interceptação telefônica e sua interpretação jurisprudencial - cynthia brodt martins

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INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL 1 Cynthia Brodt Martins 2 Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal fazer uma análise dos critérios preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça para decidir acerca da (in) validade da interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Para atingir o referido objetivo, utilizou-se como embasamento teórico o estudo relativo ao direito à prova no processo penal; às provas proibidas e à interceptação telefônica. Na pesquisa foram analisados oito acórdãos, podendo se verificar que os critérios mais aplicados pelos tribunais superiores foram: o princípio da proporcionalidade, da vedação de provas ilícitas, da convalidação, da motivação das decisões judiciais, da ausência de prejuízo ao réu, da inexistência de cerceamento de defesa e dos critérios legais constantes na Lei 9.296/96. Palavras-chaves: Interceptação Telefônica. Provas Ilícitas. Direito à intimidade. Lei 9.296/96. Princípio da Proporcionalidade. STJ. STF. INTRODUÇÃO A interceptação telefônica é um tema de extrema relevância para a sociedade, por ser importante meio posto à disposição do Estado para as investigações de maior complexidade, envolvendo organizações criminosas, com a finalidade de elucidação de fatos e de obtenção de prova. É medida cautelar admitida apenas em caráter excepcional pela Constituição Federal, para a investigação de crimes punidos com reclusão, em função de ser instrumento que viola o direito à intimidade não apenas do investigado, como de terceiros envolvidos na comunicação telefônica. Dessa forma, o Estado buscando limitar o uso indiscriminado deste instrumento, a fim de proteger garantias individuais, regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal, estabelecendo requisitos para a autorização da interceptação telefônica, por meio da edição da 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e aprovado, em grau máximo, pela banca examinadora composta pelo Orientador Prof. Marcelo Guazzelli Peruchin, Prof. Nereu Giacomolli e Prof. Mario Rocha, em 12 de novembro de 2010. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. E-mail: [email protected].

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Artigo sobre o desdobramento da interceptação telefônica no Processo Penal brasileiro, realizando paralelos com o que a jurisprudência, como fonte do direito, tem consolidado acerca deste tema vasto e de grande repercussão.

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  • INTERCEPTAO TELEFNICA E SUA INTERPRETAO JURISPRUDENCIAL1

    Cynthia Brodt Martins2

    Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal fazer uma anlise dos critrios preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justia para decidir acerca da (in) validade da interceptao telefnica como meio de prova no processo penal. Para atingir o referido objetivo, utilizou-se como embasamento terico o estudo relativo ao direito prova no processo penal; s provas proibidas e interceptao telefnica. Na pesquisa foram analisados oito acrdos, podendo se verificar que os critrios mais aplicados pelos tribunais superiores foram: o princpio da proporcionalidade, da vedao de provas ilcitas, da convalidao, da motivao das decises judiciais, da ausncia de prejuzo ao ru, da inexistncia de cerceamento de defesa e dos critrios legais constantes na Lei 9.296/96.

    Palavras-chaves: Interceptao Telefnica. Provas Ilcitas. Direito intimidade. Lei 9.296/96. Princpio da Proporcionalidade. STJ. STF.

    INTRODUO

    A interceptao telefnica um tema de extrema relevncia para a sociedade, por ser importante meio posto disposio do Estado para as investigaes de maior complexidade, envolvendo organizaes criminosas, com a finalidade de elucidao de fatos e de obteno de prova. medida cautelar admitida apenas em carter excepcional pela Constituio Federal, para a investigao de crimes punidos com recluso, em funo de ser instrumento que viola o direito intimidade no apenas do investigado, como de terceiros envolvidos na comunicao telefnica.

    Dessa forma, o Estado buscando limitar o uso indiscriminado deste instrumento, a fim de proteger garantias individuais, regulamentou o art. 5, XII, da Constituio Federal, estabelecendo requisitos para a autorizao da interceptao telefnica, por meio da edio da

    1Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial obteno do grau Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e aprovado, em grau mximo, pela banca examinadora composta pelo Orientador Prof. Marcelo Guazzelli Peruchin, Prof. Nereu Giacomolli e Prof. Mario Rocha, em 12 de novembro de 2010. 2 Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais pela PUCRS. E-mail: [email protected].

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    Lei 9.296/96. Sendo assim, deve-se observar o procedimento previsto na referida Lei para que seja reconhecida a validade da interceptao telefnica, sob pena da prova dela resultante ser considerada ilcita e inadmitida no processo penal, conforme previso constante no art. 5, inciso LVI, da Constituio Federal.

    O presente trabalho tem por objetivo principal fazer uma anlise dos critrios preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justia para decidir acerca da (in)validade da interceptao telefnica como meio de prova no processo penal.

    Este artigo est estruturado da seguinte forma: na seo 1 apresentado o direito prova, na seo 2 provas proibidas, na seo 3 interceptao telefnica, na seo 4 anlise jurisprudencial das interceptaes telefnicas e na ltima seo as consideraes finais.

    1 DIREITO PROVA

    1.1 CONCEITO E FINALIDADE

    Conforme CASTRO3 o objetivo do processo penal reconhecer a existncia de uma verdade jurdica, sendo tal fim alcanado pelas provas que se assumem e valoram segundo as normas prescritas pela lei de procedimento.

    NUCCI4 destaca que:

    o termo prova origina-se do latim - probatio- que significa ensaio, verificao, inspeo, exame, argumento, razo, aprovao ou confirmao. Dele deriva o verbo provar probare -, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experincia, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir algum a alguma coisa ou demonstrar.

    Entretanto, conforme BONFIM5 no plano jurdico o termo prova apresenta diversos sentidos podendo ser entendido como: a) atividade exercida, em regra, pelas partes no processo penal, visando demonstrar a veracidade de suas alegaes; b) meios ou instrumentos empregados na demonstrao de uma afirmao; e c) resultado da atividade probatria, isto , a certeza ou convico que surge no esprito de seu destinatrio.

    3 CASTRO, R. A. de. Provas ilcitas e o sigilo das comunicaes telefnicas. 2 ed. Curitiba: Juru, 2010, p. 43.

    4 NUCCI, G. de S. Manual de processo penal e execuo penal. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 388.

    5 BONFIM, E. M. Curso de processo penal. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 303.

  • 3

    Na definio de CAPEZ6 prova o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convico acerca da existncia ou inexistncia de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmao, ou seja, todo e qualquer meio utilizado pelo homem com o intuito de comprovar a verdade de uma alegao.

    Neste sentido, CARVALHO7 explica que a prova judiciria visa reconstruo dos fatos investigados na instruo criminal, objetivando fornecer ao julgador uma verdade judicial, seno absoluta, mas apta a fundamentar uma deciso final.

    1.2 NUS DA PROVA

    A prova, sem dvida, nus processual no nosso sistema brasileiro. A doutrina quanto s provas mostra-se dividida no tocante distribuio do nus processual da existncia do delito s partes ou atribuio do mesmo exclusivamente ao rgo acusador.

    A palavra nus possui origem latina (onus), significando fardo, carga, peso, imposio etc. Sendo assim, nus processual um encargo que as partes possuem de provar, pelos meios admissveis, a verdade dos fatos, conforme a distribuio de tal imposio (ARANHA)8.

    importante fazer-se a diferenciao entre nus e obrigao. Segundo CAPEZ9 a principal diferena entre a obrigao e o nus consiste na obrigatoriedade, tendo a parte no primeiro caso o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, enquanto que no segundo caso, o adimplemento facultativo.

    A lei processual penal partiu de um princpio previsto no caput do art. 156 do CPP: A prova da alegao incumbir a quem a fizer [...]. Conforme MIRABETE10 o princpio decorre no s de uma razo de oportunidade e na regra de experincia fundada no interesse afirmao, mas na equidade, paridade de tratamento entre as partes.

    Entretanto, verifica-se que a citada disposio processual relativa incumbncia do nus da prova pertencer a quem alega no absoluta, uma vez que, o art. 156, II do CPP, faculta ao juiz de ofcio, no curso da instruo, ou antes, de proferir a sentena, determinar a realizao de diligncias para dirimir dvida sobre ponto relevante (CAPEZ)11.

    6 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 297.

    7 CARVALHO, W.C. de. As provas ilcitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do

    Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, jun./jul. 2009. 8 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 7.

    9 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 332.

    10 MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. So Paulo: Atlas, 2008, p. 258.

    11 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 333.

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    Comentando essa previso legal de produo de prova ex ofcio pelo juiz TASSE, MILO e PIASECKI12:

    A produo de provas pelo juiz deve ser vista, assim, como exceo, pois, muito embora o magistrado no seja um espectador inerte quando da produo das provas, no pode ele substituir as partes em seu nus de provar o que alegam. O juiz deve ser visto e atuar de maneira imparcial, para que no contamine o processo por falta de iseno. Por isso, as excees eleitas devem ser vistas fique claro de maneira restritiva e excepcional.

    Sobre distribuio do nus da prova destaca CAPEZ13:

    Cabe ao Ministrio Pblico provar a existncia do fato criminoso, da sua realizao pelo acusado e tambm a prova dos elementos subjetivos do crime (dolo e culpa); em contrapartida, cabe ao acusado provar as causas excludentes de antijuricidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como circunstncias atenuantes da pena ou concesso de benefcios legais.

    Neste sentido, SOUZA14 sustenta que no momento em que o ru alega em sua autodefesa a existncia de algum fato impeditivo (causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade), modificativo ou extintivo (causas de extino de punibilidade), h uma transferncia do nus da prova de tais fatos ou circunstncias defesa, sendo tarefa desta demonstrar, pelo menos dentro de um nvel de probabilidade suficiente para gerar a dvida razovel no julgador, a veracidade da alegao.

    Entendimento contrrio diviso do nus entre a acusao e defesa, LOPES JUNIOR15 defende a inexistncia de distribuio de cargas probatrias no processo penal, ou seja, que o nus da prova da existncia do delito incumbe exclusivamente ao rgo acusador, em razo de que a primeira afirmao feita por ele na pea acusatria (denncia ou queixa); bem como pelo fato do ru possuir em seu favor a presuno de inocncia.

    LOPES JUNIOR16 complementa que no h carga probatria para defesa em funo de no lhe ser atribuvel um prejuzo imediato e tampouco o dever de liberao, advertindo que a questo se desloca para a distribuio do risco pela perda de uma chance de obter a

    12

    TASSE, A. E; MILO, E. Z; PIASECKI, P. R. O novo sistema de provas no processo penal: comentrios Lei 11.690/08. Curitiba: Juru, 2009, p. 41.

    13 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 333.

    14 SOUZA, S. R. Manual da prova penal constitucional: ps reforma de 2008. Curitiba:Juru, 2008, p. 97.

    15 LOPES JUNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 502.

    16 LOPES JNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 503.

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    captura psquica do juiz, exemplificando que o ru que no exerce o ser direito de defesa, assume o risco de perder uma chance de obter o convencimento do juiz acerca da veracidade de sua tese.

    1.3 SISTEMAS DE APRECIAO DE PROVAS

    Com o encerramento da fase de instruo processual, o julgador far uma anlise e avaliao acerca das provas apresentadas nos autos para que formada a sua convico, possa aplicar o direito no caso concreto.

    A avaliao de provas ato eminentente pessoal do juiz, por meio do qual, examinando, pesando e estimando os elementos oferecidos pelas partes no processo penal (razes, debates), chega a uma concluso sobre o alegado17 (ARANHA).

    Sendo assim na apreciao judicial torna-se natural estimar-se um valor a cada uma das provas apresentadas, de forma a sopesar as mais importantes em detrimento das menos relevantes. A ponderao deste sopeso por parte do juiz far-se- por meio de mecanismos totalmente flexveis, parcialmente vinculados e completamente adstritos (NUCCI)18.

    Exatamente pela importncia que a prova apresenta no mbito processual que a MENDES19 aponta os trs sistemas estabelecidos pela doutrina como critrios para avaliao judicial dessas provas: a) o sistema de prova legal ou tarifado; b) o da livre convico; e c) o da persuaso racional ou livre convencimento motivado.

    No sistema de prova legal ou tarifado cada prova produzida no processo tem um valor preestabelecido em lei, inaltervel, de forma que o juiz no tem liberdade na sua atividade de julgar, estando adstrito ao critrio fixado pelo legislador. chamado de tarifado, ento, em razo de que as provas tm uma tabela de valorao da qual o juiz no pode se opor (ARANHA)20.

    Diferentemente, no sistema da livre convico, no h previso legal acerca do valor das provas e a deciso funda-se exclusivamente na certeza moral do juiz, que de acordo com a sua livre convico decide sobre a admissibilidade, avaliao e carreamentos das provas para

    17

    ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 78. 18

    NUCCI, G. de S. Manual de processo penal e execuo penal. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 17.

    19 MENDES, M. G. de. Direito intimidade e interceptaes telefnicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 91.

    20 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 79.

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    os autos, no sendo necessria a motivao para as decises21 (MIRABETE). O autor refere que este sistema o que prevalece no Tribunal do Jri, visto que os jurados no motivam seus votos.

    J no sistema de persuaso racional, o juiz livre na formao de seu convencimento, no estando comprometido por qualquer critrio de valorao prvio da prova, porm dever expor as razes que fizerem com que ele optasse por tal prova, fazendo-o com base em argumentao racional a fim de que as partes por ventura insatisfeitas possam confrontar a deciso nas mesmas bases argumentativas (OLIVEIRA)22.

    Este sistema da persuaso racional o adotado pelo processo penal brasileiro, na literalidade do caput do art. 155: O juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova [...], que encontra fundamento no art. 93, IX da Constituio Federal.

    A expresso livre convencimento criticada por transmitir a idia de perfeio, de liberdade absoluta e ilimitada acerca da prova, incompatvel com a realidade, visto que o convencimento est limitado pelo contedo ftico dos autos, pelo valorar e motivar, pelas regras da legislao ordinria e constitucional e pelos princpios humanitrios (GIACOMOLLI)23.

    Sendo assim, claro que o juiz ficar adstrito s provas carreadas nos autos, no podendo fundamentar sua deciso em elementos estranhos a ele, tendo em vista que o que no est nos autos no est no mundo (MIRABETE)24.

    2 PROVAS PROIBIDAS

    2.1 DISTINES ENTRE PROVA ILCITA, ILEGTIMA E PROIBIDA

    Primeiramente, so apresentadas as antigas distines terminolgicas adotadas pela Constituio Federal de 1988 e acolhidas pela doutrina entre provas ilcitas e ilegtimas, sendo essas as espcies do gnero prova proibida25. Para tanto, parte-se da previso constante no art. 5, LVI, da atual Constituio Federal: so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos.

    21

    MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. So Paulo: Atlas, 2008, p. 260. 22

    OLIVEIRA, E. P. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009, p. 299. 23

    GIACOMOLLI, N. J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2008, p. 26. 24

    MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. So Paulo: Atlas, 2008, p. 260. 25

    A doutrina utiliza como principais sinnimos de prova proibida: prova vedada e prova ilegal.

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    Na definio de ARANHA26:

    Prova proibida, conceito genrico, toda aquela que defesa, impedida mediante uma sano, impedida que se faa pelo Direito. A que deve ser conservada distncia pelo ordenamento jurdico. Por ser proibida, ofende, molesta, ope-se ao direito.

    Segundo CERVI27 a distino entre prova ilcita e ilegtima se faz em dois planos, sendo o primeiro referente natureza da norma violada e o segundo ao momento de transgresso. No que tange ao primeiro plano, enquanto que a prova ilegtima viola normas de Direito Processual, diferentemente, a prova ilcita fere princpios de Direito material, sobretudo o Direito Constitucional.

    Com relao distino relativa ao momento da transgresso, enquanto na prova ilegtima a ilegalidade ocorre no momento de sua produo no processo, na prova ilcita, a violao ocorre no momento da colheita da prova, podendo ser anterior ou concomitantemente ao processo, mas externamente a este (AVOLIO)28.

    Entretanto, a mencionada distino doutrinria apresentada anteriormente foi extinta no processo penal pela nova redao do art. 157 do CPP, introduzida pela Lei n 11.690, de nove de junho de 2008, que alterou dispositivos referentes prova. Dessa forma, segundo o referido dispositivo, ambas as provas - com denominao de ilegtimas e ilcitas -, so apenas ilcitas e inadmissveis.

    Dessa forma, verifica-se que a reforma processual solucionou questo relevante no

    tocante hermenutica do art. 5, LVI, da CF, isto porque alguns doutrinadores defendiam uma interpretao restritiva do dispositivo, sustentando que a vedao constante no diploma constitucional abarcaria apenas as provas ilcitas, entendidas como violadoras do direito material, excluindo as provas ilegtimas, entendidas como violadores de direito processual, para as quais se aplicaria o sistema de nulidades (CARVALHO)29.

    Nesse contexto, MENDONA30 ressalta que apenas quando forem desrespeitadas as disposies processuais que possam refletir no devido processo legal que se poder

    26

    ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 50. 27

    CERVI, M. L. Provas ilcitas e a interceptao telefnica no direito brasileiro. Canoas: Ed. ULBRA, 2003, p. 19.

    28 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 51. 29

    CARVALHO, W. C. As provas ilcitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 50, jun.-jul. 2009.

    30 MENDONA, A. B. de. Nova reforma do Cdigo de Processo Penal. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 171.

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    considerar a inadmissibilidade da prova. Por exemplo, uma prova testemunhal obtida em juzo sem a presena do defensor dever ser considerada inadmissvel (ilcita), por violao da ampla defesa e, portanto, ao devido processo legal.

    MENDONA31 refere que havendo desrespeito a uma disposio de carter nitidamente procedimental, que no interfira em qualquer garantia relacionada ao devido processo legal, no pode ser admitida como ilcita e, portanto, inadmissvel (por exemplo, uma testemunha inquirida pelo sistema presidencialista e no diretamente pelas partes). Dessa forma, o autor conclui que para as violaes em que no houver leso ao princpio do devido processo legal, o sistema deve continuar a ser o das nulidades.

    Sendo assim, o novo conceito de prova ilcita vai bem mais alm, pois tais provas podem desrespeitar tanto direitos como garantias constitucionais, como normas de direito material ou processual previstas em leis infraconstitucionais (BARROS)32.

    2.2 PRINCIPAIS CORRENTES DOUTRINRIAS ACERCA DA (IN)ADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS

    2.2.1 Admissibilidade das provas ilcitas

    Para essa corrente, os princpios do livre convencimento e da verdade real fazem com que uma ponderao de interesses em jogo penda sempre em favor do princpio da investigao da verdade, ainda que baseada em meios ilcitos (COSTA)33. Ela coloca a reconstruo da verdade como o principal norteador do processo, sustentando que prescindir uma prova formalmente correta em razo de ter sido obtida mediante fraude, seria abdicar de elementos de convico importantes para o resultado do processo (AVOLIO)34.

    Sustenta essa parcela minoritria da doutrina, a possibilidade de admisso da prova ilcita, contanto que no existisse vedao pelo ordenamento jurdico, no interessando a violao de direito material (LOPES JUNIOR)35. O autor acrescenta que o responsvel pela

    31

    MENDONA, A. B. de. Nova reforma do Cdigo de Processo Penal. So Paulo: Mtodo, 2008, p. 171. 32

    BARROS, F. de M. (Re)forma do processo penal: comentrios crticos dos artigos modificados pelas Leis n 11.690/2008 e n 11.729/2008. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 35.

    33 COSTA, S. H. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilcitas. Revista do Processo, ano 31, v. 133, p. 87,

    mar. 2006. 34

    AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 53.

    35 LOPES JUNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 548.

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    prova possua a faculdade de utiliz-la no processo, respondendo pela eventual violao da norma de direito material (que poderia constituir um delito ou mesmo ilcito civil).

    Segundo ARANHA36 os defensores da admissibilidade da prova ilcita partem do princpio que apenas podem ser rejeitadas no processo as provas violadoras das normas instrumentais, em razo de que apenas estas dispem de sano de natureza especificamente processual. Dessa forma, a prova ilcita permanece processualmente vlida, sendo seu valor problema de avaliao, portanto, subjetivo, punindo-se o violador do direito material com a sano correspondente.

    2.2.2 Inadmissibilidade das provas ilcitas

    Por outro lado, h autores que defendem a leitura literal do dispositivo do art. 5, LVI, da CF, onde h previso de vedao de provas ilcitas no processo. Essa corrente doutrinria no admite exceo proibio constitucional.

    Essa corrente da inadmissibilidade da utilizao de provas obtidas ilicitamente possui como motivao o controle da regularidade da atividade estatal persecutria, a fim de evitar a adoo de prticas ilegais por aqueles responsveis pela sua produo (CARVALHO)37.

    De acordo com MENDES, COELHO E BRANCO38 essa corrente entende que o interesse de investigar a verdade coexiste com outros interesses que, em certas situaes, demonstram ser de superior valor, revelando-se impedimento busca absoluta da verdade.

    Nesse contexto, CARVALHO39 ressalta que a busca pela verdade real para formao do convencimento do juiz, encontra limitaes constitucionais e legais, as quais buscam concretizar valores nsitos dignidade da pessoa humana, cuja manifestao se expressa nas inmeras garantias dos direitos fundamentais previstos pela Constituio Federal.

    Assim, verifica-se que so vrios os autores que sustentam a inadmissibilidade das provas ilcitas, figurando a unidade do ordenamento jurdico, a ofensa Constituio e a moralidade dos atos praticados pelo Estado como os principais fundamentos desse posicionamento (ARANHA)40. 36

    ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 63. 37

    CARVALHO, W. C. As provas ilcitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 50, jun.-jul. 2009.

    38 MENDES, G. F, COELHO, I. M; e BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. So Paulo:

    Saraiva, 2009, p. 106. 39

    CARVALHO, W. C. As provas ilcitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 47, jun.-jul. 2009.

    40 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 64.

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    Segundo COSTA41 alguns autores defendem a inadmissibilidade das provas ilcitas sob o fundamento da viso unitria do ordenamento jurdico. Dessa forma, no seria possvel admitir no processo ato ilcito, seja por ofensa norma de direito material, seja por ofensa norma de direito processual, em razo de que isso atentaria contra o sistema como um todo.

    No mesmo sentido, ARANHA42 refere que o direito um todo unitrio, sendo assim, a prova ilcita afronta o direito em seu universo, razo pela qual inadmissvel no processo, ainda que ausente violao norma instrumental. Ento, o reconhecimento de um ilcito contamina todo o direito e no apenas partes separadas.

    Entretanto, parte da doutrina sustenta a inadmissibilidade de provas ilcitas por ofensa Constituio. Ela parte do princpio de que toda prova ilcita ofende a carta constitucional, por ferir direitos e garantias fundamentais do indivduo. Sendo assim, a prova obtida fica fulminada pela inconstitucionalidade, no podendo prevalecer em qualquer campo do direito.

    Nas palavras de COSTA43: quando uma prova colhida infringindo-se direitos fundamentais do indivduo, ocorre uma inconstitucionalidade, que contamina a prova e a torna absolutamente inadmissvel no processo.

    Por fim, existe a corrente que defende a inadmissibilidade da prova ilcita amparada no princpio da moralidade dos atos praticados pelo Estado. Conforme ARANHA44 o Estado de Direito tem a obrigao de combater a criminalidade, devendo utilizar-se para tanto, de atos e princpios moralmente inatacveis. O autor adverte que em razo de militar em favor do Estado uma presuno de legalidade e moralidade de todos os atos por ele praticados, inadmissvel que seus agentes recorram a meios condenveis.

    2.2.3 Admissibilidade da prova ilcita em casos excepcionais

    Em que pese o Brasil tenha adotado expressamente o sistema de inadmissibilidade de prova ilcita no processo no art. 5, inciso LVI, da CF, e art. 157, caput, do CPP, grande parte da doutrina como bem salienta CARVALHO45, posiciona-se no sentido de que a referida

    41

    COSTA, S. H. da. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilcitas. Revista do Processo, ano 31, v. 133, p. 87, mar. 2006.

    42 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 64.

    43 COSTA, S. H. da. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilcitas. Revista do Processo, ano 31, v.

    133, p. 87, mar. 2006. 44

    ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 65. 45

    CARVALHO, W. C. As provas ilcitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 49, jun.-jul. 2009.

  • 11

    disposio, como todo e qualquer preceito fundamental, no pode ser interpretada de forma absoluta.

    Isto porque, deve-se possibilitar moderna hermenutica constitucional a ponderao da aplicabilidade do citado preceito fundamental em face de outros valores da mesma forma prestigiados pelo ordenamento. Essa ponderao de interesses constitucionais, segundo a doutrina, far-se- por meio do princpio denominado de proporcionalidade (CARVALHO)46.

    Sendo assim, para essa corrente intermediria admitida a prova ilcita, em casos excepcionais, quando, no caso visava-se tutelar valores mais relevantes do que aqueles violados na colheita da prova e tambm constitucionalmente protegidos.

    2.2.3.1 Admissibilidade da prova ilcita pro reo

    de aceitao pacfica pela doutrina e jurisprudncia a aplicao do princpio da proporcionalidade para o aproveitamento da prova ilcita quando esta for para beneficiar o ru.

    LACHI47 exemplifica o caso de uma pessoa acusada injustamente pela prtica de homicdio gravar clandestinamente uma conversa telefnica na qual uma terceira pessoa confessa a execuo do referido delito. O autor refere que diante dessa prova em tese ilcita, percebe-se uma coliso de direitos fundamentais em razo de que a prova ao mesmo tempo em que fere a inviolabilidade das comunicaes telefnicas e o direito intimidade, est de acordo com a ampla defesa, liberdade e presuno de inocncia.

    Dessa forma, RANGEL48 argumenta que se utilizando o princpio da proporcionalidade, verifica-se que a liberdade de locomoo tem um peso maior diante do sigilo das comunicaes telefnicas e, portanto, razovel que se possa quebr-lo com o escopo de resguardar a liberdade de locomoo do ru.

    Diante de uma situao como a referida, FERNANDES49 sustenta no ser possvel justificar a condenao, at mesmo a pena elevada, de uma pessoa quando presente nos autos prova de sua inocncia, ainda que obtida por meios ilcitos.

    46

    CARVALHO, W. C. As provas ilcitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 49, jun.-jul. 2009.

    47 LACHI, R. Excees inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal brasileiro. Revista Jurdica

    Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 91, nov. 2008. 48

    RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 396. 49

    FERNANDES, A. S. Processo penal constitucional. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 93..

  • 12

    Nesse contexto, GOMES FILHO50 salienta que no confronto entre uma proibio de prova, mesmo que baseada no interesse de proteo a um direito fundamental, e o direito prova da inocncia, este segundo deve prevalecer em razo de que a liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperveis, na tica da sociedade democrtica; bem como porque ao prprio Estado no interessa a punio de um inocente, por significar a impunidade do verdadeiro culpado.

    CAPEZ51 menciona que na admissibilidade da prova em favor do ru os direitos que prevalecem so aqueles que protegem o indivduo contra o arbtrio estatal (liberdade, devido processo legal, com seu desdobramento da ampla defesa, e presuno da inocncia).

    LOPES JUNIOR52 defende que o ru quando da obteno (ilcita) da prova, dependendo do caso concreto, estaria acobertado pelas excludentes de legtima defesa ou do estado de necessidade. O autor sustenta, ainda, a possibilidade de invocar a tese da inexigibilidade de conduta diversa (excluindo a culpabilidade). Sendo assim, as referidas excludentes afastariam a ilicitude da conduta do ru e da prpria prova, legitimando seu uso no processo.

    Nesse sentido, RANGEL53 mostra-se favorvel denominada teoria da excluso da ilicitude, que defende que a conduta do acusado na obteno da prova ilcita encontra-se amparada pelo direito (excludente de ilicitude), no sendo assim possvel ser chamada de ilcita. Dessa forma, por exemplo, o ru que realiza interceptao de ligao telefnica, sem ordem judicial, com o objetivo de demonstrar sua inocncia, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante.

    Sendo assim, OLIVEIRA54 defende que o aproveitamento da prova ilcita em favor da defesa constitui-se em critrio objetivo de aplicao da proporcionalidade em razo de que: a) a violao de direitos na busca da prova da inocncia poder ser levada a conta do estado de necessidade, excludente de ilicitude; b) o princpio da inadmissibilidade da prova ilcita constitui-se em garantia individual expressa, no podendo ser utilizado contra quem o seu primitivo e originrio titular.

    50

    GOMES FILHO apud ASSIS, D. C. de. Provas ilcitas no processo penal vedao constitucional e o direito de defesa. Revista Juridica Unijus, Uberaba-MG, v. 12, n. 16, p. 180, maio 2009.

    51 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 306.

    52 LOPES JNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 552. 53

    RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 397. 54

    RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 330.

  • 13

    2.2.3.2 Admissibilidade da prova ilcita pro societate

    Em que pese ser questo pacfica na doutrina e jurisprudncia a admissibilidade da prova ilcita em favor do ru, o mesmo no ocorre quando em favor da sociedade.

    LACHI55 sustenta a existncia de coliso entre direitos fundamentais no tocante questo do aproveitamento da prova ilcita em favor da sociedade. O autor refere que se por um lado a admissibilidade de uma prova ilcita em favor da sociedade acarretaria a restrio pelo Estado dos direitos fundamentais do ru (alm da prpria vedao, do devido processo legal e da presuno de inocncia); por outro, a possvel retirada dos autos de uma prova importante em funo de ter sido obtida por meio ilcito impediria a condenao de um indivduo que, de fato, tenha praticado o crime que lhe imputado. E sendo assim, a hipottica absolvio nessas condies ignoraria o direito propriedade (em alguns casos) e segurana do restante da sociedade, contrariando o ordenamento jurdico.

    Neste cenrio MORAES56 sustenta que as liberdades pblicas no podem ser usadas como um verdadeiro escudo protetivo da realizao de atividades ilcitas, tampouco como justificativa para a supresso da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de ferir o Estado de Direito. Com efeito, o autor argumenta que os responsveis pela prtica de atos ilcitos violadores de liberdades de terceiros e da prpria sociedade, desrespeitando a dignidade da pessoa humana, no tero o direito de invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas a fim de afastarem suas responsabilidades perante o Estado.

    Entretanto, CAPEZ57 defende que a admissibilidade da prova ilcita em favor da sociedade est limitada prtica de tortura, que em razo de violar normas de direito natural, anteriores e superiores s prprias Constituies, jamais pode ser admitida.

    Com a exposio dos argumentos supra mencionados, verifica-se, portanto que a corrente que defende a admissibilidade da prova ilcita em casos excepcionais funda-se na aplicao do princpio da proporcionalidade em situaes de existncia de conflito entre direitos fundamentais. Sendo assim, em resumo, a regra que a prova ilcita em favor da sociedade permanea vedada, mas a proporcionalidade permita sua admisso

    55

    LACHI, R. Excees inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal brasileiro. Revista Jurdica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 92, nov. 2008.

    56 MORAES, A. de. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2006, p. 100.

    57 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 308.

  • 14

    excepcionalmente, enquanto que no caso de existncia de prova ilcita em favor do ru, esta deva ser admitida em regra (LACHI)58.

    2.3 PROVA ILCITA POR DERIVAO

    Segundo AVOLIO59 as provas ilcitas por derivao60 so aquelas que so provas lcitas, mas que por serem oriundas de informao extrada de uma prova obtida por meio ilcito, no so admissveis no processo. o denominado efeito expansivo da ilicitude ou prova reflexa. A prova aparentemente lcita, mas derivou-se de uma ilicitude. Os frutos da rvore so aparentemente sadios, mas a rvore est contaminada (the fruits of the poissonous tree61) (GIACOMOLLI)62.

    ARANHA63 cita como exemplo de uma prova ilcita por derivao uma busca e apreenso obtida com a devida autorizao judicial, porm gerada por uma escuta telefnica ilegalmente realizada. A busca e apreenso autorizada seria uma prova lcita, porm em razo de ser fruto de informaes obtidas por meio de uma prova ilcita (interceptao telefnica ilegal), esta viciou a primeira prova revestindo-a de ilicitude.

    BONFIM64 menciona que a referida doutrina sustenta-se em um argumento relacional, isto , para que uma determinada prova seja enquadrada como fruto de uma rvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexo entre ambos os extremos da cadeia lgica; sendo assim, necessita-se esclarecer quando a primeira ilegalidade condio sine qua non e motor da obteno das provas derivadas, que no teriam sido obtidas caso inexistisse a citada ilegalidade originria.

    Com a promulgao da Lei 11.690/08, a teoria dos frutos da rvore envenenada passou a integrar o ordenamento jurdico de forma expressa. Conforme a redao do art. 157 1 do CPP: So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas, salvo quando no

    58

    LACHI, R. Excees inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal brasileiro. Revista Jurdica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 96, nov. 2008.

    59 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 114. 60

    A Constituio Federal deixou em aberto a questo da admissibilidade das provas ilcitas por derivao. 61

    Segundo ASSIS a teoria do fruits of the poisonous tree ou Frutos da rvore envenenada diz respeito ao conjunto de regras jurisprudenciais nascidas na Suprema Corte norte-americana; sendo adotada com o objetivo de reafirmar os fundamentos ticos e dissuasivos da ilegalidade estatal em que se baseia. (ASSIS, D. C. de. Provas ilcitas no processo penal vedao constitucional e o direito de defesa. Revista Jurdica Unijus, Uberaba-MG, v. 12, n. 16, p. 176, maio 2009).

    62 GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 39.

    63 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 68.

    64 BOMFIM, E. M. Curso de processo penal. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 313.

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    evidenciado o nexo de causalidade de umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

    Com o referido dispositivo percebe-se que nem todas as provas derivadas das ilcitas so inadmissveis no sistema jurdico brasileiro. Segundo GIACOMOLLI65 em duas hipteses so admissveis as provas derivadas das ilcitas: a) inexistncia da conexo entre a ilicitude e a licitude (independent source) e, derivadas desta regra geral; e b) reconhecimento da descoberta inevitvel da prova (inevitable Discovery ou a hipothetical independent source rule).

    No que tange a exceo de inexistncia de conexo, ela ocorrer quando ficar demonstrada a inexistncia de relao de causalidade entre a prova lcita e ilcita, ou seja, a ilicitude da prova restaria afastada caso haja a comprovao de que a prova no decorre da prova ilcita originria, mas sim de fonte independente (CARVALHO)66. Esta a exceo ento prevista no 1 do art. 157 do CPP.

    Com relao exceo da descoberta inevitvel, segundo CARVALHO67 esta dever ser aplicvel quando ficar demonstrado que a prova seria produzida de qualquer forma, independentemente da prova ilcita originria. Sendo assim, a indesejvel contaminao da prova ilcita originria ser afastada toda vez que os prprios trmites da investigao ou da instruo criminal forem capazes de conduzir ao fato, objeto da prova, por meio legtimo, independentemente daquele outro viciado. Alguns doutrinadores defendem que essa hiptese foi a disciplinada pelo 2 do art. 157 do CPP, embora o legislador tenha demonstrado a sua pretenso de descrever a fonte independente68.

    GIACOMOLLI69 destaca as distines acerca das referidas excees da inadmissibilidade das provas derivadas das ilcitas:

    Na realidade, quando se afasta o nexo causal, se est falando de fonte independente, de uma origem lcita e diferenciada, mas quando se fala em descoberta inevitvel, se est mantendo a derivao, a ilicitude anterior contaminante da prova. Esta admitida pelo CPP porque, atravs de outros meios lcitos, se chegaria ao mesmo resultado, de forma inevitvel. Ento, quando se fala em descoberta inevitvel, no h prova produzida por fonte independente, mas a ela seria possvel chegar, hipoteticamente, atravs da fonte independente (curso causal hipottico).

    65

    GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 41. 66

    CARVALHO, W.C. de. As provas ilcitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 51, jun./.jul. 2009.

    67 CARVALHO, W.C. de. As provas ilcitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do

    Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 21, n. 6/7, p. 51, jun./.jul. 2009. 68 Art. 157 2 do CPP: Considera-se fonte independente aquela que por si s, seguindo os trmites tpicos e de

    praxe, prprios da investigao ou instruo criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. 69

    GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 46.

  • 16

    LACHI70 tece crticas a respeito da abrangncia das referidas excees legais, argumentando que poderia esvaziar uma garantia constitucional, que a vedao da utilizao da prova ilcita. O autor refere a dificuldade de se imaginar situaes em que se possa descartar at as mais remotas possibilidades de a autoridade policial descobrir a prova por meio de suas atividades investigativas; sendo assim, subsiste o risco de praticamente toda prova possa ser considerada descoberta inevitvel e excepcione a vedao.

    3 INTERCEPTAO TELEFNICA

    3.1 CONCEITO DE INTERCEPTAO TELEFNICA

    Segundo CAPEZ71 interceptao provm de interceptar intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcanando a conduta de terceiro que, estranho conversa, se intromete a toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores.

    Sendo assim, no aspecto jurdico PRADO72 refere que a interceptao o ato de interferir nas comunicaes telefnicas, de modo a impedi-las ou de forma a ter acesso ao seu contedo.

    Segundo AVOLIO73 o que se mostra essencial para a noo de interceptao o fato de a operao telefnica ter sido efetuada por uma pessoa estranha conversa, e que esse terceiro estivesse investido do intuito de tomar conhecimento de circunstncias, que, de outra forma, lhe permaneceriam desconhecidas.

    Desta forma, a interceptao telefnica em sentido estrito a captao de conversa telefnica por um terceiro sem conhecimento dos interlocutores. GRINOVER74 et. al. acrescenta que aquela que se efetiva pelo grampeamento, isto , pelo ato de interferir numa central telefnica, nas ligaes da linha do telefone que se quer controlar, a fim de ouvir e/ou gravar conversaes.

    70

    LACHI, R. Excees inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal brasileiro. Revista Jurdica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 89, nov. 2008.

    71 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 315.

    72 PRADO, L. C. Provas ilcitas: teoria e a interpretao dos tribunais superiores. So Paulo: Impetus, 2009, p. 23.

    73 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 118. 74

    GRINOVER, A. P et. al. As nulidades no processo penal. 8. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 207.

  • 17

    3.2 DIFERENAS ENTRE INTERCEPTAO TELEFNICA, GRAVAO CLANDESTINA E ESCUTA TELEFNICA

    Distines entre intercepo telefnica, gravao clandestina e escuta telefnica so importantes para a determinao da aplicao da Lei 9.296/96; bem como para o fim de incidncia do tipo penal previsto no art. 10 do referido diploma, que incidir no caso de interceptao telefnica75.

    Segundo GOMES e CERVINI76 existem trs tipos de gravao telefnica: a) a interceptao telefnica, em que a gravao da conversa entre os interlocutores concretiza-se sem o conhecimento dos mesmos - a denominada interceptao telefnica em sentido estrito; b) gravao clandestina, quando um dos interlocutores realiza a gravao da conversa, sem conhecimento do outro e; c) escuta telefnica77, em que terceiro realiza a captao da conversa com a anuncia de um dos interlocutores.

    AVOLIO78 apresenta os conceitos de interceptao ambiental, escuta ambiental e gravao ambiental: a) interceptao ambiental ou interceptao entre presentes a captao sub-reptcia da conversa entre presentes, realizada por terceiro, no ambiente em que se encontram os interlocutores, com o desconhecimento destes; b) escuta ambiental quando a interceptao de conversa entre presentes, por terceiro, efetiva-se com o conhecimento de um dos interlocutores; e c) a gravao ambiental consiste no registro da conversa entre presentes por um dos participantes, com o desconhecimento do outro.

    3.3 NATUREZA JURDICA DA INTERCEPTAO TELEFNICA

    Segundo GRINOVER et. al., o provimento judicial que autoriza a execuo das interceptaes telefnicas tem natureza cautelar, tendo por objetivo assegurar as provas por meio da fixao dos fatos da forma como se apresentam no momento da conversa. Conforme

    75

    Art. 10 da Lei 9.296. Constitui crime realizar interceptao de comunicaes telefnicas, de informtica ou telemtica, ou quebrar segredo da Justia, sem autorizao judicial ou com objetivos no autorizados em lei. Pena: recluso, de dois a quatro anos, e multa.

    76 GOMES, L. F; CERVINI, R. Interceptao telefnica. So Paulo: RT, 1997, p. 65.

    77 A escuta telefnica chamada pela doutrina de interceptao telefnica lato sensu, pois em que pese um dos interlocutores tenha conhecimento da conversa, realizada por terceiro.

    78 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 122.

  • 18

    nomenclatura utilizada por MENDES79, a interceptao medida cautelar preparatria quando realizada na fase policial, e incidental quando realizada na Justia durante instruo.

    AVOLIO80 acrescenta que a medida cautelar visa evitar a modificao da situao existente ao tempo do crime durante a tramitao do processo principal. A tutela cautelar torna-se necessria diante da impossibilidade de se fazer com rapidez e segurana jurdica o processo de conhecimento condenatrio.

    Diante do mencionado, verifica-se que a natureza acauteladora da interceptao telefnica reclama o desconhecimento por parte do seu sujeito passivo, sob pena de frustrar o sucesso da efetivao da medida. Conforme lio de MENDES81:

    O deferimento da medida inaudita altera pars, no tendo o investigado conhecimento de que sua conversa est sendo captada, mas, ao se conclurem as diligncias, ser levantado o sigilo, podendo o investigado valer-se de habeas corpus para impugnar a medida se tiver havido nulidade. Entende Gomes que se o pedido for indeferido o Ministrio Pblico pode ingressar com mandado de segurana. (grifo do autor)

    Ensina GRINOVER82 et. al. que para a concesso da interceptao telefnica exige-se a presena dos dois requisitos que justificam as medidas cautelares: o fumus boni juris e o periculum in mora. A apreciao acerca da existncia do primeiro requisito pelo juiz questo complexa, em razo de que o mesmo deve dispor de elementos seguros da existncia de crime, de extrema gravidade, capazes de justificar o sacrifcio da privacy. No que tange ao segundo requisito, deve ser analisado o risco ou prejuzo que a no concesso da medida cautelar possa resultar para investigao ou instruo processual (AVOLIO)83.

    Para ser caracterizada a existncia de fumus boni iuris (aparncia de bom direito) no processo penal, se faz necessria a concorrncia de duas exigncias: a probabilidade de autoria ou participao numa infrao penal-relacionada ao agente; e 2) a probabilidade de

    79

    MENDES, M. G. de. Direito intimidade e interceptaes telefnicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p.178.

    80 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.120. 81

    MENDES, M. G. de. Direito intimidade e interceptaes telefnicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 182.

    82 GRINOVER, A. P et. al. As nulidades no processo penal. 8. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.209.

    83 AVOLIO, L. F. T. Provas ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.120.

  • 19

    existncia de uma infrao penal-relacionada infrao propriamente dita, sua materialidade (GOMES e CERVINI)84.

    3.4 REQUISITOS PARA A INTERCEPTAO TELEFNICA

    A Lei 9.296/96 no define as hipteses de cabimento da interceptao telefnica, mas os casos em que excluda a possibilidade de decretao da medida85, tratando-se assim de requisitos negativos. BADAR86 defende que se a regra a liberdade de comunicao, o legislador deveria ter previsto estrita e expressamente as hipteses em que seria cabvel o afastamento do sigilo telefnico, a fim de evitar que, fora o campo de excluso, em todas as demais hipteses seja cabvel a interpretao, com um alargamento da exceo.

    Neste contexto, CAPEZ87 destaca os principais requisitos legais para o deferimento da interceptao telefnica so: a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ao principal; b) Indcios razoveis de autoria ou participao em infrao penal; c) Que a infrao penal seja crime punido com recluso; d) Que no exista outro meio de se produzir a prova; e) Que tenha por finalidade instruir investigao policial ou processo criminal.

    a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ao principal88

    Segundo CAPEZ89 apenas o juiz competente para o julgamento da ao principal poder determinar o afastamento do sigilo telefnico, excluindo assim, o Promotor de Justia e o Delegado de Polcia.

    Conforme STRECK90 juiz competente significa que, na hiptese de o investigado ter prerrogativa de foro, a autorizao da interceptao telefnica apenas pode ser concedida pelo seu juiz natural. O autor exemplifica que no caso do investigado ser juiz, apenas o Presidente do Tribunal que pode autorizar a medida cautelar, ocorrendo a mesma situao nos casos de membros do Ministrio Pblico e deputados federais; j na hiptese de ser o investigado

    84

    GOMES, L. F.; CERVINI, R. Interceptao telefnica. So Paulo: RT, 1997, p.67. 85

    Art. 2 da Lei 9.296/96. 86

    BADAR, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.287. 87

    CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.321. 88

    Art. 1 da Lei 9.296/96: A interceptao de comunicaes telefnicas, de qualquer natureza, para prova em investigao criminal e em instruo processual penal, observar o disposto nesta Lei e depender de ordem do juiz competente da ao principal, sob segredo de justia.

    89 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.321.

    90 STRECK, L. L. As interceptaes telefnicas e os direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do

    Advogado, 2001, p.42.

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    governador de Estado, quem pode autorizar a interceptao telefnica o Presidente do Superior Tribunal de Justia.

    MENDES, COELHO e BRANCO91 sustentam que a verificao a posteriori de que se trata de crime para o qual o juiz seria incompetente, no deve ensejar a nulidade da prova colhida, em razo de que sendo o procedimento cautelar, basta que exista, ab initio, o fumus boni iuris.

    b) Indcios razoveis de autoria ou participao em infrao penal

    GOMES e CERVINI92 afirmam que a medida cautelar ser executada quando houver indcios razoveis de autoria ou participao em infrao penal93, ressaltando a inadmissibilidade pela lei de medida de prospeco- se determinada pessoa estaria ou no envolvida em algum crime- tampouco de medida que se possa solicitar na fase pr-delitual, ou seja, preventiva. Os autores sustentam a necessidade da existncia concretamente de um fato que v alm de mera suspeita.

    c) Que a infrao penal seja crime punido com recluso94

    O afastamento de sigilo telefnico ser admissvel apenas quando o fato investigado constituir infrao penal punida com recluso, excluindo assim os crimes punidos com deteno e as contravenes penais (CAPEZ)95.

    CAPEZ96 critica a extenso do critrio legal, sustentando que ao elencar genericamente todas as infraes penais apenas com recluso como objeto da interceptao estendeu demasiadamente o rol dos crimes passveis de serem investigados por meio do afastamento do sigilo telefnico, crimes que muitas vezes, no apresentam maior gravidade, no justificando o sacrifcio de um direito fundamental como o sigilo das comunicaes telefnicas.

    91

    MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 694.

    92 GOMES, L. F.; CERVINI, R. Interceptao telefnica. So Paulo: RT, 1997, p.54.

    93 Art. 2, I, da Lei 9.296. No ser admitida a interceptao de comunicaes telefnicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipteses: I-No houver indcios razoveis da autoria ou participao em infrao penal;

    94 Art. 2, III, da Lei 9.296/96: No ser admitida a interceptao de comunicaes telefnicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipteses: [...] III - o fato investigado constituir infrao penal punida, no mximo, com pena de deteno.

    95 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.323.

    96 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.323.

  • 21

    CAPEZ97 defende neste caso a necessidade de incidncia da proporcionalidade dos bens jurdicos envolvidos, afastando o sacrifcio do sigilo telefnico em prol de um bem de menor valor.

    Por outro lado, BADAR98 ressalta que o critrio legal restrito demais ao considerar apenas a gravidade do crime, argumentando que h infraes penais que embora no sejam graves, em funo de particularidades da forma de seu conhecimento, apenas podem ser apuradas por meio de interceptao telefnica, como por exemplo, o crime de ameaa.

    Entretanto, NUCCI99 afirma que a jurisprudncia tem admitido que as infraes apenadas com deteno comportem interceptao telefnica desde que sejam conexas aos crimes cuja pena seja de recluso.

    d) Que no exista outro meio de se produzir a prova100

    Conforme BADAR101 para que possa ser autorizada a interceptao telefnica deve haver a demonstrao da impossibilidade de que a investigao seja feita por diferentes meios disponveis como, por exemplo, a busca e apreenso, o reconhecimento pessoal, as provas testemunhais. necessria a indicao concreta de que a reconstruo dos fatos impossvel sem a interceptao telefnica.

    No mesmo sentido, FERNANDES102 ressalta que s ser admitida a interceptao telefnica se este for o nico meio capaz de evidenciar a autoria e a materialidade do crime, sob pena de no ser colhido importante elemento de prova.

    e) Que tenha por finalidade instruir investigao policial ou processo criminal

    Segundo CAPEZ103 no se admite o afastamento do sigilo telefnico com a finalidade de instruir processo cvel, como por exemplo, em ao de separao por adultrio, em que comum detetives grampeando o telefone do cnjuge suspeito, j que a autorizao s cabvel em matria criminal.

    97

    CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p.323. 98

    BADAR, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.288. 99 NUCCI, G.de S. Leis penais e processuais penais comentadas. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 100 Art. 2, II, da Lei 9.296/96: No ser admitida a interceptao de comunicaes telefnicas quando ocorrer

    qualquer das seguintes hipteses: [...] II - a prova puder ser feita por outros meios disponveis; 101

    BADAR, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.287. 102

    FERNANDES, A. S. Processo penal constitucional. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 107. 103

    CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 323.

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    Sendo assim, a interceptao telefnica s possvel no mbito penal, conforme previso do art. 1 da Lei 9.296/96, nos casos de investigao criminal e instruo processual.

    ARANHA104 refere que para a validade do procedimento de interceptao telefnica, h necessidade da observncia tambm dos seguintes aspectos previstos na Lei 9.296/96:

    a) O pedido dever ser formulado pela autoridade policial ou representante do Ministrio Pblico, fundamentado com descrio sobre o que incidir a investigao e por que se deduz sobre a autoria;

    b) O pedido fundamentado dever ser acompanhado dos meios investigatrios a serem utilizados;

    c) Formulado o pedido, com ou sem manifestao do Ministrio Pblico, o juiz decidir tambm fundamentadamente;

    d) O prazo da diligncia de 15 dias, com possibilidade de renovao por igual perodo, caso seja comprovada a necessidade;

    e) A interceptao deve ser gravada e uma vez feita ser procedida a transcrio, conhecida como degravao. Se necessria, a prova pericial poder examinar e concluir sobre a autenticidade ou no da voz, por meios tcnicos.

    f) Realizada a diligncia a autoridade requerente e autorizada far um auto com resumo do que foi obtido, remetendo ao juzo a fita com a gravao que interesse e sua respectiva transcrio;

    g) Em juzo ser determinado o apensamento aos autos, com a determinao de serem destrudas as partes que no forem de interesse ao processo.

    Em sntese, portanto, verifica-se que para ser vlido o procedimento de interceptaes telefnicas e conseqentemente para que a prova possa ser admitida no processo, devem ser observados os referidos requisitos constantes da Lei 9.296/96.

    4 ANLISE JURISPRUDENCIAL DAS INTERCEPTAES TELEFNICAS

    4.1 INTERCEPTAES TELEFNICAS E A POSIO DO STJ

    1. Deciso proferida pela 5 Turma do Superior Tribunal de Justia, no Habeas corpus 143.697-PR (paciente Osni Muccelin Arruda), publicada em 13/10/09,

    104

    ARANHA, A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 288.

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    tendo por Relator o Ministro Napoleo Nunes Maia Filho, em que era impugnado acrdo do Tribunal Regional Federal da 4 Regio.

    No Habeas corpus em questo, o paciente denunciado pela prtica de supostos crimes de descaminho, falsificao de documento particular, falsidade ideolgica, uso de documento falso e formao de quadrilha, pugnou pela total excluso do processo de provas fruto de interceptaes telefnicas. No obstante o reconhecimento da ilicitude das referidas provas pelo Tribunal a quo (autoridade coatora), estas no foram desentranhadas dos autos do processo penal, sob o fundamento de que os efeitos da ilicitude deveriam ser dosados na pertinente sentena e apelao amparado no princpio da razoabilidade.

    No acrdo impugnado foi reconhecida a invalidade da interceptao telefnica como meio de prova, visto que ausente a justificativa relativa indispensabilidade da medida que sofreu prorrogao por quase um ano (16 decises), acarretando a violao do disposto no art. 5 da Lei 9.296/96. Isto porque, a prpria autoridade policial reconheceu em seus relatrios que alguns dos nmeros no tiveram maiores relaes com o delito em questo, bem como em razo de que o referido Tribunal no reconheceu fundamentao genrica do juiz de 1 grau ao longo das prorrogaes em que apenas remeteu-se aos mesmos fundamentos no momento da primeira autorizao da execuo da medida.

    Com efeito, o Superior Tribunal de Justia decidiu que uma vez reconhecida a ilicitude da interceptao telefnica como meio de prova, o resultado desta deve ser desconsiderado pelo Juzo e desentranhado do processo, visto no ser admitido no processo a utilizao de provas obtidas por meios ilcitos para embasar a persecuo penal ou eventual condenao. Diante disso, o Superior Tribunal concedeu a ordem para determinar a excluso do processo das provas ilcitas, com desentranhamento dos autos.

    O critrio de deciso utilizado pelo Superior Tribunal de Justia no caso em tela foi o de proteo do princpio da vedao das provas ilcitas no processo penal, garantido pela Constituio Federal no seu art. 5, LVI. Sendo assim, o referido tribunal aplicou a determinao legal prevista no art. 157 do CPP de desentranhamento do processo das provas obtidas por meios ilcitos.

    A soluo do Tribunal Superior mostra-se adequada, visto que a deciso da autoridade impetrada de reconhecimento de prova ilcita no processo incua se desacompanhada do desentranhamento da prova dos autos.

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    2. Deciso proferida pela 6 Turma do Superior Tribunal de Justia, no Recurso em Habeas corpus 20.472-DF (paciente Hermes Batista Tosta), publicada em 9/11/09, tendo por Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em que era impugnado acrdo do Tribunal de Justia do Distrito Federal e dos Territrios.

    No Recurso em habeas corpus em anlise, o recorrente denunciado pela prtica de eventuais crimes previstos nos arts. 12 e 14 da Lei 6.368/76105 pleiteou a anulao de ao penal no Superior Tribunal de Justia, sustentando que o recorrido no momento de apreciao de habeas corpus no apurou a violao da garantia da ampla defesa supostamente sofrida em virtude de ausncia de juntada aos autos de degravao anteriormente audincia de instruo, circunstncia que acarretou a denegao da ordem.

    No acrdo impugnado o Tribunal de Justia do Distrito Federal no reconheceu o sofrimento por parte do ora recorrente de violao de seu direito ao contraditrio, tampouco cerceamento de defesa, em razo de que foi constada nos autos a presena dos CDs oriundos das interceptaes telefnicas efetuadas, os quais foram disponibilizados Defesa dois dias antes da audincia de instruo. Sendo assim, o referido Tribunal decidiu no sentido de que a ausncia da juntada das degravaes das interceptaes telefnicas efetuadas no acarretou prejuzo Defesa do recorrente.

    O Superior Tribunal de Justia decidiu no mesmo sentido do recorrido, que no caso concreto no foi detectado prejuzo para o ru, j que em que pese o juzo de primeiro grau no tenha acolhido o pleito de degravao das conversas captadas em interceptaes telefnicas, houve a disponibilizao da mdia com as referidas gravaes, no restando configurada a agresso ao direito ampla defesa.

    O critrio de deciso utilizado pelo Superior Tribunal de Justia neste caso foi o da ausncia de prejuzo ao ru. Por este princpio no h nulidade se no houver prejuzo parte conforme dispe o art. 563 do CPP106.

    3. Deciso proferida pela 5 Turma do Superior Tribunal de Justia, no Habeas corpus 128.087-SP (paciente Luiz Augusto de Medeiros Monteiro de Barros e outros), publicada em 14/12/09, tendo por Relator o Ministro Jorge Mussi, em que era impugnado acrdo do Tribunal Regional Federal da 3 Regio.

    105

    Revogada pela Lei 11.343/06 (Lei dos txicos). 106

    Redao do art. 563 do CPP: Nenhum ato ser declarado nulo, se da nulidade no resultar prejuzo para a acusao ou defesa.

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    No Habeas corpus em questo, os investigados pela prtica de supostos crimes de apropriao indbita e sonegao fiscal, pugnaram pelo reconhecimento da ilegalidade da autorizao judicial que deu origem ao procedimento de interceptaes telefnicas em sede de inqurito policial, sustentando a inexistncia de indcios acerca da autoria ou participao em infrao penal, bem como de demonstrao de inviabilidade de produo da prova por outros meios que no o do afastamento do sigilo telefnico.

    No acrdo impugnado o Tribunal Regional Federal da 3 Regio denegou a ordem de habeas corpus, argumentando que a autorizao das interceptaes telefnicas apresentava fundamentao e estava amparada em elementos de prova colhidos no mbito administrativo. Alm disso, mencionou que no processo administrativo-fiscal houve lanamento de crdito, havendo indcios de extensa atividade ilcita de sonegao fiscal e dissimulao pela distribuio da gerncia a terceiros no beneficiados pelo ilcito.

    O Superior Tribunal de Justia decidiu pelo reconhecimento da ilicitude das interceptaes telefnicas, em virtude de que no foram respeitados os requisitos para a autorizao das interceptaes telefnicas. Consta nos autos que a representao policial pela execuo da medida no foi instruda com um mnimo de indcios capazes de atribuir a autoria de tais fatos s pessoas detentoras dos terminais telefnicos objeto das interceptaes. Isto porque poderiam ter sido colhidos depoimentos dos scios da empresa investigada antes da autorizao judicial em questo, ato que inmeras vezes foi postergado, tendo sido realizado apenas posteriormente ao deferimento da medida cautelar. Alm disso, a deciso judicial deixou de apontar as atividades exercidas na empresa investigada pelas pessoas que tiveram seus sigilos telefnicos flexibilizados.

    Outrossim, o Superior Tribunal reconheceu a ilegalidade do afastamento de sigilo telefnico para a colheita de provas visando a apurao de eventual crime de sonegao fiscal, em razo de que jurisprudncia consolidada naquela Corte a vedao de qualquer procedimento investigatrio do referido crime, sem que tenha havido a constituio do crdito tributrio supostamente sonegado.

    O critrio de deciso utilizado pelo Superior Tribunal de Justia no presente caso foi o critrio legal de inadmisso do procedimento de interceptao telefnica quando no for demonstrada a existncia de indcios de autoria em infrao penal, assim como a imprescindibilidade a justificar a medida. Dessa forma, verifica-se a constatao de violao aos requisitos necessrios para a autorizao da medida cautelar, previstos no art. 2, incisos I e II da Lei 9.296/96.

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    4. Deciso proferida pela 5 Turma do Superior Tribunal de Justia, no Habeas corpus 138.933 - MS (paciente Mrcio Kanomata), publicada em 21/08/06, tendo por Relator o Ministro Napoleo Nunes Maia Filho, em que era impugnado acrdo do Tribunal Regional Federal da 3 Regio.

    No presente Habeas corpus substitutivo, o paciente acusado pela prtica de supostos crimes de contrabando, trfico de drogas e lavagem de dinheiro, pleiteou a declarao de ilegalidade e inconstitucionalidade de prova decorrente de procedimento de interceptaes telefnicas, sob o fundamento de que a autorizao das mesmas se deu pelo prazo de 30 dias, diferentemente do previsto em Lei, em que mencionado que a medida no pode exceder 15 dias, renovvel por igual perodo. Sustentou ainda, a ausncia de fundamentao da deciso que autorizou a cautelar, razo pela qual busca o desentranhamento dos autos das referidas provas.

    No acrdo impugnado o Tribunal Regional Federal da 3 Regio reconheceu a impossibilidade do juzo de inovar em matria legislativa, privativa do Congresso Nacional, ao deferir o monitoramento telefnico por 30 dias, quando a lei prev um prazo de 15 dias, prorrogvel por igual perodo. Contudo, ressaltou que a convico do magistrado a respeito do envolvimento dos investigados somada a extrema complexidade da organizao criminosa so argumentos aptos a justificar, neste caso excepcional, a fixao de prazo de interceptao telefnica superior ao patamar legal.

    O Superior Tribunal de Justia no reconheceu a nulidade da deciso que autorizou a interceptao telefnica pelo prazo de 30 dias consecutivos, sustentando que as circunstncias do caso concreto, tais como a quantidade de pessoas envolvidas e complexidade da organizao criminosa justificam o deferimento do referido prazo inicial, assim como sua prorrogao. Da mesma forma afastou a ausncia de fundamentao para o deferimento da medida cautelar.

    O critrio de deciso utilizado pelo Superior Tribunal de Justia neste caso foi o princpio da proporcionalidade. Como se observa em que pese tenha havido clara violao ao dispositivo do art. 5 da Lei 9.296/96, que prev a no possibilidade de a autorizao de monitoramento telefnico por prazo que no exceda 15 dias, renovvel por igual perodo se comprovada a necessidade, o Superior Tribunal ponderou como valor superior defesa da Lei, a gravidade do delito.

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    4.2 INTERCEPTAES TELEFNICAS E A POSIO DO STF

    1. Deciso proferida pela 1 Turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas corpus 87859-8-DF (paciente Cludio Alves Ribeiro), publicada em 14/09/07, tendo por Relator o Ministro Marco Aurlio, em que era impugnado acrdo do Superior Tribunal de Justia.

    No Habeas corpus em questo, o ru denunciado pela prtica de crime de trfico de entorpecentes, pugnou pelo reconhecimento da ilicitude de interceptaes telefnicas, sustentando a contaminao do processo, em funo de que o resultado da interceptao telefnica foi encaminhado ao Ministrio Pblico, quando deveria ter sido remetido ao juzo. Acrescentou ainda que o referido resultado no estava acompanhado de auto circunstanciado, sendo que o laudo elaborado mostrou-se deficiente, dele no constando referncia s datas em que procedidas as interceptaes telefnicas.

    No acrdo impugnado o Superior Tribunal de Justia decidiu que o fato das degravaes e as fitas obtidas por meio de interceptaes telefnicas terem sido encaminhadas ao Ministrio Pblico e no ao juzo, configura mera irregularidade, a qual se mostrou sanada no momento em que o parquet reconhecendo a incorreo encaminhou o referido material ao juzo. Alm disso, pronunciou-se no sentido que o auto circunstanciado no elemento essencial para a validade da prova, sendo incapaz de macular a interceptao telefnica. Por fim, ressaltou que restou operada a precluso quanto validade do procedimento, em razo de que a Defesa mostrou-se inerte ao longo do processo.

    O Superior Tribunal de Federal posicionou-se no sentido de que o auto circunstanciado elemento essencial validade da medida cautelar, conforme previsto no 2 do art. 6 da Lei 9.296/96. Por fim, no reconheceu a nulidade do procedimento de interceptaes telefnicas, amparado no argumento de que possvel vcio no restou apontado pela Defesa na oportunidade prpria, ou seja, foi configurada precluso conforme dispe o art. 572 do CPP.

    O critrio de deciso utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso concreto foi o princpio da convalidao, em razo da Defesa no ter impugnado em nenhum momento ao longo do processo a validade do procedimento das interceptaes telefnicas. Ou seja, a ausncia de argio de nulidade relativa em tempo oportuno, sana o vcio processual.

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    2. Deciso proferida pela 2 Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 85.575-0-SP (recorrente Jorge Luiz Bezerra da Silva), publicada em 16/03/07, tendo por Relator o Ministro Joaquim Barbosa, em que era impugnado acrdo do Superior Tribunal de Justia.

    No Recurso ordinrio em habeas corpus, o ru denunciado pela prtica de formao de quadrilha, pleiteou o reconhecimento da ilegalidade e invalidade das interceptaes telefnicas, alegando que o prazo de monitoramento ultrapassou 30 dias, excedendo, portanto, o prazo disposto no art. 5 da lei 9.296/96.

    No acrdo impugnado o Superior Tribunal de Justia denegou a ordem, pronunciando-se no sentido de que as interceptaes telefnicas, autorizadas judicialmente, perduraram por perodo necessrio elucidao dos fatos delituosos, revestidos de complexidade e envolvendo organizao criminosa, razo pela qual sustentou a no ocorrncia de violao Lei 9.296/96.

    O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que estando as prorrogaes de interceptao telefnica devidamente fundamentadas pelo juiz, no h obstculo para a renovao, nem ficam maculadas como ilcitas as provas derivadas da interceptao. O Relator do recurso ressaltou que a restrio do prazo em 30 dias em deciso judicial, comprometeria a eficcia da medida cautelar, visto que o caso concreto envolvia organizao criminosa complexa formada por magistrados e policiais federais.

    O critrio de deciso utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso em tela foi o princpio da proporcionalidade. Como se percebe o referido tribunal pondera a necessidade de apurao de ilcitos de grande complexidade como valor superior limitao legal da prorrogao, tendo por base a finalidade da Lei.

    3. Deciso proferida pela 2 Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 83.859-6-SP (recorrente Heitor Borges da Silva Filho), publicada em 30/04/04, tendo por Relatora a Ministra Ellen Gracie, em que era impugnado acrdo do Superior Tribunal de Justia.

    No Recurso ordinrio em habeas corpus em questo, o ru denunciado pela prtica de trfico de entorpecentes, pleiteou o reconhecimento da ilicitude das interceptaes telefnicas, argumentando que as decises que autorizaram a medida cautelar careceriam de fundamentao.

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    No acrdo impugnado foi afastada a alegao de ausncia de fundamentao das decises que deferiram os pedidos de interceptao telefnica.

    O Supremo Tribunal Federal negou provimento ao recurso, sustentando que o pedido de interceptao telefnica realizado no caso concreto estava fundamentado, razo pela qual se conclui que o deferimento da solicitao pelo juiz significa que ele, implicitamente, endossou a fundamentao da autoridade policial.

    O critrio de deciso utilizado pelo Supremo Tribunal Federal neste caso foi o da observncia ao princpio da motivao das decises judiciais. O referido tribunal concluiu que a motivao se fez presente nas decises judiciais que autorizaram as interceptaes telefnicas, por meio do entendimento de que se a autoridade judicial aceitou o pedido motivado, o acolheu pelos seus prprios fundamentos. Dessa forma no sendo constatada a violao ao art. 5 da Lei 9.296/96 e ao art. 93, IX, da Constituio Federal.

    4. Deciso proferida pela 1 Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 92.488-3-RJ (recorrente Ricardo Dantas Valente), publicada em 12/12/08, tendo por Relator o Ministro Marco Aurlio, em que era impugnado acrdo do Superior Tribunal de Justia.

    No Recurso ordinrio em habeas corpus, o ru denunciado pela prtica de trfico internacional de entorpecentes, pleiteou o reconhecimento da nulidade do processo, em razo do juzo ter indeferido a percia e a anlise comparativa de voz em trechos de degravaes no reconhecidos por ele, os quais teriam servido de fundamento para a sentena condenatria, visto que no foi determinado judicialmente o desentranhamento do respectivo udio dos autos. O recorrente frisa que o indeferimento da citada diligncia requerida pela defesa violou o princpio do devido processo legal, da no culpabilidade, do contraditrio e da ampla defesa.

    No acrdo impugnado o Superior Tribunal de Justia denegou a ordem de habeas corpus, pronunciando-se no sentido de que embora o juzo tenha indeferido a percia de voz requerida pelo ru, consignou expressamente que os dilogos, cuja autenticidade foi impugnada pelo ru, no seriam utilizados isoladamente como prova na ao penal, no subsistindo constrangimento ilegal e prejuzo ao ru.

    O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que o juiz ao indeferir a diligncia relativa realizao da prova pericial, registrou na sentena proferida, que os trechos resultantes da interceptao telefnica cuja autoria foi negada pela defesa seriam desconsiderados para o fim de fundamentao da condenao. O relator do recurso ressaltou

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    que consta nos autos que o convencimento do magistrado sobre a culpabilidade do ru estava amparado na confisso do mesmo em sede policial, bem como em depoimentos colhidos em juzo, tendo sido desconsiderados os trechos da interceptao telefnica impugnados.

    O critrio de deciso utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso em questo foi a inexistncia de cerceamento de defesa, em funo de ter sido concludo que o decreto condenatrio no estava amparado em trechos de conversas telefnicas impugnadas pela Defesa aos quais se buscaram a prova pericial, denegada pelo juzo.

    CONSIDERAES FINAIS

    A interceptao telefnica tem sido objeto de diversas pesquisas e discusses no mundo jurdico, em funo de sua importncia significativa enquanto instrumento de investigao criminal e meio de prova cada vez mais utilizado no processo penal brasileiro; bem como por constituir-se poderoso mecanismo de ingerncia no direito intimidade dos indivduos, direito fundamental assegurado constitucionalmente.

    A interceptao telefnica est disciplinada pela Lei 9.296/96, a qual regulamentou o art. 5, XII, da Constitucional Federal Brasileira, dispositivo que admite a exceo quebra do sigilo das comunicaes telefnicas, mediante autorizao judicial, nos casos de investigao e instruo processual.

    Na prtica forense, depara-se com diversos excessos e irregularidades nos procedimentos de interceptaes telefnicas, dos quais seu resultado demanda um exame pormenorizado de admissibilidade como meio de prova no processo penal pelos juzes e tribunais, visto que nossa Carta Constitucional prev, em seu art. 5, LVI, a vedao do uso de provas obtidas ilicitamente.

    Nesse contexto, o presente trabalho realizou uma anlise dos critrios preponderantes utilizados pelo Superior Tribunal de Justia e pelo Supremo Tribunal Federal em seus acrdos para decidir sobre a (in) validade da interceptao telefnica como meio de prova no processo penal. Para tanto, foram selecionados oito julgados dos referidos tribunais, em razo da importncia que os mesmos apresentam no sistema jurdico brasileiro, como ltimas instncias competentes para dizer o Direito, pela autoridade de seus argumentos.

    O estudo do direito prova no processo penal, das provas proibidas e da interceptao telefnica foi muito importante como embasamento terico para a realizao das anlises das decises propostas neste trabalho. Isto porque o direito prova assegura s partes a

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    possibilidade de utilizao, em regra, de qualquer meio de prova, inclusive a interceptao telefnica. Contudo, esta deve respeitar o procedimento disposto na Lei 9.296/96, sob pena de ser considerada prova ilcita por violao s normas legais ou constitucionais e inadmitida no processo. Entretanto, diante de alguma ilegalidade no referido procedimento, excepcionalmente, a interceptao telefnica poder ser admitida no processo, quando for para beneficiar o ru. Neste caso ser aplicado o princpio da proporcionalidade, em que sopesando os bens jurdicos, o direito liberdade por ser o de maior valor ser garantido em detrimento do direito intimidade.

    A anlise dos oito julgados no propicia que se faam generalizaes dos resultados do trabalho. Contudo, possvel concluir que os critrios mais aplicados pelos Tribunais Superiores para decidir acerca da (in) validade da prova de interceptao telefnica foram: o princpio da vedao das provas ilcitas no processo penal, ausncia de prejuzo ao ru, critrio legal de inadmisso do procedimento de interceptao telefnica quando no demonstrada a existncia de indcios de autoria em infrao penal, assim como imprescindibilidade da medida cautelar, princpio da proporcionalidade, princpio da convalidao, princpio da motivao das decises judiciais e princpio da inexistncia de cerceamento de defesa.

    O princpio da proporcionalidade foi o critrio mais utilizado pelos tribunais. Observou-se no exame do HC 138.933-MS, em que STJ no reconheceu a nulidade da deciso que autorizou a medida cautelar por prazo inicial de 30 dias; e no exame do HC 87859-8-DF, em que STF tampouco reconheceu a ilicitude das decises que prorrogavam a medida por prazo superior a 30 dias, uma flexibilizao relativa regra constante no art. 5 da Lei 9.296/96. Ambos os tribunais reconheceram que no obstante o prazo de execuo da medida seja de 15 dias, renovvel por igual perodo, quando comprovada a sua indispensabilidade; as circunstncias do caso concreto como complexidade dos delitos e organizaes criminosas envolvidas devem prevalecer sobre a formalidade legal, sob pena de frustrar a prpria finalidade da Lei, a investigao criminal.

    Os critrios de proteo ao princpio da vedao das provas ilcitas e de proteo Lei tambm foram identificados nos julgados. No HC 143.697-PR foi confirmada a invalidade das provas de interceptao telefnica, e determinado o desentranhamento das mesmas, negado pela autoridade coatora, sob o argumento de que deveriam os efeitos da ilicitude ser dosados na sentena. O STJ assim procedendo preservou o princpio constitucional da vedao de provas ilcitas no processo, posicionamento distinto faria com que o referido

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    reconhecimento se tornasse incuo, em razo de que no seria possvel garantir a iseno do juiz, caso as provas permanecessem nos autos. No HC 128.087-SP foi garantida a proteo lei com o reconhecimento da inadmisso de procedimento que desrespeitou dois requisitos da interceptao: existncia de indcios de autoria e imprescindibilidade a justificar a medida. Nestes casos, portanto, percebe-se que foram preservadas as garantias fundamentais dos indivduos contra arbitrariedades do Estado.

    Outros critrios que figuraram nas anlises foram os princpios da ausncia de prejuzo e o da inexistncia de cerceamento de defesa. No HC 20.472-DF no foi reconhecida a violao ao direito do contraditrio e da ampla defesa que supostamente o ru teria sofrido com a ausncia de juntada aos autos de degravao das interceptaes telefnicas, anteriormente audincia de instruo, pois foi constatada a disponibilizao pelo juzo dos respectivos udios, dois dias antes da referida audincia, no subsistindo prejuzo a Defesa. Entretanto, parece difcil definir se os dois dias de disponibilizao de mdias antes de audincia foi tempo razovel para garantia da defesa. Da mesma forma, o STF no HC 92.488-3-RJ afastou a alegao de cerceamento de defesa supostamente sofrido, em razo de o juiz ter indeferido diligncia relativa prova pericial, solicitada pela Defesa, devido a presena nos autos de trechos da interceptao cuja autenticidade da voz foi negada pelo ru, com fundamento no fato do decreto condenatrio estar amparado em outras provas que no s relativas ao referido trecho impugnado.

    No HC 87.859-6-SP no foi reconhecida a nulidade do procedimento de interceptaes telefnicas sob o fundamento de ter operado a convalidao, em razo de no sido apontado pela Defesa, na oportunidade prpria, eventuais vcios relativos ao erro de encaminhamento do resultado do procedimento ao Ministrio pblico, quando deveria ser remetido ao Juzo; bem como ausncia de auto circunstanciado. J no HC 83.859-6-SP, o STF reconheceu que se o pedido da autoridade policial estava fundamentado, e o juiz aceitou o pedido motivado, significava que teria o acolhido pelos seus prprios fundamentos, razo pela qual o tribunal concluiu que foi respeitado o princpio da motivao das decises judiciais.

    REFERNCIAS

    ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2008.

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