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12/5/2015 BENEDITO NUNES :-Entrevista para o Jornal “O Liberal” (Belém) | Textos especiais v2.3 https://subrosa3.wordpress.com/2007/04/17/benedito-nunes-entrevista-para-o-jornal-o-liberal-belem/ 1/12 BENEDITO NUNES :-Entrevista para o Jornal “O Liberal” (Belém) Publicado em abril 17, 2007 Entrevista Benedito Nunes discorre sobre a dor e a delícia de viver em uma cidade que mudou tanto. Um lugar que tem todo o direito de se modernizar, mas não de perder as raízes e a própria beleza. IRAN DE SOUZA Editor Executivo Se procurar pelo nome, você não vai mais localizar a travessa da Estrela no bairro do Marco, embora, de certa forma, ali esteja um dos pontos mais luminosos da cidade. Também não anda fácil de encontrar a Belém que o maior intelectual paraense vivo emoldurou no coração, apesar de ela ser um lugar inesquecível para ele e para a História. Isto porque o tempo passou e a capital do Pará, enfim, nem tinha mais como ser a mesma de 10, 30 ou de 77, quase 78 anos atrás, quando Benedito José Viana da Costa Nunes nasceu. Filósofo, ensaísta e crítico literário referencial na cultura brasileira, ele contempla a cidade com um misto de amor e severas restrições. E no cruzamento de dados historiográficos e afetivos conclui: o problema não é que Belém tenha mudado tanto, mas que tenha mudado para pior. ‘É tão ou mais complicado viver aqui do que em São Paulo, que é maior em tudo’, lamenta. Ainda assim, na Estrela que agora é Mariz e Barros, e na Belém que já não é a aprazível cidade de outrora, Benedito vive entre plantas e livros, depois da infância e juventude em Seguir Textos especiais v2.3 Reviews and pictures and so on

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entrevista com o filosofo Benedito Nunes

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    BENEDITO NUNES :-Entrevista para o

    Jornal O Liberal (Belm)

    Publicado em abril 17, 2007

    Entrevista

    Benedito Nunes discorre sobre a dor e a delcia de viver em uma cidade que

    mudou tanto. Um lugar que tem todo o direito de se modernizar, mas no de

    perder as razes e a prpria beleza.

    IRAN DE SOUZA

    Editor Executivo

    Se procurar pelo nome, voc no vai mais localizar a

    travessa da Estrela no bairro do Marco, embora, de certa

    forma, ali esteja um dos pontos mais luminosos da

    cidade. Tambm no anda fcil de encontrar a Belm que

    o maior intelectual paraense vivo emoldurou no corao,

    apesar de ela ser um lugar inesquecvel para ele e para a

    Histria.

    Isto porque o tempo passou e a capital do Par, enfim,

    nem tinha mais como ser a mesma de 10, 30 ou de 77,

    quase 78 anos atrs, quando Benedito Jos Viana da Costa Nunes nasceu. Filsofo,

    ensasta e crtico literrio referencial na cultura brasileira, ele contempla a cidade com um

    misto de amor e severas restries. E no cruzamento de dados historiogrficos e afetivos

    conclui: o problema no que Belm tenha mudado tanto, mas que tenha mudado para

    pior. to ou mais complicado viver aqui do que em So Paulo, que maior em tudo,

    lamenta.

    Ainda assim, na Estrela que agora Mariz e Barros, e na Belm que j no a aprazvel

    cidade de outrora, Benedito vive entre plantas e livros, depois da infncia e juventude emSeguir

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    Nazar, depois de temporadas alternadas entre a Europa e os Estados Unidos, onde

    consolidou sua trajetria como intelectual, estudando, lecionando, escrevendo (confira

    seus livros abaixo) e fazendo amigos. Constituir amizades, alis, deve ser fcil para este

    homem simples e acessvel que cultiva hbitos como caminhar pela manh com a esposa

    Maria Sylvia Nunes no Bosque Rodrigues Alves, a poucas quadras de sua casa; fcil

    tambm porque Benedito no exala a soberba do conhecimento aglutina e agrega, ao

    invs de espantar seus interlocutores e tambm por isso sbio, o nosso sbio da

    Estrela.

    O que se v e se sente ao conversar com Benedito Nunes, ainda mais no aconchego de

    sua invejvel biblioteca, que, mesmo morando na cidade, ele anda acometido de uma

    saudade louca de Belm. Sintoma claro dessa nostalgia seu ltimo livro, Crnica de

    Duas Cidades Belm e Manaus (Secult, 2006), escrito meio a meio com o

    romancista amazonense Milton Hatoum, e em cujas pginas confessa que redigi-lo foi

    pagar uma dvida com sua prpria terra.

    Entre dbitos e crditos, porm, Benedito est no lucro, tantas so as suas contribuies

    naquilo que um dia j se definiu como Humanidades. Quem est no vermelho com ele e

    com os quase dois milhes de habitantes de sua regio metropolitana um certo lugar

    cujo nome prprio, por extenso, foi registrado em cartrio como Santa Maria de Belm do

    Gro-Par. Um lugar em que cidados, empreendedores e governantes, por amor prprio,

    por respeito ao passado, por responsabilidade com o futuro, deveriam ouvi-lo mais, tom-lo

    mais em conta, referenci-lo como voz, fecunda e idnea, que tanto tem a dizer. Afinal, a

    crtica de Benedito ao que est sendo feito da cidade dura, implacvel, mas sempre

    construtiva em seus conceitos e indicaes, como voc pode ler na entrevista a seguir.

    Esta entrevista um convite a um passeio pela memria de Belm e de Benedito

    Nunes. O senhor o aceita?

    Aceito, sim. Gosto de falar de Belm justamente porque revivo uma cidade que conheci e

    que no existe mais, embora saiba, claro, que as instituies mudam, que as cidades

    se transformam, se modificam.

    Belm se transformou a tal ponto de Benedito Nunes j no poder emoldur-la no

    prprio corao?

    Acho que a modificao de Belm foi um rebaixamento da cidade. Ela cresceu sem

    planejamento e continua crescendo desordenadamente, com edifcios em toda parte, por

    exemplo. Vejo, enfim, um desprezo muito grande pela cidade. A cidade, em si, ela

    desaparece. O que subsiste so certas coisas que no podem deixar de ser

    mencionadas: o que Antonio Lemos fez, em parte, e o que Paulo Chaves recentemente

    fez.

    H muito eu no passo ali pelo lado da rua Joo Alfredo. E pensar que l era o centro da

    cidade, que todo o movimento comercial da cidade se concentrava l Depois foi

    mudando. Hoje j temos os shoppings, deslocou-se o eixo, o centro. Belm no tem mais

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    centro. Logo esta que era uma cidade extremamente cntrica, inclusive porque sempre

    conjugou os elementos do interior, ou seja, atraa gente do interior, gente que vinha para

    c. At intelectualmente Belm era uma cidade que centralizava. Hoje no tem mais essa

    funo cntrica, que foi perdida. claro que h coisas novas, elementos novos.

    Intelectualmente, por exemplo, vejo como hoje relevante a Universidade Federal do Par,

    onde eu lecionei. E a j esto, alm dela, muitas outras universidades. Sob esse ponto de

    vista, ento, h alteraes positivas, significativas e at muito fecundas. Por outro lado,

    existe em Belm a impiedade do desleixo, a falta de uma viso de conjunto. Vejo que, do

    ponto de vista urbano, no se faz em Belm, com as raras excees que citei, obras com

    viso de conjunto da cidade. Executam-se sempre coisas localizadas e local prdio,

    local uma vala Quem se preocupou em fazer obras para a cidade, levando em conta o

    seu conjunto, recentemente, foi o [arquiteto e ex-secretrio estadual de Cultura] Paulo

    Chaves. um mrito que devemos reconhecer.

    Ento, pelo olhar de Benedito Nunes, qual a atmosfera de Belm do Par hoje?

    A atmosfera aquilo que confere uma personalidade cidade. Todas as cidades grandes

    e mercantes no desenvolvimento europeu e norte-americano particularmente no europeu

    isso mais significativo -, todas as cidades tm uma personalidade, uma caracterstica

    indivisa. Isso se v em Paris, isso v em cidades da Inglaterra cidades que no

    perderam o seu centro. muito curioso isso. Essas cidades conservam suas partes

    antigas. A parte antiga se torna um ncleo ou ento uma parte reservada da cidade.

    Nunca se estraga ou se derruba como se faz aqui. Aqui se derruba tudo para construir o

    novo, que em geral muito feio e sem gosto. isso que vemos em Belm: uma mistura

    arquitetnica tremenda, sem configurao estilstica. J houve, mas hoje no h mais.

    Grande Hotel e Theatro da Paz se conjugavam, havia um estilo, uma personalidade.

    Se Belm perdeu o centro, por outro lado ganhou uma periferia que s cresce.

    Para onde vai assim?

    Espero que no v para o brejo [risos]. Essa anarquia urbana terrvel, serssima.

    incrvel que viver em Belm seja hoje to difcil como viver em So Paulo.

    Economicamente, produtivamente, populacionalmente, Belm uma cidade pequena se

    comparada a So Paulo, mas a nossa vida aqui to complicada quanto l ou mais.

    Precisamos usar melhor os recursos pblicos, as riquezas que geramos. Se h alguma

    distribuio disso, essa distribuio est alcanando pouca gente.

    Uma curiosidade: o senhor teve muitas oportunidades para viver longe de Belm,

    mas sempre voltou para c. Por qu?

    Aqui o meu canto. Eu sou um pouco animal sob esse ponto de vista, gosto da minha

    toca, da minha concha. E Belm minha concha existencial, sempre foi. Tem tambm

    outro fato: vivo muito acompanhado de livros. Formei minha biblioteca aos poucos, por

    circunstncias at certo ponto estranhas minha vontade. Ento, com tantos livros, como

    que eu poderia me mudar? Era impensvel. Ainda . Minha biblioteca ocupa cinco salas

    da minha casa.

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    So quantos livros?

    Nunca contei, mas devem ser mais de cinco mil. Ento formei essa biblioteca e ela

    tambm parte importante da minha vida. Veja bem: na poca em que comecei a

    lecionar, havia uma grande falta de bibliografia mo. Livros estrangeiros, quase nenhum.

    Em filosofia no se conseguia tradues; elas foram aparecendo aos poucos. Hoje isso

    mudou muito: h um grande nmero de tradues, algumas muito boas, mesmo em

    filosofia. Ento esse domnio aumentou consideravelmente. Sob esse aspecto, a mudana

    [em Belm] foi muito fecunda, muito positiva.

    O senhor vai completar 78 anos em dia 21 de novembro. Quantos deles passou

    fora da cidade?

    Passei vrios perodos fora. O primeiro foi por volta de 1960, em Austin, no Texas. Foi a

    primeira vez que eu passei uma temporada longa fora. Depois estive nos Estados Unidos

    outras vezes. A ltima foi em Berkeley, na Califrnia, h trs ou quatro atrs. Na Frana,

    de tempos em tempos, estive muitas vezes. Na poca do regime militar fiquei trs anos l.

    Depois, j na dcada de 1980, voltei. Em cada lugar, em cada universidade, foi um ano,

    um ano e meio, em mdia. Somando tudo, devo ter passado uns dez anos fora daqui, no

    mais do que isso.

    Belm despertou e desperta sentimentos contraditrios. Como o senhor mesmo

    diz em sua crnica, houve viajantes que aqui passaram, como La Condamine, que

    tiveram uma viso idlica da metrpole colonial; outros, como Henry Walter Bates,

    disseram que ela era sombria, um corao nas trevas. O senhor se inclina mais

    para que viso?

    Para mim, apesar de tudo, vale mais a primeira, a mais recuada. uma cidade que j no

    existe, eu sei, mas para mim subsistiu, digamos, at os anos 1950 uma Belm de ruas

    largas, arejadas, passeveis; podia-se andar por elas, enquanto hoje j no se pode mais;

    enfim, uma Belm livre do trnsito intenso e desorganizado, com essa profuso que vemos

    de automveis e de veculos de toda sorte. Ento essa Belm que subsiste, para mim,

    nas entrelinhas de uma escrita citadina tumultuosa e desorganizada.

    Ao longo do anos, Belm negou ostensivamente a sua vocao fluvial e deu as

    costas para o rio. O que temos so janelas aqui e ali. Como o senhor considera

    que deveria ser a cidade nesse sentido?

    Essa vocao fluvial foi perdida. Acho muito difcil recuper-la. Tanta coisa j se construiu.

    J h uma fachada desordenada na cidade que difcil remover. difcil, veja bem, mas

    no impossvel. E alternativas para aprofundar essa vocao fluvial no faltam: existem

    grandes pores de verde, existem ilhas fronteiras cidade que podem ser perfeitamente

    conquistadas sob esse ponto de vista. Enfim, nossa orla combina-se a um manancial

    selvtico, floresta e rio, que pode ser amplamente recuperado. Mais do que cidade das

    mangueiras, esta uma cidade de muitas rvores, as mangueiras predominantemente. E

    isso, vale lembrar, foi uma coisa muito sbia da parte do Antonio Lemos: plantar

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    mangueiras, que so frondosas, que do bastante sombra. Se no fossem as mangueiras,

    ns torrvamos aqui.

    Como o senhor avalia a expresso cultural de Belm cem anos depois do tempo

    de glria da borracha?

    A expresso cultural de Belm indigente. Salvo um ou outro caso, indigente. Na

    publicao de livros, em certos peridicos, h honrosas excees. Mas no geral Belm

    perdeu muito culturalmente. Felizmente, houve casos de recuperao: se refez o Festival

    de pera, se deu uma certa vitalidade ao teatro, isso muito considervel. Mas de modo

    geral, a meu ver, essa vitalidade diminuiu bastante. Quanto s riquezas produzidas hoje,

    seria bom que elas fossem distribudas, que houvesse repercusso delas na economia

    local. Mas a distribuio de riquezas nunca feita em benefcio da maioria, essa que a

    verdade.

    Ento esta mesmo a terra do j teve, ento ainda somos, como disse Fbio

    Castro em um trabalho citado pelo senhor, uma cidade sebastiana espera de

    uma nova poca de ouro?

    No haver mais poca de ouro. Nem poca do ouro, como dizia Oswald de Andrade

    [risos]. difcil prever a conformao da economia. Aqui, infelizmente, os planejamentos

    so todos disparatados. Portanto, eu vejo essa situao com muito pessimismo. Se

    quisermos um futuro melhor, precisamos levar mais a srio a economia e a educao.

    Aqui se valoriza pouqussimo a educao no sentido mais alto da palavra. Precisamos, por

    exemplo, conjugar melhor os tantos cursos que hoje existem, focaliz-los mais em

    direo dos nossos tantos problemas. Do ponto de vista da economia, est na hora de

    abandonarmos esse conceito desenvolvimentista, ultrapassado e que sofre duras crticas.

    Fazer uma cidade melhor s vezes partir mesmo do trivial necessrio como empregar

    melhor as verbas, destin-las adequadamente, ter bom senso.Chegamos a um ponto em

    que o que se v j no nem falta de senso senso estragado mesmo.

    A cidade surgiu no Ocidente como espao de convivncia e dilogo. Hoje mais

    de confinamento e conflito. Mudamos para pior?

    Acho que sim. Nesse sentido, lembro-me de Zero, de Igncio de Loyola Brando, um

    livro que teve muita repercusso poca do regime militar. Nele, o autor imagina uma

    cidade exatamente como esto ficando as cidades de hoje, com casamatas, pontos de

    segurana, com torres de vigilncia como estamos vendo hoje. Todos os nossos pedaos

    da cidade so sempre pedaos confinados e, mais do que isso, vigiados por problemas de

    segurana, uma questo que se tornou fundamental hoje em dia. No houve, portanto,

    evoluo urbana, no houve desenvolvimento gradual para se atingir uma meta. No

    tivemos isso.

    De todos os espaos urbanos, o do trnsito parece o mais complicado. O LIBERAL,

    em reportagem publicada no domingo passado, mostrou que o trnsito de Belm,

    e do Par em geral, uma selva dominada por trogloditas ao volante.

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    H problemas mais amplos nisso a do que os de engenharia de trfego. A adoo de

    meios tecnolgicos aumenta a falsa idia de poder no homem. A velocidade, por exemplo

    desenvolv-la cada vez mais ao volante de um carro um encanto, um poder. H uma

    alterao psicolgica nisso, isso est entronizado nas pessoas. Mesmo em condies

    comuns, normais, h uma alterao psicolgica. Quem est ao volante se sente como

    senhor da mquina e senhor do espao. Portanto, esse problema a est em duas divisas,

    a divisa da economia e a divisa da educao. Se a pessoa no tem o senso de cumprir a

    lei, como ele pode respeitar o outro? A os problemas jurdico e moral tambm se cruzam.

    E esse cruzamento, esse entrosamento, muito precrio entre ns trogloditas como

    voc definiu [risos]. Mesmo em condies normais, como eu disse, a conduo leva a

    uma alterao de conduta. E isso muito perigoso. Mais perigoso ainda em condies

    anormais como as nossas, onde no h respeito nenhum s leis de trnsito. Eu, por

    exemplo, deixei de guiar h muito tempo por causa disso e me senti muito bem por ter

    deixado. Sei que nem todos podem, mas felizmente tive condies para isso e no me

    arrependo.

    O senhor escreveu que Belm perder a face sem o seu barroco, sem as suas

    rvores. Concorda que a nova face da cidade j est mais para o Umarizal, com

    seus espiges residenciais e comerciais, do que para a Cidade Velha?

    A grosso modo, pode-se dizer que sim, j que voc coloca a questo nesses termos,

    Umarizal versus Cidade Velha. Mas acho que Belm poderia ter alcanado a mediania, um

    meio termo nem a velhice decadente que a Cidade Velha exprime nem a urbanizao

    louca do Umarizal. Ao se pensar uma cidade, ao se fazer projetos para ela, preciso,

    como eu disse, levar sempre em conta a viso de conjunto, o senso da convivncia social.

    Isso no existe entre ns.

    Alm do Grande Hotel e do Largo de Nazar, que j no existem, do Bosque

    Rodrigues Alves, hoje jardim botnico, da loja Paris nAmrica, prestes a arruinar-

    se, e do Parque Zoobotnico do Museu Goeldi, listados em sua crnica, que

    cones de Belm merecem a sua paixo?

    Eu elegeria dois lugares. Um, a Estao das Docas. Outro, o Mangal das Garas, um

    empreendimento notvel de urbanismo, de meio ambiente, de criao de condies de

    vida no apenas para o homem, mas para as espcies animais tambm. So recantos

    que foram recompostos, restabelecidos. H ainda o Parque da Residncia, um outro

    recanto muito bom. So os aspectos novos de Belm que interessam cidade no seu

    conjunto. No mais, no que toca a construes, traado urbano, Belm foi muito

    desprezada. Por isso, meus afetos so muito anacrnicos, embora outros sejam tambm

    muito atuais. Anacrnico, fora de poca, gostar de certos trechos como Batista

    Campos, Largo da Plvora [risos], ou melhor, Praa da Repblica. Essas coisas antigas

    so trechos, pedaos, retalhos. A fisionomia da cidade mudou muito, at internamente.

    O senhor no governante, pensador. Mas, se tivesse o poder de fazer, qual a

    Belm que Benedito Nunes deixaria para as futuras geraes?

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    Eu ia derrubar muita coisa [risos]. Procuraria reordenar a cidade de modo que

    Belm voltasse a ter um centro, o centro antigo que de certa forma no temos mais.

    Talvez fosse o caso at de tornar a cidade multicntrica, ou seja, com vrios

    centros. o que acontece nas cidades grandes, elas tm vrios. Paris, por exemplo,

    no tem apenas um, mas vrios centros. Ora, Belm est se tornando uma cidade

    grande, mas completamente anrquica, perdeu o seu centro, no ganhou novos, de

    modo que parece mais um grande acampamento feito de edifcios. No sou

    absolutamente contra a modernizao, quero deixar bem claro, porm gostaria de

    ver a minha cidade com uma modernizao de bom gosto. Para isso, os projetos

    imobilirios e urbansticos do setor privado e do setor pblico precisam ser

    avaliados de forma mais criteriosa, com viso de conjunto, mas no isso que est

    acontecendo.

    PARA LER BENEDITO NUNES

    Benedito Nunes foi professor titular de Filosofia na Universidade Federal do Par. Ensinou

    literatura e filosofia em outras universidades do Brasil, da Frana e dos Estados Unidos.

    Recebeu, dentre outros, o Prmio Jabuti de Literatura em 1987. Suas obras so as

    seguintes:

    O drama da linguagem

    Uma leitura de Clarice Lispector. Editora tica, So Paulo, 1989.

    Na fronteira entre a literatura e a filosofia, Benedito Nunes faz uma leitura j clssica da

    obra da autora. Nunes considerado o melhor intrprete da contista e romancista.

    No tempo da narrativa. Editora tica, So Paulo, 1988.

    Neste livro, Benedito Nunes analisa a pluralidade do tempo na obra lietrria, estudada a

    partir das noes de ordem, durao e direo.

    Introduo Filosofia da Arte, Editora tica, So Paulo, 1989.

    Mostra como se deu a construo da idia de Arte em Aristteles e Plato para analisar

    os principais filsofos de arte contemporneos. O modernismo merece ateno especial.

    O Dorso do Tigre (ensaios literrios e filosficos), Col. Debates, Editora

    Perspestiva, So Paulo, 1969.

    Benedito Nunes analisa, no calor da hora, a simbiose entre literatura e filosofia promovida

    por Clarice Lispector e Guimares Rosa. Considerado um dos dez mais importantes

    trabalhos de crtica literria do Brasil.

    Joo Cabral de Melo Neto, Col. Poetas Modernos do Brasil, Editora Vozes, 1974.

    Pela lente de Benedito Nunes, a obra rica e complexa de um dos maiores poetas da

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    lngua da lngua portuguesa ganha uma nova e original intepretao.

    Oswald Canibal, Col. Elos, Editora Perspectiva, So Paulo, 1979.

    Uma viso promordial para a compreenso do pensamento de Oswald de Andrade. Nele, o

    autor defende o carter especifico da antropofagia oswaldiana.

    Passagem para o potico (Filosofia e Poesia em Heidegger), Editora tica, 1986.

    A passagem do filosfico para o potico na obra do pensador alemo Martin Heidegger.

    A Filosofia Contempornea, Editora tica, So Paulo, 1991.

    As correntes e tendncias que no s prefiguram um estilo de pensamento diferente da

    tradio filosfica moderna, como tambm manifestam a crise da filosofia enquanto

    discurso terico.

    No tempo do niilismo e outros ensaios, Editora tica, So Paulo, 1993.

    Em treze ensaios brilhantes, Nunes expe toda a vivacidade e originalidade do seu

    pensamento.

    Crivo de papel (ensaios literrios e filosficos), Editora tica, So Paulo, 1998.

    Crivo de Papel reproduz o que h de mais denso e constante na obra de Benedito Nunes.

    O ponto de partida, seminal, a filosofia.

    Hermenutica e poesia O pensamento potico Organizao: Maria Jos

    Campos, Editora UFMG, Belo Horizonte, 1999.

    Resultado de um curso sobre o Pensamento Potico, em 1994. A partir de sua

    interpretao original de Heidegger, Nunes examina a relao filosofia-poesia oferecendo

    tambm elementos para o entendimento dos passos histricos da arte.

    Dois Ensaios e Duas Lembranas. Secult, Belm-PA, 2000.

    Um pequeno grande livro. Seus quatro breves textos no somam cinqenta pginas e

    trazem uma viso condensada das qualidades especulativas e analticas de Benedito

    Nunes.

    O Nietzsche de Heidegger. Pazulim, Rio de Janeiro, 2000;

    Em que medida a identidade filosfica que Heidegger atribui a Nietzsche

    constitui um ponto decisivo e fundamental da constituio da identidade

    filosfica do prprio Heidegger? em torno deste crculo que se move a

    argumentao de Benedito Nunes e a partir dele que so esboadas algumas

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    9 RESPOSTAS EM BENEDITO NUNES :-ENTREVISTA PARA O JORNAL O LIBERAL (BELM)

    concluses.

    Heidegger e Ser e Tempo, Zahar, Rio de Janeiro, 2002.

    Esse livro esmia a reflexo do filsofo sobre o sentido mais profundo da existncia

    humana, a terminologia por ele criada e a famosa virada em seu pensamento.

    Crnica de Duas Cidades Belm e Manaus (com Milton Hatoum). Secult, Belm-

    PA, 2006.

    A quatro mos com o colega amazonense, Benedito Nunes repassa a formao de sua

    cidade natal e faz reflexes sobre o passado e o presente de Belm, lanando indicaes

    para o futuro.

    Publicado em Benedito Nunes, entrevistas por sub rosa. Marque Link Permanente

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    Aos meus professores.

    Todos.

    Em "Belm"

    Em "Belm"

    Em "Texto"

  • 12/5/2015 BENEDITO NUNES :-Entrevista para o Jornal O Liberal (Belm) | Textos especiais v2.3

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    Pingback: Uma homenagem aos meus Professores. Todos. Sub Rosa

    (flabbergasted) v.2

    Erik Frank

    em maio 9, 2008 s 2:16 pm disse:

    Serei um eterno admirador deste que para mim o pequeno gnio, concordo com

    tudo que disse, e vou alm, gostaria que houvesse um pouco mais de

    comprometimento das grandes construtoras quando de suas obras e do poder

    pblico em no deixar que nossa saudosa cidade se transforme em ngulos retos,

    como se v por outras capitais, parece que tudo iria terminar em cantos, quinas.

    Mariaelisa Guimaraes

    em maio 10, 2008 s 5:13 pm disse:

    Carssimo Frank:

    Muito obrigada pela visita e pela leitura.

    S tenho uma observao: a expresso pequeno gnio, empregada a quem levou

    o nome do Par ao conhecimento, ao respeito e admirao de vrios

    continentes, e mais ainda, a quem traz intelectuais de fora do pas , de pelo

    menos 3 continentes, sinceramente, no mnimo, inadequada.

    A questo que a palavra gnio ficou saturada, inflacionada de seu verdadeiro

    significado, pois se aplica hoje a torto e a direito

    Eu, que tive a honra de estudar em livros dele, e a oportunidade nica de trabalhar

    com ele, diretamente, vejo que o Par ainda precisa dimensionar melhor o

    verdadeiro gnio de Benedito Nunes , o que outros pases e outras terras j o

    fizeram.

    Quanto ao mais, vejo que voc est corretssimo. E suas observao esto

    corretssimas.

    Um forte abrao

    M.

    nadila

    em agosto 27, 2008 s 6:44 pm disse:

    MUITO BOM

    MANDEI ALGUMAS FOTOS

    PARA MIN DESSA ENTREVISTA POR FAVOR

  • 12/5/2015 BENEDITO NUNES :-Entrevista para o Jornal O Liberal (Belm) | Textos especiais v2.3

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    UM TRABALHO PARA O COLGIO

    FICAREI MUITO AGRADESIDA DISSO.

    POR FAVOR.

    MUITO OBRIGADO.

    paulo augusto oliveira araujo

    em outubro 16, 2008 s 2:46 pm disse:

    eu adoro as obra do bene como chamado, saudades de vc !

    =-=-=-=-=-=-=-=

    Sim, Paulo.

    El o sbio, o Mestre e o Professor.

    O nosso Ben.

    Ah! e se quiser matar as saudades estou mais freqentemente aqui:

    Sub Rosa: http://flabbergasted2.wordpress.com

    bj

    Meg

    douglas

    em novembro 13, 2008 s 3:55 pm disse:

    estou fazendo um trabalho na minha faculdade sobre voce

    eu gostaria de saber onde voce mora pra eu ir visitar voce

    eu moro aqui em manaus e voce???

    eu gostaria de saber se tem como voce vir dar umas palavras aqui na faculdade

    deve ser meio dificil para voce mas nunca devemos desistir antes de tentar

    por isso eu estou tentando trazer voce aqui !

    meu nome e Douglas e estudo o curso de administraao

    aqui na uninorte..

    muito obrigado

    este e meu imail

    [email protected]

    estou aguardando resposta.

    muito obriagdo

  • 12/5/2015 BENEDITO NUNES :-Entrevista para o Jornal O Liberal (Belm) | Textos especiais v2.3

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    aline

    em fevereiro 20, 2010 s 4:52 pm disse:

    benedito nunes estou fazendo o meu tcc sobre a modernidade em o nativo de

    cncer de ruy barata,gostaria mt da sua opnio,se for possiver o senhor me ajudar

    eu agradeo,moro na av.pedro miranda.