bioquÍmica clÍnica na gravidez -...

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Universidade de Lisboa Faculdade de Farmácia BIOQUÍMICA CLÍNICA NA GRAVIDEZ Rubina Vanessa Dias Cassaca Relatório de estágio orientado pela Professora Doutora Maria João Monteiro dos Santos Ferreira da Silva e coorientado pela Professora Doutora Maria Cristina Crespo Ferreira Silva Marques Mestrado em Análises Clínicas 2017

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

BIOQUÍMICA CLÍNICA NA GRAVIDEZ

Rubina Vanessa Dias Cassaca

Relatório de estágio orientado pela Professora Doutora Maria João

Monteiro dos Santos Ferreira da Silva e coorientado pela Professora

Doutora Maria Cristina Crespo Ferreira Silva Marques

Mestrado em Análises Clínicas

2017

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

BIOQUÍMICA CLÍNICA NA GRAVIDEZ

Rubina Vanessa Dias Cassaca

Relatório de estágio orientado pela Professora Doutora Maria João

Monteiro dos Santos Ferreira da Silva e coorientado pela Professora

Doutora Maria Cristina Crespo Ferreira Silva Marques

Mestrado em Análises Clínicas

2017

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III

Agradecimentos

Agradeço, especialmente, à supervisora de estágio, que acompanhou e prestou

todo o seu apoio, não só durante a realização do estágio, como também na elaboração do

relatório de estágio.

Doutora Ana Catarina Ferreira Rombo (Especialista em Análises Clínicas, do Laboratório

de Análises Clínicas Dr. Joaquim Chaves).

Expresso os meus agradecimentos à orientadora da monografia, pela

disponibilidade, assim como pela contribuição das sua preciosas críticas e sugestões, e à

orientadora do estágio pela revisão do relatório e sugestões.

Doutora Maria João Monteiro dos Santos Ferreira da Silva (Professora Auxiliar, da

Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa) e à Doutora Maria Cristina Crespo

Ferreira Silva Marques (Professora Auxiliar, da Faculdade de Farmácia da Universidade

de Lisboa).

A todos os Técnicos e Especialistas em Análises Clínicas do Laboratório Dr.

Joaquim Chaves dirijo o meu agradecimento, pela disponibilidade e simpatia.

Finalmente, o meu especial agradecimento aos meus pais que sempre me apoiaram

incondicionalmente.

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IV

Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

RELATÓRIO DE ESTÁGIO

Rubina Vanessa Dias Cassaca

Relatório de estágio orientado pela Professora Doutora Maria Cristina

Crespo Ferreira Silva Marques e supervisionado pela Especialista em

Análises Clínicas, Doutora Ana Catarina Ferreira Rombo

Mestrado em Análises Clínicas

2017

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V

RESUMO

O presente relatório de estágio resulta da componente Estágio

Laboratorial/Monografia integrada no plano de estudos do Mestrado em Análises

Clínicas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Este trabalho descreve

parâmetros analíticos, assim como metodologias e equipamentos contactados durante o

estágio profissional no Laboratório Dr. Joaquim Chaves nas áreas de Microbiologia,

Bioquímica, Hematologia, Imunologia, Radioimunoensaio, Química Analítica e Fase

Pré-Analítica.

Palavras-chave:

Análises clínicas; microbiologia; bioquímica; hematologia; imunologia

ABSTRACT

This internship report results from the Laboratory Internship/Monograph

component integrated in the study plan of the Master in Medical Laboratory of the Faculty

of Pharmacy, University of Lisbon. This work describes analytical parameters, as well as,

methodologies and equipment contacted during the professional internship at the

Laboratory Dr. Joaquim Chaves in the areas of Microbiology, Biochemistry, Hematology,

Immunology, Radioimmunoassay, Analytical Chemistry and Preanalytical Phase.

Keywords:

Clinical analysis; microbiology; biochemistry; hematology; immunology

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VI

Índice

Agradecimentos ..................................................................................................................... III

Resumo ................................................................................................................................... V

Abstract................................................................................................................................... V

Índice de Figuras ................................................................................................................ VIII

Índice de Tabelas ................................................................................................................ VIII

Abreviaturas ..........................................................................................................................IX

Introdução ................................................................................................................................ 1

1. Fase Pré-Analítica ............................................................................................................... 2

2. Microbiologia ...................................................................................................................... 3

2.1. Métodos ........................................................................................................................ 4

2.1.1. Exame Microscópico ............................................................................................. 4

2.1.2. Exame Cultural ...................................................................................................... 6

2.2. Testes de Identificação Microbiológica ...................................................................... 11

2.3. Equipamentos de Ensaio ............................................................................................. 14

2.3.1. Vitek® 2 Systems 05.01......................................................................................... 14

2.3.2. Cirtómetro Sysmex UF - 1000i ............................................................................ 16

2.3.3. Sistema BacT/Alert 3D - 60 ................................................................................. 17

2.4. Produtos Biológicos .................................................................................................... 17

2.4.1. Urina Asséptica .................................................................................................... 18

2.4.2. Trato Urogenital ................................................................................................... 22

2.4.3. Fezes .................................................................................................................... 29

2.4.4. Exsudado Ocular e Exsudado Auricular .............................................................. 34

2.4.5. Sistema Respiratório Superior ............................................................................. 37

2.4.6. Sistema Respiratório Inferior ............................................................................... 39

2.4.7. Hemocultura ........................................................................................................ 42

2.5. Antibiograma .............................................................................................................. 44

2.5.1. Microdiluição ....................................................................................................... 44

2.5.2. E-test .................................................................................................................... 45

2.5.3. Método de difusão em placa de Kirby-Bauer ...................................................... 46

3. Core Laboratorial............................................................................................................... 48

4. Hematologia ...................................................................................................................... 48

4.1. Hemograma................................................................................................................. 49

4.2. Equipamentos de Ensaio ............................................................................................. 50

4.2.1. ADVIA® 2120 Hematology System ...................................................................... 50

4.2.2. ADVIA® 2120 Hematology System with Autoslide .............................................. 57

4.2.3. Analisador de Velocidade de Sedimentação VES - MATIC cube 200 ................. 59

4.2.4. Analisador Imunohematológico AutoVue® Innova .............................................. 60

4.2.5. VARIANT™ II Hemoglobin Testing System ........................................................ 62

4.2.6. Analisador BCS® XP ............................................................................................ 63

4.3. Técnicas Manuais ....................................................................................................... 65

4.3.1. Determinação do Índice de Atividade da Fosfatase Alcalina Leucocitária ......... 65

5. Bioquímica ........................................................................................................................ 66

5.1. Equipamentos de Ensaio ............................................................................................. 67

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VII

5.1.1. ADVIA® 2400 Chemistry System ......................................................................... 67

5.1.2. Analisador de urinas Clinitek Atlas® ................................................................... 68

5.1.3. ADVIA Centaur® Immunoassay System ............................................................... 68

5.1.4. IMMULITE® 2000 Immunoassay System ............................................................ 70

5.1.5. COBAS e411 ........................................................................................................ 70

5.1.6. CAPILLARYS® 2 .................................................................................................. 72

5.2. Analitos ....................................................................................................................... 72

5.2.1. Metabolismo Proteico .......................................................................................... 72

5.2.2. Metabolismo Lipídico .......................................................................................... 76

5.2.3. Metabolismo dos Hidratos de Carbono ............................................................... 78

5.2.4. Função Hepática .................................................................................................. 80

5.2.5. Função Renal ....................................................................................................... 83

5.2.6. Função Pancreática .............................................................................................. 87

5.2.7. Função Tiroideia .................................................................................................. 89

5.2.8. Metabolismo Ósseo ............................................................................................. 90

5.2.9. Eletrólitos ............................................................................................................. 92

5.2.10. Marcadores Cardíacos........................................................................................ 93

5.2.11. Marcadores Tumorais ........................................................................................ 94

6. Química Analítica .............................................................................................................. 96

7. Imunologia ......................................................................................................................... 97

7.1. Técnicas de Diagnóstico ............................................................................................. 97

7.1.1. ELISA .................................................................................................................. 97

7.1.2. Imunofluorescência .............................................................................................. 98

7.1.3. Imunoblot ............................................................................................................. 98

7.1.4. Imunodifusão ....................................................................................................... 99

7.1.5. Imunocromatografia ............................................................................................ 99

7.1.6. Aglutinação ........................................................................................................ 100

7.2. Serologia Infeciosa ................................................................................................... 100

7.2.1. Hepatite A .......................................................................................................... 100

7.2.2. Hepatite B .......................................................................................................... 101

7.2.3. Hepatite C .......................................................................................................... 103

7.2.4. VIH .................................................................................................................... 103

7.3. Rastreio na Gravidez ................................................................................................. 105

7.3.1. CMV .................................................................................................................. 105

7.3.2. Rubéola .............................................................................................................. 107

7.3.3. Toxoplasma gondii ............................................................................................. 108

7.3.4. Sífilis .................................................................................................................. 109

7.4. Autoimunidade ......................................................................................................... 110

8. Radioimunoensaio ........................................................................................................... 111

9. Controlo da Qualidade ..................................................................................................... 112

9.1. Controlo de Qualidade Interno ................................................................................. 112

9.2. Controlo de Qualidade Externo ................................................................................ 113

Conclusão ............................................................................................................................ 114

Referências Bibliográficas ................................................................................................... 115

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VIII

Índice de Figuras

Figura 1: Citograma BASO obtido a partir de uma amostra de um doente ................... 52

Figura 2: Histograma de volume de eritrócitos ............................................................ 53

Figura 3: Histograma de concentração de hemoglobina de eritrócitos .......................... 54

Figura 4: Citograma de volume e concentração de hemoglobina dos eritrócitos ........... 54

Figura 5: Citograma de dispersão de plaquetas ............................................................ 55

Figura 6: Citograma de absorção e dispersão de reticulócitos ...................................... 56

Figura 7: Citogramas PEROX ..................................................................................... 57

Figura 8: Ilustração e classificação da reação CAT ...................................................... 60

Figura 9: Imunoensaio de captura de anticorpos .......................................................... 70

Figura 10: Reação de eletroquimioluminescência à superfície do elétrodo ................... 71

Índice de Tabelas

Tabela 1: Níveis de identificação ................................................................................ 15

Tabela 2: Microrganismos causadores de ITU ............................................................. 19

Tabela 3: Defesas do trato urogenital e flora saprófita colonizadora ............................ 22

Tabela 4: Infeções genitais e respetivos agentes patogénicos ....................................... 23

Tabela 5: Doenças mais comuns no trato urogenital masculino e feminino .................. 24

Tabela 6: Meios de cultura (trato urogenital) ............................................................... 29

Tabela 7: Agentes causadores de disenteria ................................................................. 30

Tabela 8: Principais mecanismos fisiopatológicos e os respetivos agentes patogénicos 31

Tabela 9: Meios de cultura utilizados na coprocultura ................................................. 31

Tabela 10: Parasitas intestinais mais frequentes ........................................................... 33

Tabela 11: Meios de cultura (exsudado ocular e auricular) .......................................... 36

Tabela 12: Microrganismos causadores de infeção no sistema respiratório superior..... 37

Tabela 13: Meios de cultura (sistema respiratório superior) ......................................... 38

Tabela 14: Agentes patogénicos causadores de infeção no trato respiratório inferior ... 40

Tabela 15: Critérios de classificação para amostras de expetoração ............................. 41

Tabela 16: Critérios de semiquantificação aplicados a BAAR ..................................... 41

Tabela 17: Meios de cultura (expetoração) .................................................................. 41

Tabela 18: Meios de cultura utilizados na hemocultura ............................................... 43

Tabela 19: Antibióticos testados nas cartas de TSA, adaptadas ao sistema Vitek® 2 ... 45

Tabela 20: Antibióticos utilizados no método de Kirby-Bauer ..................................... 47

Tabela 21: Alterações morfológicas reportáveis .......................................................... 58

Tabela 22: Alarmes emitidos pelo equipamento Advia® 2120 ..................................... 59

Tabela 23: Fenotipagem ABO/Rh ............................................................................... 61

Tabela 24: Proteínas plasmáticas e as suas respetivas frações ...................................... 74

Tabela 25: Constituição do imunoblot para o VIH 1 e 2 ............................................ 104

Tabela 26: Critérios de classificação CRSS ............................................................... 105

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IX

Abreviaturas

ADH Anti diuretic hormone - Hormona Antidiurética

ADN Ácido Desoxirribonucleico

AES Advanced Expert System™

AgHBc Antigénio do core do Vírus da hepatite B

AgHBe Antigénio de replicação viral do Vírus da hepatite B

AgHBs Antigénio de superfície do Vírus da hepatite B

ALT Alanina Oxoglutarato Aminotransferase

ARN Ácido Ribonucleico

AST Aspartato Oxoglutarato Aminotransferase

BAAR Bacilos Álcool-Ácido Resistentes

CAM Gelose Campylosel

CAN Gelose chromIDTM Candida

CDC Centers for Disease Control and Prevention

CHGM Concentração de Hemoglobina Globular Média

CK-MB Creatina Quinase fração MB

CLED Gelose CLED

CLSI Clinical and Laboratory Standards Institute

CMI Concentração Mínima Inibitória

CMV Citomegalovírus

CNA Gelose Columbia ANC

COS Gelose Columbia

CPS Gelose chromIDTM CPS

CQE Controlo de Qualidade Externo

CQI Controlo de Qualidade Interno

CRSS Consortium for Retrovirus Serology Standardization

cTnI Troponina I

cTnT Troponina T

DGS Direção-Geral da Saúde

EAM Enfarte Agudo do Miocárdio

EA Éster de Acridina

EDTA Ethylenediamine Tetraacetic Acid

ELISA Enzyme-Linked Immunosorbent Assay

ESBL Extended-Spectrum Beta-Lactamases

FA Fosfatase Alcalina

FTA-abs Fluorescent Treponemal Antibody absorption

GAR Gelose Gardnerella

GFR Glomerular filtration rate - Taxa de Filtração Glomerular

GN Gram Negativos

GP Gram Positivos

HAEM Gelose Chocolate Haemophilus

Hb Hemoglobina

HbA1c Hemoglobina Glicada

HDL Higth Density Lipoproteins

HEKT Gelose Hektoen

HGM Hemoglobina Globular Média

HPFH Persistência Hereditária de Hemoglobina Fetal

Ht Hematócrito

IAFAL Índice de Atividade da Fosfatase Alcalina Leucocitária

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X

ID Identificação Microbiológica

IF Imunofluorescência

Ig Imunoglobulina

IRA Índice Relativo de Avidez

ITU Infeções do Trato Urinário

LDL Low Density Lipoprotein

LJ-T Meio de Lowenstein-Jensen

LMC Leucemia Mieloide Crónica

MCK Gelose MacConkey

MSA Gelose Chapman

NAD Nicotinamida Adenina Dinucleótico oxidado

NADH Nicotinamida adenina dinucleótico reduzido

PAI Pesquisa de Anticorpos Irregulares

PCR Polymerase Chain Reaction

PTH Parathormone - Paratormona

PTOG Prova de Tolerância Oral à Glicose

PVX Gelose Chocolate PolyViteX

RBC Contagem de Eritrócitos

RDW Índice de Dispersão Eritrocitário

RIA Radioimunoensaio

SCS Gelose Schaedler

SGC Gelose Sabouraud Gentamicina Cloranfenicol

STRB Gelose chromIDTM Strepto B

TA Temperatura Ambiente

TP Tempo de Protrombina

TPHA Treponema pallidum haemaglutination assay

TSA Teste de Suscetibilidade a Antibióticos

TSH Thyroid-stimulating hormone - Hormona Estimuladora da Tiroide

TT Tempo de Trombina

TTPa Tempo de Tromboplastina Parcial ativada

T3 Triiodotironina

T4 Tetraiodotironina (T4)

UFC Unidades Formadoras de Colónias

VDRL Venereal Disease Research Laboratory

VGM Volume Globular Médio

VHA Vírus da Hepatite A

VHB Vírus da Hepatite B

VHC Vírus da Hepatite C

VIH Vírus da Imunodeficiência Humana

VLDL Very Low Density Lipoproteins

VS Velocidade de Sedimentação

WHO World Health Organization

YER Gelose Yersinia

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Rubina Cassaca Relatório de Estágio

Mestrado em Análises Clínicas

1

Introdução

O presente relatório de estágio resulta do Estágio de natureza profissional em

Análises Clínicas, como parte integrante do plano de estudos do Mestrado em Análises

Clínicas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Realizei o estágio no

Laboratório de Análises Clínicas Dr. Joaquim Chaves, entre fevereiro e agosto de 2016,

com a duração de 1080 horas, sob a orientação da Dr.ª Maria Cristina Crespo Ferreira

Silva Marques, Professora Auxiliar, da Faculdade de Farmácia da Universidade de

Lisboa, e supervisão da Dr.ª Ana Catarina Ferreira Rombo, Especialista em Análises

Clínicas pela Ordem dos Farmacêuticos, Responsável de área substituta do Core

Laboratorial.

A atividade técnica do Laboratório Dr. Joaquim Chaves é coordenada pelo Diretor

Técnico, Dr. Carlos Cardoso. O laboratório efetua análises no âmbito da Bioquímica

Clínica, Endocrinologia, Hematologia, Imunohematologia, Imunologia, Alergologia,

Microbiologia, Biologia Molecular, Genética Médica e Anatomia Patológica. O

laboratório é uma entidade certificada, de acordo com os requisitos da Norma NP-EN-

ISO 9001:2008, associada à Norma NP-EN-ISO-IEC-17025:2005 que define os

requisitos gerais de competência para o laboratório de ensaio e calibração.

O presente estágio foi realizado com o intuito de providenciar a integração no

meio profissional e contactar com os profissionais da área e, deste modo, aprofundar

conhecimentos técnico-científicos relacionados com os processos envolvidos na rotina

laboratorial, como também a aplicação de conhecimentos adquiridos ao longo da parte

curricular do mestrado, e da observação prática do funcionamento laboratorial,

nomeadamente das técnicas aplicadas na análise de parâmetros de rotina, como dos

parâmetros não considerados de rotina, das técnicas de colheita adequadas para cada

determinação em diversos produtos biológicos, dos processos envolvidos no controlo e

garantia da qualidade e da correta interpretação dos resultados obtidos.

O presente relatório de estágio descreve os principais parâmetros analíticos

aprendidos em cada valência, nomeadamente métodos aplicados, descrição dos

equipamentos utilizados e a importância/significado clínico. Uma vez que o Laboratório

Dr. Joaquim Chaves realiza uma vasta quantidade de parâmetros analíticos, sendo-me

impossível descreve-los todos, limitei-me a referir, no meu entender, alguns dos

parâmetros mais importantes e/ou frequentes no laboratório.

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Rubina Cassaca Relatório de Estágio

Mestrado em Análises Clínicas

2

1. Fase Pré-Analítica

A fase pré-analítica engloba todos os processos envolvidos, desde da preparação

do Utente, colheita da amostra, triagem, até ao envio da amostra para análise.

A grande maioria dos erros laboratoriais estão associados à fase pré-analítica. Os

erros podem ser minimizados cumprindo os requisitos relacionados com a preparação do

paciente, a colheita (técnica, material utilizado e identificação das amostras biológicas),

acondicionamento, conservação, transporte para o laboratório, receção, verificação e

processamento para posterior análise.

Na colheita da amostra deve-se considerar as variáveis controláveis que

influenciam os resultados, as quais incluem variações associadas a fatores biológicos

controláveis como, exercício e treino físico, variação circadiana, influência da dieta e

fármacos, postura e imobilização. Quanto aos fatores não controláveis (idade, género,

medicação, doenças existentes, etc.) deve-se ter o seu conhecimento, para tal é realizado

um inquérito na altura da colheita, de modo a que os resultados estejam adaptados à

situação do utente (Burtis C. et al., 2015).

Na área reservada às colheitas, no laboratório central, são colhidos vários tipos de

amostras biológicas, como urina, sangue, saliva, suor e exsudados. Durante o estágio tive

a oportunidade de observar a prática de colheitas de sangue venoso. Alguns dos aspetos

importantes durante o procedimento da punção venosa são: a confirmação dos dados e a

obtenção de informações relevantes (inquérito) acerca do utente (universal a qualquer tipo

de colheita); a confirmação da prescrição médica, verificado o tipo de análises necessárias

e a entrega das restantes amostras solicitadas (exemplo: urina e fezes); a correta rotulagem

de todos os tubos necessários; a utilização adequada do tipo de agulha e a sua correta

inserção, evitando hematomas, de forma a obter uma amostra integra (sem hemólise) e

com volume suficiente; a duração da aplicação do garrote, quando este se prolonga por

mais de 2-3 minutos pode causar hemoconcentração; homogeneização adequada e

transporte atempado.

Existem vários tipos de tubos de colheita, designadamente sem anticoagulante

(ativa a cascata da coagulação, obtém-se o soro, usado sobretudo em bioquímica), e com

anticoagulante, nomeadamente o EDTA (Ethylenediamine Tetraacetic Acid) de sódio ou

potássio (obtém-se sangue total, utilizado em técnicas moleculares e na hematologia, por

exemplo, na execução de hemogramas), o citrato trissódico (obtém-se plasma, utilizado

na hematologia para provas da coagulação) e a heparina (colhe-se sangue total, utilizado

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Rubina Cassaca Relatório de Estágio

Mestrado em Análises Clínicas

3

na determinação de metais e gasometria). O EDTA previne a coagulação ao remover o

cálcio ionizado, através de um processo de quelação, resultando a formação de um

complexo entre o cálcio e o EDTA, e permite a preservação celular, assim como a

conservação da morfologia celular. O citrato impede a coagulação ao neutralizar os iões

de cálcio, os quais formam um complexo não ionizado (citrato de cálcio). A heparina é

um anticoagulante natural (produzida por basófilos e mastócitos) que inibe a coagulação

ao impedir a formação da rede fibrina, através da catalisação da inativação do fator

trombina (IIa), pois a heparina atua como co-fator de ativação da enzima anti-trombina,

a qual inativa vários fatores de coagulação, principalmente, a trombina (Bishop M. et al.,

2010; Burtis C. et al., 2015).

A triagem das amostras provenientes dos vários postos de colheita, hospitais e

domicílios, ocorre no laboratório central. A triagem inicia-se com o registo manual de

entrada, no sistema informático (eDeiaLab), dos vários tipos de amostras, através de um

sistema de leitura de código de barras, onde é assinalado os tubos em falta associados à

prescrição médica (caso se aplique). Na triagem efetua-se a centrifugação dos tubos, a

fim de se separar o plasma, ou soro, dos restantes componentes celulares sanguíneos, e a

medição do volume das amostras de urina a tempo determinado. Nesta área encontram-

se os equipamentos Genesis FE500 (Tecan), os quais efetuam a separação das várias

amostras, através da leitura do código de barras, pelas diferentes valências, de acordo com

os testes requisitados. As amostras não separáveis pelo equipamento, como as amostras

destinadas as valências de Microbiologia, Anatomia Patológica e Biologia Molecular, são

separadas manualmente.

2. Microbiologia

A área da Microbiologia Clínica compreende a bacteriologia, micologia e a

parasitologia. O laboratório realiza a análise de diversos produtos biológicos, sendo os

mais frequentes as urinas assépticas, as coproculturas e os exsudados, sobretudo os

vaginais.

A atividade da área de Microbiologia inicia-se com a triagem dos produtos

biológicos, efetuada pelos Técnicos de Análises Clínicas da área, de acordo com a

diferenciação requerida face às exigências impostas relacionadas com a segurança e

procedimentos técnicos específicos (exemplo: condições de conservação,

acondicionamento e processamento pré-analítico), de forma assegurar a viabilidade dos

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Rubina Cassaca Relatório de Estágio

Mestrado em Análises Clínicas

4

microrganismos patogénicos e evitar a contaminação ou desenvolvimento da flora

comensal.

A área está organizada de modo a que o fluxo de trabalho cumpra, sempre que

possível, o princípio de “marcha em frente”, reduzindo ao máximo o risco de

contaminação cruzada. Portanto, a área encontra-se dividida em zonas específicas,

nomeadamente triagem de amostras, processamento de produtos, identificação e

antibiograma, avaliação de exames microbiológicos, parasitologia e citometria de fluxo

(urinas).

2.1. Métodos:

2.1.1. Exame Microscópico:

Exame direto (a fresco):

O principal objetivo do exame é a observação (forma e mobilidade celular) dos

microrganismos vivos (parasitas, bactérias, leveduras e fungos), na amostra biológica. É

utilizado na deteção e identificação de parasitas nas fezes e em exsudados vaginais. O

exame é, também, útil na avaliação semiquantitativa de elementos celulares e não

celulares e de microrganismos.

Exame direto após coloração:

Utiliza-se a coloração de Gram e, em determinadas situações, a coloração Álcool-

ácido. Este exame é útil para avaliar qualitativamente e semiquantitativamente a riqueza

da amostra em elementos celulares e microbiológicos, bem como a sua disposição e

morfologia. A coloração é efetuada pelo aparelho de coloração VWR

(MIDAS/Mirastainer).

Coloração Gram:

É uma técnica de diferenciação microbiológica sobretudo utilizada para distinguir

as bactérias Gram positivas das Gram negativas. Permite a determinação da morfologia

celular, tamanho e disposição. É utilizada em produtos biológicos e em colónias

provenientes dos meios de cultura, sendo, usualmente, o primeiro teste de diferenciação.

Em alguns casos permite-nos a identificação presuntiva de um microrganismo ou a

eliminação da hipótese de estar presente um determinado microrganismo.

A técnica consiste em utilizar uma coloração primária com um corante básico

(cristal violeta), após a fixação da amostra. Seguidamente, aplica-se uma solução

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contendo iodo (agente fixador - forma um complexo com o corante, permitindo o aumento

da afinidade da célula para o mesmo). Depois, procede-se à descoloração com álcool

(remove a coloração das bactérias Gram negativas). Por fim, aplica-se a safranina (corante

básico) que cora as Gram negativas. As bactérias Gram positivas adquirem uma coloração

púrpura, enquanto as Gram negativas obtêm uma coloração vermelho a rosa (Leboffe M.

et al., 2011).

A técnica baseia-se na diferença da constituição das paredes celulares entre as

Gram negativas e as Gram positivas. O agente descorante (álcool) atua nos lípidos (extrai-

os), tornando a parede mais porosa das Gram negativas e incapaz de reter o complexo

cristal violeta/iodo. Contrariamente, as Gram positivas, devido ao facto de terem uma

camada mais espessa de peptidoglicano e um maior número de cross-linking (devido aos

ácidos teicóicos), retêm o complexo com uma maior eficácia, o que as torna menos

suscetíveis à descoloração (Leboffe M. et al., 2011; Tortora G. et al., 2013).

Coloração Álcool-ácido:

Neste caso, utiliza-se o método de Kinyoun (uma variação da coloração de Ziehl-

Neelson). É uma coloração diferencial, utilizada para identificar e quantificar Bacilos

álcool-ácido resistentes (BAAR), na pesquisa de bactérias do género Mycobacterium. A

técnica é útil no diagnóstico preliminar da tuberculose, tendo um valor preditivo superior

a 90% em amostras de expetoração. Também, é útil para a monitorização da terapêutica

antibiótica e para a determinação do grau de contagiosidade. O método baseia-se na

presença de ácido micólico na parede celular de bactérias álcool-ácido resistentes. Este

componente da parede possibilita uma maior afinidade para a coloração e uma maior

resistência à descoloração microbiológica, pelo tratamento com uma solução ácido-

álcool. Primeiro, faz-se uma coloração com a carbolfucsina (composto fenólico e

lipossolúvel, com a capacidade de penetrar na parede celular). Uma vez que o corante

está concentrado e, também, devido à sua elevada lipossolubilidade, não é necessário

aquecimento da preparação (utilizado no método de Ziehl-Neelsen), pois o corante entra,

igualmente, para o interior da célula. Depois, procede-se à descoloração com uma solução

ácido-álcool (remove a coloração de células não BAAR) e, por fim, aplica-se o azul de

metileno (contraste). O fundo é corado de azul para facilitar a visualização dos BAAR,

os quais apresentam uma coloração vermelha a púrpura e são os únicos que resistem à

coloração álcool-ácido (Koneman E. et al., 1997; Leboffe M. et al., 2011; Tortora G. et

al., 2013).

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2.1.2. Exame Cultural

No diagnóstico de infeções bacterianas é fundamental a realização da pesquisa do

agente por exame cultural. Note-se que no diagnóstico do agente infecioso é, também,

importante, quando aplicável, a realização do teste de suscetibilidade aos antimicrobianos

e a pesquisa de antigénios específicos.

Neste exame é crucial a manutenção da viabilidade da bactéria, logo é importante

o cumprimento das normas de colheita e de transporte, a fim de não destruir as bactérias

ou de inibir o crescimento microbiológico. Deve ser efetuado, sempre que possível, antes

da terapêutica antimicrobiana, de forma a obtermos uma resposta fiável.

No exame cultural é importante selecionarmos corretamente os meios, de acordo

com os microrganismos que esperamos encontrar em cada produto biológico, assim como

adequarmos corretamente as condições de incubação (atmosfera e temperatura) ótimas ao

desenvolvimento dos microrganismos de interesse.

O objetivo é detetar e isolar o(s) microrganismo(s) de interesse, logo é importante

selecionar as colónias a isolar, a fim de proceder à identificação e/ou antibiograma.

Meios de Cultura (Manual de Meios de Cultura e Suplementos, 2013)

✓ Gelose Columbia + 5% de Sangue de Carneiro (COS)

O COS (meio não seletivo) contém uma mistura de peptonas, que torna o meio

indicado para o crescimento de bactérias exigentes, como Streptococcus e Listeria, e

sangue de carneiro que permite o crescimento da maior parte das espécies bacterianas e a

visualização da hemólise, a qual é um critério fundamental para a orientação da

identificação. Pode, também, ser utilizado para o isolamento de microrganismos

anaeróbios.

Quanto à expressão da hemólise, esta pode ser uma α-hemólise (observando-se

uma coloração esverdeada, contornando as colónias) ou uma β-hemólise (visualiza-se

uma zona clara por baixo ou à volta das colónias).

✓ Gelose Mac Conkey (MCK)

O meio seletivo permite a diferenciação de enterobactérias. A gelose contém

cristal violeta, que possibilita a demonstração da fermentação da lactose pela mudança da

coloração do meio (vermelho neutro). Deste modo, as bactérias fermentadoras da lactose

originam colónias vermelhas ou rosa, por vezes, contornadas por um halo de sais biliares.

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Os microrganismos não fermentadores da lactose geram colónias incolores ou bege ténue.

Os sais biliares, juntamente com o cristal violeta, inibem o crescimento da maioria das

bactérias Gram positivas.

✓ Gelose Chocolate Haemophilus (HAEM)

É um meio seletivo que permite, a partir de uma amostra polimicrobiana, o

isolamento das diferentes espécies de Haemophilus. Contém uma base nutritiva,

enriquecida em hemina e NAD (nicotinamida adenina dinucleótico), os quais advêm do

PolyViteX e da hemoglobina. Inclui, igualmente, uma associação de antifúngicos e

antibióticos, que inibem o crescimento da maioria das bactérias Gram positivas e das

leveduras, tornando o meio seletivo.

✓ Gelose Chocolate PolyViteX (PVX)

É um meio de isolamento, concebido para espécies com necessidades nutricionais

exigentes, como a Neisseria, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus. O isolamento de

espécies exigentes é proporcionado pela adição de hemina e NAD, ao meio.

✓ Gelose Chapman (MSA)

Destina-se ao isolamento de Staphylococcus. O meio contém manitol que permite

distinguir as bactérias fermentadoras, das não fermentadoras, do manitol. As bactérias

fermentadoras originam colónias amarelas (critério para a orientação da identificação de

Staphylococcus aureus). O meio contém um elevado teor em cloreto de sódio que

restringe o crescimento de alguns microrganismos.

✓ Gelose Gardnerella (GAR)

É um meio de isolamento seletivo para a Gardnerella vaginalis. Contém

antibióticos (inibem a maioria das leveduras e microrganismos) e sangue humano, que

facilita o crescimento e possibilita a visualização da β-hemólise à volta das colónias, que

quando obtida, em gelose de sangue humano, significa que existe uma elevada

probabilidade de ser G. vaginalis.

✓ Gelose Schaedler + 5% de Sangue de Carneiro (SCS)

A gelose é um meio de isolamento, reservado à pesquisa de microrganismos

estritamente anaeróbios e anaeróbios facultativos, em hemoculturas. O meio contém

fatores de crescimento, como a hemina, extrato de levedura, vitamina K3 e sangue de

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carneiro. O desenvolvimento das espécies anaeróbias é favorecido pela adição de um

agente redutor (L-cistina) e glucose altamente concentrada.

✓ Gelose CLED (CLED)

Este meio de isolamento destina-se a amostras urinárias. A gelose permite a

diferenciação dos microrganismos fermentadores da lactose (exemplo: E. coli) e impede

o desenvolvimento de Proteus. As bactérias lactose positivas, através da acidificação do

meio, geram colónias amarelas a amarelas-pálidas, enquanto os microrganismos não

fermentadores da lactose originam colónias verdes, azuis ou incolores.

✓ Gelose Hektoen (HEKT)

Destina-se ao isolamento seletivo e diferencial de Salmonella e Shigella, em

coproculturas. O meio tem como princípio a fermentação, de um, dos três açúcares,

incluídos no meio (lactose, sacarose e salicina). As colónias de interesse são verdes ou

azuis-esverdeadas (não há acidificação do meio), já as restantes são amarelas-salmão ou

amarelas (devido à acidificação do meio). O meio contém sais biliares e corantes (citrato

de ferro amoniacal, azul de bromotimol e fuscina ácida) que inibem o desenvolvimento

de bactérias Gram positivas e limitam o crescimento de Proteus. O meio, também, contém

hipossulfito de sódio, o que permite a distinção de bactérias produtoras de sulfureto de

hidrogénio (H2S - reduzem o composto adicionado ao meio), através da formação de um

centro negro, na colónia. Após a incubação, as colónias de Salmonella são verdes ou

azuis-esverdeadas, com ou sem centro negro, enquanto as de Shigella são da mesma cor,

mas sem centro negro.

✓ Gelose Yersinia CN (YER)

Meio de isolamento seletivo de Yersinia (coproculturas). O meio contém

cefsulodina, irgasan e novobiocina, responsáveis pela seletividade do meio. O irgasan

(contém colato, desoxicolato, cristal violeta e antibióticos) inibe o desenvolvimento de

bactérias Gram positivas e a maioria das bactérias Gram negativas. O manitol e o

vermelho neutro, possibilitam a diferenciação da espécie pretendida, através da

coloração. As colónias de Yersinia diferenciam-se das restantes bactérias, pela coloração

rosa escuro a vermelho (devido à fermentação do manitol) ou, por vezes, incolor com

centro colorido, e, ainda, podem apresentar um precipitado (à volta da colónia).

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✓ Sangue Desfibrinado de Carneiro ou Cavalo (Todd Hewitt Quilaban)

Meio de enriquecimento, adaptado ao crescimento de bactérias com necessidades

nutricionais exigentes. Além de permitir o desenvolvimento de bactérias com um

crescimento, ligeiramente mais lento, também permite a visualização da hemólise. Após

a utilização do meio, a cultura é repicada para meios seletivos.

✓ Caldo Selenito F

O caldo é um meio de enriquecimento que favorece o crescimento da Salmonella

(em colheita de fezes). O caldo é constituído por peptonas de caseína, carne e lactose, que

favorecem o crescimento das espécies bacterianas, sobretudo as de crescimento mais

lento, como a Salmonella. Após o enriquecimento, a cultura é repicada para meios

seletivos.

✓ Gelose Sabouraud Gentamicina Cloranfenicol (SGC)

Meio seletivo, indicado para o isolamento de fungos filamentosos e leveduras. A

presença de glicose e peptonas, favorece o crescimento de espécies fúngicas. A

gentamicina e o cloranfenicol inibem a maioria das bactérias Gram positivas e Gram

negativas e melhora a seletividade, em relação a algumas espécies que possam exibir

resistência à gentamicina, como o Streptococcus e o Proteus.

✓ Gelose Columbia ANC + 5% de Sangue de Carneiro (CNA)

Indicado para o isolamento seletivo de espécies bacterianas exigentes (bactérias

Gram positivas). O meio contém ácido nalidíxo e colimicina, que inibem a maioria dos

Gram negativos e dos Bacillus. Permite a visualização da hemólise, devido à presença de

sangue. Também contém uma mistura de peptonas adaptadas a bactérias exigentes, como

a Listeria e Streptococcus.

✓ Gelose Campylosel (CAM)

Utilizada no isolamento seletivo de Campylobacter intestinais, como C. jejuni e

C. coli em coproculturas. O meio contém antibióticos, antifúngicos e sangue de carneiro,

que facilitam o crescimento da espécie em causa. O Campylobacter cresce em colónias

pequenas e cinzentas, ao longo das estrias da sementeira.

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✓ Gelose chromIDTM Strepto B (STRB)

Meio cromogénico seletivo para a deteção de Streptococcus do grupo B de

Lancefield, nomeadamente S. agalactiae, em recém-nascidos e mulheres grávidas. É

composta por uma mistura de peptonas, três substratos cromogénicos e antibióticos, que

permitem a deteção de S. agalactiae (exibe uma coloração rosa-vermelho).

✓ Meio de Lowenstein-Jensen (LJ-T)

Destina-se à cultura de micobactérias, como o Mycobacterium tuberculosis. É um

meio de enriquecimento, constituído por ovo, asparagina e fécula, os quais beneficiam o

crescimento de micobactérias. Após a incubação, o M. tuberculosis apresenta colónias

com aspeto “couve-flor”.

✓ Gelose chromIDTM CPS® (CPS)

É um meio cromogénico destinado ao isolamento e identificação de espécies

bacterianas em colheitas urinárias. Possibilita a identificação direta de Escherichia coli,

Enterococcus, KESC (Klebsiella, Enterobacter, Serratia e Citrobacter) e Proteeae. O

meio permite a contagem das bactérias (unidades formadoras de colónias - UFC), através

da utilização de um método padronizado de sementeira. O meio é composto por uma base

nutritiva (mistura de peptonas) e dois substratos cromogénicos, que revelam a respetiva

atividade enzimática. A gelose também contém uma elevada concentração de agar, que

delimita a invasão do meio pelo Proteus.

Relativamente à identificação, as colónias de E. coli apresentam uma coloração

rosa a vermelho escuro (ou translúcida com o centro rosa a vermelho escuro), enquanto

os KESC exibem uma coloração verde azulado a azulado-cinza, Enterococcus turquesa e

Proteus beije com um halo castanho. Utiliza-se o meio só para a identificação direta de

E. coli.

✓ Gelose chromIDTM Candida (CAN)

Meio cromogénico destinado ao isolamento seletivo de leveduras e à identificação

direta de Candida albicans. Permite a identificação presuntiva de um conjunto de

espécies, que incluem C. tropicalis, C. lusitaniae e C. Kefyr. A C. albicans apresenta uma

coloração azul, devido à hidrólise específica de um substrato cromogénico de

hexosaminidase.

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2.2. Testes de Identificação Microbiológica:

✓ Teste da Catalase

Permite identificar a presença da enzima catalase. É utilizado na distinção dos

Staphylococcus (catalase positiva), dos Streptococcus (catalase negativa), orientando a

identificação definitiva. A enzima hidrolisa o peróxido de hidrogénio (H2O2) em água

(H2O) e oxigénio (O2). Verifica-se a realização da hidrólise pela libertação de oxigénio

(há a formação de “pequenas bolhas”).

✓ Identificação de Staphylococcus aureus

Utiliza-se o Kit de identificação rápida Pastorex™ Staph-Plus. O teste contém

partículas de látex (reagente) sensibilizadas com anticorpos monoclonais específicos, que

permitem detetar os polissacarídeos capsulares de S. aureus, a proteína A (presente na

parede celular) e, também, possui um fator de afinidade do fibrinogénio (igualmente,

denominado de coagulase ligada ou fator de aglutinação). O teste permite detetar bactérias

altamente capsuladas através dos anticorpos anti-capsulares, como também estirpes de S.

aureus mal encapsuladas. As estirpes não encapsuladas são detetadas através do

fibrinogénio e da IgG (sensibilizada para a proteína A). O reagente é adicionado a uma

amostra proveniente de um isolamento e, caso haja aglutinação visível, o resultado indica

a presença de S. aureus (Bula Pastorex™ Staph-Plus, 2007).

✓ Teste da Oxidase

O teste rápido baseia-se na deteção da enzima intracelular oxidase. As bactérias

que apresentam um sistema de transporte de eletrões (cadeia respiratória), designado

citocromo oxidase, têm a capacidade de oxidar o citocromo, ao reduzir o oxigénio

molecular (aceitador de eletrões da cadeia, em aeróbios). Desta forma, os recetores de

eletrões da cadeia podem ser substituídos por substratos artificiais, onde a oxidação dos

substratos pelo citocromo oxidase, na presença de oxigénio, produz um produto colorido.

As bactérias oxidase positiva são aeróbias, mas tal não significa que sejam estritamente

aeróbias, pois também podem ser oxidase negativa (quando não possuem citocromo

oxidase) (Leboffe M. et al., 2011).

Se o resultado for positivo visualiza-se, em cerca de 10 a 30 segundos, após a

adição do reagente oxidase (discos de papel), uma coloração entre o violeta e púrpura. Se

o resultado for negativo há ausência de cor (Bula Oxidase Reagent, 2005).

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Utiliza-se o teste na identificação de bactérias Gram negativas, nomeadamente

para distinguir as Pseudomonadeceae (oxidase positiva) das Enterobacteriaceae (oxidase

negativa). O teste é, igualmente, útil na identificação das Neisseriaceae, pois são oxidase

positiva.

✓ Teste da Bacitracina

A bacitracina é um antibiótico polipeptídeo, produzido pela bactéria Bacillus

subtilis. Este antibiótico interfere com a síntese do peptidoglicano, composto maioritário

das paredes celulares, principalmente, nos Gram positivos. A bacitracina, em pequenas

concentrações, inibe o crescimento de Streptococcus β-hemolíticos do grupo A de

Lancefield. Os Streptococccus dos outros grupos de Lancefield são, normalmente,

resistentes. Esta sensibilidade à bacitracina dos Streptococcus do grupo A permite a sua

identificação presuntiva (Leboffe M. et al., 2011).

Na presença de colónias β-hemolíticas, na cultura, sugestivas dos microrganismos

anteriormente referidos, semeia-se a partir de uma colónia isolada, uma placa de

Columbia (com um disco do respetivo antibiótico). Se se verificar, após incubação até 24

horas, uma zona de inibição à volta do disco ≥ 15 mm, significa que se trata da presença

de um Streptococcus do grupo A, numa situação contrária (há crescimento à volta do

disco) sugere que é uma espécie pertencente aos restantes grupos de Lancefield.

✓ Teste da Optoquina

Utiliza-se na identificação presuntiva de Streptococcus pneumoniae. Ao contrário

das restantes espécies de Streptococcus α-hemolíticos, o S. pneumoniae é sensível à

optoquina. O composto químico atua ao nível da membrana celular do S. pneumoniae,

provocando a lise da membrana através da alteração da pressão osmótica.

Inoculam-se no meio Columbia, colónias isoladas com α-hemólise sugestivas de

S. pneumoniae. Coloca-se um disco de optoquina e incuba-se durante 18-24 horas. A

formação de um halo de inibição ≥ 15 mm é sugestivo da presença de S. pneumoniae.

Embora seja raro, pode existir estirpes de S. pneumoniae resistentes ao respetivo

composto e, nesta situação, os halos são < 5 mm ou não há inibição.

✓ Teste CAMP

O teste CAMP (acrónimo para "Christie-Atkins-Munch-Petersen") reserva-se à

identificação presuntiva de Streptococcus β-hemolíticos do grupo B de Lancefield. Na

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gelose de sangue (meio COS) inocula-se o Staphylococcus CAMP, realizando uma única

estria, em linha reta, que divide o meio em duas partes iguais. Seguidamente, semeia-se

no meio uma colónia sugestiva de S. agalactiae, realizando uma única estria reta (afastada

2-3 mm e perpendicular ao inóculo de Staphylococcus CAMP) e incuba-se a placa durante

18-24 horas a 35±2ºC em estufa normal. Caso seja Streptococcus do grupo B (o teste é

positivo para o fator CAMP), se observa uma hemólise completa em “seta” entre a junção

da bactéria a testar e do S. aureus CAMP. O teste é negativo quando não ocorre uma

hemólise reforçada.

O teste deteta uma proteína termo estável extracelular, produzida por S. agalactiae

(fator CAMP), que atua sinergicamente na presença de uma β-hemolisina (produzida por

S. aureus) e, deste modo, induz um aumento reforçado da hemólise dos eritrócitos na

gelose de sangue (Mahon C. et al., 2011).

✓ Teste de Grupagem para identificação de Streptococcus β-hemolíticos

Efetua-se o teste utilizando o Kit de identificação rápida Pastorex™ STREP. O

Kit é um teste de aglutinação que agrupa as espécies de Streptococcus, de acordo com a

classificação de Lancefield. O teste baseia-se na reação anticorpo-antigene e utiliza

suspensões de partículas de látex sensibilizadas com anticorpos específicos para os

grupos A, B, C, D, F e G. O teste requer uma extração enzimática antes da identificação

do antigénio polissacarídeo específico de cada grupo. As partículas de látex, que contêm

anticorpos homólogos group-specific, aglutinam na presença do antigénio homólogo. O

teste apenas faz uma identificação presuntiva, sendo necessários testes complementares

para obter um resultado definitivo. A identificação de Streptococcus β-hemolíticos é

complicada, por exemplo, algumas estripes têm dois grupos de antigénios (C e G) e alguns

α-hemolíticos apresentam antigénios do grupo C (Bula Pastorex™ STREP Grouping

Streptococci, 2007).

✓ Galeria de identificação de Neisseria, Haemophilus e Moraxella

catarrhalis

A identificação de Neisseria, Haemophilus e Moraxella catarrhalis, executada

por galeria de identificação API® NH, engloba uma série de mini-testes e uma base de

dados. A galeria permite a biotipagem de Haemophilus influenzae e Haemophilus

parainfluenzae e, também, a deteção de uma penicilinase. Contém 10 microtubos com

substratos desidratados que permitem realizar 12 testes de identificação, através de

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reações enzimáticas ou fermentativas de açúcares, realizadas pelos microrganismos. As

reações traduzem-se pela mudança de cor, espontânea ou revelada (através da adição de

reagentes). Após a leitura (quadro de leitura), a identificação é obtida consultando a lista

de perfis do folheto informativo ou os sistemas de identificação correspondentes (Bula

API® NH, 2010).

2.3. Equipamentos de Ensaio:

2.3.1. Vitek® 2 Systems 05.01 (bioMérieux)

O sistema Vitek® 2 destina-se à identificação de bactérias e leveduras, assim como

à realização do teste de suscetibilidade a antibióticos (TSA) e à deteção de mecanismos

de resistência aos mesmos.

O ensaio inicia-se com a introdução do número de identificação das amostras no

sistema, leitura do código de barras das cartas necessárias, colocação das cartas nas suas

posições da cassete e preparação da suspensão padronizada da amostra com uma

determinada turvação, de acordo com as especificações do fabricante. Todas as etapas

anteriores ocorrem na estação de trabalho. Seguidamente, retira-se a cassete da estação

de trabalho e coloca-se no Vitek® 2. Cada carta é inoculada por vácuo, selada, e colocada

nos compartimentos de incubação e de leitura, automaticamente. A incubação ocorre on-

line a 35.5±1.0ºC, são efetuadas leituras da turvação e da cor, pelo sistema ótico, em

intervalos de 15 minutos, durante todo o processo. O tempo de incubação varia consoante

o teste. Durante a leitura (por espectrofotometria) é medido a transmitância a vários

comprimentos de onda no espetro visível. Posteriormente, os dados são analisados e

interpretados pelo sistema (Manual Vitek® 2 Systems 05.01, 2006).

O equipamento possui uma base de dados e um software, o Advanced Expert

System™ (AES), que compara a informação obtida nas cartas de identificação com os

resultados das cartas de TSA. Tal, possibilita uma avaliação da concentração mínima

inibitória (CMI) e a deteção do fenótipo do agente patogénico. A análise feita pelo AES

tem em conta, não só cruzamento de dados da ID (Identificação Microbiológica) com o

TSA, como, também, o fenótipo obtido, as resistências naturais do microrganismo, a

coerência/comportamento dos antibióticos, entre outros aspetos. No final, o sistema emite

os resultados, onde avalia o nível de confiança entre antibiograma e a espécie identificada.

Desta forma, o equipamento permite reduzir o tempo necessário de identificação do

microrganismo e de execução do TSA (Manual Vitek® 2 Systems 05.01, 2006).

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Testes de Identificação:

A análise baseia-se em métodos bioquímicos. Os substratos utilizados permitem

a determinação da atividade enzimática dos microrganismos, relacionada com a

acidificação, a alcalinização e a hidrólise. Nos microrganismos Gram negativos efetua-se

também a avaliação das resistências naturais aos antibióticos, nomeadamente à optoquina,

bacitracina, novobiocina e polimixina.

No laboratório utilizam-se cartas adaptadas à:

- Identificação de bacilos Gram negativos (GN)

- Identificação de cocos Gram positivos (GP)

- Identificação de bactérias anaeróbias (ANC TEST KIT)

- Identificação de leveduras (ID YST)

- Identificação de Neisseria, Haemophilus, Campylobacter sp., Moraxella catarrhalis e

G. vaginalis (ID NH)

A carta GP destina-se à identificação da maioria dos cocos Gram positivos, como

os Enterococcus, Staphylococcus e Streptococcus, é constituída por 43 poços e o

resultado é emitido após 8 horas. A carta GN permite a ID de bacilos Gram negativos

fermentadores e não fermentadores, contém 47 testes bioquímicos e um poço de controlo

negativo para a descarboxílase (usado como referência do valor base para o respetivo

teste) e os resultados finais estão disponíveis após 10 horas. A ID YST identifica a maior

parte dos fungos, incluindo a Candida e Crytococcus neoformans, apresenta 46 testes

bioquímicos e o resultado é fornecido, aproximadamente, em 15 horas. A ID NH é

composta por 30 testes bioquímicos que são finalizados em cerca de 6 horas.

Os resultados são expressos em níveis qualitativos de identificação (tabela 1) com

base num cálculo estatístico realizado pelo sistema.

Tabela 1: Níveis de identificação.

Nível de confiança Probabilidade (%)

Excelente 96 – 99

Muito bom 93 – 95

Bom 89 – 92

Aceitável 85 – 88

Fraca discriminação Necessita testes suplementares, de forma a haver

correspondência com a carta de sensibilidade.

Microrganismo não identificado Deve-se verificar a pureza da cultura e retestar o isolado

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Testes de suscetibilidade aos antibióticos:

O teste pode ser feito qualitativamente ou quantitativamente, pelo Vitek® 2

Systems, a partir do isolamento de colónias de microrganismos com interesse clínico. O

princípio das cartas de antibiograma assenta na determinação do CMI (utiliza a técnica

de microdiluição). Cada carta contém uma combinação de fármacos específicos,

adequados ao tipo de microrganismo que pretendemos analisar. Os resultados facultados

pelo equipamento são reportados para cada fármaco, como “sensível”, “intermédio” ou

“resistente”.

A consistência do antibiograma é feita automaticamente pelo software do

equipamento. Caso não seja automaticamente validado após a interpretação pelo AES, ou

se houver inconsistência nos resultados, tendo em conta a identificação (mais de 2

antimicrobianos com CMIs fora dos limites), o microrganismo deve ser retestado.

São utilizadas as seguintes cartas de TSA:

- Antibiograma Automatizado para Bacilos Gram Negativos (AST- N215, AST – N200,

AST – N244 e AST- N222)

- Antibiograma Automatizado para Cocos Gram Positivo (AST P586, AST P619 e AST

P576)

- Antifungigrama Automatizado para Fungos Leveduriformes (AST YS06)

Os antibiogramas e antifungigramas destinam-se à determinação da

suscetibilidade do microrganismo in vitro aos antimicrobianos. Quanto às cartas para os

Gram negativos, estas podem ser divididas em: avaliação da suscetibilidade da família

Enterobactereaceae (AST- N215, AST – N200 e AST – N244); Pseudomonas e outros

bacilos não fermentadores (AST – N222). Relativamente, aos Gram positivos as cartas

AST-P586 destinam-se aos Enterococcus e S. agalactiae, a AST-P619 aos

Staphylococcus e a AST-P576 a S. pneumoniae.

Cada carta é composta por 64 poços, incluindo o poço de controlo. Cada poço

contém uma determinada quantidade de um agente antimicrobiano, associado ao meio de

cultura. O Vitek® 2 permite a avaliação do crescimento do microrganismo em cada poço,

durante 18 horas, e no final da incubação é determinada a CMI.

2.3.2. Cirtómetro Sysmex UF - 1000i

O analisador automático associa a citometria de fluxo à impedância,

possibilitando a contagem dos elementos presentes em urinas e em outros produtos

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biológicos, como derrames de serosas. O equipamento utiliza a citometria de fluxo

fluorescente, que permite a determinação do tamanho, da complexidade interna e da

quantidade de material genético das partículas presentes na amostra.

O equipamento efetua a homogeneização, aspiração, diluição e coloração da

amostra, e reporta os seguintes parâmetros: eritrócitos (RBC), leucócitos (WBC), células

epiteliais (EC), cilindros (CAST) e bactérias (BACT). Também alerta para a presença de

elementos, como cilindros, cristais, muco, esperma, leveduras e células pequenas

redondas (células tubulares renais e do epitélio de transição).

2.3.3. Sistema BacT/Alert 3D-60 (bioMérieux)

O equipamento, utilizado na deteção microbiana, é um sistema analítico

automatizado de incubação, agitação e monitorização de hemoculturas, onde são

incubados os meios específicos para aeróbios e anaeróbios. O sistema permite identificar

o desenvolvimento dos microrganismos numa fase precoce do processo. Este utiliza um

sensor colorimétrico que identifica a presença de dióxido de carbono (CO2), dissolvido

no meio de cultura. Caso exista microrganismos na amostra a testar, o CO2 produzido

(resultante da metabolização dos substratos existentes no meio) é revelado pela mudança

progressiva de cor de verde-azulado para amarelo, do sensor permeável ao gás (presente

no fundo de cada frasco de hemocultura (meio de cultura)). Esta alteração de cor é

identificada e monitorizada, automaticamente, por espetrofotometria de refletância a cada

10 minutos. O resultado final é negativo, quando o sistema não deteta o desenvolvimento

de microrganismos após 7 dias (Manual BacT/Alert 3D-60, 2010).

2.4. Produtos Biológicos:

Após a avaliação dos exames microbiológicos, caso não haja crescimento de

bactérias patogénicas, o resultado é expresso no boletim como “não se desenvolveram

bactérias potencialmente patogénicas”. Caso contrário (houve desenvolvimento de

bactérias patogénicas), no boletim reporta-se a identificação do microrganismo e o

respetivo teste de suscetibilidade aos antimicrobianos (quando aplicável), de acordo com

as regras EUCAST (European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing) e/ou

CLSI (Clinical and Laboratory Standards Institute).

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2.4.1. Urina Asséptica

As infeções do trato urinário (ITU) são o segundo tipo de infeção mais prevalente

no Homem. Podem ocorrer em todas as faixas etárias, sendo mais prevalentes no sexo

feminino. Estima-se que cerca de 50% das mulheres desenvolvem uma ITU ao longo da

sua vida (Pommerville J., 2011). As ITU podem envolver o parênquima renal

(pielonefrite), ureteres (ureterites), a bexiga (cistite) e a uretra (uretrite), e, nos homens, a

próstata (prostatite) e o epidídimo (epididimite). Estas podem ser circunscritas a um caso

isolado ou, ainda, recorrentes, recaídas e reinfeções. Uma ITU pode ser adquirida por três

vias: via ascendente (é a mais frequente), a qual deve-se sobretudo à ocorrência de

contaminação por flora perianal e fecal, onde o microrganismo poderá atingir, através da

uretra, outros órgãos do sistema urinário; via hematógena ou descendente (infeção

secundária a uma septicémia); via iatrogénea, induzida pela introdução de um cateter ou

sondas vesicais (Mahon C. et al., 2011).

As manifestações clínicas dependem do hospedeiro (resposta inflamatória), da

porção do sistema urinário envolvido, do agente etiológico e da gravidade da infeção. Os

sinais e sintomas clínicos caracterizam-se, normalmente, por disúria, leucocitúria (urina

turva devido ao pus), hemoglobinúria (urina escura) e polaciúria (ITU baixa), e, também,

por febre e dor lombar (estão mais associadas a ITU alta) (Pommerville J., 2011).

É importante diferenciar a bacteriúria assintomática de sintomática (é aplicado de

imediato o tratamento). A presença de leucocitúria é marcador de infeção urinária. Em

certas situações uma bacteriúria assintomática pode evoluir para ITU, sendo necessário

realizar tratamento antimicrobiano, nomeadamente em grávidas, idosos e pacientes

cateterizados (IX Cong. Bras., 2004).

A maioria dos agentes patogénicos causadores de ITU são bacilos Gram negativos

da família das Enterobacteriaceae, nomeadamente a E. coli (sendo mais associada à ITU

não complicada), constituindo cerca de 95% do total das ITU (Cowan M., 2016).

Contudo, outros agentes microbiológicos também podem causar uma ITU (tabela 2). As

ITU complicadas, normalmente, são polimicrobianas (exemplo: doentes com pedras

renais) e multirresistentes a fármacos (Mahon C. et al., 2011).

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Tabela 2: Microrganismos causadores de ITU (Mahon C. et al., 2011; Pommerville J., 2011).

Frequentes Menos comuns Associada a doenças sistémicas

Enterococcus (incluindo os

vancomycin-resistant)

Streptococcus agalactiae

Enterobacteriaceae

Pseudomonas spp.

Streptococcus pyogenes

Staphylococcus aureus

Staphylococcus saprophyticus

Candida spp.

Gardnerella vaginalis

Ureaplasma urealyticum

Mycoplasma hominis

Mobiluncus spp.

Leptospira spp.

Mycobacterium spp.

Chlamydia trachomatis

(homens)

Salmonella spp. (associado a

gastroenterites)

Schistosoma haematobium

Cryptococcus neoformans

Trichosporon beigelii

Trichomonas vaginalis

Aspergillus spp.

Penicillium spp.

Colheita:

Efetuar uma colheita de urina assética corretamente é determinante para obtermos

resultados fiáveis. Embora a urina seja estéril, ao passar pela uretra durante a micção,

arrasta flora microbiana consigo e, assim, pode induzir a erros na interpretação (exame

cultural). Neste laboratório, para o diagnóstico de infeção no trato urinário, a maioria das

urinas assépticas são colheitas do jato médio. Com menor frequência são recebidas

amostras provenientes da punção de cateter urinário (algália), do saco coletor (bebés ou

crianças sem o controlo dos esfíncteres), punção supra-púbica e punção renal (as punções

são, exclusivamente, um ato médico). O laboratório disponibiliza-se só para a colheita de

urina assética (jato médio) e do saco coletor.

Procedimento de colheita de Urina Asséptica:

Deve ser recolhida a primeira urina da manhã ou após retenção vesical de 2 a 3

horas. O utente deve lavar as mãos e limpar os genitais externos, a fim de diminuir ao

máximo a contaminação da amostra. Na mulher a limpeza deve ser feita sempre da frente

para trás e no homem na zona da glande. O utente deve descartar as primeiras gotas de

urina e colher o jato médio para o coletor de urina asséptica. Após a colheita para coletor,

transfere-se a amostra para um tubo com conservante por vácuo, posteriormente ambos

os recipientes são enviados para o laboratório.

No caso de colheitas em bebés (saco coletor), o técnico deve lavar as mãos antes

de iniciar o procedimento. Retira-se a fralda e faz-se uma limpeza da região perineal.

Seguidamente, fixa-se o saco coletor de urina à volta do meato urinário. Caso o bebé não

tiver urinado num intervalo de 30 minutos, o processo é repetido até se obter uma amostra.

Procedimento Laboratorial e Interpretação dos Resultados:

Todas as colheitas de urinas são analisadas pelo Citómetro, exceto se amostra

apresentar um volume total inferior a 1 ml, realizando-se de imediato o exame cultural,

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sem exame citobacteriológico, devendo-se alertar para o facto no boletim no campo das

observações. Urinas que tenham uma elevada quantidade de muco também não são

analisadas no Citómetro, pois podem comprometer o correto funcionamento do mesmo,

como alternativa faz-se sempre a análise do sedimento. Todas as amostras são

refrigeradas entre 2 a 8ºC até sair o resultado, no caso de ser necessário mais amostra para

testes posteriores (exemplo: análise do sedimento).

Após a impressão da lista de trabalho, sempre que o equipamento emite um alerta

“UTI” (possível infeção urinária), significa que a amostra possui um valor > 20 WBC/µl

e > 30 BACT/µl ou com > 500 BACT/µl, deve-se semear a amostra em meio CLED.

Também são semeadas todas as amostras que apresentem um valor > 20 WBC/µl ou >

400 BACT/µl (equipamento pode não alertar), assim como todas as urinas de bebés e

amostras processadas em regime de urgência. Quando o equipamento emite o alerta

“REV” (rever), significa que um ou mais parâmetros têm um valor anormal (exemplo:

elevado número de eritrócitos ou presença de espermatozoides), e, nestes casos, efetua-

se sempre a cultura e análise do sedimento, de forma a confirmar/descartar o alerta

facultado pelo equipamento.

Do total dos parâmetros analisados pelo Citómetro é sobretudo valorizado o

número de leucócitos e de bactérias. O número de células epiteliais é útil para averiguar

a correta execução da colheita.

Exame do sedimento urinário:

Centrifuga-se 10 ml de urina (do balão inicial) a 1500 rpm, durante 5 minutos e a

partir do sedimento, faz-se o exame citológico. Ao microscópio ótico, avalia-se a presença

de células epiteliais, leucócitos, espermatozoides, eritrócitos, cilindros, bactérias,

leveduras e parasitas, bem como as possíveis interferências no resultado do Citómetro de

fluxo. Quantificam-se os elementos com a ampliação de 400x. O valor reportado resulta

da média do número obtido em 10 campos, multiplicado pelo fator 5, de forma a obter o

nº/µl de amostra.

Exame cultural:

A urina é semeada no meio CLED com uma ansa descartável (calibrada de 10 µl).

A incubação dá-se a 35±2ºC, durante 18-24 horas em estufa normal. Em situações

pontuais, por exemplo, utente está a fazer terapêutica com antibióticos, a incubação pode-

se prolongar até 48-72 horas, caso a cultura seja negativa às 24 horas.

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A valorização clínica das amostras, para além de ter em conta os dados obtidos

pelo Citómetro, tem em consideração a contagem das colónias:

10 colónias = 1000 UFC/ ml (103)

100 colónias = 10 000 UFC/ ml (104)

1000 colónias = 1000 UFC/ ml (105)

Considera-se positivo culturas com contagens ≥ 105 UFC/ml, exceto nas seguintes

situações: nas crianças e diabéticos e, sempre que a informação clínica justifique, são

valorizadas contagens de 103 ou 104 UFC/ml. A informação clínica é imprescindível na

valorização da cultura, por exemplo, nas situações em que o utente apresenta polaciúria

(urina é mais diluída) ou esteja a fazer tratamento com antimicrobianos, valorizam-se

culturas com 103 UFC/ml.

Valorizam-se culturas com um microrganismo predominante. No caso de culturas

mistas, normalmente, solicita-se repetição da colheita a fim de confirmar os resultados.

Se com nova colheita surgir a mesma situação, coloca-se a hipótese de se tratar de uma

infeção dupla. Note-se que podem ocorrer situações pontuais de uma infeção provocada

por duas bactérias diferentes, especialmente, em pessoas de risco, pois numa pessoa

saudável é incomum. Podem surgir infeções duplas por dois Gram negativos e, também,

situações que a cultura apresenta um Gram positivo e outro negativo, em que

provavelmente um é o agente infetante e o outro o colonizador. Nas culturas mistas nem

sempre é possível isolar o agente patogénico, o que pode comprometer o resultado.

Se o exame citobacteriológico for positivo e se for considerado clinicamente

valorizável, procede-se à respetiva identificação do microrganismo e execução do TSA.

Identificação e Teste de Suscetibilidade aos antimicrobianos (TSA):

Quando se obtêm colónias sugestivas de E. coli no meio CLED, procede-se à sua

repicagem (meio CPS), a fim de realizar a sua identificação presuntiva. O meio CPS é

incubado durante 18-24 horas (35±2ºC). O crescimento de colónias com uma coloração

rosa a vermelho em CPS, possibilita a identificação direta da E. coli. Posteriormente,

realiza-se o respetivo TSA no Vitek® 2.

Quanto ocorrem culturas não sugestivas de E. coli no meio CLED, através da

observação macroscópica das colónias, pode-se deduzir que se trata de uma bactéria Gram

positiva ou negativa. Embora o meio CLED seja dirigido para o crescimento

bacteriológico, também pode ocorrer crescimento de leveduras. Se necessário, recorre-se

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à coloração de Gram, caso seja insuficiente utilizam-se testes complementares de

identificação. Quando é necessário isolar o agente patogénico, os Gram negativos são

repicados para meio MCK, enquanto os Gram positivos são repicados para o meio CNA.

Após isolamento efetua-se a identificação e TSA automático.

No caso de se valorizar o crescimento de leveduras (Candida spp.) em meio

CLED, as colónias são repicadas para o meio CAN (permite a identificação direta de C.

albicans (colónias azuis)). No caso de a identificação ser inconclusiva, procede-se à

identificação e TSA no Vitek® 2 (se solicitado pelo médico), caso contrário o resultado é

reportado no boletim como Candida spp.

No Boletim Clínico, caso o exame bacteriológico seja positivo, para além dos

resultados obtidos na análise do sedimento urinário, reporta-se a identificação e o

resultado do TSA. Relativamente ao TSA, reportam-se as resistências (se houver) e as

sensibilidades.

2.4.2. Trato Urogenital

O trato genital contém uma flora saprófita (microbiota), que varia consoante o

sexo e, também, individualmente. Esta flora, juntamente com as defesas locais (tabela 3),

impede o desenvolvimento da maioria dos microrganismos (Cowan M., 2016).

Tabela 3: Defesas do trato urogenital e flora saprófita colonizadora (Cowan M., 2016).

Defesas locais Microbiota

Trato urinário

(masculino e feminino)

Saída da urina que lava a zona e arrasta células epiteliais; pH urina,

IgA secretora, lisozima e

lactoferrina da urina

Streptococcus não hemolíticos, Staphylococcus, Corynebacterium,

Lactobacillus, Prevotella,

Veillonella, Gardnerella

Trato genital feminino

(crianças e pós-

menopausa)

Secreção de muco e IgA secretória Igual à do trato urinário

Trato genital masculino Igual à do trato urinário

A uretra é uma zona estéril exceto

zona exterior, onde a flora é igual à

do trato urinário. A zona exterior do

pénis contém Pseudomonas e

Staphylococcus e bactérias Gram

negativas anaeróbias

Na mulher a cavidade uterina, endocolo, trompas e ovário, são estéreis, enquanto

a vulva, vagina e exocolo, contêm uma flora própria. As bactérias mais abundantes na

vagina, os Lactobacillus, são importantes na manutenção do pH ácido vaginal (3,8 a 4,5),

através da produção de ácido láctico. Também produzem peróxido de hidrogénio que, em

conjunto com o ácido láctico, inibe a maioria dos outros microrganismos. O estrogénio

tem um papel fundamental no desenvolvimento dos Lactobacillus. Esta hormona sexual

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é produzida em maiores quantidades durante a idade fértil feminina e promove o aumento

da produção de glicogénio no epitélio vaginal, que se degrada em glicose, sendo

posteriormente metabolizada pelos Lactobacillus em ácido láctico (Cowan M., 2016;

Pommerville J., 2011).

Os agentes patogénicos mais frequentes, causadores de infeções no trato genital

feminino, são a Candida albicans, Trichomonas vaginalis, Neisseria gonorrhoeae,

Mycoplasma sp. e Chlamydia trachomatis. Enquanto que no homem é mais recorrente o

aparecimento de infeções, causadas por Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis,

Pseudomonas spp. e Enterobacteriaceae (IX Cong. Bras., 2004). O tipo de infeção, de

acordo com a sua localização e agente patogénico frequentemente associado, bem como

o tipo de doenças mais comuns no trato urogenital e respetiva sintomatologia, encontram-

se descritos nas tabelas 4 e 5.

Tabela 4: Infeções genitais e respetivos agentes patogénicos (Cowan M., 2016; Mahon C. et al., 2011;

Pommerville J., 2011; IX Cong. Bras, 2004).

Tipo de infeção Microrganismo

Femenino

Vulvovaginites

Candida spp., Trichomonas vaginalis, Gardnerella vaginalis,

Prevotella, Porphyromonas, Peptostreptococcus, Mobiluncus,

Mycoplasma Hominis e Ureaplasma spp.

Bartolinite N. gonorrhoeae, U. urealyticum e Enterobacteriaceae. Com menos

incidência: anaeróbios, C. trachomatis, S. aureus

Cervicites Chlamydia trachomatis, N. gonorrhoeae, Mycoplasma, Ureaplasma

urealyticum

Endometrites/Salpingite

Bacteroides spp, C. trachomatis, N. gonorrhoeae (principalmente em

salpingite), Enterococcus spp., S. agalactiae, enterobactérias, L.

monocytogenes, Actinomyces spp. (associado ao DIU).

Uretrite (ambos os sexos)

Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma

urealyticum, Mycoplasma sp., Haemophilus spp. (no

homem)

Masculino

Epididimite/Orquite Chlamydia trachomatis, N. gonorrhoeae, Enterobacteriaceae,

Pseudomonas spp.

Prostatite

Flora gastrointestinal, Chlamydia trachomatis e Neisseria

gonorrhoeae (normalmente resulta de uma infeção prévia do trato

urinário)

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Tabela 5: Doenças mais comuns no trato urogenital masculino e feminino (Cowan M., 2016; Pommerville

J., 2011; IX Cong. Bras., 2004).

Doença Agente patogénico Fatores

predisponentes Manifestações clínicas

Can

did

íase

C. albicans (80-

92% dos casos), C.

glabrata, C.

parapsilosis, C

tropicalis e C.

krusei

Gravidez, diabetes

Mellitus,

imunossupressão,

antimicrobianos de

largo espectro e

contracetivos orais

(alteração do pH

vaginal)

Mulher: Ardor, prurido, queimaduras e

edema vulvovaginal, leucorreia que varia

entre aquosa esbranquiçada a espesso,

branco e granuloso

Homem: erupção cutânea no pénis

Tric

om

on

ías

e

Trichomonas

vaginalis

Doença sexualmente

transmissível (DST)

Mulher: assintomática ou doença aguda

inflamatória com leucorreia esverdeada a amarelo, malcheiroso, prurido, irritação e

eritema e menos comum uretrite

Homem: assintomático ou uretrite não

gonocócica

Go

no

rrei

a

Neisseria

gonorrhoeae DST

Mulher: inicialmente corrimento mucoide,

seguido por exsudado purulento podendo

progredir para uretrite, cervicite e

bartolinite. Pode disseminar-se para o

endométrio, trompas, ovários, superfície

peritoneal, causando doença inflamatória

pélvica

Homem: corrimento mucoide, seguido por

exsudado purulento (uretrite gonocócica), pode involuir para crónica atingindo a

próstata, vesícula seminal e epidídimo.

Va

gin

ose

Ba

cter

ian

a

Gardnerella

vaginalis associada

ou não a

Mobilluncus,

Bacteroides,

Porphyromonas,

Peptostreptococcus,

Prevotella,

Mycoplasma

hominis e Ureaplasma spp

DST

Leucorreia abundante, mucosa e

acinzentada, com odor característico a

“peixe” e inflamação. Há alteração da flora

normal vaginal com subsequente aumento

do pH local (>4,5)

Infe

çõ

es

por

Ch

lam

yd

ia

trach

om

ati

s

DST

Mulher: cervicite mucopurulenta,

síndrome uretral, endometrite e salpingite

predispõem à gravidez ectópica e à

esterilidade

Homem: uretrite não gonocócica

Na mulher grávida é importante a realização da pesquisa de Streptococcus

agalactiae (Streptococcus β-hemolíticos do grupo B de Lancefield) entre as 35 e 37

semanas de gestação, a fim de prevenir a transmissão vertical durante o parto. A

colonização da grávida, por esta bactéria, predispõe a partos prematuros e no recém-

nascido a transmissão pode causar meningites e pneumonias (Cowan M., 2016).

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Colheita:

✓ Exsudado vaginal

A utente não deve fazer a sua higiene íntima, no dia da colheita, e não deve efetuar

nenhum tratamento local, pelo menos, durante três dias antes da colheita. Antes de iniciar

a colheita, deve-se perguntar se cumpriu as recomendações e questionar se a utente

apresentou sintomatologia característica de uma infeção (ardor, comichão, aspeto do

corrimento, etc.). Após a limpeza da zona externa dos genitais, com a utente na posição

ginecológica, introduz-se o espéculo estéril até expor corretamente o colo do útero e

efetua-se a colheita com uma zaragatoa, realizando movimentos rotativos das paredes

vaginais. Introduz-se a zaragatoa em meio de transporte (Kit Stuart). Com uma segunda

zaragatoa repete-se o processo, realizando-se dois esfregaços (uma lâmina destina-se a

coloração de Gram e a outra é reservada).

✓ Exsudado retal

Efetuado em simultâneo com o exsudado vaginal. É realizado somente em

grávidas, para pesquisa de Streptococcus do grupo B. A colheita consiste em introduzir

uma zaragatoa (Kit Stuart) no esfíncter anal, evitando o contacto com a matéria fecal.

✓ Exsudado vulvar

As recomendações antes da colheita são semelhantes às do exsudado vaginal.

Passa-se uma zaragatoa na região vulvar, preferencialmente, numa zona inflamada e

efetuam-se dois esfregaços (coloração de Gram e reserva). Seguidamente, repete-se o

processo com outra zaragatoa (cultura).

✓ Exsudado uretral

Em utentes do sexo feminino as recomendações antes da colheita são semelhantes

às do exsudado vaginal. A colheita deve ser realizada de manhã ou no mínimo 3 horas

após última micção. O exsudado é colhido com uma zaragatoa (Kit Stuart) e repete-se o

processo com outra zaragatoa a fim de efetuar dois esfregaços. Utente do sexo masculino,

as recomendações são iguais e o procedimento consiste em pressionar a uretra, a fim de

estimular a saída de corrimento, colhe-se com uma zaragatoa, efetuam-se dois esfregaços

e repete-se o procedimento com uma outra zaragatoa. No caso de não haver corrimento,

em ambos os sexos, introduz-se uma zaragatoa fina e flexível, efetuando movimentos

rotativos, cerca de 2 centímetros no meato uretral.

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✓ Espermocultura

O utente deve fazer uma abstinência sexual antes da análise no mínimo de 3 dias.

Antes de realizar a colheita para um coletor estéril, o utente deve lavar as mãos e os órgãos

genitais.

Procedimento Laboratorial e interpretação dos resultados:

As amostras em meio Stuart mantêm-se estáveis até 12 horas à TA (Temperatura

Ambiente). Caso a amostra seja colhida em zaragatoa seca, esta tem de ser processada no

máximo até 1 hora após a colheita, caso contrário a amostra é rejeitada (o mesmo se aplica

a outros tipos de colheita).

Exame Citológico:

O exame direto a fresco e corado é realizado para o exsudado vulvar, vaginal e

uretral, como também para a espermocultura.

Exame direto a fresco:

Através da observação ao microscópio ótico, avalia-se o esfregaço quanto à

presença de células epiteliais, leucócitos, eritrócitos, parasitas (Trichomonas vaginalis) e

formas leveduriformes e filamentosas. Procede-se à sua semi-quantificação de acordo

com os seguintes critérios:

0 a 5 elementos/ campo com ampliação de 400x – raros

6 a 14 elementos/ campo com ampliação de 400x – alguns

>15 elementos/ campo com ampliação de 400x – muitos

Exame direto (coloração de Gram):

Tem como objetivo, através da observação ao microscópio ótico, avaliar a

presença de Lactobacillus (exsudado vaginal), formas leveduriformes e filamentosas de

fungos e bactérias (Gram positivas ou negativas) e as suas caraterísticas morfológicas.

Procede-se à sua semi-quantificação de acordo com os seguintes critérios:

0 a 5 elementos/ campo com ampliação de 1000x – raros

6 a 29 elementos/ campo com ampliação de 1000x – alguns

> 30 elementos/ campo com ampliação de 1000x – muitos

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No exsudado vaginal/vulvar, para além da semiquantificação de acordo com os

critérios da coloração de Gram, também se avalia a presença de flora mista ou escassa.

No exame uretral avalia-se a presença, ou ausência, de flora mista sem predomínio.

A coloração também é utilizada para pesquisar a presença de clue cells (células

epiteliais cobertas com aglomerados de coccobacillus, com Gram variável), que poderão

ser sugestivas de vaginose bacteriana por Gardnerella vaginalis. Enquanto para a

Neisseria gonorrhoeae, a visualização de diplococos/gonococos Gram negativos

(bactéria intracelular, geralmente, disposta aos pares nos neutrófilos, com aparência de

“feijão”) é sugestiva de uma eventual portadora saudável ou de uma cervicite. Se se

observarem clue cells, semeia-se a respetiva amostra no meio GAR.

Na espermocultura quando não se observam microrganismos no exame corado,

reporta-se o resultado como “ausência de microrganismos”, caso contrário faz-se a sua

semi-quantificação.

Quanto ao exame parasitológico nos exsudados uretrais e vaginais/vulvares, não

se observa T. vaginalis, reporta-se o resultado como “negativo”.

Exame cultural:

Com a zaragatoa, contendo o exsudado, semeia-se diretamente a amostra nos

meios de cultura descritos na tabela 6.

É normal haver sempre crescimento no meio não seletivo COS, anormal é uma

situação contrária, pois o trato genital não é uma zona estéril, e o que cresce é a flora

saprófita. O tipo de crescimento bacteriano que se visualiza, de certa forma, reflete o que

foi observado no exame direto, por exemplo, se se observarem diplococos, existe

normalmente o crescimento de uma flora de Neisseria sp., no caso de se observar uma

flora mista no exame direto, normalmente reflete-se no exame cultural. Este meio revela

a expressão da hemólise, nomeadamente da β-hemólise, e se esta ocorrer é sugestivo de

Sterptococcus. Caso haja colónias com β-hemólise sugestivas de S. agalactiae isoladas

(cultura pura), pode-se a partir das mesmas proceder para os respetivos testes de

identificação.

Relativamente ao meio STRB, destinado ao isolamento seletivo de S. agalactiae,

a partir do exsudado retal e vaginal em grávidas, valoriza-se a cultura quando existem

colónias rosa pálido a vermelho. Embora seja um meio seletivo, podem crescer outros

microrganismos. A partir das colónias valorizadas faz-se o teste CAMP ou um teste

serológico Pastorex™ STREP e o isolamento bacteriológico no meio CNA. Só, no caso

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de teste CAMP/serológico positivo a partir do isolamento em CNA, se se efetua o TSA

em meio Mueller-Hinton para os seguintes antibióticos: cefalotina e eritromicina com a

clindamicina.

No meio PVX valoriza-se o crescimento bacteriano sugestivo de Neisseria spp.

(flora rasteira com colónias acinzentadas, pequenas, redondas, brilhantes e com bordo

inteiro). Em caso de dúvida, observa-se as características morfológicas de uma coloração

de Gram a partir das colónias e/ou efetua-se o teste da oxidase (N. gonorrhoeae é oxidase

positiva). O exame cultural deve estar em concordância com o exame direto do exsudado.

Caso a cultura seja valorizada procede-se para o isolamento em meio PVX e para a sua

posterior ID (carta NH) e TSA, no Vitek® 2 ou por difusão em placa e/ou E-test.

A presença de fungos, nomeadamente a de Candida, é detetada no meio SGS. Só

é valorizada, se se obtiver um crescimento confluente. Quando há sintomatologia

sugestiva de candidíase, valoriza-se sempre uma cultura positiva. Caso a cultura seja

valorizada, as colónias são repicadas para o meio CAN. No meio CAN, se houver

crescimento de colónias azuis, reporta-se como C. albicans, caso contrário como Candida

spp. Caso não haja desenvolvimento de fungos, o exame micológico é reportado como

“negativo”.

No meio GAR, seletivo para Gardnerella sp. (a sua identificação é morfológica),

só se valoriza o crescimento, se este for concordante com o que foi observado no exame

direto, pois, embora seja um meio seletivo, pode haver crescimento de outras bactérias.

No exsudado vulvar, o meio de CNA destina-se a deteção da hemólise,

nomeadamente de Streptococcus β-hemolíticos. O meio HAEM, meio seletivo para

Haemophilus, valoriza-se colónias com aspeto morfológico macroscópico característico

(colónias pequenas, redondas, translúcidas e com a zona central mais opaca). Quando há

valorização das culturas, no caso dos Streptococcus, os testes serológicos permitem a sua

identificação. No caso de suspeita de Haemophilus, precede-se a sua ID (carta NH). Em

ambos os casos é necessário realizar o respetivo TSA.

Quanto à espermocultura, quando se obtém uma cultura (COS) positiva para Gram

negativos e se o crescimento for predominante para um tipo de colónias (culturas mistas

normalmente não são valorizadas), valoriza-se a cultura. Depois, procede-se a sua ID

(carta GN) e TSA automático.

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Tabela 6: Meios de cultura (trato urogenital).

Amostra Meios de Cultura Incubação

Feminino

Exsudado vaginal COS 48h/ 35 ± 2ºC

PVX 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

GAR* 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS 48h/ 35 ± 2ºC

STRB** 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

Todd*** 24h/ 35 ± 2ºC

(Após a incubação, repica-se

para PVX)

Exsudado vulvar COS 48h/ 35 ± 2ºC

CNA 48h/ 35 ± 2ºC

PVX 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

HAEM 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS 48h/ 35 ± 2ºC

GAR* 48h/ 35 ± 2ºC

Exsudado retal STRB** 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

Masculino

Exsudado uretral COS 48h/ 35 ± 2ºC

PVX 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

GAR* 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS 48h/ 35 ± 2ºC

Todd*** 24h/ 35 ± 2ºC

(após a incubação, repica-se para

PVX)

Espermocultura COS 48h/ 35 ± 2ºC

PVX 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS 48h/ 35 ± 2ºC

* Pedido médico para pesquisa de Gardnerella vaginalis ** Pedido médico para pesquisa de Streptococcus agalactiae em grávidas

*** Pedido médico para pesquisa de Neisseria gonorrhoeae

2.4.3. Fezes

✓ Coprocultura (Exame Cultural)

As infeções no trato gastrointestinal são das mais comuns a nível mundial. Este

tipo de infeção causa grande morbidade e mortalidade, sobretudo em crianças. A diarreia

é a manifestação mais usual. A doença diarreica pode ser autolimitada (durando alguns

dias) ou crónica (Pommerville J., 2011; IX Cong. Bras., 2004).

O aparelho digestivo é bombardeado diariamente com microrganismos

provenientes da alimentação, sendo as defesas endógenas (presença de muco (ação

mecânica), produção superficial de IgA secretória e os fluídos gastrointestinais)

importantes na proteção contra infeções. Além disso, o sistema gastrointestinal contém

tecido linfoide (GALT - Gut-Associated Lymphoid Tissue), que tem um papel importante

na resposta imunitária (Cowan M., 2016). A maioria da flora intestinal é constituída por

bactérias anaeróbias ou anaeróbias facultativas, esta, em determinadas situações, é

responsável pela produção de substâncias tóxicas, podendo tornar-se potencialmente

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patogénica. Existem vários fatores que determinam a infeção, nomeadamente o número

ingerido de microrganismos (ID50 - median Infectious Dose), a alteração das defesas

endógenas, como a inadequada acidez no estômago, e o tratamento com antibióticos, que

ao diminuirem a flora predispoem a uma infeção com um agente patogénico entérico

(Mahon C. et al., 2011).

Este tipo de infeções pode se manifestar como gastroenterites (caracterizadas por

dor abdominal, náuseas, vómitos e diarreia), enterocolites, diarreia (associada a fezes

líquidas) e disenteria (fezes com sangue, acompanhada por febre e dores abdominais). A

infeção pode ser de origem infeciosa causada por bactérias, fungos (menos frequente),

parasitas, vírus (agentes patogénicos mais frequentes) e protozoários e de origem não

infeciosa (exemplo: de origem alérgica e toxinas alimentares). Os principais agentes

bacterianos, causadores de infeção gastrointestinal (tabela 7), são: Salmonella spp.,

Shigella spp., Campilobacter spp., Yersinia spp., Escherichia coli, Vibrio spp. e

Colostridium spp. (Cowan M., 2016; Mahon C. et al., 2011; IX Cong. Bras., 2004).

Tabela 7: Agentes causadores de disenteria (IX Cong. Bras., 2004).

Diarreia com sangue e

muco, acompanhada de

dor abdominal e tenesmo

Shigella sp.

E. coli enterohemorrágica (EHEC ou serotipo 0157:H7)

Salmonella sp.

Yersinia sp.

Campylobacter sp.

Diarreia aquosa

Intoxicação alimentar por Staphylococcus aureus, Bacillus cereus,

Clostridium perfringens e Clostridium botulinum Proteus sp.

Pseudomonas sp.

Vibrio cholerae

E. coli enterotoxigénica (ETEC)

E. coli enteroinvasiva (EIEC)

E. coli enteropatogênica (EPEC)

E. coli enteroagregativa (EAggEC) causa diarreia aguda a crónica em

crianças

Clostridium difficile

As infeções gastrointestinais, basicamente, ocorrem pelo mecanismo patogénico

toxinogénico e invasivo e pela capacidade de adesão (tabela 8). Infeções, onde as

bactérias não são o principal interveniente, mas sim a toxina produzida (a bactéria fixa-

se à superfície do intestino e secreta exotoxinas, endotoxinas e citosinas), provocam

diarreias aquosas (perda de água e eletrólitos), podendo levar rapidamente à desidratação.

No processo invasivo, bactérias como a E. coli EIEC e a Shigella, invadem o epitélio

intestinal através da ligação a recetores, provocando inflamação, febre e disenteria.

Enquanto no processo de adesão a bactéria possui mecanismos de adesão à superfície do

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epitélio, provocando perturbações e diminuição da capacidade absortiva do mesmo e,

assim, conduzindo a alterações eletrolíticas e à diarreia (Mahon C. et al., 2011).

Tabela 8: Principais mecanismos fisiopatológicos e os respetivos agentes patogénicos (IX Cong. Bras.,

2004).

Produção de toxinas Invasão Adesão

Staphylococcus aureus

Bacillus cereus

Clostridium perfringens, C. botulinum e C.

difficile Proteus sp.

Pseudomonas sp.

Vibrio cholerae

E. coli EHEC

Shigella sp.

E. coli EIEC

Salmonella sp. Yersinia sp.

Campylobacter sp.

E. coli EIEC

E. coli EPEC E. coli EAggEC

Colheita:

A amostra pode ser colhida em coletor com meio de transporte ou coletor estéril

(a amostra é estável durante 12 horas, sob refrigeração). Caso seja um coletor estéril, a

amostra deve conter, aproximadamente, o tamanho de uma noz. O Utente deve evitar a

contaminação da amostra com urina ou com água. Em casos em que não seja possível

uma colheita normal (recém-nascidos e adultos debilitados), a colheita é efetuada com

uma zaragatoa, onde a mesma é introduzida cerca 2,5 centímetros acima do esfíncter anal.

É recomendável antes da colheita (exame cultural), que o utente não tome antiácidos,

laxantes oleosos e antidiarreicos, exceto com indicação médica. A amostra pode ser de

vários dias consecutivos ou de uma única colheita, consoante a prescrição.

Procedimento laboratorial e interpretação de resultados:

A amostra é semeada diretamente, utilizando uma ansa descartável, nos seguintes

meios de cultura (tabela 9):

Tabela 9: Meios de cultura utilizados na coprocultura.

Meio de Cultura Incubação

HEKT 48h/ 35 ± 2ºC

YER* 48h/ 35 ± 2ºC

Selenito 24h/ 35 ± 2ºC (após 24h repica-se para HEKT)

SGS** 48h/ 35 ± 2ºC

CAM 48h/ 42 ± 2ºC (incubação em saqueta GENbag microaer)

COS*** 48h/ 35 ± 2ºC

*Efetua-se a pedido médico para pesquisa de Yersinia sp.

** Efetua-se a pedido médico para a realização do exame micológico

*** Somente, a pedido médico para pesquisa de Vibrio cholerae

No meio seletivo e diferencial HEKT é valorizado o crescimento de colónias

sugestivas de Salmonella e Shigella. Caso se suspeite de Salmonella, é realizado o teste

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da ureia em simultâneo com a sua repicagem para MCK (isolamento). Só no caso de o

teste da ureia ser negativo e no meio MCK as colónias serem lactose negativas, se avança

para a ID (carta GN), caso contrário reporta-se o resultado como “negativo”. Se a carta

GN identificar uma Salmonella, faz-se a sua repicagem para meio COS a fim de se

avançar para a sua confirmação (teste serológico). Caso a serologia seja positiva, semeia-

se, a partir de uma suspensão em cloreto de sódio, uma gelose de Mueller-Hinton (TSA).

As colónias sugestivas de Shigella são isoladas em MCK (são lactose negativas),

identificadas (carta ID GN) e realizado o TSA (após confirmação da ID).

Quanto ao exame micológico, valoriza-se a cultura quando há um crescimento

acentuado em SGS. A identificação da levedura é semelhante ao descrito no trato genital.

No meio CAM (meio seletivo) pode haver crescimento de outras espécies

bacterianas, logo só se valoriza colónias sugestivas de Campylobacter (colónias

pequenas, esbranquiçadas, bordos regulares e brilhantes). A partir das colónias

selecionadas executa-se o teste da oxidase. Caso este seja positivo, realiza-se a sua

identificação automática (carta NH), e, se esta for confirmada, realiza-se o TSA em placa.

Relativamente ao microrganismo Vibrio Cholerae (prescrição médica), a sua

pesquisa efetua-se no meio COS. Executa-se o teste da oxidase e, somente se positivo, se

efetua a identificação e TSA.

Na pesquisa de E. coli enteropatogénica, valoriza-se o desenvolvimento de

colónias amarelas no meio HEKT. Executa-se o teste de identificação serológica de E.

coli enteropatogénica e, caso se confirme, realiza-se o TSA (Vitek® 2).

É sempre valorizado crescimento no meio YER (pesquisa de Yersinia). Se valorizado,

procede-se a sua identificação e TSA.

✓ Exame parasitológico

Os parasitas são responsáveis por uma pequena percentagem do total das infeções

intestinais. As infeções, por estes microrganismos, apresentam um tempo de incubação

mais prolongado, em comparação com os vírus e bactérias, e a gravidade dos sintomas é,

geralmente, menos grave (Mahon C. et al., 2011). As infeções podem ser provocadas por

helmintas ou protozoários (tabela 10).

O parasita mais comum, identificado neste laboratório, é a Giardia intestinalis. É

um protozoário flagelado que pode ser observado nas fezes sob a forma de trofozoito

(fezes frescas) ou quisto. A Giardia provoca doença diarreica (giardiose), que se

caracteriza pela presença de diarreia prolongada, dor abdominal, flatulência, cólicas,

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náuseas, vómitos e, por vezes, febre. Possui um período de incubação de 1 a 2 semanas e

a transmissão, normalmente, ocorre através da ingestão de água ou alimentos

contaminados com quistos (Cowan M., 2016; CDC, 2016; Mahon C. et al., 2011).

Tabela 10: Parasitas intestinais mais frequentes (CDC, 2016).

Protozoários flagelados Giardia Intestinalis (trofozoito e quisto)

Protozoários ciliados Balantidium coli (trofozoito e quisto)

Protozoários: amibas

Entamoeba histolytica (trofozoito e quisto) Entamoeba coli (trofozoito e quisto)

Iodamoeba butschlii (trofozoito ou pré-quisto e quisto)

Protozoários coccideos

Cryptosporidium parvum (oocisto)

Cyclospora cayetanensis (oocisto)

Enterocytozoon bieneusi (microsporídeo)

Isospora balli (oocisto)

Helmintas: tremátodos

Fasciola hepatica (ovo)

Schistosoma japonicum

Schistosoma mansoni

Helmintas: nemátodos

Ascaris lumbricoides (ovo fertilizado e infertilizado)

Trichuris trichiura (ovo)

Enterobius vermiculares (ovo)

Ovos de Ancilostomídeo (Necator americanus e Ancylostoma

duodenales) Strongyloides stercoralis (larva rabditóide)

Helmintas: céstodos

Hymenolepis nana (ovo)

Hymenolepis diminuta (ovo)

Taenia solium (proglótis e ovos)

Taenia saginata (proglótis e ovos)

Diphyllobotrium latum (ovo)

Procedimento laboratorial e interpretação de resultados:

Neste Laboratório utiliza-se a técnica de concentração. A técnica baseia-se na

diferença de densidade e solubilidade, dos diversos componentes nas fezes. Primeiro, a

solução de formaldeído solubiliza as substâncias hidrófilas. Seguidamente, os

componentes lipófilos são solubilizados pela adição da solução de etil-acetato. Por fim,

as estruturas parasitárias são coradas, diferencialmente, devido à solução de iodo. A

junção das três soluções forma uma suspensão imiscível, que depois de centrifugada,

origina três diferentes camadas. A primeira camada (superficial) é formada por compostos

lipófilos, a camada intermédia contém detritos e a última inclui os elementos hidrófilos.

No final do tubo obtém-se o sedimento (composto por elementos de elevada densidade,

incluindo as estruturas parasitárias), a partir do qual, efetua-se a lâmina e observa-se ao

microscópio.

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2.4.4. Exsudado Ocular e Exsudado Auricular

✓ Infeções oculares

Qualquer microrganismo com capacidade de penetrar as estruturas oculares pode

causar infeção. As infeções oculares podem ocorrer na zona externa do olho, originado

blefarites, conjuntivites e queratites, no aparelho lacrimal e nas estruturas mais internas

do olho, causando endoftalmites, que podem ter origem traumática, cirúrgica ou endógena

(Mahon C. et al., 2011).

Os olhos possuem as suas defesas (presença de muco na conjuntiva e as lágrimas,

que contêm lisozima e lactoferrina), incluindo uma flora saprófita constituída,

principalmente, por Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis,

Corynebacterium, leveduras e, por vezes, Neisseria spp. (Cowan M., 2016). A

discriminação entre a flora endógena e o agente patogénico é subjetiva, ou seja, por vezes

a microbiota pode causar infeção quando existem fatores predisponentes, como a

imunossupressão e o uso de medicamentos esteroides e antibióticos (Mahon C. et al.,

2011).

A conjuntivite bacteriana (infeção mais comum) inclui sintomas, como prurido

local, olhos vermelhos, lacrimejamento, sensação de corpo estranho, e corrimento

purulento a aquoso. Pode ser causada por Haemophilus influenzae, Moraxella

catarrhalis, Neisseria gonorrhoeae, Staphylococcus epidermidis, Streptococcus

pyogenes e Streptococcus pneumoniae (Mahon C. et al., 2016).

As infeções oculares podem resultar da autoinoculação a partir de uma infeção

genital ou da atividade sexual (afeta a zona externa do olho), ou da disseminação

hematogénica (afeta os tecidos mais profundos do olho). Os principais agentes causadores

de infeção ocular neonatal são Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae,

Staphylococcus aureos e bacilos Gram negativos. As infeções neonatais oculares, por C.

trachomatis e N. gonorrhoeae, são transmitidas frequentemente via vertical durante o

parto (Mahon C. et al., 2011).

✓ Infeções auriculares

As infeções auriculares atingem o ouvido externo e/ou o ouvido médio. A

presença de corrimento é o sintoma mais comum. Este tipo de infeção pode ocorrer em

qualquer idade, sendo, a otite média, a mais prevalente em neonatos e em crianças com

idade inferior a 2 anos. Os agentes patogénicos podem causar otite externa aguda e

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crónica, otite média aguda e otite média crónica supurativa ou com colesteatoma (Kayser

F. et al., 2005).

As infeções no ouvido médio, normalmente, ocorrem associadas a infeções no

sistema respiratório, logo os agentes patogénicos mais frequentes (causadores de otite

média) são o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae, os quais são

isolados a partir do líquido aspirado por timpanocentese. O Streptococcus pyogenes,

Staphylococcus aureus e Moraxella catarrhalis, também podem causar otite média

(Kayser F. et al., 2005).

O ouvido externo possui uma flora saprófita semelhante à existente na pele, logo

a otite externa é semelhante às infeções cutâneas, sendo o principal agente patogénico a

Pseudomonas aeruginosa, mas, também, pode ser causada por outros microrganismos,

como Staphylococcus aureus, Streptococcus pyogenes, Aspergillus spp., Candida spp.,

Klebsiella e outros Gram negativos (Mahon C. et al., 2011).

Colheita:

No exsudado ocular utiliza-se uma zaragatoa (kit Stuart) e colhe-se ao longo da

parte interna da pálpebra interior (é efetuado 2 esfregaços), enquanto que no exsudado

auricular colhe-se ao nível do canal auditivo externo.

Procedimento Laboratorial e interpretação de resultados:

Exame direto (coloração de Gram):

Técnica utilizada em exsudados auriculares e oculares a fim de pesquisar e avaliar

a presença de bactérias (Gram positivo ou negativo). Através da coloração avalia-se,

igualmente, a existência de formas leveduriformes e filamentosas de fungos. Procede-se

a sua semi-quantificação de acordo com os seguintes critérios:

0 a 5/ campo com ampliação de 1000x – raros

6 a 29/ campo com ampliação de 1000x – alguns

>30/ campo com ampliação de 1000x – muitos

O exame direto orienta-nos para a identificação cultural. O microrganismo

observado (leveduras, bactérias Gram negativo ou positivo) deve estar concordante com

o resultado do desenvolvimento microbiológico no(s) respetivo(s) meio(s).

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Exame cultural:

Em câmara de fluxo laminar, semeia-se diretamente a amostra, com a zaragatoa,

nos meios descritos na tabela 11.

Tabela 11: Meios de cultura (exsudado ocular e auricular).

Amostra Meios de Cultura Incubação

Exsudado Ocular

COS 48h/ 35 ± 2ºC

PVX* 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

HAEM 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS** 48h/ 35 ± 2ºC

MCK 48h/ 35 ± 2ºC

MSA 48h/ 35 ± 2ºC

Exsudado Auricular

COS 48h/ 35 ± 2ºC

MSA 48h/ 35 ± 2ºC

MCK 48h/ 35 ± 2ºC

HAEM 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

* Pesquisa de Neisseria gonorrhoeae no recém-nascidos (exsudado ocular)

** Pedido médico para pesquisa de leveduras (exsudado ocular)

O meio COS (reflete o predomínio bacteriológico da amostra) permite visualizar

a expressão da hemólise e, assim, orientar a identificação microbiológica (exemplo: uma

α-hemólise é sugestivo de Streptococcus pneumoniae, enquanto uma β-hemólise é

sugestivo de Streptococcus pyogenes). Além disso, permite detetar o desenvolvimento de

Moraxella. Só se valoriza a cultura, se houver predomínio de uma espécie microbiológica.

Nos neonatos (exame ocular) valoriza-se sempre o crescimento no meio PVX, por

existir a possibilidade de desenvolvimento de Neisseria gonorrhoeae. Após a

confirmação da ID (carta NH), realiza-se o TSA em placa.

A pesquisa de fungos (exsudado ocular), nomeadamente da Candida, é sempre

valorizada quando existe um desenvolvimento acentuado de colónias ou quando há

sintomatologia.

Quando há desenvolvimento no meio HAEM, valoriza-se colónias com aspeto

morfológico sugestivas de Haemophilus. Posteriormente, precede-se a sua ID (carta NH)

e isolamento (meio HAEM). Se se confirmar, realiza-se o TSA.

O meio MCK é útil na pesquisa de enterobactérias, permitindo distinguir bactérias

fermentadoras (colónias vermelhas ou rosas) das não fermentadoras (colónias incolores a

bege) da lactose, valorizando-se sempre o desenvolvimento de culturas puras. Se a cultura

for valorizada, efetua-se a ID (carta GN) e o respetivo TSA, de acordo com a

identificação.

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No meio MSA valoriza-se o desenvolvimento de colónias amarelas, por ser

sugestivo de Staphylococcus aureus. Posteriormente, faz-se o seu isolamento (meio

CNA) e a sua identificação serológica e, caso positivo, efetua-se o TSA.

2.4.5. Sistema Respiratório Superior

A maioria das infeções no sistema respiratório são de origem viral e abrangem a

laringe, nasofaringe, orofaringe, nariz, seios paranasais e o ouvido médio (IX Cong. Bras.,

2004).

Existem barreiras naturais que protegem o sistema respiratório, nomeadamente

pelos nasais, células secretoras de muco, células ciliadas, substâncias antibacterianas

(lisozima e transferrina), secreção de IgA, macrófagos alveolares, a tosse e o tecido

linfático (amígdalas e adenoides). O trato respiratório superior possui um grande número

de espécies colonizadoras (flora saprófita), por exemplo, Pseudomonas, Acinetobacter,

Candida spp, Staphylococcus e Streptococcus, enquanto que no trato inferior existe um

baixo nível de colonização (Cowan M., 2016).

Embora a flora saprófita tenha a função de impedir a proliferação e invasão de

organismos patogênicos, através da competição de nutrientes e da produção de

substâncias inibidoras, em determinadas situações pode causar infeções oportunistas

(tabela 12). Os principais fatores associados à infeção são: a diminuição da resposta

imunitária, associada à idade (idosos e crianças); doenças imunossupressoras; lesões no

aparelho respiratório (Mahon C. et al., 2011; IX Cong. Bras., 2004).

Tabela 12: Microrganismo causadores de infeção no sistema respiratório superior (Mahon C. et al., 2011;

IX Cong. Bras., 2004)

Mais frequentes Menos frequentes

Streptococcus pneumoniae

Streptococcus pyogenes (Streptococcus β -

hemolítico, grupo A de Lancefield)

Neisseria meningitidis

Neisseria gonorrhoeae

Klebsiela e outras Enterobacteriaceae

Bordetella pertussis

Mycobacterium kansasii

Mycobacterium tuberculosis

Legionella pneumophila Corynebacterium diphtheriae

Mycoplasma pneumoniae

Chlamydia trachomatis

Chlamydophila pneumoniae

Acinetobacter spp.

Fungos

Nocardia spp.

Staphylococcus aureus

Haemophilus influenzae

Streptococcus β-hemolíticos, não pertencentes ao

grupo A de Lancefield

Moraxella catarrhalis

Anaeróbios Mycobacterium spp.

Actinomycetes

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Colheita:

✓ Exsudado faríngeo e amigdalino

O utente não deve ingerir alimentos 2 a 3 horas antes da colheita. A colheita

efetua-se com uma zaragatoa (kit Stuart - mantém a amostra estável durante 24 horas),

evitando tocar na língua, lábios e úvula e passando em toda a superfície com aspeto

patológico (vermelho ou com pus).

✓ Exsudado nasal

Introduz-se uma zaragatoa (kit Stuart) na narina, rodando-a suavemente até

encontrar resistência, procedendo, de igual modo, com uma segunda zaragatoa na outra

narina. Antes da colheita utente não se deve assuar.

Procedimento Laboratorial e interpretação de resultados:

Exame Cultural:

Semeia-se o exsudado com a zaragatoa diretamente nos meios de cultura (tabela

13). No exsudado nasal sobrepõem-se as duas zaragatoas (sementeira).

Tabela 13: Meios de cultura (sistema respiratório superior).

Amostra Meios de Cultura Incubação

Exsudado Nasal

COS 48h/ 35 ± 2ºC

MSA 48h/ 35 ± 2ºC

PVX* 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS** 48h/ 35 ± 2ºC

CNA*** 48h/ 35 ± 2ºC (amostra previamente enriquecida em

Todd - incubação 24h/ 35 ± 2ºC)

Exsudado

Faríngeo

COS 48h/ 35 ± 2ºC

Todd 24h/ 35 ± 2ºC (posterior repicagem para o meio CNA)

CNA 48h/ 35 ± 2ºC

PVX* 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

SGS** 48h/ 35 ± 2ºC

* Pesquisa de Neisseria meningitidis (exsudado faríngeo e nasal) e pesquisa de Neisseria gonorrhoeae

(exsudado faríngeo), só quando solicitado pelo médico. ** Pedido médico para a realização do Exame Micológico.

*** Pesquisa de Streptococcus β-hemolíticos (exsudado nasal), cultura solicitada pelo médico.

Em ambos os casos, o meio COS revela o predomínio da flora que coloniza o trato

nasofaríngeo e é sempre considerado o aparecimento de culturas puras. No exsudado

faríngeo pesquisa-se o desenvolvimento de β-hemólise nos meios COS e CNA. Sempre

que esta ocorre, a cultura é valorizada, pois é sugestivo de Streptococcus β-hemolítico

dos grupos A, C e G de Lancefield. Seguidamente, identifica-se serologicamente a espécie

(Pastorex™ STREP). Após a confirmação da identificação, realiza-se o respetivo TSA.

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Quanto ao exsudado nasal, valoriza-se sempre o desenvolvimento de colónias

amarelas no meio MSA (sugestivo de S. aureus). O desenvolvimento de S. aureus (meio

MSA), normalmente, é acompanhado com a revelação de β-hemólise e/ou do

desenvolvimento de cultura predominante no meio COS. A fim de confirmar a espécie,

efetua-se o respetivo teste serológico, se positivo, isola-se a bactéria (meio CNA). Neste

caso, o exsudado nasal é efetuado com a finalidade de detetar portadores de

Staphylococcus aureus MSRA (Methicillin Resistant S. aureus), logo só nos interessa

identificar a estripe em questão, para tal, testa-se a sensibilidade à cefoxitina. Se for

resistente, determina-se o perfil das suscetibilidades, automaticamente, caso contrário

considera-se o resultado negativo para a espécie em questão.

No exsudado faríngeo valorizam-se culturas puras ou quando a informação clínica

o justifique, dos seguintes microrganismos: Streptococcus β-hemolíticodo grupo A de

Lancefield, Streptococcus pneumoniae e Moraxella (Branhamella) catarrhalis. A

pesquisa de Neisseria meningitidis (exsudado faríngeo e nasal) e pesquisa de N.

gonorrhoeae (exsudado faríngeo), valorizam-se o desenvolvimento predominante (meio

COS). Em caso de dúvida na identificação, realiza-se uma coloração de Gram (Neisseria

sp.: diplococo/coco Gram negativo). As colónias valorizadas (oxidase positiva) são

isoladas (meio PVX) e identificadas (carta NH). Após a confirmação da espécie, efetua-

se o respetivo TSA.

O exame micológico é positivo sempre que há desenvolvimento (com alguma

predominância) no meio de cultura. A identificação da Candida é igual ao procedimento

referido anteriormente.

2.4.6. Sistema Respiratório Inferior

As infeções que atingem o sistema respiratório inferior, normalmente, ocorrem

quando os microrganismos patogénicos superam as barreiras naturais protetoras. As

infeções podem advir da inalação de aerossóis, aspiração de conteúdo oral ou gástrico, ou

por disseminação hematogénica. As infeções bacterianas podem resultar da inoculação

direta de organismos, advindos do trato respiratório superior, atingindo a traqueia e a

árvore bronquial (causando traqueítes, bronquites e bronquiolites). Quando a infeção

atinge o tecido pulmonar, causa alveolite e pneumonia (Mahon C. et al., 2011).

Fatores como doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, alcoolismo,

insuficiência cardíaca congestiva, anemia falciforme, imunossupressão, idade avançada,

doença prévia respiratória de origem viral e ventilação mecânica (associado a infeções

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hospitalares), predispõem ao surgimento de infeção. As manifestações clínicas incluem

tosse, produção de expetoração, febre e, por vezes, leucocitose (IX Cong. Bras., 2004).

Os agentes patogénicos com maior prevalência, causadores de infeção no sistema

respiratório inferior, encontram-se descritos na tabela 14.

Tabela 14: Agentes patogénicos causadores de infeção no trato respiratório inferior (IX Cong. Bras., 2004).

Comunidade Meio Hospitalar

Streptococcus pneumoniae

Haemophilus influenzae

Staphylococcus aureus Moraxella catarrhalis

Chlamydia pneumoniae

Legionella pneumophila

Bacilos Gram negativos

Pseudomonas aeruginosa

Staphylococcus aureus

Enterobacter spp. Klebsiella pneumoniae

Acinetobacter spp.

Candida albicans

Escherichia coli

Enterococcus spp.

Colheita:

✓ Expetoração

Um dos principais problemas na colheita de expetoração é a contaminação da

amostra com flora da cavidade bucal. O utente não deve ingerir alimentos antes da

colheita. O procedimento deve ser feito de manhã, após a higiene nasal e bucal (com

água). A expetoração resultante de tosse provocada (tosse profunda), é recolhida num

recipiente estéril. Não são aceites amostras com saliva ou com corrimento nasal.

Procedimento Laboratorial e interpretação de resultados:

Exame direto (coloração de Gram):

Seleciona-se uma porção da amostra rica em pus ou sangue e efetuam-se dois

esfregaços. Uma lâmina é reservada e à outra, aplica-se a coloração. Observa-se o Gram

ao microscópio ótico (ampliação de 100 vezes) a fim de semi-quantificar as células

epiteliais e leucócitos. Observa-se o predomínio microbiológico (ampliação de 1000

vezes) e as características morfológicas. A qualidade da amostra é determinada pela

relação entre o número de células epiteliais e leucócitos e classificada (tabela 15) segundo

os critérios de Murray e Washington.

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Tabela 15: Critérios de classificação para amostras de expetoração (coloração Gram).

Grupo Células epiteliais (100x) Leucócitos (100x)

1 25 10

2 25 10 a 25

3 25 25

4 10 a 25 25

5 < 10 25

Segundo os critérios apresentados na tabela 15, processam-se as amostras dos

grupos 4 e 5, pois são consideradas adequadas para efetuar o exame cultural. Quando a

amostra advém de um doente neutropénico, os critérios anteriores não se aplicam.

Igualmente, não são aplicáveis, quando é solicitado pelo médico, a pesquisa de

Mycobacterium sp. (neste caso a avaliação direta é efetuada através da aplicação de uma

coloração álcool-ácido, onde se identifica e quantifica bacilos álcool-ácido resistentes

(BAAR)). Os critérios de semiquantificação dos BAAR encontram-se descritos na tabela

16.

Tabela 16: Critérios de semiquantificação aplicados a BAAR.

N. º BAAR (1000x) Código de Leitura

0/ 100 campos Negativo

1 - 9/ 100 campos 1 - 9/ 100 campos

10 - 99/ 100 campos 1+

1 – 10/ campo 2+

> 10 3+

Exame cultural:

Seleciona-se uma porção da amostra rica em pus ou sangue, retira-se com uma

ansa descartável e semeia-se nos seguintes meios de cultura (tabela 17):

Tabela 17: Meios de cultura (expetoração).

Meios de Cultura Incubação

COS 48h/ 35 ± 2ºC

MCK 48h/ 35 ± 2ºC

HAEM 48h/ 35 ± 2ºC/Estufa de CO2

Lowenstein* 30 a 60 dias/ 35 ± 2ºC

SGS** 48h/ 35 ± 2ºC

*Cultura realizada para a pesquisa de Mycobacterium tuberculosis, solicitado pelo médico. Observa-se a

cultura após 30 dias de incubação, caso não haja desenvolvimento de colónias prolonga-se a cultura até 60

dias.

** Exame micológico solicitado pelo médico.

Na cultura em meio COS, o importante é a visualização da hemólise de

Streptococcus e Staphylococcus. Caso surjam colónias sugestivas de Staphylococcus

(colónias grandes, brancas a acinzentadas ou bege a amarelas, com ou sem hemólise),

realiza-se o teste serológico de confirmação e o seu respetivo TSA. A presença de

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Streptococcus (colónias pequenas, brancas a acinzentadas com β ou α-hemólise) é

determinada por serologia, com posterior TSA. No meio COS é possível identificar

colónias sugestivas de S. pneumoniae (colónias esverdeadas, devido à α-hemólise), onde

se efetua o seu despiste com o teste da optoquina (caso seja sensível, realiza-se o TSA).

Quando é visualizado cocos Gram negativos no exame direto do esfregaço, o

desenvolvimento no meio COS é sugestivo de Moraxella, onde a partir das colónias

sugestivas procedemos à identificação (carta NH) e TSA.

O meio MCK é útil na pesquisa de Enterobacteriaceae, como a Klebsiella

pneumoniae. As colónias sugestivas de K. pneumoniae (fermentam a lactose - colónias

mucoides, vermelhas a rosa) são isoladas em meio COS, identificadas (Vitek® 2) e

efetuado o TSA. Valoriza-se sempre o desenvolvimento/predomínio de culturas puras de

outros microrganismos Gram negativos, as quais se realizam a ID (carta GN) e o TSA.

No trato respiratório inferior é importante o despiste/deteção de Haemophilus

(meio HAEM), valorizando-se o crescimento sugestivo (colónias pequenas, brilhantes e

esbranquiçadas a acinzentadas). Normalmente, quando há desenvolvimento desta espécie

são observados no exame direto cocobacilos Gram negativos. Realiza-se a ID (carta NH)

e o isolamento (meio HAEM). Se se confirmar, efetua-se o TSA.

O desenvolvimento de colónias não pigmentadas, secas, com aspeto “couve-flor”

no meio Lowenstein, é sugestivo de Mycobacterium tuberculosis. A partir de uma colónia

sugestiva, executa-se a coloração álcool-ácido. O crescimento deve estar de acordo com

o exame direto do esfregaço (observação de BAAR). Se o Gram da cultura confirmar a

presença de BAAR, a identificação da espécie é efetuada por biologia molecular.

Quanto ao exame micológico, só se valoriza a cultura, se houver um crescimento

moderado a acentuado de colónias, pois a colheita é facilmente contaminada por

leveduras da cavidade oral.

2.4.7. Hemocultura

A hemocultura é útil no diagnóstico de infeções sistémicas. A valorização e

interpretação clínica baseia-se no Cumitech 1C (blood cultures IV) da Sociedade

Americana de Microbiologia.

Em certos casos, a septicemia pode estar associada a infeções localizadas, por

exemplo, infeções pulmonares, urinárias e gastrointestinais, sendo mais recorrente em

doentes imunodeprimidos (WHO, 2016).

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Em aerobiose os microrganismos, frequentemente, isolados são: Staphylococcus

spp., Streptococcus spp. e Enterobacteriaceae. Nos indivíduos imunocompetentes é mais

comum o isolamento de Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e

Escherichia coli, enquanto nos doentes imunodeprimidos é frequente o isolamento de

bactérias Gram negativas, como a Pseudomonas aeruginosa. Em anaerobiose os

microrganismos mais frequentes são bactérias anaeróbias facultativas, como o

Staphylococcus spp. (WHO, 2016).

Colheita:

A colheita de sangue total é realizada para frascos de hemoculturas, os quais

isolam e detetam microrganismos aeróbios e anaeróbios facultativos. A colheita deve ser

efetuada no início da subida da temperatura ou segundo a indicação médica. Antes da

colheita deve-se desinfetar a pele e as tampas dos frascos e o restante procedimento é

igual a uma colheita normal de sangue. O sangue deve ser inserido diretamente nos

frascos. Para a pesquisa de fungos, a colheita é efetuada em frascos de aerobiose (fungos

não se desenvolvem em anaerobiose). São utilizados frascos de hemocultura BacT/Alert

FA Plus, adaptados ao sistema de deteção microbiana BacT/Alert 3D-60.

Procedimento laboratorial e interpretação de resultados:

O sistema BacT/Alert é responsável por emitir o resultado (positivo ou negativo).

Caso o sistema considere o resultado negativo, este é reportado como “estéril”. Se o

resultado cultural for positivo, procede-se ao respetivo exame cultural.

Em câmara de fluxo laminar, após a homogeneização e desinfeção (tampa do

frasco de hemocultura), retira-se com uma seringa 1 ml de sangue. Seguidamente,

adicionam-se 1 a 2 gotas de sangue nos meios de cultura descritos na tabela 18.

Tabela 18: Meios de cultura utilizados na hemocultura.

Amostra Meios de Cultura Incubação

Hemocultura (anaerobiose) COS 48h/ 35 ± 2ºC

Hemocultura (aerobiose) COS 48h/ 35 ± 2ºC em Genbag anaer

SCS 48h/ 35 ± 2ºC em Genbag anaer

No boletim reporta-se a identificação do agente patogénico e as respetivas

sensibilidades e resistências aos fármacos testados.

A sépsis é provocada sobretudo por um único agente, logo espera-se obter culturas

puras. Deve-se ter em consideração que a amostra pode estar contaminada,

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principalmente, quando no exame cultural se observa mais do que um microrganismo,

devido, por exemplo, à contaminação no ato de colheita. Nestes casos deve-se examinar

cautelosamente os resultados culturais, sobretudo quando há desenvolvimento de agentes

colonizadores da pele, como o Streptococcus epidermidis.

Quando há uma sépsis, o agente pode disseminar-se no organismo e invadir outros

órgãos, por exemplo, o sistema urinário (infeção descendente). Nestes casos espera-se

obter o mesmo microrganismo em ambos os produtos.

2.5. Antibiograma

É necessário ter em consideração que os antibióticos se podem comportar de

forma imprevisível, ou seja, nem sempre o que obtemos in vitro se traduz in vivo, pois

existem diversas variáveis que afetam a eficácia do antibiótico, variáveis essas, que não

podem ser testadas in vitro. Quando testamos os antibióticos também é necessário ter em

conta, o local do corpo onde se instalou a infeção, pois a difusão dos antibióticos é

diferente consoante o tecido/local do corpo, bem como a idade do paciente (o antibiótico

prescrito a uma criança não pode interferir com o seu desenvolvimento) e se é uma

grávida, a presença de outras bactérias (culturas mistas e a prevalência da espécie na

cultura), a qualidade da amostra, o status do hospedeiro (especialmente em

imunodeprimidos, em que a flora normal pode causar infeção) e o nível de suscetibilidade

do agente aos antimicrobianos testados.

2.5.1. Microdiluição

O equipamento Vitek® 2 Systems testa os antibióticos (tabela 19) de acordo com a

espécie identificada, tendo em conta as suas resistências naturais. A seleção da carta

depende da situação e considera-se, sempre, a história clínica do paciente na escolha do

perfil de antibióticos. São reportados pelo menos um antibiótico de cada grupo

terapêutico, indicando, preferencialmente, os de primeira linha. É dada preferência aos

antibióticos de administração por via oral (via endovenosa, só em último recurso).

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Tabela 19: Antibióticos testados nas cartas de TSA, adaptadas ao sistema Vitek® 2.

Bacilos Gram negativos Cocos Gram positivos

Ampicilina*

Amoxicilina/Ácido clavulânico*

Cefalotina*1

Cefepime*8

Cefditoren8

Cefotaxima8

Cefoxitina*

Cefuroxima*2

Cefuroxima Axetil*2

Ceftazidima8,10

Cefpodoxime Cefazolina1

Amicacina*

Aztreonam10

Fosfamicina*5

Gentamicina*

Meropenem*

Ertapenem*

Imipenem*

Minociclina

Ácido nalidíxico

Nitrofurantoína*3

Norfloxacina*3 Tetraciclina*

Rifampicina

Ticarcilina

Tircarcilina/Ácido clavulânico

Piperacilina

Pefloxacina

Piperacilina/Tazobactam

Tobramicina*2

Ciprofloxacina*4

Colistina9

Trimetoprim*7

Trimetoprim/Sulfametoxazol*6

Ampicilina*

Ampicilina/Sulbactram*

Benzilpenicilina*

Cefuroxima*2

Cefuroxima Axetil*2

Imipenem*

Gentamicina*

Eritromicina Azitromicina

Clindamicina

Claritromicina

Quinupristine/Dalfopristein

Fosfamicina*5

Ácido Fusídico

Norfloxacina*3

Levofloxacina*

Ciprofloxacina*

Rifampicina

Moxifloxacina Tetraciclina*

Tigeciclina

Nitrofurantoína*3

Trimetoprim/Sulfametoxazol*

Vancomicina

Teicoplanina

Linezolid

Daptomicina

Oxacilina

Tobramicina

1 Marcador das cefalosporinas (se sensível, as restantes cefalosporinas também o são) 2 Indicado para infeções oftálmicas 3 Indicado para infeções urinárias 4 Recomendado para infeções sistémicas 5 Nas infeções urinárias, sempre que sensível, é indicada (recomendação da DGS - Direção-Geral da Saúde) 6 Indicado para infeções urinárias não complicadas, sobretudo, em indivíduos do sexo masculino 7 Utilizado em crianças como profilaxia 8 Reportado no Boletim quando as cefalosporinas de 1ª geração são resistentes 9 Testado só em Pseudomonas 10 Utilizado para testar ESBL (Extended-Spectrum Beta-Lactamases)

* Antibióticos de primeira linha

2.5.2. E-test

É uma técnica quantitativa para a determinação da CMI, baseada na combinação

dos conceitos de difusão e diluição. O teste consiste numa tira que contém um gradiente

exponencial pré-definido e estável de um antimicrobiano, com uma concentração máxima

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e uma mínima (extremidades). Esta é aplicada à superfície da placa, juntamente com o

inoculado da espécie isolada, havendo a libertação imediata e continua para o meio do

antibiótico, formando um gradiente estável. Após a incubação (24 horas), com o

crescimento microbiano observa-se uma elipse simétrica de inibição em redor da tira. A

leitura da CMI é realizada no ponto onde o bordo da elipse interseta a tira e o valor é

traduzido, segundo uma escala, para uma determinada concentração em µg/ml (Mahon

C. et al., 2011). O teste destina-se a bactérias anaeróbias e/ou com um crescimento

fastidioso, pois as tiras não podem ser utilizadas em meios especiais enriquecidos ou

incubações com uma concentração atmosférica de CO2, aumentada. Neste laboratório, o

teste é utilizado para determinar a CMI da penicilina e da vancomicina em N.

gonorrhoeae.

2.5.3. Método de difusão em placa de Kirby-Bauer

Esta técnica determina a suscetibilidade de forma semiquantitativa. O método

consiste na utilização de papel de filtro, impregnado com uma determinada concentração

de um antimicrobiano. O disco é inoculado, juntamente com a espécie bacteriana,

previamente isolada no meio de Mueller-Hinton (não seletivo). Este meio permite uma

boa difusão do antimicrobiano, além disso contém amido (absorve as toxinas libertadas

pelos microrganismos, impedindo que estas interajam com o antibiótico) (Leboffe M. et

al., 2011; Mahon C. et al., 2011). Após a incubação (24 horas), o diâmetro da zona

produzida à volta do disco, devido a inibição do crescimento antimicrobiano, é medido e

a espécie isolada é interpretada como “sensível”, “intermédio” ou “resistente”, de acordo

com o halo medido e a tabela CLSI. Os equivalentes breakpoints da CMI, utilizados para

determinar a resistência ou a suscetibilidade, também são visualizados. As espécies

bacterianas, como o Streptococcus pneumoniae e Streptococcus spp. requerem um meio

mais nutritivo, logo utiliza-se o meio de Muller-Hinton suplementado com 5% de sangue

de carneiro ou cavalo.

Este método (tabela 20) é utilizado em bactérias que não podem ser testadas pelos

métodos anteriores ou para a confirmação de resultados ambíguos obtidos pela

determinação automática.

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Tabela 20: Antibióticos utilizados no método de Kirby-Bauer.

Streptococcus (grupo de B e D de Lancefield)*

Ampicilina

Cefalotina

Tigeciclina

Norfloxacina

Nitrofurantoína

Staphylococcus*

Ampicilina

Cefoxitina2

Gentamicina

Norfloxacina

Nitrofurantoína

Trimetoprim/Sulfametoxazol

Enterococcus*

Ampicilina

Nitrofurantoína Norfloxacina

Cefalotina3

Tetraciclina

ESBL*1

Ceftriaxona

Ceftazidina

Amicacina

Amoxicilina/Ácido clavulânico

Azitromicina

Staphylococcus**

Cefoxitina2

Eritromicina

Amoxicilina

cefamandole

Haemophilus

Amoxicilina

Amoxicilina/Ácido clavulânico

Cefixima Trimetoprim/Sulfametoxazol

Tetraciclina

Moraxella

Amoxicilina/Ácido clavulânico

Cefuroxima

Cefixima

Trimetoprim/Sulfametoxazol

Eritromicina

Campylobacter

Eritromicina

Ciprofloxacina

Ampicilina

Amoxicilina/Ácido clavulânico

Tetraciclina

Gentamicina

Neisseria Ceftriazona Ciprofloxacina

Salmonella

Ampicilina

Amoxicilina/Ácido clavulânico

Trimetoprim/Sulfametoxazol

Ciprofloxacina

Pneumococcus

Oxocilina

Eritromicina

Trimetoprim/Sulfametoxazol

Cefalotina

* Antibióticos testados em infeções urinárias

** Só no exsudado nasal 1 Amoxicilina/ácido clavulânico fica no centro da placa e a uma distância de 20 mm, entre os discos 2 Importante a sua determinação, pois caso seja resistente, a espécie será resistente a todos os β-lactâmicos

(especialmente na deteção de S. aureus MRSA) 3 Enterococcus são naturalmente resistentes, é só para certificar que se trata da espécie em questão

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3. Core Laboratorial

É uma área laboratorial altamente automatizada, onde é processado um grande

volume de amostras diariamente. É a área em que se verifica a maior integração de

metodologias nos sistemas analíticos instalados (cerca de 260 parâmetros analíticos em

diferentes amostras biológicas, nomeadamente no soro, plasma, sangue total, urina e

líquor). O estágio nas valências de Bioquímica, Hematologia, e parte de Imunologia

decorreu nesta área, durante o período entre abril e julho de 2016.

A fim de aumentar a capacidade e a velocidade de processamento de amostras, o

Core possui o sistema de processamento de amostras ADVIA® LabCell. Ao sistema estão

acoplados os equipamentos, IMMULITE® 2000, ADVIA® 2400, ADVIA® 2120 e

ADVIA® Centaur. O ADVIA® LabCell detém um sistema de transporte integrado que

gere, automaticamente, a distribuição das amostras pelos vários equipamentos. A este

sistema está acoplado o Sample Manager, que distribui as amostras para processamento

pelos vários equipamentos acoplados ao sistema central, sendo também responsável pelo

seu arquivo. O sistema de gestão de dados LIS, que está conectado ao ADVIA® LabCell,

realiza o controle do fluxo das amostras pelo sistema. O sistema LIS também permite a

monitorização do estado de cada amostra. A central informática LIS está diretamente

conectada ao sistema informático intermédio ADVIA CentraLink® Data Management

System, o qual permite a visualização do conjunto de resultados adquiridos para o mesmo

utente obtidos pelos vários equipamentos ligados ao sistema central. Os resultados das

determinações analíticas, efetuadas nos diferentes materiais de controlo dos sistemas

analíticos integrados na cadeia robótica, são enviados pelo CentraLink para o software de

Gestão da Qualidade Unity Real Time® online. O CentraLink também está conectado ao

software eDeiaLab, o qual recebe os resultados de todos os parâmetros, efetuados para

um determinado utente, permitindo a validação dos mesmos e, também, a visualização do

histórico dos resultados do paciente (Delta Check).

4. Hematologia

Durante o estágio tive a oportunidade de acompanhar os processos analíticos, no

âmbito da validação técnica e biopatológica de parâmetros hematológicos. No presente

relatório optei por referir os parâmetros mais representativos, em termos de valor

semiológico, nomeadamente parâmetros hematológicos e estudo morfológico do sangue

periférico, determinação de grupos sanguíneos (teste de Coombs e a pesquisa de

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anticorpos irregulares - PAI), velocidade de sedimentação (VS), parâmetros relacionados

com a pesquisa e identificação de variantes de hemoglobina (estudo das

hemoglobinopatias) e estudo da hemóstase, trombofilia e fibrinólise.

As amostras são processadas consoante a sua ordem de entrada, dando-se

prioridade às urgentes. Estas são analisadas segundo a seguinte ordem: hemograma,

hemoglobina glicada (HbA1c), VS, determinação do grupo sanguíneo e, por último,

eletroforese de hemoglobinas. O anticoagulante mais usual, o K3EDTA (sal tripotássico

de EDTA), é utilizado na determinação dos índices hematológicos, no estudo morfológico

do sangue periférico e na determinação da VS. O citrato trissódico (9 volumes de sangue

para 1 de citrato) é usado na colheita de amostras para estudo da hemóstase, trombofilia

e fibrinólise, assim como na determinação do número de plaquetas, caso se verifiquem

agregações espontâneas plaquetárias em EDTA. A heparina é utilizada nas amostras

destinadas à determinação da fosfatase alcalina leucocitária.

4.1. Hemograma

O hemograma compreende a análise e interpretação dos resultados dos elementos

figurados do sangue total em EDTA, de forma quantitativa (contagem celular e índices

hematimétricos dos eritrócitos e plaquetas, efetuado pelo equipamento de ensaio ADVIA®

2120 Hematology System) e qualitativa (estudo morfológico do sangue periférico). Este

inclui o eritrograma, reticulócitos, leucograma e trombocitograma, sendo importante na

avaliação da função hematológica e das doenças relacionadas, bem como na avaliação do

estado geral de saúde, fornecendo informações sobre a quantificação e morfologia celular

(tamanho e forma) e orientado para eventuais testes adicionais.

O eritrograma é constituído pela contagem de eritrócitos (RBC), hemoglobina

(Hb), hematócrito (Ht), volume globular médio (VGM), hemoglobina globular média

(HGM), concentração de hemoglobina globular média (CHGM) e índice de dispersão

eritrocitário (RDW). O hematócrito representa a massa eritrocitária e é um parâmetro

calculado (VGMxRBC/10). A hemoglobina caracteriza a anemia e reflete a capacidade

potencial de transporte de oxigénio. O VGM é útil na classificação da anemia

(microcítica, normocítica ou macrocítica). A CHGM avalia a concentração média de

hemoglobina por unidade de volume de eritrócitos, sendo útil na classificação da anemia

(hipocrómica e normocrómica) e na deteção de esferocitose. O RDW mostra o coeficiente

de variação da distribuição do volume dos eritrócitos, sendo importante na classificação

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da anemia microcítica, assim como na identificação de fragmentação celular, aglutinação

eritrocitária e dimorfismo dos eritrócitos.

A avaliação de reticulócitos abrande o valor percentual, concentração, volume dos

reticulócitos (VGMr), hemoglobina reticulocitária (CHr) e concentração de hemoglobina

reticulocitária globular média (CHGMr). A Contagem de reticulócitos permite o

diagnóstico diferencial entre as anemias arregenerativas e regenerativas, permitindo a

monitorização da sua evolução clínica e resposta ao tratamento. A determinação da

hemoglobina reticulocitária tem o seu maior valor semiológico na identificação das

anemias por deficiência funcional de ferro e monitorização da terapêutica com ferro ou

fármacos estimulantes da eritropoiese.

O leucograma inclui a contagem do número total de leucócitos e a sua contagem

diferencial (em percentagem e em valor absoluto), também designada de fórmula

leucocitária, que integra os valores de neutrófilos (segmentados e não segmentados),

eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos. É importante na avaliação do número e

distribuição das células brancas, detetando alterações nas mesmas, bem como alterações

atípicas celulares (exemplo: segmentação) e a existência de blastos no sangue periférico.

Como tal, é útil no rastreio de infeções e processos inflamatórios, doenças autoimunes e

doenças oncológicas.

O trombocitograma compreende a contagem total de plaquetas, o volume médio

(VPM) e o coeficiente de distribuição (PDW). O trombocitograma é útil na avaliação da

hemóstase primária e na deteção de doenças que implicam alterações no número de

plaquetas, tais como neoplasias mieloproliferativas e doenças autoimunes e hereditárias.

4.2. Equipamentos de Ensaio:

4.2.1. ADVIA® 2120 Hematology System (SIEMENS)

É um equipamento automatizado de diagnóstico aplicado à determinação de

parâmetros hematológicos, por ensaio colorimétrico e citometria de fluxo, associada a

diversas reações citoquímicas, sobretudo a partir de amostras de sangue total. O

equipamento é composto por uma parte mecânica, em que o Circuito Unificado de Fluídos

(UFC) é o principal componente e uma parte ótica (Conjunto Ótico Peroxidase e Conjunto

Ótico Laser), e fornece os seguintes resultados (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010):

Contagens completas do sangue (CBC)

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CBC mais contagens diferenciais dos leucócitos (CBC/diff)

Contagens absolutas de percentagem e índices de reticulócitos (retic)

CBC/diff mais retic (CBC/diff/retic)

CBC/retic

A amostra passa pelo um filtro anti-coágulo sendo, posteriormente, recolhida por

uma válvula de segmentação, que divide a amostra em 5 alíquotas para os diferentes

testes. As alíquotas são enviadas para as câmaras/canais de reação, no conjunto do UFC,

onde a amostra e os reagentes são misturados, ocorrendo uma reação citoquímica.

Existem as seguintes câmaras de reação (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010):

Câmara de Reação da Hemoglobina (HGB)

Câmara de Reação de Basófilos (BASO)

Câmara de Reação de Eritrócitos e Plaquetas (RBC/Plt)

Câmara de Reação de Reticulócitos (Retic.)

Câmara de Reação da Peroxidase (PEROX)

No final da reação as misturas (amostra e reagente) são enviadas para análise, nas

células de fluxo, exceto para a hemoglobina (a câmara de reação serve de cuvete ótica,

onde é efetuado a leitura da hemoglobina). Depois da análise, a mistura é eliminada e as

vias e câmaras de reação usadas, são lavadas. Seguidamente, os resultados dos testes são

enviados para o computador a fim de serem editados e revistos (Manual ADVIA®

2120/2120i Hematology Systems, 2010).

O sistema ótico é constituído por 3 conjuntos óticos: o conjunto do colorímetro

para hemoglobina; conjunto ótico da peroxidase; conjunto ótico para os métodos de

análise de basófilos, eritrócitos/plaquetas e reticulócitos (Manual ADVIA® 2120/2120i

Hematology Systems, 2010; Simão D., 2013).

Canal da Hemoglobina:

A determinação da hemoglobina realiza-se por método colorimétrico de

determinação sem cianeto. O processo inicia-se com a lise dos eritrócitos e libertação da

hemoglobina, através da adição do reagente à amostra (câmara de reação). Seguidamente,

o ferro do heme é oxidado, passando do estado ferroso (Fe2+) para o férrico (Fe3+), o que

leva à coordenação de um ião de hidróxido e de uma molécula de água com um ligando

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axial e a subsequente formação de monoaquomonohidroxiferri-porfirina, cuja

transmitância é lida na câmara de reação a 546 nm. O cálculo da hemoglobina resulta da

comparação entre as leituras de referência e a amostra, onde a luz transmitida de cada

amostra é convertida em concentração (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010).

Canal de Basófilos:

A reação ocorre em duas etapas. Na primeira ocorre a lise dos eritrócitos e das

plaquetas. Na segunda, todos os leucócitos (exceto os basófilos) são separados do seu

citoplasma pela a ação do reagente e do aumento da temperatura na câmara. Depois da

reação, a suspensão celular passa por uma célula de fluxo, a um volume constante, onde

as sequências características da luz dispersa (ângulo baixo e alto), de cada célula, são

medidas, segundo o tamanho da célula ou do núcleo e a configuração do núcleo

(combinação da forma do núcleo com a densidade celular). Desta forma, os leucócitos

são separados e classificados em células mononucleares ou polimorfonucleares (Manual

ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

O citograma BASO (figura 1) os clusters (populações) resultam da combinação

da configuração do núcleo (ângulo alto), no eixo x, e do tamanho das células (ângulo

baixo), no eixo y. Através da análise dos clusters é possível identificar cada população

(segundo a sua posição, área e densidade) e contar o número de células/núcleos presentes

em cada população (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

Figura 1: Citograma BASO obtido a partir de uma amostra de um doente (adaptado do Manual ADVIA®

2120/2120i Hematology Systems, 2010). Legenda: 1) Ruído; 2) Núcleos de células blásticas; 3) Leucócitos

mononucleares (núcleos de monócitos e linfócitos); 4) Basófilos; 5) Baso Suspect; 6) Saturação; 7)

Leucócitos polimorfonucleares (núcleos de neutrófilos e de eosinófilos).

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Canal de Eritrócitos e Plaquetas:

As reações citoquímicas de eritrócitos/plaquetas ocorrem em duas etapas.

Primeiro, o uso de um reagente com dodecil sulfato de sódio (SDS) e glutaraldeído faz

com que os eritrócitos e as plaquetas sejam isovolumetricamente esferificados, ou seja,

elimina a forma celular (fator de variabilidade). Depois, ocorre a fixação dos eritrócitos

e das plaquetas (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

• Eritrócitos

Na análise dos eritrócitos é usado um par de sinais de dispersão de luz (ângulo

baixo e alto). Segundo a teoria de Mie, através da medição e respetiva conversão da

dispersão da luz, para as esferas homogéneas, obtêm-se o volume celular (ângulo baixo)

e a concentração de hemoglobina (ângulo alto). Os histogramas e citogramas mais

relevantes são os seguintes (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010):

✓ Histograma de volume dos eritrócitos (figura 2): mostra a distribuição de

eritrócitos por volume celular. Apresenta um intervalo entre 0 fl e 120 fl. A partir deste

histograma são calculados o RDW e o VGM.

Figura 2: Histograma de volume de eritrócitos (amostra normal) (adaptado do Manual ADVIA® 2120/2120i

Hematology Systems, 2010). Legenda: 1) Região microcítica; 2) Região normocítica; 3) Região

macrocítica; 4) Marcador de 60 fl; 5) Marcador de 120 fl.

✓ Histograma de concentração de hemoglobina de eritrócitos (figura 3):

representa, independentemente do volume celular, a distribuição de eritrócitos por

concentração de hemoglobina num intervalo entre 0 g/dl e 50 g/dl. A partir do histograma

é calculado o CHCM.

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Figura 3: Histograma de concentração de hemoglobina de eritrócitos (amostra normal) (adaptado do

Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010). Legenda: 1) Região hipocrómica; 2) Região

normocrómica; 3) Região hipercrómica; 4) Marcador de 28 g/dl; 5) Marcador de 41 g/dl.

✓ Citograma de volume e concentração de hemoglobina dos eritrócitos

(figura 4): representa a concentração de hemoglobina (eixo x) e o volume celular (eixo

y), visualizando-se apenas os eritrócitos.

Figura 4: Citograma de volume e concentração de hemoglobina dos eritrócitos (adaptado do Manual

ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010). Legenda: 1) Marcador de volume dos eritrócitos de 60

fl; 2) Marcador de volume de 120 fl; 3) Marcador de concentração da hemoglobina 28 g/dl; 4) Marcador

de concentração de 41 g/dl. Os marcadores organizam o citograma em 9 áreas distintas de morfologia

celular.

• Plaquetas

Na análise de plaquetas, segundo a teoria de Mie, os sinais de dispersão de luz de

ângulos baixo e alto para cada célula são convertidos em valores de concentração e de

volume de refração (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

✓ Citograma de dispersão de plaquetas (figura 5): representa o coeficiente de

refração (n), entre 1,3500 e 1,4000 (eixo x), e o volume celular, entre 0 fl e 30 fl (eixo y),

que corresponde às plaquetas. As células com volumes > 30 fl são identificadas através

do citograma de dispersão dos eritrócitos.

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Figura 5: Citograma de dispersão de plaquetas (adaptado do Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010). Legenda: 1) Plaquetas; 2) Plaquetas gigantes; 3) Eritrócitos; 4) Fragmentos de eritrócitos;

5) Fantomas de eritrócitos. Os fragmentos e fantomas de eritrócitos não são incluídos na contagem de

plaquetas, sendo enumerados para fins de alarme.

Canal de Reticulócitos:

Na análise dos reticulócitos, depois de estes serem isovolumetricamente

esferificados, são corados conforme o seu conteúdo em ARN (ácido ribonucleico), graças

ao agente catiónico (oxazina 750). Depois da coloração, um volume constante da

suspensão passa pela respetiva célula de fluxo (na câmara de reação), onde as sequências

características da dispersão da luz (ângulo baixo e alto) e de absorção são medidas para

cada célula. Desta forma, o tamanho da célula e a concentração de hemoglobina são

proporcionais às sequências características da dispersão da luz, enquanto a absorção da

luz é proporcional à ao conteúdo (os eritrócitos maduros absorvem menos do que os

reticulócitos corados). Após processamento da informação, obtém-se o seguinte

citograma (figura 6) (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010):

✓ Citograma de absorção e dispersão de reticulócitos: apresenta as medições

de absorção e de dispersão de luz que correspondem à maturação celular (absorção da

luz), no eixo x, e ao tamanho das células (dispersão da luz), no eixo y.

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Figura 6: Citograma de absorção e dispersão de reticulócitos (adaptado do Manual ADVIA® 2120/2120i

Hematology Systems, 2010). Legenda: 1) Valor limite de plaquetas dos reticulócitos; 2) Valor limite de

coincidência dos reticulócitos; 3) Valor limite dos reticulócitos; 4) Valor limite dos reticulócitos

baixos/médios; 5) Valor limite dos reticulócitos médios/altos; A) Eritrócitos maduros; B) Reticulócitos de

absorção baixa; C) Reticulócitos de absorção média; D) Reticulócitos de absorção elevada; E) Plaquetas;

F) Ocorrências de coincidências.

Canal da Peroxidase:

As reações citoquímicas da peroxidase, na câmara de reação, compreendem três

etapas principais. Na primeira etapa, ocorre a lise dos eritrócitos através da adição do

reagente (contém tensioativos (dodecil sulfato de sódio e Brij-35)) e do choque térmico

(temperatura entre 58,0 e 72,1°C). Na etapa seguinte, os leucócitos são fixados pela ação

do formaldeído. Durante a reação, a amostra encontra-se num meio hipertónico, o que

provoca um ligeiro encolhimento e crenação celular (contribui para o ruído). A fixação

dos leucócitos aumenta o índice de refração e de deteção das células, para além do ruído

(constituído por plaquetas, tecido de eritrócitos e detritos, sendo excluídos da contagem

total e diferencial de leucócitos). Na última etapa, ocorre a coloração dos leucócitos, onde

o 4-Cloro-1-naftol serve de substrato ao peróxido de hidrogénio, originando um

precipitado escuro nas zonas de atividade da peroxidase endógena (granulações dos

leucócitos), segundo a seguinte equação (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010):

H2O2 + 4-Cloro-1-naftol →(Peroxidase celular)→ Precipitado escudo (interior das células)

Os leucócitos são identificados de acordo com o seu tamanho e nível de

intensidade de coloração (peroxidase). Desta forma, os linfócitos, basófilos e células

grandes, permanecem sem coloração (não possuem peroxidase), ao contrário dos

neutrófilos, eosinófilos e monócitos, que exibem uma coloração de acordo com os seus

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níveis de atividade da peroxidase (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems,

2010).

Após a reação, a suspensão de células, a um volume constante, passa pela

respetiva célula de fluxo (uma célula de cada vez), onde a quantidade de luz dispersa

(tamanho) e a absorção (coloração pela peroxidase), são medidas. Depois do

processamento automático, obtém-se o seguinte citograma (Manual ADVIA® 2120/2120i

Hematology Systems, 2010):

✓ Citograma PEROX (figura 7): representa a absorção (eixo x) e a dispersão

(eixo y) da luz, que quando combinadas, obtém-se clusters distintos. Cada população

celular é identificada, com base na posição, densidade e área, e determinada o número de

células em cada população através da análise dos clusters.

Figura 7: Citogramas PEROX (adaptado do Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

Legenda: 1) Ruído; 2) Eritroblastos; 3) Agregados plaquetários; 4) Linfócitos e basófilos; 5) Células

grandes não coradas; 6) Monócitos; 7) Neutrófilos; 8) Eosinófilos.

4.2.2. ADVIA® 2120 Hematology System with Autoslide (SIEMENS)

Ao sistema hematológico é acoplado o sistema ADVIA® Autoslide Slide Maker

Stainer, que prepara e aplica a coloração diferencial nos esfregaços sanguíneos. O

Autoslide possui 3 métodos opcionais de coloração, o Wright modificado, Wright Giemsa

e May-Grünwald-Giemsa, sendo este último o método utilizado no laboratório (Manual

ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems, 2010).

O método May-Grünwald Giemsa utiliza um corante modificado de azul

metileno-eosina, que contém uma mistura de duas colorações distintas. Durante a

coloração, as granulações neutrófilas dos leucócitos e as zonas acidófilas celulares são

coradas com a aplicação do corante May-Grünwald (metanol (99,65%) e azul metileno-

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eosina a 0,35%). Seguidamente, a cromatina dos núcleos e o citoplasma dos monócitos e

dos linfócitos são corados através da aplicação de outro corante (metanol (56%), glicerina

(43%) e azul metileno-eosina a 1%) (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology Systems,

2010).

Esfregaço de Sangue Periférico

A observação do esfregaço de sangue periférico permite a caracterização

morfológica e a identificação de todos os elementos figurados presentes (células

hematopoiéticas e hematozoários). Realiza-se o estudo morfológico da série eritrocitária,

leucocitária e plaquetária, identificando e caracterizando células anormais, como as que

surgem nas neoplasias linfóides, mieloproliferativas e síndromes mielodisplásicos,

reportando as alterações significativas (tabela 21). Os critérios para a observação do

esfregaço são estabelecidos pelo laboratório em função dos alarmes quantitativos (altos e

baixos) e qualitativos (sinalizadores de morfologia), configurados nos contadores

automáticos hematológicos (tabela 22), e critérios clínicos.

Tabela 21: Alterações morfológicas reportáveis.

Série Alterações morfológicas Valorização

Eritrócitos

Anisocitose Acentuada

Poiquilocitose (só se estiver associada a anemia) Moderada

Esquistócitos (queratócitos, Helmet cells, pequenas formas

triangulares ou microcrescentes e microesferócitos

hipercrómicos)

≥ 1%

Eliptócitos Acentuada (≥ 25%)

Estomatócitos Acentuada (≥ 35%)

Dianócitos (> 1em 5 eritrócitos); acantócitos, equinócitos,

macrócitos ovais, dacriócitos (fibrose medular e talassemia major) e esferócitos (CHGM ≥ 36,2 g/dL)

Moderado

Drepanócitos Presentes

Policromatofilia (reticulócitos > 250x109/L - acentuada) Moderada

Aglutinação; Rouleaux (≥ 4 erit. em linha); população dimórfica

(micro+normocítica ou hipo+normocrómica) Presentes

Ponteado basófilo; corpos de Howell-Jolly (10-20% do diâmetro

dos erit.); anéis de Cabot; corpos de Pappenheimer Presentes

Leucócitos

Corpos de Döhle (periféricos justamembranares) ≥ 2% Neutrófilos

Granulações tóxicas e vacuolização citoplasmática > 10% Neutrófilos

Neutrófilos hipersegmentados (≥ 5 lóbulos em > 5% dos

neutrófilos - > 1 em 20, ou qualquer com 6 lóbulos) Presentes

Displasia: neutrófilos hiposegmentados; núcleo com formas

bizarras; múltiplos lóbulos unidos por finas pontes de cromatina;

citoplasma de coloração rosada, hipogranular, hipergranular ou

distribuição irregular das granulações

> 10% Granulócitos

Bastonetes de Auer Presentes

Plaquetas

Plaquetas gigantes (10-60 fL), desgranuladas, hipogranuladas ou

granulações anormais > 10%

Agregados plaquetares; satelismo plaquetar Presentes

Anisocitose (PDW% > 70) Acentuada

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Tabela 22: Alarmes emitidos pelo equipamento Advia® 2120 (Manual ADVIA® 2120/2120i Hematology

Systems, 2010).

Alarmes Critérios

Eritroblastos (NRBC) ≥ 1% (presentes)

Blastos (BLASTS) ≥ 1% (presentes)

Linfócitos atípicos (ATYP) > 10% (> 1 em 10) ou > 5% se linfocitose for

significativa

Granulócitos imaturos (IG) ≥ 1% (promielócitos/mielócitos); ≥ 2%

metamielócitos

Desvio esquerdo (LS: ↓ vale

mononuclear/polimorfonuclear do canal BASO) ≥ 10% bastonetes

Fragmentos eritrocitários (RBCF) ≥ 1% ou > 2% (RN 1ª semana)

Agregados plaquetares (PLTCLM) Presentes

Plaquetas gigantes (LPLT) VPM 20-60 fL (> 10%)

Hemoglobina (g/dL) < 7,0 ou > 19,0

VGM (fL) < 70 ou > 110

RDW (%) > 22 (anisocitose)

Reticulócitos (x109/L) > 250

Plaquetas (x109/L) < 100 ou > 600 (risco de hemorragia ou trombose)

Leucócitos (x109/L) < 2,0 ou > 30,0

Neutrófilos (x109/L) < 1,0 ou > 20,0

Linfócitos (x109/L) > 5,0 (adultos) e > 7,0 (crianças até 12 anos)

Monócitos (x109/L) > 1,5 (adultos) e > 3,0 (crianças até 12 anos)

Eosinófilos (x109/L) > 2,0 ou ≥ 1,5 (> 6 meses)

Basófilos (x109/L) > 0,5

4.2.3. Analisador de Velocidade de Sedimentação VES - MATIC cube 200 (DIESSE)

Este equipamento de ensaio determina diretamente a VS a partir de amostras

colhidas em tubo de hemograma, através do método Westergren modificado. As amostras

têm de estar à temperatura ambiente e é critério de rejeição a presença de um coágulo ou

volume insuficiente (inferior a ± 1.5 ml). A análise inicia-se com a homogeneização da

amostra, seguindo-se a sedimentação, durante um período de tempo predeterminado. O

equipamento possui sensores analógicos que determinam automaticamente a VS, ou seja,

o sistema ótico eletrónico de luz visível efetua uma leitura após a homogeneização do

tubo e outra leitura no final do processo de sedimentação. A diferença entre as duas

leituras corresponde ao valor da VS (Brochura Ves-Matic cube 200, 2010).

A VS é expressa em mm/h e ocorre em 3 fases: agregação (forma-se o rouleaux);

precipitação (aumento do processo de sedimentação); empacotamento, onde os agregados

de eritrócitos se concentram no fundo. É um método de screening, ou seja, é um

parâmetro inespecífico e deve ser avaliada em conjunto com os dados e história clínica

do paciente. A VS está aumentada, por exemplo, em situações inflamatórias agudas,

infeções agudas e crónicas, doenças autoimunes, doenças reumáticas, anemias, em

situações de hemólise e, de forma geral, em neoplasias. A VS também está aumentada

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em algumas situações fisiológicas, como é o caso da gravidez. Os valores estão

diminuídos, por exemplo, em poliglobulias, policitémias e, geralmente, em situações

associadas a alterações da forma dos eritrócitos (Kottke-Marchant K. et al., 2012; Santos

V. et al., 2000).

4.2.4. Analisador Imunohematológico AutoVue® Innova (ORTHO)

É um equipamento automático de imunohematologia, utilizado na fenotipagem

sanguínea ABO/Rh e pesquisa de anticorpos anti-eritrocitários. Os testes

imunohematológicos, executados in vitro, baseiam-se no princípio de aglutinação CAT

(Tecnologia de Aglutinação em Coluna). O sistema efetua automaticamente a pipetagem

de líquidos, manuseamento da cassete, incubação, centrifugação, classificação e

interpretação da reação (os resultados obtidos nas cassetes Ortho BioVue® System são

digitalizados e processados, pelo equipamento). As colunas de aglutinação (cassetes

Ortho BioVue® System) contêm reagente e microesferas de vidro (formam uma matriz

filtrante). Após a adição do sangue à coluna e centrifugação da cassete, os eritrócitos

aglutinados são retidos nas microesferas de vidro, enquanto os não aglutinados são

depositados no fundo da coluna, formando um pellet. Na interpretação dos resultados

(figura 8) é utiliza uma escala entre 0 e 4+, onde 0 corresponde a um resultado negativo

(sem aglutinação) e 4+ a uma forte aglutinação no topo do gel (Brochura World class

technology, 2009).

Figura 8: Ilustração e classificação da reação CAT (adaptado da Brochura World class technology, 2009).

Legenda: à direita encontra-se representado o microtubo (local de adição da amostra, câmara de reação, gel

e reagente); à esquerda está representado a escala entre 0 e 4+ utilizada na classificação dos resultados.

Teste de Coombs e Fenotipagem ABO/Rh

Segundo a ISBT (International Society of Blood Transfusion), atualmente existem

36 sistemas de grupos sanguíneos, sendo o sistema ABO e Rh os mais importantes na

prática clínica diária. Os testes de fenotipagem, assim como a pesquisa de anticorpos, são

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de extrema importância para os bancos de sangue e para a terapêutica transfusional

homóloga, a fim de evitar reações transfusionais, sobretudo as imunológicas. Estas

reações podem ser imediatas, tal como a hemólise intravascular aguda por

incompatibilidade ABO ou tardias, como a hemólise extravascular com icterícia e a

púrpura trombocitopénica pós-transfusional. Ademais, o conhecimento do sistema Rh na

grávida é importante na prevenção da doença hemolítica do recém-nascido por

incompatibilidade feto-maternal de Rh (Whitlock S., 2010).

Na determinação do sistema ABO/Rh, pesquisa-se a presença de antigénio de

superfície membranar eritrocitária (prova direta) e a existência de anticorpos presentes no

soro/plasma (prova reversa). Na prova direta utilizam-se anticorpos monoclonais (IgM)

anti-A, anti-B, anti-AB e anti-D, enquanto na prova inversa se verifica a ocorrência, ou

não, de reação entre o soro/plasma do doente e os eritrócitos A1 e B (testar os eritrócitos

A2, ou O, não são obrigatórios). Os resultados (tabela 23) de ambas as provas devem ser

concordantes (Bula Reagentes para Grupagem Sanguínea, 2015; Bula Blood Grouping

Reagent A/B/D Monoclonal and Reverse Grouping Card™, 2008).

Tabela 23: Fenotipagem ABO/Rh (Bula Blood Grouping Reagent A/B/D Monoclonal and Reverse

Grouping Card™, 2008).

Prova direta Prova inversa

Interpretação

(Grupo

Sanguíneo)

Anti-A Anti-B Anti-AB Anti-D Controlo Células A1 Células

B ABO Rh

0 0 0 + 0 + + O Positivo

0 0 0 0 0 + + O Negativo

+ 0 + + 0 0 + A Positivo

+ 0 + 0 0 0 + A Negativo

0 + + + 0 + 0 B Positivo

0 + + 0 0 + 0 B Negativo

+ + + + 0 0 0 AB Positivo

+ + + 0 0 0 0 AB Negativo

O antigénio D é o mais imunogénico e clinicamente importante do sistema Rh e,

caso os anticorpos monoclonais anti-D reajam com a amostra, considera-se a amostra

RhD+ (tabela 23). A amostra também é testada com anti-CDE (deteta, igualmente, a

maioria dos exemplos de D parcial). Caso seja detetado D fraco, considera-se o resultado

como RhD+ e, só no caso de a amostra ser negativa para os dois soros, se considera RhD-

(Bula Reagentes para Grupagem Sanguínea, 2015).

O teste de Coombs direto utiliza soros anti-IgG/C3d poliespecífica a fim de

determinar a presença, ou ausência, de anticorpos e/ou de complemento na superfície de

eritrócitos. Um teste positivo pode ocorrer no recém-nascido por incompatibilidade feto-

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maternal, reações transfusionais e doenças autoimunes (Bula Globulina Anti-Humana

Anti-IgG, -C3d poliespecífica, 2014; Kottke-Marchant K. et al., 2012).

A pesquisa de anticorpos irregulares (PAI), ou teste Coombs indireto, deteta os

anticorpos anti-eritrocitários mais relevantes, sendo útil nas grávidas Rh- e antes de

transfusões sanguíneas. Testa-se a amostra a fim de detetar/identificar anticorpos

sanguíneos inesperados, tais como D, C, E, c, e, CW, K, Jka, Jkb, Fya, M, S, Lea e Leb

(Bula Selectogen® 0,8%, Surgiscreen® 0,8%, Resolve® Panel A 0,8%, Resolve® Panel B

0,8%; 2014; Bula Reagentes para Grupagem Sanguínea, 2015; McKenzie S., 2014).

Quando se obtêm uma amostra positiva, a fim de se obter o título de anticorpos, executa-

se uma série de diluições sucessivas, com o objetivo de identificar a mais baixa diluição,

onde o resultado se mantem positivo. Na amostra positiva deve ser identificado o

anticorpo específico.

4.2.5. VARIANT™ II Hemoglobin Testing System (BIO-RAD)

O equipamento possui dois programas distintos, nomeadamente o programa

HbA1c e o programa de rastreio de β-talassémias (identifica e quantifica hemoglobinas

A2, F e variantes de hemoglobina) (Manual VARIANTTM II β-Thalassemia Short Program,

2009; Manual VARIANTTM II Hemoglobin Testing System, 2011). O sistema utiliza o

princípio de troca iónica de Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC). O

equipamento separa, identifica e determina a percentagem relativa de hemoglobinas, com

base nos tempos de retenção e nas áreas dos picos de cada amostra. A amostra é

homogeneizada, diluída e injetada, automaticamente, na coluna cromatográfica. A

aplicação de um gradiente programado de tampão aumenta a força iónica na coluna,

permitindo a separação das hemoglobinas, com base nas suas interações iónicas entre a

fase estacionária e a móvel. As hemoglobinas separadas são medidas numa célula de fluxo

ótico em função da absorção a 415 nm. Adicionalmente, um filtro a 690 nm corrige a

absorvância de background (Menezes M. et al., 2012).

A hemoglobina em maior percentagem no adulto é a HbA (95-98%), a qual resulta

da junção de 2 cadeias de α-globina com 2 de β-globina. As hemoglobinopatias são

doenças genéticas, onde a estrutura ou a hemoglobina estão alteradas. A β-talassémia, α-

talassémia e a Persistência Hereditária de Hemoglobina Fetal (HPFH) são

hemoglobinopatias do tipo quantitativo, ou seja, resultam da ausência ou diminuição da

síntese de uma cadeia globínica, enquanto que as do tipo qualitativo (variantes de

hemoglobina) resultam da alteração da estrutura de uma cadeia globínica (McKenzie S.,

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2014; Kottke-Marchant K. et al., 2012). Em Portugal as hemoglobinopatias mais comuns

são a β-talassémia e a drepanocitose (INSA, 2013).

Na deteção de portadores de hemoglobinopatias é fundamental ter em conta

aspetos como a história clínica e familiar e o hemograma. O hemograma é útil na

diferenciação de talassemias (geralmente, existe anemia microcítica e hipocrómica) de

outras hemoglobinopatias, sendo, o passo seguinte, a quantificação de variantes de

hemoglobina (McKenzie S., 2014).

Anomalias na cadeia β-globina são uma das alterações mais frequentes nas

hemoglobinopatias sintomáticas que levam à diminuição ou ausência de HbA e ao

aumento de HbF (α2γ2) e/ou HbA2 (α2δ2), sendo o aumento percentual das mesmas, uma

pista para a presença de uma hemoglobinopatia. Por exemplo, a persistência de HbA2 (>

3,5%) é característica da β-talassémia e a elevação de HbF (5-30%) típica da HPFH. Na

α-talassémia, em casos mais severos (genótipo --/-α), existe a presença de HbH (β4)

(McKenzie S., 2014).

O sistema cromatográfico permite a identificação presuntiva de HbS, HbC e HbD-

Punjab e é o método de referência para a deteção de portadores de hemoglobinopatias,

pois permite a quantificação HbA, HbA2 e HbF. Quando a variante não é identificada,

pelos dois métodos anteriormente referidos, é necessário recorrer a métodos adicionais,

como a métodos de sequenciamento de ADN (ácido desoxirribonucleico).

4.2.6. Analisador BCS® XP (SIEMENS)

O equipamento BCS® XP é um sistema analítico espetrofotométrico automatizado,

que permite executar os ensaios utilizados na prática clínica para o estudo da hemóstase,

trombofilia e da fibrinólise, por métodos baseados na formação e deteção do coágulo

(turbidimetria), bem como por métodos cromogénicos e imunológicos, a partir de

amostras de plasma anticoagulado com citrato trissódico. A turbidimetria é aplicada na

determinação do tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada e do

tempo de trombina, onde se mede o tempo de formação do coágulo, isto é, mede-se o

tempo que demora a atingir um ponto final ótico pré-determinado. A turbidimetria é,

também, utilizada para detetar a formação de imunocomplexos (método imunológico),

como é o caso da determinação de D-dímeros.

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Tempo de Protrombina (TP)

Os valores do TP/INR refletem a atividade dos fatores do sistema extrínseco (fator

VII) e da via comum (fatores X, V, protrombina e fibrinogénio) do sistema da coagulação,

que são sintetizados no fígado. Os resultados do TP são reportados em tempo (segundos)

e sob a forma de Razão Normalizada Internacional (INR), que é calculada em função do

Índice de Sensibilidade Internacional (ISI) da tromboplastina tecidular utilizada,

permitindo que os resultados de todos os laboratórios sejam comparáveis entre si,

independentemente do tipo de reagente utilizado. Os valores do INR são utilizados para

monitorizar a terapêutica com anticoagulantes orais antagonistas da Vitamina K, por

exemplo, varfarina e acenocumarol (Bennett S. et al., 2015).

A determinação do TP baseia-se no tempo de formação do coágulo de fibrina

numa amostra de plasma citratado, na presença de uma tromboplastina tecidular

calibrada, quando se adiciona uma quantidade adequada de cloreto de cálcio.

Tempo de Tromboplastina Parcial ativada (TTPa)

Os valores do TTPa refletem a atividade dos fatores de contacto, do sistema

intrínseco (fatores VIII e IX) e da via comum (fatores X, V, protrombina e fibrinogénio).

O TTPa não é afetado pelas deficiências do fator VII, sendo mais sensível para as dos

fatores VIII e IX do que para as de contacto e da via comum. Os seus resultados são

reportados em tempo (segundos) e sob a forma de razão, em função de um plasma

controlo normal.

A determinação do TTPa tem o seu maior valor semiológico no rastreio e

diagnóstico das deficiências hereditárias e adquiridas dos fatores do sistema intrínseco e

da via comum, assim como na monitorização da terapêutica anticoagulante com heparina

não fracionada (Bennett S. et al., 2015).

É de salientar que o TTPa, assim como o TP, são testes de screening e a obtenção

de resultados dentro dos intervalos de referência não anula a possibilidade da existência

de um distúrbio hemorrágico, pois podem ocorrer resultados normais num utente com

uma suave deficiência num determinado fator (Bennett S. et al., 2015).

Tempo de Trombina (TT)

O ensaio TT mede o tempo de transformação da fibrina. O ensaio consiste na

adição de trombina purificada ao plasma, sendo o tempo de coagulação dependente da

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concentração e atividade do fibrinogénio. O TT é útil, como teste de screening, para a

presença de heparina numa amostra. A presença de heparina provoca o aumento dos

valores de TT, o mesmo acontece quando existem anomalias funcionais de fibrinogénio

(disfibrinogenemia), deficiências quantitativas de fibrinogénio (afibrinogenemia, onde há

uma ausência completa de fibrinogénio, e hipofibrinogenemia, provocada pela redução

da concentração de fibrinogénio), níveis elevados de produtos de degradação da fibrina

(FDF) e níveis elevados de fibrinogénio (Bennett S. et al., 2015).

D-Dímeros

Os D-dímeros, presentes na circulação sanguínea periférica, advêm da ativação do

sistema procoagulante que resulta da atividade da trombina (cliva o fibrinogénio,

originando monómeros de fibrina, os quais contêm monómeros D) e do sistema

fibrinolítico, onde a plasmina, ao participar na clivagem do fibrinogénio e na destruição

do coágulo de fibrina, origina FDPs (Fibrin Degradation Products) que contêm D-

dímeros. Logo, os valores de D-dímeros estão diretamente relacionados com o estado de

ativação do sistema procoagulante e da fibrinólise, mas não podem ser diretamente

correlacionados com a gravidade clínica das patologias responsáveis pelo o seu aumento,

nomeadamente as doenças tromboembólicas, como a trombose venosa profunda e a

embolia pulmonar. A determinação da concentração dos D-dímeros é útil, sobretudo, no

diagnóstico da doença tromboembólica venosa, nomeadamente na sua exclusão em

determinadas situações, bem como no diagnóstico de Coagulação Intravascular

Disseminada (CID) (Adam S. et al., 2009).

O método baseia-se na deteção por turbidimetria dos imunocomplexos (formados

entre os anticorpos específicos e os D-dímeros) que ao se formarem provocam o aumento

da turvação do meio. Deste modo, a concentração do analito na amostra é diretamente

proporcional ao valor determinado espetrofotometricamente.

4.3. Técnicas Manuais

4.3.1. Determinação do Índice de Atividade da Fosfatase Alcalina Leucocitária

(IAFAL)

Esta coloração citoquímica deve ser executada em amostras de sangue periférico,

sem anticoagulante ou com heparinato de lítio (o EDTA deve ser evitado, pois inibe a

atividade enzimática). É importante que a coloração da amostra se dê num período

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máximo de 8 horas após a colheita, devido à perda gradual da atividade da fosfatase

alcalina.

A fosfatase alcalina leucocitária, ou neutrofílica, é uma enzima presente nos

grânulos secundários dos neutrófilos. Na determinação dos resultados, efetua-se a

contagem de 100 neutrófilos segmentados ou em banda. Para cada célula estabelece-se

um grau de atividade enzimática (classificação entre 0 e 4+), baseado na intensidade e

quantidade de grânulos acastanhados (corante precipitado), no citoplasma. O grau 0

corresponde à ausência de grânulos e 4+ à presença de grânulos de dimensões grandes

com coloração intensa, que ocupam a totalidade do citoplasma. O IAFAL é compreendido

entre 0 e 400 (valor determinado através da multiplicação entre o número de células

contabilizadas e o seu correspondente valor de classificação entre 0 e 4+) (Bain B., 2015;

Rodak B. et al., 2013).

O IAFAL apresenta-se elevado em certas situações fisiológicas, nomeadamente

em recém-nascidos (> 200), em crianças (índice é maior em comparação com os adultos),

na gravidez e no período pós-parto, variando, também, ao longo do ciclo menstrual, assim

como com a terapêutica com anticontracetivos orais e corticosteroides (Bain B., 2015).

Esta coloração é útil na diferenciação de Leucemia Mieloide Crónica (LMC) de

outras neoplasias mieloproliferativas crónicas que, normalmente, têm IAFAL normais ou

elevados, e, também, entre LMC e reações leucemóides neutrofílicas (em que o índice se

apresenta elevado). Um IAFAL normal varia entre 20 e 100, mas em cerca de 95% dos

casos de LMC o índice apresenta valores inferiores a 20. Este ensaio encontra-se em

desuso, uma vez que existem técnicas mais específicas, como a análise citogenética para

deteção do gene de fusão BCR-ABL (mutação presente em Leucemia Mielóide) (Bain B.,

2015; Rodak B. et al., 2013).

5. Bioquímica

Está integrada no Core Laboratorial e engloba a determinação de parâmetros

pertencentes a diversas valências, como a Bioquímica Clínica e Endocrinologia.

Seguidamente, descrevo os sistemas analíticos utilizados, assim como as metodologias

empregues e os parâmetros considerados mais representativos, quer pelo número de

pedidos, quer pelo seu valor semiológico.

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5.1. Equipamentos de Ensaio:

5.1.1. ADVIA® 2400 Chemistry System (SIEMENS)

É um sistema analítico de ensaio in vitro, multiparamétrico, automatizado e

amplamente utilizado na determinação de parâmetros bioquímicos. Apresenta uma

grande capacidade de processamento de amostras biológicas, nomeadamente plasma,

soro, urina, derrames de serosas e líquido cefalorraquidiano. As metodologias utilizadas

pelo equipamento são a espectrofotometria e potenciometria indireta (ISE - analisador de

eletrólitos). O equipamento possui um sistema de deteção de coágulos e de determinação

dos índices de hemólise, lipémia e icterícia. A determinação destes índices é importante

para a validação do ensaio, pois estes podem interferir com o processo de análise (Manual

ADVIA® 2400 Chemistry System, 2009).

Um ensaio fotométrico inicia-se com a aspiração do reagente para o prato de

reação. Posteriormente, a amostra é diluída, homogeneizada e distribuída pelas cuvetes,

onde já se encontra o reagente (prato de reação). O prato de reação contém um banho de

óleo quente (mantém a temperatura das cuvetes a 37ºC). Um segundo reagente, que

desencadeia a reação, é adicionado à amostra e a mistura é homogeneizada. Depois da

reação (a tempo pré-definido para cada ensaio) é determinada a concentração. O processo

espectrofotométrico consiste na emissão de luz (lâmpada de halogénio) a uma

determinada intensidade, a luz trespassa a solução (contida na cuvete), sendo absorvida a

um determinado comprimento de onda. Posteriormente, a quantidade de luz absorvida é

medida pelo espectrofotómetro e os valores da absorvância convertidos em concentração.

O espectrofotómetro faz a leitura da absorvância de acordo com o comprimento de onda

exigido para o ensaio. São efetuadas várias leituras para a mesma amostra e para o branco

da amostra nas mesmas condições (Manual ADVIA® 2400 Chemistry System, 2009).

A potenciometria indireta, utilizada para a determinação da concentração dos iões

sódio, potássio e cloretos, baseia-se na diferença de potencial que se gera entre o elétrodo

de referência e o seletivo, para cada um dos iões referidos em função da sua concentração

na amostra (previamente, diluída numa solução eletrolítica tamponada) (Manual ADVIA®

2400 Chemistry System, 2009).

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5.1.2. Analisador de urinas Clinitek Atlas® (SIEMENS)

O equipamento Clinitek Atlas® é um sistema analítico automatizado, utilizado no

âmbito do exame sumário de urina, também designado por Urina Tipo II, para determinar

a densidade (por refratometria), bem com o pH, proteínas, esterases leucocitárias, nitritos,

glicose, corpos cetónicos, hemoglobina, pigmentos biliares e urobilinogénio por

espectrofotometria de refletância, através da cor e da intensidade da luz refletida das áreas

de regente específicas nas tiras reativas. Uma vez que a luz refletida não possui uma

correlação linear com a concentração de um determinado analito, é necessário aplicar um

algoritmo de forma a obtermos valores lineares e converter o resultado em unidades com

significado clínico (Manual Clinitek Atlas®, 2008).

5.1.3. ADVIA Centaur® Immunoassay System (SIEMENS)

É um equipamento de ensaio multiparamétrico que efetua imunoensaios

utilizando a metodologia de quimioluminescência direta. Quando a quimioluminescência

é direta, significa que a luz emitida, pelo ensaio, corresponde à quantidade de analito

presente numa amostra. A quimioluminescência corresponde à medição direta da

luz/energia (sem amplificador ou procedimentos complementares), que é emitida por um

eletrão quando este regressa de um estado excitado, ou de um nível de energia superior,

para um nível de energia inferior. Neste caso, é uma reação química que provoca a

excitação dos eletrões, o que implica a oxidação de um composto orgânico, pois a

oxidação leva à formação de um produto excitado, que depois emite luz. O sistema utiliza

o éster de acridina (EA) como composto orgânico, o qual não necessita da adição de um

substrato ou catalisador (Burtis C. et al., 2015; Manual ADVIA Centaur® XP, 2011).

Os imunoensaios consistem na ligação de um anticorpo a um antigénio específico.

O EA é ligado, covalentemente, ao anticorpo ou ao antigénio, dependendo do que se

pretende medir. O equipamento utiliza, como fase sólida, partículas magnéticas (cristais

de óxido de ferro) revestidas por anticorpos ou antígenos e, quando a cuvete é exposta a

um campo magnético, as partículas ligadas ao analito são atraídas e posicionadas numa

determinada orientação na cuvete. O equipamento realiza imunoensaios em “sanduíche”,

competitivos e de captura de anticorpos (Manual ADVIA Centaur® XP, 2011).

Os imunoensaios em “sanduíche” baseiam-se na ligação específica entre o

anticorpo (marcado com EA - reagente) e o respetivo antigénio específico do analito

presente na amostra. Posteriormente, o antigénio, ligado ao anticorpo marcado, liga-se às

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partículas magnéticas, revestidas por anticorpos específicos. O campo magnético é

acionado e efetuada uma lavagem de forma a remover os componentes não ligados às

partículas. É adicionado o peróxido de hidrogénio, o que provoca a oxidação do EA. A

luz medida é diretamente proporcional à concentração do analito (Manual ADVIA

Centaur® XP, 2011).

Nos imunoensaios competitivos o antigénio, ou o anticorpo, está marcado com

EA. O método competitivo com antigénio marcado inicia-se com a adição (à amostra) do

antigénio e das partículas revestidas com anticorpos. Durante a incubação o antigénio

marcado compete com o antigénio específico no analito pelos locais limitados de ligação

ao anticorpo (ligado às partículas). Posteriormente, é acionado o campo magnético,

efetuado a lavagem, adicionado o agente oxidante e realizado a leitura da luz emitida.

Neste caso, a luz medida é inversamente proporcional à concentração do analito. O

método competitivo com anticorpo marcado é semelhante ao anterior, exceto que utiliza

uma fase sólida (revestida com antigénios) e anticorpos marcados com EA. (Manual

ADVIA Centaur® XP, 2011).

Os imunoensaios de captura de anticorpos (figura 9) permitem detetar e medir os

anticorpos do tipo IgG, ou IgM, na amostra. É utilizado um anticorpo adicional

especificamente orientado para o anticorpo da amostra. São utilizados dois ciclos de

lavagens e incubação, afim de remover o excesso de amostra e substâncias interferentes

(primeiro ciclo) e de medir os anticorpos na amostra (segundo ciclo). À amostra é

adicionada a fase sólida, revestida por anticorpos (IgG ou IgM) anti-humano. Durante a

primeira incubação ocorre a ligação do anticorpo (analito) ao anticorpo anti-humano.

Depois da primeira lavagem, é adicionado à cuvete um antigénio marcado com EA, que,

durante a segunda incubação, se liga ao anticorpo da amostra (analito). Após a segunda

lavagem, o antigénio marcado com EA está ligado ao anticorpo IgM (ou IgG) da amostra,

que, por sua vez, está ligado ao anticorpo anti-humano (ligado às partículas magnéticas),

sendo a emissão de luz, diretamente proporcional à concentração de anticorpos (analito),

presente na amostra (Manual ADVIA Centaur® XP, 2011).

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Figura 9: Imunoensaio de captura de anticorpos (adaptado do Manual ADVIA Centaur® XP, 2011).

Legenda: 1) Complexo: fase sólida (partículas magnéticas) - anticorpo anti-humano (IgM ou IgG) -

anticorpo IgG ou IgM (analito) - antigénio marcado com EA.

5.1.4. IMMULITE® 2000 Immunoassay System (SIEMENS)

É um sistema de ensaio multiparamétrico que executa imunoensaios

quimioluminescentes em amostras de soro, plasma e urina. O princípio metodológico,

usado por este equipamento, é semelhante ao do equipamento Advia Centaur®. Neste

caso, a fase sólida utilizada pelo sistema são esferas de polistireno revestidas por

antigénios ou anticorpos. O composto orgânico utilizado é a fosfatase alcalina e o seu

substrato luminogénico é fosfato de dioxetano adamantil. O substrato adicionado é

desfosforilado pela fosfatase alcalina, formando um intermediário instável que se

decompõem rapidamente e espontaneamente no meio, levando à emissão de um fotão de

luz. A luz emitida no final do processo (proporcional à quantidade de fosfatase alcalina)

é detetada por um tubo fotomultiplicador. Caso o analito de interesse seja o antigénio, são

utilizadas partículas revestidas por anticorpos e anticorpos marcados com fosfatase

(conjugado), obtendo-se o complexo fase sólida (anticorpo) ligado ao antigénio (analito),

que por sua vez está ligado ao conjugado. Caso seja o anticorpo o analito da amostra a

pesquisar, a fase sólida é revestida por antigénios específicos. Este equipamento realiza

imunoensaios competitivos e do tipo “sanduíche”. No ensaio tipo “sanduíche” a

quantidade de luz emitida (corresponde à quantidade de fosfatase alcalina, ligada ao

analito) é diretamente proporcional à concentração do analito na amostra, enquanto no

ensaio competitivo a situação é inversa (Manual IMMULITE® 2000, 2010).

5.1.5. COBAS e411 (ROCHE)

Este equipamento de ensaio multiparamétrico executa imunoensaios em soro ou

plasma, utilizando a eletroquimioluminescência. Na eletroquimioluminescência são

formadas espécies altamente reativas, através de uma reação eletroquímica, a partir de

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precursores estáveis existentes à superfície de um elétrodo. A eletroquimioluminescência

é gerada através da utilização do ruténio (Ru2+), nomeadamente do quelato de ruténio(II)-

tris(bipiridil) [Ru(bpy)3]2+, e da tripropilamina (TPA). A reação de oxidação-redução

entre o quelato de ruténio e a tripropilamina, ocorre à superfície de um elétrodo de platina,

onde é criado um campo elétrico através da aplicação de voltagem, que por sua vez

provoca a reação das espécies envolvidas (o complexo imunológico, acoplado ao

complexo de ruténio, encontra-se à superfície do elétrodo). A tripropilamina ao ser

oxidada, devido à ativação do campo elétrico, leva à libertação de um eletrão (e-) e à

formação de uma espécie intermediária (TPA+), a qual, ao libertar um protão (H+), forma

o radical de tripropilamina (TPA). A ativação do campo elétrico, também, conduz à

oxidação do [Ru(bpy)3]2+ (ocorre a libertação de um eletrão (e-) à superfície do elétrodo),

formando [Ru(bpy)3]3+, este por sua vez, ao reagir com o radical de tripropilamina (TPA),

é reduzido, formando o complexo [Ru(bpy)3]2+, num estado excitado de energia (figura

10). A espécie excitada formada é instável e ao decair para o nível de energia inicial, leva

à emissão de um fotão a 620 nm (Manual cobas e411, 2006).

Figura 10: Reação de eletroquimioluminescência à superfície do elétrodo (adaptado do Manual cobas

e411, 2006). Legenda: electão (e-); tripropilamina (TPA); catião-radical de tripropilamina (TPA+); protão

(H+ - catião de hidrogénio (H)); quelato de ruténio(II)-tris(bipiridil) [Ru(bpy)3]2+; catião de quelato de

ruténio(II)-tris(bipiridil) [Ru(bpy)3]3+.

Este equipamento realiza inumoensaios utilizando três princípios diferentes,

nomeadamente o “sanduíche” (para a análise de moléculas de alto peso molecular), o

competitivo (na análise de analitos de baixo peso molecular) e o princípio de ligação em

ponte (para a análise de anticorpos IgA, IgG e IgM, presentes na amostra). Os

imunoensaios em “sanduíche” e competitivos, detêm princípios semelhantes aos descritos

anteriormente. O princípio de ligação em ponte, inicia-se com a ligação do antigénio,

marcado com biotina, aos anticorpos (analito) presentes na amostra, que por sua vez

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ligam-se a outro antigénio marcado com ruténio. Na segunda reação, as partículas

magnéticas (revestidas por estreptavidina) ligam-se ao complexo, anteriormente formado,

através da biotina, formando-se, assim, o imunocomplexo estreptavidina (partículas

magnéticas) - antigénio marcado com biotina - anticorpo sérico (analito) - antigénio

marcado com ruténio. Depois, é acionado o campo magnético (atrai os imunocomplexos,

anteriormente formados, para a superfície do elétrodo), adicionado a tripropilamina e

aplicado um potencial elétrico, que estimula, eletricamente, a produção de luz pelo ruténio

(reação eletroquimioluminescente). No final, a quantidade de luz produzida é diretamente

proporcional à concentração do analito (Manual cobas e411, 2006).

5.1.6. CAPILLARYS® 2 (SEBIA)

É um equipamento automático de eletroforese capilar de zona (ECZ) aplicado à

separação de proteínas, resultando em eletroforetogramas. Na ECZ, a separação das

moléculas ocorre no interior de capilares de pequenas dimensões, preenchidos com uma

solução tampão alcalina (eletrólito condutor). O processo inicia-se com a injeção (sob

pressão) da amostra (diluída em tampão) por aspiração, na extremidade do capilar (ânodo

(+)). Existem dois reservatórios com solução tampão, cada um, numa extremidade do

capilar e cada reservatório contém um elétrodo de alta voltagem. A aplicação de um

potencial elétrico, ao longo do capilar, cria um fluxo eletro-osmótico, que é responsável

pela condução dos analitos na direção do detetor, a uma velocidade constante. Desta

forma, a amostra é separada devido à mobilidade eletroforética das moléculas carregadas

(num tampão alcalino com um pH específico) e, também, se concede em função do pH

do eletrólito e do fluxo eletro-osmótico. Perto do final da extremidade oposta do capilar

(cátodo (-)), encontra-se um detetor ótico UV-visível que deteta os analitos separados

através da parede do capilar. As proteínas são detetadas a 200 nm pela a seguinte ordem

de chegada à extremidade do capilar: γ-globulinas, β2-globulinas, β-globulinas, α2-

globulinas, α1-globulinas, albumina, pré-albumina; onde cada zona pode conter uma ou

mais proteínas (Burtis C. et al., 2015; Manual Capillarys, 2005; Tavares M., 1997).

5.2. Analitos:

5.2.1. Metabolismo Proteico

As proteínas plasmáticas estão distribuídas, variavelmente, entre o espaço

intravascular e o extravascular, e são sintetizadas no fígado (exceto imunoglobulinas e

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algumas hormonas proteicas). A sua concentração depende sobretudo da síntese,

distribuição extracelular e da depuração plasmática renal (clearance). A albumina é a

proteína em maior concentração sérica e constitui a maior parte das proteínas totais

urinárias, em parte devido ao seu tamanho. Isto porque, durante a filtração glomerular só

as proteínas de baixo peso molecular (menores que a albumina) passam livremente, sendo

a maioria reabsorvidas, posteriormente, pelo o túbulo proximal. Enquanto as proteínas de

elevado peso molecular não são filtradas. Desta forma, as proteínas totais plasmáticas

(proteinémia) são sobretudo afetadas pela função hepática, função renal, alterações

fisiológicas (alterações de volémia) e por alterações nutricionais e metabólicas (Burtis C.

et al., 2015).

A determinação quantitativa da proteinémia (Advia® 2400) baseia-se no método

de Weichselbaum, o qual utiliza o reagente de biureto (sulfato de cobre (CuSO4) numa

solução alcalina). O método é pouco sensível, no entanto é suficiente para esta

determinação, pois a concentração proteica é elevada. Durante a reação as ligações

peptídeas reagem com os iões de cobre em meio alcalino, formando um produto de cor

púrpura (complexo Cu-Proteína - medido (reação a ponto final) a 545 nm) segundo a

seguinte equação (Bula Proteína total II, 2015):

Proteína + CuSO4 →(OH-)→ Complexo Cu-proteína

A eletroforese de proteínas (Capillarys) origina 6 diferentes frações proteicas

(tabela 24) numa amostra de soro fresco, caso contrário só é obtido 5 frações proteicas.

Um dos fatores que interfere, significativamente, com a análise das proteínas plasmáticas

é a resposta de fase aguda (conjunto de alterações que ocorrem em reações não

específicas, como a infeção, lesão tecidual e processos inflamatórios), a qual provoca a

elevação das proteínas de fase aguda, nomeadamente α1-antiripsina, α1-glicoproteína,

haptoglobina, ceruloplasmina, complemento C4 e C3, fibrinogénio e proteína C reativa

(a albumina e transferrina, diminuem) (Burtis C. et al., 2015). A tabela 24 contém cada

uma das proteínas plasmáticas e as suas respetivas frações, assim como as principais

situações que provocam a alteração das suas concentrações plasmáticas.

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Tabela 24: Proteínas plasmáticas e as suas respetivas frações (Burtis C. et al., 2015).

(continua)

Região

eletroforética Proteína

Semi-

vida Comentários Significado Clínico

Albumina

Pré-albumina 48

horas

Ligação com a

retinol-binding

protein (transporte

de Vit. A) e

transporte de

hormonas tiroideias

Marcador do estado nutricional

Albumina 15-19 dias

Manutenção da

pressão osmótica e transporte

(bilirrubina, ácidos

gordos …)

Hiperalbuminémia: desidratação

aguda ou evaporação da amostra

Hipoalbuminémia: situações

inflamatórias, doença hepática, analbuminémia, aumento da

excreção (doenças renais e

gastrointestinais), deficiências

nutricionais e em situações

fisiológicas (gravidez)

α1

α1 -

Antitripsina 5 dias

Atividade

antiproteásica

(inibidora da

elastase e tripsina)

Elevada: situações inflamatórias,

estrogénios

Diminuída: doença genética e

doença hepática (cirrose e

carcinoma)

α -

Fetoproteina

3-6

dias

Principal proteína

fetal

Marcador tumoral (carcinoma

pancreático e hepatocelular)

α1 -

Glicoproteína 5 dias

Ligação a

hormonas

esteroides

Elevada: doenças inflamatórias,

neoplasias malignas e

corticosteroides Diminuída: estrogénios

(contraceção e gravidez), lesão

hepática severa e aumento da

excreção urinária (síndrome

nefrótico)

α2

Haptoglobina 2 dias Ligação à

hemoglobina

Elevada: glucocorticosteroides,

síndrome nefrótico, estados

inflamatórios e neoplasias

Diminuída: obstrução biliar,

gravidez, hemólise intravascular e

deficiência genética

α2 - Macroglobulina

5 dias Atividade

antiproteásica

Elevada: síntese aumentada,

estrogénios, síndrome nefrótico Diminuída: pancreatite aguda e

carcinoma da próstata

Ceruloplasmina 4-5

dias

Oxidação do ferro

ao estado férrico

Elevada: fase aguda, estrogénios,

estados inflamatórios agudos

Diminuída: doença hepática grave,

défice de Cu2+ (deficiência

nutricional ou absortiva); doença de

Wilson

β1

Transferrina 7 dias Transporte de ferro

Elevada: anemia (deficiência de

ferro) e estrogénios

Diminuída: inflamação, doença

hepática crónica, síndroma

nefrótico, défice nutritivo e doença genética

β1-

Lipoproteína 3 dias

Lipoproteína de

baixa densidade

(LDL)

Elevada: em todas as situações em

que as LDL estejam aumentadas

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Tabela 24: Proteínas plasmáticas e as suas respetivas frações (Burtis C. et al., 2015).

(continuação)

Complemento

C4

2-3

dias

Fator do sistema do

complemento

Elevado: situações inflamatórias

Diminuído: doenças autoimunes e

deficiência genética

β2

Complemento

C3

2-3

dias

Fator do sistema do

complemento

Elevada: situações inflamatórias

Diminuída: doenças autoimunes e

doença genética

β2 -

Microglobulina

2-5

horas

Existente à

superfície celular

(composto do sistema HLA)

Elevada: falência renal, inflamação

e neoplasias

Fronteira

β -γ Fibrinogénio 4 dias

Formação do

coagulo de fibrina

Elevado: doença cardiovascular,

trombose, infeções e inflamações

agudas

Diminuído: insuficiência hepática

grave desregulação da coagulação

(hemorragia excessiva)

γ

IgA 6 dias Maior anticorpo

secretório

Hipergamaglobulinémia: banda

difusa (predominância da IgG)

ocorre em doenças autoimunes,

doença hepatocelular e infeções;

não difusa ocorre em infeções

virais e cirrose biliar primaria (IgM), cirrose portal (IgG e IgA),

hepatite crónica ativa (IgG e IgM),

paraprotenémias (mieloma múltiplo

(IgA ou IgG) e macroglobulinemia

de Waldenstron (IgM))

Hipogamaglobulinémia: doenças

hematológicas malignas, doença

genética e síndrome nefrótico

IgG 24

dias

Anticorpo mais

abundante

IgM 5 dias Anticorpo da

resposta primária

Proteína C

reativa

20

horas

Defesa não

específica e ligação

fosfolipídica

Elevada em situações inflamatórias

e infeciosas stress, trauma, cirurgia,

pós enfarte do miocárdio

A realização da eletroforese implica a determinação previa das proteínas totais de

forma a obtermos o valor absoluto da sua concentração. Para esta análise é recomendável

a utilização de uma amostra de soro, pois não contém fibrinogénio (ao contrário do

plasma). O fibrinogénio migra na fração β2 e a sua presença pode levar ao aumento desta

fração através da sobreposição e, desta forma, pode mascarar o aumento de uma banda

monoclonal ou da respetiva fração, interferindo na análise do resultado. Já análise de

soros com algum tempo não é recomendável, devido à ocorrência de deterioração do

complemento C3, o que pode levar à redução ou distorção da fração β2 (Bula Capillarys

Protein, 2015).

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5.2.2. Metabolismo Lipídico

Os lípidos possuem uma grande diversidade de estruturas e desempenham funções

importantes, desde consumíveis metabólicos a percussores de hormonas, participando na

sinalização celular e na formação das membranas celulares. Estes podem ser classificados

com lípidos simples, conjugados ou derivados. Devido às suas características, estes

associam-se com proteínas (apoproteínas) para formar macromoléculas complexas. As

lipoproteínas contêm diferentes proporções de lípidos e proteínas, originando diferentes

propriedades químicas e físicas (Ahmed N., 2011; Burtis C. et al., 2015). Na avaliação e

monitorização do perfil lipídico procede-se à determinação do colesterol total,

conjuntamente, com triglicéridos, LDL (Low Density Lipoprotein) e HDL (Higth Density

Lipoproteins).

O colesterol é um álcool esteroide com propriedades anfipáticas, presente nas

membranas celulares de todos os animais. É uma molécula inicial de várias vias

metabólicas, sendo necessário na formação de ácidos biliares, na síntese de hormonas

esteroides e vitamina D. O colesterol total resulta da junção do colesterol esterificado e

livre. Na forma esterificada (forma de éster) o grupo hidroxilo está conjugado a um ácido

gordo, através de uma ligação éster. O colesterol livre é hidrofóbico, encontrando-se no

centro das lipoproteínas, juntamente com os triglicéridos. Um colesterol total superior a

200 mg/dL, constitui um risco elevado para o desenvolvimento de doenças coronárias. A

sua determinação é útil no diagnóstico e tratamento de distúrbios, que implicam o excesso

de colesterol, e, também, de perturbações do metabolismo das lipoproteínas e lípidos

(Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015). A determinação quantitativa de colesterol

total (Advia® 2400) baseia-se numa reação enzimática, onde ocorre a conversão

colesterol-esterase e colesterol-oxidase (seguida de uma leitura a ponto final (505/694

nm)), segundo as seguintes equações (Bula Colesterol Concentrado, 2014):

Éster de Colesterol + H2O →(Colesterol-esterase)→ Colesterol + Ácidos Gordos

Colesterol + O2 →(Colesterol-oxidase)→ Cholest-4-en-3-one + H2O2

H2O2 + 4-Aminoantipirina + Fenol →(Peroxidase) → Corante Quinoneimina + 2H2O

Os triglicéridos são lípidos simples (ésteres de ácidos gordos com glicerol) e

neutros. Correspondem a, aproximadamente, 95% das reservas de gordura tecidular

(adipócitos). Estes apresentam várias combinações de ácidos gordos em cadeia, variando

no tipo de ácidos gordos (mono-, di- ou triglicéridos) ligados ao glicerol, bem como na

extensão e grau de saturação. A sua determinação é útil na monitorização de doentes com

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suspeita de aterosclerose e, também, na identificação de hipertrigliceridemia. Tal, ocorre

na existência de anomalias genéticas ou devido a causas secundárias, como alterações

hormonais associadas ao pâncreas, glândulas adrenais, a doença hepática e síndrome

nefrótico ou devido a diabetes Mellitus não controlada (Bishop M. et al., 2010; Burtis C.

et al., 2015). Os triglicéridos são quantificados (Advia® 2400) a ponto final (505/694 nm),

de acordo com a seguinte reação (Bula Triglicéridos, 2014):

Triglicéridos + 3H2O →(Lípase)→ Glicerol + Ácidos Gordos

ATP + Glicerol →(Glicerol quinase) → Glicerol-3-fosfasto + ADP

O2 + Glicerol-3-fosfasto →(Glicerol-3-fosfasto oxidase)→ 2H2O2 + Dihidroxiacetona Fosfato

2H2O2 + 4–Aminofenazona + 4–Clorofenol →(Peroxidase) → Corante Quinoneimina + H2O

As LDL transportam, aproximadamente, 70% do colesterol total plasmático e

contêm uma pequena percentagem de triglicéridos. Só possuem a apoproteína B-100

(sintetizada no fígado), a qual é fundamental no reconhecimento das LDL pelos recetores

celulares. Formam-se devido a lipólise das VLDL. Por possuírem uma elevada

concentração de colesterol e terem a capacidade de penetrar o vaso sanguíneo, estão

envolvidas no processo de desenvolvimento de ateromas e, consequentemente, no

aparecimento de doença aterosclerótica. Logo, a sua determinação é importante na

avaliação da doença em questão (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015). A

determinação quantitativa das LDL (Advia® 2400) consiste em determinar o colesterol

presente nas LDL, onde o colesterol associado às outras lipoproteínas é eliminado. Esta

primeira etapa dá-se devido a ação da colesterol-esterase e colesterol-oxidase, onde o

peróxido, produzido pela oxidase, é eliminado. Numa segunda etapa, a quantificação

específica do Colesterol LDL é efetuada após a sua libertação (é adicionado 4-

aminoantipirina e peroxidase), onde a ação da catalase é inibida pela azida sódica. No

final a intensidade do corante quinoneimina produzido (medido a 596 nm) está

diretamente relacionada com a concentração de colesterol (Bula Colesterol LDL Direto,

2016):

Éster do Colesterol →(Cholesterol-esterase)→ Colesterol + Ácidos Gordos

Colesterol + O2→(Cholesterol-oxidase) → Colestenona + H2O2

H2O2 + 4-Aminoantipirina + N-etil-N-(2-hidroxi-3-sulfopropil)-3-metilanilina →(Peroxidase)→ 4H2O2 +

Quinoneimina

As HDL são as menores e mais densas das lipoproteínas. Contêm cerca de 20-

30% do colesterol total plasmático. As HDL contêm duas moléculas de apoAI que

formam um anel à volta da camada central de fosfolípidos (lípido maioritário) e

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colesterol. São sintetizadas pelo fígado e intestino e estão envolvidas no transporte

reverso de colesterol, transportando o colesterol em excesso, presente nos tecidos extra-

hepáticos, de volta ao fígado. O facto de fazerem o transporte reverso e, também, de

possuírem uma baixa percentagem em colesterol em parte explica a ação protetora das

HDL nas doenças coronárias, sendo a sua determinação importante na avaliação do risco

da respetiva doença (Bishop M. et al., 2010). A determinação quantitativa das HDL

(Advia® 2400) consiste em dois passos de reação distintos. Primeiro, ocorre a eliminação

de quilomicras, colesterol VLDL e colesterol LDL, por ação da colesterol-esterase e

colesterol-oxidase (o peróxido produzido é eliminado pela catalase). Seguidamente,

ocorre a medição específica de Colesterol HDL após a sua libertação, onde a intensidade

do corante quinoneimina (medido a 596 nm) é diretamente proporcional à concentração

de colesterol (Bula Colesterol HDL Direto, 2016):

Éster do Colesterol →(Cholesterol-esterase)→ Colesterol + Ácidos Gordos

Colesterol + O2→(Cholesterol-oxidase) → Colestenona + H2O2

H2O2 + 4-Aminoantipirina + N-(2-hidroxi-3-sulfopropil)-3,5-dimetoxianilina→(Peroxidase)→ 4H2O2 +

Quinoneimina

5.2.3. Metabolismo dos Hidratos de Carbono

A glicose, fonte primária de energia no organismo, é utilizada como única fonte

de energia nos eritrócitos, retina e cérebro. As patologias relacionadas podem ser

divididas em hipoglicemia e hiperglicemia. As hipoglicemias devem-se sobretudo à

excessiva produção de insulina ou do aumento da utilização da glicose. O exercício físico,

jejum, excesso de insulina exógena ou endógena e tumor das células β (insulinoma), são

algumas das causas de hipoglicémia. A hiperglicemia ocorre em patologias, como a

diabetes Mellitus (tipo 1 e 2) e diabetes gestacional, que resultam da existência de

alterações na secreção e/ou na ação da insulina. Logo, a determinação da glicose é

fundamental no diagnóstico, tratamento e monitorização das referidas doenças

metabólicas (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015). De acordo com a DGS

(002/2011), o diagnóstico da diabetes baseia-se nos seguintes critérios:

Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl

Sintomas clássicos (poliúria, perda rápida de peso, polidipsia e polifagia) +

glicemia ocasional ≥ 200 mg/dl

Glicemia ≥ 200 mg/dl às 2 horas, na Prova de Tolerância Oral à Glicose (PTOG)

com 75g de glicose;

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Hemoglobina glicada A1c (HbA1c) ≥ 6,5%

Numa pessoa assintomática, o diagnóstico da diabetes não deve ser feito só com

base num único valor anormal de HbA1c ou de glicemia em jejum, devendo-se confirmar

os valores 1-2 semanas depois, numa segunda determinação. No caso de ambos os valores

estarem fora dos intervalos de referência (HbA1c e glicemia), o diagnóstico é confirmado.

A identificação da existência de um elevado risco de vir a desenvolver diabetes, assenta

na obtenção de valores anormais da glicemia em jejum (glicemia de jejum ≥ 110 e < 126

mg/dl) e nos valores obtidos numa PTOG (glicemia às 2 horas ≥ 140 e < 200 mg/dl). A

PTOG consiste na ingestão de uma solução, contendo 75g de glicose (depende da idade

e do peso), com colheita aos 0 e 120 minutos e na grávida aos 0, 60 e 120 minutos. No

diagnóstico da diabetes gestacional (primeira consulta de gravidez), valores de glicose

plasmática < 92 mg/dl, é aconselhável a realização de uma PTOG às 24-28 semanas de

gestação. Caso o valor obtido em jejum seja ≥ 92 mg/dl e < a 126 mg/dl, faz o diagnóstico

de diabetes gestacional (não é necessária uma PTOG às 24-28 semanas de gravidez) (DGS

002/2011). Segundo a DGS (002/2011), os valores de referência para diagnóstico de

diabetes gestacional (PTOG) são:

às 0 horas, glicemia ≥ 92 mg/dl

à 1 hora, glicemia ≥ 180 mg/dl

às 2 horas, glicemia ≥ 153 mg/dl

A determinação quantitativa da glicose (Advia® 2400) baseia-se no método

enzimático da hezoquinase. Na presença da hexoquinase, a glicose é fosforilada pelo ATP

(adenosina trifosfato). Seguidamente, a glucose-6-fosfato (G6P), juntamente com o fator

NAD+, pela ação da glucose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), forma NADH

(nicotinamida adenina dinucleótico). A leitura (340/410 nm), a ponto final, da

absorvância do NADH é diretamente proporcional à concentração de glicose (Bula

Glucose Hexoquinase 3, 2015):

Glucose + ATP →(Hexoquinase)→ G6P + ADP

G6P + NAD+ →(G6PD)→ 6 Fosfogluconato + NADH + H+

A HbA1c forma-se através da exposição da HbA1 a elevadas concentrações

sanguíneas de glicose, onde ocorre a ligação irreversível, não enzimática, entre a glicose

e o N-terminal da cadeia β da HbA1. A determinação da HbA1c (Variant™ II) é utilizada

como indicador do controlo dos níveis de glicemia no sangue, especialmente, em

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diabéticos, pois indica a média dos níveis de glicose nos últimos 2 a 3 meses (McKenzie

S., 2014).

A formação da insulina começa com a síntese da pré-insulina, a qual é clivada no

reticulo endoplasmático das células β (ilhéus de Langerhans do pâncreas), formando a

pró-insulina (armazenada nas células β). No final, a proteólise da pró-insulina forma a

insulina e o péptido C e, ambos, numa situação normal, são libertados para a corrente

sanguínea em concentrações iguais, em resposta aos níveis de glicose no sangue. Em

algumas situações de diabetes do tipo 2, ocorre a libertação de pró-insulina (sem

atividade) para a corrente sanguínea. A insulina estimula a glicogenólise (hidrólise do

glicogénio em glicose e intermediários), reduz os níveis de glicose no sangue e leva à

produção de triglicéridos (adipócitos). A sua determinação é utilizada no estudo da

patofisiologia da diabetes, mas, também, é útil na apreciação da hipoglicemia em jejum,

na determinação da resistência à insulina, na população em geral, e na avaliação de

anomalias da função secretória das células β (Ahmed N., 2011). É determinada

quantitativamente (Advia Centaur®) por imunoensaio em “sanduíche”

(quimioluminescência direta) (Bula Insulina, 2014).

5.2.4. Função Hepática

Uma das principais funções do fígado é o processamento e excreção via biliar ou

urinária das substâncias exógenas e endógenas. A bilirrubina é formada pela conversão

do heme libertado, após a fagocitose dos eritrócitos e do catabolismo de proteínas que

contêm o grupo heme (citocromos, peroxidases e mioglobina). A bilirrubina plasmática

liga-se à albumina (bilirrubina não conjugada), sendo transportada para o fígado. No

fígado a bilirrubina liberta-se da albumina, sendo depois transportada por ligandinas até

ao reticulo endoplasmático do hepatócito, onde ocorre a sua conjugação. Na conjugação

há transferência do ácido glucurônico, pela uridildifosfato glucuronil transferase, para as

cadeias laterais da bilirrubina, formando a bilirrubina diglucuronídeo (bilirrubina

conjugada). Posteriormente, é excretada pelo fígado para a bílis, onde constitui o principal

pigmento. No intestino origina o urobilinogénio, onde parte é reabsorvida para a corrente

sanguínea e excretada via renal. A retenção sérica da bilirrubina (hiperbilirrubinémias)

ocorre em várias doenças hepáticas e pode ter origem a nível pré-hepático (exemplo:

anemias hemolíticas e icterícia fisiológica do recém-nascido), hepático (como a doença

ou defeito intrínseco) ou pós-hepático (exemplo: doença obstrutiva biliar). Na icterícia

pré-hepática ocorre o aumento da forma não conjugada, enquanto na pós-hepática

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aumenta a forma conjugada e na hepática podemos ter a elevação da forma conjugada ou

não conjugada, dependendo da causa. A determinação da bilirrubina direta pode ser feita

a partir da subtração da bilirrubina conjugada à bilirrubina total (Bishop M. et al., 2010).

A bilirrubina direta é determinada quantitativamente (Advia® 2400) através da sua

oxidação pelo detergente vanadato (VO3-), produzindo biliverdina e levando à diminuição

da densidade ótica da cor amarela (característica da bilirrubina), medida a ponto final. A

diminuição ótica (451/545 nm) é proporcional à concentração de bilirrubina direta (Bula

Bilirrubina Direta, 2015):

Bilirrubina Conjugada + VO3- → Biliverdina

G6P + NAD+ →(G6PD)→ 6 Fosfogluconato + NADH + H+

A determinação da bilirrubina total é semelhante à da bilirrubina direta, a

diferença é a presença no meio de tensioativo (Bula Bilirrubina Total 2, 2015).

As transaminases são enzimas libertadas pelo tecido hepático danificado. Estão

envolvidas na síntese e degradação dos aminoácidos e transferem o grupo amina (α-

aminoácido) para um cetoácido. A aspartato aminotransferase (AST) está presente em

diversos tecidos e encontra-se em maiores concentrações, no tecido cardíaco, hepático,

muscular esquelético e renal. Existem duas isoenzimas (citosólica e mitocondrial). Na

presença de dano celular moderado a citosólica é a mais elevada e na presença de dano

celular mais grave ambas aparecem elevadas. Devido à sua ampla distribuição e

concentração intracelular, qualquer lesão celular pode levar ao seu aumento sérico. Os

níveis séricos de AST aumentam em patologias hepatocelulares, como a hepatite

(aumenta cerca de 100 vezes) e cirrose (4-8 vezes) (Bishop M. et al., 2010). A

quantificação da AST (Advia® 2400) é feita pela medição do NADH (340/410 nm), onde

a diminuição da sua absorvância é proporcional à atividade da enzima (Bula Aspartato

aminotransferase, 2016):

L-Aspartato + α-Cetoglutarato →(AST)→ Oxalacetato + L-Glutamato

Oxalacetato + NADH →(Malato Desidrogenase)→ Malato + NAD

A alanina aminotransferase (ALT) está distribuída por vários tecidos, mas

devido à sua maior concentração a nível hepático em comparação com os restantes

tecidos, é considerada como a mais específica das transferases na avaliação hepática. A

concentração sérica de ALT é maior em patologias hepatocelulares, comparativamente,

com patologias obstrutivas intra ou extra-hepáticas. A sua elevação é maior e mantém-se

elevada durante mais tempo (maior tempo médio de vida) do que a AST, especialmente,

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em situações de inflamação hepática aguda (Bishop M. et al., 2010). A reação que

determina a ALT (Advia® 2400), mede a absorvância do NADH (340/410 nm), onde a

velocidade de redução da absorvância é proporcional à enzima na amostra (Bula Alanina

Aminotransferase, 2016):

ALT + Piridoxal-5'-fosfato → ALT ativada

L-Alanina + α-Quetoglutarato →(ALT)→ Piruvato + L-Glutamato

Piruvato + NADH →(Lactato Desidrogenase)→ Lactato + NAD

A fosfatase alcalina (FA) é uma enzima não específica que catalisa em pH

alcalino, a hidrólise de vários fosfomonoésteres, produzindo fosfato inorgânico

(ionizado). Está presente na maioria dos tecidos do organismo e, no fígado, está localizada

nos canalículos biliares. A enzima também participa na formação da matriz óssea. Devido

à localização, a quantificação da FA é útil em desordens ósseas (que evolve os

osteoblastos) e, também, na avaliação de desordens hépato-biliares. Nas desordens

hépato-biliares, a elevação sérica da FA é maior em comparação com o aumento que

ocorre em desordens hepatocelulares. Na obstrução biliar (desordem hépato-biliar) a

concentração de FA eleva-se 3-10 vezes, devido ao aumento da síntese (induzida pela

colestase), enquanto nas desordens hepatocelulares (exemplo: cirrose e hepatite) a FA

atinge concentrações até 3 vezes superiores ao limite do intervalo de referência. A

determinação da FA, em conjunto com outros testes da função hepática, apresenta maior

significado clínico, uma vez que a enzima se eleva em várias doenças hepáticas (Bishop

M. et al., 2010). A determinação quantitativa (Advia® 2400) baseia-se na medição

(410/478 nm) do p-nitrofenol, onde a sua velocidade de formação é proporcional à

atividade da FA. O produto formado resulta da hidrólise pela FA, do substrato p-

nitrofenil-fosfato, com o pH do meio entre 10,3-10,4 e na presença de iões de magnésio

(Mg2+) e zinco (Zn2+), que ativam e estabilizam a enzima (Bula Fosfatase Alcalina

Concentrada, 2014):

p-Nitrofenil-fosfato + 2-Amino-2-metil-1-propanil →(FA, Mg2+, Zn2+)→ p-Nitrofenol + p-2-Amino-

2-metil-1-propanil

A gama glutamil transferase (γGT) é responsável pela transferência de resíduos

γ-glutamil para pequenos péptidos e encontra-se presente sobretudo no rim, próstata,

pâncreas, fígado e cérebro. A sua quantificação é importante na avaliação de patologias

hepáticas e biliares. De modo geral, está elevada na doença hepática (exemplo: hepatites),

não sendo específica da respetiva doença. Os seus níveis séricos são muito elevados na

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obstrução intra e extra-hepática, principalmente, devido à sua localização (células

epiteliais que revestem os ductos biliares). Também está elevada no alcoolismo crónico

e com a ingestão de fármacos (fenitoína e fenobarbital) (Bishop M. et al., 2010). Portanto,

a sua determinação é útil na avaliação e monitorização da terapêutica de doenças

hepatobiliares e na avaliação do alcoolismo. Na reação que quantifica a γGT (Advia®

2400), é utilizado o substrato sintético (L- γ-glutamil-3-carboxi-4-nitroanilida), onde a

γGT transfere o γ-glutamil para a glicilglicina, sendo libertado 5-amino-2-nitro-benzoato

(ANB). A taxa de formação do ANB é medida a 410/478 nm como uma reação com

cinética de ordem zero (Bula Gama-Glutamil Transferase, 2016):

L- γ-glutamil-3-carboxi-4-nitroanilida + Glicilglicina →( γGT)→ ANB + L- γ-glutamil-glicilglicina

5.2.5. Função Renal

Os rins, cuja unidade funcional é o néfron, desempenham funções reguladoras da

água, do equilíbrio eletrolítico e ácido-base, excretam produtos de degradação do

metabolismo, como ureia, creatina e ácido úrico, formando a urina e, também, participam

na regulação endócrina (Gaw A. et al., 2013).

A creatinina forma-se na fase inicial de filtração do plasma no glomérulo. É

produzida a partir da creatina e da fosfocreatina presente no músculo, estando a sua

concentração relacionada com a massa muscular, assim como com a função renal e o seu

turnover (varia com o consumo de proteínas na dieta). A determinação da sua

concentração é útil na avaliação de insuficiência renal e da gravidade da lesão e na

monitorização da progressão de doença renal. Apesar de ser um parâmetro imperfeito

para estimar a taxa de filtração glomerular, é amplamente utilizada na avaliação da função

renal. Os níveis de creatinina plasmática estão inversamente relacionados com o grau de

filtração glomerular (GFR - taxa de filtração glomerular). Níveis plasmáticos elevados de

creatinina significam que a GFR está diminuída, indicando alteração da função renal,

nomeadamente no que se refere à função glomerular. É um marcador insensível, pois só

se altera quando mais de 50% da função renal está danificada (Bishop M. et al., 2010;

Gaw A. et al., 2013).

A clearance da creatinina é medida através da razão entre a débito urinário por

minuto da creatinina (urina de 24 horas) e a sua concentração no plasma e, assim, é

determinado o volume de filtrado glomerular formado por minuto (ml/min.). A equação

desenvolvida por Cockroft e Gault (utiliza a concentração da creatinina plasmática na

determinação da clearance) inclui variáveis como a idade, sexo, peso corporal e origem

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étnica e, deste modo, a relação inversa entre a creatinina plasmática e a GFR, é melhorada.

Além disso, elimina erros associados à obtenção da urina de 24 horas (Bishop M. et al.,

2010; Gaw A. et al., 2013). A determinação quantitativa da creatinina em amostras de

soro e urina (Advia® 2400) baseia-se no método modificado de Jaffe. É uma modificação

do método porque utiliza a supressão da velocidade (para minimizar a interferência da

bilirrubina) e a correção das interações não específicas das proteínas plasmáticas com o

reagente (é subtraído automaticamente 0,3 mg/dl ao resultado), pois estas influenciam

positivamente o resultado. Durante a determinação a creatinina reage com o ácido pícrico

em meio alcalino, formando um complexo creatinina/picrato de cor vermelha. A

velocidade de formação do complexo é medida a 505/571 nm, sendo a sua concentração

proporcional à creatinina na amostra. (Bula Creatinina, 2015):

Creatinina + Ácido Pícrico →( OH-)→ Creatinina-picrato

A microalbuminúria é um marcador biológico de nefropatia (mais sensível e

específica do que as proteínas totais), cuja concentração é diretamente proporcional à

gravidade da lesão renal. A microalbuminúria é definida pela excreção urinária de 30 a

300 mg/g de creatinina (a síndrome nefrótica caracteriza-se por uma proteinúria > 50

mg/kg ou > 3,5g/1,73m2/24h, constituída predominantemente por albumina (albuminúria

> 3500 mg/g creatinina)). É utilizada no seu diagnóstico e tratamento, assim como na

deteção e tratamento de utentes em risco de desenvolver doença renal. É recomendável a

sua determinação anual em doentes diabéticos. Na sua determinação, a partir de uma

amostra de urina a tempo determinado (24 horas) ou ocasional (segundo a indicação

médica), é aconselhável a determinação simultânea da creatinina, de forma a não haver

resultados falsamente positivos ou negativos, devido à variação da concentração da urina.

Fatores como o exercício físico (num intervalo de 24 horas), infeção e febre, provocam o

aumento da excreção da albumina. A microalbuminúria é determinada quantitativamente

(Advia Centaur®) por imunoensaio (Bishop M. et al., 2010; Bula Microalbumina, 2014).

A ureia é o produto metabólico com maior conteúdo em nitrogénio e advém do

catabolismo das proteínas e aminoácidos. No total, mais de 90% da ureia é excretada via

urinária, sendo filtrada livremente pelo glomérulo e absorvida, cerca 40-70%,

passivamente, pelo túbulo renal. A acumulação de ureia na corrente sanguínea está

relacionada com a doença renal, onde o aumento da concentração é característico do

estado urémico (azotemia), contudo a determinação da creatinina é preferível na avaliação

da função renal, uma vez que a concentração plasmática da ureia é influenciada por uma

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série de fatores, como a dieta, aumento do catabolismo proteico, tratamento com

corticosteroides e desidratação. A sua determinação é útil no diagnóstico e tratamento de

doença renal, assim como de obstrução do trato urinário e de insuficiência renal aguda ou

crónica. Também é utilizada na verificação da adaptação à diálise e na avaliação do estado

nutricional (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015). A ureia é determinada

quantitativamente, em soro/plasma e urina, com base numa reação enzimática de Roch-

Ramel (Advia® 2400), onde é utilizado a urease e glutamato desidrogenase. Na primeira

reação, forma-se a amónia que, posteriormente, reage com 2-oxoglutarato na presença da

desidrogenase e NADH. No final, o NAD formado, na reação de oxidação, é medido

como uma reação inversa a 340/410 nm (Bula Nitrogénio Ureico Concentrado, 2015):

Ureia + H2O →(Urease)→ 2 Amónia + CO2

Amónia + NADH + α-Quetoglutarato →(Glutamato Desidrogenase)→ Glutamato + NAD + H2O

O ácido úrico é um composto nitrogenado que resulta sobretudo do catabolismo

dos nucleosídeos de purina. Existe em pequenas concentrações na urina, isto porque

grande parte do ácido filtrado no glomérulo é posteriormente reabsorvido, sendo

excretado na urina 6-12% do total filtrado. A determinação da concentração do ácido

úrico tem o seu maior valor semiológico no rastreio, estudo e monitorização da resposta

ao tratamento dos doentes com gota ou outras alterações relacionadas, quer com o

metabolismo das purinas, quer com a excreção renal do ácido úrico, por exemplo, litíase

úrica. Dada a relação direta do ácido úrico com o catabolismo das nucleoproteínas e com

a função tubular renal proximal, a determinação da sua concentração sérica é relevante

na avaliação de doentes com neoplasias, designadamente doenças mielo ou

linfoproliferativas, antes e durante a terapêutica (citostáticos e radioterapia), ou com

insuficiência renal, para monitorizar a hiperuricemia secundária associada. A síndrome

de lise tumoral pós quimioterapia ou a nefropatia úrica aguda, caracterizam-se por

hiperuricemia, frequentemente com valores > 15 mg/dl, hipercaliémia, hiperfosfatémia e

aumento da atividade sérica da LDH (lactato desidrogenase). A determinação da

uricosúria utiliza-se sobretudo para selecionar o tipo de terapêutica a instituir nas

hiperuricemias clinicamente significativas. Relativamente à avaliação dos doentes com

lítiase úrica, as principais causas de hiperuricemia são a retenção renal (insuficiência

renal, fármacos diuréticos, salicilatos, etambutol), tóxicos (chumbo e álcool), acidúria

orgânica e endocrinopatias (como o hipotiroidismo e hiperparatiroidismo), o aumento do

turn over dos ácidos nucleicos (síndromas linfo e mieoloproliferativos, quimioterapia,

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anemias com eritropoiese ineficaz, como a talassémia e anemia megaloblástica),

deficiências enzimáticas (exemplo, síndrome de Lesch-Nyan), dieta rica em purinas e

gota. As principais causas de hipouricemia (< 2 mg/dl) são a insuficiência hepatocelular

grave, doença de Wilson, síndrome de Fanconi, deficiências primárias ou secundárias da

xantina oxidase, deficiência proteica por má nutrição, mieloma múltiplo e doença de

Hodgkin com lesão tubular renal (Burtis C. et al., 2015; Gaw A. et al., 2013). A

determinação quantitativa do ácido úrico (Advia® 2400) a partir de amostras de

soro/plasma e urina, baseia-se na reação de Fossati. O ácido úrico é convertido em

alantoína e peróxido de hidrogénio pela uricase. Seguidamente, a partir do peróxido de

hidrogénio, hidrogénio (H+), 4-aminofenazona (4-AAP) e TOOS (N‑Etil‑N‑(2‑hidroxi

‑3‑sulfopropil)‑3‑metil‑anilina), forma-se um composto colorido (corante

quinonodiimina) e água. O ácido úrico na amostra é diretamente proporcional ao

composto colorido formado (absorvido a 545/694 nm, a ponto final) (Bula Ácido Úrico

Concentrado, 2016):

Ácido Úrico + 2H2O + O2 →(Uricase)→ Alantoína + CO2 + H2O2

H+ + TOOS- + 4-AAP + 2H2O2 →(Peroxidase)→ Corante Quinonodiimina + 4H2O

O exame sumário da urina é efetuado no equipamento Clinitek Atlas (exame

físico-químico) e no Citómetro de fluxo Sysmex UF 1000i (identificação e contagem dos

elementos figurados, nomeadamente células epiteliais, leucócitos, eritrócitos e cilindros).

Se os resultados obtidos forem discrepantes, ou quando prescrito houver necessidade de

identificar a presença de eritrócitos dismórficos, identificar e caracterizar os cilindros ou

cristais, efetua-se a observação do sedimento por microscopia ótica.

O exame físico inclui a análise da cor, aspeto e gravidade específica. A gravidade

específica (Clinitek Atlas) está relacionada com a quantidade de substâncias presentes na

urina, que variam de acordo com o poder de excreção e concentração renal.

O exame químico, efetuado através de tiras reativas (Clinitek Atlas), inclui a

determinação do pH, proteínas, glicose, cetona, sangue, bilirrubina, urobilinogénio,

nitritos e esterases leucocitárias, fornecendo resultados semi-quantitativos (Manual

Clinitek Atlas, 2008). O pH numa urina normal varia entre 4,5 e 8, sendo menos ácida

durante e após a refeição. A causa mais comum de um pH superior a 8 é proliferação de

bactérias produtoras de urease (conservação inapropriada). A presença de sangue na urina

nem sempre é detetável pela a cor (uma reação positiva pode indicar hematúria,

hemoglobinúria ou miogloninúria). A observação do sedimento urinário, permite

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distinguir hematúria de hemoglobinúria. A hematúria pode resultar, por exemplo, de

doenças do aparelho urinário e renal, trauma, hipertensão e atividade física. A

hemoglobinúria é, principalmente, devido à hemólise intravascular e pode surgir em

situações de lesão muscular (exemplo: rabdomiólise). A positividade das esterases

leucocitárias (neutrófilos), presença de mais de 10 leucócitos/µL, observa-se,

frequentemente, em processos inflamatórios (exemplo: infeciosos e autoimunes), que

envolvem o aparelho urinário. A determinação dos nitritos é útil na identificação de

infeções urinárias por microrganismos que reduzem os nitratos a nitritos, em particular as

bactérias pertencentes à família das Enterobacteriaceae. As proteínas existem,

normalmente, em pequenas concentrações na urina, sendo as mais comuns a albumina e

a proteína de Tamm-Horsfall (mucoproteína). A existência de proteinúria é, geralmente,

o primeiro indicador de doença renal. A glicose filtrada é, posteriormente, reabsorvida.

Quando a concentração de glicose plasmática é superior a 160-180 mg/dl, a capacidade

de reabsorção dos túbulos renais é excedida, ocorrendo glicosúria. A sua positividade

reflete a existência de hiperglicemia, disfunção dos túbulos proximais renais ou pode ser

devida à ingestão de fármacos, como diuréticos tiazidicos. Os corpos cetónicos (ácido

acetoacético) resultam do metabolismo dos ácidos gordos e, normalmente, não estão

presentes na urina. Os corpos cetónicos existem na urina, em casos de jejum prolongado,

gravidez e diabetes descompensada. A bilirrubina, em indivíduos normais, é excretada

em quantidades vestigiais. Surge quando ocorrem distúrbios na formação da bilirrubina e

anomalias hepáticas e metabólicas de armazenamento ou de excreção. O urobilinogénio

está normalmente presente na urina numa concentração aproximada de 1 mg/dl, estando

aumentado na doença hepática e hemolítica (Brunzel N., 2013).

5.2.6. Função Pancreática

As enzimas digestivas amilase e lipase são frequentemente utlizadas no

diagnóstico e monitorização da evolução clínica e da resposta ao tratamento para a

pancreatite aguda.

A amilase catalisa e hidrolisa moléculas de amido (composto por amilose e

amilopectina) e de glicogénio (estrutura semelhante à amilopectina) na presença de iões

cálcio e cloreto. A α-amilase atua nas ligações 1-4 glicosídeas, degradando o amido em

moléculas de glicose, maltose e dextrina. É produzida, principalmente, nas células

acinares pancreáticas (amilase pancreática) e nas glândulas salivares. A amilase

pancreática é utilizada sobretudo no diagnóstico e tratamento da pancreatite aguda. Após

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o início da sintomatologia (pancreatite aguda), os seus níveis séricos aumentam a partir

das 2 a 12 horas, atingindo o valor máximo entre as 12 e as 72 horas, na maior parte dos

casos com uma atividade 4 a 6 vezes superior ao limite do intervalo de referência,

retornando ao valor basal ao fim de 4 a 7 dias (em 80 % dos casos) (Bishop M. et al.,

2010; Burtis C. et al., 2015). Na determinação quantitativa da atividade enzimática da

amilase pancreática no soro (Advia® 2400), a atividade de outras isoformas não

pancreáticas é inibida, através de anticorpos. Seguidamente, a amilase pancreática

hidrolisa o substrato (etilideno-pnitrofenil maltoheptaose - etilideno-G7-pNP),

produzindo oligossacarídeos e p-nitrofenol (pNP-G2, pNP-G3, e pNP-G4). É adicionado

a glucosidase para libertar p-nitrofenol (pNP). No final é lida a absorvância do pNP livre

a 410/694 nm, a qual é proporcional à atividade enzimática do analito (Bula Amilase

Pancreática, 2014):

Etilideno-G7-pNP →(Amilase)→ Etilideno-Gx + Gx-pNP

Gx-pNP →(Glucosidase)→ Glicose + pNP-Glucósido

pNP-Glucósido →(Glucosidase)→ Glicose + pNP

A lipase hidrolisa os ésteres do glicerol na presença de colipase e sais biliares. A

enzima é produzida no pâncreas e, em menores quantidades, no estômago e intestino

grosso. A sua determinação é utilizada sobretudo no diagnóstico de pancreatite aguda,

sendo mais sensível e específica do que a amilase, no diagnóstico de distúrbios

pancreáticos. Após 4 a 8 horas do início da sintomatologia (pancreatite aguda), a sua

atividade aumenta, atingindo o valor máximo entre as 12 e as 72 horas, na maior parte

dos casos com uma atividade 2 a 50 vezes superior ao limite do intervalo de referência.

O valor da atividade da lipase retorna aos valores basais após 1-2 semanas (Bishop M. et

al., 2010). A determinação da atividade enzimática da lipase (Advia® 2400) efetua-se por

ensaio enzimático colorimétrico cinético da metilresorufina. Durante a reação, o substrato

(1,2‑o‑dilauril‑rac‑glicero‑3‑glutárico‑(6'‑metil resorufina) - DGGM) é clivado pela

lipase, formando um éster do ácido glutárico-(6'-metil resorufina), que quando

decomposto, origina o ácido glutárico e a metil resorufina. A atividade da lipase é

proporcional ao ácido formado (Bula Lipase, 2016):

Éster do Ácido DGGM →(Lipase)→ 1,2-o-dilauril-rac-glicerol + Éster do Ácido Glutárico-(6’-metil

resorufina)

Éster do Ácido Glutárico-(6’-metil resorufina) →(decomposição espontânea)→ Metil Resorufina +

Ácido Glutárico

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5.2.7. Função Tiroideia

A tiroide é a glândula responsável pela produção de calcitonina (hemóstase do

cálcio) e hormonas tiroideias (triiodotironina (T3) e a tetraiodotironina (T4)). O iodo (I)

é fundamental na síntese hormonal, logo uma deficiência nutricional pode provocar

hipotiroidismo. A tiroide peroxidase (TPO) é uma enzima ligada à membrana das células

foliculares da tiroide, responsável pela oxidação do I- a I+ e incorporação do I+ nos

resíduos tirosil da tiroglobulina, resultando na produção das formas ativas T3 e T4. Na

circulação T3 e T4, ligam-se irreversivelmente às proteínas transportadoras,

nomeadamente à globulina transportadora de tiroxina (TBG) e, em menor frequência, à

albumina. A T3 e T4 ligadas são metabolicamente inativas, sendo a forma ativa as suas

formas livres. A TSH (hormona estimuladora da tiroide) estimula a tiroide a produzir e a

secretar T3 e T4. A produção de TSH é estimulada pela TRH (hormona libertadora de

tirotropina) no hipotálamo, onde a síntese e secreção da TSH na pituitária anterior, é

estimulada por feedback negativo, afetando as concentrações séricas das frações livres de

T3 e T4 (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015).

A determinação de T3 e T4 é fundamental no diagnóstico e monitorização da

terapêutica de patologias da tiroide. A produção de hormonas tiroideias está dependente

do eixo hipotálamo-pituitária-tiroide, logo uma disfunção em qualquer parte do sistema

pode alterar os níveis séricos de T3 e T4. A produção excessiva de T3 ou T4, resulta em

hipertiroidismo, enquanto a síntese diminuída conduz ao hipotiroidismo. Visto que os

níveis séricos de T3 alteram mais rapidamente e acentuadamente do que a T4, a

determinação da T3 é útil em testes supressores ou estimuladores, como indicador de

resposta da glândula e, também, serve para estimar as reservas da tiroide quando esta é

estimulada. A quantificação Total de T3 e T4 (Advia Centaur®) é realizada por

imunoensaio competitivo quimioluminescente (Bishop M. et al., 2010; Bula T4, 2015;

Bula T3, 2016). As frações livres de T3 e T4 são úteis para despistar quaisquer variações

na concentração total T4 e T3, devido a variações na concentração sérica das suas proteínas

transportadoras. Por exemplo, na gravidez há elevação da concentração de TBG e,

consequentemente, o aumento sérico de T3 e T4 total, mas os níveis séricos de T3 e T4

livres encontram-se inalterados (Bishop M. et al., 2010).

A TSH é fundamental na avaliação do funcionamento da tiroide, pois a sua

quantificação é útil no diagnóstico diferencial entre hipotiroidismo primário (tiroide),

secundário (pituitária) e terciário (hipotálamo). Os níveis séricos de TSH estão elevados

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no hipotiroidismo primário e reduzidos no hipotiroidismo secundário e terciário. É

utilizada na confirmação de hipotiroidismo primário, onde é frequente os níveis de TSH

estarem elevados e os de T4 livre diminuídos (Bishop M. et al., 2010). A determinação

quantitativa da TSH (Advia Centaur®) efetua-se por imunoensaio quimioluminescente de

terceira geração, onde a sensibilidade do ensaio permite detetar a doença subclínica ou

grau moderado de disfunção tiroideia (Bula TSH3-Ultra, 2016).

Uma das formas de detetar doenças tiroideias autoimunes é através da

quantificação de anticorpos contra a peroxidase da tiroide (anti-TPO). Estes anticorpos

estão aumentados em 80 a 99% dos casos de hipotiroidismo autoimune e em 45 a 80%

dos casos de doença de Graves, embora também estejam presentes em 10 a 15% dos

indivíduos saudáveis (Bishop M. et al., 2010). Os anticorpos anti-TPO são quantificados

(Advia Centaur®) por imunoensaio competitivo quimioluminescente (Bula Anti-TPO,

2014).

A quantificação de auto-anticorpos contra a tiroglobulina (anti-Tg) é útil no

diagnóstico de hipotiroidismo autoimune. Na Tiroidite de Hashimoto, a produção de

hormonas da tiroide diminui devido à existência de anticorpos. Os anti-Tg estão

aumentados, em 80 a 100% dos casos, de hipotiroidismo autoimune (Tiroidite de

Hashimoto), embora, também, estejam presentes em 60 a 70% dos casos de doença de

Graves e em 3% dos indivíduos saudáveis. Os anticorpos são determinados (Advia

Centaur®) por imunoensaio competitivo quimioluminescente (Bishop M. et al., 2010;

Bula Anti-Tg, 2014).

A doença de Graves é de origem autoimune, sendo uma das causas mais

frequentes de hipertiroidismo. Na referida patologia produzem-se anticorpos anti-recetor

de TSH (TRAb - TSH recetor antibodies), que estimulam o recetor e levam à síntese

excessiva de hormonas tiroideias. Deste modo, a produção de TSH é suprimida, os níveis

totais e livres de T3 e T4, encontram-se aumentados e TRAb positivos (70-100%). A

quantificação de TRAb (Cobas®) efetua-se por imunoensaio competitivo

eletroquimioluminescente (Bishop M. et al., 2010; Bula Anti-TSHR, 2013).

5.2.8. Metabolismo Ósseo

O cálcio (Ca2+) é importante na contração muscular, nomeadamente do músculo

cardíaco e, também, detém um papel fundamental no metabolismo ósseo. No organismo,

aproximadamente, 99% do cálcio faz parte dos ossos e a sua homeostasia é regulada

sobretudo a nível do intestino delgado, esqueleto e rins. No sangue, o cálcio existe na

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forma ionizada e, em menor quantidade, ligado a aniões e a proteínas, sobretudo à

albumina. Os níveis séricos de Ca2+ são regulados pela PTH (paratormona), vitamina D e

calcitonina. A sua determinação é útil no diagnóstico e tratamento de várias doenças

ósseas, assim como de doença paratiroide e insuficiência renal crónica (Bishop M. et al.,

2010). A determinação de cálcio ionizado e total (Advia® 2400), baseia-se na formação

de um composto colorido entre os iões cálcio e o arsenazo III, onde a intensidade do

composto colorido (composto Ca-arsenazo III), medido a 658/694 nm, é diretamente

proporcional à quantidade de cálcio na amostra (Bula Cálcio 2 Concentrado, 2014):

Ca2+ + Arsenazo III →(pH 5,9)→ Composto Ca-arsenazo III

A síntese de PTH na glândula paratiroide é estimulada pela diminuição dos níveis

séricos de cálcio e inibida pela elevação dos mesmos. A produção da PTH, desencadeada

em resposta à hipocalcémia, aumenta a reabsorção óssea pelos osteoclastos, ocorrendo

elevação sérica de cálcio, devido à desmineralização óssea, e estimula a produção renal

de vitamina D ativa. A sua determinação, em conjunto com a determinação de cálcio

ionizado, é útil, como auxiliar, no diagnóstico diferencial de hiperparatiroidismo,

hipoparatiroidismo ou hipercalcemia maligna. O hiperparatiroidismo primário é

confirmado pela hipercalcemia com elevação da PTH. A sua quantificação também é útil

na avaliação e tratamento de problemas ósseos metabólicos (exemplo: osteoporose). A

PTH é determinada quantitativamente (Advia Centaur®) através de um imunoensaio em

“sanduíche” (Bula Intacto PTH (iPTH), 2016).

A vitamina D inativa advém da alimentação (vitamina D2) e da síntese dérmica

(vitamina D3), estimulada pela exposição solar. A forma inativa é convertida,

enzimaticamente, por hidroxilação no fígado e rins. No rim ocorre a última etapa de

hidroxilação, dando origem à forma biologicamente ativa da vitamina D, a 1,25-

dihydroxycholecalciferol (1,25-[OH]2-D3). A vitamina D (hormona) em resposta à

diminuição sérica de cálcio, estimula a absorção intestinal de cálcio, melhorando o efeito

da PTH sob a desmineralização óssea. A sua determinação é útil na avaliação do

metabolismo ósseo. Uma das formas de determinar a vitamina D é através da

determinação por meio da 25-hidroxivitamina D (resultante da hidroxilação hepática da

vitamina D2 e D3), que é quantificada (Cobas®) por imunoensaio competitivo

electroquimioluminescente (Bula Vitamin D total (25-Hidroxivitamina D), 2015).

A calcitonina, produzida pelas células tiroideias, é secretada em resposta ao

aumento da concentração sérica de cálcio. A hipercalcémia estimula a secreção da

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calcitonina, que por sua vez causa a diminuição sérica de cálcio, através da inibição da

síntese da PTH e da vitamina D, ocorrendo aumento da excreção renal e deposição óssea

de cálcio. A hipercalcemia resulta sobretudo da existência de hiperparatiroidismo

primário (excesso de secreção de PTH), enquanto hipocalcémia resulta, por exemplo, do

hipoparatiroidismo primário (não há produção de PTH), da diminuição ou resistência à

vitamina D, da hipoalbuminemia (afeta apenas o cálcio total) e do pseudo-

hipoparatiroidismo (resposta à PTH reduzida ou resistência do órgão). A sua

determinação é útil no diagnóstico e tratamento de doenças da tiroide e paratiroide,

incluindo carcinomas (exemplo: carcinoma medular da tiroide e tumor das células

secretoras de calcitonina da tiroide). A calcitonina é quantificada (Immulite® 2000) por

imunoensaio quimioluminescente (Bishop M. et al., 2010; Bula Calcitonin, 2013).

5.2.9. Eletrólitos

A determinação quantitativa de eletrólitos, efetuada pelo sistema Advia® 2400 por

potenciometria indireta, é útil na avaliação e monitorização da terapêutica de

patologias/situações que conduzem a alterações do equilíbrio eletrolítico, por exemplo,

aldosteronismo primário, alcalose metabólica, cetoacidose diabética, diarreia, ocorrência

de vómito grave e administração de diuréticos.

O sódio (Na+) é o catião mais abundante a nível extracelular, constituindo cerca

de 90% do total de catiões extracelulares. A sua concentração é dependente do aporte e

excreção de água e da sua regulação a nível renal. É responsável pela osmolaridade do

plasma, pela regulação do volume extracelular e manutenção da pressão sanguínea. A

retenção de água e sódio, bem como a excreção renal de potássio, é controlada pela

aldosterona (regula o equilíbrio eletrolítico), possuindo um efeito semelhante à hormona

antidiurética - ADH (estimula a absorção renal de água e sódio e induz a vasoconstrição

(regula a pressão sanguínea), em resposta a alterações da volémia ou osmolaridade

plasmática). A depleção de água (exemplo: diabetes), a perda de água e sódio (exemplo:

diarreia, vómito, queimaduras e sudorese excessiva) e a ingestão ou retenção de sódio

(exemplo: hiperaldosteronismo e insuficiência renal) são as principais causas de

hipernatremia, enquanto a hiponatremia resulta da perda de água e sódio (perdas

gastrointestinais), retenção de água não edematoso (aumento da ADH) e retenção de sódio

e água edematoso, devido, por exemplo, ao aumento da ingestão (Bishop M. et al., 2010).

O potássio (K+) é o catião em maior concentração a nível intracelular. Atua em

conjunto com o sódio na manutenção do equilíbrio da água. Participa na contração

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cardíaca, na excitação neuromuscular e em diversos processos metabólicos celulares. A

sua regulação é feita sobretudo a nível renal, onde a sua excreção varia com a ingestão.

A hipercaliémia surge devido a situações de insuficiência renal, acidose metabólica, lesão

celular (hemorragias) e diabetes Mellitus. Enquanto a hipocaliémia é causada sobretudo

por perdas gastrointestinais, diuréticos e desordens renais (Bishop M. et al., 2010).

O cloreto (Cl-) é o anião presente a nível extracelular em maiores concentrações.

É importante na manutenção da osmolaridade, volémia e eletroneutralidade. O excesso

de cloretos é eliminado via renal e pelo suor. Nos túbulos proximais renais, o cloreto é

reabsorvido, passivamente, em conjunto com o sódio. Nos casos de sudorese excessiva,

o aumento da aldosterona, leva à retenção de sódio e cloreto. As desordens na

concentração plasmática de cloreto, devem-se às mesmas causas responsáveis por

alterações da concentração dos distúrbios de sódio. A concentração de bicarbonato,

também, influência os níveis de cloreto, onde perdas de bicarbonato (devido a perdas

gastrointestinais) podem levar à hiperclorémia. Já o aumento de bicarbonato, como

compensação em acidose respiratória ou alcalose metabólica, pode conduzir à

hipoclorémia (Bishop M. et al., 2010).

5.2.10. Marcadores Cardíacos

Uma das manifestações mais graves da doença isquémica cardíaca é o enfarte

agudo do miocárdio (EAM), que surge como uma das consequências da aterosclerose. O

EAM ocorre devido ao desequilíbrio no abastecimento de oxigénio ao miocárdio,

causando lesão celular e eventual morte dos miócitos. Se o fluxo sanguíneo coronário for

bloqueado por mais de alguns minutos, a região é seriamente afetada, ocorrendo necrose

no miocárdio. Eventos menos graves variam entre episódios de angina estável a instável.

As síndromes coronárias agudas variam entre angina (sem necrose) e EAM (há necrose).

Os biomarcadores cardíacos são úteis na monitorização e avaliação da lesão celular do

miocárdio. Alguns dos marcadores são a creatina quinase fração MB (CK-MB),

mioglobina, troponina I (cTnI) e T (cTnT) (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015;

Gaw A. et al., 2013).

O CK-MB é uma das isoenzimas da creatina quinase com origem primária no

miocárdio. A elevação de CK-MB está associada à necrose celular e ocorre após EAM.

Os pacientes com angina instável com elevação de CK-MB, apresentam maior risco de

EAM. Após a lesão do miocárdio, entre 4 a 6 horas os níveis de CK-MB aumentam,

atingindo o pico de concentração após 12-24 horas e regressam à normalidade após 2-3

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dias. Em pacientes com EAM, após terapêutica trombolítica, a elevação do CK-MB

dentro de 2 horas indica reperfusão com sucesso (Bishop M. et al., 2010). A quantificação

de CK-MB (Advia Centaur®) efetua-se por imunoensaio “sanduíche”

quimioluminescente direto (Bula CK-MB, 2015).

A mioglobina é uma proteína de transporte molecular de oxigénio. Está presente

no músculo cardíaco e esquelético, logo não é específica do músculo cardíaco. É o melhor

biomarcador precoce de necrose, sendo libertada num período 1-4 horas após os sintomas,

atingindo o pico 6-9 horas, e retoma à normalidade entre 18-24 horas. A elevação nas

primeiras horas não determina a ocorrência de EAM e se os seus valores permanecerem

dentro do intervalo de referência 8 horas após os sintomas, o EAM pode ser excluído,

pois indica sucesso da reperfusão do miocárdio (Bishop M. et al., 2010). O ensaio de

quantificação (Advia Centaur®) realiza-se por imunoensaio “sanduíche”

quimioluminescente direto (Bula Mioglobina, 2014).

As troponinas T e I são proteínas consideradas marcadores de primeira linha com

especificidade cardíaca absoluta e elevado índice de exatidão na deteção de lesões

mínimas de necrose (focais ou microscópicas), independentemente, da sua etiologia. São

úteis na estratificação do risco de morbilidade e mortalidade, relacionado com a

probabilidade de ocorrência de episódios cardíacos adversos. Para além do seu valor

diagnóstico e prognóstico, permitem identificar os doentes com doença instável das

artérias coronárias, que podem beneficiar de uma terapêutica médica ou cirúrgica precoce

agressiva. Após um episódio de angina de peito, em poucas horas, os níveis da cTnT

aumentam, atingindo o pico às 24 horas. Os níveis de TnTc mantêm-se elevados durante

7-10 dias, tendo uma janela de 2-3 dias em relação ao CK-MB. A cTnI, após enfarte, é

libertada na corrente sanguínea num intervalo 4-6 horas, atingindo o pico de concentração

após 12-18 horas, mantendo-se durante 6 dias. A cTnI e cTnT são determinadas (Advia

Centaur®) por imunoensaio em “sanduíche”, utilizando a quimioluminescência direta

(Bula TnI-Ultra, 2014; Bula TnT-Ultra, 2014).

5.2.11. Marcadores Tumorais

Os marcadores tumorais são substâncias produzidas pelo tumor ou pelo

organismo. São determinados como complemento no diagnóstico e prognóstico, na

deteção de recidivas, na monitorização da eficácia da terapêutica e na determinação de

alvos terapêuticos de doença oncológica (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015).

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O PSA (Antígeno Prostático Específico) é utilizado no rastreio e monitorização

terapêutica do cancro da próstata. É produzido pela próstata, sendo específico para o

respetivo tecido, mas não para o cancro prostático. Possui um tempo médio de vida de

22-33 horas. Após procedimentos, como biópsia transrectal, ressecção transuretral da

próstata e prostatectomia radical, os níveis séricos de PSA total demoram 2-3 semanas a

normalizar. Uma vez que o PSA só é produzido na existência de próstata, em casos de

prostatectomia radical, os níveis de PSA diminuem para níveis indetetáveis. A sua

elevação ocorre no cancro prostático e em situações benignas, como a hiperplasia

prostática benigna e prostatite. A sua determinação, em conjunto com exame retal digital,

é mais específica e sensível na deteção inicial de cancro, comparativamente só com

realização do exame digital. Como medida preventiva, homens a partir dos 50 anos devem

realizar a determinação do PSA, como auxiliar na deteção do cancro prostático (Burtis C.

et al., 2015). A quantificação do PSA (Advia Centaur®) efetua-se por imunoensaio em

“sanduíche” quimioluminescente (Bula PSA, 2015).

O CEA (antígeno carcinoembriônico) é uma glicoproteína pertencente à família

das imunoglobulinas, que participa nos processos de adesão, apoptose e imunidade

celular. É útil no diagnóstico, prognóstico e monitorização da terapêutica no cancro colo-

rectal. Está, igualmente, aumentado em tumores pulmonares, mamários e

gastrointestinais. O CEA não é específico para cancro colo-rectal, não sendo utilizado

para o seu rastreio. Devido ao facto de participar na adesão celular, normalmente, está

associado com o aparecimento de metástases (Bishop M. et al., 2010). A determinação

quantitativa de CEA (Advia Centaur®) efetua-se por imunoensaio em “sanduíche”

quimioluminescente (Bula CEA, 2015).

O CA 125 (cancer antigen) é uma glicoproteína reconhecida pelo anticorpo

monoclonal OC125. Os tumores epiteliais ováricos podem expressar o CA 125, logo está

associado ao cancro epitelial não mucinoso dos ovários, bem como a outros tipos de

cancro dos ovários. É utilizado na monitorização da terapêutica e, também, na deteção

precoce de recidivas de cancro nos ovários em conjunto com outras metodologias de

diagnóstico. O marcador está associado com o tamanho e grau do cancro, estando presente

em 50% dos pacientes com cancro ovárico de estadio I, em 90% dos casos de estadio II e

superior 90% nos estadios III e IV. Numa situação pós-operatória os níveis de CA 125

são um indicador de prognóstico, pois estão relacionados com a massa tumoral. Também

pode estar aumentado em outros carcinomas, como tumores gastrointestinais,

pulmonares, pancreáticos e colo-rectais (Bishop M. et al., 2010; Burtis C. et al., 2015). É

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determinado quantitativamente (Advia Centaur®) por imunoensaio tipo “sanduíche”

quimioluminescente (Bula CA 125II, 2014).

O CA 15-3 é uma glicoproteína polimórfica expressa pelo epitélio mamário. É

dos marcadores mais utilizados na monitorização de cancro mamário. O CA 15-3 é

utilizado para avaliar o sucesso da terapêutica no cancro da mama metastático.

Igualmente, pode ser aplicado na deteção de recidivas de cancro em pacientes

anteriormente tratados. As suas concentrações séricas podem estar elevadas em outras

doenças malignas, como cancros pancreáticos, pulmonares, ovarianos, colo-rectais e

hepáticos (Burtis C. et al., 2015). O CA 15-3 é quantificado (Advia Centaur®) por

imunoensaio em “sanduíche” quimioluminescente (Bula CA 15-3, 2015).

O CA 19-9 é um antigénio do tipo carbohidrato produzido pelas células dos ductos

pancreáticos e biliares e nos epitélios salivares, gástrico, cólon e endométrio. É utilizado

na monitorização do cancro pancreático e, também, no gastrointestinal e colo-rectal. É

útil na deteção precoce de recidivas de cancro. A sua concentração sérica está associada

ao grau do cancro pancreático. É, igualmente, utilizado na diferenciação entre doenças

pancreáticas benignas e malignas (Burtis C. et al., 2015). A quantificação (Advia

Centaur®) efetua-se por imunoensaio em “sanduíche” quimioluminescente (Bula CA 19-

9, 2016).

6. Química Analítica

Na área da Química Analítica são aplicadas diferentes tipos de metodologias, uma

delas é a espectrofotometria IV (infravermelho), realizada pelo equipamento IRAffinity-

1S. É um equipamento de espectrofotometria do tipo FTIR (Fourier Transform Infrared

Spectroscopy), possuindo uma gama de comprimento de onda entre 7800 e 350 cm-1. A

transformação de Fourier é um tratamento matemático que converte o interferograma

(domínio em tempo), obtido pelo equipamento, em espectro de IV (domínio das

frequências). O espetro IV representa a transmitância (eixo y) em relação ao comprimento

de onda (eixo x), onde é possível identificar o tipo de compostos presentes numa amostra,

através da interpretação das bandas obtidas. Na interpretação do espetro, deve-se ter em

conta o número de bandas fundamentais, as suas intensidades e posições (Mentz K. et al.,

2012).

Neste caso, a espectrofotometria IV é aplicada à análise de cálculos renais. Após

a realização da análise macroscópica dos cálculos (peso e coloração), procede-se à

realização de uma pastilha homogénea a partir da mistura de 300 mg de brometo de

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potássio com 1 mg cálculo, onde esta é prensada e colocada no suporte para leitura do

equipamento. Os compostos constituintes dos cálculos absorvem luz IV, a diferentes

frequências, e a amplitude dessa absorção é diretamente proporcional à concentração do

composto. Os cálculos renais podem-se formar na pelve renal, ureter ou bexiga, são

depósitos de minerais e sais ácidos, possuindo uma constituição de, aproximadamente,

95% cristalina e 5% orgânica. A maior parte dos cálculos renais são constituídos por

oxalato de cálcio com ou sem fosfato (67%), fosfato amónio de magnésio (12%), fosfato

de cálcio (8%), urato (8%), cistina (1% a 2%) ou misturas complexas (2% a 3%). A

análise dos cálculos, em conjunto com análises de sangue e urina, é útil na identificação

da causa da sua formação, assim como na sua prevenção (Mentz K. et al., 2012).

7. Imunologia

As análises de imunologia são realizadas em três diferentes áreas laboratoriais,

nomeadamente no Core Laboratorial, RIA (área de Radioimunoensaio) e na área de

imunologia (IMN). No core efetuam-se, automaticamente, grande parte dos testes de

screening de infecções virais. A área de imunologia (IMN) inclui os ensaios relacionados

com a serologia infeciosa e autoimunidade, nomeadamente técnicas de aglutinação,

ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) e imunofluorescência.

7.1. Técnicas de Diagnóstico

7.1.1. ELISA

A técnica ELISA é das mais utilizadas na rotina laboratorial. Neste tipo de ensaio,

um dos componentes da reação está ligado à superfície da fase sólida. A ligação à fase

sólida, pode ser por absorção não específica ou ligação química/imunoquímica, a qual

facilita a posterior separação dos reagentes ligados dos livres durante as sucessivas

lavagens. O princípio básico da técnica consiste na ligação de um antigénio ou anticorpo

à fase sólida. O analito está, normalmente, ligado a um anticorpo acoplado a uma enzima,

onde a adição do substrato enzimático provoca a alteração de cor no meio. A alteração de

cor pode ser detetada e medida por espetrofotometria. A cor produzida no meio é

proporcional ao analito na amostra. Este tipo de teste é rápido, de fácil execução e pode

ser automatizado, permitindo a análise quantitativa e em simultâneo de um grande volume

de amostras (Burtis C. et al., 2015; Gillespie S. et al., 2006).

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7.1.2. Imunofluorescência

A imunofluorescência (IF) possui um princípio semelhante ao da técnica ELISA.

Os testes de IF podem ser utilizados na deteção de anticorpos ou antigénios presentes na

amostra. O método utiliza uma molécula florescente como marcador a fim de detetar as

reações imunológicas. Neste caso, o fluoróforo usado é a fluoresceína absorve a 490-495

nm, que ao regressar ao estado fundamental emite uma cor esverdeada a 517-520 nm,

sendo esta observável ao microscópio de florescência. Este tipo de microscópio é capaz

de excitar o fluorómetro presente na amostra e captar a energia emitida, permitindo a

observação do antigénio/anticorpo (analito) em fundo escuro. Na leitura de uma reação

de IF é necessário distinguir a florescência específica (resulta da formação do

imunocomplexo) da florescência não específica (advém da coloração do tecido na lâmina)

e da autofluorescência (naturalmente presente nos tecidos) (Aoki V. et al., 2010; Stevens

C., 2010).

Os ensaios de IF podem ser categorizados como indiretos e diretos, dependo se o

primeiro anticorpo tem, ou não, o marcador ligado. Na IF direta é utilizado apenas um

anticorpo marcado com o fluoróforo. Esta técnica utiliza-se na deteção de antigénios

presentes em fluídos corporais ou tecidos, como biopsias dérmicas (Aoki V. et al., 2010).

A técnica mais utilizada na deteção de anticorpos é a IF indireta, a qual utiliza um

segundo anticorpo marcado. Na IF indireta utiliza-se uma lâmina que contém o substrato

(o tipo de substrato é variável), onde se encontram os antigénios. No final do processo há

a formação de imunocomplexos marcados (antigénio - anticorpo (amostra) - anticorpo

marcado com fluoresceína), onde a florescência emitida é proporcional à quantidade dos

anticorpos presentes na amostra. O método indireto é mais sensível do que o direto, uma

vez que múltiplos anticorpos podem ligar-se ao anticorpo primário. É uma técnica

relativamente rápida, sendo a interpretação subjetiva (dependente da experiência do

operador) (Aoki V. et al., 2010; Gillespie S. et al., 2006; Stevens C., 2010).

7.1.3. Imunoblot

É utilizado como ensaio complementar e/ou confirmatório. O método consiste na

incorporação de proteínas derivadas do agente infecioso em fitas de papel absorvente ou

num gel (western blot ou imunoblot). As fitas são incubadas com a amostra soro/plasma

e os respetivos controlos. Se a amostra tiver anticorpos específicos, estes fixam-se às

proteínas na fita. Os anticorpos ligados são visualizados através de um ensaio

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imunoenzimático, semelhante ao ELISA. O anticorpo marcado com uma enzima liga-se

ao anticorpo humano, que por sua vez está ligado ao antigénio. A adição do substrato

forma linhas visíveis, que correspondem aos locais onde ocorreu a formação de

imunocomplexos. É um teste sensível e específico, detetando quantidades mínimas de

anticorpo presente na amostra (Gillespie S. et al., 2006).

7.1.4. Imunodifusão

A Imunodifusão Radial utiliza placas contendo um gel de agarose, onde se

encontra os anticorpos específicos, uniformemente distribuídos no suporte em gel. O

antigénio (amostra) é aplicado no poço junto ao gel. Após a aplicação, o antigénio

difunde-se radialmente para fora do poço, combinando-se com o anticorpo, formando

imunocomplexos. A formação dos complexos origina um halo de precipitação. O

diâmetro do halo formado é medido, podendo ser comparado com uma curva de

calibração, obtendo-se, assim, o valor da concentração do analito (Stevens C., 2010).

Na Imunodifusão Dupla o antigénio e o seu anticorpo homologo solúvel são

colocados em diferentes poços, ondes estes se difundem independentemente no meio em

duas dimensões, horizontal e vertical. Entre os dois poços estabelece-se um gradiente de

concentração, variando entre excesso de antigénio (perto do poço do anticorpo), a excesso

de anticorpo (perto do poço do antigénio). O precipitado forma uma linha visível, que

corresponde ao ponto de equivalência, onde a densidade da linha reflete a quantidade de

complexos formados. Normalmente, a placa contém um poço central, onde é colocado

um anticorpo multiespecífico, e diferentes poços circundantes, nos quais é aplicado

diferentes antigénios (incluindo as amostras e os controlos), a fim de determinar se os

antigénios partilham epítopos idênticos. No final, a posição das bandas permite a

comparação entre os antigénios (Stevens C., 2010).

7.1.5. Imunocromatografia

Tipo de ensaio utilizado em testes rápidos qualitativos. Estes tipos de testes são

de uso único (descartáveis) e possuem uma elevada sensibilidade e reprodutibilidade. São

constituídos por um cartucho de plástico e uma membrana de nitrocelulose, onde é

acoplado o antigénio ou anticorpo. À extremidade da tira do dispositivo são adicionados

a amostra e o reagente (com o anticorpo ou antigénio marcado), os quais migram em

direção à extremidade oposta, onde existe uma almofada absorvente que permite manter

um fluxo capilar constante ao longo da membrana. No dispositivo, as zonas de marcação

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e de deteção são definidas entre as duas extremidades. Na zona de deteção, antigénio ou

anticorpo, imobilizado na membrana, capta o imunocomplexo formado, originando uma

linha corada na zona. Este tipo de dispositivos contém o seu próprio controlo interno, que

permite a validação do teste (Stevens C., 2010).

7.1.6. Aglutinação

Esta técnica consiste na agregação visível (macro ou microscopicamente) de

partículas, resultantes da reação de precipitação, que ocorre entre antigénios e os seus

respetivos anticorpos específicos (aglutininas). Utiliza-se para a deteção de anticorpos ou

antigénios presentes na amostra. O processo de aglutinação ocorre em duas etapas: a

sensibilização e formação de agregados. A primeira etapa, consiste na ligação estável e

reversível entre os antigénios à superfície da partícula e os anticorpos específicos. A

sensibilização é um processo rápido, onde a ligação do anticorpo é determinada pela sua

avidez e afinidade e pela natureza das partículas (número de epítopos e disponibilidade).

A segunda etapa, consiste na soma das interações que ocorrem entre os anticorpos e os

seus respetivos epítopos. A ligação dos antigénios às outras partículas, através da criação

de pontes entre os anticorpos, forma ligações cruzadas (semelhantes a uma rede),

conduzindo à formação de agregados visíveis. É dependente das condições ambientais

(pH e temperatura) e das concentrações relativas de antígeno e anticorpo no meio. Os

anticorpos IgM são aglutininas mais fortes do que as da classe IgG (são mais pequenas e

com uma flexibilidade restrita, condicionando a fase de agregação). As partículas

envolvidas na reação, incluem eritrócitos (hemaglutinação), células bacterianas e

partículas de látex (Stevens C., 2010).

7.2. Serologia Infeciosa

7.2.1. Hepatite A

O vírus da hepatite A (VHA), pertence ao género Hepatovirus (família

Picornaviridae), possui um genoma de ARN (ácido ribonucleico) em cadeia simples. A

via de transmissão de infeção mais comum é oral-fecal (água e alimentos contaminados),

associada a más condições sanitárias, e, raramente, por via sanguínea e sexual. Cerca de

90% dos casos de infeção, ocorrem em crianças. Na Europa a prevalência da infeção nos

adultos é entre 10-50%, sendo a infeção normalmente assintomática. O vírus replica-se

no fígado e possui um período médio de incubação de 28 dias. Os sintomas, como

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náuseas, febre e icterícia, surgem após algumas semanas (duram 1-2 semanas), sendo

acompanhados com alterações das provas da função hepática, sobretudo da ALT.

Raramente ocorrem infeções hepáticas crónicas e fulminantes (Kudesia G. et al., 2009).

O diagnóstico inclui a deteção dos anticorpos anti-VHA IgM e totais. Os

anticorpos anti-VHA IgM são detetáveis, durante 3 a 6 meses após o aparecimento da

doença, sendo a sua determinação importante no diagnóstico de infeções agudas pelo

VHA. A determinação qualitativa de anti-VHA IgM (Advia Centaur®) efetua-se por

imunoensaio de captura de IgM (Bula HAV IgM, 2016). A determinação de anti-VHA

Total deteta todas as classes de anticorpos (incluindo IgG), sendo utilizado para

identificar indivíduos suscetíveis à infeção e para determinar a aquisição de imunidade

após vacinação. A determinação quantitativa de anti-VHA Total (Advia Centaur®) efetua-

se por imunoensaio competitivo quimioluminescente (Bula HAV Total, 2015).

7.2.2. Hepatite B

O vírus da Hepatite B (VHB) é hepatotrópico, possui cadeia dupla de ADN

circular e uma enzima ADN polimerase e pertence à família Hepadnaviridae. A

transmissão da infeção ocorre por via sanguínea, sexual e vertical. A infeção manifesta-

se entre 6 semanas a 6 meses após da exposição ao vírus. Os sintomas associados à infeção

por VHB são icterícia, vómitos, náuseas e dor abdominal, normalmente, acompanhados

do aumento das transaminases e da bilirrubina, devido à destruição dos hepatócitos

(mediada pela resposta imunológica). Clinicamente, a infeção pode ser aguda (com ou

sem sintomatologia) ou crónica (assintomática ou sintomática). A infeção aguda,

dependendo do tipo de vírus e da resposta imunológica do hospedeiro, pode evoluir para

infeção crónica ou fulminante (situação rara). A resposta imunológica na maioria dos

casos é suficiente para a resolução da infeção com eliminação do vírus, convalescença e,

por fim, cura da infeção. Em algumas situações ocorre infeção crónica (infeção aguda não

resolvida). A hepatite crónica pode conduzir a cirrose hepática e a carcinoma

hepatocelular. O diagnóstico laboratorial consiste na deteção serológica dos antigénios

virais (AgHBe e AgHBs) e dos seus respetivos anticorpos (anti-HBs, anti-HBe, anti-HBc

(IgM e IgG)) e, também, na pesquisa do ADN genómico viral (Kudesia G. et al., 2009;

Zuckerman A. et al., 2009).

O primeiro marcador a surgir após a infeção em conjunto com o ADN viral, é o

AgHBs (antigénio de superfície do VHB), sendo detetável entre 2-8 semanas. O AgHBs

desaparece da circulação após 4 a 6 meses, mas se este permanecer por mais de 6 meses,

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indica infeção crónica. O AgHBs é útil no diagnóstico de infeções agudas e crónicas e,

também, na monitorização da resposta à terapêutica. É, igualmente, utilizado para rastreio

de infeção durante a gravidez, de forma a determinar o risco de transmissão durante o

período perinatal. É detetado qualitativamente (Advia Centaur®) por imunoensaio em

“sanduíche” quimioluminescente (Bula HBsAgII, 2014; Zuckerman A. et al., 2009).

O AgHBe (antigénio de replicação viral) surge após o AgHBs e antes dos

sintomas, sendo um marcador de replicação e, consequentemente, de infeção ativa. Na

infeção aguda resolvida o AgHBe desaparece antes do AgHBs, havendo seroconversão.

O antigénio pode não ser detetável em pacientes infetados com vírus, denominados

mutantes do pré-core (há mutação na região promotora do gene core e pré-core). A sua

determinação qualitativa (Advia Centaur®) por imunoensaio em “sanduíche”

quimioluminescente, é útil na monitorização da infeção e da terapêutica. (Bula Hepatite

B e Antigénio (HBeAg), 2014; Zuckerman A. et al., 2009).

O anti-HBs (anticorpo específico do AgHBs) indica recuperação e resolução da

infeção, embora não seja produzido em algumas infeções agudas (desenvolvimento de

infeção crónica). Pode, excecionalmente, coexistir com AgHBs em caso de sub-infeção

com subtipos virais diferentes. O anti-HBs pode permanecer por toda a vida, conferindo

proteção imunitária. É determinado quantitativativamente (Advia Centaur®) por

imunoensaio em “sanduíche” quimioluminescente, e permite avaliar imunidade após

vacinação ou a progressão da doença (Bula Anti-HBs2, 2016; Zuckerman A. et al., 2009).

O anti-HBc (anticorpo específico do AgHBc (antigénio do core - não detetável

serologicamente) do tipo IgM, é o primeiro anticorpo detetável, surgindo cerca de 1 mês

após o AgHBs, e, normalmente, desaparece após 6 meses. Encontra-se presente durante

a infeção aguda e pode existir em títulos baixos na infeção crónica. A sua determinação

qualitativa (Advia Centaur®), por imunoensaio de captura de IgM, é útil para diagnosticar

infeção hepática aguda, pois é dos marcadores mais específicos para esta fase da infeção

(Bula HBc IgM, 2016; Zuckerman A. et al., 2009). O anti-HBc IgG não é indicador de

imunidade (não surge após vacinação), podendo surgir durante ou após uma infeção

crónica ou durante o período “janela” (quando não é detetável AgHBs e ainda não existe

o anti-HBs). A determinação qualitativa de anti-HBc Total (Advia Centaur®) por

imunoensaio “sanduíche”, é utilizada como auxiliar do diagnóstico diferencial de utentes

com sintomatologia de hepatite com etologia desconhecida (Bula HBc Total, 2016;

Zuckerman A. et al., 2009).

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O anti-HBe (anticorpo específico do AgHBe) surge antes do anti-HBs, no final

da fase aguda da infeção, e está associado à resolução da infeção, na ausência do AgHBe.

O anticorpo é útil para monitorizar a eficácia da terapêutica. É determinado

qualitativamente (Advia Centaur®) por imunoensaio competitivo quimioluminescente

(Bula Anti-HBe, 2014; Zuckerman A. et al., 2009).

7.2.3. Hepatite C

O vírus da hepatite C (VHC) é hepatotrópico, pertente à família Flaviviridae,

possui 6 genótipos e é um vírus de cadeia simples de ARN. Na grande maioria dos casos

de infeção, a transmissão ocorre por via sanguínea (também pode ocorrer por transmissão

sexual e vertical). O período de incubação é variável, desde 2-3 semanas até 3 meses. O

VHC raramente provoca hepatite aguda, sendo mais comum (70% dos casos) a infeção

crónica, que pode evoluir para cirrose e carcinoma hepatocelular. A maior parte das

infeções na fase inicial são assintomáticas, sendo a infeção, normalmente, diagnosticada

na fase crónica. Para o rastreio da hepatite crónica são determinados os anticorpos anti-

VHC IgG. A determinação qualitativa (Advia Centaur®) ocorre por imunoensaio em

“sanduíche” quimioluminescente e um resultado positivo é sugestivo de infeção, sendo

necessários testes mais específicos e complementares para confirmar a infeção (exemplo:

imunoblot e/ou pesquisa de ácidos nucleicos do VHC). A determinação do genótipo é

fundamental para a prescrição de terapêutica adequada. Enquanto, a quantificação do

ARN viral é fundamental para avaliar estado da infeção (Bula HCV, 2016; Kudesia G. et

al., 2009).

7.2.4. VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana)

O VIH pertence ao género Lentivirus (família Retroviridae). O vírus possui

tropismo para as células que expressam a molécula CD4 (monócitos, macrófagos e

linfócitos T auxiliares). As vias de transmissão são a via sanguínea, sexual e vertical.

Existem dois tipos, VIH 1 e 2, sendo diferentes na estrutura genómica, mas com um modo

de propagação e de manifestação clínica indistinguíveis. O VIH-1 é o vírus mais

predominante. O VIH-2 possui uma taxa de replicação inferior, transmite-se com menor

facilidade e a progressão da infeção para doença é mais prolongada. O vírus está

relacionado com a SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), que surge quando

o seropositivo apresenta uma contagem de células CD4 inferior a 200 cel./mm3. Possui

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um período de incubação, entre 2-6 semanas, podendo estender-se até 3 meses (Kudesia

G. et al., 2009; Zuckerman A. et al., 2009).

No diagnóstico de infeção, a deteção de anticorpos anti-VIH constitui um método

indireto de rastreio e confirmação, enquanto a determinação do antigénio viral Ag p24 é

considerado um método direto. Um teste positivo para anti-VIH e/ou Ag p24, indica

presença de infeção. Uma vez que estes testes não são 100% específicos para resultados

positivos, estes devem, obrigatoriamente, ser confirmados por um teste confirmatório

(imunoblot), através da repetição do ensaio numa nova colheita de amostra do paciente.

O ensaio de screenning, utilizado na determinação dos anticorpos anti VIH-1 e VIH-2

(Advia Centaur®), deteta simultaneamente o Ag p24 por imunoensaio em “sanduíche”. A

determinação do ARN viral, utiliza-se no diagnóstico de infeções agudas, na

monitorização da terapêutica e progressão da doença (Bula Ensaio HIV Ag/Ab

Combinado, 2016; Kudesia G. et al., 2009).

Na tabela 25 apresentam-se as proteínas presentes nos testes de imunoblot para

VIH-1 e VIH-2 e na tabela 26 os critérios de classificação dos resultados.

Tabela 25: Constituição do imunoblot para o VIH 1 e 2 (Bula New Lav Blot I, 2009; Bula New Lav Blot II,

2009).

Nome Genoma Natureza

VIH-1

GP 160 ENV Glicoproteína precursora de GP 110/120 e GP 41

GP 110/120 ENV Glicoproteína do envelope

P 68/66 POL Transcriptase reversa

P 55 GAG Precursor de proteínas do core

P 52/51 POL Transcriptase reversa

GP 41 ENV Glicoproteína transmembranar

P 40 GAG Precursor de proteínas do core

P 34/31 POL Endonuclease

P 24/25 GAG Proteína do core

P 18/7 GAG Proteína do core

VIH-2

GP 140 ENV Glicoproteína precursora de GP 105e GP 36

GP 105/GP 125 ENV Glicoproteína do envelope

P 68 POL Transcriptase reversa

P 59 GAG Precursor de proteínas do core

GP 36 ENV Glicoproteína transmembranar

P 34 POL Endonuclease

P 26 GAG Proteína do core

P16 GAG Proteína do core

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Tabela 26: Critérios de classificação CRSS (Consortium for Retrovirus Serology Standardization) (Bula

New Lav Blot I, 2009; Bula New Lav Blot II, 2009).

Resultado VIH-1 VIH-2

Positivo 1ENV+(1GAG ou 1POL) ENV+GAG+POL

Indeterminado

GAG+POL

GAG

POL

ENV

ENV+GAG

ENV+POL

ENV

GAG

POL

Negativo No band

Non-classified bands

No band

Non-classified bands

Existem, para além dos testes referidos anteriormente, testes de rastreio rápidos

para a deteção de anticorpos VIH-1/VIH-2, executados a partir de amostras de soro,

plasma ou sangue total. São testes imunocromatográficos que permitem a deteção

qualitativa (simultânea) dos dois tipos de VIH, detetando anticorpos específicos das

classes IgA, IgM e IgG. Para a deteção do vírus a membrana está revestida numa

determinada região com os antigénios gp14 e p24 (VIH-1) e, noutra região, com

antigénios gp36 (VIH-2). Caso o anticorpo esteja presente da amostra, interage com o

antigénio, formando uma linha visível na zona correspondente ao VIH-1 ou VIH-2. O

resultado positivo implica a pesquisa de anticorpos por outro método (Bula Teste rápido

para a deteção de anticorpos para HIV1/HIV2, 2014).

7.3. Rastreio na Gravidez

7.3.1. CMV (Citomegalovírus)

O CMV é um vírus da família Herpesviridae (género Cytomegalovirus). A

transmissão pode ocorrer através da saliva e vias sexual, sanguínea e vertical (durante a

gravidez, parto ou aleitamento) e possui um período de incubação de 3-6 semanas.

Normalmente, a infeção por CMV está associada a situações benignas ou sem

sintomatologia, mas a infeção pode ter proporções mais sérias em grupos de risco,

nomeadamente imunocomprometidos e grávidas. Embora o seu rastreio na gravidez seja

útil, não pertence ao grupo de testes recomendados pela DGS (DGS 37/2011, Kudesia G.

et al., 2009).

O CMV pode provocar diversos tipos de infeções (cujo período de incubação varia

entre 3 a 12 semanas), nomeadamente as congénitas (adquiridas durante a gravidez),

podem causar embriopatias graves, sobretudo no primeiro trimestre, as perinatais,

geralmente assintomáticas, e as pós-natais. Estas últimas, para além de serem as mais

frequentes, são em mais de 90% dos casos assintomáticas, quando ocorrem em crianças

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e adultos imunocompetentes. Na grávida uma primoinfeção é a situação que apresenta

maior risco para o recém-nascido. Durante a gravidez uma primoinfeção apresenta um

risco de transmissão congénita de 40%, nos quais, aproximadamente, 1% dos bebés

apresentam uma infeção grave/fatal e 10% sintomatologia leve. É de salientar que recém-

nascidos assintomáticos, de mães que apresentaram infeção primária durante a gravidez,

podem vir a desenvolver surdez e atraso mental a médio prazo. Na grávida, uma

reativação viral possui um risco de transmissão quase nulo. Durante o parto e aleitamento,

a transmissão do vírus está associada a situações menos graves, para o recém-nascido

(Kudesia G. et al., 2009).

O diagnóstico de infeção pré-natal incluí a pesquisa de anticorpos IgG e IgM na

grávida, de forma a identificar uma possível infeção primária. Nas grávidas (também

aplicável a outros grupos) podem ocorrer as seguintes situações: IgM-/IgG+, indicando

possível infeção antiga (sem risco de primoinfeção); IgM-/IgG-, sem contacto com o vírus

(risco de primoinfeção); IgM+/IgG-, podendo ser um falso positivo para IgM. Os

anticorpos IgM anti-CMV podem permanecer em circulação durante vários meses, até

anos após a infeção, e podem estar presentes em alguns casos de reativação viral. O

resultado positivo para a IgM deve ser confirmado com uma nova colheita de amostra,

após 2 a 3 semanas. Relativamente à interpretação do resultado serológico, podemos

considerar: IgM+ e com seroconversão (IgG+), 2 a 3 semanas após a primeira

determinação, é indicativo de infeção primária/recente; IgM+/IgG+ pode ser

primoinfeção recente a antiga, reativação ou falso positivo de IgM. Deve-se determinar a

avidez dos anticorpos IgG para distinguir entre infeção antiga e recente. No laboratório,

a determinação qualitativa dos anticorpos IgM e IgG específicos para o CMV, efetua-se

por imunoensaio quimioluminescente (Immulite® 2000) (Bula CMV IgG, 2009; Bula

CMV IgM, 2014; Zuckerman A. et al., 2009).

Caso se suspeite de transmissão congénita, no período pré-natal, através de uma

amniocentese (PCR - Polymerase Chain Reaction, ou cultura viral) pode-se avaliar se há

ou não infeção fetal. No diagnóstico pós-natal (primeiras 3 semanas), através de uma

amostra (urina ou saliva) do recém-nascido, um resultado positivo (PCR ou cultura),

significa que houve infeção congénita. Se o diagnóstico pós-natal for tardio (depois de 3

semanas de vida), é possível recorrer ao cartão de Guthrie (resultado negativo significa

que a não houve infeção congénita) (Kudesia G. et al., 2009; Zuckerman A. et al., 2009).

A avidez das IgG é útil no diagnóstico de primoinfeções, uma vez que a deteção

de IgM nem sempre é fiável, devido a fatores interferentes (persistência de resposta,

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produção fraca/tardia ou produção inespecífica de IgM). O teste baseia-se no facto dos

anticorpos recentemente formados possuírem uma afinidade menor para os respetivos

antigénios do que os anticorpos formados em infeções mais antigas. Logo, anticorpos IgG

produzidos na fase inicial da doença estão menos adaptados, o que resulta numa avidez

mais fraca. Uma avidez fraca da IgG anti-CMV significa que a infeção ocorreu nos

últimos 3 meses, enquanto uma avidez forte indica que a infeção ocorreu há mais de 3

meses. A determinação da avidez efetua-se recorrendo à metodologia ELISA. No ensaio,

as diferenças de afinidade de ligação dos anticorpos são evidenciadas após incubação das

amostras com a ureia (agente desnaturante). A avidez é calculada através da razão dos

valores da reação na presença de ureia, sobre os valores obtidos na ausência da ureia. O

valor obtido é multiplicado por 100, obtendo-se o índice relativo de avidez (IRA). Neste

caso, IRA < 40% indica a presença de anticorpos de fraca avidez, IRA entre 40 a 60%

resultado indeterminado e IRA > 60% indica presença de anticorpos de forte avidez (Bula

Determinação da avidez de anticorpos IgG anti-CMV, 2016).

7.3.2. Rubéola

No que diz respeito a vírus, para além do VIH e da Hepatite B, é, igualmente,

recomendável o rastreio da Rubéola durante a gravidez (DGS 37/2011). É um vírus de

cadeia simples de ARN, do género Rubivirus (família Togaviridae). A transmissão ocorre

através de gotículas de saliva e secreções nasais. Detém um período de incubação de 14-

21 dias (na maioria entre 16-18 dias). A doença é benigna, normalmente, assintomática

ou com erupção máculo-papulosa (duração 3 dias). O grupo de risco integra

imunocomprometidos e mulheres grávidas, sobretudo durante o primeiro trimestre

(Kudesia G. et al., 2009).

A presença de anticorpos rubéola IgG indica imunidade, nomeadamente, após

vacinação (a imunidade adquirida dura cerca de 16 anos). Este teste deve ser realizado

numa consulta pré-concecional, de forma a avaliar a existência ou não de imunidade e o

nível de proteção. Um nível de 10 IU/ml considera-se como sendo protetor de infeção.

Durante uma gravidez uma primoinfeção materna durante o primeiro trimestre, constitui

um risco de anomalia fetal em 80-85% dos casos, havendo a possibilidade de aborto

espontâneo. Este risco é menor numa infeção, após 20 semanas de gravidez. Neste caso,

a probabilidade de malformação fetal é menor, mas há a possibilidade de o recém-nascido

vir a desenvolver alterações neuro-sensoriais e surdez, sendo aconselhável o

acompanhamento do bebé a longo prazo. Uma reinfeção sem sintomatologia, raramente,

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está associada à transmissão vertical. Caso a grávida não apresente imunidade

documentada, deve ser determinado o título de IgG e IgM no primeiro trimestre e se o

resultado não demonstrar existência de imunidade, o teste deve ser repetido no segundo

trimestre. O diagnóstico de infeção aguda efetua-se através da determinação de IgM e

IgG contra o vírus da rubéola, associando, ou não, à determinação da avidez da IgG. Na

suspeita de exposição viral durante a gravidez, deve ser determinado o título de IgG e,

após 4 semanas da suspeita de contacto com o vírus deve ser pedida uma segunda amostra

de soro da paciente, de modo a despistar a ocorrência de infeção (DGS 37/2011; Kudesia

G. et al., 2009; Zuckerman A. et al., 2009). Em caso de historial de suspeita ou com

confirmação de infeção congénita, o diagnóstico de infeção fetal pode ser efetuado por

deteção do genoma viral no líquido amniótico. O diagnóstico pós-natal (recém-nascido)

pode ser através da determinação de IgM específica (Kudesia G. et al., 2009; Zuckerman

A. et al., 2009). A determinação qualitativa dos anticorpos IgM e quantitativa dos

anticorpos IgG (deve-se ter em consideração, que os anticorpos IgG maternos

permanecem em circulação durante 6 meses no recém-nascido), Advia Centaur®, efetua-

se por imunoensaio em “sanduíche” quimioluminescente (Bula Rubéola M, 2014; Bula

Rubéola G, 2014).

7.3.3. Toxoplasma gondii

É um parasita (protozoário intracelular) transmissível através da ingestão de carne

crua/mal cozinhada e por contacto com fezes de gato. Possui um período de incubação 4-

10 dias. O rastreio de toxoplasmose é recomendável pela DGS (37/2011), visto que as

grávidas são suscetíveis a uma infeção severa. Pode haver transmissão materno-fetal em

qualquer altura da gravidez. Uma infeção no primeiro trimestre está associada à existência

de infeção congénita em cerca de 25% dos casos, dos quais 75% dos fetos infetados

desenvolvem lesões severas. No segundo trimestre (54% de probabilidade de infeção

congénita) e terceiro trimestre (60-70% de possibilidade de haver infeção congénita), a

ocorrência de uma infeção está associada a um menor risco de lesão fetal. A determinação

de IgG para toxoplasmose é útil para estabelecer o estado imunitário e para calcular a

suscetibilidade de infeção. À semelhança da rubéola, grávidas sem imunidade devem

efetuar a determinação IgM e IgG específicas no primeiro trimestre e repetir o teste no

segundo trimestre. A avidez forte de IgG indica que a infeção ocorreu há mais de 4 meses.

A presença de IgM específica aponta para a existência de uma infeção aguda/recente (a

IgM pode permanecer em circulação durante vários meses) (DGS 37/2011; Kudesia G.,

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2009). A determinação quantitativa de IgG e qualitativa de IgM anti-T. gondii (Advia

Centaur®) efetua-se por imunoensaio em “sanduíche” quimioluminescente (Bula

Toxoplasma M, 2014; Bula Toxoplasma G, 2014).

7.3.4. Sífilis

O Treponema pallidum (subespécie pallidum) é uma bactéria espiral, causadora

da sífilis. É transmissível por via sexual e vertical. A infeção numa grávida pode resultar

em infeção congênita, morte fetal ou morte do recém-nascido. A severidade é dependente

do estadio da gravidez, sendo mais grave no princípio da mesma, porque a bactéria afeta

o desenvolvimento do sistema nervoso central. Ao contrário da transmissão sexual, a

vertical pode ocorrer quando a infeção está latente. Segundo as recomendações da DGS,

o rastreio de sífilis deve ser efetuado no primeiro e terceiro trimestre de gravidez, através

do teste VDRL (Venereal Disease Research Laboratory). Caso o VDRL seja positivo, o

diagnóstico deve ser confirmado por um teste treponémico TPHA (T. pallidum

haemaglutination assay) ou FTA-abs (fluorescent treponemal antibody absorption)

(DGS 37/2011; Gillespie S., 2006).

O diagnóstico da infeção treponémica consiste na combinação da avaliação clínica

com a deteção direta da bactéria e testes serológicos. Na infeção primária precoce, antes

dos anticorpos serem detetáveis, a deteção direta da bactéria por microscopia e/ou PCR

é, especialmente, útil. Contudo, nos restantes estadios da infeção, o diagnóstico

laboratorial baseia-se na serologia. Os testes serológicos são classificados em testes

treponémicos (detetam anticorpos treponémicos específicos) e não treponémicos

(detetam anticorpos não específicos). Numa infeção, o anticorpo IgM treponémico surge

após a segunda semana e o anticorpo IgG é detetável, aproximadamente, após 4 semanas.

A serologia é aplicável não só no rastreio durante a gravidez, como também na triagem

de doadores de sangue e órgãos, no auxílio do diagnóstico de pacientes com suspeita de

sífilis, na avaliação do estadio da infeção e na monitorização da terapêutica (Gillespie S.,

2006).

O VDRL é um teste serológico não treponémico de aglutinação em lâmina para a

determinação qualitativa de reaginas plasmáticas. O teste não deteta anticorpos

treponémicos, mas sim anticorpos direcionados contra o próprio organismo (reaginas). O

agente infecioso provoca lesões no fígado e coração, havendo libertação de pequenos

fragmentos destes órgãos para a corrente sanguínea, os quais não são reconhecidos pelo

sistema imunológico, levando à formação de anticorpos contra estes fragmentos

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(reaginas). Um teste positivo corresponde à observação microscópica de aglutinação

(Bula VDRL estabilizado, 2015).

Testes confirmatórios são testes serológicos treponémicos, como o FTA-abs e TP-

PA (T. pallidum particle agglutination). O TP-PA (variação do teste TPHA) utiliza

partículas de gelatina revestidas com antigénios treponémicos, em vez de glóbulos

vermelhos, sendo mais específico e sensível do que o TPHA. As partículas sensibilizadas

aglutinam na presença de anticorpos T. Pallidum, na amostra de soro/plasma,

determinando a presença de anticorpos de forma qualitativa ou semiquantitativa

(comparação do resultado com uma diluição em série) (Bula TPPA, 2016; Gillespie S.,

2009). O FTA-abs determina qualitativamente, ou semiquantitativamente, os anticorpos

IgM ou IgG específicos presentes na amostra. O teste efetua-se utilizando esfregaços de

T. Pallidum, incubados com a amostra. Numa reação positiva ocorre a ligação dos

anticorpos específicos com os antigénios bacterianos. A fluorescência emitida é

proporcional à formação dos imunocomplexos antigénio - anticorpo (analito) - anticorpo

marcado com fluoresceína (Bula Anti-Treponema pallidum IFI (IgG ou IgM), 2016;

Gillespie S., 2006).

7.4. Autoimunidade

As doenças autoimunes surgem devido à produção, pelo próprio organismo, de

autoanticorpos ou células autoreativas, contra componentes do mesmo, como órgãos ou

tecidos. Podem ser classificadas, como doenças sistémicas ou específicas de órgão,

embora possa ocorrer uma sobreposição das duas situações (Stevens C., 2010). O

laboratório tem um papel fundamental, desde o rastreio/despiste de uma suspeita, ao

auxílio no diagnóstico deste tipo de doenças. As técnicas implementas englobam a

imunofluorescência direta, ELISA e imunoblot.

A pesquisa de anticorpos anti-nucleares (ANA), um exemplo do tipo de testes

efetuados nesta área, cuja finalidade é a pesquisa de doenças autoimunes. É um teste de

imunofluorescência direta, onde é possível fazer uma determinação qualitativa ou

quantitativa, quanto à presença dos autoanticorpos. O teste utiliza células HEp-2, que

permitem a deteção de autoanticorpos (das classes IgA, IgG e IgM) dirigidos contra os

vários componentes nucleares. Existem vários subtipos de ANAs e a obtenção de um

resultado positivo, implica a interpretação do padrão fluorescente. Neste caso, os padrões

mais importantes são os nucleares homogéneos (existência de anticorpos dirigidos ao

ácido nucleico e histonas) e pontilhados (presença de anticorpos direcionados a proteínas

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nucleares, ribonucleoproteínas e centrómeros). Em células mitóticas é possível distinguir,

com maior facilidade, autoanticorpos dirigidos a nucléolos e centrómeros. Um teste de

screening positivo, implica a realização de testes complementares, a fim de confirmar a

suspeita. Consoante o padrão de florescência obtido, pode-se proceder para os testes mais

específicos, como os ENAs (Extractable Nuclear Antigens) e anti-dsDNA (ADN de

hélice dupla) (Bula HEp-2 EUROPattern, 2014).

Estes autoanticorpos estão presentes em inúmeras doenças autoimunes, por

exemplo, nas doenças reumáticas. Logo, são úteis no diagnóstico de doenças reumáticas

inflamatórias (frequência dos ANAs entre 20-100%), como a artrite reumatóide (20-

40%), assim como no diagnóstico de lúpus eritematoso sistémico e induzido (80-100%),

síndrome de Sharp (100%), esclerose sistémica progressiva (85-95%),

polimiosites/dermatomiosites (30-50%) e síndrome de Sjögren (70-80%) (Bula HEp-2

EUROPattern, 2014).

8. Radioimunoensaio

A área de RIA está confinada a um espaço laboratorial restrito, devido aos perigos

radiológicos existes durante a execução dos testes. É um método altamente específico,

utilizado na quantificação de analitos de diversas naturezas. Mas, devido às suas inúmeras

desvantagens, como necessidade de licença da DGS, monitorização da radiação e trabalho

manual, só é utilizada em parâmetros analíticos específicos em que não existam métodos

alternativos para a sua determinação.

Este tipo de ensaio utiliza substâncias radioativas, como marcadores. Os

elementos radioativos apresentam uma deterioração espontânea do núcleo, emitindo

matéria e energia. Existem vários marcadores radioativos, sendo o I125 (possui uma

semivida de cerca 60 dias e uma emissão de fotões de baixa energia) o mais frequente. A

radiação gama, emitida pelo I125 é detetada por um detetor de cristal de um gama-

contador, que permite a medição de quantidades muito baixas de radioatividade. O analito

a ser detetado (amostra) compete com o analito radiomarcado para um número limitado

de ligações ao anticorpo. O analito radiomarcado está em excesso, ocupando todos os

locais de ligação. A quantidade de radiação emitida é inversamente proporcional à

concentração do analito (Stevens C., 2010).

A determinação da renina é um exemplo da aplicação deste método. A renina é

uma protease, secretada pelas células circundantes justaglomerulares renais. É produzida

em resposta aos baixos níveis séricos de cloreto de sódio ou à diminuição do volume de

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sangue. A renina participa no sistema renina-angiotensina-aldosterona, sendo importante

na regulação da pressão sanguínea e no controlo da filtração renal. A enzima realiza a

clivagem do angiotensinogémio (produzido no fígado) em angiotensina I (inativo), que

posteriormente é convertida, no epitélio vascular pulmonar, em angiotensina II, que por

sua vez estimula a síntese de aldosterona e de ADH. Os níveis plasmáticos de

angiotensina II induzem um mecanismo de controlo de feedback negativo na secreção de

renina. A sua determinação é útil no diagnóstico de doentes hipertensos, onde os níveis

plasmáticos de renina diminuem com a hipertensão, devido ao hiperaldosteronismo

primário e elevam-se em conjunto com a aldosterona na hipertensão renovascular. A sua

determinação é, igualmente, útil no acompanhamento de doentes hipertensos. O ensaio

baseia-se na separação do analito num tubo revestido por anticorpos monoclonais anti-

renina. À amostra adiciona-se um anticorpo monoclonal anti-renina marcado com I125,

que vai competir com o analito. Depois da lavagem, a atividade radioativa remanescente

corresponde à concentração do analito. A concentração do analito é calculada por

interpolação da curva de calibração (Burtis C. et al., 2015; Bula RENIN-IRMA, 2013).

9. Controlo da Qualidade

9.1. Controlo de Qualidade Interno (CQI)

O CQI visa controlar a precisão dos sistemas analíticos e corresponde ao conjunto

de procedimentos implementados e praticados pelo laboratório, com a finalidade de

controlar, monitorizar e garantir a qualidade dos resultados das análises laboratoriais.

Neste caso, cada área do laboratório possui o seu próprio plano de CQI.

O controlo interno é executado no arranque dos equipamentos, assim como antes

e durante do processamento das amostras dos doentes. O controlo interno é utilizado com

o propósito de avaliar a performance do sistema analítico e de detetar eventuais erros

associados ao sistema analítico, que podem condicionar a obtenção de resultados

analíticos fidedignos. Os controlos com valores conhecidos, possuem diversas naturezas,

estabilidades e características. Podem ser de origem comercial (com as respetivas

referências), fornecidos conjuntamente com os reagentes/kits comerciais ou por uma

entidade especializada na produção dos mesmos ou de origem interna do laboratório.

Neste caso é preferível a utilização de controlos comerciais. Cada parâmetro possui os

seus respetivos controlos, que apresentam limites estabelecidos de especificação

analítica, representados pelo erro máximo admissível. O erro máximo admissível é

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definido tendo em consideração aspetos, como a relação custo/benefício, desempenho do

sistema analítico e utilidade clínica. A especificação da qualidade analítica corresponde

aos requisitos do processo analítico, que garantem a produção de resultados com um nível

de qualidade pretendido. Os principais conceitos relacionados são a inexatidão (avalia o

erro sistemático e é representado pelo BIAS, em percentagem) e a imprecisão (estima o

erro aleatório e corresponde ao coeficiente de variação, expresso em percentagem).

O laboratório utiliza o programa informático Unity Real Time (BioRad), que reúne

os dados provenientes dos materiais de controlo utilizados, verificando a sua

concordância com os limites do controlo e os limites de especificação analítica, definidos

para cada parâmetro pelo laboratório, e, também, permite a comparação em tempo real

dos dados obtidos com outros laboratórios, que utilizam o mesmo material de controlo.

A partir dos resultados registados são elaboradas cartas de controlo, que permitem

monitorizar a estabilidade do desempenho dos sistemas analíticos, onde é calculado a

média, o desvio padrão, o BIAS, o coeficiente de variação e o Erro Total.

9.2. Controlo de Qualidade Externo (CQE)

Todos os Laboratórios de análises clínicas devem estar inscritos nos programas

de Avaliação Externa da Qualidade, a fim de aferir a exatidão dos resultados para cada

parâmetro executado, os quais assentam em programas, regionais, nacionais ou

internacionais, que podem ser organizados por instituições profissionais especializadas

ou pelos fabricantes dos materiais de controlo. O laboratório participa em vários

programas, nomeadamente PNAEQ-INSA (Programa Nacional de Avaliação Externa da

Qualidade - Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge) e UK-NEQASD (United

Kingdom National External Quality Assessment Service).

O CQE avalia o desempenho de um determinado laboratório, em comparação com

os restantes laboratórios que participam no programa, e, assim, assegura a

comparabilidade dos resultados, entre os diferentes laboratórios. Para cada parâmetro, o

laboratório possui listado o programa no qual participa, a sua periocidade, bem como os

indicadores de desempenho adotados e os critérios de falhas definidos, a fim de identificar

a existência, caracterizar e determinar a frequência e significância de desvios.

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Conclusão

O presente estágio profissional permitiu-me obter uma noção mais realista sobre

o funcionamento prático de um Laboratório de Análises Clínicas, principalmente nas

áreas de Microbiologia, Bioquímica, Imunologia e Hematologia. Durante o decorrer do

estágio, foi me possível integrar e aprofundar conhecimentos teórico-práticos, adquiridos

ao longo da componente curricular do Mestrado em Análises Clínicas, os quais destaco a

melhor compreensão da importância clínica de vários parâmetros e das metodologias

empregues. Além disso, o estágio proporcionou-me uma visão mais concreta de como

todo o laboratório está interligado, desde a fase pré-analítica até à pós-analítica, e de como

é importante conduzir corretamente a análise de um determinado produto biológico, desde

o início até ao fim do processo, de modo a obter resultados precisos e fiáveis.

É de referir que o Laboratório Dr. Joaquim Chaves executa um grande volume de

análises e abrange outras áreas analíticas, para além das referidas no presente relatório,

existindo mais aspetos que poderiam ser discutidos, mas devido à limitação imposta na

escrita, optei por destacar apenas os principais parâmetros, procedimentos e

equipamentos de ensaio das áreas referidas anteriormente.

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Bula: ADVIA® Chemistry Systems. Gama-Glutamil Transferase (GGT); Siemens

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Bula: ADVIA® Chemistry Systems. Bilirrubina Total_2 (TBIL_2); Siemens Healthcare

Diagnostics Inc.; 2015.

Bula: ADVIA® Chemistry Systems. Bilirrubina Direta (DBIL_2); Siemens Healthcare

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Bula: ADVIA Centaur® Immunoassay Systems. TnI-Ultra; Siemens Healthcare

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Bula: ADVIA Centaur® Immunoassay Systems. Anti-Tg (aTG); Siemens Healthcare

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Bula: ADVIA Centaur® Immunoassay Systems. Anti-TPO (aTPO); Siemens Healthcare

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Bula: ADVIA Centaur® Immunoassay Systems. T3; Siemens Healthcare Diagnostics

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

MONOGRAFIA

Bioquímica Clínica na Gravidez

Rubina Vanessa Dias Cassaca

Monografia orientada pela Professora Doutora Maria João Monteiro dos

Santos Ferreira da Silva

Mestrado em Análises Clínicas

2017

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II

RESUMO

A Bioquímica Clinica é fundamental no acompanhamento e na avaliação da saúde

fetal e materna ao longo da gravidez. Existem parâmetros laboratoriais que sofrem

variações, devido às alterações fisiológicas e hormonais que ocorrem ao longo desta

etapa. Para compreender a influência destas alterações é importante perceber como se

processa a conceção, quais as funções da placenta e do líquido amniótico, bem como as

principais adaptações hormonais e fisiológicas que ocorrem ao longo da gestação,

nomeadamente renais, hepáticas, tiroideias, hematológicas, hemostáticas,

gastrointestinais, cardiovasculares e metabólicas.

O presente trabalho pretende referir as principais modificações fisiológicas ao

longo da gravidez e como estas afetam vários parâmetros laboratoriais, assim como referir

os principais marcadores bioquímicos utilizados no diagnóstico pré-natal.

Palavras-chave:

Bioquímica clínica; grávida; adaptações fisiológicas

ABSTRACT

Clinical Biochemistry is fundamental in the monitoring and evaluation of foetal

and maternal health throughout pregnancy. There are laboratory parameters which

undergo variations due to physiological and hormonal changes that occur during this

stage. To understand the influence of these alterations, it is important to understand how

conception is processed, the functions of the placenta and the amniotic fluid, as well as

the main hormonal and physiological adaptations that occur throughout gestation, namely

renal, hepatic, thyroidal, haematological, haemostatic, gastrointestinal, cardiovascular

and metabolic.

This work focuses on the main physiological changes throughout pregnancy and

how they affect several laboratory parameters, as well as the main biochemical markers

used in prenatal diagnosis.

Key words:

Clinical biochemistry; Pregnant; Physiological adaptations

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III

Índice

Resumo .........................................................................................................................II

Abstract ........................................................................................................................II

Índice de Figuras ......................................................................................................... IV

Índice de Tabelas ........................................................................................................ IV

Abreviaturas ................................................................................................................ V

Introdução ..................................................................................................................... 1

1. Ciclo Menstrual e Gravidez ....................................................................................... 2

1.1. Ciclo Menstrual .................................................................................................. 2

1.2. Conceção, Implantação e Placentação ................................................................. 4

2. Placenta .................................................................................................................... 6

2.1. Hormonas Polipeptídicas Placentárias ................................................................. 7

2.1.1. Gonadotrofina Coriónica Humana ................................................................ 7

2.1.2. Lactogénio Placentário Humano ................................................................... 8

2.2. Hormonas Esteróides Placentárias....................................................................... 9

2.2.1. Progesterona ................................................................................................ 9

2.2.2. Estrogénios ................................................................................................ 10

3. Marcadores Bioquímicos ......................................................................................... 11

3.1. Alfafetoproteína ................................................................................................ 11

3.2. Inibina A .......................................................................................................... 13

3.3. Proteína Plasmática A associada à gravidez ...................................................... 14

4. Líquido Amniótico .................................................................................................. 15

5. Adaptações Fisiológicas na Gravidez ...................................................................... 17

5.1. Metabolismo dos Hidratos de Carbono.............................................................. 17

5.2. Metabolismo dos Lípidos .................................................................................. 19

5.3. Metabolismo do Cálcio ..................................................................................... 20

5.4. Alterações Hematológicas e Hemostáticas ........................................................ 21

5.5. Sistema Cardiovascular ..................................................................................... 24

5.6. Função Gastrointestinal .................................................................................... 25

5.7. Função Renal .................................................................................................... 26

5.8. Função Tiroideia ............................................................................................... 28

5.9. Função Hepática ............................................................................................... 30

5.9.1. Proteínas Plasmáticas ................................................................................. 32

Conclusão ................................................................................................................... 34

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 35

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IV

Índice de Figuras

Figura 1: Controlo endócrino durante o ciclo menstrual e no início da gravidez ............ 4

Figura 2: Evolução dos estrogénios feto-placentários durante a gravidez ..................... 11

Figura 3: Concentração sérica média de inibina-A durante uma gravidez normal......... 14

Figura 4: Concentrações séricas médias de PAPP-A durante o 1º T ............................. 15

Figura 5: Evolução de T3 total e livre, durante a gravidez ............................................ 29

Figura 5: Evolução de T4 total e livre, durante a gestação ............................................ 29

Índice de Tabelas

Tabela 1: Valores de referência para a progesterona, em mulheres grávidas e não grávidas

..................................................................................................................................... 9

Tabela 2: Rastreio pré-natal para a Síndrome de Down, trissomia 18 e defeitos do tubo

neural .......................................................................................................................... 13

Tabela 3: Comparação da concentração sérica média de inibina A entre a mulher não

grávida e a mulher grávida .......................................................................................... 13

Tabela 4: Valores de referência após PTOG para o diagnóstico de DG e diabetes........ 19

Tabela 5: Valores de referência dos parâmetros incluídos nas provas da função hepática

................................................................................................................................... 32

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V

Abreviaturas

ADH Anti diuretic hormone - Hormona antidiurética

AFP Alfafetoproteína

CBG Corticosteroid-binding globulin - Globulina transportadora de

corticosteroides

DG Diabetes Gestacional

DGS Direção-Geral da Saúde

E1 Estrona

E2 Estradiol

E3 Estriol

FA Fosfatase alcalina

FSH Follicle-stimulating hormone - Hormona folículo-estimulante

GFR Glomerular filtration rate - Taxa de filtração glomerular

GGT γ- glutamil transferase

GnRH Gonadotropin-releasing hormone - Hormona libertadora de

gonadotrofina

HbA1c Hemoglobina glicada

hCG Human chorionic gonadotropin - Gonadotrofina coriónica humana

HGM Hemoglobina Globular Média

IGF Insulin-like Growth Factor

LDL Low Density Lipoprotein

LH Luteinizing hormone - Hormona luteinizante

LMP Last Menstrual Period

hPL Human placental lactogen - Lactogénio placentário humano

PAM Pressão arterial média

PAPP-A Pregnancy-associated plasma protein A - Proteína plasmática A

associada à gravidez

PTH Parathormone - Paratormona

PTOG Prova de Tolerância Oral à Glicose

SHBG Sex hormone-binding globulin - Globulina transportadora de

hormonas sexuais

TBG Thyroxine-binding globulin - Globulina transportadora de tiroxina

TG Thyroglobulin - Tiroglobulina

TSH Thyroid-stimulating hormone - Hormona estimuladora da tiroide

T3 Triiodotironina

T4 Tiroxina

uE3 Unconjugated estriol - Estriol não conjugado

VGM Volume Globular Médio

1,25(OH)2D 1,25-dihidroxivitamina D

1ºT Primeiro trimestre

2ºT Segundo trimestre

3ºT Terceiro trimestre

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Rubina Cassaca Bioquímica Clínica na Gravidez Mestrado em Análises Clínicas

1

Introdução

O período de gestação, ou seja, o tempo compreendido entre a conceção e o

nascimento, normalmente, é de 280 dias (40 semanas), cuja contagem se inicia a partir do

primeiro dia do último período menstrual normal (LMP - Last Menstrual Period). Na

prática clínica, a gravidez é dividida em 3 trimestres, cada um com uma duração de,

aproximadamente, 13 semanas. Durante o período de gestação, a mulher é submetida a

uma série de alterações fisiológicas e hormonais e é fundamental, para uma avaliação

laboratorial correta, compreender essas alterações fisiológicas, uma vez que influenciam

significativamente os valores de referência de alguns parâmetros laboratoriais. Logo, é

necessário ter intervalos de referência adequados, de modo a interpretar corretamente uma

situação normal, assim como detetar ou excluir uma situação patológica na gravidez. Por

outro lado, os valores de referência, além de diferirem na grávida em relação a uma

mulher não grávida, também podem sofrer variações ao longo da gestação (Burtis C. et

al., 2015; Gronowski A., 2004; Lockitch G., 1997).

A Bioquímica Clínica é essencial, inicialmente, na deteção da gravidez, assim

como na determinação do perfil hormonal único da grávida e na monitorização da saúde

fetal e maternal ao longo da gestação (Burtis C. et al., 2015; Cunningham F. et al., 2010;

Gronowski A., 2004). Portando, para compreender a influência das alterações fisiológicas

associadas à gravidez, sobre os parâmetros laboratoriais é necessário perceber tópicos

fundamentais como a conceção, a função da placenta e do líquido amniótico e, também,

as suas principais adaptações fisiológicas, nomeadamente, hematológicas, hemostáticas,

cardiovasculares, gastrointestinais, renais, hepáticas, tiroideias e metabólicas.

Neste trabalho pretende-se referir as principais modificações fisiológicas, desde a

conceção até ao final da gestação, e como estas adaptações influenciam os valores dos

parâmetros analíticos. Pretende-se, também, focar a importância e a função da placenta,

do líquido amniótico, assim como referir os principais marcadores bioquímicos utilizados

no acompanhamento da mulher grávida.

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Rubina Cassaca Bioquímica Clínica na Gravidez Mestrado em Análises Clínicas

2

1. Ciclo Menstrual e Gravidez

1.1. Ciclo Menstrual

O ciclo ovulatório, em média, ocorre em intervalos contínuos de 28 dias, podendo

variar entre 25 a 35 dias, durante cerca de 40 anos, entre a menarca e a menopausa. O

ciclo menstrual pode ser dividido em 3 fases, nomeadamente fase folicular, ovulação e

fase luteínica (figura 1). É regulado por uma série de interações entre o eixo hipotalâmico-

pituitária, os ovários e o trato genital (Cunningham F. et al., 2010).

Ao nascimento a mulher contém cerca de 4 milhões de óvulos, mas só cerca de

400 sofrem maturação; os restantes sofrem degeneração, restando poucos óvulos na altura

em que a mulher atinge a menopausa. Durante a idade fetal as oogónias dividem-se

produzindo oogónias filhas e oócitos de primeira ordem. Estes iniciam a divisão mitótica,

mas param em prófase I, permanecendo nesta fase até a puberdade. O desenvolvimento

folicular inicia-se com o folículo primordial, o qual é constituído por um ovócito primário

rodeado por uma única camada de células, denominadas células da granulosa. O folículo

primordial desenvolve-se primeiro em folículo primário e, posteriormente, em folículo

secundário, até atingir a fase de folículo secundário pré-antral e antral inicial. Durante o

desenvolvimento folicular ocorre o aumento do tamanho do ovócito e da proliferação das

células da granulosa e a formação da zona pelúcida (zona que separa a o oócito das células

da granulosa), das células da Teca (camada de células que rodeia as células da granulosa)

e do antro (espaço cheio de líquido no meio das células da granulosa). A progressão do

folículo até à fase pré-antral e antral inicial ocorre durante a infância, e, também, durante

o ciclo menstrual, coexistindo vários tipos de folículos no ovário (Widmaier E. et al.,

2016).

No início de cada ciclo menstrual (fase folicular) a FSH (hormona folículo-

estimulante), que aumentou na última fase do ciclo anterior, mantém-se elevada até ao

início do novo ciclo, estimulando o desenvolvimento de um grupo de folículos pré-antral

e antral inicial que evoluem em folículos antrais maiores e que são os únicos com

capacidade de produzir estrogénio. O início do aumento dos níveis sanguíneos de

estrógeno (fase folicular intermédia) provoca a diminuição da secreção de GnRH

(hormona libertadora de gonadotrofina) pelo hipotálamo e, por conseguinte, a diminuição

da secreção das hormonas hipofisárias (FSH e LH (hormona luteinizante)), através do

mecanismo de feedback negativo (a produção de inibina B, pelas células da granulosa,

também contribui para a diminuição das hormonas hipofisárias). Os estrogénios

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Rubina Cassaca Bioquímica Clínica na Gravidez Mestrado em Análises Clínicas

3

aumentam o número de recetores dos folículos para a FSH e, desta forma, o folículo que

possuir mais recetores vai conseguir responder aos baixos níveis de FSH e tornar-se

dominante ou, também, denominado folículo de Graaf. Simultaneamente ao aumento dos

estrogénios, ocorre o desenvolvimento de um folículo dominante, que é o primeiro com

a capacidade de produzir estradiol e de desenvolver recetores para a LH nas células da

granulosa (no início da fase folicular as células da granulosa só possuem recetores para a

FSH, enquanto as células da Teca têm recetores para a LH). Após a expressão dos

recetores para a LH, as células da granulosa começam a secretar progesterona, processo

que leva ao início da luteinização do folículo. À medida que o folículo dominante cresce,

aumenta a produção de estradiol e de inibinas pelo mesmo, contribuindo para a

diminuição da FSH na fase folicular (Cunningham F. et al., 2010; Widmaier E. et al.,

2016).

O aumento acentuado de estrogénios, devido à maturação folicular (fase folicular

tardia), conduz à estimulação da secreção hipotalâmica de GnRH e ao aumento da LH e

FSH (feedback positivo) e, consequentemente, à diminuição do efeito de feedback

negativo sobre a produção dos mesmos. É de salientar que o efeito dos estrogénios sobre

a síntese hormonal depende da sua concentração, ou seja, em pequenas concentrações

(fase folicular inicial e intermédia) possui o efeito de feedback negativo, enquanto que

em elevadas concentrações detém um efeito de feedback positivo. O aumento da LH

estimula o oócito a terminar a primeira meiose, originando um oócito secundário, o qual

não completa a segunda divisão meiótica. Durante a fase folicular tardia, devido ao

estrogénio, o endométrio prolifera e o muco cervical é abundante, translúcido e aquoso

(estas características são mais evidentes durante a ovulação) (Cunningham F. et al., 2010;

Widmaier E. et al., 2016).

O estradiol atinge o seu pico máximo entre as 34 e 36 horas antes da ovulação

(fase folicular periovulatória), seguindo-se os teores máximos de LH e FSH. O pico de

LH (entre as 10 e 12 horas antes da ovulação) é o responsável pela libertação do oócito

secundário. Durante a fase folicular periovulatória o endométrio atinge a proliferação

máxima. Para que a fertilização ocorra, o esperma deve ser introduzido até 5 dias antes

da ovulação (viável entre 4 a 6 dias) ou no dia a seguir a esta, pois o óvulo só é viável

durante 24-48 horas. Nesta fase, a consistência do muco é importante para que os

espermatozoides cheguem às trompas (Widmaier E. et al., 2016).

Caso não haja fecundação, ocorre a fase luteínica com a formação do corpo lúteo

(luteinização), a partir do excedente do folículo de Graaf. Assim, numa mulher não

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4

grávida, o corpo lúteo produz estrogénios, progesterona e inibina. Na fase luteínica média

a progesterona atinge o pico máximo, acompanhado do segundo pico de estradiol, e a LH

e FSH atingem o valor mais baixo de todo o ciclo. O muco cervical diminui e torna-se

espesso, dificultando a penetração dos espermatozoides, sendo o ideal para a implantação

do blastocisto. O corpo lúteo mantém-se, devido aos níveis adequados e constantes de

LH; a sua degradação, após 2 semanas, leva à diminuição dos níveis de estradiol a

progesterona, iniciando-se o fluxo menstrual (fase luteínica tardia). A secreção de LH e

FSH aumenta nos últimos dias do ciclo, devido à diminuição dos efeitos inibidores das

altas concentrações de hormonas, seguindo-se o início de um novo ciclo (Widmaier E. et

al., 2016).

Figura 1: Controlo endócrino durante o ciclo menstrual e no início da gravidez (adaptado de Cunningham F. et al., 2010). O ciclo menstrual tem uma duração média de 28 dias. Durante a fase folicular (dias 1 a 14)

ocorre o aumento progressivo dos níveis de estrogénio (estradiol), o espessamento do endométrio e a

seleção de o folículo Graaf. A fase luteínica (dias 14 a 21) corresponde à produção de estrogénio e

progesterona pelo corpo lúteo (CL) que preparam o endométrio para a implantação. Caso esta ocorra, o

blastocisto em desenvolvimento começa a produzir a hCG (gonadotrofina coriónica humana), a qual

mantém o corpo lúteo e impede um novo pico de LH e FSH.

1.2. Conceção, Implantação e Placentação

Caso ocorra a conceção (na trompa de Falópio), o óvulo fecundado termina a

segunda meiose. Os 46 cromossomas (23 do óvulo e 23 do espermatozoide) migram para

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Rubina Cassaca Bioquímica Clínica na Gravidez Mestrado em Análises Clínicas

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o centro da célula, o ADN (ácido desoxirribonucleico) é replicado e, depois, dividido por

mitose, concluindo-se a fertilização. Após a fertilização o óvulo transforma-se em zigoto,

o qual permanece na trompa durante 3-4 dias (sobretudo devido aos níveis de estrogénios

que mantêm o músculo liso, que une a trompa ao útero, contraído). O aumento dos níveis

de progesterona provoca o relaxamento do músculo liso, permitido o zigoto passar para

o útero (Widmaier E. et al., 2016). Durante este período o zigoto sofre várias divisões,

transformando-se em mórula e, posteriormente, em blastocisto (cerca de 100 células). Ao

7º dia, após a ovulação, o blastocisto incorpora-se no endométrio (implantação), devido

à manutenção dos níveis de estrogénio e progesterona pelo corpo lúteo, importantes na

preparação do endométrio (Cunningham F. et al., 2010).

Após a implantação, as células trofoblásticas do blastocisto invadem o endométrio

e diferenciam-se em um sincício multinucleado externo (sinciciotrofoblasto primitivo) e

numa camada interna de células mononucleares primitivas (citotrofoblasto). As células

trofoblásticas, após completa implantação, ainda se diferenciam em trofoblasto viloso e

extraviloso. Os trofoblastos vilosos originam as vilosidades coriónicas, ao 12º dia após a

fertilização, e, juntamente com a ancoragem dos citotrofoblastos originam, também, a

placenta, que ficará totalmente formada ao fim de 5 semanas após a implantação (Burtis

C. et al., 2015; Gardner D. et al., 2011; Widmaier E. et al., 2016). Entretanto, antes da

formação da placenta, entre o córion (membrana extraembrionária, responsável pela

formação da placenta) e a massa celular interna (massa celular do blastocisto que origina

o feto) cria-se a cavidade amniótica. Mais tarde, o córion funde-se com o saco amniótico

(camada epitelial que reveste a cavidade, derivada da massa celular interna), originado

uma única membrana à volta do feto. O líquido amniónico preenche a cavidade amniótica,

rodeando o feto, o qual se mantém ligado à placenta através do cordão umbilical

(Widmaier E. et al., 2016).

Na gravidez o corpo lúteo mantém-se, devido à produção de hCG (figura 1) pelas

células trofoblásticas (sinciciotrofoblasto), sendo muito importante, pois durante os

primeiros 2 meses a maior parte da produção de estrogénios e progesterona é garantida

pelo mesmo. A hCG não só é importante para a manutenção do corpo lúteo, como também

na estimulação da produção de esteroides. Ou seja, a hCG, libertada para a corrente

sanguínea, estimula a continuada secreção de estrogénios pelos ovários, o que provoca

um efeito de feedback negativo sobre a produção de gonadotrofina. Desta forma, há

prevenção de novos ciclos menstruais, o que provocaria a perda do embrião implantado

(Cunningham F. et al., 2010; Gardner D. et al., 2011; Widmaier E. et al., 2016).

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2. Placenta

A placenta é um órgão extracorporal, transitório, responsável pelo

estabelecimento de uma comunicação eficiente entre a mãe e o feto em desenvolvimento,

assegurando, desta forma, a gravidez. A placenta possui a mesma composição genética

que o feto (tal não desencadeia uma resposta imunitária materna significativa) e é

importante na integridade genética e imunitária de ambos. É um órgão discoide, em média

com 22 cm de diâmetro e 500 g de peso e composto por inúmeras vilosidades coriónicas,

que se estendem desde o córion até ao endométrio. Cada vilosidade está rodeada por uma

pool de sangue materno (espaço interviloso), que entra e sai do espaço interviloso, via

artéria e veia uterina e, simultaneamente, flui através dos capilares das vilosidades

coriónicas, via artéria e veia umbilical, contidos no cordão umbilical. Através do sangue

materno as substâncias são transportadas até à circulação fetal, onde têm de passar a

matriz do núcleo da vilosidade, o endotélio do capilar fetal e o sinciciotrofoblasto

(camada de células que cobre as vilosidades placentárias). Este último é uma espécie de

“interface” entre o sangue materno e o fetal, que participa na produção e secreção de

grande parte das hormonas (esteroides e polipeptídicas), na proteção contra a

xenobióticos e no transporte ativo de sustâncias (Burton G. et al., 2015; Cunningham F.

et al., 2010; Gardner D. et al., 2011; Widmaier E. et al., 2016).

O fluxo sanguíneo no espaço interviloso dá-se por volta da 10ª semana de

gravidez, iniciando-se, assim, a troca de substâncias entre a circulação fetal e a materna.

A transferência de substâncias depende do gradiente de concentração entre os dois

sistemas circulatórios, da existência de proteínas de ligação circulantes, da presença de

transporte facilitado (exemplo: bombas iónicas) e da solubilidade lipídica da substância.

Por conseguinte, o órgão é uma barreira eficiente à passagem de moléculas de grande

massa molecular, como a maioria das proteínas plasmáticas, hormonas tiróideas,

imunoglobulinas maternas e eritrócitos maternos e fetais. Entretanto, moléculas pequenas

(até 5000 Da) como o oxigénio, o dióxido de carbono, a ureia, o etanol, o sódio e o cloreto,

difundem-se rapidamente por transporte passivo. Já os esteroides não conjugados,

sulfatos de esteroides e ácidos gordos livres passam de forma limitada, por transporte

passivo. A glucose, o cálcio e a maioria dos aminoácidos também atravessam a barreira,

através das células membranares, mas por transporte ativo. Igualmente, transpõe a

placenta via endocitose (mediado por recetores) as lipoproteínas de baixa densidade, a

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insulina e a IgG materna, que confere proteção imunológica ao recém-nascido (Burtis C.

et al., 2015; Burton G. et al., 2015; Gabbe S. et al., 2007).

Resumindo, a placenta é um órgão endócrino, onde a maioria das hormonas

produzidas, sobretudo pelo sinciciotrofoblasto, vai para a circulação materna e somente

uma quantidade limitada atinge a circulação fetal. As suas principais funções incluem a

separação do sistema circulatório fetal do materno, nutrição do feto, eliminação dos

resíduos fetais, proteção imunológica e produção e secreção de hormonas proteicas e

esteroides (Burtis C. et al., 2015). A taxa de síntese de grande parte dessas hormonas

placentárias (exceto a hCG) é proporcional ao aumento da massa placentária. E, embora,

as via de formação das referidas hormonas estejam esclarecidas, os mecanismos de

regulação das mesmas não são totalmente compreendidos (Gabbe S. et al., 2007).

2.1. Hormonas Polipeptídicas Placentárias

2.1.1. Gonadotrofina Coriónica Humana

A hCG é uma glicoproteína, com uma semivida plasmática de 36 horas e composta

por duas subunidades diferentes, α e β. Existem múltiplas isoformas de hCG semelhantes

entre si na circulação materna, sendo as principais a hCG, hCG sulfatada, hCG

hiperglicosilada, subunidade β livre de hCG e subunidade β livre de hCG hiperglicosilada

(Cole L., 2012). A sua principal função é manter o corpo lúteo e a, subsequente, produção

de progesterona e estrogénios. Surge na circulação materna 8-10 dias após a fertilização,

sendo, por isso, possível detetar uma gravidez uma semana depois (Gabbe S. et al., 2007).

A concentração de hCG sobe, exponencialmente, no início da gravidez, duplicando a cada

24-48 horas, durante as primeiras 6 semanas e atingido o pico máximo entre os 60 e 80

dias após o LMP. Entre a 10ª e a 12ª semana, ou seja, logo após o pico, a concentração

plasmática de hCG começa a diminuir, atingindo uma concentração mínima por volta do

3º mês de gestação, a qual se mantém constante até ao final da gravidez. A diminuição de

hCG encontra-se associada à produção placentária de estrogénios e de progesterona

(Gardner D. et al., 2011; Widmaier E. et al., 2016).

A determinação da hCG é útil no diagnóstico (a gravidez, bem como a idade

gestacional, é confirmada por ecografia) e na monitorização da gravidez. Pode, também,

ser utilizada, conjuntamente com outros marcadores bioquímicos, na avaliação do risco

fetal para a síndrome de Down e trissomia 18 (rastreio pré-natal no primeiro (1ºT) e no

segundo trimestre (2ºT)), na identificação de gravidez ectópica e outros distúrbios na

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gravidez, como a pré-eclâmpsia. A hCG, também, é útil como teste auxiliar de diagnóstico

e monitorização de tumores malignos, particularmente, de neoplasias trofoblásticas

(Burtis C. et al., 2015; Cunningham F. et al., 2010; Stenman U. et al., 2013).

Atualmente, a hCG é determinada qualitativamente e quantitativamente por

imunoensaio, o qual mede as concentrações de epítopos reconhecidos pelos anticorpos,

em vez da bioatividade. Os testes qualitativos são testes rápidos, utilizam amostras de

urina ou soro e são do tipo point-of-care ou fornecidos como kit. Os testes point-of-care

baseiam-se na imunocromatografia e destinam-se a deteção qualitativa de hCG na urina

(detetam concentrações a partir dos 10-25 IU/L); na sua maioria, utilizam anticorpos anti-

hCGα e anti-hCGβ, que detetam a hCG intacta. A maior parte dos testes quantitativos

baseiam-se no imunoensaio em “sanduíche” e permitem detetar a concentração da hCG

desde 1-2 IU/L, até 400-15.000 IU/L. Este tipo de ensaio utiliza diferentes tipos de

anticorpos específicos de diferentes epítopos que estão presentes na subunidade ß livre,

como também na subunidade ß da hCG intacta (Burtis C. et al., 2015; Stenman U. et al.,

2013).

O teste de gravidez é considerado positivo, quando a determinação quantitativa da

hCG total é superior a 25 IU/L (valor de referência), numa amostra de soro. Valores

inferiores a 5 IU/L é interpretado como sendo negativo e entre 5 e 25 IU/L é considerado

indeterminado (é aconselhável a repetição do teste após 72 horas) (Mayo Clinic, 2017).

É de salientar que na mulher a concentração de hCG aumenta com a idade, onde é normal

mulheres não grávidas, com idade superior a 55 anos, apresentarem concentrações séricas

de hCG desde < 2,0 IU/L até 13,1 IU/L, e, em mulheres entre 41 a 55 anos, existirem

concentrações desde < 2,0 IU/L até 7,7 IU/L. Note-se que em idades compreendidas entre

os 18 e os 40 anos os valores normais de hCG encontram-se inferiores a 5 IU/L (Snyder

J. et al., 2005).

2.1.2. Lactogénio Placentário Humano (hPL)

A hormona é secretada, pelo tecido sinciciotrofoblasto, diretamente para a

circulação materna, a partir dos 5-10 dias após a conceção, logo é possível detetar a hPL

na 3ª semana de gestação. Uma vez que a produção da respetiva hormona é proporcional

à massa da placenta, a concentração só estabiliza por volta das 36 semanas, atingindo

concentrações plasmáticas entre 5 e 15 µg/mL (Cunningham F. et al., 2010).

Esta possui inúmeras funções biológicas, nomeadamente ação lactogénica,

luteotrópica, metabólica, eritropoiética, somatotrópica e detém, ainda, um efeito

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estimulante sobre a aldosterona (Burtis C. et al., 2015). Quanto às suas funções no

metabolismo materno, incluem atividade lipolítica e atuação como antagonista da insulina

(Gabbe S. et al., 2007).

No passado era utilizada na avaliação da saúde fetal, mas atualmente é incomum

a sua determinação durante uma gravidez não complicada (Burtis C. et al., 2015). Noutras

situações, como no diagnóstico de tumores relacionados com a placenta, a determinação

da hPL é útil (Campo E. et al., 1989).

2.2. Hormonas Esteroides Placentárias

2.2.1. Progesterona

A sua produção, pelo sinciciotrofoblasto, utiliza colesterol materno como

precursor hormonal, sendo este convertido em pregnenolona e, posteriormente, em

progesterona, pela 3β-hidroxiesteroide desidrogenase no retículo endoplasmático

mitocondrial (Gardner D. et al., 2011).

A produção de progesterona e de estrogénios (nos ovários) nas primeiras 2-4

semanas deve-se à manutenção do corpo lúteo. Por volta das 7-8 semanas, a placenta

assume a maior parte da produção hormonal. A progesterona também é produzida pelo

córtex adrenal, mas em quantidades inferiores (Cunningham F. et al., 2010). A sua

secreção aumenta gradualmente ao longo da gestação, atingindo no terceiro trimestre

(3ºT) uma taxa de produção diária de 250-350 mg. Na grávida a concentração sérica de

progesterona atinge valores, entre 10 a 5000 vezes superiores dos que são encontrados

numa mulher não grávida, dependendo da fase do ciclo menstrual, como é possível

observar na tabela 1 (Cunningham F. et al., 2010; Gardner D. et al., 2011).

Tabela 1: Valores de referência para a progesterona, em mulheres grávidas e não grávidas (Mayo Clinic,

2017).

Mulher não grávida (> 18

anos)

Fase folicular: ≤0,89 ng/mL

Ovulação: ≤12 ng/mL

Fase Luteínica: 1,8-24 ng/mL

Pós-menopausa: ≤0,20 ng/mL

Mulher grávida

1º trimestre: 11-44 ng/mL

2º trimestre: 25-83 ng/mL

3º trimestre: 58-214 ng/mL

A sua determinação na mulher não grávida é útil na avaliação da fertilidade

(verificar se há uma ovulação normal) e na avaliação de sangramento uterino anormal.

Na mulher grávida a progesterona é utilizada como teste auxiliar na identificação de

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gravidez ectópica e de aborto espontâneo (juntamente com a hCG), na monitorização da

terapêutica de reposição da progesterona (usada para manter a gravidez) e na

monitorização periódica da saúde fetal e placentária na gravidez de alto risco (Gardner

D. et al., 2011; Mayo Clinic, 2017).

2.2.2. Estrogénios

Os estrogénios biologicamente mais ativos são a estrona (E1), o estradiol (E2) e o

estriol (E3), respetivamente ordenados por ordem crescente de atividade. Estes,

juntamente com a progesterona, participam na regulação do ciclo menstrual, no

crescimento uterino e mamário, assim como na manutenção da gravidez (Burtis C. et al.,

2015).

Durante a gravidez a placenta produz elevadas quantidades de estrogénios, a partir

de precursores sanguíneos provenientes das glândulas supra-renais maternas e fetais.

Cerca 90% dos estrogénios placentários advêm de andrógenos fetais (especialmente do

sulfato dehidroepiandrosterona (DHEA)), os quais são sintetizados a partir do acetato ou

do colesterol. No sinciciotrofoblasto, o sulfato de DHEA fetal é convertido, pela sulfatase

placentária, em DHEA livre, o qual é convertido, pela 3β-hidroxiesteróide desidrogenase

tipo 1 (3βHSD) em androstenediona. Posteriormente, a androstenediona, através da ação

do citocromo P450 aromatase (CYP19) é convertida em estrona, que é transformada em

estriol, pela 17β-hidroxiesteróide desidrogenase tipo 1 (17βHSD1). Cerca de 90% do

estriol produzido vai diretamente para a corrente sanguínea materna (Cunningham F. et

al., 2010; Gabbe S. et al., 2007; Gardner D. et al., 2011).

O estriol é o estrogénio em maior concentração na grávida, aparecendo aumentado

cerca de 1000 vezes (figura 2). Por outro lado, as concentrações séricas de estrona e

estradiol, também, aumentam durante a gravidez, mas, apenas, cerca de 50 vezes. Os

estrogénios, de forma geral, elevam-se sobretudo no 2ºT e mantêm-se elevados até ao

final da gestação (figura 2). Devido a tal, a gravidez é considerada um estado

hiperestrogénico (Gardner D. et al., 2011).

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Figura 2: Evolução dos estrogénios feto-placentários

durante a gravidez (adaptado de Gardner D. et al.,

2011). O gráfico representa o aumento e os valores

médios dos estrogénios durante a gravidez,

nomeadamente do estriol, cerca de 15-17 ng/mL (55-

66 nmol/L por trimestre), do estradiol,

aproximadamente, 12-15 ng/mL (42-52 nmol/L por

trimestre) e da estrona, cerca de 5-7 ng/mL (18,5-26

nmol/L por trimestre).

Na prática clínica, normalmente, é determinado o estriol não conjugado (uE3), em

vez do estriol total (uE3 mais estriol conjugado). O uE3 possui uma semivida de 20 a 30

minutos, pois é rapidamente conjugado no fígado, tornando o uE3 mais solúvel, passível,

de ser excretado através da urina. A determinação de estriol na urina ou no soro, ao

contrário da progesterona e da hPL, é útil para monitorizar a saúde fetal e placentária,

sendo, especialmente, utilizada na supervisão da gravidez de risco. O uE3, conjuntamente

com a hCG, a alfafetoproteína (AFP) e a inibina A, é utilizado no rastreio pré-natal para

a síndrome de Down e trissomia 18, durante o 2ºT. Níveis séricos baixos de uE3 estão

associados a um risco fetal aumentado para síndrome de Down e trissomia 18, bem como

ao aumento do risco de aborto, à existência de síndrome de Smith-Lemli-Opitz (defeito

na síntese de colesterol) e à insuficiência adrenal fetal primária ou secundária. O uE3 é,

igualmente, útil na avaliação do risco de parto prematuro e para prever o início do parto,

onde, normalmente, ocorre uma elevação dos níveis séricos maternos de uE3, cerca de 4

semanas antes do início do trabalho de parto (Burtis C. et al., 2015; Mayo Clinic, 2017;

Morel Y. et al., 2016).

3. Marcadores Bioquímicos

3.1. Alfafetoproteína

A alfafetoproteína (AFP) é uma glicoproteína sintetizada a nível hepático, cuja

concentração sérica, na idade adulta, se encontra muito baixa (valores de referência 0,5-

15 μg/L). A elevação da AFP, não só nessa faixa etária, como também em crianças e

adolescentes, está associada a inúmeras doenças malignas e benignas, sendo útil como

marcador tumoral na monitorização terapêutica do carcinoma hepatocelular e de tumores

testiculares e ováricos (Heo S. et al., 2014; Schieving J. et al., 2014).

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Na gravidez, a concentração sérica de AFP aumenta devido à sua produção a nível

fetal. Na fase inicial da gestação, a AFP é sintetizada em pequenas quantidades, pelo saco

vitelino. Mais tarde, à medida que o saco vitelino se degenera, é produzida em grandes

proporções pelo fígado fetal e, em quantidades diminutas, pelos rins e intestino. A AFP

presente no plasma fetal é secretada, pelos rins, no líquido amniótico. A AFP fetal

atravessa a placenta e as membranas fetais, surgindo no plasma materno. No soro fetal

atinge valores muito superiores aos maternos, onde o pico ocorre no 1ºT (após o pico, os

valores decrescem até ao final da gestação). No líquido amniótico a AFP segue o mesmo

padrão, mas com uma magnitude inferior. No soro materno a AFP é detetável a partir das

10 semanas, possuindo uma concentração média de, aproximadamente, 5 μg/L. Continua

a elevar-se no soro materno e às 16 semanas a sua concentração sérica média é de 35

μg/L, atingindo o pico, de cerca 180 μg/L, às 25 semanas. Posteriormente, os níveis de

AFP maternos diminuem até ao final da gestação. Após o parto, os níveis de AFP

maternos diminuem rapidamente, atingindo concentrações inferiores a 2 μg/L. No recém-

nascido a AFP também se encontra elevada (200.000 μg/L), alcançado valores

semelhantes à idade adulta aos 10 meses de idade (Burtis C. et al., 2015; Schieving J. et

al., 2014).

A determinação da AFP no soro materno e no líquido amniótico é útil como

método de rastreio para a deteção de anomalias fetais congénitas. A AFP faz parte do

rastreio pré-natal (tabela 2), realizado no 2ºT, entre as 14 e as 22 semanas

(preferencialmente às 15 semanas), sendo a sua determinação realizada em conjunto com

a β-hCG livre, a uE3 e a inibina A (teste quádruplo) e, normalmente, combinada com a

medida da translucência da nuca (TN), durante o 1ºT. A AFP encontra-se elevada no soro

materno em 85-95% dos casos de existência de defeitos do tubo neural, apesar do seu

doseamento estar em desuso, para o rastreio deste tipo de anomalia fetal, devido à sua

substituição pela ecografia. Níveis maternos reduzidos de AFP estão associados a um

risco fetal aumentado para a trissomia 18 e síndrome de Down. As concentrações de AFP

na grávida, também, aumentam em outras anomalias fetais, como doença renal congénita

e na ameaça de aborto. Note-se que na gravidez múltipla os níveis séricos de AFP são

superiores aos de gravidez única (Burtis C. et al., 2015; Schieving J. et al., 2014).

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Tabela 2: Rastreio pré-natal para a Síndrome de Down, trissomia 18 e defeitos do tubo neural (adaptado de

LabMED, 2017).

Estudo Ecográfico Estudo

Bioquímico Taxa de Deteção

Rastreio do 1º

Trimestre (10-13

semanas*)

Confirmação do

tempo de gravidez;

Medição da TN (caso

seja disponível)

PAPP-A

β-hCG

Síndrome de Down: 83% (74% caso a

medida da TN não for incluída)

Trissomia 18: 72%

Defeitos do tubo neural: não aplicável

Rastreio do 2º

Trimestre (14-22

semanas)

Confirmação do

tempo de gravidez

AFP

β-hCG

uE3

inibina A

Síndrome de Down: 83%

Trissomia 18: 40%

Defeitos do tubo neural: 85% das espinhas

bífidas e quase 100% das anencefalias

Rastreio

Integrado

1ª Colheita (10-13 semanas*)

2ª Colheita (14-22

semanas)

1ª Colheita

PAPP-A

2ª Colheita AFP

β-hCG

uE3

inibina A

Síndrome de Down: 94% (90% se a

medida da TN não for incluída) Trissomia 18: 77%

Defeitos do tubo neural: 85% das espinhas

bífidas e quase 100% das anencefalias

* O rastreio de defeitos do tubo neural não é fidedigno antes da 15ª semana de gestação.

3.2. Inibina A

As inibinas são glicoproteínas diméricas, pertencentes à família dos fatores de

crescimento do TGF-β (Transforming Growth Factor β). Existem duas formas

moleculares de inibinas, a inibina A (α-βA dímero) e a inibina B (α-βB dímero). Embora

estejam amplamente distribuídas por outros tecidos, estas hormonas proteicas são,

sobretudo, produzidas nas gónadas, sendo a sua principal função a inibição da FSH

hipofisária (feedback negativo). Na mulher a inibina A é sintetizada pelo folículo

dominante (células da granulosa) e pelo corpo lúteo. Na grávida, a partir das 4 semanas,

é produzida pela unidade feto-placentária (Muttukrlshna S. et al., 1995; Muttukrlshna S.,

2004).

Tabela 3: Comparação da concentração sérica média de inibina A entre a mulher não grávida e a mulher

grávida (Muttukrlshna S. et al., 1995).

Mulher não grávida Grávida

Fase folicular

intermédia

Fase luteínica

média 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre

Inibina A

(ng/L) 16,9 108,0 1370,0 920,0 3840,0

A concentração sérica de inibina A ao longo da gestação é sempre superior, em

comparação com qualquer fase do ciclo menstrual (tabela 3). Os níveis séricos (figura 3)

de inibina A começam a elevar-se a partir da 5ª semana de gravidez, atingindo o 1º pico

às 8 semanas; posteriormente, os níveis decrescem até às 11 semanas e permanecem

baixos até ao final do 2ºT. No 3ºT os níveis séricos aumentam novamente, atingindo o

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pico no final do trimestre e cujos valores alcançados, são, aproximadamente, 50 vezes

superiores em comparação com a concentração sérica durante a fase luteínica média

(Muttukrlshna S., 2004).

Figura 3: Concentração sérica média de inibina A durante uma gravidez normal (adaptado de Muttukrlshna

S., 2004).

Na mulher não grávida, a inibina A é útil, por exemplo, na monitorização de

tumores epiteliais ováricos e na deteção de distúrbios da ovulação (Burtis C. et al., 2015).

Na mulher grávida, os níveis alterados de inibina A estão associados às mesmas situações

que alteram os níveis de hCG (exemplo: a concentração sérica materna de inibina A e

hCG é elevada em gestantes de bebé com síndrome de Down). Desta forma, a

determinação da inibina A no soro materno, em associação com o teste triplo (AFP, β-

hCG livre e uE3), entre as 14 e as 22 semanas (2ºT), melhora a sensibilidade e

especificidade do rastreio pré-natal (tabela 2) (Muttukrlshna S., 2004).

3.3. Proteína plasmática A associada à gravidez

A Proteína plasmática A associada à gravidez (PAPP-A) é uma glicoproteína que

durante a gravidez é expressa sobretudo pelo sinciciotrofoblasto. É fundamental para o

normal crescimento fetal, pois possui a capacidade de degradar a proteína IGFBP-4

(insulin-like growth actor binding protein), a qual apresenta uma potente atividade

inibidora de IGF (insulin-like growth factor). Os IFGs exibem uma ação parácrina, no

controlo da absorção de glicose e aminoácidos nas células trofoblásticas, sendo

importante para o desenvolvimento e crescimento das mesmas. Portanto, a glicoproteína

ao clivar o IGFBP-4 regula a atividade do IGF. Desta forma, níveis elevados de PAPP-A

conduzem a níveis mais baixos de IGFBP-4 e, consequentemente, a níveis mais altos de

IGF livre (Burtis C. et al., 2015; Lawrence J. et al., 1999; Pummara P. et al., 2016; Shiefa

S. et al., 2013).

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Os níveis séricos de PAPP-A aumentam desde o início até ao final da gestação,

sendo possível detetar a glicoproteína logo após a implantação. Uma vez que a

concentração sérica de PAPP-A aumenta exponencialmente, duplicando a cada 3-4 dias

durante o 1ºT (figura 4), faz com que a interpretação dos seus valores seja bastante

dependente da idade gestacional (Shiefa S. et al., 2013).

Figura 4: Concentrações séricas médias de PAPP-A durante o 1º T (adaptado de Shiefa S. et al., 2015).

A PAPP-A, em conjunto com a β-hCG, é utilizada como marcador bioquímico no

rastreio pré-natal, que deverá ser realizado entre as 10 e as 13 semanas, preferencialmente

durante 11ª semana (tabela 2). A diminuição dos níveis de PAPP-A, no soro materno, está

associada ao aumento do risco fetal para a síndrome de Down e trissomia 18. É de

salientar que os níveis séricos de PAPP-A, são, normalmente, superiores numa gravidez

múltipla (Burtis C. et al., 2015; Pummara P. et al., 2016; Shiefa S. et al., 2013).

4. Líquido Amniótico

O líquido amniótico protege o feto dos distúrbios mecânicos e das variações de

temperatura, permitindo, ao mesmo tempo, a livre movimentação do feto (Widmaier E.

et al., 2016). O seu volume e composição química são controlados, provavelmente, pela

placenta, dentro de limites relativamente estreitos. O volume do líquido amniótico

aumenta até às 36 semanas, atingindo um volume médio de 1 L, e decresce até ao final

da gravidez, até um volume mínimo de 300 mL. Ao longo da gestação a sua composição

e volume variam devido à existência de interações dinâmicas entre a secreção fetal

urinária e hepática, e a ingestão/reabsorção pelas membranas fetais (Palmas F. et al.,

2016). Assim, a composição do líquido amniótico, no princípio da gestação, é semelhante

a um diálisado complexo do soro materno. Com o crescimento fetal a composição varia

ao longo dos trimestres, sendo as variações mais significativas a diminuição da

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osmolaridade e da concentração de sódio e o aumento das concentrações de glicose, ureia,

creatina e ácido úrico (Burtis C. et al., 2015).

O aumento ou diminuição acentuada do volume do líquido amniótico está

associado a patologias clínicas, como o oligohidrâmnio e o polihidrâmnio. O

oligohidrâmnio está associado à baixa produção de líquido amniótico, normalmente,

relacionada a alterações no desenvolvimento do sistema urinário fetal ou à existência de

anomalias no mesmo, como obstrução uretral e, também, a patologias que ocorrem

durante a gravidez, como hipertensão, diabetes e pré-eclampsia. O excessivo aumento de

líquido (polihidrâmnio) está, principalmente, relacionado com malformações fetais (do

sistema nervoso central e do trato gastrointestinal), diabetes Mellitus materna, gravidez

multifetal e a anomalias cromossómicas fetais (Burtis C. et al., 2015, Cunningham F. et

al., 2010).

O líquido amniótico é rico em substâncias advindas do feto, logo a sua análise é

utilizada na monitorização do crescimento fetal e na deteção de doenças fetais. A sua

amostragem pode ser realizada por amniocentese (método invasivo), a partir da 15ª

semana de gestação. Este procedimento é realizado a fim de diagnosticar infeções fetais,

testar a maturidade pulmonar fetal (realizado a partir das 32 semanas, em casos de parto

prematuro induzido ou por cesariana), como tratamento (drenagem do líquido amniótico

- polihidrâmnio), para determinar a existência de imunização Rhesus fetal (determinação

do risco para a doença hemolítica do recém-nascido) e a fim de diagnosticar

malformações congénitas (amniocentese genética entre a 15ª e a 20ª semana de gravidez)

(Lockitch G., 1997; Widmaier E. et al., 2016). A amniocentese genética só é realizada

caso a avaliação clínica dos testes de rastreio realizados no 1ª trimestre, os quais incluem

uma ecografia (translucência da nuca) e a determinação de marcadores bioquímicos

(PAPP-A e β-hCG), determinem a existência de um elevado risco fetal para anomalias

cromossómicas, como a síndrome de Down (Wilson RD. et al., 2014). A realização de

uma amniocentese genética também deve ser considerada nas seguintes situações:

mulheres com idade igual ou superior a 35 anos; história familiar de uma determinada

anomalia genética, como fibrose cística; se numa gravidez anterior o bebé foi afetado por

uma condição cromossómica ou por uma complicação associada à formação do tubo

neural (condição grave, pois afeta o cérebro ou a medula espinhal do feto); abortos de

repetição (APMGF, 2013; Mayo Clinic, 2017).

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5. Adaptações Fisiológicas na Gravidez

A gravidez induz notáveis alterações fisiológicas maternas, a fim de responder

eficientemente às necessidades da placenta e do feto em desenvolvimento. Tais alterações

surgem logo após a fertilização e continuam durante a gestação. Ocorrem em resposta a

estímulos advindos da unidade feto-placentária, em conjunto com as alterações

hormonais (Torgersen K. et al., 2006). Sucedem-se, resumidamente, as principais

alterações fisiológicas que ocorrem a nível materno.

5.1. Metabolismo dos Hidratos de Carbono

Na gravidez ocorre adaptações no metabolismo materno, como o aumento da

resistência à insulina, de modo a responder às necessidades energéticas durante o

crescimento e desenvolvimento da unidade feto-placentária (Soma-Pillay P. et al., 2016).

O aumento dos estrogénios e da progesterona, durante as primeiras semanas de gravidez,

provocam a hiperplasia das células β pancreáticas, originando o aumento da produção de

insulina (hiperinsulinémia) e da sensibilidade à mesma. Estas são alterações anabólicas e

estimulam o aumento do armazenamento tecidual de glicogénio e a diminuição da

produção hepática de glicose durante o 1ºT. Tais modificações, conjuntamente com a

hiperplasia das células β, o aumento da demanda periférica de glicogénio, a utilização de

glicose materna pelo feto e o aumento da produção de insulina, provocam uma redução

entre 10 a 20% da glicemia em jejum na grávida. Embora as concentrações médias de

glicose permaneçam constantes, o pico da glicose pós-prandial é mais prolongado, devido

à produção placentária de hormonas anti-insulina (Gronowski A., 2004; Soma-Pillay P.

et al., 2016).

Durante o 2ºT surge uma resistência natural à insulina que aumenta

progressivamente, atingindo o pico no 3ºT. Especula-se que esta resistência surge em

consequência da secreção crescente das hormonas diabetogénicas, como a variante GH

(hormona de crescimento) placentária produzida pelo sinciciotrofoblasto. A GH

placentária é regulada pelo tamanho da placenta e pela glicose materna, sendo estimulada

pelo jejum e pela hipoglicémia. A GH pituitária decresce no início da gravidez, atingindo

valores indetetáveis na circulação materna às 24 semanas. Em contraste, a GH placentária

aumenta, por volta do mesmo período e atinge o pico (20-40 ng/ml) às 34-37 semanas. A

GH placentária possui um efeito antagonista da insulina, dificultando a utilização materna

de glicose e, ao mesmo tempo, assegurando o fornecimento de nutrientes ao feto, durante

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a sua privação (Newbern D. et al., 2011). O desenvolvimento da unidade feto-placentária

também contribui para o aumento da resistência à insulina e dos níveis hormonais

maternos, nomeadamente da hPL (diminui a tolerância à glicose), da prolactina

(aumentam a resistência à insulina), da progesterona (estimula a ingestão alimentar

materna), do cortisol (excita o aumento da produção hepática de glicose e a diminuição

das reservas hepáticas de glicogénio) e da glucagina (aumenta os níveis séricos de

glicose). Todas estas hormonas interferem com o processo de sinalização do recetor da

insulina, provocando uma diminuição da sensibilidade à mesma nos tecidos periféricos,

como o músculo esquelético e o tecido adiposo. Consequentemente, no final da gravidez

existe uma diminuição de 50-70% da ação da insulina, em comparação com mulheres não

grávidas e, também, o aumento da sua concentração sérica em jejum e no pós-prandial, a

qual pode duplicar (Butte N., 2000; Gronowski A., 2004; Soma-Pillay P. et al., 2016).

No início da gravidez a elevação de 60% da secreção de insulina (a sensibilidade

à insulina é, ainda, considerada normal), conjuntamente com o aumento da ingestão

alimentar, promove o armazenamento materno de gordura, ao estimular a lipogénese e,

também, ao reduzir a oxidação de ácidos gordos. No final do 2ºT e durante o 3ºT, a

resistência à insulina aumenta, ainda mais, a hiperfagia materna e a acumulação de

gordura. Desta forma, após a ingestão de alimentos (que provoca o aumento da secreção

de insulina) os nutrientes são direcionados para o feto, devido à ação da resistência à

insulina, e, também, para a adipogénese e a glicogénese materna, enquanto em jejum

(diminuição dos níveis de glicose) há um aumento da mobilização das reservas maternas

de glicogénio, triglicéridos e ácidos gordos livres. Existe uma mudança no metabolismo

lipídico, do estado anabólico para catabólico, onde as reservas de gordura são

preferencialmente utilizadas, havendo a preservação materna de nutrientes, como a

glicose e aminoácidos (diminuição do catabolismo proteico) e corpos cetónicos,

importantes para o desenvolvimento fetal. A hPL possui um papel fundamental ao

promover a mobilização dos ácidos gordos livres e das reservas de gordura, reservando a

glicose para as necessidades do feto em desenvolvimento e, também, (em conjunto com

a prolactina) fomentar o aumento da ingestão de alimentos por indução da resistência

central à leptina (Newbern D. et al., 2011; Soma-Pillay P. et al., 2016).

No início da gravidez a expansão das células e o aumento da produção de insulina

são medidas defensivas contra o desenvolvimento de diabetes gestacional (DG)

(Gronowski A., 2004; Newbern D. et al., 2011) A DG é uma situação transitória, definida

como "qualquer grau de intolerância à glicose com início ou primeiro reconhecimento

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durante a gravidez" e é uma complicação médica frequente durante este período. Fatores

como a idade, a obesidade e a genética contribuem para esta patologia (Butte N., 2000;

Metzger B., 2010). Com o intuito de reduzir a morbilidade materna e a morbi-mortalidade

perinatal, a DGS (Direção-Geral da Saúde) recomenda a realização do rastreio da DG,

que deve ser efetuada através da determinação da glicemia em jejum, na primeira consulta

pré-natal e, também, pela realização da prova de tolerância oral à glicose (PTOG) às 24-

28 semanas, cujos valores de referência para o seu diagnóstico encontram-se descritos na

tabela 4 (DGS 002/2011; 037/2011). As mulheres diagnosticadas com DG devem realizar

uma PTOG após 6-8 semanas ao parto (valores de referência - tabela 4), o controlo anual

da glicemia em jejum e, numa gravidez subsequente, uma avaliação da glicémia pré-

concecional, pois a DG aumenta o risco de vir a desenvolver diabetes, principalmente do

tipo 2 (DGS 007/2011). Na DG, para além da resistência periférica pronunciada à

insulina, há um aumento dos triglicéridos em comparação com as gestantes normais, pois

o aumento da resistência à insulina conduz ao aumento adicional de triglicéridos (Butte

N., 2000; Koukkou E. et al., 1996).

Tabela 4: Valores de referência após PTOG para o diagnóstico de DG e diabetes (adaptado de DGS

002/2011, 007/2011).

PTOG pré-natal PTOG pós-parto

Classificação Glicémia plasmática

em jejum Classificação

Glicémia

plasmática em

jejum

Glicémia

plasmática após

2 horas

Normal <92 mg/dl Normal <110 mg/dl e <140mg/dl

DG* ≥92 mg/dl e <126

mg/dl

Anomalia da Glicemia

de Jejum (AGJ)

≥110 mg/dl e

<126 mg/dl e <140 mg/dl

Tratar como

provável

Diabetes prévia

≥126 mg/dl

>200 mg/dl ocasional

HbA1c ≥6,5%**

Tolerância Diminuída à

Glicose (TDG) <126 mg/dl

e ≥140 mg/dl e

<200 mg/dl

Diabetes Mellitus ≥126 mg/dl ou ≥200 mg/dl

* valores de referência para o diagnóstico de DG: ≥92 mg/dl às o horas; ≥180 mg/dl à 1 hora; ≥153 mg/dl

às 2 horas

** este exame não inclui nos que se realizam na vigilância da gravidez

5.2. Metabolismo dos Lípidos

Durante a gravidez, para além do aumento da massa do tecido adiposo, há um

aumento das concentrações séricas de triglicéridos, colesterol total, fosfolípidos e ácidos

gordos. Os triglicéridos aumentam, a partir das 8 semanas, atingindo, às 18 semanas,

valores 40% superiores e valores superiores médios próximos dos 250% (no 3ºT), em

comparação com a média não grávida. Este aumento deve-se à ampliação da síntese

hepática de triglicéridos e da diminuição da atividade da lipoproteína lipase (diminui a

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hidrólise e absorção, no tecido adiposo, de triglicéridos e de lipoproteínas ricas em

triglicéridos), devido à diminuição do catabolismo do tecido adiposo. Supõem-se que a

hipertrigliceridemia normal da gravidez surge em consequência do aumento dos níveis de

estrogénios e da resistência à insulina (Butte N., 2000; Herrera E. et al., 2016; Lockitch

G., 1997; Soma-Pillay P. et al., 2016).

A alteração do nível de colesterol total, importante na síntese placentária de

esteroides, deve-se às alterações das frações das lipoproteínas. A partir das 12 semanas e

até ao final da gravidez, há um aumento do colesterol HDL (High Density Lipoprotein)

de, aproximadamente, 15% em relação a mulheres não grávidas. No início da gestação

ocorre a diminuição das LDL (Low Density Lipoprotein) e VLDL (Very Low Density

Lipoprotein), conjuntamente com o colesterol total, aumentando, posteriormente, no 2ºT

até ao final da gestação, sendo que as LDL podem aumentar até 50%, por trimestre. As

alterações do metabolismo dos lípidos promovem o aumento da lipogénese no início da

gestação e o aumento da lipólise no 3ºT (aumenta as concentrações plasmáticas de ácidos

gordos e de glicerol), devido à ação da hPL. Assim, este aumento abastece as necessidades

energéticas maternas, pelo que, durante o jejum, ocorre o aumento de LDL (aumento da

produção hepática), proporcionando o aumento da produção de ácidos gordos e corpos

cetónicos, os quais suprem as necessidades do feto em desenvolvimento (Butte N., 2000;

Lockitch G., 1997; Soma-Pillay P. et al., 2016).

5.3. Metabolismo do Cálcio

A concentração de cálcio sérico total sofre uma diminuição ao longo da gravidez,

principalmente devido à diminuição da concentração sérica de albumina, que é provocada

pela hemodiluição, o que causa a diminuição da fração de cálcio ligado à proteína.

Contudo, a fração de cálcio ionizado (fisiologicamente importante) mantém-se inalterada

e os níveis séricos de fosfato e magnésio, também, permanecem dentro dos valores de

referência (Kovacs C., 2015; Soma-Pillay P. et al., 2016).

Na gravidez, o feto em desenvolvimento necessita cerca de 30 g de cálcio para a

mineralização óssea e manutenção dos seus processos fisiológicos. Logo, para responder

as necessidades fetais e manter os níveis séricos maternos de cálcio ionizado, ocorre o

aumento da absorção intestinal do elemento, que duplica a partir das 12 semanas.

Todavia, o pico das necessidades de cálcio pelo feto acontece no 3ºT, onde cerca de 80%

do cálcio, presente no esqueleto do recém-nascido, é transferido da mãe para o feto

durante este período. Durante o 3ºT, o cálcio do esqueleto materno, previamente

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armazenado, é a principal fonte que abastece a unidade feto-placentária. Assim, o

aumento da absorção de cálcio no início da gravidez possibilitou, com antecedência, o

armazenamento de cálcio a esse nível. Portanto, as adaptações durante a gestação são

fundamentais para que não haja um comprometimento materno da homeostase do cálcio

e da mineralização óssea (Kovacs C., 2015; Soma-Pillay P. et al., 2016).

Na grávida, a concentração sérica de 1,25-dihidroxivitamina D (1,25(OH)2D),

durante o 1ºT, pode atingir valores 2 a 3 vezes superiores, em relação aos níveis de não

grávida, e permanecem elevados até ao final da gravidez. A elevação de 1,25(OH)2D

incita o aumento da absorção intestinal de cálcio, o qual está associado com o aumento

da excreção renal de cálcio (no início da gravidez). Portanto, a hipercalciúria surge como

uma consequência do aumento da absorção intestinal (Kovacs C., 2015). A hipercalciúria,

na grávida, contribui para o risco aumentado de litíase renal (Soma-Pillay P. et al., 2016).

Numa situação normal, níveis elevados de 1,25(OH)2D exigem teores elevados

de PTH - paratormona (promove a conversão da 25 hidroxivitamina D (25(OH)D) em

1,25(OH)2D, pela 1α-hidroxilase). Contrariamente a esta situação, durante a gravidez, os

níveis séricos da PTH diminuem no 1ºT, permanecendo baixos (até cerca de 30%

inferiores aos valores médios de mulher não grávida) até ao final da gestação. Uma

hipótese é a existência de produção autónoma de 1,25(OH)2D pela placenta, o que explica

a duplicação dos níveis maternos de 1,25(OH)2D. Adicionalmente, ocorre a estimulação

da atividade renal da 1α-hidroxilase pela PTHrP (PTH - related protein), que é produzida

pela placenta, cujos níveis séricos aumentam no 3ºT. A PTHrP suprime, indiretamente, a

PTH e, também, previne um excesso de reabsorção óssea de cálcio no organismo materno

(Kovacs C., 2015).

Os níveis séricos de calcitonina aumentam na gravidez, possivelmente advinda da

tiroide materna, da decídua, do tecido mamário e da placenta. Embora, o seu papel na

gravidez não esteja totalmente compreendido, pensa-se que possa estar envolvida na

proteção do tecido ósseo materno, em relação a uma excessiva reabsorção de cálcio,

sobretudo na fase inicial da gravidez, contribuindo, assim, para a manutenção dos níveis

séricos de cálcio (Kovacs C., 2015).

5.4. Alterações Hematológicas e Hemostáticas

Durante uma gravidez não complicada ocorrem alterações hematológicas,

nomeadamente o aumento, entre 25 a 30%, do volume plasmático (a partir das 16 semanas

até às 28-30 semanas) e o aumento de 18-30% do número de eritrócitos (a massa

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eritrocitária decresce durante o 1ºT e só depois começa a aumentar a partir do 2ºT) e

reticulócitos, devido ao aumento da eritropoietina (durante o 2º e 3ºT) e,

consequentemente, da eritropoiese (Gronowski A., 2004). O aumento da massa

eritrocitária permite a expansão da capacidade de transporte de oxigénio durante a

gravidez e assegura a tolerância materna à perda de sangue, com a separação da placenta

no parto (Lockitch G., 1997; Torgersen K. et al., 2006).

Durante a gravidez as necessidades de ferro aumentam, devido ao aumento da sua

utilização pela unidade feto-placentária em desenvolvimento e, também, pela eritropoiese

(a massa eritrocitária aumenta nos últimos dois trimestres, como já foi referido

anteriormente). A fim de corresponder ao aumento das necessidades de ferro ocorre o

aumento da sua absorção intestinal de 2 mg/dia no 1ºT para 5 mg/dia no 3ºT. Para que

haja uma absorção intestinal máxima é necessário a ingestão de 10 mg/dia de ferro e tal

pode ser um fator limitante em muitas grávidas, podendo conduzir ao esgotamento das

reservas de ferro (quando estas não são adequadas) (Gronowski A., 2004). Devido a tal,

a DGS recomenda a suplementação oral com 30-60 mg/dia de ferro elementar durante a

gestação (DGS, 2015).

Durante a gravidez, também existe um aumento acrescido das necessidades de

acido fólico e, do mesmo modo que o ferro, a mulher grávida possui um maior risco de

vir a desenvolver uma deficiência em ácido fólico, devido a uma reserva inadequada.

Uma deficiência em ácido fólico provoca, numa fase inicial, a hipersegmentação dos

neutrófilos, podendo progredir para uma anemia macrocítica. A deficiência em vitamina

B12 pode, também, originar anemia macrocítica sendo, no entanto, a carência em ácido

fólico o principal fator. O ácido fólico é fundamental para o metabolismo dos

aminoácidos e a síntese de ácidos nucleicos, pelo que as necessidades diárias de ácido

fólico aumentam de 100-150 µg para 100-300 µg durante a gravidez (Gronowski A.,

2004). Por essa razão, a DGS recomenda a suplementação oral de 400 μg/dia de ácido

fólico o mais precocemente possível (DGS, 2015).

No hemograma materno a contagem de eritrócitos (eritrograma), assim como a

hemoglobina, sofrem uma diminuição, sobretudo a partir do 2ºT (a concentração média

de hemoglobina na grávida é de 10,9-11,4 g/dL sem suplementação e de 11,5-12,0 g/dL

com suplementação), devido ao aumento do volume plasmático que é superior ao

aumento da massa eritrocitária (Gronowski A., 2004; Souza A. et al., 2002). O VGM

(Volume Globular Médio) aumenta ao longo da gestação, havendo uma ligeira

macrocitose fisiológica. Conjuntamente com aumento do VGM, ocorre um ligeiro

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aumento do HGM (Hemoglobina Globular Média). O CHGM (Concentração de

Hemoglobina Globular Média) mantém-se. No entanto, no final do 3ºT os valores de

HGM e CHGM são inferiores, 9,3 e 1,9% respetivamente, em relação a mulheres não

grávidas. Os valores de Ht (hematócrito) decrescem devido ao aumento desproporcional

do volume plasmático, em relação ao volume das células eritrocitárias. Quanto ao

leucograma, é observável um ligeiro aumento de leucócitos, sobretudo devido ao aumento

do número de neutrófilos maturos. A contagem de leucócitos pode atingir os 12,2x103/µL

(ou 12,2x109/L), regressando a valores anteriores à gravidez, aproximadamente, 6

semanas após o parto (Gronowski A., 2004).

A gravidez é caracterizada como um período onde a atividade coagulante se

encontra aumentada, enquanto a fibrinólise está diminuída. Tais alterações ocorrem como

medida de defesa a hemorragias severas durante o período antecedente ao parto (peri-

parto) (Lockitch G., 1997). Embora, o número de plaquetas não varie significativamente,

existe um aumento generalizado dos fatores de coagulação ao longo da gestação,

nomeadamente VII, VIII, IX, X e XII, assim como do fibrinogénio (aumenta 20-50% por

trimestre) e do Factor de von Willebrand (200-300%). Contrariamente, os fatores XI e

XIII sofrem uma diminuição. Como referido anteriormente, na gravidez ocorre uma

diminuição da atividade anticoagulante, acompanhada por uma diminuição dos níveis

séricos da proteína S e o aumento da resistência à proteína C ativada, sobretudo devido

ao aumento dos estrogénios (Gronowski A., 2004; Rosene-Montella K., 2015). Durante

este período o tempo de protrombina (TP), que avalia a via extrínseca e comum da

coagulação, e o tempo de tromboplastina parcial ativada (TPPa), que avalia a via

intrínseca da coagulação, tendem a diminuir, embora estas alterações não sejam

clinicamente significativas (Gronowski A., 2004; Lockitch G., 1997). Por outro lado, a

atividade fibrinolítica encontra-se diminuída, devido ao aumento do inibidor do ativador

dos plasminogénios tipo 1 e 2 (PAI-1 e PAI-2), produzidos pela placenta e que aumentam

a partir do 2ºT, os quais inibem os ativadores do plasminogénio t-PA (tissue plasminogen

activator) e u-PA (urokinase-type plasminogen activator), responsáveis pela conversão

do plasminogénio em plasmina e, assim, contribuindo para o aumento dos níveis de

plasminogénio. Após o parto, a fibrinólise volta ao normal com a separação placentária.

Devido a tais alterações, na gravidez existe um maior risco de ocorrer trombose materna

(Lockitch G., 1997; Rosene-Montella K., 2015).

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5.5. Sistema Cardiovascular

As alterações no sistema cardiovascular durante uma gravidez não complicada são

notórias. A partir das 6 semanas ocorre o aumento do débito cardíaco, que corresponde

ao produto do cálculo entre o volume sistólico (volume de sangue bombeado por um

ventrículo durante uma contração) e a frequência cardíaca. Tal resulta do aumento da

frequência cardíaca materna (aumenta 15-20 bpm (batimentos por minuto) em relação à

mulher não grávida, estabilizando no 3ºT), e, também, do aumento do volume sistólico,

o qual é dependente da pré-carga e pós-carga. Na grávida, o aumento do volume

sanguíneo leva ao aumento da pré-carga e a vasodilatação provoca a diminuição da pós-

carga. Assim, o débito cardíaco aumenta 20-50% ao longo da gestação devido ao aumento

do volume sistólico. O débito cardíaco atinge o pico às 20-28 semanas e depois estabiliza

até ao final da gravidez (Soma-Pillay P. et al., 2016; Tan EK et al., 2013). Este aumento

é importante pois permite à grávida acompanhar o aumento do consumo basal de

oxigénio. Grande parte do débito (25%) é dirigido para a unidade feto-placentária, mas

também há um aumento do fluxo sanguíneo para a pele, glândulas mamárias e rins

(Lockitch G., 1997; Tan EK et al., 2013). Ocorre alterações cardíacas que, também,

contribuem para o aumento do débito cardíaco, nomeadamente aumento da massa do

músculo da parede ventricular e do volume diastólico final (sem aumento da pressão

diastólica final), bem como o aumento da contratilidade miocárdica e a dilatação

fisiológica do coração materno (Soma-Pillay P. et al., 2016).

A pressão arterial média (PAM), que é diretamente proporcional ao débito

cardíaco e à resistência vascular sistémica, diminui no 1º e 2ºT, voltando a valores

normais (não grávida) no 3ºT. A resistência vascular sistémica (mediada pela

progesterona e o óxido nítrico), também, diminui até às 20 semanas (contribui para a

diminuição da PAM), aumentando até ao final da gravidez. Durante a gravidez, a

produção de óxido nítrico, pelo endotélio, é regulada pelo estradiol, que contribui para a

vasodilatação periférica (contribui 25-30% na resistência vascular sistémica). Como

medida compensatória à resistência vascular, o débito cardíaco aumenta (Lockitch G.,

1997; Soma-Pillay P. et al., 2016). Estas alterações fisiológicas revertem-se 6 semanas

após o parto, mas as mudanças adaptativas estruturais demoram alguns meses a

normalizar (Rosene-Montella K., 2015).

Simultaneamente às adaptações cardiovasculares, ocorre o aumento até 50% da

ventilação por minuto (volume de ar inspirado/expirado durante 1 minuto) e da frequência

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respiratória, (16 para 20 respirações por minuto). O aumento da ventilação

(hiperventilação) deve-se sobretudo à elevação dos níveis de progesterona que ocorre

durante a gravidez e, também, à diminuição da capacidade pulmonar total, causada pelo

aumento do diâmetro do tórax e da elevação do diafragma (Lockitch G., 1997; Torgersen

K. et al., 2006). Desta forma, a gravidez é um estado de alcalose respiratória (pH entre

7,40 e 7,45) que facilita a transferência de dióxido de carbono do feto para a circulação

materna. Para compensar a alcalose, os rins aumentam a excreção de bicarbonato,

conduzindo à diminuição da concentração sérica do mesmo (Chang J. et al., 1992).

Os níveis séricos de bicarbonato situam-se entre 18-21 mmol/L na grávida,

enquanto na mulher não grávida os valores se encontram entre 22-29 mmol/L (Mayo

Clinic, 2017; Tan EK et al., 2013). A diminuição do bicarbonato reduz a capacidade de

tamponamento (eleva o risco de cetoacidose diabética em mulheres grávidas

insulinodependentes) e da afinidade da hemoglobina materna para o oxigénio, o que

facilita a transferência de oxigénio da circulação materna para a fetal (Tan EK et al.,

2013).

5.6. Função Gastrointestinal

A náusea e o vómito são sintomas comuns durante a gravidez, afetando 50-90%

das grávidas. Uma das teorias é que tal pode atuar como um mecanismo, cujo objetivo é

prevenir o consumo de substâncias potencialmente teratogénicas, como frutas e vegetais

com um sabor forte. Estes sintomas, provavelmente, estão relacionados com o aumento

dos estrogénios, da progesterona e, sobretudo, da hCG, visto que estes sintomas são mais

acentuados em grávidas com os níveis séricos de hCG mais elevados. Por volta da 20ª

semana esta situação atenua-se, embora permaneça em 10-20% das grávidas até ao final

da gravidez. Por volta 0,5-3% das grávidas desenvolvem uma forma severa de náusea e

vómito excessivo, a hiperémese gravídica, levando à desidratação, cetonúria, perda de

peso, desequilíbrio eletrolítico e deficiência de vitaminas e minerais, onde uma das

soluções preconizadas é a substituição intravenosa de fluídos, vitaminas e minerais

(Soma-Pillay P. et al., 2016).

Os efeitos mecânicos, causados pelo crescimento do útero, sobre o trato

gastrointestinal, nomeadamente o aumento da pressão intra-gástrica (devido à deslocação

em direção ao estômago), combinado com a diminuição do tónus do esfíncter esofágico

(devido à elevação da progesterona) e o aumento da acidez gástrica (causado pela

produção placentária de gastrina), predispõem a sintomas de azia e de refluxo (afetam 50-

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80% das gestantes) e, também, a náuseas e vómitos. Conjuntamente com os efeitos

mecânicos, os níveis elevados de progesterona e estrogénio provocam alterações na

atividade neural gástrica e na função muscular lisa, conduzindo a gastroparesia

(esvaziamento gástrico retardado) e ao aumento do tempo do trânsito gastrointestinal,

causando a sensação de inchaço e obstipação (Cheung K. et al., 2013; Soma-Pillay P. et

al., 2016).

5.7. Função Renal

O trato urinário sofre enormes alterações anatómicas e fisiológicas durante a

gravidez. Os rins aumentam de massa e, consequentemente, de tamanho (1-1,5 cm)

devido ao aumento da vasculatura renal, do volume intersticial e do espaço morto urinário

(causado pela dilatação da pelve renal, cálices e ureteres) (Gabbe S. et al., 2007). O

aumento da progesterona e da compressão dos ureteres na borda pélvica provoca a

dilatação do sistema coletor renal (sobretudo no 3ºT), originando a hidronefrose. A

compressão ureteral conduz à estase urinária, o que predispõe à nefrolitíase e a infeções

urinárias, que variam desde a bacteriúria assintomática à pielonefrite. A frequência

urinária aumenta, assim como a incontinência, devido ao aumento da pressão de

contração sobre a bexiga (provocado pelo crescimento do útero), da redução do tónus

uretral (provocado pela progesterona) e da peristalse (Soma-Pillay P. et al., 2016; Tan EK

et al., 2013).

Na grávida verifica-se o aumento do fluxo plasmático renal (80%) e da taxa de

filtração glomerular (GFR), entre 40-60%, causado pelo aumento do débito cardíaco e da

vasodilatação renal, que por sua vez resulta da vasodilatação sistémica (Rosene-Montella

K., 2015). A clearance da creatinina (urina de 24 horas) sofre um aumento significativo,

podendo atingir 140-170 mL/min. Para além da creatinina, também, ocorre o aumento da

clearance da ureia e do ácido úrico. Devido ao aumento da clearance, sem o aumento

significativo na produção, ocorre a diminuição da concentração sérica da creatinina de

0,8 mg/dL para 0,5 mg/dL, da ureia de 13,0 mg/dL para 9,0 mg/dL e do ácido úrico de

2,0 mg/dL para 0,3 mg/dL (às 24 semanas). O ácido úrico aumenta após as 24 semanas,

atingindo valores semelhantes aos de antes da conceção, no final da gravidez. A excreção

urinária de glicose também aumenta (1-10 g/dia) devido ao aumento da GFR e da

diminuição da eficiência da reabsorção tubular. Logo, a glicosúria na grávida é um achado

comum. Também é observável o aumento da excreção de cálcio, aminoácidos, vitaminas

hidrossolúveis e fósforo. Por outro lado, em consequência do aumento da permeabilidade

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capilar glomerular à albumina e do aumento do GFR, ocorre uma elevação da excreção

proteica. A proteinúria na mulher não grávida, normalmente, é inferior a 150 mg/dia,

enquanto na grávida pode atingir os 300 mg/dia (Gabbe S. et al., 2007; Gronowski A.,

2004; Lockitch G., 1997; Soma-Pillay P. et al., 2016; Tan EK. et al., 2013).

Durante a gravidez há o aumento da ativação do sistema renina-angiotensina-

aldosterona, o que resulta no aumento da retenção renal de sódio e água no túbulo distal

e no ducto coletor, criando um estado hipervolémico e hipoosmolar característico na

grávida (Soma-Pillay P. et al., 2016). As concentrações séricas e a atividade da renina,

assim como o angiotensinogénio (substrato da renina), angiotensina e angiotensina II,

aumentam no 1ºT. O aumento da progesterona e estrogénios é, em parte, responsável por

estas alterações, pois os estrogénios estimulam o aumento da produção hepática de

angiotensinogénio, o que por sua vez estimula o aumento da síntese da aldosterona. Já a

progesterona provoca o aumento da atividade plasmática da renina e da síntese renal de

aldosterona, que é responsável pelo o aumento da retenção de sódio e, sobretudo, de água,

conduzindo ao aumento do volume plasmático observável na gravidez (Cheung K. et al.,

2013; Gronowski A., 2004). Quanto ao potássio, a progesterona possui um efeito

anticaliurético, o que permite preservar a excreção de potássio, sendo esta constante ao

longo da gestação devido às alterações na reabsorção tubular, ocorrendo, desta forma, o

aumento sérico de potássio na gravidez (Soma-Pillay P. et al., 2016).

Os níveis séricos de vasopressina ou ADH (hormona antidiurética) aumentam no

início da gravidez, sobretudo devido ao aumento da hCG. Uma outra hipótese é que a

diminuição da concentração sérica de sódio de, aproximadamente, 4 a 5 mEq/L (a

concentração sérica de sódio diminui no 1ºT, aumentado no 2ºT e volta a diminuir no

3ºT), no início da gravidez, se relacione com a vasodilatação e a síntese de ADH pela

pituitária posterior (Burtis C. et al., 2015; Cheung K. et al., 2013; Soma-Pillay P. et al.,

2016). A ADH estimula o aumento da reabsorção de água no ducto coletor renal, o que

contribui para a diminuição da osmolaridade plasmática (Cheung K. et al., 2013; Davison

J. et al., 1989). A meio e no final da gravidez ocorre um aumento da vasopressinase, que

é produzida pela placenta. Este aumento provoca a ampliação da depuração metabólica

da ADH e uma maior regulação da sua atividade, resultando na menor efetividade da sua

ação. A atividade enzimática da vasopressinase é elevada, principalmente, no 3ºT. Apesar

do aumento da depuração da ADH, a sua concentração mantém-se estável ao longo da

gravidez devido ao aumento da sua síntese (Davison J. et al., 1989; Cheung K. et al.,

2013; Soma-Pillay P. et al., 2016).

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Durante este processo fisiológico verifica-se o aumento dos níveis séricos de CBG

(globulina transportadora de corticosteroides), de ACTH (hormona adrenocorticotrófica),

de cortisol e de cortisol livre. Tais alterações originam um estado de hipercortisolismo,

característico na gravidez, que contribui, por exemplo, para o aparecimento de estrias, a

elevação da pressão sanguínea e a diminuição da tolerância à glicose. A maioria dos

sintomas característicos do hipercortisolismo não surgem na grávida, possivelmente

devido à elevação da progesterona, que produz um efeito antagonizante sobre os

glicocorticóides. Apesar do hipercortisolismo, as variações diurnas de cortisol na grávida

mantêm-se. No final do 1ºT, o nível total de cortisol aumenta devido ao aumento da

produção de cortisol livre pela zona fasciculada (zona central do córtex adrenal). No final

da gestação os níveis de cortisol total são 3 vezes superiores, em comparação com os

valores de não grávida. Este aumento, provavelmente, deve-se à ampliação da produção

da sua proteína transportadora, a CBG, estimulada pelos estrogénios. No final da

gestação, ocorre a síntese da CRH (hormona libertadora da corticotrofina) pela placenta,

o que origina o aumento dos níveis séricos de cortisol e, consequentemente, agrava o

estado de hipercortisolismo, sendo esta alteração um dos incitadores para o início do

trabalho de parto (Gardner D. et al., 2011; Soma-Pillay P. et al., 2016).

5.8. Função Tiroideia

Na gravidez ocorre um aumento da produção hepática de TBG (globulina

transportadora de tiroxina - principal proteína transportadora) devido à estimulação dos

estrogénios, sendo que a sua concentração sérica aumenta logo no início da gravidez,

atingindo o pico no 2ºT e estabilizando até ao final da gestação. A TBG atinge valores

até 2,5 vezes superiores, em comparação com mulheres não grávidas, cujos valores

médios antes da pré-conceção aumentam de 15-16 mg/L (intervalo de referência do TBG

sérico em mulheres não grávidas é de 10-21 mg/L) para valores médios de 30-40 mg/L

durante a gravidez (Glinoer D., 1997; Soma-Pillay P. et al., 2016).

O aumento da TBG ocorre, em simultâneo, a partir das 6-12 semanas, com o

aumento da concentração sérica dos níveis de triiodotironina (T3) e da tiroxina (T4)

(figuras 5 e 6), onde a elevação de T3, neste período, é mais acentuada do que a de T4. A

variação da T4 é mais próxima à variação da TBG, pois acompanha a elevação da proteína

transportadora. Ambas as hormonas tiroideias atingem o pico por volta da 20ª semana e

mantêm-se constantes até ao final da gravidez (Gardner D. et al., 2011; Glinoer D., 1997).

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Figura 5: Evolução de T3 total e livre, durante a gravidez (adaptado de Gardner D. et al., 2011). No gráfico

é observável o aumento de T3 total durante o 1ºT, que depois estabiliza (2 ng/mL - concentração média

sérica) até ao final da gestação e a manutenção da concentração média sérica nos 4 pg/mL de T3 livre.

Figura 6: Evolução de T4 total e livre durante a gestação (adaptado de Gardner D. et al., 2011). O gráfico

mostra a manutenção da média dos níveis séricos de T4 livre (30 pg/mL), e o aumento de T4 total no 1ºT

que, seguidamente, estabiliza até ao final da gestação, numa concentração sérica média de 150 ng/mL.

Apesar do aumento da TBG não há alterações significativas nas frações livres de

T4 (T4L) e T3 (T3L), as quais se mantêm constantes durante a gravidez (figuras 5 e 6). Tal

deve-se ao facto de haver um ajustamento na produção das hormonas tiroideias, pois o

aumento sérico de TBG, no início da gestação, induz uma diminuição transitória da

concentração hormonal livre, incitando a regulação hormonal primária através dos

mecanismos normais de feedback (estimulação da TSH - hormona estimuladora da

tiroide), entre a pituitária anterior e a tiroide (Gardner D. et al., 2011; Glinoer D., 1997;

Soma-Pillay P. et al., 2016).

A concentração sérica de TSH diminui ligeiramente no 1ºT, em resposta à ação

tirotrópica dos níveis elevados de hCG. Esta possui uma estrutura molecular semelhante

à TSH e, devido a tal, reage de forma cruzada com a TSH, estimulando a glândula. No

final do 1ºT os níveis de TSH aumentam, coincidindo com a diminuição dos níveis de

hCG, e mantêm-se relativamente estáveis até ao final da gestação (Gardner D. et al., 2011;

Soma-Pillay P. et al., 2016). Deste modo, os valores de referência para a TSH na grávida

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ficam alterados e são considerados os seguintes: 0,1-2,5 mU/L no 1ºT; 0,2-3,0 mU/L no

2ºT; 0,3-3,0 mU/L no 3ºT (DGS 039/2011). Note-se que o intervalo de referência para a

população adulta (> 20 anos) é de 0,4-4,0 mU/L (Laurberg P. et al., 2011).

A TG (tiroglobulina), também, aumenta durante a gravidez. Esse aumento

inicia-se no 1ºT, provavelmente, devido à ligeira elevação da TSH, sendo mais evidente

a meio e no final da gestação. A TG é a matriz proteica utilizada na síntese das hormonas

tiroideias e os seus níveis séricos revelam ser um indicador sensível, embora inespecífico,

da atividade ou do estado de estimulação da tiroide (Glinoer D., 1997).

Durante a gravidez o risco de ocorrer uma deficiência de iodo aumenta, devido ao

aumento da excreção urinária, causada pela alteração da filtração glomerular (a clearance

do iodo aumenta). Além disso, ocorre a transferência de iodo da circulação materna para

a unidade feto-placentária, de modo a permitir que as glândulas tiroideias fetais iniciem

a produção de hormonas, as quais são fundamentais para o desenvolvimento fetal. Estima-

se que as necessidades diárias de iodo durante a gravidez e o período de lactação sejam

de 200 µg/dia, enquanto na mulher não grávida são de 100-150 µg/dia (Glinoer D., 1997;

Soma-Pillay P. et al., 2016). Devido ao aumento das necessidades diárias em iodo, a DGS

recomenda, o mais precocemente possível, a suplementação oral de 150-200 µg/dia de

iodeto de potássio (DGS, 2015). Uma deficiência em iodo provoca o aumento da glândula

em 25%, mas se a ingestão do elemento for adequada durante a gravidez o tamanho da

glândula permanece inalterado (Soma-Pillay P. et al., 2016).

É de salientar que a DGS recomenda a avaliação laboratorial da função tiroideia

nas grávidas com elevado risco de vir a desenvolver doenças da tiroide (exemplo: bócio)

e, também, em grávidas com antecedentes de disfunção tiroideia, história familiar de

doença tiroideia, tiroidectomia prévia, diabetes tipo 1 ou outras doenças autoimunes,

anticorpos antitiroideus elevados, irradiação cervical, clínica sugestiva de disfunção

tiroideia e abortos de repetição (DGS 039/2011).

5.9. Função Hepática

A gravidez está, de certa forma, associada ao aumento do metabolismo hepático,

sendo esta a alteração mais evidente, pois o tamanho, anatomia e histologia do órgão são

minimamente afetados. O efeito estimulante dos estrogénios provoca um aumento

generalizado da síntese de proteínas a nível hepático, conduzindo a alterações

significativas nas concentrações séricas de fatores de coagulação, proteínas de fase aguda

(exemplo: ceruloplasmina e α-1-antitripsina), proteínas de ligação a hormonas e

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angiotensinogénio. Tais alterações enzimáticas e proteicas, podem induzir uma incorreta

interpretação da avaliação laboratorial da função hepática (tabela 5) na gravidez, podendo

ser falsamente associado a doença hepática (Gronowski A., 2004; Nelson-Piercy C.,

2010).

A fosfatase alcalina (FA) aumenta até 2 vezes mais, em comparação com os

valores de não grávida, atingindo o pico no 3ºT. A produção de uma isoenzima placentária

é a principal causa, a qual contribui com 40-60% para o aumento plasmático da FA total.

Na gravidez o aumento fisiológico de FA faz com que este não seja um marcador

confiável na avaliação da função hepática. Contrariamente à FA, a GGT (γ- glutamil

transferase) decresce 10-20% durante a gravidez, tornando-se, assim, num melhor

marcador hepático, sendo útil na distinção entre a elevação fisiológica e patológica da FA

na grávida. A 5’-nucleotidase permanece inalterada durante a gestação, razão pela qual é,

de igual modo, útil na identificação da causa da elevação da FA. A concentração sérica

de lactato desidrogenase, também, permanece inalterada durante a gravidez, apesar das

suas 5 isoformas serem expressas a nível placentário. Níveis diminuídos de FA na grávida

estão, normalmente, associados a pré-eclâmpsia, enquanto que a GGT, as

aminotrasferases e a lactato desidrogenase permanecem elevadas (Gronowski A., 2004).

Quanto às transaminases, a AST (aspartato aminotransferase), existindo em vários

tecidos e cuja distribuição celular é sobretudo mitocondrial, não sofre alterações

significativas. Contrariamente, a ALT (alanina aminotransferase), é sobretudo de origem

hepática, diminui 10-20%, sobretudo no período antecedente ao parto, embora a sua

concentração sérica permaneça dentro dos limites normais. A elevação das transaminases

na gravidez está associado ao fígado gordo agudo da gravidez e, também, à hiperémese

gravídica, as quais se encontram ligeiramente elevadas (até 200 IU/L), sendo esta a

alteração laboratorial mais comum (outras alterações incluem o ligeiro aumento da FA,

até 2 vezes o normal, e hiperbilirrubinemia leve (< 4mg/dl)) (Gronowski A., 2004;

Larsson A. et al., 2008; Outlaw W. et al., 2013)

Durante a gestação as concentrações séricas de bilirrubina total, não conjugada e

conjugada diminuem, provavelmente, devido à hemodiluição. Apesar disto, os seus

valores permanecem dentro dos limites normais. Na grávida, distúrbios como a pré-

eclâmpsia, fígado gordo agudo da gravidez, ou colestase intra-hepática, provocam o

aumento dos níveis de bilirrubina (Gronowski A., 2004).

Os ácidos biliares, os quais são derivados do metabolismo do colesterol a nível

hepático, permanecem dentro dos valores de referência (níveis séricos) ao longo da

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gestação. Uma vez que a maioria das doenças que afetam o sistema hepato-biliar,

provocam a elevação dos ácidos biliares, faz com que estes sejam um marcador sensível,

mas não específico, para a doença hepática e biliar. A sua determinação durante a

gravidez é útil na avaliação do prurido que, normalmente, acompanha a colestase, onde é

observável a elevação dos ácidos biliares, nomeadamente do ácido cólico (com uma

elevação até 70 vezes) (Gronowski A., 2004; Ozkan S. et al., 2015). Na colestase intra-

hepática, os ácidos biliares são os mais específicos (a sua concentração sérica aumenta

10-25 vezes), os quais podem ser a primeira ou a única alteração laboratorial encontrada;

outras alterações, para além do aumento da bilirrubina (até 6 mg/dl), incluem o aumento

da FA (até 4 vezes) e das transaminases (2 a 4 vezes) (Ozkan S. et al., 2015).

Tabela 5: Valores de referência dos parâmetros incluídos nas provas da função hepática (Nelson-Piercy C.)

Não grávida Grávida Trimestres

1º 2º 3º

Bilirrubina µmol/l 0-17 - 4-16 3-13 3-14

Proteínas Totais g/L 64-86 48-64 - - -

Albumina g/L 35-46 28-37 - - -

AST IU/L 7-40 - 10-28 11-29 11-30

ALT IU/L 0-40 6-32 - - -

GGT IU/L 11-50 - 5-37 5-43 3-41

FA IU/L 30-130 - 32-100 43-135 133-418

Ácidos Biliares

µmol/L 0-14 0-14 - - -

5.9.1. Proteínas Plasmáticas

Apesar do aumento da produção hepática de algumas proteínas, durante a gravidez

há uma diminuição da concentração das proteínas plasmáticas devido à hemodiluição. A

albumina é a proteína mais afetada (concentração diminui cerca de 20-40%), pois a

síntese e catabolismo permanecem inalterados ao longo da gestação (Lockitch G., 1997).

A concentração plasmática de SHBG (globulina transportadora de hormonas sexuais),

cuja a principal função é o transporte de hormonas lipofílicas, como a testosterona e o

estrogénio, aumenta no 1ºT de uma concentração sérica média de 70 nmol/L para 392

nmol/L no 2ºT (na mulher não grávida o intervalo de referência para a SHGG é de 30-90

nmol/L) e permanece elevada até ao final da gestação. O seu aumento resulta do aumento

dos estrogénios (Gronowski A., 2004).

A α-1-antitripsina, inibidora de proteases plasmáticas, aumenta no início da

gravidez e a sua concentração sérica permanece elevada, aproximadamente, 30-90%, até

ao final da mesma. Assim como a α-1-antitripsina, também a trasferrina aumenta ao longo

da gestação, a qual é útil na avaliação da capacidade total de ligação ao ferro. As

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concentrações séricas de ceruloplasmina também aumentam, até 150%, e tal como a α-1-

antitripsina, o seu aumento é devido à elevação dos estrógenos. A proteína C reativa

(PCR) tende a permanecer dentro dos limites normais de não grávida, mas pode aumentar

durante o parto. Durante a gravidez, a atividade do sistema do complemento está

ligeiramente aumentada, ocorrendo o aumento das concentrações séricas das frações C3

e C4, principalmente durante o 3ºT. Contrariamente, as concentrações séricas de

haptoglobina e de imunoglobulinas (principalmente a IgG) diminuem, mas, apesar disso,

as suas concentrações permanecem dentro dos limites de referência (Gronowski A., 2004;

Lockitch G., 1997).

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Conclusão

A gravidez é uma situação fisiológica associada a grandes modificações na

mulher, as quais são fundamentais para assegurar uma adequada nutrição e

desenvolvimento fetal, de modo a permitir a progressão da gravidez, e, também, para

preparar a grávida para o trabalho de parto e o nascimento.

Este trabalho pretendeu focar as principais adaptações, ocorridas no seu decurso,

nomeadamente a alteração do perfil hormonal materno, que se manifesta desde o seu

início, bem como as alterações metabólicas que incluem, por exemplo, o aumento da

resistência à insulina, sendo a principal razão para que os valores de referência para a

classificação da diabetes gestacional sejam diferentes daqueles relativos aos outros tipos

de diabetes, a elevação acentuada da concentração sérica de triglicéridos e o aumento das

necessidades nutricionais sobretudo em iodo, ácido fólico e ferro.

Durante a gestação ocorrem, também, adaptações a outros níveis: a nível

hematológico e hemostático, as quais alteram significativamente os valores médios do

hemograma, bem como os teores dos fatores de coagulação, cruciais no momento do parto

e pós-parto; em relação à função renal, sucede o aumento da GFR, o que permite

considerar fisiológico a presença de concentrações aumentadas de glicose e proteínas na

urina; no que concerne à função tiroideia, as variações mais relevantes incluem a elevação

sérica das frações totais de T3 e T4, de TBG e TG e a diminuição da TSH; outro exemplo

importante corresponde à função hepática, onde os valores médios séricos de

determinados parâmetros, incluídos nas provas da função hepática, sofrem alterações

significativas, nomeadamente a atividade da fosfatase alcalina, que pode estar aumentada

numa situação de colestase, mas a sua elevação isolada é considerada fisiológica devido

à isoenzima placentária.

Todas estas adaptações e alterações a nível materno, implicam que alguns dos

parâmetros se alterem de tal forma, que a sua interpretação, de acordo com os intervalos

de referência de não grávida, possam induzir, falsamente, a uma situação patológica ou,

por outro lado, impedir ou limitar a deteção de uma situação irregular na grávida. Logo,

é fundamental que os laboratórios de análises clínicas apliquem, quando justificável,

valores de referência adequados a esta situação fisiológica, para que haja uma correta

interpretação da mesma.

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