmbulo estabelece que: 

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos 

em  Assembleia Nacional  Constituinte  para  instituir 

um  Estado  Democrático,  destinado  a  assegurar  o 

exercício  dos  direitos  sociais  e  individuais,  a 

liberdade,  a  segurança,  o  bem‐estar,  o 

desenvolvimento,  a  igualdade  e  a  justiça  como 

valores  supremos  de  uma  sociedade  fraterna, 

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia 

social  e  comprometida,  na  ordem  interna  e 

internacional,  com  a  solução  pacífica  das 

controvérsias,  promulgamos,  sob  a  proteção  de 

Deus,  a  seguinte  CONSTITUIÇÃO  DA  REPÚBLICA 

FEDERATIVA DO BRASIL[7]. 

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Deste modo, a Carta Superior não é mais vista como um simples 

documento essencialmente político, passando a carrear status de norma 

jurídica inaugural de uma nova era para os direitos humanos. Assim, nos 

dizeres de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: 

[...] é certo e induvidoso que a Constituição é a 

norma  suprema  do  sistema  jurídico  brasileiro, 

devendo‐lhe obediência, formal e material, todos os 

demais  atos  normativos,  sob  pena  de  se  lhes 

reconhecer  a  inconstitucionalidade,  com  a 

consequente  expulsão  do  sistema  (CRISTIANO; 

ROSENVALD, 2007, p. 20‐21). 

Certamente,  os  princípios  estabelecidos  no  cume  mais  alto  do 

ordenamento,  ou  seja,  em  âmbito  Constitucional,  são  as  diretrizes 

supremas do sistema jurídico brasileira. Tamanha importância é explicada 

pelo doutrinador Paulo Bonavides: 

A  inserção  constitucional  dos  princípios 

ultrapassa,  de  último,  a  fase  hermenêutica  das 

chamadas  normas  programática.  Eles  operam  nos 

textos  constitucionais  da  segunda  metade  deste 

século  uma  revolução  de  juridicidade  sem 

precedente  nos  anais  do  constitucionalismo.  De 

princípios  gerais  se  transforma,  já,  em  princípios 

constitucionais. [...] Impossível deixar de reconhecer, 

pois,  nos  princípios  gerais  de  Direito,  conforme 

veremos, a base e o teor da eficácia que a doutrina 

mais  recente  e  moderna,  em  voga  nas  esferas 

contemporâneas  da  Ciência  Constitucional,  lhes 

reconhece e confere, escorada em legítimas razões e 

excelentes argumentos (BONAVIDES, 2009, p. 259). 

Compactuando  das  mesmas  ideias  são  os  argumentos  de  Ruy 

Samuel Espíndola: 

Sem dúvida, a  teoria dos princípios é, antes de 

tudo, um capítulo deveras rico e  inovador na teoria 

jurídica contemporânea, na era do pós‐positivismo. 

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[...]  A  distinção  entre  regras  e  princípios  como 

espécie  do  gênero  norma,  bem  como  as  demais 

problematizações  dela  decorrentes,  formam  o 

alicerce para sólida compreensão da atual natureza 

principialista do Direito Contemporâneo. [...] Assim, 

é no Direito Constitucional que a teoria dos princípios 

ampliou  o  seu  raio  de  circunferência  científica, 

ganhando maior vigor, latitude e profundidade para 

desenvolver‐se, pois seu campo, agora, é o universo 

das  constituições  contemporâneas, é o estalão das 

normas  constitucionais,  é  o  da  explicitação 

conceitual e iluminação das positivações normativas 

de  realidades  jurígenas  mais  vastas  e  complexas, 

reflexos  da  estatuição  jurídica  do  político 

(ESPÍNDOLA, 2002, p. 75‐76‐77). 

Em preciosa análise do  tema, Cezar Roberto Bitencourt arremata 

dizendo: 

Poderíamos chamar de princípios reguladores do 

controle  penal  princípios  constitucionais 

fundamentais  de  garantia  do  cidadão,  ou 

simplesmente de Princípios Fundamentais de Direito 

Penal  de  um  Estado  Social  e  Democrático  de 

Direito (itálico conforme texto original). Todos esses 

princípios  são  de  garantias  do  cidadão  perante  o 

poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo 

texto constitucional de 1988 (art. 5°). [...] Todos esses 

princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, 

em  nossa  Constituição  (art.  5°),  têm  a  função  de 

orientar o legislador ordinário para a adoção de um 

sistema  de  controle  penal  voltado  para  os  direitos 

humanos,  embasado  em  um  Direito  Penal  da 

culpabilidade,  um  Direito  Penal  mínimo  (itálico 

conforme texto original) e garantista  (BITENCOURT, 

2007, p. 10). 

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Eis o ponto nevrálgico que pretendíamos chegar com o presente 

artigo:  analisar  a  criminalização  da  conduta  de  adquirir  substâncias 

entorpecentes para  consumo pessoal  imanizada pela  luz  irradiante dos 

princípios  constitucionais.  Até  porque,  conforme  assenta  Eugenio  Raúl 

Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 125) “a Constituição Federal 

constitui a primeira manifestação  legal da política penal, dentro de cujo 

âmbito deve enquadrar‐se a legislação penal propriamente dita, em face 

do princípio da supremacia constitucional”.   

2.2.1    Princípio da Igualdade ou Isonomia 

Consoante exposto anteriormente, a Constituição Federal de 1988 

angariou  diversos  avanços  nas  proposições  relativas  aos  direitos  e 

liberdades individuais em comparação com as Constituições precedentes. 

Sem sombra de dúvidas, o princípio da igualdade constitui um dos pilares 

do  direito  penal  do  Estado  de Direito  ou,  se  preferir,  do  direito  penal 

liberal, carreando valores fundamentais da Democracia. 

A  Carta  Maior  prevê  o  princípio  da  igualdade  em  seu  artigo 

5°, caput, prescrevendo: 

Art.  5º  Todos  são  iguais  perante  a  lei,  sem 

distinção  de  qualquer  natureza,  garantindo‐se  aos 

brasileiros  e  aos  estrangeiros  residentes  no  País  a 

inviolabilidade  do  direito  à  vida,  à  liberdade,  à 

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos 

seguintes[8]: 

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu artigo 1° 

também cunhou o referido princípio afirmando que os homens nascem e 

são livres e iguais em direitos, sendo que as distinções sociais só podem 

fundar‐se na utilidade comum[9]. 

Assim, em sentido formal (isonomia possui intrínseca relação com 

o  princípio  da  legalidade),  poderia  ser  externalizado  pela  expressão: 

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Em 

apressada  interpretação  ‐  separada  do  sentido  empírico  –  poder‐se‐ia 

chegar à conclusão de que igualdade seria visualizada apenas em relação 

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à  lei  (indistinção  subjetiva), ou  seja, deveria  ser aplicada  sem  levar em 

consideração as pessoas sob sua égide. Maurício Antônio Ribeiro Lopes 

explica que: 

Entendia‐se,  por  tradição,  que  a  igualdade  de 

todos perante a lei se referia, fundamentalmente, à 

exigência  de  igualdade  na  aplicação  da  lei.  As  leis 

deveriam  ser  cumpridas  sem  que  se  levassem  em 

conta  as  pessoas  que  viessem  a  ser  por  elas 

alcançadas (RIBEIRO, 1999, p. 279). 

No entanto, qualquer interpretação e aplicação da referida norma 

desconexa de sua vertente material desaguariam,  indubitavelmente, na 

inconstitucionalidade. Sem hesitação, deve‐se buscar a igualdade material 

e, corroborando o exposto, Pedro Lenza aduz: 

Deve‐se,  contudo,  buscar  não  somente  essa 

aparente  igualdade  formal  (consagrada 

no  liberalismo  clássico),  mas,  principalmente,  a 

igualdade material, na medida em que a  lei deverá 

tratar  igualmente  os  iguais  e  desigualmente  dos 

desiguais,  na  medida  de  suas  desigualdades.  Isso 

porque,  no  Estado  Social  ativo,  efetivador  dos 

direitos  humanos,  imagina‐se  uma  igualdade mais 

real perante os bens da vida, diversa daquela apenas 

formalizada perante a lei (LENZA, 2008, p. 595). 

Essa  dissonância  interpretativa  levou  a  algumas  classificações 

doutrinárias  que  se  tornaram  desnecessárias  diante  da  orientação  já 

delineada pela jurisprudência e doutrina, na qual se busca o tratamento 

desigual  aos  desiguais  visando  à  isonomia  substancial.  Ensina,  dessa 

maneira, Inocêncio Mártires Coelho: 

Como,  por  outro  lado,  no  texto  da  nossa 

Constituição,  esse  princípio  é  enunciado  com 

referência à  lei — todos são  iguais perante a  lei —, 

alguns juristas construíram uma diferença, porque a 

consideram importante, entre a igualdade na lei e a 

igualdade  diante  da  lei,  a  primeira  tendo  por 

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destinatário  precípuo  o  legislador,  a  quem  seria 

vedado  valer‐se  da  lei  para  fazer  discriminações 

entre pessoas que mereçam  idêntico tratamento; a 

segunda,  dirigida  principalmente  aos 

intérpretes/aplicadores  da  lei,  impedir‐lhes‐ia  de 

concretizar  enunciados  jurídicos  dando  tratamento 

distinto a quem a lei encarou como iguais (MENDES; 

MÁRTIRES; GONET, 2009, p. 179). 

Em  diversos  momentos  a  Constituição  apregoa  esta  isonomia 

material, exempli gratia, estabelecendo a  igualdade entre os homens e 

mulheres em direito e obrigações, conferindo às presidiárias condições de 

permanecerem  com  seus  filhos  durante  o  período  de  amamentação 

(artigo 5°, L, da CF). Em outras passagens, o sentido desse princípio deve 

ser extraído do conjunto sistêmico da Lei Superior, tendo por objetivo a 

igualdade de oportunidades entre as pessoas. 

Indubitavelmente,  os  seres  humanos  são  desiguais  por  diversos 

aspectos,  mas,  por  essência,  também  podemos  ser  descritos  como 

criaturas iguais, pois, em cada um de nós existe um sistema biopsicológico 

destinado a nos proporcionar a existência. Essa pluralidade de ângulos que 

nos  diferem  um  dos  outros  constitui  a  riqueza  humana,  sendo 

extremamente salutar. Todavia, nefastos são os efeitos decorrentes das 

diferenças econômicas e sociais, inviabilizadoras de uma vida saudável e 

justa. 

Enxergando  o  referido  valor  na  área  penal,  podemos  chegar  à 

conclusão de que as  leis estarão sendo aplicadas corretamente quando, 

pessoas de diferentes níveis sociais e econômicos, depois de realizarem 

uma conduta típica, serão responsabilizadas de maneira semelhante pelo 

estatuto  correcional.  Assim,  a  Constituição  prevê  no  próprio  texto  do 

artigo 5°, caput, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, devendo 

a lei penal ser aplicada de forma equânime independente das distinções 

acima apontadas. 

Realizadas tais considerações, passemos agora a analise do artigo 

28 da Lei de Drogas em consonância com o referido princípio. Conforme 

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ficou estabelecido  anteriormente,  a  Lei n.° 11.343/2006 prevê  a  figura 

típica do crime de adquirir drogas para consumo pessoal, sedimentando 

quais as substâncias são consideradas ilícitas por intermédio da Portaria 

do Ministério da Saúde. 

Ora,  senão  extremamente  incongruente,  pelo  menos  deveria 

causar  espanto  perante  nossos  olhos  tal  descrição  ilícita  analisada  em 

consonância com o princípio da igualdade. Isso porque, por interlúdio de 

uma norma penal  em branco, determinam‐se quais  as drogas que  são 

permitidas para consumo e as proibidas, em outras palavras, o que é lícito 

ou  ilícito, quando ambas possuem potencialidade  lesiva ao consumidor. 

Nesse sentido afirma Salo de Carvalho: 

A  ofensa  ao  princípio  da  igualdade  estaria 

exposta no momento em que se estabelece distinção 

de  tratamento  penal  (drogas  ilícitas)  e  não‐penal 

(drogas  lícitas)  para  usuários  de  diferentes 

substâncias,  tendo  ambas  potencialidade  de 

determinar  dependência  física  ou  psíquica.  A 

variabilidade  da  natureza  do  ilícito  tornaria, 

portanto,  a  opção  criminalizadora  essencialmente 

moral (CARVALHO, 2010, p. 270). 

Não  restam dúvidas que, quando  se proíbe determinadas drogas 

com o discurso de que causam danos para quem às utiliza, mas se permite 

outras  substâncias que  também  causam prejuízos para  integridade das 

pessoas,  claramente  faz‐se  sangrar  a  Constituição  notadamente  em 

relação ao princípio da isonomia. O álcool, exemplo de substância lícita, é 

indutor de tolerância e síndrome de abstinência, em níveis elevados no 

sangue  pode  causar  náuseas  e  vômitos,  diplopia,  coma,  hipotermia  e 

morte por parada respiratória. 

Em  sendo  o  real  objetivo  com  a  proibição  de  certas  drogas  a 

preocupação com a saúde pública, congruente seria também a decisão de 

vedar  todas  as  substâncias que de uma  forma ou de outra  causassem 

efeitos  deletérios  para  o  organismo  humano.  Como  pensamos  que  a 

resposta  para  essa  afirmativa  é  negativa,  dever‐se‐iam  possibilitar  o 

consumo  de  todas  aquelas  substâncias  que  provoquem  efeitos 

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equivalentes às permitidas, só assim estaria respeitando a tão obnubilada 

isonomia constitucional. Nesse ponto, são precisas as lições de Lycurgo de 

Castro Santos: 

Desse modo, cremos que ou o legislador proíbe 

a utilização de todos os tipos de estupefacientes que 

cientificamente  comprovados  prejudicam  de 

maneira  mais  ou  menos  uniforme  a  saúde,  ou 

permite o uso e o consumo de todos aqueles que, de 

uma maneira  ou  de outra,  provocam  em  quem  os 

utiliza situações em certo grau equivalentes. O que 

não pode ocorrer, desde uma perspectiva penal, é 

uma  diversidade  de  tratamento  que  compromete 

seriamente esse princípio constitucional  (LYCURGO, 

Tóxicos, pp. 123/124 apud CARVALHO, 2010, p. 270). 

Aduz‐se, então, a patente  inconstitucionalidade da criminalização 

da conduta de adquirir/portar drogas para consumo pessoal em face do 

princípio da igualdade, realizando, isto sim, uma discriminação legislativa. 

Merecem  serem destacadas as  ilações proferidas por Maurício Antônio 

Ribeiro  Lopes  (1999,  p.  279)  no  sentido  que  “o  referido  princípio  não 

proíbe  que  a  lei  estabeleça  distinções,  mas  que  estas  não  sejam 

discriminatórias  dando  tratamento  desigual  fundado  em  categorias 

meramente subjetivas”. 

A  partir  dessa  circunspecção  é  insustentável  juridicamente  a 

referida  proibição  legal  prevista  no  artigo  28  da  Lei  Antidrogas. 

Imiscuindo‐se  no  tema  sobre  o  manto  do  princípio  da  igualdade, 

inquestionavelmente situações similares em consequências advindas com 

a utilização das drogas, sejam elas  lícitas ou  ilícitas, são arbitrariamente 

cuidadas  pelo  poder  legiferante,  consubstanciando  um  verdadeiro 

moralismo criminalizador. 

2.2.2    Direito à Privacidade 

Previsto como um direito dos cidadãos, a privacidade vem expressa 

no  artigo  5°,  inciso  X,  da  Constituição  Federal,  consubstanciando  um 

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mínimo  de  garantia  contra  as  ingerências  ilegais  na  vida  íntima  das 

pessoas. Dessa forma, o referido artigo aduz o seguinte: 

X ‐ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a 

honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito 

a  indenização  pelo  dano  material  ou  moral 

decorrente de sua violação[10]; 

Igualmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, 

em seu artigo XII, regulamenta a matéria: 

XII ‐ Ninguém será sujeito a interferências na sua 

vida  privada,  na  sua  família,  no  seu  lar  ou  na  sua 

correspondência,  nem  a  ataques  à  sua  honra  e 

reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei 

contra tais interferências ou ataques[11]. 

Imperioso  observar  que  a  Constituição  Federal  de  1988,  ao 

contrário das anteriores,  regulou expressamente o  referido princípio. A 

doutrina e a jurisprudência inferem dos artigos acima mencionados uma 

diferenciação entre o direito a intimidade e o relativo à vida privada. Não 

obstante,  ambos  se  assemelham  e,  quanto  se  tem  o  desiderato  de 

distingui‐los,  verifica‐se  uma maior  ou menor  amplitude  das  referidas 

normas  jurídicas. Delineando  essa  variabilidade  terminológica  sustenta 

Manuel Gonçalves Ferreira Filho que: 

Os conceitos constitucionais de intimidade e vida 

privada (itálico conforme texto original) apresentam 

grande  interligação,  podendo,  porém,  ser 

diferenciados  por  meio  da  menor  amplitude  do 

primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do 

segundo. Assim,  intimidade relaciona‐se às relações 

subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações 

familiares  e  de  amizade,  enquanto  vida 

privada  envolve  todos  os  demais  relacionamentos 

humanos,  inclusive os objetivos, tais como relações 

comerciais, de trabalho, de estudo etc. (GONÇALVES, 

1997, p. 35). 

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No mesmo sentido são os ensinamentos de Paulo Gustavo Gonet 

Branco: 

Embora  a  jurisprudência  e  vários  autores  não 

distingam,  ordinariamente,entre  ambas  as 

postulações — de privacidade e de intimidade —, há 

os que dizem que o direito à intimidade faria parte do 

direito à privacidade, que seria mais amplo. O direito 

à privacidade teria por objeto os comportamentos e 

acontecimentos  atinentes  aos  relacionamentos 

pessoais  em  geral,  às  relações  comerciais  e 

profissionais  que  o  indivíduo  não  deseja  que  se 

espalhem  ao  conhecimento  público.  O  objeto  do 

direito  à  intimidade  seriam  as  conversações  e  os 

episódios  ainda mais  íntimos,  envolvendo  relações 

familiares  e  amizades  mais  próximas  (MENDES; 

MÁRTIRES; GONET, 2009, p. 420). 

Inobstante a clareza de opiniões acima proferidas, alguns autores 

preferem se referir aos princípios da  intimidade e da vida privada como 

espécies do gênero direito à privacidade. Este, na hipótese ventilada, seria 

uma  norma  jurídica  prenhe  de  significados,  assim,  não  é  outro  o 

entendimento de José Afonso da Silva: 

De  fato, a terminologia não é precisa. Por  isso, 

preferimos  usar  a  expressão  direito  à  privacidade, 

num  sentido  genérico  amplo,  de  modo  a  abarcar 

todas essas manifestações da esfera íntima, privada 

e  da  personalidade,  que  o  texto  constitucional  em 

exame consagrou (AFONSO, 2005, p. 206). 

Em convergência de entendimentos afirma Dirley da Cunha Júnior: 

A  novel  ordem  constitucional  oferece, 

expressamente, guarida ao direito à privacidade, que 

consiste  fundamentalmente  na  faculdade  que  tem 

cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos 

na  sua  vida  particular  e  familiar,  assim  como  de 

impedir‐lhes  o  acesso  a  informações  sobre  a 

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privacidade  e  intimidade  de  cada  um,  e  também 

proibir que sejam divulgadas informações sobre esta 

área da manifestação  existencial humano  (JÚNIOR, 

2008, p. 636). 

Tércio  Sampaio  Ferraz  com  clarividência  de  ideias  explicita  sua 

opinião: 

Um direito subjetivo fundamental, cujo titular é 

toda  pessoa,  física  ou  jurídica,  brasileira  ou 

estrangeira,  residente ou em  trânsito no país;  cujo 

conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao 

respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, 

isto  é,  das  situações  vitais  que,  por  só  a  ele  lhe 

dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de 

sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a 

integridade moral do titular (SAMPAIO, 1992, p. 77). 

A  intimidade  constitui  uma  esfera  intangível  das  pessoas  (salvo 

algumas  exceções),  legitimadora,  só  para  ilustrar,  dos  segredos  que 

escolhemos não compartilhar. Em havendo  transgressões a esse direito 

fundamental,  incidirão sanções cíveis e criminais sobre o autor do  fato, 

até  porque  se  trata  de  uma  prerrogativa  imprescindível  para  o 

desenvolvimento da personalidade das pessoas. 

Com  relação  à  vida  privada,  esta  seria  um  garantia  de 

independência  dos  indivíduos de  viverem  sua  existência  da  forma  que 

bem entenderem. Nesse sentido, são precisas as palavras de José Afonso 

da Silva: 

[...] como conjunto de modo de ser e viver, como 

direito de o indivíduo viver sua própria vida. Parte da 

constatação de que a vida das pessoas compreende 

dois  aspectos:  um  voltado  para  o  exterior  e  outro 

voltado para o interior. A vida exterior, que envolve 

as  pessoas  nas  relações  sociais  e  nas  atividades 

públicas,  pode  ser  objeto  das  pesquisas  e  das 

divulgações  de  terceiros,  porque  é  pública.  A  vida 

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interior,  que  se  debruça  sobre  a  mesma  pessoa, 

sobre os membros de sua família, sobre seus amigos, 

é a que integra o conceito de vida privada, inviolável 

nos termos da Constituição (AFONSO, 2005, p. 208). 

Evidente,  pois,  que  apesar  das  diferenciações  terminológicas,  o 

direito  à  privacidade  abrange  todos  aqueles  atributos  pessoais 

garantidores  de  uma  vida  íntima  e  digna.  Dessa maneira,  constitui  o 

gênero do qual decorrem direitos como a imagem, segredos de trabalho, 

hábitos, o nome, as relações familiares, os pensamentos e etc. 

Para  realizar  na  prática  os  anseios  apregoados  em  um  Estado 

Democrático, necessário honrar e valorizar os fatores subjetivos dos seres 

humanos,  percorrendo,  dessa  maneira,  na  direção  do  progresso, 

limitando  a  ingerência  estatal  em  vista  do  desenvolvimento  dos 

indivíduos.  Em  consonância  com  essa  extensão  ideológica,  a 

criminalização  da  conduta  de  consumir  substância  modificadora  dos 

sentidos humanos, a nosso viso,  constitui  intervenção  indevida na vida 

privada e íntima das pessoas. 

As  legislações  proferidas  em  âmbito  nacional  e  internacional 

criminalizadoras da referida conduta não subsistem a partir da análise do 

texto constitucional. Repisando essa afirmação são as conclusões de Maria 

Lúcia Karam: 

A  desautorizada  interferência  na  vida  privada 

manifesta‐se  claramente  em  legislações  nacionais 

que,  como  a  brasileira,  reproduzem  a  imposição 

explicitamente  criminalizadora  da  Convenção  de 

Viena. Observa‐se que as regras do artigo 28 da Lei 

11.343/2006 mantêm a criminalização da posse para 

uso  pessoal  das  drogas  tornadas  ilícitas,  apenas 

afastando  a  imposição  de  pena  privativa  de 

liberdade, para  cominar  a  tal  conduta  as penas de 

advertência,  prestação  de  serviços  à  comunidade, 

comparecimento a programa ou curso educativo e, 

em caso de descumprimento, admoestação e multa 

(KARAM, 2009, p. 30).   

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Aliás, aproveitando o ensejo, pretensões surgiram objetivando dar 

fé a fantasia de que a partir da entrada em vigor do novel diploma (Lei n.° 

11.343/06)  os  consumidores  de  drogas  não  iriam mais  à  prisão,  como 

forma de nos conformar com a nova legislação interventiva. Ledo engano, 

isso porque o não encarceramento já ocorria com a Lei n.° 6.368/76 que 

cominava pena de 06 meses a 02 anos e, por causa daquela pena máxima, 

a conduta se enquadrava como de menor potencial ofensivo aplicando‐se 

a Lei n.° 9.099/95 (Juizados Especiais), introdutora da transação penal e da 

suspensão condicional do processo. 

Outra  questão  a  ser  abordada  em  relação  ao  princípio  ora 

analisado, diz respeito à separação entre o que faz parte do Direito e o 

que não esta compreendida nesta esfera. Assim, salienta Salo de Carvalho 

que um dos grandes fundamentos da  inconstitucionalidade do artigo 28 

da Lei de Drogas reside nessa questão: 

Os  direitos  à  intimidade  e  à  vida  privada 

instrumentalizam em nossa Constituição o postulado 

da  secularização  que  garante  a  radical  separação 

entre  direito  e  moral.  Neste  aspecto,  nenhuma 

norma penal criminalizadora será legítima se intervir 

nas  opções  pessoais  ou  se  impuser  padrões  de 

comportamento que reforçam concepções morais. A 

secularização do direito e do processo penal, fruto da 

recepção constitucional dos valores do pluralismo, da 

tolerância  e  do  respeito  à  diversidade,  blinda  o 

indivíduo  de  intervenções  indevidas  na  esfera  da 

interioridade (CARVALHO, 2010, p. 270). 

Vale  repisar que na atual conjuntura em que vivemos, qual  seja, 

sobre a égide de um direito penal liberal, não podemos nos resignar com 

a definição pelo Estado de padrões de  comportamento pertencentes à 

esfera privada das pessoas. Mesmo que a conduta em comento interfira 

na  saúde  dos  indivíduos  que  a  realizam,  não  deve  ser  objeto  de 

regulamentação pelo Direito Penal,  ingerência esta  inadmissível em um 

Estado Democrático de Direito. 

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Destarte,  em  consonância  com  o  quanto  exposto,  o  Tribunal  de 

Justiça de São Paulo proferiu o seguinte acórdão: 

[...]  O  artigo  28  da  Lei  n.  11.343/2006  é 

inconstitucional. A criminalização primária do porte 

de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável 

insustentabilidade  jurídico‐penal,  porque  não  há 

tipificação  de  conduta  hábil  a  produzir  lesão  que 

invada os limites da alteridade, afronta os princípios 

da  igualdade, da  inviolabilidade da  intimidade e da 

vida privada e do respeito à diferença, corolário do 

princípio da dignidade, albergados pela Constituição 

Federal  e  por  tratados  internacionais  de  Direitos 

Humanos ratificados pelo Brasil.   

Parece‐nos, pois, que os aplicadores do direito começam a observar 

os  equívocos perpetrados pela  atual ordem  jurídica,  indubitavelmente, 

pela  função  interpretativa  conferida  pelos  princípios,  possibilitando  a 

correção de eventuais enganos perpetrados pelo legislador em sua função 

político‐criminal. Ressaltando o valor desta garantia fundamental, Salo de 

Carvalho em livro dedicado ao debate das reformas penais afirma: 

Os princípios da  inviolabilidade da  intimidade e 

do respeito à vida privada (art. 5°, inciso X), aliado a 

outros  dispositivos  análogos  [...]  representam 

verdadeira  pedra  angular  de  um  sistema  jurídico 

democrático, pois fornecem, no aspecto processual, 

uma  ferramenta  pródiga  de 

legitimação/deslegitimação da ação (ou omissão) do 

poder  estatal  (atividade  legiferante,  administrativa 

e/ou judicial) em sua relação com o “ser” do cidadão. 

Ou  seja,  por  serem  princípios  diretamente  ligados 

aos direitos de personalidade, determinam a esfera 

de não intervenção dos Poderes Públicos. Lembre‐se 

que  o  respeito  destes  princípios  possibilita  não 

apenas a averiguação dos níveis de  legitimidade do 

sistema, mas os graus de  justiça e validade de toda 

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estrutura  jurídica  infraconstitucional  (BUENO; 

CARVALHO, 2005, p. 153). 

Segundo Maria Lúcia Karam (2009, p. 33) “condutas desta natureza 

dizem  respeito  tão  somente às escolhas pessoais, ao  campo em que a 

liberdade do  indivíduo é absoluta não podendo ser objeto de qualquer 

intervenção”.  Portanto,  a  liberdade  individual  conferida  às  pessoas 

possibilita, da forma como elas bem entenderem, o desenvolvimento da 

esfera  íntima  (desde  que  não  interfiram  em  outras  pessoas),  logo,  a 

contumácia  ingerência  por  parte  do  Estado  nesse  direito  fundamental 

constitui patente inconstitucionalidade.  

2.2.3    Princípio da Lesividade ou Ofensividade 

Questão  imprescindível  para  compreensão  desde  princípio  e  da 

própria Ciência  Jurídica diz  respeito  ao Direito e  a Moral.  Em primeiro 

momento,  até  por  conta  da  inteligibilidade  do  assunto,  teremos  que 

salientar as discussões acerca do que podemos inserir dentro do âmbito 

dogmático‐jurídico e o que está fora desse contexto. 

A  princípio,  o Direito  e  a Moral  possuem  algumas  similaridades, 

pois, nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2007, p. 370) “ambos 

têm caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações numa forma 

objetiva,  isto  é,  independentemente  do  consentimento  subjetivo 

individual”.  Não  obstante,  eles  não  se  confundem,  e  traçar  essas 

desigualdades não é tarefa das mais simples. 

Desta forma, uns dos critérios diferenciadores aceitos pela doutrina 

correspondem  à  exterioridade  e  alteridade  do  direito.  Como  restará 

demonstrado,  podemos  colimar  uma  grande  dessemelhança  entre  os 

preceitos morais e as normas  jurídicas muito em decorrência daquelas 

duas características. 

A  saber,  fatos  sociais possuirão  importância  jurídica se causarem 

algum  tipo  de  lesão  (ou  perigo  concreto  de  lesão)  a  bem  jurídico  de 

outrem, ao passo que comportamentos internos estão fora dessa análise. 

Nessa  feita, para que as manifestações humanas obtenham pertinência 

jurídica,  deveras  transpassar  as  introspecções  pessoais  (exterioridade) 

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lesando direito de outrem (alteridade). Esse desiderato é corroborado por 

Nilo Batista: 

No direito penal, à conduta do sujeito autor do 

crime  deve  relacionar‐se,  como  signo  do  outro 

sujeito, o bem  jurídico  (que era objeto da proteção 

penal e foi ofendido pelo crime – por  isso chamado 

de  objeto  jurídico  do  crime).  [...]  À  conduta 

puramente  interna, ou puramente  individual –  seja 

pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente – falta 

a  lesividade  (itálico  conforme  texto  original)  que 

pode  legitimar a  intervenção penal  (BATISTA, 2007, 

p. 91). 

Curial ressaltar que a diferenciação acima apontada não pode ser 

vista  como  verdade  inconteste,  de  fato,  motivos  e  intenções  são 

proeminentemente relevantes para o Direito Penal, basta rememorarmos 

as questões atinentes aos elementos subjetivos do crime consistentes no 

dolo e na culpa. Do mesmo modo, a moral não é alheia à exterioridade da 

conduta,  até  mesmo  quando  a  intenção  é  boa  pode  ser  pranteada. 

Explicando estas características, Tércio Sampaio Júnior aduz: 

A  despeito  da  objeção  apontada,  há  uma 

diferença  importante  entre  a  norma  jurídica  e  o 

preceito moral. Enquanto aquela admite a separação 

entre a ação motivada e o motivo da ação, o preceito 

moral sempre os considera solidariamente. Isto é, o 

direito  pode  punir  o  ato  independentemente  dos 

motivos ‐ por exemplo, nos caso de responsabilidade 

objetiva – mas  isto não ocorre com a moral, para a 

qual a motivação e ação motivada são  inseparáveis 

(TÉRCIO, 2007, p. 371). 

Por consequência ‐ inobstante a advertência realizada no parágrafo 

anterior  ‐  questões  que  não  ultrapassem  o  âmago  dos  indivíduos, 

terminantemente  devem  ficar  restritas  à  moral.  Nessa  dimensão 

ideológica,  a  partir  do momento  que  nós,  seres  humanos,  pudermos 

resolver nossos problemas sem afetar bem jurídico alheio por intermédio 

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do  dano  (ofensividade),  o  direito  não  deve  intervir.  Repisando  esse 

raciocínio, Roxin infere a seguinte ilação: 

[...]  só  pode  ser  castigado  aquele 

comportamento  que  lesione  direito  de  outras 

pessoas  e  que  não  é  simplesmente  um 

comportamento pecaminoso ou imoral [...] o direito 

penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da 

sociedade, e além desse  limite nem está  legitimado 

nem é adequado para a educação moral dos cidadãos 

(1981, p. 25 e 28 apud BATISTA, 2007, p. 91). 

Outro  argumento  assaz  utilizado  diz  respeito  aos  efeitos 

decorrentes  da  inobservância  das  regras  jurídicas,  nesse  caso,  será 

infligida  ao  contraventor  uma  sanção  expressamente  prevista  na  lei 

(coerção).  Diferentemente,  os  preceitos  morais  podem  ser  realizados 

espontaneamente ou não por estar inserido no íntimo das pessoas e, em 

havendo vitupério, o castigo não advém de seu conteúdo. 

Inobstante  as  características  acima  esposadas,  os  institutos 

convergem  em  algumas  situações,  até  porque  a  Justiça  enquanto  fim 

almejado pelo direito nada mais é do que um princípio moral regulativo (e 

não  constitutivo).  Doravante,  passemos  a  análise  do  crime  de 

adquirir/trazer consigo drogas para consumo pessoal, em desacordo com 

determinação legal ou regulamentar, em face do princípio da lesividade. 

O  pressuposto  lesividade,  altaneiro  para  constituição  de  crimes, 

evidencia o porquê da diferenciação  supramencionada. Nos dizeres de 

Rogério  Greco  (2008,  p.  53)  “remonta  ao  período  iluminista,  que  por 

intermédio do movimento da secularização, procurou desfazer a confusão 

que havia entre direito e moral”. Extraído do artigo 5°,  inciso XXXV, da 

Constituição Federal, explicita que  “a  lei não excluirá da apreciação do 

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[12]. 

Alguns  doutrinadores  preferem  discorrer  acerca  do  escopo 

fundamental  do  Estado  Democrático  de  Direito,  a  saber,  a  Dignidade 

Humana,  para  referendarem  o  referido  princípio.  A  norma  jurídica  da 

lesividade apregoa que, para o  legislador erigir uma conduta humana a 

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crime, faz‐se  imperioso que haja efetiva  lesão ou, ao menos, um perigo 

concreto de lesão ao bem jurídico tutelado. 

Nessa senda, bem jurídico nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt 

(2007, p. 07) pode ser definido “como o valor da vida humana protegido 

pelo Direito, e, como o ponto de partida da estrutura do delito é o tipo de 

injusto,  representa  a  lesão  ou  perigo  de  lesão  do  bem  juridicamente 

protegido”. Prenhe de significados, este conceito revela ser imanente ao 

fato delitógeno a ofensa ou ameaça concreta de dano a um valor relevante 

ao Direito. 

Constata‐se,  nesses  termos,  consoante  expõe  Fernando  Capez 

(2004, p. 25) que “não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao 

menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de  lesão à bem 

jurídico”.  Trazendo  à  baila  as  principais  funções  do  princípio  da 

ofensividade, Nilo Batista ensina que: 

Podemos  admitir  quatro  principais  funções  do 

princípio  da  lesividade.  Primeira:  proibir  a 

incriminação  de  uma  atitude  interna  [...]  Segunda: 

proibir  a  incriminação  de  uma  conduta  que  não 

exceda  o  âmbito  do  próprio  autor  [...]  Terceira: 

proibir    a  incriminação  de  simples  estados  ou 

condições existenciais [...] proibir a  incriminação de 

condutas desviadas que não  afetem qualquer bem 

jurídico (BATISTA, 2007, pp. 92, 93 e 94). 

Merece ser dito o reflexo deste princípio em dois planos distintos: 

um direcionado ao  legislador, delimitando as  condutas que podem  ser 

proibidas,  e  o  outro  destinado  ao  operador  do  direito  na  sua  função 

interpretativa,  adequando  as  normas  aos  princípios  norteadores  do 

Estado de Direito. 

Acontece que, a semelhança do flutuar da areia entre os dedos sob 

a  forte  influência  de  uma  ventania,  o  discurso  legitimador  do  delito 

previsto no artigo 28 da Lei de Drogas degenera a teoria criminal acima 

coligida.  Esta  criminalização  se  atrela  aos  seguintes  fundamentos:  a) 

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consistir em um crime de perigo abstrato e; b) tutelar o bem jurídico saúde 

pública. Nas instruções de Rogério Greco crime de perigo abstrato: 

[...]  também  reconhecido  como  de  perigo 

presumido,  em  que  basta  a  prática  do 

comportamento  previsto  pelo  tipo  para  que  a 

infração  penal  reste  consumada, 

independentemente da produção efetiva de perigo 

ao bem  juridicamente  tutelado,  a  exemplo do que 

ocorre com a posse irregular de arma de fogo de uso 

permitido  (art.  14  da  Lei  n°  10.826,  de  22  de 

dezembro de 2003), bem como o art. 306 do Código 

de Trânsito brasileiro que, com a nova redação que 

lhe  foi dada pela  Lei n° 11.705, de 19 de  junho de 

2008,  que  presume  o  perigo  do  comportamento 

daquele  que  é  surpreendido  conduzindo  veículo 

automotor,  na  via  pública,  estando  com 

concentração de álcool por  litro de sangue  igual ou 

superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de 

qualquer outra substância psicoativa que determine 

dependência (GRECO, 2012, p. 39). 

Nesse ponto, torna‐se  irrelevante para configuração de um crime 

de  perigo  abstrato  um  dano  real,  concreto,  ao  valor  que  se  pretende 

tutelar  com  a  norma,  visto  que,  na  maioria  das  vezes  não  são  bens 

jurídicos palpáveis, como o exemplo da saúde pública. Esses bens coletivos 

justificam a intervenção estatal sobre o fundamento de que, nesses casos, 

os indivíduos não podem dispô‐los sem afetar os demais titulares. 

Denominados de crimes vagos, não possuem vítimas determinadas. 

Dessa maneira, na lição de Damásio de Jesus (1994, p. 184) “são os que 

têm  por  sujeito  passivo  entidades  sem  personalidade  jurídica,  como  a 

família, o público ou sociedade. Ex: ato obsceno (CP, art. 233)”. 

Eis julgado da Turma Recursal do Rio Grande do Sul que corrobora 

as teorias legitimadoras do crime previsto no artigo 28 da Lei Antedrogas: 

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POSSE  DE  SUBSTÂNCIA  ENTORPECENTE. 

ART.  28  DA  LEI  11.343/2006.  SENTENÇA 

ABSOLUTÓRIA.POSSE  DE  ENTORPECENTES. 

Constitucionalidade do art. 28, da Lei de Drogas. A 

quantidade  de  entorpecente  apreendida  com  o 

acusado  já  presume  ameaça  a  bem  jurídico  que 

extrapola  a  individualidade  estrita  do  agente 

possuidor.  Conduta  típica.  Absolvição.  Prova 

judicialmente produzida se mostra insuficiente a dar 

suporte à  sentença condenatória. Art. 386,  inc. VII, 

do  CPP.RECURSO  PROVIDO.  (Recurso  Crime  Nº 

71002404556,  Turma  Recursal  Criminal,  Turmas 

Recursais,  Relator: Newton  Luís Medeiros  Fabrício, 

Julgado em 22/02/2010). 

No mesmo sentido, podemos visualizar outro julgado proferido pela 

Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul: 

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28 DA LEI Nº. 11.343/2006. CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. Inexiste inconstitucionalidade, porquanto o art. 28 da Lei de Drogas tenha como objetivo tutelar a saúde pública, que se reveste do caráter de direito coletivo, sobrepondo-se ao direito individual daquele que utiliza substância entorpecente. A conduta de quem porta substância entorpecente, mesmo que ínfima a quantidade, afigura-se típica, o que se constitui em característica do delito em questão. Não se cogita quanto à descriminalização da conduta em face do advento da lei nº. 11.343/06. A infração tipificada no artigo 28 da Lei de Drogas se caracteriza como de menor potencial ofensivo, comportando a aplicação de penas mais brandas, dentre as quais não se insere a privação de liberdade, o

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que não significa a descriminalização da conduta. Jurisprudência majoritária que vê no cometimento do delito em questão dano à saúde pública, bem jurídico tutelado, não se abrindo espaço, portanto, para a aplicação do Princípio da Insignificância (Recurso Crime N° 71003823838, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Fábio Vieira Heerdt, Julgado em 07/08/2012).

Data vênia, tal linha ideológica não encontra mais espaço diante do 

contexto  teórico  que  estamos  encartados.  Em  uma  ordem  jurídica 

pautada pelo Estado Democrático de Direito, somente na hipótese (salvo 

algumas exceções) de efetiva e concreta investida contra interesse social 

relevante, estar‐se‐ia justificada alguma repressão penal (salvo hipóteses 

excepcionais, como o porte de arma de fogo de forma  irregular). Não é 

outro o motivo que, no entender de Cezar Roberto Bitencourt:

Por  essa  razão,  são  inconstitucionais  todos  os 

chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito 

do  Direito  Penal  de  um  Estado  Democrático  de 

Direito, somente se admite a existência de  infração 

penal quando há efetivo,  real e concreto perigo de 

lesão  a  um  bem  jurídico  determinado.  Em  outros 

termos, o legislador deve abster‐se de tipificar como 

crime  ações  incapazes  de  lesar  ou,  no  mínimo, 

colocar e perigo concreto o bem  jurídico protegido 

pela  norma  penal.  Sem  afetar  o  bem  jurídico,  no 

mínimo  colocando‐o  em  risco  efetivo,  não  há 

infração penal (BITENCOURT, 2007, p. 22). 

Objetivando  impedir que a soberania do Estado, na sua mais alta 

expressão,  a  da  Justiça,  reduza‐se  a  arbitrariedades,  e  traçando  os 

contornos necessários para mínima garantia dos direitos  fundamentais, 

evidenciando a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, aduz 

Luigi Ferrajoli: 

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O  mesmo  pode‐se  dizer  dos  denominados 

“delitos  de  perigo  abstrato”  ou  “presumido”,  nos 

quais tampouco se requer um perigo concreto, como 

“perigo” que corre um bem, senão que se presume, 

em abstrato, pela lei; dessa forma, nas situações em 

que,  de  fato,  nenhum  perigo  subsista,  o  que  se 

castiga é a mera desobediência ou a violação formal 

da  lei por parte de uma ação  inócua em si mesma. 

Também  estes  tipos  deveriam  ser  reestruturados, 

sobre a base do princípio da lesividade, como delitos 

de  lesão,  ou,  pelo  menos,  de  perigo  concreto, 

segundo  mereça  o  bem  em  questão  uma  tutela 

limitada ao prejuízo ou antecipada à mera colocação 

em perigo (FERRAJOLI, 2002, p. 383). 

Corroborando a opinião do doutrinado contrária ao denominados 

crimes de perigo abstrato  instituidores de presunções dentro do Direito 

Penal, Luiz Flávio Gomes afirma: 

Em  virtude  do  princípio  da  ofensividade,  de 

outro  lado, está proibido no direito penal o perigo 

abstrato.  Porte  de  arma  de  fogo  quebrada  ou 

desmuniciada: para quem não considera o princípio 

da  ofensividade,  há  crime.  Essa  concepção, 

entretanto,  segundo  nosso  ponto  de  vista,  é 

inconstitucional  (não  se  pode  restringir  direitos 

fundamentais  básicos  como  a  liberdade  ou  o 

patrimônio  sem  que  seja  para  tutelar  concretas 

ofensas  a  outros  direitos  fundamentais)  [...]  O 

aspecto  valorativo da norma  fundamenta o  injusto 

penal,  isto  é,  só  existe  crime  quando  há  ofensa 

concreta a esse bem  jurídico. Daí  se  conclui que o 

crime exige, sempre, desvalor da ação (a realização 

de uma conduta) assim como desvalor do resultado 

(afetação concreta de um bem jurídico). Sem ambos 

os desvalores não há  injusto penal  (não há  crime). 

Contrariando praticamente toda doutrina do século 

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XX, essa é a nossa clara posição a respeito do assunto 

(GOMES, 2006, p. 116). 

Não se podem punir os seres humanos por intermédio de fatos que 

aos  olhos  de  outrem  constitua  mera  imoralidade,  ainda  mais  com  a 

utilização de uma ferramenta causadora de transtornos irreversíveis como 

é  o  caso  do  Direito  Penal.  Inconcebível,  pois,  por meio  de  interposto 

conjunto  de  frases  se  legitimarem  o  entendimento  de  que  o  ato  de 

adquirir/portar substâncias entorpecentes para consumo pessoal causaria 

riscos  por  si  só  a  coletividade.  Inconformado  quanto  a  isso,  Salo  de 

Carvalho faz a seguinte ilação: 

O discurso da periculosidade presumida do ato 

(expansividade)  e  do  escopo  da  Lei  em  tutelar 

interesses  coletivos  e  não  individuais  permite, 

inclusive,  que  a  posse  de  pequena  quantidade  de 

droga seja objeto de incriminação. A impossibilidade 

de constatação empírica das teses de legitimação do 

discurso  criminalizador,  decorrente  sobretudo  da 

intangibilidade  do bem jurídico, por si só desqualifica 

a manutenção da opção proibicionista  (CARVALHO, 

2010, p. 267). 

Como o próprio dispositivo especifica, a conduta prevista no artigo 

28 da  Lei de Drogas  se destina a  consumo pessoal,  logo, poderá haver 

danos  à  saúde  do  próprio  consumidor.  Fato  esse  que  evidencia  a 

inexistência  de  expansividade do  perigo,  não  existindo  ofensa  à  saúde 

pública quando o único afetado é o usuário de drogas. 

Nessa  linha  ideológica, não há como negar a contraposição entre 

ofensa ao bem  jurídico abstrato “saúde pública” e a aquisição ou posse 

para  uso  pessoal  de  drogas,  isso  porque,  a  dilatação  do  perigo  é 

incompatível com a destinação  individual. Com  identidade de raciocínio 

afirma com clarividência de ideias Maria Lúcia Karam: 

A destinação pessoal não se compatibiliza com o 

perigo  para  interesses  jurídicos  alheios.  São  coisas 

conceitualmente antagônicas: ter algo para difundir 

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entre  terceiros,  sendo  totalmente  fora  de  lógica 

sustentar que a proteção à saúde pública envolve a 

punição  da  posse  de  drogas  para  uso  pessoal 

(KARAM, 1991, p. 126). 

O  Estado  por  interlúdio  dos  direitos  e  garantias  fundamentais 

expressos  na  Constituição  Federal  se  autolimitou,  freando  o  ímpeto 

intervencionista que por ventura  tenha existido em um dado momento 

histórico. Sem sombra de dúvidas a conduta que tem como fim a utilização 

de drogas consubstancia autolesão que, a exemplo do suicídio, não deve 

ser  erigida  a  crime,  decerto,  a  única  lesão  ocasionada  se  direciona  ao 

próprio autor, nesse sentido Maria Lúcia Karam: 

A simples posse das drogas tornadas ilícitas para 

uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que 

não envolvam um perigo concreto, direto e imediato 

para  terceiros,  são  condutas  que  dizem  respeito 

unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas 

opções pessoais. Não estando autorizado a penetrar 

no âmbito da vida privada, não pode o Estado intervir 

sobre condutas de tal natureza [...] (KARAM, 2009, p. 

29). 

Em  arremate,  salientando  a  imprescindibilidade  do  princípio  em 

comento, até porque constitui limite à intervenção na esfera privada das 

pessoas, pugna Guilherme de Souza Nucci: 

Defendemos,  portanto,  que  a  ofensividade  ou 

lesividade deve estar presente no contexto do  tipo 

penal  incriminador,  para  avaliá‐lo,  legitimá‐lo,  sob 

pena  de  se  esgotar  o  Direito  Penal  em  situações 

inócuas  e  sem  propósito  [...]  a  ofensividade  é  um 

nítido  apêndice  da  intervenção  mínima  ou 

subsidiariedade  do  Direito  Penal  Democrático 

(NUCCI, 2007, p. 74/75). 

O  princípio  da  lesividade  constituiu  qualitativamente  umas  das 

maiores conquistas dos indivíduos em sociedade, ao passo que constitui 

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óbice  à  intervenção  Estatal  nas  liberdades  de  pensamento,  ideologias 

políticas,  filosóficas,  de  crença,  e  etc.  Em  outras  palavras,  conforme 

esclarece  Juarez  Cirino  dos  Santos  (2008,  p.  26),  “essas  liberdades 

constitucionais  individuais devem  ser objeto da maior garantia positiva 

como  critério  de  criminalização  e,  inversamente,  da  menor  limitação 

negativa como objeto de criminalização por para do Estado”. 

Como  explicita  Salo  de  Carvalho  (2010,  p.  268)  “mecanismos 

retóricos  abstratos  de  legitimação  da  punição  aos  usuários  produz 

significativa  violência  ao  núcleo  constitucional  que deveria  sustentar  o 

direito penal”. Menoscabar o trato com a saúde das pessoas e criminalizar 

a conduta com a justificativa de uma pseudo tutela de interesses coletivos, 

consubstancia assinar atestado de  incompetência  referente às políticas 

públicas de redução dos danos. Com o atual sistema criminal de drogas 

vivenciamos o modelo de direito penal do  autor, onde  todo o usuário 

poderia se tornar em algum momento traficante. 

2.2.4    Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 

É sabido por todos que a Constituição Federal de 1988 sistematizou 

regras  jurídicas  referentes à  forma de Estado, à  forma de Governo, ao 

modo de aquisição e exercício do poder, bem como ao estabelecimento 

de seus órgãos e aos limites de suas ações. Aquela, também chamada de 

Constituição‐Garantia, visa garantir a liberdade dos seus governados por 

meio da limitação do próprio poder. Dessa maneira, vivemos sob a égide 

da democracia que, conforme assenta Inocêncio Mártires Coelho: 

[...]  no  plano  das  relações  concretas  entre  o 

Poder  e  o  indivíduo,  considera‐se  democrático 

aquele  Estado  de  Direito  que  se  empenha  em 

assegurara  aos  cidadãos  o  exercício  efetivo  não 

somente dos direitos civis e políticos, mas também e 

sobretudo  dos  direitos  econômicos,  sociais  e 

culturais,  sem  os  quais  de  nada  valeria  a  solene 

proclamação daqueles direitos (MENDES; MÁRTIRES; 

GONET, 2009, p. 171). 

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Extraída do texto constitucional, a Dignidade Humana evidencia um 

dos  grandes  pilares  do  nosso  corpo  jurídico  de  normas,  arrimando, 

fundamentalmente,  o  Estado  Democrático  de  Direito.  Dessa  forma, 

delineando os contornos da República Federativa do Brasil, aduz o artigo 

1°,  inciso  III,  da  Constituição  Federal  que,  dentre  os  seus  princípios 

democráticos  a  dignidade  da  pessoa  humana  estabelece  garantia  de 

incomensurável  importância,  destinada  a  assegurar  uma  ordem  social 

equânime e pacífica. 

O primeiro reconhecedor do princípio ora esboçado foi o filosofo de 

Königsberg, Immanuel Kant, um dos maiores expoente na seara da Ciência 

Ética.  Em  artigo  dedicado  ao  tema, Victor  Santos Queiroz  (2005,  p.  1) 

afirma que “Kant foi o primeiro a reconhecer que ao homem não se pode 

atribuir valor (preço), devendo ser considerado um fim em si mesmo e em 

função da sua autonomia enquanto ser racional”[13]. 

Destarte,  o  conjunto  sistemático  de  ideias  sobre  os  direitos 

humanos, construído posteriori à Segunda Guerra Mundial, consubstancia 

resposta  aos  regimes  totalitários  (grande  parte  responsáveis  pelos 

conflitos) cuja ideologia prescinde os direitos e ressalta os deveres diante 

do Estado. Kant foi o defensor da liberdade inerente aos indivíduos, seres 

racionais  e  submetidos  às  leis morais,  fundamentando  todo  o  sistema 

internacional de proteção aos direitos humanos. 

Immanuel  é  taxativo  ao  afirmar  a  impossibilidade  de  conceber 

qualquer coisa no mundo, ou mesmo fora dele, que possa ser considerada 

boa  sem  qualificação,  exceto  uma  boa  vontade,  aquela  dirigida  pelo 

imperativo categórico. Por conta disso, fundamenta que os seres humanos 

são fins em si mesmo, pois não se concebe a sua vinculação como meio 

destinado a alcançar outros fins que não sejam os endomorais. 

Dessa maneira, a Dignidade Humana se identifica como uma meta 

geral a ser alcançada  fundamentando o Estado Democrático de Direito. 

Luiz Flávio Gomes inscreve de modo seguro que: 

[...] esse princípio é a base de todos os demais, 

assim  como  do  próprio  modelo  de  estado  que 

adotamos  (Estado Constitucional e Democrático de 

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Direito  –  CF,  art.  1°,  III). De  qualquer maneira,  no 

âmbito penal, cabe destacar o  seguinte aspecto da 

sua força normativa: nem a lei e muito menos a pena 

pode ser ofensiva à dignidade humana sob pena de 

inconstitucionalidade  patente  (GOMES,  2006,  p. 

120/121). 

Para Alexandre de Morais o referido princípio: 

[...]  concede  unidade  aos  direitos  e  garantias 

fundamentais,  sendo  inerente  às  personalidades 

humanas.  Esse  fundamento  afasta  a  ideia  de 

predomínio das funções transpessoalistas de Estado 

e Nação, em detrimento da  liberdade  individual. A 

dignidade é um  valor espiritual e moral  inerente à 

pessoa,  que  se  manifesta  singularmente  na 

autodeterminação  consciente  e  responsável  da 

própria  vida  e  que  traz  consigo  a  pretensão  ao 

respeito por parte das demais pessoas, constituindo‐

se um mínimo invulnerável que todo estado jurídico 

deve  assegurar,  de  modo  que,  somente 

excepcionalmente,  possam  ser  feitas  limitações  ao 

exercício  dos  direitos  fundamentais,  mas  sempre 

sem menosprezar a necessária estima que merecem 

todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAIS, 

2008, p. 22). 

Destacam‐se,  desta  maneira,  duas  funções  exercidas  pelo 

princípio  in  concreto,  enquanto  direito  pertencente  a  indivíduos 

determinados e como um valor absorvido por toda uma ordem social. As 

pessoas devem ser consideradas dignas seja qual for o objetivo colimado, 

somos sujeitos de direitos e não meros objetos. 

A  tipificação  penal  e  o  tratamento  criminal  dispensado  ao 

adquirente/portador  de  drogas  para  consumo  pessoal  caminham  na 

contramão  dos  preceitos  estabelecidos  acima,  desrespeitando  diretos 

imanentes aos seres humanos. Assim sendo, o princípio da Dignidade da 

Pessoa  Humana  constitui  a  viga  mestra  de  todos  os  direitos 

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constitucionalmente  consagrados,  como  a  liberdade,  igualdade, 

intimidade, a privacidade, dentre outros. 

Claramente, quando o legislador delibera em criminalizar condutas 

prenhes de  significados pessoais, mesmo que questionados a partir da 

moralidade, abnega‐se o referido fundamento constitucional. Consoante 

insta Mauricio Antônio Ribeiro Lopes: 

[...] somente as infrações mais graves da ordem 

social  devem  ser  eleitas  pelo  Direito  Penal  como 

objeto de sua  incidência [...] a  importância da  lesão 

do  ordenamento  jurídico  (fundamentalmente  a 

hierarquia do bem jurídico lesado) é codeterminante 

da  gravidade  do  fato.  Portanto,  fatos  que  afetem 

bens  jurídicos  de  pouco  valor  ou  que  importam 

lesões  de  pouca  significância  não  poderão  ser 

reprimidos [...] (RIBEIRO, 1999, pp. 254/256). 

Continua o supracitado autor afirmando que (1999, p. 243) “muito 

embora a tutela dos direitos fundamentais do homem tenha sido expressa 

na Constituição, a nosso ver, carece de maior amplitude e pormenorização 

aos  direitos  preservados”.  Nesse  diapasão,  respeitar  a  dignidade  da 

pessoa  humana  pressupõe  a  proteção  dos  direitos  e  garantias 

fundamentais. A liberdade não pode ser vista como um simples direito de 

existência, devendo ser  intangível às escolhas  individuais, seja  lá qual o 

fator  determinante  para  tal,  desde  que,  evidentemente,  sejam 

respeitados os bens jurídicos alheios. 

        CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Para respeitarmos o Estado Democrático de Direito, deve-se promover uma sociedade equânime que prime pelo reconhecimento da diversidade de valores e comportamentos, ora, democracia é justamente isso, tratar de forma igual e garantir o respeito às minorias ideológicas, até porque todos os seres humanos estão imantados pela dignidade humana.

Sem sombra de dúvidas, de igual importância é o papel do operador do direito na perspectiva de minimizar a criminalização e

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efetivar a Constituição Federal, especialmente devido à densificação do constitucionalismo no século XX. A partir daí, aquele diploma altera a percepção do ordenamento jurídico, passando a servir de filtro a produção legislativa infraconstitucional, ou seja, exercendo seu papel em um Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, no sentido de proceder à máxima efetividade das regras e dos princípios constitucionais, inicia-se o desprendimento acerca da legalidade estrita, criticando-se o saber derivado do positivismo dogmático. Quando se analisa a criminalização do adquirir/portar drogas para consumo pessoas à luz dos princípios constitucionais, observamos uma fragilidade do discurso legitimador da tipificação penal, onde o Estado nos dias atuais se vê obrigado a buscar alternativas para o combate das drogas, guerra esta perdida há muito tempo.

REFERÊNCIAS

ALEXY,  Robert.  Derechos  Sociales  Fundamentales.  Trad.  Ernesto 

Garzón Valdés. Madrid: Centro de estúdios Políticos e Constitucionales, 

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NOTAS:

[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 01 Set. 2012.

[2] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 05 Set. 2012.

[3] Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=princ%C3%ADpio>. Acesso em 26 Set. 2012.

[4] Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=princ%C3%ADpio>. Acesso em 26 Set. 2012.

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[5] Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas-regras-e-principios>. Acesso em 27 Set. 2012.

[6] “Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas existentes. Portanto os princípios são mandamentos de otimização”.

[7] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 02 Out. 2012.

[8] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 03 Out. 2012.

[9] Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em 04 Out. 2012.

[10] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 05 Out. 2012.

[11] Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 05 Out. 2012.

[12] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso 10 Out. 2012.

[13] Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/7069/a-dignidade-da-pessoa-humana-no-pensamento-de-kant>. Acesso em 24 Out. 2012.

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AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL E A REGULAMENTAÇÃO NO SETOR DE SAÚDE.

JULIANA VIEIRA BERNAT DE SOUZA: Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, residente jurídico na Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro (2009 - 2011) e residente Jurídico na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (2011 - 2013).

Resumo: O modelo de Estado empresário baseado na intervenção direta 

na economia foi substituído a partir dos anos 1990 pelo modelo de Estado 

regulador cuja intervenção ocorre por meio indireto. A função regulatória 

está  ligada  ao  Poder  Executivo,  no  exercício  do  poder  de  polícia 

administrativa,  na  intervenção  do  Estado  na  ordem  econômica,  e  na 

prestação dos serviços públicos. Tem por escopo garantir a eficiência do 

serviço, proteger o administrado e defender a concorrência. Para tanto, 

optou‐se  por  exercer  a  função  reguladora  por  meio  de  entidades 

reguladoras  independentes. As  agências  reguladoras  são  autarquias de 

natureza  especial,  criadas  por  lei,  com  o  objetivo  de  regulamentar  e 

fiscalizar  a  prestação  de  bens  e  serviços  considerados  de  relevância 

pública. A legislação atribui às agências reguladoras poderes para regular, 

emitir  normas,  controlar  e  fiscalizar  os  serviços  públicos  delegados. O 

regime  jurídico  especial  atribuído  às  agências  reguladoras  consiste  na 

imputação de uma maior  independência  e  autonomia  administrativa  e 

financeira perante o Poder Executivo. Esse regime, por sua vez tem por 

objetivo preservar as agências de interferências indevidas, até mesmo por 

parte do Estado e seus agentes. Por este motivo, procurou‐se definir uma 

autêntica  discricionariedade,  com  preponderância  de  juízos  técnicos 

sobre as valorações políticas. Em 2000, com a criação da ANS – Agência 

Nacional de Saúde Suplementar ocorreu os primeiros passos no processo 

de regulação das operadoras de planos de saúde. A Agência nasceu com o 

objetivo de efetivar todas as previsões trazidas pela Lei nº 9.656/98 (Lei 

dos  Planos  de  Saúde),  e  de  ajudar  a  dificultar  práticas  lesivas  aos 

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consumidores  e,  ainda,  estimular  comportamentos  que  reduzam  os 

conflitos e promovam a estabilidade do setor. 

Palavras‐chave:  Regulação.  Agências  Reguladoras.  Poder  Normativo. 

Agência Nacional de Saúde Suplementar. 

Abstract: The model based businessman in direct state intervention in the 

economy was replaced from 1990 by the regulatory state model whose 

intervention occurs by indirect means. The regulatory function is linked to 

the executive branch,  in  the exercise of administrative police,  the state 

intervention in the economic order, and the provision of public services. 

Seeks to guarantee the efficiency of the service, protect and defend the 

run competition. For  this, we chose  to perform  the  regulatory  function 

through independent regulators. Regulatory agencies are authorities of a 

special  nature,  created  by  law  in  order  to  regulate  and  oversee  the 

provision of goods and services considered to be of public importance. The 

law grants powers to regulators to regulate, issue regulations, control and 

supervise  the delegates utilities.  The  special  legal  regime  attributed  to 

regulatory  agencies  is  the  attribution  of  greater  independence  and 

financial and administrative autonomy  from  the executive branch. This 

system,  in turn aims to preserve the agencies  from undue  interference, 

even by the state and its agents. For this reason, we sought to define an 

authentic discretion, with a preponderance of technical judgments about 

the political valuations.  In 2000, with the creation of the ANS – Agência 

Nacional de Saúde Suplementar was the first steps in the regulation of the 

health  insurance  providers.  The  Agency was  founded with  the  goal  of 

effecting  all  predictions  introduced  by  Law  9.656  /  98  (Law  on Health 

Insurance),  and  help  hinder  practices  harmful  to  consumers  and  also 

encourage behaviors that reduce conflict and promote stability sector.  

Keywords: Regulatory. Regulatory Agencies. Normative power. National 

Health Agency. 

Sumário:  Introdução.  1.As  Agências  reguladoras.  1.1.  As  agências 

reguladoras  no  Brasil.  1.1.1  Origem.  1.1.2.  Natureza  Jurídica.  1.1.3. 

Características. 1.1.4. Constitucionalidade das Agências Reguladoras no 

Brasil. 1.2 Poder Normativo das Agências Reguladoras 2. Regulação no 

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Setor de Saúde. 2.1 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. 2.1.1 

Competência  da  ANS.  2.1.2.  Fiscalização  das  Operadoras  de  Saúde 

Suplementar  no  Brasil.  2.1.2.1.  Instrumentos  de  Fiscalização. 

3.Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas. 

Introdução

A partir da década de 90 do século XX , houve uma redefinição do 

papel  do  Estado  brasileiro  que  se  tornou  menos  produtor  e  mais 

regulador. Optou‐se pelo modelo de regulação setorial, sob o argumento 

de que, em prol da eficiência, a prestação dos serviços públicos passaria a 

ser realizada pela iniciativa privada. 

Contudo, tendo em vista o interesse público, o Estado continuaria 

exercendo o controle e a fiscalização desses serviços, por meio da atuação 

de entidades dotadas de maior celeridade na implementação de políticas 

públicas em razão de sua estrutura especializada. 

O art. 174 da Constituição  Federal de 1988 prevê que o Estado, 

como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as 

funções  de  fiscalização,  incentivo  e  planejamento,  sendo  este 

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 

Coube ao Estado promover e regular o desenvolvimento e não ser 

o responsável direto pela produção de bens e serviços. Para tanto, fez‐se 

imperiosa  a  criação  de  entidades  que  realizassem  a  supervisão  das 

atividades e serviços que foram transferidos ao setor privado. 

A  regulação  no  ordenamento  jurídico  pátrio  é  realizada  pelas 

agências  reguladoras.  A  função  é  executar  as  políticas  do  Estado  de 

orientação  e  planejamento  da  economia,  com  objetivo  de  dar  maior 

eficiência ao mercado por meio de  intervenção direta nas decisões dos 

setores econômicos. 

As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas 

por  lei  e  dotadas  de  poder  de  fiscalização  e  poder  regulamentar. 

Caracterizam‐se pela independência em face do Poder Executivo, por não 

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se submeter a controle hierárquico. Emanam normas que regulamentam 

a matéria de sua competência e decidem litígios. 

A  autonomia  desses  entes  robustece‐se  com  as  seguintes 

características: (i) independência política de seus diretores, que possuem 

estabilidade diferenciada, mandatos não coincidentes com o mandato do 

Chefe do Executivo e por prazo determinado; (ii)  independência técnica 

decisória,  na  qual  devem  predominar motivações  fundamentadas  em 

decisões  técnicas;  (iii)  independência  normativa,  para  o  exercício  da 

competência  reguladora  dos  setores  a  seu  cargo;  (iv)  independência 

orçamentária e financeira ampliada, com recursos próprios. 

O foco deste trabalho é analisar, sem esgotar o tema, os principais 

aspectos que definem as agências reguladoras. 

Especificando  o  tema,  foi  escolhida  a  regulação  da  saúde, 

representada  pela Agência Nacional  de  Saúde  Suplementar  – ANS.  Tal 

autarquia regulatória, vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada pela Lei 

nº 9.961, de  janeiro de 2000, pela necessidade de  regulamentação dos 

planos de saúde privados. E tem como objetivo a regulação, o controle e 

a  fiscalização  das  atividades  e  serviços  privados médico‐hospitalar  ou 

odontológico prestados por operadoras de planos de saúde. 

A  Agência  se  diferencia  das  outras  agências  reguladoras,  pois  o 

setor de saúde suplementar não foi privatizado. Não existia qualquer tipo 

de intervenção do Poder Público até a promulgação da Lei nº 9.656/98 (Lei 

dos  Planos  de  Saúde),  que  dispõe  sobre  a  prestação  de  serviço  e 

funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde. 

. AS AGÊNCIAS REGULADORAS 

. . ‐ As Agências Reguladoras no Brasil 

1.1.1. ‐ Origem 

A  compreensão  da  origem  das  agências  reguladoras  implica  no 

entendimento  das  modificações  nas  concepções  quanto  ao  papel  do 

Estado ocorridas no final do século XX. 

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A  redefinição  do  papel  do  Estado  acarretou  intensas 

transformações  na  Administração  Pública  que  passou  a  adotar  os 

princípios da desburocratização e descentralização como balizadores de 

suas ações. 

As  experiências  de  desregulação  nos  Estados  Unidos,  e  de 

desestatização na Europa transformaram‐se em projetos de Reforma do 

Estado que se espalhou por vários países, inclusive no Brasil. 

Implantou‐se a administração pública gerencial, que constituiu um 

afugentamento do sistema burocrático tradicional, conservando‐se alguns 

de  seus  princípios  essenciais.  O  foco  da  administração  gerencial  é  a 

satisfação  do  indivíduo,  devendo  o  Poder  Público  assegurar  a  maior 

eficiência e qualidade dos serviços públicos. 

Houve  uma  redefinição  da  função  do  Estado  perante  o  cenário 

econômico e político. O Estado passa de intervencionista para subsidiário, 

aproximando‐se da sociedade, uma vez que a sociedade passa a participar 

ativamente da realização do  interesse público. Há, pois, uma delegação 

social. 

A  discussão  sobre  as  agências  reguladoras  no  Brasil  ocorreu  em 

1995, por ocasião da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho 

do Estado. O Plano objetivava a descentralização da prestação de serviços 

e o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado. 

Nesse  período  de  diminuição  da  intervenção  do  Estado  na 

economia,  efetivou‐se  o  Programa  Nacional  de  Desestatização  (PND), 

instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997, que criou 

regras e diretrizes para o processo de privatização das empresas estatais. 

O  PND  buscou maior  eficiência,  afastando  a  burocracia,  com  o 

escopo de tornar o Estado mais gerencial. Dentre seus objetivos, o artigo 

1º da referida Lei, dispõe: 

Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – 

PND tem como objetivos fundamentais: 

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 I ‐ reordenar a posição estratégica do Estado na 

economia, transferindo à iniciativa privada atividades 

indevidamente exploradas pelo setor público; 

II  ‐ contribuir para a  reestruturação econômica 

do setor público, especialmente através da melhoria 

do perfil e da redução da dívida pública líquida; 

III  ‐ permitir  a  retomada de  investimentos nas 

empresas e atividades que vierem a ser transferidas 

à iniciativa privada; 

IV ‐ contribuir para a reestruturação econômica 

do  setor  privado,  especialmente  para  a 

modernização  da  infra‐estrutura  e  do  parque 

industrial do País, ampliando sua competitividade e 

reforçando  a  capacidade  empresarial  nos  diversos 

setores da economia, inclusive através da concessão 

de crédito; 

V  ‐  permitir  que  a  Administração  Pública 

concentre  seus  esforços  nas  atividades  em  que  a 

presença  do  Estado  seja  fundamental  para  a 

consecução das prioridades nacionais; 

VI ‐ contribuir para o fortalecimento do mercado 

de capitais, através do acréscimo da oferta de valores 

mobiliários e da democratização da propriedade do 

capital das empresas que integrarem o Programa. 

O estabelecimento desse novo ambiente na administração pública 

brasileira teve como resultado a alteração na forma de desempenho do 

Estado que passou a atuar indiretamente no setor de infraestrutura. 

A  redução  da  participação  estatal  na  economia  ordenava, 

concomitantemente, o  fortalecimento das  instituições encarregadas de 

estabelecer políticas públicas e de regular os setores desestatizados. 

O  Estado  não  exerce mais  certas  atividades,  contudo,  conserva, 

ainda, suas titularidades. Transfere‐se somente o direito de execução das 

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atividades pelo particular. O Estado controla tais atividades e as fiscaliza 

para a conservação da supremacia do  interesse público e das garantias 

fundamentais. 

A ampliação do poder do Estado sobre a atividade privada exigiu 

instrumentos  jurídicos  e materiais  compatíveis  com  necessidades  que 

antes  eram  inexistentes.  Desta  feita,  para  regular  esses  serviços  e 

atividades foram instituídos órgãos reguladores, conforme se pode extrair 

dos artigos 21, XI e 174 da CF/88 [1]. 

Foram  criadas,  assim,  as  agências  reguladoras,  entidades  com 

função de controle, que regulam e fiscalizam um setor com eficiência e 

qualidade, definindo normas a serem observadas pelos agentes regulados, 

com  respeito  à  livre  concorrência  e  ao  combate  do  abuso  do  poder 

econômico  para  garantir  investimentos,  equilíbrio  dos  contratos  e  a 

execução das políticas públicas. 

Atualmente o governo federal conta com dez agências reguladoras, 

como exemplos: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada 

pela lei 9.427/1996 e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, 

Lei 9.472/1997, ANP – Agência Nacional do Petróleo, Lei 9.478/1997, ANS 

– Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei 9.961/2000, ANA – Agência 

Nacional de Águas, Lei 9.984/2000. 

1.1.2. – Natureza Jurídica 

As agências  reguladoras  são pessoas  jurídicas de Direito Público, 

parte da Administração Pública  Indireta,  sob a  forma de autarquias de 

regime  jurídico  especial,  dotadas  de  características  próprias  e 

caracterizadas  por  sua  autonomia  em  relação  ao  Poder  Público.  São 

criadas por leis específicas, nos termos do artigo 37, inciso XIX da CF/88[2]. 

Marçal Justen Filho define as agências reguladoras como 

“autarquia  especial,  criada  por  lei  para 

intervenção estatal no domínio econômico, dotada 

de competência para regulação de setor específico, 

inclusive  com poderes de natureza  regulamentar e 

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para arbitramento de  conflitos entre particulares e 

sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em 

face da Administração direta” [3]. 

1.1.3. – Características 

As  agências  reguladoras  podem  ser  criadas  nas  esferas  federal, 

estadual  ou municipal,  pois  a  competência  para  instituí‐las  decorre  da 

titularidade do serviço público ou da previsão constitucional. Desta forma, 

as  agências  reguladoras  podem  ser  classificadas  em  agências  federais, 

estaduais e municipais de acordo com o ente federado instituidor. 

As agências podem adotar dois tipos de modelos, de acordo com o 

objeto da regulação: unissetorial (uma agência é criada para regular cada 

setor específico) e multissetorial (existe apenas uma agência que regula 

vários serviços públicos). 

Mais  uma  característica  das  agências  reguladoras  é  a  sua 

especialidade  técnica.  Essas  entidades  foram  idealizadas  como  entes 

administrativos  técnicos, especializados,  impenetráveis às  imposições e 

oscilações do processo político. A expertise e a especialidade propiciam as 

condições de se decidir pela melhor decisão dentro das especificidades do 

setor regulado, legitimando, desta maneira, a função reguladora. 

Outra  característica  das  agências  é  a  gestão  colegiada.  Com  um 

órgão diretor  colegiado, as decisões  são  tomadas pela  composição dos 

votos dos membros,  repartindo a  responsabilidade e  conferindo maior 

discussão,  o  que  colabora  para  que  exista  maior  legitimidade  e 

imparcialidade. Assim, agências possuem  imparcialidade e neutralidade 

no  desempenho  de  suas  funções  e  insubordinação  hierárquica  ao 

Governo. 

As agências  têm um  regime  jurídico especial, que passa por uma 

autonomia  reforçada.  Essa  autonomia  é  normativa,  administrativa  e 

financeira.  Essas  são  três  características  básicas  de  todas  as  agências 

reguladoras. 

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A  autonomia  política‐administrativa  se  dá  em  relação  ao  Ente 

central, tendo em vista dois fundamentos: despolitização e necessidade 

de celeridade na regulação[4]. 

A autonomia administrativa da agência é  fundamentada em duas 

particularidades: 

i)              Estabilidade  reforçada  dos  dirigentes  das  agências 

reguladoras;  

ii)     Impossibilidade do recurso hierárquico impróprio. 

A  estabilidade  reforçada  dos  dirigentes  está  disposta  na  Lei  nº 

9.986/2000[5], que trata do regime de pessoal das agências reguladoras. 

A nomeação dos dirigentes não será de maneira livre ou ad nutum. O chefe 

do  Poder  Executivo  indica  uma  pessoa  de  reputação  ilibada  e  de 

conhecimento técnico no setor que será regulado. Após, o indicado passa 

por uma sabatina no Senado Federal, que aprova ou não. Se aprovado, 

será nomeado pelo Chefe do Executivo para o exercício de um mandato. 

Após a nomeação, o dirigente somente poderá ser exonerado se cometer 

falta grave comprovada mediante processo administrativo em que haja o 

devido processo legal. 

A outra particularidade da autonomia administrativa das agências 

reguladoras é a  impossibilidade de seus atos serem revistos por recurso 

hierárquico  impróprio. Este, por sua vez, é um recurso que é  interposto 

para  conhecimento  e  julgamento  por  autoridade  exógena  à  agência 

reguladora.  Ou  seja,  a  autoridade  que  não  pertence  à  autarquia 

regulatória que proferiria a decisão recorrida. 

O  recurso hierárquico  impróprio é uma exceção à autonomia da 

entidade  administrativa,  e  somente  pode  ser  determinado  pela  lei  de 

criação da autarquia especial. 

No entanto, a doutrina majoritária discorre que não é possível o 

recurso  hierárquico  impróprio  contra  as  decisões  das  agências 

reguladoras. Na visão tradicional, só há hierarquia dentro do mesmo ente 

administrativo. A hierarquia é uma  característica  interna das entidades 

administrativas  e,  por  isso,  não  existiria  hierarquia  entre  entidades 

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administrativas  diversas,  pois  o  que  existe  entre  entes  diversos  é  a 

chamada vinculação. 

Portanto,  não  há  a  possibilidade  da  interposição  do  recurso 

hierárquico impróprio, porque este minimizaria a autonomia da entidade 

administrativa que profere a decisão  recorrida. Ao se admitir o  recurso 

hierárquico  impróprio, admitir‐se‐ia que uma entidade externa reveja a 

decisão  proferida  pela  agência  reguladora.  Haveria,  neste  caso,  um 

controle externo. 

Em âmbito  federal não há  lei criadora de agência reguladora que 

tenha previsto a interposição do recurso hierárquico impróprio. Por isso, 

não cabe recurso hierárquico impróprio para esses entes federais. 

Caso algum  interessado discorde de ato ou decisão proferidos no 

âmbito da agência reguladora, deverá se socorrer no Poder Judiciário. 

Outro  traço  característico  das  agências  reguladoras  é  a  sua 

autonomia  financeira.  Entende‐se  que  os  entes  regulatórios  possuem 

recursos  financeiros  suficientes  para  exercerem  suas  atividades.  As 

agências podem cobrar as chamadas taxas regulatórias do setor regulado. 

  Mais  uma  demonstração  dessa  autonomia  financeira  é  a 

possibilidade  das  agências  elaborarem  o  próprio  orçamento  e 

apresentarem ao Ministério respectivo ao qual são vinculados, para que 

seja incluído nos projetos de leis orçamentárias. Esta tarefa demonstra o 

controle com planejamento das receitas e despesas. 

A característica mais importante das agências reguladoras é a sua 

autonomia  normativa.  O  poder  normativo  se  efetiva  por  meio  dos 

decretos  regulamentares. Os  principais  fundamentos  dessa  autonomia 

são: (i) a existência de uma delegação  legislativa; (ii) deslegalização; (iii) 

princípio da eficiência; (iv) decretos autônomos; e, (v) flexibilidade obtida 

com a norma regulamentadora. 

Sobre  a  autonomia  normativa  discorre  o  doutrinador  Diogo  de 

Figueiredo Moreira Neto: 

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“Com  efeito,  está  na  atribuição  de  uma 

competência  normativa  reguladora  a  chave  para 

operar  em  setores  e  matérias  em  que  devem 

predominar  as  escolhas  técnicas,  distanciadas  e 

isoladas  das  disputas  partidárias  e  dos  complexos 

debates congressuais, pois essas, distintamente, são 

métodos  mais  apropriados  às  escolhas  político‐

administrativas,  que  deverão,  por  sua  vez,  se 

prolongar em novas escolhas administrativas, sejam 

elas  concretas  ou  abstratas,  para  orientar  a  ação 

executiva dos órgãos burocráticos da Administração 

direta”[6]. 

Vê‐se, deste modo, que a autonomia das agências reguladoras é um 

elemento crucial para construir a sua definição. 

1.1.4. Constitucionalidade das agências reguladoras no Brasil 

Com  as  transformações  na  organização  do  Estado  e  na  ordem 

econômica  introduzidas  por  emendas  constitucionais,  passou‐se  a  ter 

previsão  na  CF/88  de  entidades  reguladoras  para  os  setores  de 

telecomunicações e petróleo[7]. 

Essas  modificações  autorizaram  a  criação,  pelo  legislador 

infraconstitucional,  de  agências  reguladoras  nos  setores  de 

telecomunicações  e  petróleo.  Também  ensejaram  a  criação  de  outras 

autarquias  reguladoras  independentes  nas  áreas  de  energia  elétrica, 

transportes, saúde, meio ambiente, saneamento e cinema. 

Sobre o tema existe a controvérsia quanto à constitucionalidade ou 

não da  agência  reguladora que não  tem  a  sua  instituição  estabelecida 

diretamente na Constituição Federal. 

A partir desse aspecto, parte da doutrina  começou a defender a 

tese  de  que  as  únicas  agências  reguladoras  admitidas  seriam  àquelas 

previstas  na  Constituição  Federal,  sendo  que  a  criação  de  outras 

autarquias regulatórias atentaria ao preceito do princípio constitucional 

da legalidade e do princípio da segurança jurídica. 

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Todavia,  há  quem  discorde  de  tal  entendimento,  como,  por 

exemplo, Marçal Justen Filho, considerado um dos maiores doutrinadores 

em Direito Regulatório. Para este doutrinador, é  irrelevante que haja a 

previsão  constitucional  explícita,  pois  se  para  se  criar  uma  agência 

reguladora fosse necessária a previsão constitucional explícita, as únicas 

agências admitidas em nosso ordenamento  seriam a ANATEL  ‐ Agência 

Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. E, 

por consequência tornar‐se‐ia inadmissível a existência de outras. E mais, 

para o referido autor: 

“as  duas  entidades  previstas 

constitucionalmente não são meras autarquias, mas 

podem  ser  configuradas  como  figuras  dotadas  de 

outros  caracteres.  Autarquias  seriam  as  demais 

figuras  criadas  legislativamente,  sem  previsão 

constitucional. Já aquelas com assento constitucional 

seriam  entidades  supralegais,  às  quais  se 

assegurariam atributos jurídicos excepcionais” [8]. 

. . Poder normativo das agências reguladoras 

O  poder  regulamentar  é  a  prerrogativa  dos  Chefes  do  Poder 

Executivo de expedirem atos normativos com o objetivo de conferir maior 

exequibilidade a uma lei[9]. 

Há alguns casos, porém, em que a Constituição autoriza a produção 

de atos que emanam diretamente do mandamento constitucional e, por 

isso,  têm  natureza  primária.  Nessas  situações,  não  existe  outro  ato 

legislativo que paira entre a Constituição e o ato de regulamentação como 

ocorre tradicionalmente com o poder regulamentar[10]. 

O poder normativo das autarquias regulatórias deriva da conexão 

existente  entre  a  entidade  que  regulamenta  e  a  atividade  a  ser 

regulamentada. 

Sobre esse poder, há discussão na doutrina administrativista sobre 

se as agências reguladoras possuem ou não o poder normativo. Não há, 

contudo, consenso sobre o assunto. 

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Essa controvérsia pode ser demonstrada por meio de duas posições 

doutrinárias: 

∙        A primeira corrente admite o poder normativo das agências 

reguladoras,  uma  vez  que  esse  poder  normativo  foi 

estabelecido pela legislação criadora das agências. 

O fundamento para esse entendimento é a tese da deslegalização 

ou delegificação. 

Pela  referida  técnica,  o  legislador  transfere  o  tratamento  de 

determinado assunto do domínio da lei, passando‐o para a competência 

da agência reguladora, isto é para o domínio do regulamento. 

Então, a matéria que era tratada por lei, passará a ser tratada por 

ato  administrativo.  Desta  forma,  a  entidade  administrativa  pode 

regulamentar o setor, por meio de normas. 

Para  essa  corrente,  a  deslegalização  tem  guarida  constitucional, 

sendo, inclusive, contemplada na Carta. Cita‐se como exemplos o art. 96, 

inciso I, alínea “a”, que desloca do Poder Legislativo para o Poder Judiciário 

o  dispor  sobre  a  competência  e  funcionamento  de  seus  respectivos 

órgãos;  o  art.  207,  caput,  que  desloca  do  Poder  Legislativo  para  as 

universidades o dispor sobre matérias didáticos‐científicas; e o art. 217, 

inciso  I,  que  desloca  do  Poder  Legislativo  para  entidades  desportivas, 

dirigentes  e  associações,  o  dispor  sobre  suas  organizações  e 

funcionamento. [11] 

A  corrente  ainda  cita  outros  argumentos:  (i)  a  deslegalização 

provém  de  lei  votada  e  aprovada  pelo  Congresso  Nacional;  (ii)  os 

dirigentes das  agências  reguladoras,  são  aprovados  após  sabatina pelo 

Senado Federal; e (iii) as regulações devem ser antecedidas de audiência 

pública,  dando maior  legitimidade  aos  atos  emanados  pelas  agências 

reguladoras .[12] 

∙                   A segunda corrente considera  inconstitucional o poder 

normativo amplo às agências reguladoras. Ou seja, nega poderes 

normativos  às  agências,  e,  também,  nega  a  tese  da 

deslegalização. 

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Essa  corrente  se  fundamenta  nas  leis  que  criaram  as  agências 

reguladoras. Estas trouxeram apenas princípios genéricos que devem ser 

observados  pela  agência. O  legislador  não  transferiu  sua  competência 

para  o  administrador  público.  Não  pode  haver  a  chamada  delegação 

legislativa em branco ou delegação  legislativa  inominada, pois que esta 

violaria  dois  princípios  constitucionais:  o  princípio  da  legalidade  e  o 

princípio da separação de poderes. 

Para  a  segunda  corrente,  o  poder  normativo  das  agências 

reguladoras é o mesmo poder normativo que qualquer outra entidade 

administrativa possui, isto é, um poder normativo limitado, que deve estar 

circunscrito aos seus agentes e as suas atividades internas. 

Em contra‐argumento a segunda corrente, a primeira corrente diz 

que não há a delegação legislativa em branco, pois a delegação em branco 

ou  inominada  pressupõe  uma  delegação  sem  nenhum  parâmetro  ou 

critério, e isso não teria acontecido nas leis das agências. Ocorreu o que 

se  chama  de  delegation  with  standards,  delegação  com  parâmetros. 

Existem  parâmetros  delineados  na  legislação  das  agências  que  irão 

nortear  a  confecção  das  normas  a  serem  editadas  pelas  autarquias 

regulatórias. 

Para corroborar o entendimento da primeira corrente, o Supremo 

Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade, entendeu 

ser constitucional o poder normativo das agências reguladoras, desde que 

previstos  standards  e  mesmo  que  presentes  genericamente  na  lei 

instituidora da autarquia regulatória[13]. 

Assim, entende‐se que a competência das agências reguladoras de 

editarem normas não pode ser encarada como uma usurpação da função 

legislativa, pois para acompanhar os novos padrões da sociedade é preciso 

que exista a confecção mais ágil de normas diretas para tratar de assuntos 

específicos. 

Apesar de o ato normativo da agência reguladora não se apresentar 

como lei em sentido formal, ele se afigura como lei em sentido material, 

porquanto disciplina situações jurídicas de forma genérica e abstrata. 

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Nesse  aspecto,  hão  de  existir  limites  ao  exercício  de  tal  poder 

normativo.  Se  o  ato  regulatório  for  perpetrado  sem  respeito  ao 

procedimento previsto na lei que criou e disciplinou a agência reguladora, 

ou  sem  a observância da  análise de  impacto  regulatório e da  consulta 

popular, estará viciado, tendo em vista que a ele carecerá legitimidade na 

atuação  regulatória,  principalmente  para  estabelecer  os  interesses  a 

serem ponderados. 

. Regulação no Setor de Saúde 

A concretização do direito fundamental à saúde é uma das maiores 

dificuldade sobre os problemas sociais enfrentados pelo Brasil. 

A preocupação com a saúde vem esculpida na Constituição Federal 

de  1988,  que  tratou  do  assunto  criando  uma  seção  inteira,  com  cinco 

dispositivos voltados à questão sanitária. Embora a existência de direitos 

e garantias e de vasta normatização, o sistema público de saúde, no Brasil, 

é ineficiente. 

A assistência à saúde pode ser dividida em dois sistemas: sistema 

público  e  sistema  privado. Nos  termos  do  artigo  195,  §1º  da  CF/88,  o 

Sistema Único de Saúde ‐ SUS será financiado com recursos do orçamento 

da  seguridade  social,  da União,  dos  Estados,  do Distrito  Federal  e  dos 

Municípios,  além  de  outras  fontes.  O  sistema  privado  de  saúde  está 

calcado  no  princípio  da  livre  iniciativa,  sendo  seu  financiamento 

proveniente da remuneração paga pelos particulares. 

A previsão do sistema de saúde suplementar está prevista na CF/88, 

em seu artigo 199, in verbis: 

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa 

privada. 

§ 1º ‐ As instituições privadas poderão participar 

de forma complementar do sistema único de saúde, 

segundo  diretrizes  deste,  mediante  contrato  de 

direito  público  ou  convênio,  tendo  preferência  as 

entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. 

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§ 2º ‐ É vedada a destinação de recursos públicos 

para auxílios ou subvenções às  instituições privadas 

com fins lucrativos. 

§ 3º ‐ É vedada a participação direta ou indireta 

de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à 

saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. 

§  4º  ‐  A  lei  disporá  sobre  as  condições  e  os 

requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos 

e  substâncias  humanas  para  fins  de  transplante, 

pesquisa  e  tratamento,  bem  como  a  coleta, 

processamento  e  transfusão  de  sangue  e  seus 

derivados,  sendo  vedado  todo  tipo  de 

comercialização. 

  Esse  dispositivo  é  um  permissivo  constitucional  para  o 

desenvolvimento do setor de saúde suplementar por agentes privados, e, 

ainda, confirma a escolha, por parte do constituinte, de não monopolizar 

o  sistema  de  saúde.  Forma‐se,  assim,  o  chamado  sistema  de  saúde 

suplementar. 

A prestação de  saúde privada é  feita por médicos, odontólogos, 

laboratórios, clínicas, hospitais. E ela pode ser contratada de forma direta, 

ou por intermédio de planos privados de assistência à saúde. 

O  ingresso ao  sistema privado é  livre para  todos aqueles que  se 

dispuserem  a  arcar  com  o  preço  do  serviço.  É  um  sistema 

contraprestacional,  de  responsabilidade  direta  dos  contratantes  dos 

serviços. 

O contrato de plano de saúde tem por base a mutualidade, visto 

que os pagamentos realizados pelos consumidores financiam a prestação 

de saúde para aqueles que necessitarem de atendimento à saúde. 

A saúde suplementar é uma área controlada pelo Estado, por meio 

da  legislação  regulamentar,  por  ter  caráter  público.  De  acordo  com  o 

artigo  197  da  CF/88,  cabe  ao  Poder  Público  dispor  sobre  a 

regulamentação,  fiscalização e  controle das ações e  serviços de  saúde. 

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Como  exemplos  dessas  legislações  regulamentares  têm‐se  as  Leis  nºs 

9.656/98, 9.961/00, 10.185/2001 e 10.850/2004. 

Tais  normas  são  imperativas  e  limitam  a  liberdade  dos  agentes 

privados que atuam no financiamento privado da assistência à saúde. 

À  época  que  a  Lei  nº  9.656/98  entrou  em  vigor,  já  existia  um 

segmento econômico, em plena atividade, de planos de saúde. As relações 

entre  operadoras  de  planos  de  saúde  e  consumidores,  não  obstante 

estejam  subordinadas  ao  Código  de Defesa  do  Consumidor  e  à  CF/88, 

careciam  de  regulamentação  específica  até  a  publicação  da  Lei  nº 

9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS). 

Consoante se extrai do art. 1º da Lei nº 9.656/98, estão submetidas 

ao aludido diploma legal todas as pessoas jurídicas de direito privado que 

operam  planos  privados  de  assistência  à  saúde.[14]Sendo  assim,  o 

primeiro  requisito  a  ser  observado  para  se  aferir  quem  está  afeto  à 

legislação de saúde suplementar é saber se se trata de pessoa jurídica de 

direito privado. O segundo requisito consiste em saber se tal pessoa opera 

planos privados de assistência à saúde. 

Após  o  advento  da  citada  lei  muitas  práticas  exercidas  pelas 

operadoras de planos de saúde passaram a ser restringidas ou até mesmo 

proibidas. A  lei previu, por exemplo, que os planos de  saúde deveriam 

fornecer a cobertura sem  imposição de  limite financeiro, em dispositivo 

que  claramente  protege  os  beneficiários  perante  práticas  tidas  como 

abusivas[15]. 

Da mesma forma, a lei limitou os procedimentos que poderiam ser 

excluídos da  cobertura dos planos de  saúde[16]; proibiu o  reajuste de 

mensalidade para beneficiários com 60 anos ou mais, que contribuíram 

para o plano de saúde por mais de dez anos[17]; estabeleceu prazos de 

carência[18], entre outras disposições. 

Assim, para que atue no mercado de planos de saúde, a operadora 

de plano de saúde deverá cumprir o que dispõe a Lei nº 9.656/98 e se 

abster de praticar qualquer ato que viole os seus artigos. 

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No ano de 2000, foi publicada a Lei nº 9.961, que criou a Agência 

Nacional  de  Saúde  Suplementar  ‐  ANS,  agência  reguladora  federal 

incumbida de  fiscalizar,  regulamentar e monitorar o mercado de saúde 

suplementar. 

A  Lei  nº  10.185/2001  promoveu  a  equiparação  dos  seguros  de 

saúde aos planos privados de assistência à saúde, subordinando‐os à Lei 

nº 9.656/98 e à regulação da ANS. 

A Lei nº 10.850/2004 atribuiu à ANS competência para a instituição 

de programas de incentivo à adaptação de contratos “antigos” de planos 

de saúde (aqueles firmados até 02 de janeiro de 1999), com o intuito de 

promover o acesso dos consumidores atrelados a esses tipos de contratos 

às garantias e direitos definidos na Lei nº 9.656/98. 

. . ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar 

A  regulação da saúde suplementar não  resultou de processos de 

desestatização. Resultou da necessidade de se  intervir no mercado que 

atua em uma atividade considerada de relevância pública. 

Neste sentido, a ANS iniciou o processo de regulação no setor. A Lei 

9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia de 

natureza especial, vinculada ao Ministério da Saúde. 

A ANS tem como finalidade institucional: 

“A  ANS  terá  por  finalidade  institucional 

promover  a  defesa  do  interesse  público  na 

assistência  suplementar  à  saúde,  regulando  as 

operadoras setoriais,  inclusive quanto suas relações 

com prestadores e consumidores, contribuindo para 

o desenvolvimento das ações de saúde no País”[19]. 

A  referida  Agência  foi  criada  com  o  objetivo  de  garantir  aos 

consumidores de planos de assistência à saúde os serviços contratados, 

assim  como  regular,  normatizar,  controlar  e  fiscalizar  a  prestação  de 

planos e seguros privados de assistência à saúde. 

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 ‐ 1984‐0454 

A  Agência  é  subordinada  às  diretrizes  fixadas  pelo  Conselho  de 

Saúde Suplementar – Consu, órgão colegiado criado pelo artigo 35‐A da 

Lei 9.656/98 composto pelo Ministro de Estado da Casa Civil, Ministro de 

Estado da Saúde, da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, Orçamento e 

Gestão. 

Tal órgão integra a estrutura regimental do Ministério da Saúde, e 

tem por competência estabelecer e supervisionar a execução de políticas 

e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar; aprovar o contrato de 

gestão da ANS; supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento 

da  ANS;  deliberar  sobre  a  criação  de  câmaras  técnicas,  de  caráter 

consultivo, de forma a subsidiar suas decisões. 

O Consu, ainda fixa diretrizes gerais sobre: (i) aspectos econômicos‐

financeiros;  (ii)  normas  de  contabilidade,  atuariais  e  estatísticas;  (iii) 

parâmetros quanto ao capital e ao patrimônio líquido mínimos, bem assim 

quanto  às  formas  de  sua  subscrição  e  realização  quando  se  tratar  de 

sociedade  anônima;  (iv)  critérios  de  constituição  de  garantias  de 

manutenção do equilíbrio econômico‐financeiro,  consistentes em bens, 

móveis  ou  imóveis,  ou  fundos  especiais  ou  seguros  garantidores;  (v) 

criação  de  fundo,  contratação  de  seguro  garantidor  ou  outros 

instrumentos  que  julgar  adequados,  com  o  objetivo  de  proteger  o 

consumidor  de  planos  privados  de  assistência  à  saúde  em  caso  de 

insolvência de empresas operadoras.[20] 

A direção da ANS é exercida por uma diretoria colegiada, integrada 

por  cinco diretores,  sendo um deles o diretor‐presidente. Os diretores 

serão  brasileiros,  indicados  e  nomeados  pelo  Presidente  da  República, 

após  aprovação  prévia  pelo  Senado  Federal.  Somente  perderão  seus 

mandatos  em  caso  de  condenação  penal  transitada  em  julgado, 

condenação em processo administrativo, acumulação ilegal de cargos ou 

descumprimento não  justificado de objetivos e metas estabelecidos no 

contrato de gestão. 

A agência está organizada em cinco áreas:[21] 

a)      Diretoria de normas e habilitação das operadoras: responsável 

pela  regulamentação,  registro  e  monitoramento  do 

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funcionamento  das  operadoras,  inclusive  dos  processos  de 

regime especial e liquidação extrajudicial; 

b)         Diretoria de normas e habilitação de produtos: responsável 

pela  regulamentação,  registro  e monitoramento  dos  planos, 

inclusive as autorizações de reajustes de contratos; 

c)      Diretoria de fiscalização: responsável por todo o processo de 

fiscalização tanto dos aspectos econômicos‐financeiros, quanto 

dos  aspectos  médico‐assistenciais,  além  do  apoio  ao 

consumidor  e  articulação  com  os  órgãos  de  defesa  do 

consumidor; 

d)          Diretoria  de  desenvolvimento  setorial:  responsável  pelo 

ressarcimento ao SUS e pelo desenvolvimento de instrumentos 

que  viabilizem  a  melhoria  de  qualidade  e  o  aumento  da 

competitividade do setor; e 

e)  Diretoria de gestão: responsável pelo sistema de gerenciamento 

da ANS, o que envolve recursos financeiros, recursos humanos, 

suprimentos, informática e informação. 

A  ANS  goza  de  autonomia  administrativa  e  financeira.  Possui 

orçamento  próprio  composto  pela  Taxa  de  Saúde  Suplementar  –  TSS, 

multas administrativas e multas mora. 

2.1.1. Competências da ANS 

As competências organizacionais da ANS são[22]: 

(i)  Regulação  da  saúde  suplementar:  conjunto  de  políticas  e 

diretrizes  gerais,  ações  normatizadoras  e  indutoras,  que  objetivam  à 

defesa  do  interesse  público  e  à  sustentabilidade  do  mercado  de 

assistência suplementar à saúde. 

(ii)    Qualificação  da  saúde  suplementar:  conjunto  de  políticas, 

diretrizes  e  ações  que  buscam  a  qualificação  do  setor,  em  relação  ao 

mercado regulado; qualificação das operadoras, nas dimensões atenção à 

saúde, econômico‐financeira, estrutura e operação; 

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(iii)  Articulação Institucional: conjunto de políticas, diretrizes gerais 

e  ações que  aperfeiçoem  as  relações  institucionais  internas  e externas 

viabilizando a efetividade do processo regulatório. 

Sobre as competências legais da ANS, a Lei 9.961/2000, em seu art. 

4º dispõe que cabe à Agência propor políticas e diretrizes gerais ao Consu 

para  a  regulação  do  setor  de  saúde  suplementar;  estabelecer  as 

características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade 

das operadoras; fixar critérios para os procedimentos de credenciamento 

e  descredenciamento  de  prestadores  de  serviço  às  operadoras; 

estabelecer parâmetros e  indicadores de qualidade e de  cobertura em 

assistência  à  saúde para os  serviços próprios e de  terceiros oferecidos 

pelas  operadoras;  estabelecer  normas  para  ressarcimento  ao  Sistema 

Único de Saúde – SUS, estabelecer normas relativas à adoção e utilização, 

pelas operadoras de planos de assistência  à  saúde, de mecanismos de 

regulação  do  uso  dos  serviços  de  saúde,  normatizar  os  conceitos  de 

doença  e  lesão  preexistentes,  estabelecer  normas,  rotinas  e 

procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro 

dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde, 

autorizar o  registro dos planos privados de assistência à  saúde, dentre 

outros[23]. 

A ANS intensificou sua atuação com o objetivo de sanear o setor da 

saúde suplementar. Por isso, a autarquia tem se destacado em razão da 

numerosa quantidade de resoluções, instruções, súmulas e normatizações 

que a autarquia tem expedido. 

No âmbito de regulação de preços foram implantadas normas para 

reajustes e definidos mecanismos de acompanhamento da variação dos 

preços, com objetivo de formular uma política de controle, na busca da 

sustentabilidade do mercado. 

Na  seara  da  assistência,  foram  regulamentados  temas  para  a 

garantia de qualidade da atenção à saúde, como a atualização do rol de 

procedimentos de alta complexidade para a aplicação de cobertura parcial 

temporária. 

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No  campo  econômico‐financeiro,  a  Agência  classificou  as 

operadoras  de  saúde  segundo  suas  peculiaridades.  Estabeleceu  a 

exigência  de  plano  padrão,  de  envio  de  informações  periódicas,  de 

publicação de balanços. 

Também  foi  regulamentado  e  implantado  o  sistema  de 

ressarcimento ao SUS, que deve ser ressarcido pelos procedimentos com 

cobertura contratual prestados aos consumidores de planos privados de 

assistência à saúde. 

2.1.2. Fiscalização das operadoras de saúde suplementar no Brasil 

Diversas são as medidas adotadas pela ANS para tornar o setor de 

saúde suplementar mais  justo, competitivo e cristalino, bem como mais 

seguro para os consumidores. Para ajudar em tal tarefa, a ANS conta com 

em sua estrutura com a Diretoria de  fiscalização – DIFIS, que possui as 

seguintes atribuições[24]: 

“Promover a articulação com o Sistema Nacional 

de  Defesa  do  Consumidor  (SNDC);  realizar  a 

fiscalização  da  assistência  suplementar  à  saúde; 

promover ações educativas para o consumo no setor 

de  planos  de  saúde  e  a  integração  com  órgãos  e 

entidades  integrantes do SNDC e da sociedade civil 

organizada; gerenciar a Central de Relacionamento, 

inclusive  o  Disque‐ANS,  para  receber,  analisar  e 

encaminhar  respostas  a  consultas  e  denúncias; 

instaurar  e  conduzir  o  processo  administrativo  de 

apuração  de  infrações  e  aplicação  de  sanções  por 

descumprimento  da  legislação  de  saúde 

suplementar;  promover  a  mediação  ativa  dos 

interesses  para  produzir  consenso  na  solução  de 

casos  de  conflito;  desenvolver  e  manter,  em 

articulação  com  as  demais  diretorias,  sistema  de 

informações  sobre  demandas  de 

consumidores/beneficiários  e  a  atividade  de 

fiscalização;  e  definir  as  operadoras  de  planos  de 

saúde a serem fiscalizadas.” 

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A  fiscalização  realizada pela ANS pode ser dar de duas  formas: a 

fiscalização direta e a fiscalização indireta. 

A  fiscalização  direta  pode  ocorrer:  de  forma  planejada,  com 

fiscalização permanente, com a verificação do cumprimento da legislação; 

ou  de  forma  descentralizada,  onde  há  participação  da  sociedade  na 

denúncia de infrações cometidas à luz da legislação regente. 

A fiscalização direta é exercida por dois programas: cidadania ativa 

e olho vivo. 

O  programa  cidadania  ativa  conta  com  a  participação  do 

consumidor, que faz denúncias à Agência. Pela dinâmica de tal programa, 

o consumidor atua como parceiro das atividades de controle e fiscalização 

e melhoria  do  setor.  A  partir  dessa  participação,  desencadeiam‐se  os 

procedimentos que vão do esclarecimento sobre a consulta trazida até a 

própria  autuação  da  operadora,  quando  uma  infração  à  norma  é 

constatada. Assim, além de fomentar a participação cidadão na defesa de 

seus  direitos,  o  programa  também  tem  função  saneadora,  focado  na 

mudança de comportamento da operadora de saúde, trazendo melhorias 

para os serviços prestados. 

O programa olho vivo é um modelo inovador da ação fiscalizadora, 

porquanto é uma fiscalização proativa e realizada de forma continuada, 

com  vistas  à  crescente  adequação  das  operadoras  aos  dispositivos 

estabelecidos pela legislação. 

O programa tem função preventiva e pedagógica, onde se espera a 

mudança nas condutas das operadoras de saúde em face de uma maior 

responsabilização. 

A fiscalização indireta é exercida por meio do acompanhamento e 

do monitoramento das operadoras, embasada em dados de sistemas de 

informações e no cruzamento de informações. 

Os  instrumentos  da  fiscalização  indireta  são:  (i)  planos  de 

recuperação;  (ii)  regimes  especiais,  tais  como  direção  fiscal,  direção 

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técnica e liquidação extrajudicial; (iv) alienação compulsória de carteira; e 

(v) leilão. 

Os  planos  de  recuperação  são  exigidos  pela  Agência  quando  a 

operadora apresenta problemas econômico‐financeiros e precisa de ajuda 

para restabelecer o equilíbrio. 

Sobre os regimes especiais: a direção fiscal é decretada quando a 

ANS  constata  graves  irregularidades  econômico‐financeiras  das 

operadoras;  a  direção  técnica  é  determinada  quando  a  operadora  de 

saúde põe em risco a continuidade e/ou a qualidade do atendimento ao 

beneficiário;  já  a  liquidação  extrajudicial  é  determinada  quando  a 

operadora  não  consegue  se  recuperar  financeiramente,  sendo 

transformada em falência ou insolvência civil, conforme sua organização 

societária. 

A  alienação  compulsória  da  carteira  é  decretada  com  o  fito  de 

garantir  a  continuidade  de  atendimento  aos  beneficiários,  quando  a 

operadora não demonstra capacidade de recuperação. Caso a alienação 

compulsória não se realize, determina‐se o leilão da carteira, na busca por 

outras operadoras de saúde que possam absorver os novos beneficiários. 

2.1.2.1. Instrumentos de fiscalização

Os instrumentos de fiscalização da ANS podem ser classificados em 

: punitivos e consensuais.

Os instrumentos de fiscalização punitivos são a regra geral para os 

processos  administrativos  inaugurados  em  consequência  de  denúncias 

que tenham produzido lesão aos direitos dos beneficiários. São aplicações 

de penalidades que podem ser: (i) advertência; (ii) multa pecuniária; (iii) 

suspensão do exercício do cargo; (iv) inabilitação para exercício do cargo; 

(v) cancelamento de autorização; e, (vi) alienação de carteira. 

Os  instrumentos  de  fiscalização  consensuais  possibilitam  o 

ajustamento  da  conduta.  Caracteriza‐se  principalmente  pelo  Termo  de 

Ajuste  de  Conduta  –  TCAC,  previsto  artigo  29  e  parágrafos  da  Lei  nº 

9.656/98 e artigo 4º, inciso XXXIX, da Lei nº 9.961/2000, in verbis: 

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Art. 29.   As  infrações serão apuradas mediante 

processo administrativo que  tenha por base o auto 

de infração, a representação ou a denúncia positiva 

dos  fatos  irregulares,  cabendo  à  ANS  dispor  sobre 

normas  para  instauração,  recursos  e  seus  efeitos, 

instâncias e prazos.     

§  1º  O  processo  administrativo,  antes  de 

aplicada a penalidade, poderá, a  título excepcional, 

ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora 

de serviço assinar termo de compromisso de ajuste 

de conduta, perante a diretoria colegiada, que  terá 

eficácia de título executivo extrajudicial, obrigando‐

se a:     

I ‐ cessar a prática de atividades ou atos objetos 

da apuração; e      

II  ‐  corrigir  as  irregularidades,  inclusive 

indenizando os prejuízos delas decorrentes.     

§  2º  O  termo  de  compromisso  de  ajuste  de 

conduta  conterá,  necessariamente,  as  seguintes 

cláusulas:    

I ‐ obrigações do compromissário de fazer cessar 

a  prática  objeto  da  apuração,  no  prazo 

estabelecido;     

II  ‐  valor  da multa  a  ser  imposta  no  caso  de 

descumprimento, não  inferior a R$ 5.000,00  (cinco 

mil  reais)  e  não  superior  a  R$  1.000.000,00  (um 

milhão de reais) de acordo com o porte econômico 

da operadora ou da prestadora de serviço.      

§ 3º A assinatura do termo de compromisso de 

ajuste  de  conduta  não  importa  confissão  do 

compromissário  quanto  à  matéria  de  fato,  nem 

reconhecimento  de  ilicitude  da  conduta  em 

apuração.      

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§  4º  O  descumprimento  do  termo  de 

compromisso de ajuste de conduta, sem prejuízo da 

aplicação da multa a que se refere o inciso II do § 2o, 

acarreta a revogação da suspensão do processo.      

§  5º  Cumpridas  as  obrigações  assumidas  no 

termo de  compromisso de ajuste de  conduta,  será 

extinto o processo. 

§ 6º Suspende‐se a prescrição durante a vigência 

do termo de compromisso de ajuste de conduta. 

§  7º  Não  poderá  ser  firmado  termo  de 

compromisso  de  ajuste  de  conduta  quando  tiver 

havido  descumprimento  de  outro  termo  de 

compromisso de ajuste de conduta nos termos desta 

Lei, dentro do prazo de dois anos. 

§  8º  O  termo  de  compromisso  de  ajuste  de 

conduta  deverá  ser  publicado  no  Diário  Oficial  da 

União.      

§  9º  A  ANS  regulamentará  a  aplicação  do 

disposto nos §§ 1o a 7o deste artigo. 

Art. 4º Compete à ANS: 

(...) 

XXXIX ‐ celebrar, nas condições que estabelecer, 

termo de compromisso de ajuste de conduta e termo 

de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos; 

O  TCAC  visa  obter  dos  agentes  regulados  o  cumprimento  da 

obrigação definida pela  lei através de um procedimento que prioriza o 

diálogo, o comprometimento e o consenso. 

Celebrado  o  TCAC,  a  ANS  suspende  o  processo  administrativo 

sancionador, onde seria aplicada a penalidade, e abre a possibilidade de 

ver  concretizado  o  interesse  público  aspirado  com  o  implemento  da 

obrigação original. 

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O TCAC é utilizado em processos administrativos decorrentes da 

ação fiscalizatória proativa da ANS, no Programa Olho Vivo e da ação de 

monitoramento. 

Tal  instrumento  tem  relativa  importância,  especialmente  para  o 

incremento  da  eficiência,  redução  do  abuso  de  poder,  aceitação  da 

decisão  administrativa  pelo  do  setor  regulado;  melhoramento  do 

atendimento  aos  interesses  envolvidos;  elevação  do  senso  de 

responsabilidade dos administrados sobre a coisa pública; e para garantia 

de maior aceitabilidade social. 

. Considerações Finais 

As agências  reguladoras brasileiras nasceram após a Reforma do 

aparelho estatal, em um contexto de privatização dos serviços públicos e 

de fiscalização de tais serviços por meio da regulação. 

As agências desempenham papel importante no equilíbrio entre os 

interesses dos consumidores, dos concessionários de serviços públicos e 

do  Estado,  com  o  intento  de  proteger  de  determinado  segmento 

econômico. 

A finalidade das agências reguladoras é a estabelecimento de uma 

regulação  independente,  neutra  e  imparcial,  apolítica  e  técnica.  A 

independência  é  necessária,  uma  vez  que  garante  a  imparcialidade  e 

neutralidade da entidade em relação aos diferentes interesses regulados. 

Essa  independência pode se ser dividida em diversos aspectos: a) 

ausência de vínculo hierárquico com a pessoa administrativa central; b) 

autonomia  administrativa;  c)  possibilidade  de  decidir  as  questões 

controversas  postas  à  sua  apreciação;  d)  autonomia  normativa;  e,  e) 

autonomia financeira. 

Nesse  fim,  a  legislação  infraconstitucional  confere  às  agências 

reguladoras poderes para regular, expedir normas de caráter secundário, 

controlar e fiscalizar as atividades econômicas em sentido estrito em prol 

do interesse público, e aplicar sanções. 

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Na área da saúde suplementar, o setor somente foi devidamente 

regulamentado  a  partir  da  publicação  da  Lei  nº  9.656/98,  que 

regulamentou os planos de saúde, editando normas e regulamentações. 

A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei nº 

9.961/2000, ocorreu apenas dois anos após a entrada em vigor da LSP. 

A ANS possui como objetivo efetivar todas as previsões trazidas pela 

LPS, bem como centralizar as competências regulatórias e de fiscalização 

do setor de saúde suplementar, bem como controlar e punir os agentes 

controlados. 

O controle é  realizado, principalmente, por meio de  informações 

prestadas pelas operadoras de  saúde, e a  fiscalização ocorre de  forma 

ativa,  com  intervenções quando existem  irregularidades que  coloquem 

em risco os beneficiários e os prestadores de serviço. 

A  Agência  regula  o  setor:  (i)  disciplinando  critérios  de  ingresso, 

operação  e  saída  do  setor  de  saúde  suplementar;  (ii)  utilizando 

instrumentos para o equilíbrio econômico‐financeiro das operadoras; (iii) 

aplicando  penalidades  por  descumprimento  da  lei  e  regulação;  (iv) 

estabelecendo  procedimentos  para  controle  e  adequação  de  preços, 

entre outros. 

O que se percebe é que a regulação com propriedade é uma das 

funções primordiais da ANS, pois, por meio dela é possível que o setor de 

saúde suplementar seja seguro e qualificado, sendo os benefícios dessa 

regulação o Estado, o beneficiário direto, e o agente regulado. 

. Referências Bibliográficas 

BAHIA, Claudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. O papel 

das  agências  reguladoras  no  Brasil  e  a  regulamentação  do  setor  de 

saúde.  Revista  Magister  de  Direito  Empresarial,  Concorrencial  e  do 

Consumidor, ano V, n. 28, p. 37‐49, ago./set. 2009. 

BRASIL. Lei 9.491 de 9 de setembro de 1997. Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras

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providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 set. 1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm#art35>.

BRASIL. Lei 9.656 de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 jun. 1998. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9656compilado.htm>.

BRASIL. Lei 9.961 de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jan. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9961.htm>.

BRASIL. Lei 9.986 de18 de julho de 2000. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 julho. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9986.htm>.

BRASIL. Lei 10.185 de 12 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre a especialização das sociedades seguradoras em planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 fev. 2001. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10185.htm>.

BRASIL. Lei 10.850 de 25 de março de 2004. Atribui competências à Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e fixa as diretrizes a serem observadas na definição de normas para implantação de programas especiais de incentivo à adaptação de contratos anteriores à Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 mar. 2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.850.htm>.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em <http://www.ans.gov.br/>.

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Administrativo. 21ª ed.  rev. amp. e atual. Rio de  Janeiro:  Lúmen  Juris, 

2009. 

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NOBRE, Milton Augusto de Brito (Coord); SILVA, Ricardo Augusto Dias 

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Belo Horizonte: Fórum, 2013. 

OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Regulamentação dos planos de saúde e 

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OLIVEIRA,  Rafael  Carvalho  Rezende.  Curso  de  Direito 

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WILLEMAN,  Flávio  de Araújo. Responsabilidade  Civil  das Agências 

Reguladoras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 

NOTAS:

[1] Art. 21 da CRFB: Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)

Art. 174 da CRFB: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

[2] Art. 37, XIX da CRFB: Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. 1ªed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 344.

[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Método, 2013. p. 94.

[5] Art. 5º da Lei 9.968/2000.

[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. São Paulo: Renovar, 2003. p. 117.

[7] Art. 21, inciso XI e Art. 177, §2º, inciso III, da CF/88.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 392/393.

[9]CF/88. “Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”

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[10] CARVALHO F., José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. p. 53.

[11] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 121/123.

[12] WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade civil das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011. p. 151.

[13] ADI nº 1.668 MC/DF. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 20/08/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 16-04-2004

[14] Artigo 1º da Lei 9.656/98 “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)”.

[15] Artigo 1º, inciso I, da Lei 9.656/98.

[16] Artigo 10, incisos I a X, da Lei 9.656/98.

[17] Artigo 15, parágrafo único, da Lei 9.656/98.

[18] Artigo 12, inciso V, da Lei 9.656/98.

[19] Artigo 3º da Lei 9.961/2000.

[20]Artigo 35-A da Lei nº 9.656/98.

[21] GREGORI, Maria Stella. A saúde suplementar no contexto do Estado regulador brasileiro. Revista Direito do Consumidor, ano 15, n. 59, p.121.

[22] http://www.ans.gov.br/acessoainformacao-/institucional. Acesso em: 10/08/2014.

[23] Como exemplos, o artigo 4º, inciso III da Lei nº 9.961/00 dispõe que compete à ANS elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins

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disposto na Lei 9.656/98 e suas excepcionalidades; o inciso XVIII estabelece a competência da ANS para expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões;

[24] http://www.ans.gov.br/aans/quem-somos/organograma/491-estrutura-e-atribuicoes-na-agencia-nacional-de-saude-suplementar-ans-difis-diretoria-de-fiscalizacao. Acesso em: 11 de agosto de 2014.

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POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA: APLICAÇÃO NA ASSISTÊNCIA MUNICIPAL

HEVELISE SILVANA SANTOS DA SILVA: Contadora e graduanda em direito na UniAGES - Paripiranga-BA.

RESUMO:  Este  artigo  apresenta  concepções  sobre  a  assistência  social 

voltada  para  as  crianças,  adolescentes  e  idosos,  que  atualmente  está 

positivada na Constituição Federal de 1988, com um breve relato sobre a 

influência causada pela Revolução  Industrial, e  seu momento histórico. 

Fala  sobre  a  importância  dos  programas  que  são  desenvolvidos  pelas 

políticas  públicas  por  meios  de  órgãos  estatais,  privados,  inclusive 

participação da sociedade na busca pela melhoria dos necessitados, para 

que determinado grupo de pessoas tenha uma vida baseada na dignidade 

da pessoa humana, fazendo sempre que possível as abordagens na Esfera 

Municipal. Avaliando as questões que regem o direito à saúde em relação 

à sociedade, atribuindo uma temática acerca da saúde pública conectada 

à assistência social. Levantando em breves palavras um assunto bastante 

novo que é a judicialização da saúde, onde o Poder Judiciário toma para si 

assuntos  políticos  ou  sociais.  E  nesse  contexto  busca‐se  um  panorama 

preciso  e  voltado  às  políticas  públicas  para  os  vulneráveis,  em 

consequência  de  questões  constitucionais  no  Estado  Democrático  de 

Direito. 

Palavras‐chave: Assistência Social; Políticas Públicas; Mínimo Existencial; 

Reserva do Possível; Criança e Adolescente; Idoso; Saúde; Judicialização. 

INTRODUÇÃO

A  assistência  social  carrega  como  problematização  um  dever  do 

Estado prestado aos necessitados por meio de políticas públicas, ou seja, 

um dever voltado para  todos os setores no qual o  indivíduo não possa 

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prover por meio dos seus próprios esforços os recursos mínimos para sua 

sobrevivência e de sua  família, de maneira razoavelmente digna, sendo 

este um dever positivado na Constituição Federal de 1988 e disposto de 

modo igualitário para a União, Estados e Municípios. Hodiernamente, de 

uma grande  importância,  tendo em vista que deixou de  ter um caráter 

residual e um espaço de reprodução da exclusão e privilégios e passou a 

ser uma estrutura de distribuição de todas as políticas e de universalização 

de direitos sociais. 

Com  base  no  caso/problema,  para  uma melhor  compreensão  é 

preciso entender o conceito, surgimento e o momento histórico do direito 

social, denominada de segunda dimensão, e seus seguimentos no Brasil, 

o que são as Políticas Públicas e seus reais objetivos e como sendo este 

direito um direito a prestações é preciso compreender o que vem ser o 

mínimo existencial e a reserva do possível, levando‐se em conta o dever 

do Estado de garantir a dignidade humana em confronto com os recursos 

econômicos  estatais  disponíveis.  Percebendo  que  o  conceito  de 

assistência social transforma‐se de caridade pública para proteção legal, 

compreendendo o amparo material, moral e jurídico do necessitado e da 

sua  família. Amparo material, posto que provê os  recursos necessários 

para  a  sobrevivência;  moral,  pois  existe  órgãos  que  os  cuidam  com 

conselhos  e  palestras  e  jurídico  porque  existe  o  Poder  Judiciário  para 

assegurar os direitos que os  indivíduos possuem. Porém, apenas alguns 

Municípios criam os institutos de políticas públicas, pois mesmo sendo um 

direito instituído na Carta Magna ainda não se tem uma total eficácia, e 

diante disso é necessária uma análise de como o Judiciário pode ou não 

agir  no  descaso  do  Estado,  principalmente  quando  se  diz  respeito  ao 

direito à saúde. 

O objetivo é uma análise na assistência social em âmbito municipal 

das crianças, adolescentes e idosos, sendo imprescindível uma abordagem 

sucinta sobre o momento histórico e as mudanças  legais e  jurídicas que 

ocorreram com o passar do tempo para que melhor seja garantido, a esses 

grupos, um tratamento de respeito e  igualdade. Posto que, para alguns 

casos existem leis que instituem elemento diferencial, como é o caso do 

Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. E também, da 

assistência na área da saúde com uma  importante abordagem sobre os 

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pontos  relevantes  do  assunto,  observando  que  a  saúde  pública  tem 

merecido  uma  especial  atenção,  por  meio  de  medidas  preventivas  e 

processos de cura em torno das enfermidades que afetam a população, 

destacando  quais  os  deveres  dos Municípios  na  preservação  da  saúde 

pública. 

Todos esses temas são embasados, primeiramente, na Constituição 

Federal de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente, no Estatuto do 

Idoso,  nas  Leis  8.742/93  e  12.435/11,  incluindo  alguns  doutrinadores 

como Predo  Lenza,  José Afonso da  Silva, Hely  Lopes Meirelles que  são 

importantes para o entendimento do momento histórico do direito social 

e para os seus conceitos. Alguns livros foram importantes para elaboração 

deste  artigo,  incluindo  entre  eles  a  obra:  o  direito  achado  na  rua: 

introdução crítica ao direito à saúde, obras de Rogério Gesta Leal e Celson 

Antônio Bandeira de Mello. 

1. DIREITO SOCIAL – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

Atualmente, o país, por conta das indústrias, tem grande parte da população aglomerada nas cidades. E isso começou a ocorrer a partir do século XX com a Revolução Industrial, a qual dividiu a sociedade, de um lado a burguesia e do outro a classe operária. É quando a classe operária excluída de seus benefícios, revelada bastante miserável com seus locais de trabalho insalubres, extensas jornadas de trabalho, baixos salários, etc e a crise favorecendo a uma conjuntura socioeconômica, propiciou um movimento da sociedade em direção de uma redemocratização e reorganização da sociedade civil começando a surgir diversos acontecimentos sociais, que tinham inicialmente a finalidade de estabelecer proteções nas relações de trabalho. Houve a instalação da Assembleia Nacional Constituinte e a possibilidade de se estabelecer outra ordem social, tentando inscrever na carta institucional direitos sociais que pudessem ser traduzidos em deveres do Estado, por meio de políticas públicas. As últimas décadas do século XX admitiram reorganizar a política de assistência social para o conjunto da população, com novos parâmetros estabelecidos na

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intervenção pública. A partir de então é marcado no Brasil o momento histórico que impulsiona os direitos humanos chamados de 2ª dimensão, com a perspectiva de evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, incluído os direitos coletivos e da coletividade correspondentes aos direitos de igualdade, intimamente relacionados ao princípio da solidariedade. Para Pedro Lenza[1] “[...] os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se como prestações positivas a serem implantadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida [...]” (pg. 1076). E para José Afonso da Silva[2]:

[...] direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (pg. 286 e 287)

Quando se trata do direito à igualdade é de grande importância fazer uma observação sobre como seria aplicada essa igualdade. Acima, Pedro Lenza conceitua os direitos de 2ª dimensão dizendo que devem ser implantados conforme a perspectiva de uma isonomia, e para entender essa isonomia como sinônimo de igualdade é fundamental compreender os ensinamentos de Aristóteles que afirma que devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais e os ensinamentos de Celson Antônio Bandeira de Mello[3], o qual para o autor existe uma sutil diferença entre igualdade e isonomia, afirmando o mesmo:

A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da

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vida social que necessita tratar equitativamente todos cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e judicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigente. (pg. 10)

Em relação ao momento histórico do direito social no Brasil, foi a Constituição de 1934, influenciada pela Constituição alemã de Weimar (1919), que primeiro o disciplinou, em um título sobre a ordem econômica e social. E, hodiernamente, a Constituição Federal de 1988, estipula um rol de direitos fundamentais de 2ª dimensão, positivados no art. 6°: educação, saúde, alimentação trabalho, moradia transporte, lazer, segurança, etc.

Esses direitos sociais se efetivam por meio de políticas públicas, com objetivo de amparo e proteção social aos mais fracos e/ou pobres e distribuição igualitária para os recursos individuais e coletivos, garantindo uma melhor qualidade de vida, baseada na dignidade humana. É por meio de conjunto de atividades e programas que são desenvolvidos pelo Estado com a ajuda dos entes públicos e/ou privados que se visa assegurar o direito a cidadania, de uma maneira difusa, visto que, essas políticas são direitos positivados na Constituição Federal de 1988, como por exemplo a educação e a saúde que são direitos universais dos brasileiros, cuja participação da sociedade acontece por meio dos Conselhos em nível Nacional, Estadual e Municipal.

As políticas públicas poderão vir a ser criadas por iniciativa dos Poderes Executivo ou Legislativo e por meio de propostas da população, sabendo-se que a participação dessa população na criação, avaliação e fiscalização, em alguns casos, é assegurada na própria lei que a criou. Para Rogério Gesta Leal[4] a Constituição Federal 1988 em seu artigo 3°, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil e em análise ele afirma:

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Deste mandamento constitucional  retiram‐se o 

significado  e  a  justificativa  das  chamadas  ações 

afirmativas, aqui entendidas como políticas públicas 

e privadas destinadas a  implementar benefícios em 

favor de um determinado número de pessoas, dentro 

de  um  contexto  sócio‐econômico  em  que  se 

encontram em desvantagens por razões sociais. (pg. 

116)

Em relação à política de assistência em âmbito dos municípios, os 

mesmos fazem parte do Sistema Único de Assistência Social – SUAS – que 

foi recentemente  implementado pela União depois da publicação da Lei 

12.435/11,  a qual  alterou  a  Lei 8.742/93  –  Lei Orgânica da Assistência 

Social – LOAS. Alterando então o art. 2° da LOAS, que passa a elencar o 

seguinte: 

Art. 2° A assistência social tem por objetivo: 

I – a proteção social, que visa à garantia da vida, 

à redução de danos e à prevenção da  incidência de 

riscos, especialmente: 

a)      a proteção à família, à maternidade, à infância, 

à adolescência e à velhice; 

b)          o  amparo  às  crianças  e  aos  adolescentes 

carentes; 

c)            a  promoção  da  integração  ao mercado  de 

trabalho; 

d)         a habilitação e  reabilitação das pessoas  com 

deficiência e a promoção de  sua  integral à  vida 

comunitária; e 

e)      a garantia de 1 (um) salário‐mínimo de benefício 

mensal à pessoa com deficiência e ao  idoso que 

comprovem  não  possuir  meios  de  prover  a 

própria manutenção ou de tê‐la provida por sua 

família; 

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II  –  a  vigilância  socioassistencial,  que  visa  a 

analisar territorialmente a capacidade protetiva das 

famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de 

ameaças, de vitimizações e danos; 

III – a defesa de direitos, que visa a garantir o 

pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões 

sociassistenciais. 

Parágrafo  único.  Para  o  enfrentamento  da 

pobreza,  a  assistência  social  realiza‐se  de  forma 

integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos 

sociais  e  provimento  de  condições  para  atender 

contingências  sociais  e  promovendo  a 

universalização dos direitos sociais. 

Verifica‐se,  portanto,  que  ultimamente  a  administração  das 

políticas  públicas  tornou‐se  mais  democrática  com  o  Estado 

desenvolvendo  um  papel mais  próximo  da  sociedade.  É  realizada  uma 

política menos centralizada, na qual a população  tem uma participação 

mais  efetiva,  mas  mesmo  assim  não  deixa  de  ser  necessária  uma 

intermediação, principalmente financeira dos Entes da Federação para a 

garantia de uma condição de sobrevivência digna. 

2. MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL

É  importante  entender  que  os  direitos  sociais  são  direitos  a 

prestações, os quais necessitam de custos especiais devendo‐se entender 

em que medida esses direitos, por força do art. 5° § 1° CF/88 estão em 

condições  de  serem  aplicáveis.  Historicamente  a  obrigação  de 

atendimento a esses direitos coordena o Estado à expansão dos serviços 

públicos, atualmente, é preciso discutir até que ponto o Estado deve dar 

o  atendimento  a  esses  direitos  ou  apenas  amparar  sua  busca,  sendo 

assunto  bastante  difícil  de  ser  determinado.  A  aplicação  imediata  é  o 

desejável,  mas  é  utópico  acreditar  que  o  Estado  brasileiro  consiga 

assegurar o pleno exercício dos direitos sociais.

O Mínimo Existencial é um indicador de densificação material dos 

Direitos Fundamentais Sociais e o Poder Público é instituído para assumir 

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a responsabilidade de uma tutela política eficaz, coletiva e indeterminada 

com o objetivo de satisfação básica da população. É a condição mínima de 

sustento e participação social do Estado que  leva o cidadão a uma vida 

digna,  mas  existe  um  problema  que  envolve  essa  condição  que  é  a 

natureza relacional em face do tempo e do espaço, visto que para cada 

ambiente há diferenças  e  até mesmo questões provocadas por  causas 

fortuitas  e  força  maior  podem  alterar  a  especificidade  do  mínimo. 

Contudo,  verifica‐se  que  o  papel  fundamental  de  um  Estado  Social  de 

Direito é a garantia de justiça social efetiva aos cidadãos, garantindo o seu 

desenvolvimento,  com  base  na  dignidade  humana  e  observação  ao 

ordenamento  jurídico  (LEAL:2009)  [5].  E  para  uma  eficaz  garantia  de 

direito,  o  Judiciário  vem  servindo  para  uma  melhor  formação  de 

parâmetros de civilidade e organização comunitária. No Brasil os Direitos 

Sociais Constitucionalizados são deveres do Estado, constituindo para as 

condições  mínimas  de  uma  existência  digna  principais  tarefas  e 

obrigações,  a qual  conformando‐se  com direitos  subjetivos  implica  em 

direito a prestação. 

Porém é preciso levar em consideração que qualquer exercício do 

direito  social,  em  tese,  custa dinheiro,  e desde  a década de 70 que  já 

existia  a  ideia  de  reserva  de  caixa  financeiro,  evidenciando  que  estes 

direitos estão vinculados às reservas financeiras do Estado, devendo ser 

custeados pelo erário e os argumentos de escassez de recursos dos cofres 

públicos não eliminam os direitos fundamentais, principalmente o que é 

relacionado à  saúde, estando então  sujeitos ao  controle  jurisdicional o 

qual aferi a razoabilidade dos comportamentos institucionais. Um ponto 

importante a ser observado é que o Estado Social deve muitas vezes fazer 

escolhas, em face de não poder atender a todas as demandas da mesma 

maneira e tempo e conforme Rogério Gesta[6]  isso será  feito de  forma 

razoável  e  pública,  controlada  pela  comunidade  de  intérpretes 

democráticos e outro ponto, o Legislador tem o dever de manter o bem‐

estar conquistado e também promover uma satisfação gradual. 

O  Estado  usa  argumentos  da  “reserva  do  possível”,  ligada  às 

limitações orçamentárias que o mesmo possui, baseando‐se na  ideia de 

que  a  obrigação  do  impossível  não  pode  ser  exigida.  Essa  reserva  é 

basicamente  um  limitador  de  certas  políticas  públicas,  mas  esses 

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argumentos  não  o  eximem  de  atendimentos  e  efetivação  dos  direitos 

sociais, não sendo suficientes para que o Estado deixe de cumprir com 

suas obrigações e venha a  justificar, no entanto, uma total omissão dos 

poderes instituídos. 

Quando  se  trata  de  educação,  algumas  decisões  de  Órgãos 

Superiores  já  são  unânimes,  como  a  decisão  da  Segunda  Turma  do 

Superior Tribunal de Justiça[7] sobre o reconhecimento da possibilidade 

de assegurar a efetivação de direitos fundamentais, mesmo que implique 

custos ao orçamento do Executivo. A educação para criança e adolescente 

está  instituída no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) Lei 8.069/90, 

como  sendo dever do Estado, o qual assegura a  todas as  crianças, nas 

condições previstas pela lei, a possibilidade desse direito ser exigido em 

juízo.  Importante  salientar  que  a  atividade  do  dever  da  educação  é 

vinculada  ao  administrador,  cabendo  ao  Judiciário  torná‐lo  realidade, 

mesmo que para tanto resulte em uma obrigação de fazer, o que poderá 

então  repercutir  na  esfera  orçamentária.  A  insuficiência  do  recurso 

orçamentário  não  pode  ser  considerada  uma mera  falácia  e  a  tese  da 

reserva do possível, como vista acima, é questão  intimamente  ligada à 

escassez dos  recursos, que  resulta  em um processo de  escolha para o 

administrador. 

Verificando,  portanto,  que  os  direitos  fundamentais,  incluindo  a 

educação, não poderão ser limitados em razão da escassez orçamentária. 

A real falta de recurso deve ser demonstrada pelo poder público, mas não 

se  utilizando  da  tese  como  desculpa  para  a  omissão  estatal,  existindo 

ressalva  apenas  para  os  casos  em  que  a  distribuição  dos  recursos  no 

atendimento do mínimo existencial só não será possível quando houver 

impossibilidade  pela  falta  de  orçamento,  então  nesse  caso  o  Poder 

Judiciário não poderá tomar parte nos planos governamentais. 

3. POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS VOLTADAS PARA CRIANÇA E ADOLESCENTES

Com a reorientação dos programas e ações sociais, em especial à 

redução da pobreza em que se encontravam uma boa parte da população 

de jovens, passam eles a terem uma nova exigência das políticas públicas. 

Historicamente  a  construção  da  assistência  a  jovens  pobres  passa  por 

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vários momentos, relatados em breves palavras[8], como a promulgação 

do código dos menores de 1927 e a Constituição de 1937 que amplia o 

âmbito da proteção e coloca a assistência nos casos de carência do menor 

como encargo do Estado. Em 1942 é oferecido à criança e ao adolescente 

o  Serviço  de  Assistência  ao  Menor  (SAM),  equiparado  ao  sistema 

penitenciário,  sendo  destinado  aos  infratores  como  forma  de 

reformatório  e  as  casas  de  correção  aos  menores  carentes  e 

abandonados. Surgem, por volta dessa mesma época, novas entidades de 

iniciativa e de ação direta do Estado, oferecendo assistência à educação 

básica a  crianças e  jovens,  tais  como a  Legião Brasileira de Assistência 

(LBA),  Fundação  Darcy  Vargas,  Casa  do  Pequeno  Jornaleiro,  Casa  do 

Pequeno Lavrador, Casa do Pequeno Trabalhador e Casa das Meninas.

  A  mudança  para  a  Carta  Constitucional  em  1946  manteve  os 

mesmos  cuidados que a Constituição de 1934 mantinha  com o menor, 

sendo  implantada,  nesse  período,  a  Campanha  Nacional  de Merenda 

Escolar  e  do  Serviço  de  Assistência  Médica  Domiciliar  de  Urgência 

(SAMDU)  e  o  SAM,  anteriormente  citado,  é  revisto  como método  de 

funcionamento decadente. É instituída a Lei 4.513/64 – Política Nacional 

de Bem Estar do Menor (PNBEM) como uma lei assistencialista que visava 

à  padronização  das  ações  por  meio  de  órgão  executores  iguais  em 

conteúdo,  método  e  gestão.  Seu  órgão  responsável  era  a  Fundação 

Nacional de Bem Estar do Menor  (FUNABEM) subdividida em Fundação 

Estadual de Bem Estar do Menor (FEBEM). 

A Constituição de 1967 modificou a esfera da criança e adolescente 

na diminuição do limite inicial para o trabalho colocando‐o para 12 anos, 

sendo isso tido como retrocesso, e instituiu o ensino obrigatório e gratuito 

às crianças de 7 a 14 anos nos estabelecimentos oficiais de ensino. Em 

1979 o Código do Menos inseriu o sigilo nas ações que tivessem crianças 

em um dos polos como meio de resguardá‐las perante a sociedade. Em 

1982 e 1983 juntam‐se o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), 

FUNABEM  e  Secretaria  de  Ação  Social  do Ministério  de  Previdência  e 

Assistência  Social  e  então  implantam  o  projeto  Alternativas  de 

Atendimento a Meninos de Rua e em 1984, por  conta do  crescimento 

desse projeto, foi realizado em Brasília o I Seminário Latino‐Americano de 

Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninas e Meninos de Rua. 

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E a atual Constituição englobou a modificação surgida quanto à família, a 

qual passa a ser vista como uma família nuclear, um único instituto, onde 

existe espaço, direitos e deveres para todos, prevalecendo a igualdade. 

Diante da desatualização do Código do Menor, por força da CF/88 

que inclui a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e garantias 

e com a promulgação da Lei 8.069/90 (ECA) e da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica 

da Assistência Social) é consagrado uma nova abordagem para políticas de 

proteção  integral  com  base  nas  crianças  e  adolescentes,  deixando  os 

mesmos de serem vistos como portadores de necessidade e passando a 

serem  sujeitos  de  direitos,  cabendo  aos mais  velhos  a  construção  de 

sistemas de garantias e direitos. E as políticas públicas vêm com o objetivo 

de  alcance  desses  direitos,  organizando‐se  conforme  os  princípios  da 

descentralização,  ações  governamentais  e  não  governamentais, 

participação popular e conselhos. E tudo isso começa a ocorrer por conta 

da  Constituição  Federal  de  1988  que  assegurou  às  crianças  e  aos 

adolescentes o acesso às políticas de assistência  social, quando houver 

risco e vulnerabilidade social; às políticas sociais básicas, como educação 

e saúde e às políticas de garantias de direitos, em casos de violação de 

direitos ou ameaça. 

Com relação aos Municípios, os mesmo vêm implantando redes de 

atenção à criança e adolescentes com a ajuda dos Conselhos Municipais e 

a finalidade de instituir políticas públicas, segundo os princípios do ECA e 

da LOAS, enfrentando desafios para construção dessas política, por meio 

dos  conceitos  de  atuação  e  com  o  compromisso  de  interlocução  e 

fortalecimento de todos os que se envolvem. 

Os atores principais desse processo são as Prefeituras Municipais, a 

quem  cabem  a  responsabilidade de  cuidado no  âmbito municipal  e os 

Conselhos Municipais de Criança e Adolescentes, incluindo o CRAS (Centro 

de Referências de Assistência Social) e o CREAS (Centro Especializado de 

Assistência Social) que são compostos tanto pelo poder público como pela 

sociedade civil, desempenhando,  juntos, uma estratégia na  implantação 

da política e no acompanhamento da sua  implementação. Esses órgãos 

têm como uma das suas funções a realização de políticas de atendimento 

a  jovens,  incluindo  os  usuários  de  drogas,  podendo  perceber  que  a 

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situação  de  desamparo  tem  condições  de  ser  reduzida,  conseguindo, 

então,  bons  resultados  para  a  sua  formação  pessoal,  livrando‐os  do 

mundo  das  drogas.  Frisando  que  o  lado  negativo  é  que  esse  acesso  e 

benefícios não são instituídos em todos os municípios e que, infelizmente, 

ainda existem localidades carente de atenção, o que muitas vezes pode se 

dar  pela má  administração  política. Mas,  quando  no município  se  faz 

presente  a  existência  dos  órgãos  para  criação  de  políticas  públicas  o 

mesmo têm relações com o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário. 

Para uma melhor estruturação das redes dos programas de políticas 

públicas  demanda‐se  um  investimento  em  infra‐estrutura,  com  um 

sistema  de  informações  e  fortalecimento  dos  Conselhos.  Esse 

investimento é fundamental para o desenvolvimento da rede, pois pode‐

se  realizar  diagnósticos  amplos  e  precisos  da  situação  que  precisa  ser 

enfrentada, estruturando o processo de planejamento e direcionamento 

dos programas, podendo obter melhores condições de acompanhamento 

da  execução  e  avaliação  dos  resultados,  posto  que  a medida  que  se 

divulgam as  informações de modo confiável, sensibiliza‐se a sociedade, 

ganhando  confiança das parcerias e ainda  aumentam o  controle  social 

sobre os programas desenvolvidos. Uma ampla visão do sistema permite 

uma  contribuição  com  maior  eficácia  das  políticas  sociais,  atuando 

principalmente  nos  pontos  mais  críticos  do  sistema  de  atenção  e 

aumentando o alcance do poder público nos grupos mais vulneráveis pela 

exclusão e pobreza. 

Os  municípios  que  dão  uma  maior  abrangência  em  relação  às 

políticas  públicas  voltadas  para  crianças  e  adolescentes  antes  tinham 

como alvo apenas meninos de rua, atualmente esse alvo são aqueles que 

se encontra em uma maior vulnerabilidade,  sendo eles amparados por 

projetos  voltados  ao  contexto  familiar  e  em  relação  ao  local  em  que 

moram. 

O  lado  bom  é  que  nesses  projetos  o  poder  público  municipal 

começa  a  se  fortalecer,  exercendo  efetivamente  o  seu  papel  de 

coordenador das ações voltadas para o alvo aqui destacado, junto com os 

conselhos  locais.  Os  Conselhos Municipais  e  as  diversas  organizações 

participantes  dos  projetos  começam  a  se  profissionalizar,  trabalhando 

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com  uma  outra  perspectiva.  Dessa  maneira,  os  investimentos  acima 

citados,  além  de  viabilização  no  atendimento,  oferecem  retornos 

importantes em termos de formação de seres humanos. Os resultados não 

podem ser calculados, mas são elementos fundamentais para construção 

das  políticas  públicas.  A  ideia  é  que  com  os  avanços  conseguidos  os 

Municípios  possam  conseguir  cada  vez  mais  financiamentos  e  novos 

colaboradores,  aumentando  a  capacitação  de  recursos  para  o  Fundo 

Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente. 

.   POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS VOLTADAS AOS IDOSOS 

Como visto antes, o cenário muda com a Revolução  Industrial, a 

mudança  de  uma  sociedade  agrária  em  uma  sociedade  urbana 

industrializada  traz  também mudanças  na  “valorização  do  homem”.  A 

invenção  da  máquina  ocasiona  a  expansão  do  capitalismo, 

desmembrando  as  sociedades  e  é  então  que  o  respeito,  prestígio  que 

tinham  os  velhos  começam  a  ser  perdidos,  acarretando  em  uma 

desestruturação do esquema  social em que  se encontravam. É daí que 

nasce o conceito negativo do idoso, imaginando‐se que o velho não tem 

como ser produtivo economicamente e esse passa a perder seu espaço, 

visto  que  não  se  enquadrava  em  nenhuma  função  de  relevante 

importância. 

Na sociedade contemporânea passa‐se a questionar essa situação 

de desprezo existindo então movimentos em prol da busca da dignidade 

e reinserção social do idoso, e a partir de então se verifica a importância 

da criação de políticas públicas sobre o envelhecimento. Posto que, ao ser 

aposentado, a pessoa afasta‐se do espaço público e a sua sociabilidade é 

enfraquecida, pois é no ambiente de trabalho que frequentemente ela é 

construída  e  esse  corte  feito  geralmente  de  forma  abrupta,  sem 

preparação prévia resulta em uma volta pra o espaço privado, a qual passa 

a  ficar  isolado,  inviável  e  alienado,  passando  a  viver  apenas  para  si, 

isolando‐se da sociedade. As  funções geralmente destinadas aos  idosos 

restringem‐se ao meio  familiar, o que  reduz ainda mais  sua  identidade 

social, tornando‐o discriminado. É fundamental que para o idoso se sentir 

útil deve mantê‐lo ocupado e para isso em algumas Prefeituras Municipais 

é criado o Conselho Municipal do Idoso, com o objetivo de atividades de 

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convívio, intercâmbio e participação. Alguns órgãos como o SCFV (Serviço 

de Convivência e Fortalecimento de Vinculo); PAIF (Serviço de Proteção e 

Atendimento  Integral  da  Família),  entre  outros,  fazem  programas  de 

atendimento aos idosos, realizando atividades físicas e culturais, oficinas 

de culinária e artesanatos visando a geração de renda e a inclusão desses 

idosos no meio social, além também, do recolhimento em asilo, muitos 

dos  quais  são  coordenadas  pelas  Secretaria  Municipal  de  Assistência 

Social por não existirem programas específicos do governo implantados. 

Ainda  conforme  a  Organização  Mundial  da  Saúde  (OMS)[9],  a 

velhice é uma conquista da humanidade no século XX, o que tem sucesso 

por  conta  das  políticas  públicas  e  sociais.  Mas,  para  as  nações 

desenvolvidas  ou  em  desenvolvimento  o  envelhecimento  populacional 

poderá  ser um problema,  caso não venham a  ser  criadas e executadas 

políticas e programas voltados para promoção do envelhecimento digno, 

os  quais  consigam  abarcar  os  direitos,  necessidade,  preferências  e 

capacidade  das  pessoas  com  60  anos  ou  mais.  De  acordo  com  a 

Organização  das  Nações  Unidas  (ONU)  em  2050  a  população  idosa 

superará a população menor de 14 anos. 

A Constituição Federal de 1988 além de trazer a participação efetiva 

da  sociedade  no  desenvolvimento  das  políticas  públicas  colabora  para 

garantir a elaboração de diversas leis, nesse contexto é então elaborada a 

Lei  8.824/94  sobre  Política  Nacional  do  Idoso,  regulamentada  pelo 

Decreto  1.948/96.  Porém,  devida  a  relevância  e  urgência  no 

enfrentamento das questões que dizem respeito aos idosos, consagrando 

princípios constitucionais e infraconstitucionais e reafirmando direitos foi 

promulgado o Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03. 

Entretanto,  os  direitos  dos  idosos  devem  por  eles  ser  exercidos 

efetivamente, pois o seu efetivo exercício é imprescindível e fundamental 

para a inclusão dos mesmos na sociedade, sendo assim consagrada a eles, 

quando exercem ativamente seu papel, uma sociedade que o trata com 

respeito  e  dignidade,  pois  não  é  apenas  necessária  a  positivação  dos 

direitos ou faculdades indisponíveis pela legislação, mas que a sociedade 

permita o efetivo exercício desses direitos e faculdades.  Porém, um ponto 

a ser analisado é que isso pode ser uma questão bastante discutida, tendo 

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em vista que para alguns estudiosos a criação de uma lei específica pode 

ser um fator de reconhecimento do desrespeito a cidadania e dignidade 

dos mais velhos. Para o advogado e gerontólogo norte‐americano Leonard 

Cain (in Fernandes, 1997)[10], uma sociedade que trata os idosos de uma 

maneira  igualitária,  com  dignidade,  respeito  não  necessitaria  de  uma 

legislação  para  determina  que  assim  o  fosse.  Para  outros  a  velhice  é 

realmente  uma  questão  política  e  que  deve  ser  reconhecida  pela 

sociedade, sendo necessária a atuação governamental para a criação de 

espaços que possam avaliar uma qualidade de vida das pessoas  idosas, 

sempre baseado nos princípios da igualdade, liberdade, dignidade, justiça 

social, entre outros e que tenham o objetivo de fazer com que os idosos 

mesmo  diante  de  limitações  consigam  sentir‐se  uteis,  usufruindo 

momentos de lazer, convivendo com outras pessoas e contribuindo para 

a sociedade. 

É de fundamental importância a família na vida social de um idoso 

estando isto elencado no art. 16 da Declaração dos Direitos Humanos, o 

qual  fundamenta  a  família  como  o  núcleo  natural  e  fundamental  da 

sociedade, e é também positivado no art. 3° do Estatuto do Idoso: 

E  obrigação  da  família,  da  comunidade,  da 

sociedade  e  do  Poder  Público  assegurar  ao  idoso, 

com  absoluta  prioridade,  a  efetivação  do  direito  à 

vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, 

ao  esporte,  ao  lazer,  ao  trabalho,  à  cidadania,  à 

liberdade, à dignidade, ao  respeito e à  convivência 

familiar e comunitária. 

É  imprescindível,  sempre  que  possível,  a  assistência  social  com 

intervenção  familiar,  tendo como objetivo a prevenção de uma ruptura 

familiar,  promovendo  o  fortalecimento  das  relações  efetivas, 

permanecendo o idoso no vínculo da família, participando e sentindo‐se 

pertencente daquele meio. Observando que a  família é apontada como 

um suporte da rede social do idoso, sendo sempre convidada para assumir 

o seu papel na proteção social. 

Em  relação  às  medidas  de  iniciativa  publica  que  conseguem 

assegurar aos idosos seus direitos absolutos e personalíssimos e que são 

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adotadas pelos municípios[11] pode‐se verificar: a garantia de acesso a 

rede de saúde e assistência social, o atendimento preferencial, isenção de 

tarifas de  transporte  coletivo e o atendimento preferencial no  sistema 

único de saúde. Porém, alguns outros direitos ainda não são tão visíveis e 

comuns  como  o  direito  a  uma  pensão  alimentícia,  a  concessão  de 

estímulos à contratação de idosos pelas empresas privada, prioridade de 

tramitação judicial e administrativa de processo, prioridade para moradia 

própria, atendimento urgente e diferenciado nos hospitais, entre outros. 

Porém o efetivo exercício do Estado para criação de políticas voltadas para 

os  idosos  não  impede  que  existam  iniciativas  de  ordem  privada  nos 

municípios, as quais podem promover reuniões periódicas, chás, palestras 

sobre direito dos  idosos,  saúde, bem estar,  cursos,  viagens, passeios e 

incentivos para que a população seja mais participação nesse assunto. 

Infelizmente,  ainda  são  grandes  as  dificuldades  encontradas  na 

aplicação eficaz do estatuto do Idoso para que eles venham a viver com 

dignidade, dentre elas está a falta de colaboração e apoio familiar, falta 

de  ações por  iniciativa do poder público municipal e da  sociedade e  a 

baixa‐estima do idoso com a aparição das enfermidades. 

.   ASSISTÊNCIA SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE 

O direito a saúde é uma consequência histórica que evoluiu com o 

próprio conceito de direito e com a valorização de uma cidadania global. 

André‐Jean Arnaud e Wanda Capeller[12] em seu artigo sobre cidadania e 

direito  à  saúde nos ensinam que  “a  saúde  seja  cada  vez mais  ligada  à 

cidadania  e  que  ela  seja  considerada  atualmente  como  um  direito 

imprescindível do cidadão, isso não é mais contestável ao nível nacional.” 

(pg. 43). Ou seja, determina‐se que a saúde é um direito que está ligado a 

cidadania e que, portanto,  ser cidadão é poder usar/gozar de  todos os 

direitos. 

O  direito  sanitário  que  é  formado  pelo  conjunto  de  normas 

jurídicas,  tem  como  objetivo  a  redução  de  riscos  de  doenças  e  outros 

agravos  à  saúde  com uma  garantia de  acesso  aos  serviços públicos de 

maneira geral e igualitária, observando que o aceleramento desse direito 

ocorreu a partir da publicação da Constituição Federal de 1988, por conta 

do reconhecimento da saúde como um direito fundamental. Segundo Hely 

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Lopes[13], em termos municipais o controle sanitário abrange a limpeza 

das  vias  e  logradouros  públicos,  a  remoção  e  o  destino  final  do  lixo 

coletado em seu território, entre tantas outras coisas que possa constituir 

veículo ou foco de moléstia e doenças e tudo mais que possa desfavorecer 

a saúde da população 

A  compreensão  da  saúde  tem  vários  sentidos,  entre  eles  que  a 

saúde é a ausência de doença, historicamente a conceituação de saúde 

existe  desde  o  século  IV  a.C.,  conforme  artigo  de  Sueli  Gandolfi 

Dallari[14].  Porém é no fim do século XIX e primeira metade do século XX 

que duas grandes correntes buscavam conceituar a saúde e o marco inicial 

para  o  debate  foi  a  intervenção  política  por  conta  da  segunda Guerra 

Mundial, existia a necessidade de se promover um pacto e a partir disso 

surge  a Organização das Nações Unidas o que  incentivou  a  criação de 

órgãos  para  garantir  alguns  dos  direitos  considerados  essenciais  ao 

homem. Extrai‐se do artigo que ninguém é  individualmente responsável 

por sua saúde e que a mesma depende tanto de características individuais, 

físicas e psicológicas como também do ambiente social e econômico. 

Historicamente, no Brasil, o debate sobre a saúde é algo atual, a não 

muito tempo a saúde era destinada ao trabalhador com carteira assinada 

e  que  pagava  sua  contribuição  ou  para  aqueles  que  pudessem  pagar, 

começando a surgir o projeto de reforma sanitária na década de 1980[15]. 

A visão da saúde modifica‐se a cada ocasião em decorrência do processo 

histórico. Em tempos antigos, no Brasil a medicina era para poucos, não 

tendo muitos profissionais para atender a população, sendo assistidos os 

privilegiados,  os  que  desse  privilégio  não  se  valia  dependiam  dos 

curandeiros. Com a  independência do Brasil, resultaram‐se as primeiras 

faculdades  de  medicina,  porém  mesmo  assim  a  população  não  era 

favorecida e não possuindo um modelo de saúde adequado a população 

ficava exposta as epidemias, devido ao sistema sanitário ser desordenado. 

É quando surge a reforma sanitarista governada por Oswaldo Cruz, o qual 

dá ensejo a “Revolta das Vacinas”. Outro marco importante foi a Lei Eloy 

Chaves,  levando  saúde  de  forma  correta  para  aqueles  que  tinham 

aposentadoria ou pensão. 

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Atualmente a saúde não deve ser vista por uma visão fragmentada 

e  sim  como  algo  complexo,  reconhecida  como  um  direito  social  e 

positivada na Constituição Federal de 1988 em seu art. 196: “A saúde é 

direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e 

econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos 

e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, 

proteção e recuperação.” Verifica‐se também que o art. 198 da CF/88 cria 

um sistema unificado de atendimento à saudade da população: 

  

Art. 198: As ações e serviços públicos de saúde 

integram uma  rede  regionalizada e hierarquizada e 

constituem um sistema único, organizado de acordo 

com as seguintes diretrizes: 

I – descentralização, com direção única em cada 

esfera do governo; 

II – atendimento integral, com prioridade para as 

atividades  preventivas,  sem  prejuízo  dos  serviços 

assistenciais; 

III – participação da comunidade. 

§ 1° O sistema único de saúde será  financiado, 

nos termos do art. 195, com recursos do orçamento 

da  seguridade  social,  da  União,  doa  Estados,  do 

Distrito  Federal  e  dos Municípios,  além  de  outras 

fontes. 

A cada esfera do Estado é dado um papel na construção da saúde, 

com programas e recursos para sua execução eficaz. Atualmente, verifica‐

se  que  um  dos  programas  implantados  é  o  CAPS  (Centro  de  Atenção 

Psicossocial)  meio  pelo  qual  o  indivíduo  portador  de  necessidades 

especiais  passa  a  ser  acolhido,  com  profissionais  capacitados  e 

especializados,  desenvolvendo  atividades  de  reinserção  social  destes 

sujeitos, que muitas vezes são desprezados, tanto pela família como pela 

comunidade.  O  CAPS  é  de  suma  importância  para  a  comunidade  por 

colaborar com as demandas direcionadas a tratamentos psíquicos, dentre 

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oficinas terapêuticas com profissionais qualificados, tratando os usuários 

com valores  igualitários. Em relação aos Municípios, os mesmos podem 

editar suas normas contanto que nunca sejam contra as normas da União 

e  nem  do  Estado‐Membro  ou  além  delas,  podendo  supri‐las  na  sua 

ausência ou complementá‐las em suas lacunas, quando se referir à saúde 

pública local, de acordo com os art. 24, XII c/c art. 30, I, II e VI ambos da 

CF/88. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles[16]:  

Ao  Município  sobram  poderes  para  editar 

normas de preservação da saúde pública nos limites 

de seu território, uma vez que, como entidade estatal 

que é, está  investido de suficiente poder de polícia 

inerente  a  toda  a  Administração  Pública  para  a 

defesa da saúde e bem‐estar dos munícipes. (pg. 472) 

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de grande esforço coletivo, 

que surge com a finalidade de ofertar cuidados e promoção à saúde para 

todos  igualitariamente, proporcionando uma melhor qualidade de vida, 

porém é ainda um processo em construção. Esse sistema por meio dos 

avanços obtidos mostra‐se  como um dos maiores  sistemas públicos de 

saúde do mundo,  com proposta de  cobertura universal e  integral para 

mais de 80% da população que não possui plano de saúde privado. 

Porém,  pode‐se  assim  observar  que  apesar  de  ser  a  saúde  um 

direito social, positivado na Carta Magna, com o objetivo da prevenção e 

do  bem  estar, mas  acima  de  tudo  igualitária  baseada  no  princípio  da 

dignidade  humana,  verifica‐se  vários  quesitos  que  vão  de  encontro  às 

normas  como:  as más  condições  das  ambulâncias,  o  não  atendimento 

prioritário das crianças e  idosos e a  infraestrutura notada nos hospitais 

que são em alguns municípios degradantes. Nota‐se através disso que o 

Estado não estabelece uma estrutura sólida para os atendimentos no SUS, 

e muito menos  existe  preferência  para  os  idosos.  E  infelizmente  são 

muitos  os  descasos  diante  da  desestruturação  dos  hospitais  e 

ambulatórios,  filas  extensas  e  demoradas  e  a  falta  muitas  vezes  de 

medicamentos. 

.   JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE FRENTE A UM DIREITO SOCIAL 

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O  termo  judicialização  quer  dizer  que  questões  de  repercussão 

política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, um 

movimento muito recente no Brasil,  iniciado por volta dos anos 90, por 

conta de ações para obtenção do coquetel para  tratamento da AIDS. O 

sistema Judiciário está muito ligado ao casuísmo do poder e não com as 

regras gerais positivas, nem com a sociedade. Partindo disso, verifica‐se a 

dificuldade que o Ministério Público encontra para defesa da saúde, dos 

grupos  específicos  neste  trabalho,  sempre  em  busca  aos  direitos 

fundamentais  de  acesso  às  ações  e  serviços,  o  que  acaba  com  isso 

enchendo o judiciário de pedidos individuais, proteção judiciária essa que 

tem como início a operação de direitos coletivos. A situação é um pouco 

mais crítica quando são consideradas as ações  interpostas em  face dos 

municípios, por conta dos orçamentos pequenos, sem poder eximir‐se da 

responsabilidade  imposta pelo Judiciário. Chegando a atuação  judiciária 

ser desestruturante das políticas sanitárias e do SUS, de um modo geral, 

por conta de  liminares que multiplicam a  irracionalidade no  interior do 

SUS, dificultando, portanto a gestão de uma saúde pública marcada pelo 

subfinanciamento. 

Com a promulgação da CF/1988, foi previsto a descentralização dos 

recursos do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Estadual e Municipal 

de Saúde com a participação popular na formulação e controle de políticas 

públicas. Sendo necessário, portanto, que a sociedade além de atuar nessa 

formulação e controle, também fiscalize as ações dos governantes. 

Infelizmente verifica‐se que mesmo com o advento da Constituição 

e a positivação de normas em relação ao direito à saúde, é claro que os 

recursos públicos não são suficientes ou não são bem aplicados ou são 

desviados  pela  corrupção.  Por  isso  a  importância  do  controle  pela 

população junto com o Conselho de Saúde. 

Visto isso, observa‐se a seriedade de se falar em um específico ramo 

do direito para cuidar dessas questões, assim como já existe o direito do 

consumidor, possuindo o direito à saúde natureza de direito difuso, direito 

de todos, tentando dessa forma inibir a corrupção existente, maximizando 

os Tribunais de Contas,  ficando o cidadão e os órgãos de controle mais 

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uteis,  favorecendo  o  controle  sobre  própria  atividade  exercida  pelo 

Tribunal. 

E  nesse  sentido  é  importante  uma  contenção  racional  da 

judicialização, tentando conter a diminuição da quantidade e do custo das 

demandas  judiciais,  contando  que  não  tenha  prejuízo  o  exercício  do 

direito à saúde por parte da sociedade. Sendo um trabalho para todos os 

atores envolvidos no processo, devendo haver uma caminhada lado a lado 

e a exigência de melhorias no SUS, buscando um sistema de saúde pública 

de  qualidade,  com  a  finalidade  de  que  problemas  judiciais  dessa 

prerrogativa não sejam mais necessários. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Assim,  verifica‐se  que  os  direitos  sociais  necessitam  da 

intermediação, principalmente  financeira dos entes estatais para serem 

efetivados, abrangendo o ser humano na perspectiva de que necessita de 

condições mínimas de subsistência. Para garantir esses direitos percebe‐

se que é de grande  importância um conjunto de ações de  iniciativa dos 

poderes públicos e das sociedades, que sejam coerentes entre si, eficazes 

e entre tudo organizadas. Os Municípios devem estabelecer uma visão a 

longo prazo, com relação à crianças e adolescentes,  investindo tempo e 

recursos  para  um  diagnóstico  da  situação mais  apurado,  planejando  e 

escutando a população e todos os atores envolvidos, negociando, assim, 

uma  elaboração  da  política  e  definindo  os  diversos  projetos  a  serem 

implementados,  na  redução  da  criminalidade  infanto‐juvenil  e  maior 

efetivação da escolaridade. 

Quanto  ao  envelhecimento  ativo  é  preciso  que  se  tenha  uma 

participação  contínua  nas  questões  culturais,  sociais,  econômicas, 

espirituais  e  civis  e  não  apenas  de  estar  fisicamente  ativo,  deve‐se, 

portanto  incluir qualidade de vida, para o fortalecimento das políticas e 

programas  de  um  grupo  incluso  e  coeso  para  todas  as  faixas  etárias, 

sendo, no entanto, um processo de otimização das oportunidades que 

tem por objeto melhorar a qualidade de vida à medida que a pessoa vai 

ficando mais velha. 

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Diante do que foi explanado em relação à saúde como direito de 

todos, mas que infelizmente o descaso político é enorme passando assim 

a  população  de  alguns  municípios  por  inúmeras  dificuldades  junto  à 

assistência municipal diante das políticas públicas, é preciso reparação da 

omissão estatal frente ao cidadão e para isso dá‐se o ensejo a inúmeras 

ações  na  Justiça  que  tenta  de  alguma maneira  resguarda  os  direitos 

coletivos, que tornam‐se individuais frente a judicialização. 

O ideal seria ajustar o mais rápido possível os problemas de maior 

urgência  da  saúde  no  Brasil,  visto  que  assim muitas  dessas  ações  se 

tornariam  inofensivas  por  perda  do  objeto.  Porém,  como  isso  não  é 

possível,  é  necessária  no  momento  a  adequação  e  condução  desses 

processos de maneira  consciente,  garantindo que, de alguma  forma, o 

paciente  seja  sempre  atendido  quando  necessário, mas  sem  que  isso 

cause oneração excessiva aos cofres públicos, nem venha a prejudicar a 

sociedade, com gastos desnecessários. 

REFERÊNCIAS 

ARNAUD. André-Jean; CAPELLER, Wanda. O direito achado na rua. Unidade I. Módulo 1. Cidadania e direito à saúde. Brasília, 2008

DALLARI. Sueli Gandolfi. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo 

1. O conteúdo do direito à saúde. Brasília, 2008

DELDUQUE, Maria Célia. OLIVEIRA. Mariana S. de Carvalho. O direito 

achado  na  rua.  Unidade  II. Módulo  2.  Tijolo  por  tijolo:  a  construção 

permanente do direito à saúde. Brasília, 2008 

LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos 

fundamentais  sociais:  Os  desafios  do  Poder  Judiciário  no  Brasil.  Porto 

Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 

LENZA,  Pedro.  Direito  Constitucional  esquematizado.  16ª  ed.  rev. 

atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. 

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiro, 2008 (pgs. 473 e 474)

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio 

da igualdade. 3ª ed. 20ª tiragem. São Paulo: Malheiro, 2011

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivado. 25ª ed. 

rev. e atual. São Paulo: Malheiro, 2005 

http://promenino.org.br/servicos/biblioteca/construindo-politicas-publicas-para-a-infancia-e-adolescencia - acessado em 06/05/2016 as 08:00hrs

https://jurisprudenciaemrevista.wordpress.com/2010/05/24/direitos-fundamentais-reserva-do-possivel-e-minimo-existencial-gasto-orcamentario-direito-creche-stj/ - acessando em 06/05/2016 as 10:00hrs

http://portal.estacio.br/media/3304313/6-politicas-publicas-crianca-brasil-contexto-historico-social-saude.pdf - acessado em 06/05/2016 as 17:00hrs

http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 06/05/2016 as 20:20hrs

http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/efetiva%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-sociais-atrav%C3%A9s-das-politicas-p%C3%BAblicas – acessado em 06/05/2016 as 22:00hrs

http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/ITAMARDASILVASANTOSFILHO.pdf - acessado em 07/05/2016 as 16:50hrs

NOTAS:

[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012

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[2] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivado. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiro, 2005

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 20ª tiragem. São Paulo: Malheiro, 2011

[4] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009

[5] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

[6] LEAL. Rogério Gesta. Condições e possibilidades eficácias dos direitos fundamentais sociais: Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

[7] https://jurisprudenciaemrevista.wordpress.com/2010/05/24/direitos-fundamentais-reserva-do-possivel-e-minimo-existencial-gasto-orcamentario-direito-creche-stj/ - acessando em 06/05/2016 as 10:00hrs

[8] http://portal.estacio.br/media/3304313/6-politicas-publicas-crianca-brasil-contexto-historico-social-saude.pdf - acessado em 06/05/2016 as 17:00hrs

[9] http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 06/05/2016 as 20:20hrs

[10] http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-terceiro-setor/artigos/envelhecimento-e-politicas-publicas-conquistas-e-desafios-dr.-rodrigo-mendes-pereira - acessado em 07/05/2016 as 14:00 hrs

[11]http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/ITAMARDASILVASANTOSFILHO.pdf - acessado em 07/05/2016 as 16:50hrs

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[12] ARNAUD. André-Jean; CAPELLER, Wanda. O direito achado na rua. Unidade I. Módulo 1. Cidadania e direito à saúde. Brasília, 2008

[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiro, 2008 (pgs. 473 e 474)

[14] DALLARI. Sueli Gandolfi. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo 1. O conteúdo do direito à saúde. Brasília, 2008

[15] DELDUQUE, Maria Célia. OLIVEIRA. Mariana S. de Carvalho. O direito achado na rua. Unidade II. Módulo 2. Tijolo por tijolo: a construção permanente do direito à saúde. Brasília, 2008

[16] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008

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A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES

CAROLINA DIAS MARTINS DA ROSA E SILVA: Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco; Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

RESUMO: O presente artigo visa realizar uma breve análise da estrutura familiar antes e após a Constituição Federal de 1988, desde a família patriarcal e patrimonialista até a família atual, baseada no afeto entre os seus membros. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da convivência familiar operaram uma verdadeira mudança de paradigma no que concerne à ideia de “família”. Hoje, trata-se de instituto plural, na medida que houve o rompimento da concepção de que o núcleo familiar era unicamente advindo do casamento. Por outro lado, tem-se a igualdade entre os filhos, abolindo-se a classificação discriminatória em legítimos e ilegítimos. Além disso, houve a consagração da igualdade entre o homem e a mulher no que tange aos direitos e deveres referentes à condução da família. E, por fim, tem-se o princípio da afetividade como norteador e condutor das relações familiares. O surgimento de novos paradigmas alterou a sociedade, e é nesse sentido que o advento da Constituição adequou o Ordenamento Jurídico à realidade social.

PALAVRAS-CHAVE: Civil, constitucionalização, família

ABSTRACT: This article aims to give a brief analysis of the family structure before and after the 1988 Federal Constitution, from the patriarchal and patrimonial family to the present family, based on affection among its members. The constitutional principles of the dignity of the human person, of the affectivity and of the familiar

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coexistence have operated a true paradigm change with the idea of "family". Today, it is a plural institute, insofar as there was a break from the conception that the family nucleus was solely of marriage. On the other hand, there is equality between the children, abolishing the discriminatory classification in legitimate and illegitimate. In addition, equality between men and women with regard to the rights and duties related to the conduct of the family. And, finally, we have the principle of affectivity as the guide and driver of family relationships. The emergence of new paradigms changed society, and the advent of the constitution adapted the legal order to social reality.

KEYWORDS: Civil, constitutionalisation, family

SUMÁRIO: 1. Aspectos históricos. 2. A constitucionalização do direito de família. 3. O afeto como elemento determinante das relações familiares. 4. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A família é entidade histórica, e desde os primórdios das civilizações, é a base e o núcleo essencial da sociedade.

Mas é a partir do direito romano que a evolução da família ganha importância para o presente estudo. De estrutura patriarcal e baseada na hierarquia, a família romana era comandada pelo pater famílias, que exercia sua autoridade sobre os demais membros do núcleo familiar.

Apenas durante o período medieval, quando o Cristianismo ganha força, nascem preocupações de ordem moral a respeito da família. A sociedade agrária, contudo, manteve a família patriarcal e patrimonializada, uma vez que o núcleo familiar era visto como uma verdadeira unidade de produção.

Somente com as revoluções surgidas durante o período moderno tem início a reconstrução do conceito de família. A

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sociedade passa a questionar o antigo modelo imposto, que ainda perdurou por vários séculos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o direito privado passou por profundas transformações em sua estrutura. Um dos ramos do direito que mais sofreu os reflexos de tais transformações foi o direito civil, em especial o direito de família.

O direito civil, antes de base patrimonialista e individualista, transforma-se em um direito pautado pelo afeto e pela boa-fé, na medida em que o ordenamento jurídico foi totalmente remodelado à luz da dignidade da pessoa humana.

O fenômeno da Constitucionalização do direito civil, assim, consiste na releitura de antigos institutos civilistas à partir dos princípios constitucionais básicos previstos na Lei Maior. Nessa esteira, a Constituição passou a tratar expressamente de institutos de direito privado, que antes eram previstos tão somente no Código Civil. Nesse diapasão, resta totalmente ultrapassada a rígida divisão entre o direito público e direito privado, conforme existente outrora. As Constituições, ao redor do mundo ganham espaço e as codificações vão se tornando obsoletas.

Ocorre, portanto, uma ressistematização do direito civil a partir da instauração de uma nova Ordem Constitucional. Nessa seara, o direito de família passou a ser totalmente reconstruído a partir da isonomia e da solidariedade social.

Não restam dúvidas de que a família constitucionalizada se contrapõe ao modelo discriminatório e inflexível imposto pela antiga lei civilista. Assim, é possível chegar à conclusão de que existe, hoje, um direito de família inteiramente interpretado à luz da Carta Magna.

1. ASPECTOS HISTÓRICOS

No Brasil, o movimento de codificação do direito civil remonta suas origens na Constituição de 1824. Contudo, somente em

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primeiro de janeiro de 1916 foi sancionado e promulgado o Código Civil de 1916.

Sob a influência da lógica iluminista, o referido movimento visava a criação de um sistema de regras que englobasse todos os aspectos da vida privada, com o intuito de reger as mais diversas relações concernentes ao indivíduo.

Nessa linha de pensamento, explicitou Paulo Lôbo: concretizou o ideário iluminista da liberdade

e igualdade dos indivíduos. Todavia, a liberdade era voltada à aquisição, domínio e transmissão da propriedade, e a igualdade ateve-se ao aspecto formal, ou seja, da igualdade formal de sujeitos abstraídos de suas condições materiais ou existenciais. Mas a família, nas grandes codificações liberais burguesas, permaneceu no obscurantismo pré iluminista, não se lhe aplicando os princípios da liberdade ou da igualdade, porque estava à margem dos interesses patrimonializantes que passaram a determinar as relações civis.[1]

Nesse sistema, o direito civil tutelava as relações entre os indivíduos, que eram pautados pela mais ampla liberdade, e ao direito público cabia regrar apenas as relações entre os particulares e o Estado. Segundo Paulo Bonavides, “quanto menos paupável a presença do Estado nos atos da vida humana, mais larga e generosa a esfera de liberdade outorgada ao indivíduo”[2]. Assim, observava-se uma rígida cisão entre o público e o privado.

Nessa linha, o Código Civil de 1916 baseou-se em uma ótica extremamente individualista e patrimonialista, refletindo o patriarcalismo outrora vigente e os padrões sociais da época. Não havia uma preocupação com o “ser”, mas unicamente com o “ter”. Valorizou-se a propriedade privada e o contrato, adotando-se uma ideologia puramente liberal.

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Com a crise do liberalismo e o advento do Estado Social, de feição nitidamente intervencionista, houve uma verdadeira reestruturação na sociedade. Ocorreu a superação do individualismo e do neutralismo do Estado, tendo como objetivo promover a justiça e a igualdade substancial. As Constituições passam a ser supervalorizadas e as codificações vão perdendo força na medida em que a complexidade da vida dos indivíduos passa a exigir uma interpretação mais aberta e flexível dos institutos de direito privado. Nasce uma nova hermenêutica constitucional.

O advento da Constituição de 1988 trouxe uma profunda reformulação das ideias até então vigentes. A dignidade da pessoa humana passa a ser o centro do Ordenamento Jurídico pátrio, enquanto conceitos egoísticos típicos do liberalismo foram sendo cada vez mais ultrapassados.

Pode-se afirmar que houve uma “constitucionalização do direito privado”, em especial em relação ao direito civil. A Constituição passou a ser o “centro” do sistema jurídico brasileiro, vinculando todos os institutos, seja de direito público, seja de direito privado, e conferindo unidade ao ordenamento. Nessa esteira, ocorreu a formação de uma nova hermenêutica constitucional, de forma que, entre duas interpretações possíveis de uma mesma norma, deve-se dar primazia àquela que se volta para os princípios constitucionais e para direitos fundamentais previstos na Carta Magna.

Conforme ensina Pablo Stolze Gagliano, “(...) a Constituição Federal, consagrando valores como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária”[3].

A preocupação do direito civil passa a ser com o indivíduo, e não mais com seus bens. Fala-se hoje em função social da

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propriedade, em boa-fé nas relações jurídicas e em afeto nas relações familiares.

2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

A Constituição Federal de 1988 tratou de diversos aspectos concernentes ao direito privado, de forma que os institutos civilistas, obrigatoriamente, passaram a ser interpretados conforme a Lei Maior. Dessa forma, já não existe mais uma separação rígida entre o direito público e direito privado.

A Constituição fez uma verdadeira releitura dos antigos institutos de direito privado. Hoje não se fala mais em propriedade privada, mas em função social da propriedade; A família não é somente a originada do casamento, mas também a família monoparental, a união homoafetiva e a união estável; Os filhos, advindos ou não do casamento, possuem os mesmos direitos e a mesma dignidade; As relações familiares passam a ser pautadas pelo afeto, e não puramente pelo vínculo biológico. Dessa forma, a família patriarcal perde lugar, cedendo espaço às relações baseadas no afeto e no amor entre os seus membros.

Conforme explica Lourival Serejo, ocorreu um claro rompimento com duas ideias centrais que sustentavam a família: a patrimonialização e a matrimonialização das relações familiares. Segundo o doutrinador, a constitucionalização do direito de família representou a “sensibilidade que o legislador constituinte teve ao perceber os anseios da sociedade, a evolução das relações sociais e o dinamismo das relações familiares”.[4]

Os Princípios Constitucionais trouxeram profundas transformações no direito de Família. Tais princípios, mormente a dignidade da pessoa humana, impuseram uma releitura dos institutos do direito civil, fornecendo às relações de família um tratamento mais equânime e em conformidade com a nova realidade social.

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A dignidade da pessoa humana, consagrada como base do Ordenamento Jurídico, vincula todos os institutos à realização da personalidade da pessoa humana.[5] No âmbito da família, impõe aos seus membros o dever de respeito e consideração, permitindo assim uma existência pautada pela dignidade e comunhão de vida.

O princípio da igualdade, da mesma forma consagrado pelo texto Constitucional, provocou uma revolução nas relações familiares. Estabeleceu-se que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e que os direitos e deveres da sociedade conjugal serão exercidos igualmente por ambos. Afasta-se assim vestígios de um período discriminatório e declara-se o declínio do patriarcalismo. Relativamente aos filhos, aboliu-se a discriminação entre os mesmos, assegurando-se a estes direitos iguais, independentemente de sua origem.

Como princípio implícito na Carta de 1988, a afetividade trouxe uma visão renovada sobre o instituto da família. Segundo Paulo Lôbo, a afetividade é “o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares.”[6] Nesse contexto, a entidade familiar apenas existirá enquanto existir afeto entre o casal. No momento em que este desaparecer, não haverá mais sentido a comunhão plena de vida.[7] Com relação aos filhos, evidencia-se a afetividade no que tange à igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva, pois os laços afetivos construídos entre pais e filhos prevalecem sobre a verdade biológica.

Os princípios da Convivência familiar e do Melhor interesse da criança vieram assegurar a especial proteção do Estado dada à criança, que, pela sua particular condição de sujeito em desenvolvimento, merece prioridade absoluta e imediata perante o Ordenamento.

A convivência familiar, segundo Paulo Lôbo, “é o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças”[8]. O referido princípio se volta ao direito dos filhos de conviverem no ambiente familiar, direito

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este contemplado pelo art.227 da Constituição de 1988[9]. Dessa forma, mesmo que os pais estejam separados, é assegurada à criança a convivência familiar com cada um dos seus genitores.

3. O AFETO COMO ELEMENTO DETERMINANTE DAS RELAÇÕES FAMILIARES

Hoje, denota-se uma verdadeira preocupação com a valorização de cada membro da família, já que o foco do legislador passou a ser o indivíduo. De acordo com Silvana Maria Carbonera, “Por conseguinte, tem-se uma remodelação dos conteúdos dos papéis familiares, que deixam a inflexibilidade característica da família do primeiro ato para, no segundo ato, conter liberdade, respeito às habilidades e aptidões naturais dos sujeitos, às suas características específicas, desejos, sentimentos.”[10]

A Carta Magna de 1988 trouxe a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher na família, emancipando a mulher da posição de inferioridade que antes ocupava. Consagrou a igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, proibindo a discriminação entre os mesmos, além de assegurar absoluta prioridade à criança e ao adolescente.

A concepção de família passa a ser fundada na afetividade, e não mais pelo modo de sua constituição. A Lei Maior superou uma época de desigualdades, preconceito e hipocrisia, prevalecendo atualmente uma visão plural de família, onde os indivíduos tem o direito de escolha quanto à forma de constituição e manutenção da entidade familiar que melhor se adeque ao seu modo de viver.

4. CONCLUSÃO

A família, desde os tempos remotos, apresentou-se como o núcleo essencial da sociedade, sendo de extrema importância no desenvolvimento da personalidade humana. Ao longo do tempo, a entidade familiar passou por inúmeras reformulações até chegar à concepção presente, que valoriza o afeto como elemento básico que une os seus membros.

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A Constituição Federal de 1988, pautada pela dignidade humana, consagrou a proteção especial à família, tutelando os seus integrantes e conferindo à criança prioridade absoluta. À partir daí, inaugura-se um processo de constitucionalização do direito civil, onde impõe-se a interpretação de toda e qualquer norma de direito de família à partir da Lei Maior. A solidariedade, a igualdade entre os filhos e entre os gêneros e o afeto passam a ser elementos determinantes nas relações familiares, rompendo com o patrimonialismo outrora dominante.

O direito de família, hoje, se inclina para as relações pessoais da família, dando primazia à proteção da dignidade de cada um de seus membros. É o fenômeno da repersonalização do direito de família. A convivência familiar e os laços afetivos construídos no dia a dia das relações familiares prevalecem sobre o vínculo biológico, passando o afeto a ser o elemento determinante. Hoje, temos uma família democrática, pautada pela igualdade e pela solidariedade.

Nesse sentido, as transformações ocorridas na família desde os tempos remotos até os dias atuais demonstra que a mesma não é um instituto estático, mas permanece em constante processo de aperfeiçoamento, com o objetivo de alcançar a sua maior finalidade, que é a felicidade entre os seus membros.

REFERÊNCIAS

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CÓDIGO CIVIL DE 1916. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-norma-pl.html Acesso em 31.Dez.2016.

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DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro. 5º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: Uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do direito de família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,2001.

GOMES, Orlando. Direito de família, 14ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

LÔBO, Paulo. Famílias, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

MUJALLI, Walter Brasil. Família e das sucessões. São Paulo: Editora de direito,2000.

NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras Nogueira. A filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo:Memória Jurídica Editora,2001. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 4ª edição. São Paulo: Editora Método, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, Volume I: parte geral. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

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PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e o STF. Disponível

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VENOSA, Sílvio de Sávio. Direito civil: Direito de família.3ª edição. São Paulo: Atlas,2003. NOTAS:

[1] LÔBO, Paulo. Famílias, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.20.

[2] BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 5ª edição. Belo Horizonte:Livraria Del Rey Editora,1993, p. 47.

[3] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, Volume I: parte geral. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.92.

[4] SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da Família. Belo Horizonte: Del Rey,1999, p.31.

[5]DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.62.

[6]LÔBO, Paulo. Famílias. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.68.

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[7] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08.São Paulo: Atlas, 2008, p.84.

[8] LÔBO, Paulo. Famílias. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.68.

[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.

[10]CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000, p.200.

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O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: PAINEL À LUZ DA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo:  Evidenciar  se  faz  imprescindível  que  o  sentido  de 

fundamentalidade da função social da propriedade ‐ que representa, no 

contexto da construção histórica dos direitos básicos inerentes à pessoa 

humana,  uma  das  expressões  mais  robustas  das  liberdades  reais  ou 

concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que 

somente  se  terá  por  cumprido,  no  que  pertine  às  instâncias 

governamentais,  quando  estas  adotarem  providências  destinadas  a 

promover,  de  maneira  plena,  a  satisfação  efetiva  da  determinação 

ordenada  pelo  Texto  Constitucional.  Denota‐se,  desta  sorte,  que, 

ultrapassando  a  simples  positivação  dos  direitos  sociais,  o  que  traduz 

estágio  imprescindível  ao  processo  de  afirmação  constitucional  e  que 

afigura  como  pressuposto  indispensável  à  perseguição  de  sua  eficácia 

jurídica, recai sobre o Ente Estatal, independente da esfera, o inafastável 

liame  institucional  consistente em  conferir manifesta efetividade a  tais 

prerrogativas elementares. Tal fato decorre da necessidade de permitir, 

ao indivíduo, nas situações de injustificável inadimplemento da obrigação, 

que  tenham  eles  acesso  a  um  sistema  organizado  de  garantias 

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instrumentalmente atreladas à realização, no que se refere às entidades 

governamentais, da tarefa imposta pela Carta de 1988. 

Palavras‐chaves: Direitos  Fundamentais. Função  Social da Propriedade. 

Interpretação Jurisprudencial. 

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de 

Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve 

Retrospecto da  Idade Antiga à  Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de 

Primeira  Dimensão:  A  Consolidação  dos  Direitos  de  Liberdade;  4  O 

Princípio da Função Social da Propriedade: Painel à  luz da  Interpretação 

Jurisprudencial. 

  Comentários  Introdutórios:  Ponderações  ao  Característico  de 

Mutabilidade da Ciência Jurídica

Em  sede  de  comentários  inaugurais,  ao  se  dispensar  uma 

análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar 

que  a  Ciência  Jurídica,  enquanto  conjunto  plural  e  multifacetado  de 

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que 

a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares 

característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. 

Neste  diapasão,  trazendo  a  lume  os  aspectos  de  mutabilidade  que 

passaram a orientar o Direito, tornou‐se imperioso salientar, com ênfase, 

que não mais  subsiste uma  visão  arrimada  em preceitos  estagnados  e 

estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram 

a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere‐

se  que  não  mais  prospera  a  ótica  de  imutabilidade  que  outrora 

sedimentava a aplicação das  leis, sendo, em decorrência dos anseios da 

população,  suplantados  em  uma  nova  sistemática.  É  verificável,  desta 

sorte,  que  os  valores  adotados  pela  coletividade,  tal  como  os 

proeminentes  cenários  apresentados  com  a  evolução  da  sociedade, 

passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação 

das normas. 

Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de 

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi 

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jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e 

cristalina a  relação de  interdependência que esse binômio mantém”[1]. 

Deste  modo,  com  clareza  solar,  denota‐se  que  há  uma  interação 

consolidada na mútua dependência,  já que o primeiro  tem suas balizas 

fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de 

que  seus  Diplomas  Legislativos  e  institutos  não  fiquem  inquinados  de 

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A 

segunda,  por  sua  vez,  apresenta  estrutural  dependência  das  regras 

consolidadas  pelo Ordenamento  Pátrio,  cujo  escopo  fundamental  está 

assentado  em  assegurar  que  inexista  a  difusão  da  prática  da  vingança 

privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas 

eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de 

Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se 

robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. 

Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é 

possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República 

Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá‐la como maciço 

axioma  de  sustentação  do  Ordenamento  Brasileiro,  primacialmente 

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos 

complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade 

contemporânea.  Ao  lado  disso,  há  que  se  citar  o  voto magistral  voto 

proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento 

de  Preceito  Fundamental  Nº.  46/DF,  “o  direito  é  um  organismo  vivo, 

peculiar  porém  porque  não  envelhece,  nem  permanece  jovem,  pois  é 

contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, 

o seu fascínio, a sua beleza”[ ]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência 

Jurídica  jaz  justamente na constante e  imprescindível mutabilidade que 

apresenta,  decorrente  do  dinamismo  que  reverbera  na  sociedade  e 

orienta a aplicação dos Diplomas Legais. 

Ainda  nesta  senda  de  exame,  pode‐se  evidenciar  que  a 

concepção pós‐positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via 

de  consequência,  uma  rotunda  independência  dos  estudiosos  e 

profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de 

Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução 

acerca  do  valor  atribuído  aos  princípios  em  face  da  legislação”[3]. 

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Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere‐se que 

o ponto central da corrente pós‐positivista cinge‐se à valoração da robusta 

tábua  principiológica  que  Direito  e,  por  conseguinte,  o  arcabouço 

normativo  passando  a  figurar,  nesta  tela,  como  normas  de  cunho 

vinculante,  flâmulas  hasteadas  a  serem  adotadas  na  aplicação  e 

interpretação do conteúdo das leis. 

 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga 

à Idade Moderna 

Ao  ter  como  substrato  de  edificação  as  ponderações 

estruturadas,  imperioso  se  faz  versar,  de  maneira  maciça,  acerca  da 

evolução  dos  direitos  humanos,  os  quais  deram  azo  ao manancial  de 

direitos  e  garantias  fundamentais.  Sobreleva  salientar  que  os  direitos 

humanos decorrem de uma  construção paulatina,  consistindo em uma 

afirmação  e  consolidação  em  determinado  período  histórico  da 

humanidade.  “A  evolução  histórica  dos  direitos  inerentes  à  pessoa 

humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos 

todos  de  uma  vez,  mas  sim  conforme  a  própria  experiência  da  vida 

humana  em  sociedade”[4],  como  bem  observam  Silveira  e  Piccirillo. 

Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, 

ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno 

desenvolvimento,  fomentado, de maneira  substancial, pela difusão das 

informações  propiciada  pelos  atuais  meios  de  tecnologia,  os  quais 

permitem  o  florescimento  de  novos  direitos,  alargando,  com  bastante 

substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos. 

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre 

a construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro 

milênio  antes  de  Cristo,  no  Egito  e  Mesopotâmia,  nos  quais  eram 

difundidos  instrumentos  que  objetivavam  a  proteção  individual  em 

relação  ao  Estado.  “O  Código  de Hammurabi  (1690  a.C.)  talvez  seja  a 

primeira  codificação a  consagrar um  rol de direitos  comuns a  todos os 

homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, 

prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”, 

como  bem  afiança  Alexandre  de  Moraes[5].  Em  mesmo  sedimento, 

proclama Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que: 

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Na  antiguidade,  o  Código  de  Hamurabi  (na 

Babilônia)  foi  a  primeira  codificação  a  relatar  os 

direitos comuns aos homens e a mencionar  leis de 

proteção  aos mais  fracos. O  rei Hamurabi  (1792  a 

1750 a.C.), há mais de 3.800 anos, ao mandar redigir 

o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns 

Direitos  Humanos,  tais  como  o  direito  à  vida,  à 

família, à honra, à dignidade, proteção especial aos 

órfãos  e  aos  mais  fracos.  O  Código  de  Hamurabi 

também limitava o poder por um monarca absoluto. 

Nas disposições finais do Código, fez constar que aos 

súditos  era  proporcionada  moradia,  justiça, 

habitação  adequada,  segurança  contra  os 

perturbadores, saúde e paz[6]. 

Ainda nesta  toada, nas polis gregas, notadamente na cidade‐

Estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento 

de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a  liberdade e 

igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia, 

da  concepção de um direito natural,  superior ao direito positivo,  “pela 

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e 

lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e 

o que é injusto pela própria natureza humana”[7], consoante evidenciam 

Siqueira  e  Piccirillo.  Prima  assinalar,  doutra  maneira,  que  os  direitos 

reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram 

dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção, 

na  visão  adotada,  excluía  aqueles.  “É  na Grécia  antiga  que  surgem  os 

primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através 

da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à 

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres 

humanos a partir do momento que nascessem com vida”[9]. 

O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça 

descentralização política,  isto é, a  coexistência de múltiplos  centros de 

poder,  influenciados  pelo  cristianismo  e  pelo  modelo  estrutural  do 

feudalismo, motivado  pela  dificuldade  de  práticas  atividade  comercial. 

Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico. 

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A  sociedade,  no  medievo,  estava  dividida  em  três  estamentos,  quais 

sejam:  o  clero,  cuja  função  primordial  estava  assentada  na  oração  e 

pregação; os nobres, a quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os 

servos, com a obrigação de trabalhar para o sustento de todos. “Durante 

a  Idade Média, apesar da organização  feudal e da  rígida  separação de 

classes, com a consequente relação de subordinação entre o suserano e os 

vassalos,  diversos  documentos  jurídicos  reconheciam  a  existência  dos 

direitos  humanos”[10],  tendo  como  traço  característico  a  limitação  do 

poder estatal. 

Neste período, é observável a difusão de documentos escritos 

reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio 

de forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em 

que  vigiam. Dentre  estes  documentos,  é  possível mencionar  a Magna 

Charta Libertati  (Carta Magna), outorgada, na  Inglaterra, por  João Sem 

Terra, em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos 

barões  em  razão  do  aumento  de  exações  fiscais  para  financiar  a 

estruturação de campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11]. 

A Carta de João sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do 

Estado, conferindo direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo, 

restrições  tributárias,  proporcionalidade  entre  a  pena  e  o  delito[12], 

devido  processo  legal[13],  acesso  à  Justiça[14],  liberdade  de 

locomoção[15] e livre entrada e saída do país[16]. 

Na  Inglaterra, durante a  Idade Moderna, outros documentos, 

com  clara  feição  humanista,  foram  promulgados,  dentre  os  quais  é 

possível mencionar o Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações 

ao poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento 

pelos  pares  para  a  privação  da  liberdade  e  a  proibição  de  detenções 

arbitrárias[17], reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do 

devido  processo  legal[18].  Com  efeito,  o  diploma  em  comento  foi 

confeccionado  pelo  Parlamento  Inglês  e  buscava  que  o  monarca 

reconhecesse o sucedâneo de direitos e  liberdades  insculpidos na Carta 

de  João  Sem  Terra,  os  quais  não  eram,  até  então,  respeitados.  Cuida 

evidenciar, ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado com o 

fortalecimento  e  afirmação  das  instituições  parlamentares  e  judiciais, 

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cenário  no  qual  o  absolutismo  desmedido  passa  a  ceder  diante  das 

imposições democráticas que floresciam. 

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei 

que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse 

preso poderia obter a  liberdade através de um documento escrito que 

seria  encaminhado  ao  lorde‐chanceler ou  ao  juiz que  lhe  concederia  a 

liberdade  provisória,  ficando  o  acusado,  apenas,  comprometido  a 

apresentar‐se  em  juízo  quando  solicitado.  Prima  pontuar  que  aludida 

norma  foi  considerada  como  axioma  inspirador  para maciça  parte  dos 

ordenamentos  jurídicos  contemporâneos,  como  bem  enfoca 

Comparato[19]. Enfim, diversos foram os documentos surgidos no velho 

continente que  trouxeram o  refulgir de novos dias, estabelecendo, aos 

poucos, os marcos de uma transição entre o autoritarismo e o absolutismo 

estatal  para  uma  época  de  reconhecimento  dos  direitos  humanos 

fundamentais[20]. 

As  treze  colônias  inglesas,  instaladas  no  recém‐descoberto 

continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram‐se e 

desenvolveram‐se  social,  econômica  e  politicamente.  Neste  cenário, 

foram  elaborados  diversos  textos  que  objetivavam  definir  os  direitos 

pertencentes aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração 

do  Bom  Povo  da  Virgínia,  de  1776.  O  mencionado  texto  é  farto  em 

estabelecer direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o 

poderio  do  povo,  como  seu  verdadeiro  detentor[21],  e  trouxe  certas 

particularidades como a  liberdade de  impressa[22], por exemplo. Como 

bem destaca Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da 

Virgínia  afirmava  que  os  seres  humanos  são  livres  e  independentes, 

possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a 

felicidade e a segurança, registrando o início do nascimento dos direitos 

humanos na história[24]. “Basicamente, a Declaração se preocupa com a 

estrutura de um governo democrático, com um sistema de  limitação de 

poderes”[25], como bem anota José Afonso da Silva. 

Diferente  dos  textos  ingleses,  que,  até  aquele  momento 

preocupavam‐se,  essencialmente,  em  limitar  o  poder  do  soberano, 

proteger  os  indivíduos  e  exaltar  a  superioridade  do  Parlamento,  esse 

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documento, trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés 

a  ser alcançada naquele  futuro, qual  seja, a democracia.   Em 1791,  foi 

ratificada a Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o 

documento não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que 

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove 

das  treze  colônias.  Estas  concordaram  em  abnegar  de  sua  soberania, 

cedendo‐a para  formação da Federação, desde que constasse, no  texto 

constitucional,  a divisão e  a  limitação do poder e os direitos humanos 

fundamentais[26]. Assim,  surgiram as primeiras dez emendas ao  texto, 

acrescentando‐se  a  ele  os  seguintes  direitos  fundamentais:  igualdade, 

liberdade,  propriedade,  segurança,  resistência  à  opressão,  associação 

política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade 

em matéria  penal,  princípio  da  presunção  da  inocência,  da  liberdade 

religiosa, da livre manifestação do pensamento[27]. 

  Direitos  Humanos  de  Primeira  Dimensão:  A  Consolidação  dos 

Direitos de Liberdade 

No século XVIII, é verificável a  instalação de um momento de 

crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, 

com  grande  poderio  econômico,  não  participava  da  vida  pública,  pois 

inexistia,  por  parte  dos  governantes,  a  observância  dos  direitos 

fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento 

do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo 

que a  camada mais pobre da  sociedade era esmagada, porquanto, por 

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os privilégios das minorias 

que  detinham  o  poder.  Com  efeito,  a  disparidade  existente,  aliado  ao 

achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos 

tributos  cobrados,  produzia  uma  robusta  insatisfação  na  órbita 

política[28]. O mesmo  ocorria  com  a  população  pobre,  que,  vinda  das 

regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em  fábricas, 

morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que 

lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus 

supérfluos  interesses. Essas duas subclasses uniram‐se e  fomentaram o 

sentimento  de  contenda  contra  os  detentores  do  poder,  protestos  e 

aclamações públicas tomaram conta da França. 

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Em  meados  de  1789,  em  meio  a  um  cenário  caótico  de 

insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para 

manterem os  interesses dos detentores do poder,  implode a Revolução 

Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a  tomada do poder 

pelos  revoltosos,  os  quais  estabeleceram,  pouco  tempo  depois,  a 

Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, 

as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens 

e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que 

tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de 

seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta‐se 

que a Declaração Francesa possuía  três  características:  intelectualismo, 

mundialismo e individualismo. 

A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens 

e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto 

humano;  a  segunda  característica  referia‐se  ao  alcance  dos  direitos 

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas 

se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica 

referia‐se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando 

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou 

de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos, 

estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade, 

da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado 

disso, é denotável que o diploma em  comento  consagrou os princípios 

fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio 

da legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal, 

da  presunção  de  inocência[33],  tal  como  liberdade  religiosa  e  livre 

manifestação de pensamento[34]. 

Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de 

liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua 

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, 

propriedade  privada,  privacidade  e  sigilo  de  comunicações,  ao  devido 

processo  legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem 

como  as  liberdades  de  culto,  crença,  consciência,  opinião,  expressão, 

associação  e  reunião  pacíficas,  locomoção,  residência,  participação 

política, diretamente ou por meio de eleições.  “Os direitos de primeira 

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geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis 

ao  Estado,  traduzem‐se  como  faculdades  ou  atributos  da  pessoa  e 

ostentam subjetividade”[35],  aspecto este que passa a ser característico 

da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de 

oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele 

das relações individuais e sociais. 

  O  Princípio  da  Função  Social  da  Propriedade:  Painel  à  luz  da 

Interpretação Jurisprudencial 

Em  sede de  comentários  introdutórios,  é  possível  evidenciar 

que  a  Constituição  da  República  Federativa  do  Brasil  de  1988,  com 

profundos  sulcos,  condicionou  a  propriedade  ao  atendimento  de  sua 

função social, de maneira que, uma vez ausente a função social ambiental, 

o proprietário se vê obstado do pleno exercício de sua propriedade. Clara 

é a dicção do artigo 5º[36],  incisos XXII e XXIII, da Carta de Outubro, ao 

consagrar, de maneira expressa, que o direito de propriedade é garantido 

aos titulares que comprovarem o atendimento de sua função social. 

Ao lado disso, é possível verificar que, dentre os baldrames que 

norteiam as atividades econômicas, encontra‐se, novamente, prevista a 

função social da propriedade, consoante se extrai do conteúdo do inciso 

III do artigo 170[37] da Constituição Cidadã. No  tocante à propriedade 

rural,  é  observável  que  a  função  social  da  propriedade  restará 

materializada  quando  houver  a  confluência,  concomitantemente,  dos 

seguintes fatores, quais sejam: (i) aproveitamento racional e adequado; 

(ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação 

do  meio  ambiente;  (iii)  observação  das  disposições  que  regulam  as 

relações  de  trabalho;  e,  (iv)  exploração  que  favoreça  o  bem‐estar  dos 

proprietários e trabalhadores. Ora, com a promulgação da Constituição da 

República Federativa do Brasil de 1988,  insta salientar que o direito de 

propriedade  perdeu  o  aspecto  absoluto,  ilimitado  e  intangível, 

caracterizados pela  concepção  individualista  contida na  Lei Substantiva 

Civil então vigente, sendo  revestido, por conseguinte, de uma moldura 

social  como  fator  de  progresso  e  promoção  de  bem‐estar  de  todos. 

Quando  se  diz  que  a  propriedade  privada  tem  uma  função  social,  na 

verdade  está  se  afirmando  que  ao  proprietário  se  impõe  o  dever  de 

exercer  o  seu  direito  de  propriedade,  não  mais  unicamente  em  seu 

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próprio e exclusivo  interesse, mas em benefício da coletividade, sendo, 

precisamente, o cumprimento da função social que legitima o exercício do 

direito de propriedade pelo seu titular. 

Repise‐se,  imperiosamente, que o direito de propriedade não 

se  reveste de  caráter  absoluto, porquanto,  sobre ele, pesa  substancial 

hipoteca social, a significar que, uma vez descumprida a função social que 

lhe é inerente, estará legitimada a intervenção estatal na esfera dominial 

privada, observados, porém, para esses efeitos, os limites, as formas e os 

procedimentos  afixados  no  próprio  Texto  Constitucional.  Em 

complemento,  o  acesso  à  terra,  a  solução  de  conflitos  sociais,  o 

aproveitamento  racional  e  adequado  do  imóvel  rural,  a  utilização 

apropriada  de  recursos  naturais  disponíveis  e  a  preservação  do meio 

ambiente  substancializam elementos de  realização de  função  social da 

propriedade. Assim sendo, a desapropriação, em tal cenário, por exemplo, 

na condição de sanção constitucional  imponível ao descumprimento da 

função  social  da  propriedade,  traz  à  baila  importante  instrumento 

destinado a dar consequência aos compromissos assumidos pelo Estado 

na ordem econômica e social. 

Ementa:  Constitucional.  Administrativo.  Civil. 

Direito de construir. Limitação administrativa.  I.  ‐ O 

direito de edificar é relativo, dado que condicionado 

à  função  social da propriedade: C.F., art. 5º, XXII e 

XXIII.  Inocorrência  de  direito  adquirido:  no  caso, 

quando  foi  requerido  o  alvará  de  construção,  já 

existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local. II. 

‐ Inocorrência de ofensa aos §§ 1º e 2º do art. 182, 

C.F.  III.  ‐  Inocorrência  de  ofensa  ao  princípio 

isonômico, mesmo  porque  o  seu  exame,  no  caso, 

demandaria a comprovação de questões, o que não 

ocorreu. Ademais, o  fato de  ter sido construído no 

local um prédio em desacordo com a  lei municipal 

não confere ao recorrente o direito de, também ele, 

infringir  a  citada  lei.  IV.  ‐  R.E.  não  conhecido. 

(Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE nº 

178.836/  Relator: Ministro  Carlos  Velloso/  Julgado 

em 08 jun. 1999/ Publicado no DJe em 20 ago. 1999). 

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Ora, em um cenário jurídico no qual a constitucionalização dos 

diplomas normativos, bem como os feixes axiológicos advindos do Texto 

de 1988,  cominam, por  consequência  lógica, uma  relativização do dito 

direito  à  propriedade  privada, porquanto,  substancialmente  plasmado, 

aquele  encontra  vinculação  à  função  social.  Isto  é,  apesar  do 

reconhecimento  do  direito  à  propriedade  afigurar  no  rol  dos  direitos 

fundamentais  do  indivíduo,  este,  em  uma  interpretação  sistêmica  e 

voltada para a promoção, realização e concreção da dignidade da pessoa 

humana,  não  pode  ser  revestido  de  aspecto  absoluto,  intocável;  ao 

reverso, faz‐se imprescindível alinhar, sobretudo como flâmula hasteada 

pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a função social da propriedade, 

ou  seja,  a  propriedade  considerada  como  meio  de  potencialização  e 

atendimento  da  dignidade  da  pessoa  humana  como  moldura 

interpretativa  acerca  de  tal  direito  fundamental,  guardando,  portanto 

clara  observância  aos  dispostos  nos  preceitos  basilares  do  Texto 

Constitucional. 

REFERÊNCIAS: 

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___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

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CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 mar. 2016.

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        147 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57810 

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CORREIA, Érica Paula Barcha. A relação homoafetiva e o direito de seguridade social – uma leitura a partir dos direitos fundamentais. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coord.). Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

SÃO PAULO. Universidade de São Paulo  (USP). Declaração do Bom 

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___________.  Magna  Carta  (1.215).  Disponível  em: 

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2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016.

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[5] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06.

[6]  ALVARENGA,  Rúbia  Zanotelli  de.  Os  Direitos  Humanos  na 

perspectiva  social  do  trabalho.  Disponível  em: 

<http://www.faculdade.pioxii‐es.com.br>. Acesso em 16 mar. 2016, p. 01.

[7] SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009. Acesso em 16 mar. 2016.

[8] MORAES, 2011, p. 06.

[9] CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história 

da  humanidade.  Revista  Jus  Vigilantibus.  Disponível  em: 

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 mar. 2016. 

[10] MORAES, 2011, p. 06. 

[11] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-72.

[12]  SÃO  PAULO. Universidade  de  São  Paulo  (USP). Magna  Carta 

(1.215).  Disponível  em:  <http://www.direitoshumanos.usp.br>.  Acesso 

em 16 mar. 2016: “Um homem livre será punido por um pequeno crime 

apenas, conforme a sua medida; para um grande crime ele será punido 

conforme  a  sua magnitude,  conservando  a  sua  posição;  um mercador 

igualmente conservando o seu comércio, e um vilão conservando a sua 

cultura, se obtiverem a nossa mercê; e nenhuma das referidas punições 

será imposta excepto pelo juramento de homens honestos do distrito”.

[13]  SÃO  PAULO. Universidade  de  São  Paulo  (USP). Magna  Carta 

(1.215).  Disponível  em:  <http://www.direitoshumanos.usp.br>.  Acesso 

em 16 mar. 2016: “Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, 

ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou 

de  algum modo  lesado,  nem  nós  iremos  contra  ele,  nem  enviaremos 

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ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares ou 

pela lei do país”. 

[14] Ibid. “A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos direito ou justiça”.

[15] Ibid. “Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do 

nosso  reino,  e  a  ele  retornar,  salvo  e  seguro,  por  terra  e  por  mar, 

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto espaço 

em  tempo de guerra, para o bem  comum do  reino, e excepto aqueles 

aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e pessoas de 

países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser tratados como acima 

dito”.

[16] Ibid. “Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair, 

entrar, permanecer e viajar através da  Inglaterra,  tanto por  terra como 

por mar, para comprar e vender,  livres de  todos os direitos de pedágio 

iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em tempo de guerra, 

caso  sejam  do  país  que  está  lutando  contra  nós.  E  se  tais  forem 

encontrados  no  nosso  país  no  início  da  guerra  serão  capturados  sem 

prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja sabido por nós, ou 

pelo  nosso  chefe  de  justiça,  como  os mercadores  do  nosso  país  são 

tratados,  se  foram encontrados no país em  guerra  contra nós; e  se os 

nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo no nosso país”. 

[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12.

[18] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de Direito (1.628). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas”.

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[19] COMPARATO, 2003, p. 89-90.

[20] MORAES, 2011, p. 08-09.

[21] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo  (USP). Declaração do 

Bom  Povo  da  Virgínia  (1.776).  Disponível  em: 

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso  em  16 mar.  2016:  “Que 

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que 

os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer 

momento, perante ele responsáveis”.

[22] Ibid. “Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”.

[23] COMPARATO, 2003, p. 49.

[24] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança”.

[25] SILVA, 2004, p.155.

[26] SILVA, 2004, p.155.

[27] MORAES, 2003, p. 28.

[28] COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

[29] SILVA, 2004, p. 157.

[30] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a

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conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão”.

[31] Ibid. “Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”.

[32] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.

[33] Ibid. “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.

[34] Ibid. “Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.

[35] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

[36]  BRASIL.  Constituição  ( ).  Constituição  (da)  República 

Federativa  do  Brasil.  Brasília:  Senado  Federal,  1988.  Disponível  em: 

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2016: “Art. 5º Todos 

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo‐

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do 

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos 

termos  seguintes:  [omissis]  XXII  ‐  é  garantido  o  direito  de 

propriedade; XXIII ‐ a propriedade atenderá a sua função social”.

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[37]  BRASIL.  Constituição  ( ).  Constituição  (da)  República 

Federativa  do  Brasil.  Brasília:  Senado  Federal,  1988.  Disponível  em: 

<http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em  16 mar.  2016:  “Art.  170.  A 

ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre 

iniciativa,  tem por  fim assegurar a  todos existência digna,  conforme os 

ditames da  justiça social, observados os seguintes princípios: [omissis]III 

‐ função social da propriedade”.