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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 489

(ano VII)

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BRASÍLIA ‐ 2015 

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

25/11/2015 Esdras Silva Pinto 

» A Lei de Arbitragem e as alterações promovidas pela lei n? 

13.129/15

ARTIGOS 

25/11/2015 Wanderson Lago Vaz » O direito à morte digna 

25/11/2015 Alice Saldanha Villar 

» Envio de cartão de crédito sem solicitação do consumidor: Nova Súmula 532 do STJ 

25/11/2015 Tatiana Waisberg 

» Os Atentados de Paris e o Falso Consenso no Combate ao Terrorismo Internacional 

25/11/2015 Vivian Valença dos Santos 

» Brigada Militar: a Aceleração do Processo de Desmilitarização Requerida pela 

Sociedade e Movida pela Classe Política 

25/11/2015 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Breve Painel à Carta de Lausanne (1990): Singelos Comentários 

25/11/2015 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» Requisitos caracterizadores da justa causa trabalhista 

 

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A LEI DE ARBITRAGEM E AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N? 13.129/15

ESDRAS SILVA PINTO: Bacharel em Direito pela Universidade de  Brasília.  Especialista  em  Processo  Civil  pelo  Instituto Ministro  Luiz  Vicente  Cernicchiaro.  Analista  Judiciário  do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Professor em  cursos  preparatórios  para  concursos  (Grancursos, Impacto,  Adição)  das  disciplinas  de  Direito  Administrativo, Direito  Constitucional,  Regimento  Interno  do  TJDFT, Provimento  Geral  da  Corregedoria  e  Lei  de  Organização Judiciária do TJDFT. 

RESUMO: Arbitragem é o meio alternativo de resolução de conflitos pelo qual as partes elegem, mediante convenção de arbitragem, um terceiro neutro e imparcial, denominado árbitro, para solucionar um conflito de interesses. Essa técnica heterocompositiva recebeu grande reforço da Lei n.° 13.129/15, tanto no campo procedimental quanto na disponibilização de instrumentos hábeis a conferir celeridade e eficiência à tutela arbitral. Como instrumentos conferidos pela Lei n.° 13.129/15, foi prevista a carta arbitral, pela qual um árbitro solicita a um órgão jurisdicional a prática de algum ato necessário para o procedimento arbitral ou que determine o cumprimento desse ato com os meios coercitivos de que dispõe o Poder Judiciário. Também foi prevista a concessão de tutelas cautelares e antecipadas àqueles que se encontrem em situação de urgência. Limitada a dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, a arbitragem representa um meio de aliviar a sobrecarga de demandas apresentadas ao Poder Judiciário, contribuindo, dessa forma, para a modernização dos meios de resolução de conflitos.

PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem. Lei nº 9.307/96. Lei n.° 13.129/15. Heterocomposição. Métodos alternativos de resoluções de conflitos. Carta Arbitral. Medidas cautelares ou de urgência.

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INTRODUÇÃO

A arbitragem, a conciliação, a mediação, como métodos alternativos de resolução de conflitos, têm despontado como possíveis soluções para reduzir a sobrecarga de processos levados ao Poder Judiciário, viabilizando a celeridade e a eficiência na solução de uma disputa e, por via reflexa, na prestação jurisdicional.

De início, serão tratados aspectos gerais da arbitragem, tais como seu conceito, distinção entre arbitragem de direito e de equidade, distinção entre convenção arbitral, cláusula compromissória e compromisso arbitral, entre outros aspectos.

Em seguida, será abordada a repercussão da Lei de Arbitragem – Lei nº 9.307/96 – nas relações da Administração Pública, verificando sobre a aplicabilidade desse meio de resolução alternativo de conflitos ao Poder Público.

Em seguida, será estudada a figura do árbitro, a partir de seu conceito, características, funções e forma de escolha, como também o procedimento arbitral e a sentença arbitral.

Por fim, serão analisadas as recentes alterações promovidas pela Lei n.° 13.129/15concernente às tutelas cautelares e de urgência no âmbito da arbitragem, também quanto à carta arbitral inovações. Por fim, veremos as alterações realizadas pela Lei n.° 13.129/15 na Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).

1. Aspectos gerais da arbitragem.

Arbitragem é o método alternativo de resolução de conflitos pelo qual as partes elegem, mediante convenção de arbitragem, um terceiro neutro e imparcial, que será denominado

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árbitro, para solucionar um conflito de interesses. Trata-se, portanto, de forma de heterocomposição de resolução de conflitos.

A sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, de modo a, sendo condenatória, receber tratamento legal de título executivo judicial (art. 31 da Lei n.º 9.307/96 e art. 475-N do Código de Processo Civil).

A sentença proferida pelo árbitro não ficará sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18 da Lei n.º 9.307/96).

De acordo com Carlos Alberto Carmona, a arbitragem é:

uma técnica para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial.[1]

A arbitragem só poderá dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1o,caput, da Lei n.º 9.307/96), podendo ser a arbitragem de direito ou de equidade, a critério das partes (art. 2o,caput, da Lei n.º 9.307/96).

Na arbitragem de direito, os árbitros decidem o litígio com base em regras de Direito (art. 2o, § 1o, da Lei n.º 9.307/96). As partes podem escolher as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Podem também convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio (art. 2o, § 2o, da Lei n.º 9.307/96).

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Na arbitragem de equidade, os árbitros decidem o conflito de acordo com aquilo que lhes parecer mais justo, razoável e equânime, ainda que sua decisão não encontre respaldo no ordenamento jurídico. Os árbitros poderão julgar com maior liberdade, decidindo de acordo com aquilo que lhes parecer mais justo e adequado, ainda que isso contrarie as regras de direito. A arbitragem de equidade é comumente utilizada para resolver conflitosenvolvendo conhecimentos técnicos muito especializados, em que há carência de regulamentação legal, tal como em questões relacionadas à engenharia genética ou à física nuclear.

As partes poderão submeter a solução de seus conflitos ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem. A convenção de arbitragem é gênero no qual se incluem duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

A cláusula compromissória é a convenção pela qual os contratantes se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente ao contrato por eles firmado (art. 4o,caput, da Lei n.º 9.307/96). A cláusula deverá ser escrita, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira. É uma cláusula prévia e abstrata, que não se refere a um conflito específico. Como regra, mesmo tendo pactuado previamente a cláusula compromissória, os interessados precisarão firmar compromisso arbitral para regular o modo pelo qual a arbitragem será feita.

O compromisso arbitral, por sua vez, é a convenção pela qual as partes submetem um conflito à arbitragem de um ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (art. 9o, caput, da Lei n.º 9.307/96). O compromisso arbitral não é prévio ao conflito, mas posterior ao surgimento do conflito, e representa a renúncia das partes ao direito de buscar a atividade jurisdicional estatal.

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O compromisso arbitral judicial não significa que a arbitragem será submetida ao Juiz de Direito: será feito por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal onde tramita o processo, para que seja submetido ao juízo arbitral (art. 9o, § 1o, da Lei n.º 9.307/96).

O compromisso arbitral extrajudicial será convencionado por escrito particular e será assinado por duas testemunhas ou, se as partes preferirem, poderá ser convencionado por instrumento público (art. 9o, § 2o, da Lei n.º 9.307/96).

2. Administração Pública e a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96).

Em sua redação original, a Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, também conhecida como “Lei de Arbitragem”, não previa expressamente a possibilidade de a Administração Pública celebrar convenção de arbitragem. Contudo, a possibilidade da utilização da arbitragem pela Administração Pública em contratos administrativos era prevista de forma pontual por algumas leis específicas, como a Lei n.° 11.079/04, que possibilitou a arbitragem nos casos envolvendo parcerias público-privadas (art. 11, III), e a Lei n.º 11.909/09, que tratou do transporte de gás natural (art. 21, XI).

Objetivando estender a utilização da arbitragem a todos os conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis da Administração, a Lei n.° 13.129, de 26 de maio de 2015, inseriu no art. 1º da Lei n.º 9.307/96 o seu § 1º, com o seguinte teor: “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Quanto à legitimidade do responsável para celebrar a convenção de arbitragem, a referida lei inseriu o § 2º ao

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art. 1º da Lei de Arbitragem, prevendo que “a autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”, a exemplo dos Ministros de Estado, no âmbito federal, e dos Secretários de Estado, no âmbito estadual, que, na forma da lei, tenham competência para assinar acordos no âmbito daquele órgão.

É importante esclarecer que a arbitragem possibilitada à Administração Pública é somente a arbitragem de direito, ou seja, aquela em que as partes podem escolher as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Além disso, será dada publicidade de todos os atos relacionados à arbitragem. Essa regra foi determinada pela inclusão do § 3º ao art. 2º da Lei n.º 9.307/96, que diz que: “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”.

3. O Árbitro.

O árbitro é o terceiro neutro e imparcial que, eleito pelas partes mediante convenção de arbitragem, tem a atribuição de solucionar o conflito de interesses das partes. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

As partes podem nomear um ou mais árbitros para funcionarem na arbitragem, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. Caso as partes nomeiem árbitros em número par, poderão nomear mais um árbitro. Não acordando os árbitros sobre a escolha do árbitro a ser nomeado, as partes deverão requerer ao órgão jurisdicional que seria competente para o julgamento da causa a nomeação do árbitro.

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O processo de escolha dos árbitros poderá ser obtido mediante acordo entre as partes. Não chegando a um consenso, poderão adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou de uma entidade especializada, pessoas jurídicas criadas para a solução extrajudicial de disputas por intermédio dos meios alternativos de resolução de conflitos (como mediação, negociação, conciliação e arbitragem). Se as partes não quiserem escolher os árbitros que decidirão a demanda de forma individualizada, poderão escolher uma dessas pessoas jurídicas para solucionar o seu problema.

Optando por eleger um órgão arbitral institucional ou uma entidade especializada, a princípio, a escolha dos árbitros se dará pelas regras previstas no estatuto da pessoa jurídica, podendo, inclusive, ocorrer pela utilização de uma lista de árbitros previamente cadastrados.

Neste ponto, a Lei n.° 13.129/15 acrescentou importante dispositivo, pelo qual as partes não ficarão vinculadas à escolha de árbitros que estejam na lista de profissionais do órgão arbitral institucional ou da entidade especializada. O § 4º do art. 13, assim, ficou com a seguinte redação:

As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável.

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Dessa forma, mesmo que o órgão arbitral institucional ou a entidade especializada conte com uma lista de árbitros, as partes estarão livres para escolher outros profissionais que não estejam naquela relação.

4. Procedimento Arbitral.

A arbitragem será instituída quando o árbitro aceitar a nomeação feita pelas partes ou, se forem vários árbitros, quando todos a aceitarem.

A Lei n.° 13.129/15 acrescentou regras ao procedimento arbitral, notoriamente na instituição da arbitragem. Havendo necessidade de esclarecer qualquer questão contida na convenção de arbitragem, o árbitro/tribunal arbitral e as partes, em conjunto, poderão elaborar adendo à convenção, que a integrará. É o que determina o §1º do art. 19 da Lei n.º 9.307/96, inserido pela Lei n.° 13.129/15:

Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral que há necessidade de explicitar questão disposta na convenção de arbitragem, será elaborado, juntamente com as partes, adendo firmado por todos, que passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem.

Além disso, o § 2º do art. 19 da Lei de Arbitragem, também inserido pela lei de 2015, fixou que “a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”.

É de se observar que a Lei n.° 13.129/15 não previu prazos de prescrição, se limitando a estabelecer mais uma causa interruptiva do prazo prescricional.

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5. Sentença Arbitral.

A sentença arbitral é título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, IV, do Código de Processo Civil. O juízo arbitral proferirá sentença no prazo estipulado pelas partes e, não tendo sido convencionado prazo, a apresentação da sentença deverá ocorrer em seis meses, contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

É permitida a prolação de sentenças parciais, de acordo com a Lei n.° 13.129/15. A redação original da Lei n° 9.307/96 vedava a sentença parcial, considerando nula a sentença que não decidisse todo o litígio submetido à arbitragem (como dispunha a revogada redação do art. 32, V, da Lei n° 9.307/96).

É possível, também, que as partes e os árbitros, de comum acordo, prorroguem o prazo para proferir a sentença final.

No tocante à correção de erro material da sentença arbitral ou ao esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou contradição, ou ao pronunciamento sobre ponto omitido a respeito do qual a decisão deveria ter se manifestado, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral a providência.

A antiga redação do art. 30 da Lei de Arbitragem dizia que o prazo para essa solicitação seria de 5 dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, sem exceções. A redação conferida ao caput do art. 30 pela Lei n.° 13.129/15 manteve o prazo de 5 dias, contudo, admitiu excepcionalmente outro prazo, quando for acordado entre as partes.

O mesmo ocorreu com o parágrafo único do art. 30, que previa que o árbitro ou o tribunal arbitral decidiria, “no prazo de dez

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dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29”. A nova redação redação admite que as partes alterem esse prazo, verbis: “O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez) dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e notificará as partes na forma do art. 29”.

No campo das nulidades, a Lei n.° 13.129/15 ampliou as hipóteses de nulidade. É que a redação anterior do inciso I do art. 32 estabelecia que a sentença arbitral seria nula se fosse for nulo o compromisso. De acordo com a nova redação, será nula a sentença arbitral em que “for nula a convenção de arbitragem”, ou seja, será nula tanto a sentença em que for nulo o compromisso arbitral quanto aquela em que for nula a cláusula compromissória.

Como dito anteriormente, a sentença proferida pelo árbitro não ficará sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Contudo, será possível à parte interessada pleitear ao órgão jurisdicional competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos na Lei n.º 9.307/96.

A ação declaratória de nulidade, parcial ou final, da sentença arbitral, seguirá o procedimento comum previsto no Código de Processo Civil e deverá ser ajuizada em até 90 dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos. Sendo declarada a nulidade da sentença arbitral, a sentença judicial declaratória de nulidade determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral.

Além da ação declaratória de nulidade, a declaração de nulidade da sentença arbitral poderá ser arguida mediante impugnação, nos moldes do art. 475-L e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.

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Esse controle judicial sobre a sentença arbitral se limita à análise de sua validade. Ela pode ser anulada se tiver vícios formais. Contudo, não poderá o Poder Judiciário revogá-la ou modificá-la adentrando o seu mérito.

Há de se registrar que a parte interessada poderá requerer em juízo a prolação de sentença arbitral complementar, caso o árbitro não decida todos os pedidos submetidos à arbitragem.

Nos casos de sentenças arbitrais estrangeiras, para serem reconhecidas ou executadas no território nacional, elas deverão ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça, que poderá denegá-las se forem constatados que : a) de acordo com a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem, ou; b) a decisão ofende a ordem pública nacional.

6. Tutelas cautelares e de urgência.

A Lei n.° 13.129/15 teve o mérito de corrigir uma grave falha existente na redação original da Lei nº 9.307/96: corrigir o vácuo que existia no tocante à possibilidade de concessão de tutelas cautelares e antecipadas àqueles que se encontrassem em situação de urgência.

Antes de instituída a arbitragem, caso as partes necessitem se socorrer de medidas cautelares ou de urgência, poderão pleitear junto ao Poder Judiciário a sua concessão. Concedida a tutela cautelar ou de urgência, caberá ao interessado requerer a instituição da arbitragem em 30 dias, contados da efetivação da respectiva decisão, sob pena de cessação da eficácia da medida.

Tendo sido instituída a arbitragem, os árbitros deverão manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário (art. 22-B da Lei n.° 13.129/15). Ou

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seja, a tutela cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário tem caráter provisório, precário, cabendo aos árbitros reexaminá-la após a instituição da arbitragem, podendo mantê-la, modificá-la ou revogá-la.

É importante ressaltar que o Poder Judiciário só será competente para conceder a tutela cautelar ou de urgência enquanto não instituída a arbitragem. Após a sua instituição, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros.

7. Carta Arbitral.

O juiz exerce sua competência nos limites do território de sua jurisdição. Em outras palavras: como expressão de soberania, a jurisdição é exercida nos limites de um território. Com base nessa premissa, temos que as autoridades judiciárias dependem da cooperação mútua para promoverem atos fora de sua jurisdição.

Nesse contexto, surgem as chamadas “cartas” no direito processual, que, segundo as lições de Fredie Didier Jr., servem

como atos de comunicação entre órgãos jurisdicionais: a maior parte dos atos de interesse ao processo, que devam ser praticados fora dos limites territoriais em que o juiz exerce a jurisdição, dependerá da cooperação do juiz do lugar. Eis as cartas precatórias (juízes de mesma hierarquia no mesmo país) e rogatórias (juízes de países diversos), conforme o caso [2].

Além das cartas precatórias, rogatórias e de ordem (na qual um Tribunal delega ao juízo inferior a prática de ato processual), temos uma nova espécie de carta: a carta arbitral, prevista pela Lei n.° 13.129/15, pela qual um árbitro solicita a um órgão jurisdicional a prática de algum ato necessário para o

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procedimento arbitral ou que ele determine o cumprimento desse ato com os meios coercitivos de que dispõe.

Dessa forma, o recém-criado art. 22-C da Lei de Arbitragem estabeleceu que “o árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.”

Ademais, o segredo de justiça deverá ser observado no cumprimento da carta arbitral, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem.

8. Alteração na Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/76).

A Lei n.° 13.129/15 não inovou apenas a Lei 9.307/96, mas também tratou da arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos surgidos no âmbito das sociedades anônimas.

Ao tratar do direito de retirada dos acionistas, inseriu o art. 136-A à Lei das Sociedades Anônimas, que permite a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social.

A aprovação da inserção da convenção observará o quorum de metade, no mínimo, das ações com direito a voto (se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão) e obrigará a todos os acionistas.

A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.

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Ao acionista dissidente será assegurado o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações. O direito de retirada não será assegurado, contudo, caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe.

Também não terá direito de retirada o sócio dissidente caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 da Lei das Sociedades Anônimas.

CONCLUSÃO.

Arbitragem é o meio alternativo de resolução de conflitos no qual as partes se valem da convenção arbitral para permitir que julgadores não togados, os árbitros, decidam as pendências substituindo o juiz. Trata-se de técnica de heterocomposição.

Diante da sobrecarga do Poder Judiciário em decorrência do expressivo volume de demandas ajuizadas, a utilização da arbitragem e dos demais meios alternativos de solução de conflitos (a exemplo da conciliação e da mediação) como forma de reduzir os casos litigiosos submetidos à jurisdição viabiliza a celeridade e a eficiência necessárias à tão decantada reforma do Judiciário.

Objetivando aperfeiçoar a arbitragem, foi promulgada em 26 de maio de 2015 a Lei n.° 13.129, que ampliou o âmbito de aplicação da arbitragem e dispôs sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrerem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas

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cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral.

Inovou ao instituir novos instrumentos à arbitragem, capazes de tornar a tutela arbitral mais célere e eficaz, como a carta arbitral e concessão de tutelas cautelares e de urgência. Além disso, tornou possível, de forma geral, a arbitragem envolvendo a Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, o que só era admitido de forma pontual por leis específicas. A Lei n.°13.129/15, dessa forma, representou profundos avanços na arbitragem e contribuiu para a difusão dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

REFERÊNCIAS

[1] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 51.

[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Volume 1. 15ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2013, p. 124.

BRASIL. Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm

BRASIL. Lei n. 13.129, de 26 de maio de 2015. Altera a Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei no 9.307, de 23 de setembro

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de 1996.. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm

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O DIREITO À MORTE DIGNA

WANDERSON LAGO VAZ. Mestre em Direito (Cesumar).

Professor da UNIPAR, campus Paranavaí e da UNESPAR,

campus Fafipa.

BRUNA DE OLIVEIRA ANDRADE. Bacharelanda em

Direito – UNIPAR, campus Paranavaí (integrante do PIC –

programa de iniciação cientifica).

RESUMO: O  avanço  da  medicina  trouxe  imenso  benefício  à  espécie 

humana. Não se morre mais por doenças que, em alguns anos atrás, eram 

letais. Contudo, esses mesmos avanços científicos proporcionaram efeitos 

negativos,  principalmente  no  tocante  ao  “processo  de morrer”  que  se 

tornou cada vez mais penoso, graças à implantação de novas tecnologias 

que permitem adiar a morte por tempo indeterminado. Nesse contexto, é 

cada  vez  mais  comum  referir‐se  ao  direito  de  morrer  dignamente  em 

casos  nos  quais  os  pacientes  se  encontram  em  fase  terminal,  cujo 

processo  de  morrer  pode  se  prolongar  indefinidamente.  Diante  disso, 

discute‐se a possibilidade do ser humano dispor de sua vida, quando sua 

manutenção está prejudicada ou limitada pelo tempo, como no caso de 

doenças incuráveis ou quadro médico irreversível. Quando se apresenta 

ao profissional um caso assim, ele se vê diante de um dos maiores dilemas 

bioéticos  atuais,  se  é  mais  digno  e  humano  manter  o  paciente  vivo  a 

qualquer  custo ou  abreviar  seu  sofrimento. A  ortotanásia  se  apresenta 

como o método mais humanizado, vez que permite a pessoa escolher sua 

morte da maneira que acha mais digna. 

PALAVRAS‐CHAVE: Direito  Constitucional,  dignidade  humana,  morte 

digna. 

SUMMARY: The advancement of medicine has brought immense benefit 

to mankind. It does not die again for diseases that in some years ago, were 

lethal. However, these same scientific advances have provided negative 

effects,  especially  regarding  the  "dying  process"  that  has  become 

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increasingly  painful,  thanks  to  the  deployment  of  new  technologies  to 

postpone death indefinitely. In this context, it is increasingly common to 

refer to the right to die with dignity in cases where patients are terminally 

ill, whose dying process  can  last  indefinitely.  Therefore, we discuss  the 

possibility of the human being have his life when maintenance is impaired 

or  limited  by  time,  as  in  the  case  of  incurable  diseases  or  irreversible 

medical condition. When presented to the professional a case, he  finds 

himself facing one of the greatest current bioethical dilemmas, it is more 

dignified,  humane  keep  the  patient  alive  at  all  costs  or  shorten  their 

suffering. The orthothanasia presents itself as the most humane method, 

as it allows the person to choose his death the way you find most worthy. 

KEYWORDS: Constitutional rights, human dignity, dignified death. 

SUMÁRIO: 1 – Notas introdutórias; 2 – Conceito de Morte; 3 – Aspectos 

Históricos e Religiosos da Morte; 4 – Dignidade da Pessoa Humana;  5 ‐ 

Princípio  da  Autonomia  da  Vontade; 6  ‐   Eutanásia,  Ortonásia, 

Distanásia  e Suicídio Assistido; 7 ‐ Direito à Morte Digna; 8 ‐ Conclusão; 9 

– Referência bibliográficas. 

. Notas introdutórias

O direito à vida é o principal direito fundamental protegido 

pela  Constituição  Federal.  É  a  partir  dele  que  os  demais  poderão  ser 

exercidos pelo indivíduo plenamente. 

Após as guerras mundiais e os horrores do holocausto se 

fez  necessário  que  as  nações  se  reunissem  para  firmar  a  proteção  a 

dignidade da pessoa humana por meio de  tratados, e são neste que se 

encontram, principalmente, a tutela da vida humana. 

Objetivando  garantir  o  cumprimento  de  tal  direito,  de 

todas  as  formas  possíveis,  a  tecnologia  médica  tem  avançado  e  o  ser 

humano  tem  sua  vida  prolongada  cada  vez  mais,  pelas  mais  variadas 

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técnicas  de  suporte  à  saúde,  tratamentos  à  doenças  e  terapêuticas 

reparadoras. Desta forma, tem se conseguido evitar, por mais tempo, a 

única dívida que todo homem possui desde seu nascimento, a morte. 

Mas até que ponto a manutenção desmedida da vida de 

uma pessoa é de fato o cumprimento de seus direitos e de sua dignidade? 

A  imposição  de  tratamentos  médicos  a  um  indivíduo  cuja  doença  foi 

comprovadamente tida como terminal, incurável, fazendo‐o com que esta 

pessoa sofra com dores, por alguns dias a mais de vida, é garantia de sua 

dignidade? 

Diante  destas  interrogações,  conhecer  o  conceito  e 

histórico da morte e as implicações legais que dela derivam, bem como a 

análise  do  que  se  trata  o  princípio  da  dignidade  da  pessoa  humana, 

autonomia da vontade e as formas de abreviação da vida de um indivíduo 

que  possui  doença  incurável.  E  diante  disto,  avaliar  as  melhores 

possibilidades de  morrer que seja tão digna quanto à de viver. 

. Conceito de Morte 

Os  direitos  do  ser  humano  no  Brasil  iniciam‐se  com  o 

nascimento com vida, conquanto muitos só possam ser exercidos com a 

maioridade civil e com o indivíduo em sua plena capacidade para tal. Esses 

direitos cessam com a morte da pessoa natural ou com a declaração de 

sua ausência,  conforme se verifica  interpretando o artigo 6º do Código 

Civil[1]. 

A medicina determina a morte de uma pessoa com o fim 

de sua atividade neural, sem que seja possível a reversão deste quadro, 

mesmo  que  os  demais  sistemas  anatômicos  estejam  em  pleno 

funcionamento  (respiratório,  circulatório,  etc)  (FAUSTINO,  2008).  O 

sistema  neurológico  acarreta  a  morte  dos  demais  em  atividade,  sua 

paralisação, consequentemente levará a dos outros. 

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A  morte  encefálica  consiste,  assim,  na  parada 

definitiva e irreversível do encéfalo (cérebro e tronco 

cerebral), onde se situam as estruturas responsáveis 

pela  manutenção  dos  processos  vitais  autônomo, 

como  a  pressão  arterial  e  a  função  respiratória, 

provocando  a  falência  de  todo  o  organismo  em 

questão  de  tempo.  Quando  isso  ocorre,  a  parada 

cardíaca é inevitável. (PESSOA, 2011:33) 

 O ordenamento jurídico brasileiro, se utiliza do conceito 

de morte retromencionado, para determinar o fim da personalidade civil 

do ser humano. No presente artigo, tem‐se que a morte real do indivíduo 

(primeira parte do artigo 6º do Código Civil)  é caracterizada pelo término 

da  existência  da  pessoa  natural,  com  fim  da  possibilidade  de  adquirir 

direitos e contrair obrigações. 

Logo é possível observar que definição da morte é idêntica 

para a medicina e para o direito, ou seja, o fim das atividades cerebrais 

determina  que  a  pessoa  pusesse  termo  a  sua  existência  biológica  e 

jurídica. 

. Aspectos Históricos e Religiosos da Morte 

Em  qualquer  lugar  do  mundo,  nascer  ou  morrer,  são 

situações  complexas  e  que  geram  inúmeras  discussões  no  campo 

religioso, jurídico, moral, etc. Em nosso país não é diferente, não obstante 

ser  um  Estado  laico,  ou  seja,  que  tem  uma  posição  neutra  no  campo 

religioso, conforme disposição constitucional do artigo 5º, inciso VI[2]. 

Assim,  torna‐se  de  fundamental  importância,  abordar 

sobre  o  prisma  histórico‐religioso  a  concepção  da  morte,  de  como 

algumas religiões encaravam e encaram até hoje este tema emblemático, 

o que para cada uma significa morrer dignamente. 

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Nas  diversas  concepções  da  morte,  o  defunto 

não morre definitivamente, mas adquire apenas um 

modo elementar de existência; é uma regressão, não 

extinção final. Na expectativa de retorno ao circuito 

cósmico  (transmigração) ou de  libertação definitiva 

(ELIADE, 2002:161). 

Na Grécia antiga, onde prevalecia o politeísmo, a morte 

era vista como um processo, que ia desde o momento em que a pessoa 

está  morrendo  (doença,  ferimentos,  etc.)  até  seu  sepultamento.  O 

indivíduo perdia sua individualidade e se transformava para incorporar‐se 

ao cosmos (SANTOS, 2010). 

Na  Roma  Antiga,  ainda  incursa  na  religião  politeísta,  a 

morte inseria o ser humano entre os homens e os deuses. Suas almas eram 

consideradas perigosas, por isso o Estado Romano impunha aos familiares 

do morto um regulamento que os obrigava a realizar os ritos funerários e 

o  sepultamento  deste,  a  fim  de  aquietar  a  alma  do  defunto 

(BUSTAMANTE,  2011).  Posteriormente,  quando  surge  a  Roma  Cristã, 

surge  a  concepção da  ressurreição da alma,  para  tanto o homem deve 

cuidar  e honrar o  corpo  terreno,  sendo a morte o  final  de  sua  jornada 

terrestre (HENRIQUES, 2014). 

Na  idade média,  a morte  era  algo  natural,  era  recebida 

com simplicidade, ou seja, havia uma aceitação no final da vida. Ao final 

deste período, a morte já passou a ser vista com outros olhos, de forma 

que a morte deixa de ser algo que colocava um fim a vida, pois com esta 

morte, a pessoa deixava “coisas” para trás, não era apenas uma vida que 

se  encerrava,  e  sim  toda  uma  construção  que  ficava,  surge  assim  um 

romance pela vida, a vida passava a ter valor. 

A  religião  Católica  Moderna  posiciona‐se  favorável  no 

sentido de dar um fim ao sofrimento da pessoa, porém não quer dizer que 

realizar a eutanásia em uma pessoa é o modo correto de se agir, esta igreja 

aceita  a  chamada  morte  encefálica  e  não  a  eutanásia,  segundo  seus 

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religiosos, a pessoa deve estar preparada para a morte, ou seja, não seria 

aceito o fato da pessoa estar inconsciente, impedindo assim que o mesmo 

tenha o preparo necessário para a morte. O fato de a igreja pregar que o 

ser humano foi criado A imagem e semelhança de Deus faz menção ao fato 

de  que  Deus  é  o  dono  da  vida,  a  pessoa  humana  é  apenas  um 

administrador do corpo e da alma, não podendo ser escolhido morrer de 

meios diversos ao natural que Deus permite. Para Gonçalves, “a vida não 

é um bem absoluto que deva ser preservada a todo custo”. (GONÇALVES, 

2006: 135). 

Os Protestantes, comumente conhecidos por Evangélicos, 

encaram  a  morte  de  maneira  mais  natural,  inclusive  por  não  realizar 

rituais fúnebres como a maioria das religiões. Desde que o morto tenha 

aceitado a Jesus antes de morrer, o Protestantismo entende que estará 

salvo  (RIBEIRO,  2013).  Através  desta  concepção  da  morte  como  o  fim 

natural  do  homem,  é  possível  vislumbrar  que  os  fiéis  desta  vertente 

religiosa não aceitam a abreviação da vida pelo ser humano, pois para eles 

apenas o seu Deus decide o destino final dos seres. 

O  Budismo  acredita  que  todos  que  nascem  um  dia  irão 

morrer, porém tal religião acredita também na reencarnação. O fato de 

interromper  a  vida  adiantando  a  morte,  interfere  no  processo,  pois  o 

morte para eles é algo que se repetirá por muitas vezes, representado pela 

Roda da Vida, até que o indivíduo alcance o estágio de libertação espiritual 

(HENRIQUES, 2014). 

O Espiritismo acredita na reencarnação[3], portanto para 

seus seguidores o a pessoa não morre, desencarna, sendo a morte uma 

mera passagem entre mundos (FERREIRA, 2008). O Evangelho Segundo o 

Espiritismo trata da abreviação da vida, não aceitando esta possibilidade, 

pois é através das experiências que o espírito cresce, inclusive próximo a 

morte (KARDEC, 1869). 

Não há dúvidas que cada religião lidam com a morte a sua 

maneira,  com  seus  rituais  próprios  ou  sem  qualquer  destes.  Mas  foi 

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possível  verificar  que  nenhuma  delas  aceita  abreviação  da  vida  por 

desígnio  humano,  ou  seja,  as  vias  de morrer  ou  na  agonia  da morte  o 

homem deve vivenciá‐las até o “último suspiro de vida”. 

. Dignidade da Pessoa Humana 

Com  o  advento  da  Constituição  Federal,  o  princípio  da 

dignidade humana passou a  ter  importância  ímpar. É a  força motriz de 

todo nosso ordenamento  jurídico. É através dele que  irradiam todos os 

demais princípios. A dignidade da pessoa humana  constitui‐se  em uma 

conquista que o ser humano realizou no decorrer dos tempos, derivada de 

uma razão ético‐jurídica contra a crueldade e as atrocidades praticadas 

pelos próprios humanos, uns contra os outros, em sua trajetória histórica. 

A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de "ser" humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica.

A Constituição Federal colocou a pessoa humana em destaque, ao dispor que sua dignidade representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III)[4]. Trata-se de “uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento”, na lúcida observação de Gustavo Tepedino.

Com  efeito,  a  escolha  da  dignidade  da  pessoa 

humana como fundamento da República, associada 

ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza 

e da marginalização, e de redução das desigualdades 

sociais juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, 

no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e 

garantias,  mesmo  que  não  expressos,  desde  que 

decorrentes  dos  princípios  adotados  pelo  texto 

maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de 

tutela e promoção da pessoa humana, tomada como 

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valor  máximo  pelo  ordenamento.  (TEPEDINO, 

1999:48).

Carlos Alberto da Mota Pinto vincula a noção de personalidade jurídica à idéia de dignidade da pessoa humana, que se valoriza com o reconhecimento de um círculo de direito direitos e personalidade. (PINTO, 1975: 62-63)

Renan Lotufo conta que os direitos de personalidade passaram a ter uma relevância maior depois da Segunda Guerra Mundial, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O autor aponta a dignidade como fundamento dos direitos de personalidade ao vincular o crescimento de tais direitos à inserção do respeito à dignidade humana nos novos sistemas constitucionais. (LOTUFO, 2002:81)

Tal afirmação decorre do fato de ser o princípio da dignidade um princípio matriz, devendo ser lido e interpretado em todo o ordenamento pátrio brasileiro.

O princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre 

ser  respeitado  por  todos,  inclusive  pelo  Estado  que  tem  a 

responsabilidade de proteger e promover as condições que viabilizem a 

vida com dignidade.

O legislador ao estabelecer uma norma deve verificar se 

esta ofende ou não à dignidade humana. 

O direito à vida é, sem dúvidas, um dos mais importantes 

direitos  assegurados  por  este  princípio.  E  está  intimamente  ligado  às 

garantias fundamentais e aos direitos de personalidade da pessoa natural, 

sendo encontrado no caput do artigo 5º da Carta Maior[5], inaugurando o 

rol  dos  direitos  e  garantias  fundamentais  e  no  artigo  4º,  item  1  da 

Convenção Americana sobre Direitos Humanos[6]. 

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, 

condiciona  os  demais  direitos  da  personalidade.  A 

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Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, 

assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a 

integridade existencial, consequentemente, a vida é 

um bem jurídico tutelado como direito fundamental 

básico  desde  a  concepção,  momento  específico, 

comprovado  cientificamente,  da  formação  da 

pessoa. (DINIZ, 2009:21) 

Considerado o direito mais importante dos fundamentais, 

não é concedido pelo Estado, mas apenas reconhecido, pois pertencente 

ao  homem.  Apesar  disto,  ainda  veda‐se  a  disposição  da  vida  por  seu 

“dono” como e quando este bem entender, devido à influência religiosa 

no  ordenamento  jurídico,  que  trata  a  vida  como  uma  “dádiva  divina” 

(PESSOA, 2011). 

A  autonomia  conferida  por  este  princípio  fundamental 

deveria ser o bastante para permitir que o ser humano tome as decisões 

quanto a sua vida e morte. Pois o cerne deste é que o indivíduo seja um 

meio em si mesmo, o senhor de si e que defina seus próprios desígnios 

(CUNHA, 2012) 

Contudo, apesar de ser o senhor de sua vida, o indivíduo 

não  tem  autonomia  para  dispor  de  sua  vida  como  e  quando  quiser.  O 

ordenamento  jurídico  brasileiro  ao  tratar  a  vida  como  um  bem 

indisponível acaba por minar a autoridade que o indivíduo tem sobre ela, 

e acaba por ser colocada este bem sob o domínio estatal (PESSOA, 2011). 

O que se demonstra irracional, já que a vida não é um direito dado pelo 

Estado aos seus, mas apenas reconhecido. 

Não  se  pode  questionar  que  o  reconhecimento  do 

Princípio da Dignidade Humana pelos Estados democráticos tem garantido 

que  os  direitos  e  garantias  fundamentais  do  homem  sejam  cumpridos. 

Entretanto, algumas vedações a disponibilidade de alguns bem jurídicos, 

como a vida, pode colocar em cheque certos conceitos deste princípio. 

Toma‐se  por  exemplo  o  homem  que  sofre  em  agonia  devido  a  uma 

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doença,  sem  tratamento  ou  cura,  em  um  país  onde  a  saúde  pública  é 

precária,  por  quanto  tempo  viverá  prolongando  sua  vida  nestas 

condições? Mantê‐lo vivo, quando seu desejo é por termo ao sofrimento, 

pode ser considerado respeitar sua dignidade? 

. Princípio da Autonomia da Vontade 

O princípio da autonomia é o que dá à pessoa, direito de 

decidir sobre sua própria vida, sobre a submissão, ou não, a tratamento 

ou  pesquisas  médico‐científicas.  Marcelo  Dias  Varella,  Eliana  Fontes  e 

Fernando Galvão da Rocha definem o princípio da autonomia da seguinte 

maneira: 

[...]  refere‐se  à  capacidade  de  autogoverno  do 

homem,  de  tomar  suas  próprias  decisões,  de  o 

cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual 

método ou qual rumo deve dar a suas pesquisas para 

atingir os fins desejados, sobre o delineamento dos 

valores  morais  aceitos  e  de  o  paciente  se  sujeitar 

àquelas  experiências,  ser  objeto  de  estudo,  utilizar 

uma nova droga em fase de testes, por exemplo. O 

centro  das  decisões  deve  deixar  de  ser  apenas  o 

médico, e passar a ser o médico em conjunto com o 

paciente,  relativizando  as  relações  existentes  entre 

os  sujeitos  participantes  [...].  (VARELA,  FONTES, 

ROCHA, 1998: 228) 

Mas tal princípio jamais poderão olvidar da dignidade da 

pessoa humana. Princípio matriz e erradiador de todos os demais direitos. 

Ingo Wolfganf Sarlet preleciona que: 

Com o  reconhecimento expresso, no  título dos 

princípios  fundamentais,  da  dignidade  da  pessoa 

humana como um dos fundamentos do nosso Estado 

democrático  (e  social) de Direito  (art. 1º,  inc.  III da 

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CF), o constituinte de 1987/88, além de ter tomado 

uma decisão fundamental a respeito do sentido, da 

finalidade  e  da  justificação  do  exercício  do  poder 

estatal  e  do  próprio  Estado,  reconheceu 

expressamente que é o Estado que existe em função 

da  pessoa  humana,  e  não  o  contrário,  já  que  o 

homem constitui a finalidade precípua e não o meio 

da atividade estatal. (SARLET, 2001: 102‐103) 

No mesmo sentido,  Adeli Garcia Matias diz que:  

“A  dignidade,  como  dito,  significa  também  a 

possibilidade de desenvolvimento da personalidade 

do sujeito e é aí que se insere a conexão entre ela e a 

liberdade,  no  sentido  de  seguir  sua  vida  conforme 

desejar” (MATIAS, 2004: 39)  

Também  é  necessário  ressaltar  que  a  autonomia  da 

vontade  está  intimamente  ligada  à  bioética,  que  tem  como  objetivo 

analisar se as técnicas utilizadas nas relações médicos/pacientes ferem o 

direito do ser humano, seja moral, físico ou psicológico. 

Cabe  ao  médico  informar  ao  seu  paciente  tudo  que 

engloba o seu tratamento. Depois disso, incumbe o paciente fazer a sua 

escolha. Ronald Dworkin assevera que: 

“A  concepção  de  autonomia  centrada  na 

integridade  não  pressupõe  que  as  pessoas 

competentes tenhas valores coerentes, ou que façam 

as  melhores  escolhas,  ou  que  sempre  levem  vidas 

estruturads e reflexivas. 

... 

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A  autonomia  estimula  a  capacidade  geral  das 

pessoas de conduzir suas vidas de acordo com uma 

concepção  individual  de  seu  próprio  caráter,  uma 

percepção  do  que  é  importante  para  elas” 

(DWORKIN, 2009: 319)  

Assim, deve ser respeitado o direito do paciente terminal, 

de  postergar  ou não  sua própria  vida,  se deseja  ou não  se  submeter  a 

tratamento agressivo, degradante, de alto sofrimento. 

Ronald Dworkin aborda o assunto com brilhantismo: 

“O  fato  de  estar  ou  não  entre  os  direitos 

fundamentais de uma pessoa ter um final de vida de 

um jeito ou de outro depende de tantas outras coisas 

que lhe são essenciais – a forma e o caráter de sua 

vida,  seu  sendo  de  integridade  e  seus  interesses 

criticos  ‐ que não se pode esperar que uma decisão 

coletiva uniforme sirva a todos da mesma maneira” 

(DWORKIN, 2009: 301)  

Diante  do  exposto,  tem‐se  que  é  legítimo  ao  paciente 

terminal através do principio da autonomia da vontade decidir se deseja 

prolongar ou não sua vida. 

. Eutanásia, Ortonásia, Distanásia  e Suicídio Assistido 

A bioética é o campo que estuda as questões morais na 

seara das ciências biológicas e da saúde, como tratamentos e pesquisas 

que  envolvam,  principalmente,  os  seres  humanos.  Através  de  uma 

perspectiva interdisciplinar procura resolver e entender dilemas éticos e 

valores humanos. (SILVA, 2008) 

Um tema muito discutido nesta área é a possibilidade do 

ser humano dispor de sua vida, quando sua manutenção está prejudicada 

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ou limitada pelo tempo, como no caso de doenças incuráveis ou quadro 

médico irreversível. Quando se apresenta ao profissional um caso assim, 

ele  se vê diante de um dos maiores dilemas bioéticos atuais,  se é mais 

digno e humano manter o paciente vivo a qualquer custo ou abreviar seu 

sofrimento. 

A  primeira  solução  que  vêm  à  cabeça  de  muitos  é  o 

suicídio.  No  Brasil  caso  a  pessoa  decida  por  fim  a  sua  própria  vida, 

suicidando‐se, não cometerá crime algum, mesmo que não logre êxito em 

sua empreitada. Porém, a ajuda moral ou material de terceiro ao suicida 

é um delito, inserido no rol de crimes contra a vida no artigo 122 do Código 

Penal[7], inclusive remetendo o autor ao Tribunal do Júri[8]. É o chamado 

suicídio assistido. 

Maria Helena Diniz “esclarece que o suicídio assistido é a 

hipótese em que a morte advém de ato praticado pelo próprio paciente, 

orientado ou auxiliado por terceiro ou por medico.” (DINIZ, 2006:381) 

Refutando esta alternativa tão agressiva ao corpo, existe 

outra, a eutanásia, que segundo o dicionário Aurélio trata‐se de “1. Morte 

serena, sem sofrimento. 2. Prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou 

sofrimento,  a  vida  de  um  enfermo  reconhecidamente  incurável”.  A 

eutanásia  é  defendida  por  aqueles  que  acreditam  na  antecipação  da 

morte como meio de acabarem com o sofrimento de um doente terminal, 

cujo tratamento não traria resultados apenas mais dores. 

 [...]  refere  à  prática  de  abreviar  a  vida  do 

paciente  incurável,  poupando‐o  de  dores.  Outra 

forma seria a morte de doente incurável, submetido 

à  forte  sofrimento  e  dor  de  caráter  físico  e/ou 

emocional,  causada  por  um  terceiro  movido  por 

sentimento  de  compaixão  e  piedade  em  relação  a 

este. Na eutanásia a morte é deslocada de tempo e 

modo,  ou  seja,  tem‐se  a  morte  antes  da  hora  de 

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modo provocado objetivando ser de  forma suave e 

indolor. (HÜBNER, 2013:14‐15) 

Temos ainda, a ortotanásia que consiste em um processo 

no qual o paciente terminal não terá sua vida encerrada antecipadamente. 

Ocorre  pela  omissão  dos  profissionais  da  saúde  e  da  família,  em  não 

submeter  o  paciente  a  tratamentos  invasivos  e  abusivos,  que  gerariam 

mais sofrimento sem perspectiva de cura. Considerada mais humana pelos 

estudiosos e defensores da morte digna, a ortotanásia busca amenizar as 

dores por meio de métodos paliativos (HÜBNER, 2013) 

Difere da eutanásia, pois nesta há obrigatoriamente uma 

ação  praticada  que  abreviaria  a  vida  do  indivíduo  (injeção  de 

medicamento, por exemplo), enquanto naquela deixa‐se a pessoa seguir 

o curso natural de tempo até a morte, apenas diminuindo suas dores. 

Outro  conceito  importante,  na  área  da  bioética,  é  o  da 

distanásia. Método pelo qual a vida do paciente é mantida qualquer custo, 

ou seja, “a tecnologia médica é usada para prolongar penosa e inutilmente 

o processo de agonizar e morrer” (PESSINI, 2004). 

Diante  de  tantas  “soluções”  para  os  casos  de  pacientes 

incuráveis, esta última não parece atender ao Princípio da Dignidade da 

Pessoa  Humana.  Ao  contrário,  a  imposição  de  intervenções  médicas 

abusivas  para  atender  ao  direito  à  vida,  causando  ao  indivíduo  mais 

sofrimento do que a doença em si lhe proporciona, parece desumano. 

. Direito à Morte Digna 

A Constituição Federal defende o direito à vida, porém em 

momento algum veta que o indivíduo disponha de sua vida da forma que 

desejar, ou seja, não criminaliza o suicídio, tão pouco penaliza aquele que 

não queira tratar‐se de uma enfermidade. 

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Mas,  quando  um  indivíduo  singular  e 

determinado é o único titular do bem jurídico ‐ e esse 

é o caso da vida ‐ sua possibilidade de disposição não 

pode  sofrer  qualquer  limitação,  aí  incluída 

naturalmente  a  disposição  que  resulta  na  própria 

destruição do objeto. (PESSOA, 2011:48‐49) 

A  imposição  da  continuidade  da  vida  de  uma  pessoa 

desenganada  pela  medicina,  apenas  com  o  fim  de  se  cumprir  metas 

estatísticas  fere  profundamente  o  princípio  da  dignidade  da  pessoa 

humana. Este princípio é que garante ao indivíduo autonomia de escolher 

como viver sua vida e, portanto, o mesmo pode fazer quanto a sua morte. 

Verifica‐se  que  a  manutenção  da  vida  de  um  indivíduo  por  meio  de 

técnicas,  equipamentos  e  tratamentos  fortíssimos,  mesmo  que  sua 

qualidade  de  vida  diminua  é  desumana,  e  infringe  completamente  sua 

dignidade (CUNHA, 2012). 

Evidente que a eutanásia e o suicídio assistido se mostram 

contrários as  leis brasileiras, pois exige uma ação por parte de terceiro, 

que abreviaria a vida de outrem. Mas, a distanásia não se mostra a melhor 

opção,  visto  que  fere  direitos  fundamentais  e  da  personalidade,  a 

imposição de tratamentos inúteis e fúteis ao indivíduo cuja morte é certa. 

Dito  isto,  parece  mais  humano  e  digno  a  adoção  da 

ortotanásia aos pacientes que não desejam prolongar sua vida, diante de 

uma morbidade  incurável. Por não submeter o  indivíduo a  tratamentos 

invasivos,  apenas  amenizando  as  dores  e  sintomas  consequentes  a 

doença. 

. Conclusão 

Como se pode verificar o direito à vida é o mais importante 

direito que o homem possui, sendo garantido pela Constituição Federal, 

além  dos  mais  diversos  tratados  internacionais  de  direitos  humanos. 

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Tornando praticamente impossível que indivíduo disponha deste direito 

como lhe convier, sem esbarrar nas leis, ética e moral. 

Diante de tão elevada proteção à vida, a morte se tornou 

um tabu, algo que deve ser evitado ao máximo, não sendo mais vista como 

o fim natural de todos os seres vivos. As ciências médicas e a tecnologia 

buscam cada vez mais procrastinar o final da existência de uma pessoa, 

muitas vezes sem levar em consideração o desejo desta. 

Ficou evidente,  ainda,  que  a manutenção desmedida da 

vida de um doente terminal não lhe garante seu direito à dignidade, ao 

contrário, não há virtude em prolongar a vida de alguém que sente dores 

e tem de submeter a inúmeros tratamentos médicos. 

Não  se  pode  concordar,  também,  com  a  utilização  da 

eutanásia  e  o  suicídio  assistido,  que  afrontam  o  ordenamento  jurídico 

brasileiro, vez que exige que terceiro abrevie a vida de outrem. 

A  distanásia,  fere  direitos  fundamentais  e  de 

personalidade,  impondo  ao  doente  incurável  terapêuticas  infrutíferas. 

Sem falar no sofrimento implacável imposto a todos os seus familiares. 

A ortotanásia se apresenta como o método mais humano, 

que  permite  ao  indivíduo  uma  morte  digna,  com  menos  dores  e 

sofrimento físico e psíquico. Permitindo que a vida e a morte sigam seu 

curso natural, e que o ser humano aceite melhor a sua natureza perene. 

. Referentes Bibliográficas 

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro – Direito de morrer dignamente: 

eutanásia,  ortotanásia,  consentimento  informado,  testamento  vital, 

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vida, os novos desafios. Organizadora Maria Celeste Cordeiro Leite Santos 

– Editora Revista dos Tribunais, 2001. 

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ANPUH.  São Paulo, julho 2011. 

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obtenção do título de mestre em Ciência Política. Belo Horizonte, 2008. 

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Federal  da  Paraíba,  como  requisito  parcial  para  obtenção  do  título  de 

mestre em Ciências das Religiões. João Pessoa, 2014. 

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da 3. ed. francesa, revista, corrigida e modificada pelo autor em 1866]. – 

131. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013 

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MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Bioética e 

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MATIAS, Adeline Garcia Matias. A Eutanásia e o Direito à morte digna 

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NOTAS:

[1] Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

[2] CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[3] Reencarnação é o processo pelo qual o espírito, estruturando um corpo  físico,  retorna,  periodicamente,  ao  polissistema  material.  Esse processo  tem  como  objetivo,  ao  propiciar  vivência  de  conhecimentos, auxiliar o espírito reencarnante a evoluir. (Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas ‐ http://www.sbee.org.br)

[4] CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direitos e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana;

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[6] Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente

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[7] Art. 122, CP - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

[8] Art. 5º, CF/88 - XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: [...] d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

ENVIO DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM SOLICITAÇÃO DO CONSUMIDOR: NOVA SÚMULA 532 DO STJ

ALICE SALDANHA VILLAR: Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.

Resumo: O presente artigo examina os fundamento da nova Súmula 532 do STJ, verbis: Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa.”

De acordo com o Código Consumerista, constitui prática abusiva enviar ao consumidor, sem solicitação previa, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço, nos termos do art. 39, III, do CDC.

CDC. Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho:[1] “De maneira concisa, práticas abusivas são

ações ou condutas dos fornecedor em

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desconformidade com os padrões de boa conduta nas relações de consumo. São práticas que no exercício da atividade empresarial excedem os limites dos bons costumes comerciais e, principalmente, da boa-fé, pelo que caracterizam o abuso de direito, considerado ilícito pelo art. 187 do Código Civil. Por isso, são proibidas”.

No que diz respeito ao fornecimento de produto ou serviço não solicitado (39, III, CDC), o autor destaca que:

“O exemplo mais comum e abusivo é o envio de cartão de crédito não solicitado, sendo constantes os casos levados à Justiça em que o consumidor não só foi cobrado indevidamente, como ainda teve o seu nome lançado no rol de inadimplentes.”

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o envio de cartão de crédito aos consumidores, assim como de qualquer produto, sem solicitação, constitui prática abusiva, pois viola o disposto no art. 39, III do CDC. Dessa forma, comete ato ilícito a instituição de crédito que envia cartão para o endereço do consumidor sem que este tenha solicitado previamente.

Veja-se que o artigo 39 do CDC tutela o consumidor contra práticas comerciais no período pré-contratual, evitando a ocorrência de abuso de direito na atuação dos fornecedores na relação consumerista com esse tipo de prática comercial, absolutamente contrária à boa-fé objetiva. [2]

Sendo assim, para fins da caracterização da prática comercial abusiva pelo envio de cartão ao consumidor sem solicitação prévia, é irrelevante que o cartão tenha sido entregue com a função de crédito desativada ou que se trate de cartão de função múltipla. Vale dizer: se o pedido do consumidor se restringiu a um cartão de débito, mas veio o múltiplo, ou com a função de crédito bloqueada,

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estará configurada a prática de ato ilícito por parte da instituição financeira. [3]

Cabe então indagar: cabe indenização por danos morais quando a instituição financeira, não obstante a ausência de contratação dos serviços, envia cartão de crédito e faturas de cobrança da respectiva anuidade ao consumidor?

Conforme esclareceu o ilustre Ministro SidneiBeneti:[4] “A propósito do dano moral,

prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que a responsabilidade do agente decorre da comprovação do ato ilícito, sendo desnecessária a comprovação do dano em si.

Mas esse entendimento não diz respeito a qualquer ato ilícito, esse ato tem que ser objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos, juridicamente protegidos. Ou seja, para se presumir o dano moral pela simples comprovação do fato, esse fato tem que ter a capacidade de causar dano, o que se apura por um juízo de experiência. Daí porque é presumido o dano moral em casos de inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, ou de recusa indevida de cobertura por plano de saúde.

No caso, o envio de cartão de crédito não solicitado é conduta considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39, III). Esse fato e os incômodos decorrentes das providências notoriamente dificultosas para o cancelamento significam sofrimento moral de monta, mormente em se tratando de pessoa de idade avançada, próxima

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dos cem anos de idade à época dos fatos, circunstância que agrava o sofrimento moral.”

Acrescente-se a ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque a simples remessa do cartão de crédito, à míngua de requerimento, já configura ato ilícito indenizável, pois o é dano in re ipsa – isto é, presumido.[5]

Nessa linha, conforme explicou a ilustre Ministra Castro Meira: [6]

“O envio de cartão de crédito, sem prévia solicitação, é prática comercial a ser por si só repudiada, não podendo ser considerada como mera propaganda agressiva. Assim, vetar tal procedimento é o modo de amparar e proteger o consumidor de reais consequências danosas que acarreta, diga-se, de modo reiterado, como o constrangimento de receber a cobrança de despesas não realizadas, anuidades, seguros e o envio do nome daquele a banco de dados de inadimplentes. É por isso que não há como adotar o entendimento de que somente haverá violação ao artigo 39, III, do CPC quando o hipossuficiente da relação de consumo tiver passado por uma destas tormentosas situações [...]".

É importante registrar que, mesmo na hipótese do consumidor optar por permanecer com o cartão não solicitado, permanece configurada a prática de ato ilícito por parte da instituição financeira. Conforme explica Rizzatto Nunes “se um consumidor qualquer ficar satisfeito por ter recebido em casa um cartão de crédito sem ter pedido, essa concreta aceitação sua não elide a abusividade da prática (que está expressamente prevista no inciso III do art. 39). A lei tacha a prática de abusiva, portanto, sem que, necessariamente, seja preciso constatar algum dano real”. [7]

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Por fim, vale observar que o envio de cartão de crédito sem solicitação prévia também implica na condenação da instituição financeira ao pagamento multa administrativa imputada pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56, I, do CDC. Conforme determina o artigo 57, caput, do CDC a pena de multa deverá ser "graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor”. Verbis:

CDC. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; (...).

CDC. Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.

A respeito dessa multa administrativa, o eminente Ministro Mauro Campbell Marques assim expôs: [8]

“Salienta-se que a multa aqui aplicada diz respeito à infração às normas de defesa do consumidor - aqui entendido em seu sentido amplo que se refere à coletividade de pessoas descrita no art. 2º, parágrafo único do CDC - e não o desrespeito a cláusula contratual inter partes. Nesse sentido, por ser de potencialidade lesiva mais ampla, entendo que os valores fixados devem ter parâmetros mais específicos do que aqueles levados em consideração tratando-se de danos individuais.

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Tanto é assim que os valores arrecadados pelo PROCON não se revertem para a parte individualmente lesada, mas sim à coletividade em geral, vez que se revertem em entradas orçamentárias que serão utilizadas no aperfeiçoamento da proteção dos interesses difusos e coletivos envolvidos”.

Sobre a matéria, trazemos à colação dos seguintes julgados: "[...] 1. O envio de cartão de crédito sem

solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3. Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo STJ para casos semelhantes. [...]". STJ – AgAREsp 275047 RJ, Rel. Ministra MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014.

1. O envio de cartão de crédito sem solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3. Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo STJ para

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casos semelhantes. 4. Agravo regimental desprovido.” STJ - AgRg no AREsp 275.047/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014).

1. O envio do cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva, violando frontalmente o disposto no artigo 39, III, do Código de Defesa do Consumidor. (...) 3. Quanto ao valor do dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Se o valor arbitrado não destoa da jurisprudência desta Corte, inviável a sua alteração, porque, para tanto, também seria necessário o revolvimento do conteúdo fático probatório dos autos, o que não se coaduna com a via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. Destarte, fica mantido o valor da indenização fixado pelo Tribunal de origem.

CONCLUSÃO

O envio de cartão de crédito não solicitado constitui ato ilícito porque viola o art. 39, III, do CDC, dando ensejo à indenização por danos morais, bem como à condenação da instituição financeira ao pagamento multa administrativa imputada pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56, I, do CDC.

Ressalte-se que a ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque a

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simples remessa do cartão de crédito, à míngua de requerimento, já configura ato ilícito indenizável, pois o é dano in re ipsa – isto é, presumido.

Na hipótese do consumidor optar por permanecer com o cartão não solicitado, essa sua concreta aceitação não elide a abusividade da prática, que está prevista no inciso III do art. 39 do CDC. Esse tipo de prática comercial constitui abuso de direito do fornecedor na relação consumerista, absolutamente contrária à boa-fé objetiva.

NOTAS:

[1] Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor, 

São Paulo: Atlas, 2010, p. 136, 137.

[2] Cf. STJ - REsp 1261513 SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04/09/2013 (Citado no Voto do Ministro Paulo de Tarso Sanverino no REsp1199117 SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanverino, 3ª Turma, DJe 04/03/2013).

[3] Nesse sentido: “(...) Há a abusividade da conduta com o simples envio do cartão de crédito, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, independentemente da múltipla função e do bloqueio da função crédito, pois tutelam-se os interesses dos consumidores em fase pré-contratual, evitando a ocorrência de abuso de direito na atuação dos fornecedores na relação consumerista com esse tipo de prática comercial, absolutamente contrária à boa-fé objetiva. (...)” STJ - REsp 1261513 SP 2011/0069522-9, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04/09/2013.

[4] Cf. STJ – Voto do Ministro Sidnei Beneti no REsp 1061500 RS, 3ª Turma, DJe 20/11/2008 .

[5] Cf. STJ – Voto do Ministro Marco Buzzi no AgRg no AREsp 275047 RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe 29/04/2014.

[6] Cf. STJ – Voto da Ministra Castro Meira no REsp 1297675 SP, Rel. Ministra Castro Meira, 2ª Turma,, DJe 04/09/2013.

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[7] Cf.  NUNES,  Rizzatto.  Comentários  ao  Código  de  Defesa  do 

Consumidor, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 565.

[8] Cf.  STJ  –  Voto  do  Ministro  Mauro  Campbell  Marques  no  REsp 

1261513  SP,  Rel.  Min.  Mauro  Campbell  Marques,  2ª  Turma,  DJe 

04/09/2013. 

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OS ATENTADOS DE PARIS E O FALSO CONSENSO NO COMBATE AO TERRORISMO INTERNACIONAL

TATIANA WAISBERG: Advogada e Professora da FPL. Mestre em Direito Internacional - PUC/MG e Universidade de Tel Aviv

No dia 13 de Novembro de 2015, a capital francesa foi alvo de ataques terroristas múltiplos simultâneos, reivindicados pelo Estado Islâmico, organização terrorista também conhecida como “Daesh” (ad-Dawlah al-Islamiyah fi 'l-?Iraq wa-sh-Sham)[1]. Os atentados de Paris à luz da conjuntura internacional podem ser considerados parte integrante de uma sequencia de atos terroristas praticados por grupos fundamentalistas islâmicos em diversas partes do mundo. O Estado Islâmico no Iraque e na Síria, assim como o Al Shabab e o Boko Haram[2], enfrentam o embargo internacional, não se associando diretamente a nenhum Estado. Além disso, o Estado Islâmico já é alvo frequente de bombardeios de diferentes coalisões que atuam na região[3], incluindo interesses opostos dos principais atores estatais envolvidos, sobretudo o Iran, a Rússia, a Arábia Saudita e a Turquia. Neste sentido, a reação internacional não poderia ser diversa do aparente consenso articulado pela maioria dos Estados em apoio à França e aos franceses. Entretanto, na prática, os mecanismos já existentes no Conselho de Segurança da ONU, incluindo o Comitê de Combate ao Terrorismo, representam baixo potencial para influenciar as partes envolvidas no conflito. Este artigo objetiva explorar alguns dos argumentos defendidos pelo Presidente da França, Françoise Hollande, no contexto da guerra contra o terror, e apresentar uma analise da situação enfrentada pela França na perspectiva do complexo cenário internacional.

O Fundamentalismo Islâmico e a Jihad

A ideologia islâmica fundamentalista é considerada a origem da utilização do uso da força por parte de atores não estatais,

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espécie de mecanismo de oposição, resistência e concretização de estágios de evolução do discurso islâmico em contraposição ao desenvolvimento do discurso dos direitos humanos no ocidente, influenciando as relações sociais, politicas e econômicas no Oriente Médio, África e Ásia[4]. A reação à emancipação impulsionada na era moderna, inicialmente em decorrência das revoluções cientifica e industrial, e recentemente acelerada por ferramentas digitais, revela o conflito inerente entre os valores perseguidos por sociedades diversas, refletindo um verdadeiro choque entre civilizações[5]. Na esteira dos atentados de 11 de setembro de 2001, esta perspectiva, de certa maneira, passa a ditar as relações entre o ocidente e a periferia. A longa duração da intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque elevou as tensões entre as potencias ocidentais e os demais Estados, alcançando o ápice na situação envolvendo a autorização do uso da força para intervir no conflito na Líbia[6]. O acordo entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, incluindo o engajamento da Liga Árabe e da União Africana, resultando na resolução 1973 (2012) pode ser considerado o impasse final para revelar o conflito entre as potencias ocidentais e a Rússia. Esta tensão alcançou proporções inusitadas, resultado do imbróglio envolvendo o abatimento do avião da Malásia Airways por um míssil antiaéreo lançado por rebeldes pro-Rússia na Ucrânia.

Desde então, há uma crescente polarização de alianças internacionais opostas, mas que defendem a mesma agenda no que se refere à luta contra o Estado Islâmico. Este aparente consenso, entretanto, esconde o conflito entre interpretações muito distintas das fontes islâmicas. Neste sentido, é possível indicar ao menos quatro vertentes, exemplificadas nos modelos de Estados que incorporam a lei mulçumana em seus ordenamentos jurídicos. Neste sentido, a ideologia do Estado Islâmico pode ser considerada uma manifestação do pensamento teológico islâmico que objetiva a criação de um califado, nos moldes do período de ouro da histórica

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islâmica[7]. As outras três, geralmente, são associadas às experiências modernas dos Estados nacionais em que há maioria da população mulçumana, a exemplo do Egito, da Arábia Saudita e países do Golfo Persico, da Síria, Líbano, Iraque, Iran, Paquistão, Indonésia, Tunísia, Argélia e Marrocos[8]. A Turquia e o Iran, nesta conjuntura, podem ser considerados Estados pivô e excepcionais, ostentando extremos. No caso da Turquia, a separação estanque entre Estado e religião, resultado da revolução dos jovens oficiais do exercito turco, liderada por Ataturk, ofuscou tensões sociais, culturais, econômicas e religiosas que se tornaram palco da cena politica turca, liderada pelo Primeiro Ministro Edorgan, líder conservador islâmico, opositor do regime do Presidente Assad da Síria. A Turquia, Estado membro da OTAN, solicitou diversas vezes a intervenção das potencias ocidentais no conflito na Síria, alegando o direito de legítima defesa coletiva, entretanto, sem qualquer engajamento militar de larga escala por parte dos outros membros desta organização[9].

A Rússia, por outro lado, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, desde o inicio do conflito na Síria, oferece apoio ao governo do ditador Assad que também conta com o apoio do Hezbolah e do Iran[10]. A Arábia Saudita e dos países do golfo pérsico, países de tradição sunita opõem-se a esta aliança por motivos ideológicos, religiosos e estratégicos, de maneira que este conflito inclui não somente o Iraque e a Síria, mas também o Iêmen[11].

A Guerra contra o Terror: do Centro para a Periferia

Na Ásia e na África, países com a maioria da população mulçumana, são alvo constantes de ataques terroristas do Al Shabad, do Boko Haram e da Al Qeda. Enquato o Al Shabab atua no leste da África, sobretudo no Quênia, na Etiópia, na Somália, o Boko Haram aterroriza os Estados do Sahel e Oeste da África, em especial na Nigéria. Na Ásia, o Paquistão, o Afeganistão, e a Índia,

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em menor escala, enfrentam o extremismo de grupos associados à Al Qaeda, autor dos atentados contra o World Trade Center e o Pentágono nos Estados Unidos em 2001. Desde então a ideologia fundamentalista defendida pela Al Qaeda, justificando ataques terroristas indiscriminados contra populações civis de infiéis passa a ser reproduzida por atores não estatais diversos, a exemplo do Estado Islâmico, do Boko Haram e do Al Shabab[12].

Não obstante, a série de resoluções do Conselho de Segurança, iniciadas com o estabelecimento do Comitê de Combate ao Terrorismo, na resolução 1373 (2001), é interrompida após a autorização da intervenção militar limitada na resolução 1973 (2012) que autoriza a criação de uma área sem presença de força aérea (non-fly zone) na Líbia. As manifestações contra o governo do Presidente Assad na Síria, iniciadas após a intervenção da OTAN no conflito líbio, embora reprimidas por meio de ostensivo uso da força aérea, incluindo a utilização de armas químicas contra a população civil na Síria, abre uma perigosa exceção em relação às situações semelhantes anteriores. A ausência de consenso no Conselho de Segurança, entretanto, não evitou o engajamento de atores estatais no conflito, de maneira, que o uso da força indireto, por parte do Iran, e direto, por parte da Rússia[13], deixa de ser objeto de sanção por parte do Comitê de Combate ao Terrorismo.

Os Atentados de Paris e a Revitalização da Doutrina Bush

A doutrina Bush defendida pelos Estados Unidos logo após os atentados de 11 de setembro de 2001 ofereceu fundamento legal para articular a intervenção norte-americana no Afeganistão. O argumento da legítima defesa preventiva, utilizado como principal justificativa para a intervenção militar no Iraque, por outro lado, passou a polarizar as criticas relativas à doutrina de segurança nacional do governo Bush[14]. Todavia, a doutrina Bush é muito mais ampla, demandando uma posição firme por parte dos Estados na luta contra o terrorismo internacional. A abordagem desta é

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essencialmente compatível com as obrigações impostas pela resolução 1373 (2001), incluindo a obrigação de negar suporte passivo, bem como patrocinar ativamente organizações terroristas internacionais. Além disso, o reconhecimento do direito de legitima defesa dos Estados Unidos, por parte das resoluções do Conselho de Segurança, antes mesmo de identificar os responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001, inicia uma prática internacional destinada a legitimar o uso da força contra os chamados “failed states”, Estados que não exercem controle efetivo sobre todo o território.

A noção de responsabilidade objetiva relacionada ao argumento da legitima defesa contra o suporte passivo ao terrorismo não é resultado da violação direta do princípio da proibição do uso da força, mas decorrência de nova abordagem no que se refere ao dever de diligência dos Estados soberanos. Neste sentido, o surgimento de vastas áreas controladas pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque oferece mais um desafio à lógica que legitima o discurso do uso da força para justificar a intervenção militar destinada a reprimir a atividade de atores não estatais não vinculados diretamente a nenhum Estado. Neste ponto, a situação atual é diferença daquela relacionada ao elo entre Al Qaeda e Afeganistão, pois era inquestionável a cooperação entre o Taliban e a Al Qaeda.

A reação imediata oficial da França, se comparada às diretrizes da doutrina Bush, pode ser considerada uma continuação da abordagem militarista dos Estados Unidos logo após os atentados de 11 de setembro de 2001:

“Este é um ato de guerra perpetrado por um exercito terrorista, um exercito jihadista, Daesh, contra a França. É um ato de guerra que foi preparado, organizado e planejado no exterior,

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com cumplicidade interna, a qual a investigação auxiliará a estabelecer.”[15]

Apesar de semelhante ao discurso dos Estados Unidos nos momentos fundadores da guerra contra o terror, a afirmação do Primeiro Ministro da França, Françoise Hollande deve ser compreendida à luz do contexto internacional atual. A presença de nacionais franceses, dentre os terroristas suicidas, complica mais a situação, deixando claro que a resposta militar sem coordenação com o serviço de inteligência interno e internacional não será suficiente para garantir a segurança dos franceses e estrangeiros na França. Por outro lado, a Síria e o Iraque já são alvo de bombardeios constantes de alianças diversas, incluindo a participação da França. A opção de intervenção militar por terra, nos moldes da intervenção liderada pela OTAN no Afeganistão, também não será suficiente para encerrar o conflito interno, pois qualquer solução, neste momento, deverá incluir o governo do ditador Assad, agradando pouco os rebeldes sírios, a Arábia Saudita, os países do Golfo e a Turquia que defendem a retirada do Presidente Assad do poder.

O fato de o Estado Islâmico ter reivindicado a autoria dos ataques de Paris também não oferece qualquer solução simples, de maneira que não há demandas concretas, mas sim um entrechoque de ideologias, claro no discurso do Daesh:

“Nós iremos, com a ajuda de Alá, a Paris antes de Roma e antes da Andaluzia, e nos escureceremos a sua existência e explodiremos a sua Casa Branca, o Big Ben e a Torre Eiffel, com a vontade de Alá”[16]

As motivações do Daesh indicam abordagem muito semelhante da que motivou os atentados da Al Qaeda nos Estados Unidos e na Europa na primeira década do século vinte e um. Não obstante, a crescente radicalização islâmica de nacionais europeus,

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bem como a participação direta destes no conflito na Síria, associado ao contexto das revoluções da chamada Primavera Árabe, e ao grande fluxo de imigrantes sírios na Europa, agrega conflitos inerentes de difícil enfrentamento. Apesar de os mulçumanos na Europa, e na França, representarem uma minoria[17], as tensões sociais na Europa podem ser atribuídas ao fracasso das sociedades europeias em promover a assimilação dos descendentes dos imigrantes das antigas colônias britânicas e francesas na África e na Ásia[18].

Conclusões

A análise dos atentados terroristas de Paris, associada a conjuntura internacional associada ao contexto europeu, revela a contradição inerente a qualquer aparente concordância entre as lideranças internacionais no que se refere a guerra contra o Estado Islâmico. A lógica do inimigo comum não se sustenta no campo de guerra, de maneira que a perspectiva de um acordo político em Viena, destinado a solucionar o conflito na Síria dificilmente reduzirá a cisão entre as diferentes versões da teologia islâmica, incluindo a cisão entre sunitas e xiitas, e as diversas fragmentações de modelos de Estado sunitas, dentre elas a vertente fundamentalista representada pelo Estado Islâmico.

NOTAS:

*Professora de Direito Internacional na Escola Superior Dom Helder Câmara. Bacharel e Mestre em Direito pela PUC-MG, LLM com tese pela Faculdade de Direito Buchman da Universidade de Tel Aviv. Pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Direito Zvi Meitar (Fellowship, 2005-8). Advogada e Consultora Jurídica em Belo Horizonte.

[1] G1. Estado Islâmico: conheça o grupo, seus objetivos e suas estratégias: decapitações e outras formas de terror tornaram organização conhecida radicais islâmicos controlam território entre Síria e Iraque. Globo.com. 8, Jun, 2015

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<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/estado-islamico-conheca-o-grupo-seus-objetivos-e-suas-estrategias.html>

[2] Greig, Rebeca. ISIS, Al Qaeda And Boko Haram: Who Are The Terrorists Responsible For Ruining Our World? International Business Times. 17, Jul., 2015. <http://www.ibtimes.com/isis-al-qaeda-boko-haram-who-are-terrorists-responsible-ruining-our-world-2013888>

[3] Al Jazeera. The Syrian conflict: Russia vs the West? Talk to Al Jazeera. 11, Out., 2015 <http://www.aljazeera.com/programmes/talktojazeera/2015/10/syrian-conflict-russia-west-151011081552603.html>

[4] Afsah, Ebrahim. Contested Universalities of International Law. Islam’s struggle with modernity. Journal of the History of International Law. 10 (2008) pp. 259-307

[5] March, Andrew. Geneologies of Sovereignty in Islamic Political Theory. Social Research: An International Quarterly. V.80, N. 1, Spring 2013, pp. 293-320

[6] Brockmeier, Sarah. Stuenkel, Oliver. Tourinho, Marcos. The Impact of the Libya Intervention Debates on Norms of Protection. Sarah Brockmeier, Oliver Stuenkel & Marcos Tourinho (2015): TheImpact of the Libya Intervention Debates on Norms of Protection, Global Society, pp. 1-21 <https://www.academia.edu/18012213/The_Impact_of_the_Libya_Intervention_Debates_on_Norms_of_Protection_Global_Society_>

[7] Vide nota 5.

[8] Otto, Jan Michiel. Sharia Incorporated: A Comparative Overview of the Legal Systems of Twelve Muslim Countries in Past and Present. Amsterdam University Press - Leiden University Press Academic. 2011

[9] Tisdall, Simon. The Turkish foreign minister, Ahmet Davutoglu, who said the lives of millions of Syrians were at risk. The Guardian. 19, Out., 2012

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<http://www.theguardian.com/world/2012/oct/19/turkey-britain-us-intervene-syria>

[10] Al Jazeera. Iran 'deploys troops' to help Syrian army offensive. Al Jazeera.com. 15, Out, 2015 <http://www.aljazeera.com/news/2015/10/iran-deploys-troops-syrian-army-offensive-aleppo-homs-151015053316090.html >

[11] Azikiwe, Abayomi. Yemen Facing Famine as Saudi-GCC War Impacts Millions. Global Research. 30, Jun., 2015 < http://www.globalresearch.ca/yemen-facing-famine-as-saudi-gcc-war-impacts-millions/5459249>

[12] Vide nota 2.

[13] Gordonsept, Michael R. Russia Surprises U.S. With Accord on Battling ISIS. The New York Times. 27, Set., 2015 <http://www.nytimes.com/2015/09/28/world/middleeast/iraq-agrees-to-share-intelligence-on-isis-with-russia-syria-and-iran.html>

[14] Waisberg, Tatiana. Os Estados Unidos e a Guerra contra o Terror: o uso da força contra o terrorismo nas Doutrinas Bush e Obama. Boletim Mundorama. 16, Ago., 2014 <http://mundorama.net/2014/08/16/os-estados-unidos-e-a-guerra-contra-o-terror-o-uso-da-forca-contra-o-terrorismo-nas-doutrinas-bush-e-obama-por-tatiana-waisberg/ >

[15] Nossiter, Adam. Breeden, Aurelien. Bennholdnov, Katrin. “Three Teams of Coordinated Attackers Carried Out Assault on Paris, Officials Say; Hollande Blames ISIS”. The New York Times. 14, Nov., 2015 <http://www.nytimes.com/2015/11/15/world/europe/paris-terrorist-attacks.html?_r=0>

[16] Le Monde. Attaques à Paris : les questions que vous nous posez. Le Monde.fr. 14, Nov., 2015 <http://www.lemonde.fr/les-decodeurs/article/2015/11/14/attaques-a-paris-les-questions-que-vous-nous-posez_4809711_4355770.html>

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[17] The Economist. Islam in Europe. 7, Jan., 2015. <http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2015/01/daily-chart-2?fsrc=scn/fb/te/bl/ed/islamineurope>

[18] Anghie, Antony. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Cambridge University Press. 2004

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BRIGADA MILITAR: A ACELERAÇÃO DO PROCESSO DE DESMILITARIZAÇÃO REQUERIDA PELA SOCIEDADE E MOVIDA PELA CLASSE POLÍTICA

VIVIAN VALENÇA DOS SANTOS: Comerciária. Estudante do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista - IPA.

INTRODUÇÃO

Serão estudadas no presente artigo algumas posições a respeito da desmilitarização das polícias militares, tendo como cenário de fundo principal a Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Para isso, foram realizadas pesquisas junto às redes sociais e também pesquisa de campo, pondo de frente à opinião acadêmica e as Propostas de Emenda Constitucional sobre o tema.

Inicialmente será abordada, de forma sucinta, a história da Brigada Militar, sua evolução como exército estadual, passando a força reserva do Exército, à garantia da manutenção da ordem pública em um regime anticomunista até se tornar polícia que tem a missão de proteger os cidadãos.

Após, as opiniões de pessoas entrevistadas dos mais diversos segmentos da sociedade e as PECs e, por fim, a posição dos policiais militares da Brigada Militar. Para tanto, buscou-se investir na pesquisa uma liberdade total na produção da pessoa entrevistada, de forma que esta não se sentisse condicionada a escolher uma opção predeterminada. Por fim, chega-se à conclusão a respeito da desmilitarização, não de uma abordagem jurídica ou técnica da viabilidade e eficiência, mas sim sociológica, onde foi buscado ver realmente o que a sociedade e os policiais querem, ou seja, consumidor e prestador de serviço.

1 A BRIGADA MILITAR GAÚCHA COMO CRIAÇÃO DE UM EXÉRCITO ESTADUAL E SUA POSTERIOR POLICIALIZAÇÃO

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A Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul foi criada como exército estadual em 1892[1], sendo uma instituição que em sua origem era verdadeiramente especializada na arte da guerra. Ela serviu de guarda pretoriana dos presidentes estaduais gaúchos, na manutenção do regime castilho-borgista e, ainda, de força militar dos republicanos como um disciplinado e temível exército estadual, participando intensamente de todas as guerras insurrecionais do Brasil até 1932.

Os oficiais desta Força Policial[2] tornaram-se uma elite militar com base em três elementos: a Missão Instrutora do Exército que a passou a treinar desde 1909, o Curso de Preparação Militar[3] e a grande experiência bélica adquirida nas guerras insurrecionais. Sendo uma verdadeira máquina militar altamente profissional, seus Cursos de Formação Militar na Academia de Polícia Militar[4] rivalizava com a Escola Militar do Realengo[5].

A União passa gradualmente, a partir de 1934, a retirar o caráter bélico das milícias estaduais, de forma que as passa a transformar em polícias militares. Porém, tal fato tarda em ocorrer no Rio Grande do Sul, por conta da importância de seu Exército Estadual nas guerras insurrenciais. A sua realidade de exército estadual entrou em crise de identidade por volta de 1950, obrigando a instituição a avançar no processo de policialização para sobreviver.

Oficiais e praças profissionalizados como militares, que eram treinados para a guerra, naturalmente tiveram dificuldades em se adaptar ao novo serviço policial, desencadeado a partir do choque cultural da antiga e da nova atividade. A Brigada Militar avançou em três dimensões de polícia. A de ordem, durante a intervenção militar[6]; a de segurança, antes e depois; e também comunitária dentro de uma perspectiva democrática.

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Nesse período democrático que ocorreu até 1964, a Brigada Militar foi se adaptando à policialização, de forma que passou a uma “Brigada Polícia” (mas ainda exército). Porém, nesse ano houve uma intervenção militar, interrompendo de forma abrupta com o regime político do Brasil, passando este para um sistema castrense. Houve a retomada de uma centralização de todos os poderes na União, de forma que atingiu a Brigada Militar[7]. Tal controle deu forma às polícias, Civil e Militar, de forma que foram utilizadas no regime militar como força repressiva aos subversivos e seus opositores. Percebe-se que, de certa forma, a Brigada Militar também foi vítima da intervenção de 64.

Assim, percebe-se que o regime autoritário policializou as milícias estaduais, não obstante mantendo-as como tropas auxiliares do Exército, além da extensão deste nas ruas das cidades, para integralizá-las como força repressiva aos crimes de segurança nacional e contra a ordem política e social da época. Na maior parte de sua história a Brigada Militar foi exército estadual, treinada e equipada para a guerra. Com o passar do tempo, foi avançando também na manutenção da ordem pública, principalmente devido à diversas gestões nesse sentido, preenchendo lacunas da velha (e extinta) Guarda Civil Metropolitana. Veio também, com o avançar dos anos, a avocar para si diversas competências, como a fiscalização de trânsito, entre outras. Após a Constituição de 1988, a Brigada Militar vem, aos poucos, se tornando menos militar e mais policial.

2 SOCIEDADE E CLASSE POLÍTICA DEMANDAM A DESMILITARIZAÇÃO

Não há dúvidas de que o tema a respeito da desmilitarização das polícias estaduais ostensivas, ou seja, as Polícias Militares, nunca foi tão atual. Diversos setores da sociedade civil, do meio acadêmico, formadores de opinião e a classe política debatem o assunto frequentemente – alguns de

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forma verdadeiramente apaixonada. Porém, durante as pesquisas se percebeu claramente que o cidadão comum[8] não tinha até então uma opinião formada, de forma que até mesmo pessoas com nível superior ficaram surpresas com a pesquisa e perguntaram o motivo dela. Ao responderem a questão depois de uma rápida reflexão, cerca de 70% delas afirmou que é totalmente a favor de manter o sistema atual, de duas polícias separadas, uma civil e outra militar, de forma a seguir com o policialmente ostensivo nessa condição.

Segundo a opinião das pessoas que são à favor da desmilitarização, tal fato seria de vital importância para a real democratização do país. O militarismo desde a Antiguidade formava soldados na arte da guerra, de forma que os militares sempre tiveram a ótica de matar o inimigo. Sob essa perspectiva, o policial militar não seria o ideal, pois estaria preparado para combater o cidadão – e não defendê-lo.

Questões como violência policial, abuso de autoridade, desmandos, corrupção, entre outras, estariam ligados intrinsecamente à condição de ser militar. Tal fato se daria por conta de um “apartamento” (no sentido de se apartar), da polícia militar em relação aos civis. Um verdadeiro “clubismo”, onde toda a instituição defenderia os seus, mesmo procedendo erroneamente. Somando-se a isso as Justiças Militares Estaduais e teríamos uma receita para uma verdadeira impunidade.

Ainda, foi mencionado por alguns entrevistados as Jornadas de Junho[9] como um exemplo nato de que o modelo policial militar estaria falido, pois teria havido um sem-número de incidentes abusivos por parte das polícias militares no Rio Grande do Sul, em especial em Porto Alegre.

A favor da permanência do modelo atual – que é a de que a polícia ostensiva deve continuar dentro do regime castrense, os

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principais argumentos partem no sentido de que o Brasil não estaria preparado para a desmilitarização das polícias, pois os delinquentes e demais potenciais transgressores perderiam o respeito. Fora isso, a hierarquia militar, em tese, manteria tudo mais organizado e o policial militar fardado impõe muito mais respeito e que a polícia não fardada “mexe mais com papéis”. E, ainda, que impor respeito não é ser inimigo da sociedade. Outrossim, a sociedade brasileira estaria na mão de (políticos) idiotas e da bandidagem, de forma que seria melhor “fechar o Brasil se acabassem com a polícia militar.

Outro argumento é de que se até mesmo os Estados Unidos estão repensando em militarizar polícias de algumas localidades[10], ir ao sentido contrário no Brasil seria um contrassenso. Outrossim, houve argumentos de que a polícia deveria ser ainda mais militarizada e a instituição, fortalecida.

Em relação às reclamações referentes ao abuso de autoridade, a opinião de alguns é a de que poderia ficar ainda pior, uma vez que os maus policiais não estariam identificados e à paisana. Ainda, que o argumento de que a polícia militar é herança da ditadura é um argumento “imbecil”. Fora isso, as polícias militares são força de apoio das forças armadas.

O Deputado Chico Lopes do Partido Comunista do Brasil na Proposta de Emenda Constitucional 321/2013[11] não prevê a extinção da PM, mas cria uma polícia estadual estruturada a partir de uma formação civil, além de uma polícia municipal. A partir desta ideia, as Polícias Militares não seriam instantaneamente eliminadas, e sim substituídas gradualmente pelas Polícias Estaduais, totalmente civis, em que disporiam do ciclo completo de polícia[12].

A Proposta de Emenda Constitucional do Senador Blairo Maggi, do Partido da República, foi levada ao Senado em 2011. Atualmente se encontra com o relator na Comissão de Constituição,

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Justiça e Cidadania. Entre outros pontos, Maggi propõe que os Estados possam criar uma polícia unificada. Oficiais da Polícia Militar e Delegados de Polícia de Carreira poderiam ser transformados em delegados de uma polícia estadual única e de hierarquia não militar.

Tramita na Câmara dos Deputados desde 2009 a Proposta de Emenda Constitucional 432/2009[13] do Deputado Celso Russomano do Partido Progressista, do Deputado Marcelo Itagiba do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, do Deputado Capitão Assunção, do Partido Socialista Brasileiro, e do Deputado João Campos, do Partido Social Democrático Brasileiro. Atualmente aguarda designação do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O texto não só propõe a unificação das polícias como também a desmilitarização do Corpo de Bombeiros, que hoje tem funções de Defesa Civil.

Pelo número de intervenções legislativas, percebe-se claramente que a desmilitarização das polícias é mais do que uma possibilidade: é algo que está na iminência de acontecer, bastando para isso de apoio da base do Governo.

3 A OPINIÃO DOS MILITARES ESTADUAIS – OS BRIGADIANOS[14]

Inicialmente, não há que se olvidar de que o tema da provável desmilitarização já não é mais tabu entre os brigadianos. Tema recorrente nas conversas na tropa, é certamente um dos assuntos mais abordados. Sem falar que nas redes sociais, seja na forma de anonimato ou totalmente identificado, a discussão a respeito desta polêmica já não gera desconforto. Pelo contrário: a cada dia o assunto é abordado de forma crescente, ainda que muitos não tenham a ideia mais clara a respeito das mudanças.

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Na rede social Facebook, há o grupo da Brigada Militar[15] (não oficial), onde há mais de 12.000 membros, a maioria absoluta deles brigadianos da ativa, da reserva e reformados, oficiais e praças. A opinião é bastante dividida, e há argumentos em todas as direções. A enquete sobre a “Desmilitarização: a favor ou contra?”, terminou com 59 votos contra a desmilitarização (ou seja, permanecer no modelo atual), contra 48 votos a favor pela desmilitarização (apóiam a desmilitarização). Quatro pessoas votaram na opção em que não haviam decidido ainda, pelo que não tinham opinião formada. Uma votação bastante apertada, portanto.

Os argumentos a favor da desmilitarização, na opinião de um dos integrantes da corporação, baseiam-se no fato de que o policiamento funcionaria melhor, a exemplo dos Estados Unidos da América. Outro diz que “(...) tá cheio de brigadiano querendo a desmilitarização mas não querem perder as vantagens de serem militares (...)”. Outro levanta a hipótese de que somente a desmilitarização seria uma boa opção por conta das possíveis futuras vantagens salariais, pois “(...) sabidamente a única forma de pressão por aumento salarial que funciona é a greve (...)”.

Uma liderança do movimento PRÓ BM[16]afirma que é favorável quanto à desmilitarização, desde que fossem mantidas a estrutura hierárquica, a estética militar, os procedimentos operacionais e tático-militares. Outrossim, o foco da questão estaria em extinguir a legislação militar diferenciada, ou seja, que sejam “devolvidos” uma série de direitos políticos, trabalhistas e direitos à greve e à sindicalização, ao molde de outros trabalhadores. Além disso, vai mais fundo: que as justiças militares passassem a atender demandas comuns. E finaliza de forma fulminante: a única parte que precisaria morrer do militarismo seria a jurídica, pois o policial militar deveria ser visto como gente, e não como coisa.

A Associação das Esposas e Policiais Femininas do Nível Médio da Brigada Militar opina também de forma favorável

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pois, segundo a entidade, os únicos a ganharem sempre com o militarismo são os oficiais da instituição, pois estes “sempre dizem para o Governo que é eles que seguram a tropa e é porque os PMS não podem fazer greve (...)”.

Outros membros do grupo afirmaram que é necessário desvincular a Brigada Militar do militarismo herdado do Exército, e que a função, embora ainda seja auxiliar das Forças Armadas, é diferente. Não se trata mais de “combater o inimigo”, e sim garantir a segurança da população e preservação da ordem. Somente desmilitarizando seria possível uma maior qualificação dos recursos humanos. Houve ainda a afirmação de que uma polícia militar seria incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Curiosamente, embora a maioria dos brigadianos seja contra a desmilitarização, é perceptível que a quantidade de argumentos é menor. Entre eles, está a questão de que sem hierarquia e disciplina as coisas tenderiam para o caos, uma vez que nada mais garantiria a pronta obediência dos agentes policiais. Além disso, pesa a questão cultural, pois nosso modelo é herança dos portugueses e franceses sendo, ainda, fruto de transformações socioculturais como as guerras secessionistas, a Ditadura Militar, entre outras.

Um dos membros da comunidade, brigadiano, afirma que é contra a desmilitarização e que até hoje a polícia militar funcionou bem e “ninguém reclamou”. Desmilitarizando, perderia a essência do policiamento fardado e do “encanto” de ser policial militar. Fora isso, um aspecto pouco abordado: a de que as polícias militares são uma força reserva do Exército, de forma que em uma eventual agressão estrangeira, teríamos meio milhão de homens prontos a defender o país internamente.

Por fim, uma das preocupações recorrentes entre a maioria dos servidores militares é a respeito da perda das

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vantagens da condição de militar estadual. Entre elas, a principal se dá referente a fatores previdenciários, como a aposentadoria integral e de uma posição acima da carreira[17]. Destarte, as agruras de ser militar estariam superadas desde que mantivessem tal vantagem.

CONCLUSÃO

Percebe-se claramente que a Brigada Militar como instituição menos fez, em seus quase 200 anos de história, foi o serviço de policiamento. Desde o princípio atuando como exército estadual, foi se moldando às transformações que o Brasil recebeu ao longo dos anos. Assim, passando por uma fase de força reserva do Exército à garantia da ordem pública após a década de 50, sendo que somente durante a Ditadura Militar foi assumindo o policiamento e tomando a forma atual.

A pesquisa realizada a respeito da desmilitarização das Polícias Estaduais ostensivas, ou seja, as PMs de todo o Brasil chegou a resultados bastante interessantes. O primeiro deles é de que, ao contrário do que se propaga, não se trata de uma reivindicação geral da população. Na verdade, trata-se de uma requisição do meio acadêmico e de parte da classe política, pois, conforme a pesquisa de campo e pesquisa na rede social Facebook demonstrou, a imensa maioria da população ignora completamente o fato da polícia ser militar ou não[18].

A pesquisa abordou pessoas dos mais diversos grupos sendo que, surpreendentemente, chegou-se à conclusão que a grande maioria não só é contra a desmilitarização como também ignora totalmente a discussão. Viu-se que o debate mal saiu das paredes das universidades, tendo resposta tão somente no Congresso Nacional. Aliás, mal há manchetes sobre o tema nos jornais.

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As opiniões favoráveis à desmilitarização se referem principalmente à “real democratização do país”, além de diminuírem problemas como a violência policial, abuso de autoridade, corrupção. Fora isso, a extinção da Justiça Militar Estadual poria fim à suposta parcialidade nos julgamentos de policiais que, com uma Justiça comum e isenta, traria decisões mais condizentes com o esperado. À respeito das Jornadas de Junho foi informado por um dos entrevistados condutas da Brigada Militar não condizentes com o que aconteceu no Estado, e sim de outros locais do Brasil, ou seja, a suposta violência policial de outras localidades foi confundida com a do Rio Grande do Sul[19], pelo que demonstrou o desconhecimento com a realidade gaúcha, tida como modelo em todo o território nacional.

Em favor da continuidade, vê-se que os principais argumentos partem de que o Brasil não estaria preparado para desmilitarizar as polícias militares pois os criminosos perderiam o respeito. Viu-se ainda o desconhecimento do sistema policial pela maioria dos entrevistados, que condicionam a imagem do policial à paisana a “mexer com papéis” e a dos fardados com o combate ao crime. Assim, pensam que desmilitarizando não haveria mais policiamento ostensivo. Alguns entrevistados falaram até em “fechar o Brasil” caso houvesse o fim da polícia militar, demonstrando assim um enorme desejo de continuísmo do sistema atual. Viu-se que os Estados Unidos estão, aos poucos, militarizando suas polícias, ou seja, adotando padrões e condutas propriamente militares com o aumento do poder de fogo da criminalidade. Outrossim, desmilitarizar a polícia seria inclusive ir na contramão do mundo desenvolvido. O abuso de autoridade também foi argumento dos que foram a favor da não desmilitarização, pelo que seria ainda pior caso houvesse mudança do sistema.

Houve identificação de algumas Propostas de Emenda Constitucional a favor da desmilitarização, onde o padrão era a

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unificação em uma única polícia estadual, demonstrando assim uma grande atividade por parte da classe política.

A opinião dos brigadianos foi bastante dividida, embora a desmilitarização tenha perdido por poucos votos. Em sua maioria praças da instituição, têm diversos argumentos. Entre ideias de melhora do serviço de policiamento e as rixas com Oficiais da instituição, a ideia central da desmilitarização é uma maior autonomia e futuras vantagens salariais conquistadas através de pressões em greves, que agora seriam plenamente possíveis sem as graves consequências que poderiam causar dentro de um sistema militar. Porém, percebe-se claramente que querem manter um status visual e no modus operandi de característica militar, embora juridicamente civis.

Os argumentos contra a desmilitarização por parte dos brigadianos seguem a linha da necessidade da hierarquia e disciplina para a eficiência do serviço e também a importância de ser ter uma força auxiliar e reserva do Exército. Porém, o maior argumento foi o medo de ser perder vantagens de natureza pecuniária e os proventos da reserva, ou seja, a principal preocupação é em conta da aposentadoria especial.

Por fim, a conclusão que se chegou é de que muitos entrevistados fizeram argumentos rasos e não condizentes com a realidade, seja da instituição, seja da posição das Propostas de Emenda Constitucional, demonstrando que os debates, ao menos fora do meio acadêmico e do Congresso Nacional, têm muito que crescer ainda. Afinal, a desmilitarização das polícias não é um desejo da sociedade, e sim teses de uma minoria formadora de opinião que, aliás, já escreveu bastante sobre o tema mas não convenceu as pessoas ainda.

REFERÊNCIAS

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CABEDA, Coralio Bragança Pardo. MEIRA, Antonio Gonçalves. A Missão de Instrução do Exército na Brigada Militar do Rio Grande do Sul (1909-1932). In Revista Defesa Nacional: out/dez, 1991 apud KARNIKOWSKI, Romeu Machado. De Exército Estadual à Polícia-Militar: O Papel dos Oficiais na Policialização da Brigada Militar (1892-1988).

CROCHÍK, José Leon. Preconceito, Indivíduo e Cultura. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

AUTOR DESCONHECIDO. Militarização da polícia nos EUA muda a relação com a comunidade. Notícias Terra. Disponível em:http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/militarizacao-da-policia-nos-eua-muda-relacao-com-a-comunidade,d2f9b03e260a0410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

Apensada no final de 2013 à PEC 432/2009. Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=459294&ord=1

Grupo Não Oficial da Brigada Militar no Facebook. Disponível em:https://www.facebook.com/groups/brigadamilitar/

Grupo de Policiais Militares, Oficiais e Praças. Empenhados nas melhorias das condições de trabalho pessoais e institucionais da Brigada Militar:http://www.pro-bm.com.br/

NOTAS:

[1] Alguns historiadores afirmam que a data real da criação é na verdade 1937, tendo a Brigada Militar participado inclusive da Revolução Farroupilha.

[2] O Coronel PM Hélio Moro Mariante (que dá nome à Academia de Polícia Militar), considerado um dos mais importantes historiadores da milícia gaúcha, no seu livro Crônica da Brigada

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Militar Gaúchachama essa unidade de Corpo Policial, mas no texto da própria lei n.º 7, de 18 de novembro de 1837, que a criou, batizou em seu artigo 1º como Força Policial e não como Corpo Policial.

[3] CABEDA, Coralio Bragança Pardo. MEIRA, Antonio Gonçalves. A Missão de Instrução do Exército na Brigada Militar do Rio Grande do Sul (1909-1932). In Revista Defesa Nacional: out/dez, 1991 apud KARNIKOWSKI, Romeu Machado. De Exército Estadual à Polícia-Militar: O Papel dos Oficiais na Policialização da Brigada Militar (1892-1988).

[4] A Academia de Polícia Militar em muitos aspectos era considerada a melhor do Brasil à época.

[5] A Escola Militar do Realengo era o berçário dos Oficiais do Exército.

[6] Ditadura militar, regime de exceção no Brasil que vigorou de 1964 a 1985.

[7] É interessante perceber que diversos integrantes da Brigada Militar foram duramente atingidos pelo golpe de 1964. Nada menos do que 38 militares presos (sendo 20 oficiais), 17 expulsos da corporação e, ainda, 75 militares reformados. Todos estes por não se “adequarem” ao novo regime.

[8] Foram entrevistados em Porto Alegre pessoas das mais diversas origens, etnias, condição socioeconômica e profissões, como estudantes, policiais, comerciantes, empresários, trabalhadores operacionais, garis, donos de restaurantes, professores, etc.

[9] Protestos ocorridos no Brasil em 2013, também conhecidos como “Manifestações dos 20 Centavos” ou “Manifestações de Junho”. Foram várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos das tarifas de transporte público.

[10] As polícias locais tem adotado diversas práticas militares, seja em armamentos, seja no modusoperandi, desde a década de

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90 do século passado devido à guerra ao narcotráfico e ao combate ao terrorismo. Disponível em:http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/militarizacao-da-policia-nos-eua-muda-relacao-com-a-comunidade,d2f9b03e260a0410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

[11] Apensada no final de 2013 à PEC 432/2009. Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=459294&ord=1

[12] Polícia de ciclo completo ou ciclo completo de polícia consiste na atribuição à mesma corporação policial das atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública realizadas pela presença ostensiva uniformizada dos policiais nas ruas.

[13] Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=459294&ord=1

[14] Brigadiano é o policial militar do Rio Grande do Sul, único Estado do Brasil em que sua Polícia Militar é chamada de BRIGADA MILITAR.

[15]https://www.facebook.com/groups/brigadamilitar/

[16] “Grupo de Policiais Militares, Oficiais e Praças. Empenhados nas melhorias das condições de trabalho pessoais e institucionais da Brigada Militar:http://www.pro-bm.com.br/

[17] Para as praças.

[18] Na pesquisa um professor, durante a entrevista, lançou a pergunta se a Brigada (Militsr), era militar?

[19] A atuação da Brigada Militar nas Jornadas de Junho foi tida como exemplar, não havendo incidentes significativos de violência policial.

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BREVE PAINEL À CARTA DE LAUSANNE (1990): SINGELOS COMENTÁRIOS

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do presente está assentado na análise da Carta de Lausanne (1990) e sua proeminência na tutela do patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.

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Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela Jurídica. Documentos Internacionais.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Breve Painel à Carta de Lausanne (1990): Singelos Comentários.

1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de

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evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço

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normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da

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Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira

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indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam oser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao

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apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que ocaput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão

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corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima

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de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

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preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.

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Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo microssistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural

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(jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança,

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referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 Breve Painel à Carta de Lausanne (1990): Singelos Comentários

Em um primeiro momento, cuida anotar que a Carta de Lausanne, em seu artigo 1º, destaca que o “patrimônio arqueológico” compreende a porção do patrimônio material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e interessa todos os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam elas; estruturas e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados. Em seu artigo 2º, o documento em exame evidencia que o patrimônio arqueológico é um recurso cultural frágil e não renovável. Os planos de ocupação de solo decorrentes de projetos desenvolvimentistas devem, em consequência, ser regulamentados, a fim de minimizar, o mais possível, a destruição desse patrimônio. As políticas de proteção ao patrimônio arqueológico devem ser sistematicamente integradas àquelas relacionadas ao uso e ocupação do solo, bem como às relacionadas à cultura, ao meio ambiente e à educação. As políticas de proteção ao patrimônio arqueológico devem ser regularmente atualizadas. Essas políticas devem prever a criação de reservas arqueológicas. As políticas de proteção ao patrimônio

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arqueológico devem ser consideradas pelos planificadores nos níveis nacional, regional e local. A participação do público em geral deve estar integrada às políticas de conservação do patrimônio arqueológico, sendo imprescindível todas as vezes em que o patrimônio de uma população autóctone estiver ameaçado. Essa participação deve estar fundada no acesso ao conhecimento, condição necessária e qualquer decisão. A informação do público é, portanto, um elemento importante de “conservação integrada”.

Por sua vez, o artigo 3º aponta que a proteção ao patrimônio arqueológico constitui obrigação moral de todo ser humano. Constitui também responsabilidade pública coletiva. Essa responsabilidade deve traduzir-se na adoção de uma legislação adequada e na garantia de recursos suficientes para financiar, de forma eficaz, os programas de conservação do patrimônio arqueológico. O patrimônio arqueológico pertence a toda a sociedade humana, sendo, portanto, dever de todos os países assegurar que recursos financeiros suficientes estejam disponíveis para a sua proteção. A legislação deve garantir a conservação do patrimônio arqueológico em função das necessidades da história e das tradições de cada país e de cada região, garantindo amplo lugar à conservação in situ e aos imperativos de pesquisa. A legislação deve fundar-se no conceito de que o patrimônio arqueológico constitui herança de toda a humanidade e de grupos humanos, e não de indivíduos ou de nações.

A Carta de Lausanne, ainda no artigo 3º, preconiza que a legislação deve proibir a destruição, degradação ou alteração por modificação de qualquer monumento, sítio arqueológico ou seu entorno, sem a anuência das instâncias competentes. A legislação deve, por princípio, exigir uma pesquisa prévia e o estabelecimento de documentação arqueológica completa cada vez que a destruição do patrimônio arqueológico for autorizada. A legislação deve exigir a conservação adequada do patrimônio arqueológico, garantindo os recursos para tal. A legislação deve prever sanções adequadas, proporcionais às infrações mencionadas nos textos referentes ao patrimônio arqueológico. Caso a legislação ampare somente o patrimônio tombado ou inscrito em inventário

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oficial, dever-se-á criar dispositivos legais que garantam a proteção temporária dos monumentos e dos sítios não protegidos ou descobertos recentemente, até que uma avaliação arqueológica tenha sido feita.

Os projetos de desenvolvimento constituem uma das maiores ameaças físicas ao patrimônio arqueológico. A exigência feita aos empreendedores para que realizem estudos de impacto arqueológico antes da definição do programa empreendimento deveria estar enunciada em uma legislação própria, prevendo no orçamento do projeto o custo dos estudos. Esse princípio deveria também estar estabelecido na legislação referente aos projetos de desenvolvimento, de forma a minimizar seus impactos sobre o patrimônio arqueológico. Em seu artigo 4º, a Carta de Lausanne preconiza que a proteção ao patrimônio arqueológico deve fundar-se no conhecimento, o mais completo possível, de sua existência, extensão e natureza. Os inventários gerais de potencial arqueológico constituem, assim, instrumentos de trabalho essenciais para elaborar estratégias de proteção ao patrimônio arqueológico. Por conseguinte, o inventário deve ser uma obrigação fundamental na proteção e gestão do patrimônio arqueológico. Ao mesmo tempo, os inventários constituem fontes primárias de dados para a pesquisa e o estudo científico. A compilação de inventários deve ser considerada como um processo dinâmico permanente. Resulta disso também que os inventários devem integrar a informação em diferentes níveis de precisão e de fiabilidade, uma vez que o conhecimento, mesmo superficial, pode fornecer um ponto de partida de proteção.

Em arqueologia, o conhecimento é amplamente tributário da intervenção cientificado sítio. A intervenção no sítio abarca uma série de métodos de pesquisa, como a exploração não destrutiva até a escavação integral, passando pelas sondagens limitadas e levantamentos por amostragem. A coleta de informações sobre o patrimônio arqueológico deve ter como princípio norteador a não destruição das evidências arqueológicas, além do necessário, para garantia da proteção ou dos objetivos da investigação científica. Deve ser encorajada, sempre que possível, a utilização de métodos de intervenção não destrutivos, tais como:

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observações aéreas, por superfície, subaquáticas, coletas sistemáticas, levantamentos, sondagens, preferencialmente à escavação integral. A escavação implica sempre uma escolha de dados do que serão registrados e conservados às custas da perda de outra informação e, eventualmente, da destruição total do monumento ou sítio. A decisão de escavar deve ser tomada somente após madura reflexão.

O artigo 5º da Carta de Lausanne sublinha que as escavações devem ser executadas de preferência em sítios e monumentos condenados à destruição, devido a projetos de desenvolvimento que alterem a ocupação e o uso do solo, em razão de pilhagem, ou da degradação causada por agentes naturais. Em casos excepcionais, sítios não ameaçados poderão ser escavados, seja em função das propriedades da pesquisa, seja visando a sua apresentação ao público. Nesses casos, a escavação deve ser precedida por uma detalhada avaliação científica do sítio. A escavação deve ser parcial e preservar um setor virgem, em vista de pesquisas anteriores. Ocorrendo escavação, um relatório respondendo a normas bem definidas deverá ser colocada à disposição da comunidade científica e anexado ao inventário, num prazo razoável após o término dos trabalhos. As escavações devem ser executadas em conformidade com as recomendações da UNESCO (Recomendações definindo os princípios a serem aplicados em matéria de pesquisas arqueológicas, 1956), de acordo com as normas profissionais, internacionais e nacionais.

No que toca ao artigo 6º, a Carta de Lausanne explicita que conservar in situ monumentos e sítios deveria ser o objetivo fundamental da conservação do patrimônio arqueológico, incluindo também sua conservação a longo prazo, além dos cuidados dedicados à documentação e às coleções etc., a ele relacionados. Qualquer translação viola o princípio segundo o qual o patrimônio deve ser conservado no seu contexto original. Esse princípio enfatiza a necessidade da manutenção, conservação e gestão apropriadas. Decorre disso que o patrimônio arqueológico não deve ser exposto aos riscos e às consequências da escavação ou abandonado após a escavação, caso não tenham sido previstos os recursos necessários a sua

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manutenção e conservação. O engajamento e a participação da população local devem ser estimulados como meio de ação para a prevenção do patrimônio arqueológico. Em certos casos, pode ser aconselhável confiar à responsabilidade da proteção e da gestão dos monumentos e dos sítios às populações autóctones.

A preservação de sítios e monumentos se dará necessariamente de forma seletiva, uma vez que os recursos financeiros são inevitavelmente limitados. A seleção de sítios e monumentos deverá fundamentar-se em critérios científicos de significância e representatividade, e não limitar-se apenas aos monumentos de maior préstimo ou visualmente sedutores. A recomendação da UNESCO de 1956 deve aplicar-se igualmente à preservação e à conservação do patrimônio arqueológico. A apresentação do patrimônio arqueológico ao grande público é um meio de fazê-lo ascender ao conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades modernas. Ao mesmo tempo, constitui o meio mais importante para fazê-lo compreender a necessidade de proteger esse patrimônio. A apresentação ao grande público deve consistir na popularização do estado corrente do conhecimento científico, devendo ser atualizada frequentemente. Para permitir o entendimento do passado, deve considerar múltiplas abordagens. As reconstituições respondem a duas funções importantes, tendo sido concebidas para fins de pesquisa experimental e pedagógica. Devem, entretanto, cercar-se de cuidados, de forma a não perturbar nenhum dos vestígios arqueológicos remanescentes; devem também levar em conta testemunhos de toda espécie, buscando a autenticidade. As reconstituições não devem ser feitas sobre os vestígios arqueológicos originais, devendo ser identificáveis como tais.

Em seu artigo 8º, a Carta de Lausanne enfatiza, oportunamente, que a gestão do patrimônio arqueológico exige o domínio de numerosas disciplinas em elevado nível científico. A formação de um número suficiente de profissionais nos setores de competência interessados deve, por conseguinte, ser um objetivo importante da política educacional de cada país. A necessidade de se formar peritos em setores altamente

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especializados exige cooperação internacional. A formação universitária em arqueologia deve prever em seus programas as mudanças ocorridas nas políticas de conservação, menos preocupadas com escavações do que com a conservação in situ. Deveria igualmente considerar o fato de que o estudo da história das populações indígenas é tão importante quanto o dos monumentos e sítios prestigiosos, para conservar e compreender o patrimônio arqueológico. A proteção do patrimônio arqueológico constitui processo dinâmico permanente. Por conseguinte, todas as facilidades devem ser concedidas aos profissionais trabalhando nessa área, a fim de permitir sua permanente reciclagem. Programas especializados de formação de alto nível, proporcionando amplo lugar à proteção e à gestão do patrimônio arqueológico deveriam ser implantadas.

Por ser o patrimônio arqueológico uma herança comum de toda a humanidade, a cooperação internacional é essencial para enunciar e fazer respeitar os critérios de gestão desse patrimônio. Existe uma necessidade premente de serem estabelecidos circuitos internacionais que permitam a troca de informações e a partilha de experiências entre os profissionais encarregados da gestão do patrimônio arqueológico, o que implica organização de conferências, seminários, workshops em escala mundial e regional, assim como a criação de centros regionais de formação de alto nível. O ICOMOS deveria, por intermédio de seus grupos especializados, levar em conta essa situação em seus projetos, a longo e médio prazo. Programas internacionais de intercâmbio de profissionais deveriam ser implantados, como forma de elevar o nível de competência no gerenciamento do patrimônio arqueológico. Programas de assistência técnica deveriam ser desenvolvidos sob os auspícios do ICOMOS.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais dapolítica urbana e dá outras providências. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 set. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 06 set. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: EditoraJusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 06 set. 2015.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 06 set. 2015, s.p.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão emArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-

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ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. .Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

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[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa

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- Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. .Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 06 set. 2015, p. 15-16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas, pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império

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Bizantino desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 set. 2015.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.

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REQUISITOS CARACTERIZADORES DA JUSTA CAUSA TRABALHISTA

LORENA CARNEIRO VAZ DE CARVALHO ALBUQUERQUE: Advogada, inscrita na OAB/GO. Bacharel em Direito pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP.

INTRODUÇÃO

No Direito do Trabalho, o poder disciplinar consiste no conjunto de prerrogativas concentradas ao empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados diante do descumprimento por esses, de suas obrigações contratuais sendo poder decorrente do poder diretivo conferido ao empregador pelo artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

A existência de tal princípio tornou-se necessária diante da existência de determinados requisitos quando da aplicação do poder disciplinar do empregador, ou seja, limitações que validam a justa causa aplicada ao empregado.

Assim, os requisitos ensejadores da justa causa, enumerados pela doutrina, tem por objetivo impedir o abuso por parte do empregador quando da aplicação das penalidades aos seus subordinados, assegurando, portanto, ao empregado penalizado, não permanecer à mercê da vontade exclusiva de seu patrão, em virtude do princípio da proteção ao trabalhador.

DESENVOLVIMENTO

A aplicação de punições disciplinares, pelo empregador, ao empregado faltoso deve observar os seguintes requisitos, segundo Vólia Bomfim Cassar (in Direito do Trabalho. Vólia Bomfim Cassar. 8ª ed., São Paulo: Método, 2013, p:1048).

I - Imediação, imediatidade ou atualidade: A punição deve ser atual, aplicada assim que o empregador tomar

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conhecimento da prática do ato faltoso, providenciando a aplicação da penalidade, sob pena da configuração do perdão tácito. Todavia, punição atual não significa concomitante, mas, contemporânea, pois deve ser contada a partir da ciência do fato e da autoria do ato inquinado, revelando-se o ideal que a dispensa do empregado ocorra no máximo, no dia seguinte ao do conhecimento da falta pelo empregador, conforme recomendação do Desembargador Sérgio Pinto Martins. (in Manual da Justa Causa. Sérgio Pinto Martins. São Paulo: Atlas, 2005, p. 33). Entretanto, não há óbice para que o empregador investigue antes, a prática da falta, a fim de se certificar acerca da sua autoria e aplicação correta das penalidades (o procedimento de investigação deve ser instaurado de imediato), como é comum nas grandes empresas. Nesse caso, as penalidades devem ser aplicadas logo após a conclusão da investigação.

Vejamos, a propósito, o seguinte julgado: JUSTA CAUSA. ATO DE IMPROBIDADE.

INEXISTÊNCIA DE PERDÃO TÁCITO. Uma vez instaurada sindicância interna, restando assegurados o contraditório e a ampla defesa ao reclamante, justifica-se o lapso temporal entre a apuração dos fatos e a aplicação da demissão, mormente em se tratando de um procedimento investigatório com toda a complexidade em que foi relatado, com a oitiva de todos os envolvidos, para se chegar ao resultado pretendido, além de ser a reclamada uma empresa multinacional de grande porte, inexistindo, portanto, falta de imediatidade. (TRT 2ª R; RO 0302900-38.2009.5.02.0501; Ac. 2012/0343783; Décima Primeira Turma; Relª Desª Fed. Maria José Bighetti Ordono Rebello; DJESP 03/04/2012).

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II - Proporcionalidade entre a falta e a punição: As penalidades deverão ser aplicadas de acordo com a gravidade das faltas cometidas, á despeito da CLT só mencionar as penalidades de suspensão e de dispensa por justa causa, ao passo que a doutrina e a jurisprudência consagram o direito de aplicação também da pena de advertência, podendo ser realizada de forma verbal ou escrita, destinada a punir faltas leves (recomenda-se a utilização desta forma, a escrita). A suspensão, é utilizada para a punição de falta de gravidade média, mas que não justifica a resolução do contrato de trabalho. Já a justa causa, é aplicada à faltas graves que são taxativamente previstas em lei e cuja prática torna insustentável a relação de emprego, em razão da quebra de confiança entre patrão e empregado. Para aplicar a penalidade mais adequada, o empregador deve sopesar o contexto em que ocorreu, o passado funcional do trabalhador, grau de instrução do trabalhador, etc..

Acerca do tema, transcrevamos o seguinte julgado: RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. JUSTA

CAUSA. PROPORCIONALIDADE DA PENA. DESCARACTERIZAÇÃO. A cessação da relação de emprego mediante falta praticada pelo empregado é pena máxima que necessita ser grave a ponto de justificar a dispensa, no que é de fundamental importância que seja levada em consideração a extensão (gravidade) da falta cometida, a ponto de ensejar a resolução do contrato de trabalho. Constatada, na hipótese, que a punição aplicada foi proporcional à gravidade do ato praticado, sendo observada, inclusive, a gradação pedagógica (advertência e suspensão), há de ser mantida a decisão de primeiro que ratificou a justa causa aplicada pelo empregador como motivo da dispensa do

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reclamante. Apelo desprovido. (TRT 19ª R; RO 0001308-97.2012.5.19.0260; Primeira Turma; Rel. Des. Antônio Adrualdo Alcoforado Catão; Julg. 21/01/2014; DEJTAL 18/02/2014; Pág. 12).

III - Non bis in idem (princípio de direito segundo o qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato) ou singuralidade da punição: O presente requisito impede a dupla punição do empregado por uma mesma falta, ou seja, caso o empregador puna o empregado com a penalidade de advertência em decorrência de uma determinada falta, não seria possível, posteriormente, pela mesma falta puni-lo com suspensão. Não se considera “bis in idem” descontar do salário os dias de faltas injustificadas daqueles empregados dispensados por desídia ou abandono. Também não configuraria “bis in idem”, a faculdade que o empregador possui em descontar do período de férias as faltas injustas que o empregado teve no período aquisitivo e a demissão do trabalhador por desídia, não se relacionando com as punições disciplinares, o desconto dos dias não trabalhados, o desconto dos danos causados, a redução dos dias de férias, a perda da remuneração do dia de repouso semanal, seja por impontualidade ou faltas, sendo tais faculdades conferidas pelo legislador ao empregador.

Sobre o princípio, colacionamos o seguinte julgado: DISPENSA POR JUSTA

CAUSA. Impossibilidade de dupla punição. Princípio da singularidade da punição conquanto o direito de aplicar punições seja autorizado pelo poder diretivo do empregador, já que é ele quem responde pelos riscos do negócio (CLT, art. 2º), o seu exercício subordina-se à observância de alguns requisitos, dentre os quais o da singularidade da punição (non bis in idem).

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Dessa forma, uma vez imposta uma determinada sanção ao empregado faltoso, não poderá o empregador agravá-la com a aplicação de outra mais ou com a sua conversão por alguma mais gravosa. (TRT 12ª R; RO 0003415-13.2013.5.12.0022; Quinta Câmara; Relª Juíza Maria de Lourdes Leiria; DOESC 31/03/2014).

IV - Não-discriminação ou tratamento igual: esse requisito impede que por um mesmo ato faltoso praticado por dois ou mais empregados, haja punições distintas, de forma que o empregador não pode punir de maneira diversa empregados que praticaram a mesma falta. Não se trata de faltas iguais praticadas por empregados diferentes e em momentos distintos, mas de ato único praticado em co-autoria. No caso de faltas iguais praticadas por empregados distintos e em momentos diferentes, há algumas ressalvas na doutrina, sendo prudente que o empregador que tenha o costume de relevar ou abrandar a punição de determinadas condutas, caso deseje mudar a sua postura diante da mesma falta, comunique, anteriormente, aos empregados acerca da mudança de posicionamento em relação à punição de faltas futuras.

V - Gravidade da falta e apreciação da gravidade: Ao aplicar uma justa causa, o empregador deverá avaliar cada caso de forma concreta e subjetiva levando em consideração a personalidade do agente, a intencionalidade, os fatos que levaram o empregado à prática do ato, a ficha funcional, os antecedentes, as máculas funcionais anteriores, o grau de instrução ou de cultura, a época do fato, o critério social dentre outros, devendo sua aplicação ser reservada e discreta, apenas para os casos em que é impossível o prosseguimento do contrato de trabalho e desde que haja prova do seu cometimento e autoria. Se não houver prova, a opção deve ser pela dispensa sem justa causa.

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VI - Teoria da vinculação dos fatos ou dos motivos determinantes da punição ou do caráter determinante da falta ou nexo causal: O empregador deve comunicar quais os atos praticados pelo empregado considerados como faltosos e ensejadores da dispensa por justa causa (efeito), sendo tal comunicação necessária para a defesa do empregado e para que o empregador, não inclua ou substitua as faltas que motivaram a dispensa por outras. Portanto, é imprescindível acuidade e descrição do ato faltoso, porque não poderá ser invocado fato diverso para justificar a aplicação da penalidade disciplinar.

Em suma: para a caracterização da justa causa ensejar o rompimento do contrato de trabalho, é indispensável a tipificação da conduta do empregado em uma das hipóteses previstas no art. 482 da CLT, não havendo que se falar em dispensa por justa causa sem tipificação em lei, não podendo o período de suspensão disciplinar ser superior a 30 (trinta) dias consecutivos, sob pena de o contrato de trabalho ser considerado rescindido sem justa causa, em face do que dispõe o art. 474 da CLT.

VII - A não ocorrência do perdão - expresso ou tácito: O perdão expresso ocorre quando o empregador toma conhecimento do ato faltoso praticado pelo empregado e o desculpa formalmente, não podendo, posteriormente, dispensá-lo alegando uma justa causa pelo ato faltoso perdoado. Já o perdão tácito ocorre quando o empregador, ciente da prática do ato faltoso, realiza algum ato que não condiz com o a vontade de punir o empregado, configurando-se o perdão presumido ou tácito, assim como a demora ou a não punição do empregado, e a concessão do aviso prévio em relação às faltas ainda não punidas.

CONCLUSÃO

Dessa forma, a aplicação da justa causa depende imprescindivelmente da presença dos requisitos acima mencionados, caso contrário, poderá ser anulada pela Justiça do

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Trabalho de forma que a existência de tais requisitos ou elementos é primordial para a existência de uma certa limitação ao poder disciplinar do empregador impedindo que o empregado, fique à mercê da vontade exclusiva de seu patrão no que diz respeito à possibilidade de ser penalizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DELGADO, Maurício. Godinho Curso de Direito do Trabalho. 2011.

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 2012.