beneficiamento do licuri une mulheres do sertão

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O licuri é um coquinho que cresce dentro de uma casca amadeirada de formato oval, coberta com uma grossa camada de fibra da cor verde e marrom nas extremidades, mede em média 2 cm de diâmetro e é nativo do Semiárido. O fruto é produzido pelo licurizeiro, que alcança até 10 metros de altura e pode produzir em média oito cachos de licuri ao ano. O sabor marcante da amêndoa pode ser apreciado cru ou cozido, na produção do doce ou na extração do óleo e do leite, para o tempero de comidas. Por muito tempo a árvore era desmatada pelos proprietários das terras onde brotava por não considerarem o potencial do fruto do licurizeiro. Assim como ainda tem regiões em que este fruto se perde ou é subutilizado. Mas, em outras, a atividade da quebra do licuri é fundamental para garantir uma parte da renda familiar a partir da comercialização da amêndoa e da produção da ração para os animais, embora em muitos locais o preço ainda é desvalorizado. Outro subproduto é o artesanato produzido a partir da palha da planta. Na comunidade de Inácio João, no município de Caém, Bahia, a 330 km de Salvador, cinco famílias descobriram, há mais de um ano, o potencial gastronômico e outras finalidades do fruto. Janete Rodrigues (40) e seu marido Aparecido Calegari (50), Marieta dos Santos (68), Rita Cerqueira (56), Sirleide Fernandes (25), Marinez Barreto (47) são as seis pessoas que tiveram esta iniciativa e narram pra gente a história delas com o trabalho do beneficiamento do licuri. Como tudo começou e quais os desafios No ano de 2010, Janete, agente de saúde da sua comunidade e presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Fazenda Inácio João, vendo a subutilização de matéria prima sentiu a necessidade de encontrar formas de utilizá-la como fonte de renda e aumentar o seu valor comercial, já que a disponibilidade do licuri era abundante. “Um dia eu fui pegar adubo de palmeira lá em cima e vi que estava perdendo muito licuri, como Caldeirão Grande já trabalhava com o beneficiamento de licuri, pensei que a gente também poderia tá trabalhando aqui”, lembra Janete. A partir disto, apresentou a proposta na reunião comunitária e convidou as pessoas da comunidade a formarem um grupo para trabalhar com o beneficiamento do licuri. Diante do baixo valor comercial da venda do licuri na região, apenas quatro famílias acreditaram que seria possível garantir renda com este trabalho. Para iniciar explicam que foi preciso ter muita coragem e persistência, pois não tiveram apoio e nem incentivo. Este foi o primeiro desafio que encontraram, atualmente, são estas mesmas pessoas que continuam engajadas com o projeto, “quem acreditou está começando a colher os resultados”, afirma Janete. Além da falta de apoio comunitário para realizar o trabalho, elas também enfrentaram dificuldades financeiras para sustentar o ideal de trabalhar com o licuri. “Se a gente fosse desistir, já tinha desistido, pois quando a gente comprou o motor gastou 965 reais e a gente não tinha um real, foi a coragem mesmo”, desabafa Marieta. Depois tiveram problemas com o motor e tiveram que comprar outro para não parar o trabalho que foi pago só com o trabalho do licuri. Passado este momento inicial de dificuldades e de muita vontade de trabalhar, começaram a ter resultados positivos. Um deles foi a doação da máquina forrageira, o pagamento dos motores, de despesas e os lucros que estão surgindo, o conhecimento adquirido, a união do grupo, entre outros. “O pessoal achou que a gente era tão louca que disse que essa mulher [Rita] ia ficar pobre de tanto pagar passagem para vim trabalhar para não fazer nada. E agora a gente já tá vendo resultado”, explica D. Marieta. Bahia Ano 5 | nº 166 | setembro | 2011 Caém- Bahia Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Beneficiamento do licuri une mulheres do sertão 1 O grupo é formado por Marinez, Marieta, Rita, Janete, Cirleide e Cido (foto do verso)

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Page 1: Beneficiamento do licuri une mulheres do sertão

O licuri é um coquinho que cresce dentro de uma casca amadeirada de formato oval, coberta com uma grossa camada de fibra da cor verde e marrom nas extremidades, mede em média 2 cm de diâmetro e é nativo do Semiárido. O fruto é produzido pelo licurizeiro, que alcança até 10 metros de altura e pode produzir em média oito cachos de licuri ao ano. O sabor marcante da amêndoa pode ser apreciado cru ou cozido, na produção do doce ou na extração do óleo e do leite, para o tempero de comidas.

Por muito tempo a árvore era desmatada pelos proprietários das terras onde brotava por não considerarem o potencial do fruto do licurizeiro. Assim como ainda tem regiões em que este fruto se perde ou é subutilizado. Mas, em outras, a atividade da quebra do licuri é fundamental para garantir uma parte da renda familiar a partir da comercialização da amêndoa e da produção da ração para os animais, embora em muitos locais o preço ainda é desvalorizado. Outro subproduto é o artesanato produzido a partir da palha da planta.

Na comunidade de Inácio João, no município de Caém, Bahia, a 330 km de Salvador, cinco famílias descobriram, há mais de um ano, o potencial gastronômico e outras finalidades do fruto. Janete Rodrigues (40) e seu marido Aparecido Calegari (50), Marieta dos Santos (68), Rita Cerqueira (56), Sirleide Fernandes (25), Marinez Barreto (47) são as seis pessoas que tiveram esta iniciativa e narram pra gente a história delas com o trabalho do beneficiamento do licuri.

Como tudo começou e quais os desafiosNo ano de 2010, Janete, agente de saúde da sua comunidade e

presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Fazenda Inácio João, vendo a subutilização de matéria prima sentiu a necessidade de encontrar formas de utilizá-la como fonte de renda e aumentar o seu valor comercial, já que a disponibilidade do licuri era abundante. “Um dia eu fui pegar adubo de palmeira lá em cima e vi que estava perdendo muito licuri, como Caldeirão Grande já trabalhava com o beneficiamento de licuri, pensei que a gente também poderia tá trabalhando aqui”, lembra Janete.

A partir disto, apresentou a proposta na reunião comunitária e convidou as pessoas da comunidade a formarem um grupo para trabalhar com o beneficiamento do licuri. Diante do baixo valor comercial da venda do licuri na região, apenas quatro famílias acreditaram que seria possível garantir renda com este trabalho. Para iniciar explicam que foi preciso ter muita coragem e persistência, pois não tiveram apoio e nem incentivo. Este foi o primeiro desafio que encontraram, atualmente, são estas mesmas pessoas que continuam engajadas com o projeto, “quem acreditou está começando a colher os resultados”, afirma Janete.

Além da falta de apoio comunitário para realizar o trabalho, elas também enfrentaram dificuldades financeiras para sustentar o ideal de trabalhar com o licuri. “Se a gente fosse desistir, já tinha desistido, pois quando a gente comprou o motor gastou 965 reais e a gente não tinha um real, foi a coragem mesmo”, desabafa Marieta. Depois tiveram problemas com o motor e tiveram que comprar outro para não parar o trabalho que foi pago só com o trabalho do licuri.

Passado este momento inicial de dificuldades e de muita vontade de trabalhar, começaram a ter resultados positivos. Um deles foi a doação da máquina forrageira, o pagamento dos motores, de despesas e os lucros que estão surgindo, o conhecimento adquirido, a união do grupo, entre outros. “O pessoal achou que a gente era tão louca que disse que essa mulher [Rita] ia ficar pobre de tanto pagar passagem para vim trabalhar para não fazer nada. E agora a gente já tá vendo resultado”, explica D. Marieta.

Bahia

Ano 5 | nº 166 | setembro | 2011Caém- Bahia

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Beneficiamento do licuri une mulheres do sertão

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O grupo é formado por Marinez, Marieta, Rita, Janete, Cirleide e Cido (foto do verso)

Page 2: Beneficiamento do licuri une mulheres do sertão

A colheita e o beneficiamentoO grupo se reúne semanalmente para realizar o trabalho que se inicia nas primeiras horas da manhã.

Caminham quilômetros para encontrarem a matéria prima em terras que circundam a região e que mantém o licurizeiro vivo.

Do fruto não perdem nada. O primeiro passo é a tira do cacho do licuri maduro e as “camas” que se formam no chão. Depois da carga levada para casa e posto o fruto no terreiro para secar, uma parte do licuri é quebrada manualmente para obter o grão para a venda, para fazer o óleo e a outra, do fruto inteiro, para transformar em ração animal (para porco e galinha). A casca é vendida para ser utilizada em forno da fábrica de cerâmica que tem na região. Além do licuri também estão vendendo o babaçu para as cerâmicas.

Explicam que quando necessitam de muita matéria prima, realizam a tira do licuri como faziam antigamente, mas para isto é preciso estar no período de safra. Rita explica que “convida os amigos e todo mundo vai tirar e ainda tem cantiga de roda, é muito divertido”.

Por enquanto, os produtos são comercializados para as pessoas da própria comunidade. “A gente percebeu que a demanda é muito grande, já está faltando óleo para tanto fregueses [risos]”, conta Janete.

Acrescenta ainda que produzem confiante que terão a quem comercializar devido a esta procura e a pouca disponibilidade do produto no mercado. Os lucros que começaram a pouco tempo são divididos em partes iguais.

Todas as etapas do trabalho, que exige muita disposição e força física, são realizadas por todas, com exceção do manuseio da máquina que é responsabilidade do Cido. Reúnem-se duas vezes por semana de acordo com a disponibilidade de cada uma para render o trabalho. Este planejamento garante que elas realizem as tarefas domésticas e outras aliadas ao trabalho com o licuri.

As mudançasO trabalho também reorganizou o cotidiano destas mulheres e seu modo

de se relacionar. Na opinião de Janete, “ajudou muito a autoestima das pessoas, você fica mais otimista nas coisas, mesmo nas dificuldades, então, o trabalho não é só pelo dinheiro”. “Nós passamos um dia sem vim e ficamos agoniados para voltar, pois se a gente chega triste na mesma hora a tristeza vai embora”, conta Sirleide.

Para Marieta, que já está aposentada, este trabalho é uma distração e um divertimento, pois as horas passam que nem sente “depois que comecei a trabalhar com o licuri, me sinto rejuvenescida, me sinto a vontade”, explica. Diz que em toda tira de licuri sai muita diversão das conversas, por isso, gostam muito de se reunir, é uma terapia para a mente e para o corpo.“No dia que a

gente tá trabalhando a gente sai daqui com os músculos da face relaxados”, diz Janete.

SonhosSão muitos os sonhos deste grupo. Um deles é ampliar o trabalho para outras atividades, a exemplo do

beneficiamento do babaçu e da mandioca, a produção de polpas de frutas da região, sabão do óleo de cozinha e outros.“Temos a ideia de crescer”, planeja Marieta.

Por detrás destas mulheres existem suas famílias e histórias, cada uma com um sua experiência de vida pra contar e que não se negam em organizar o tempo entre os afazeres domésticos, a casa de farinha e o beneficiamento do licuri. Deixam o recado para pessoas que sonham procurar realizá-los mesmo que existam muitos obstáculos, pois o importante é acreditar no que está fazendo e que vai dar certo, “você não pode ter medo, é preciso ter coragem e força para lutar pelo que você quiser”, ensina Marinez..

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Colheita da «cama» do licuri

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Bahia

Apoio:

www.asabrasil.org.br

Cido expõe a ração animalproduzida a partir do fruto triturado