babélia 22 (versão digital)

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BABÉLIA SÃO LEOPOLDO (RS) / NOVEMBRO DE 2014 / EDIÇÃO 22 Por uma psiquiatria mais humanizada ilombo com cara de condomínio Graças à Reforma Psiquiátrica, pacientes que antes eram enclausurados em hospitais para fazer tratamentos hoje podem viver em residências especiais. Páginas 4 e 5 Com afetividade, a nova família brasileira quebra preconceitos Superando resistências, casais gays conquistam direitos na Justiça e recorrem à reprodução assistida para ter filhos. Página 12 Depois de batalhar por melhores condições de habitação, trinta famílias do ilombo Chácara das Rosas, em Canoas, vivem desde dezembro de 2013 em uma área com residências de alvenaria, praça e casa de culto. Página 3 Tecnologia ajuda a evitar sequestro de bebês Soſtware monitora maternidades e avisa pais e polícia em caso de retirada de crianças sem autorização. Página 22 No último lar, a vida ainda tem o que ensinar Idosos amparados por um asilo de Canoas aprendem a se adaptar a uma rotina de ausências, doenças e dificuldades em comum. Página 11 O pecado dos santinhos macula as eleições Proibida por lei, a boca de urna que suja as ruas é mais vigiada por quem a contrata do que por quem deve coibi-la. Página 9 Rap agita ruas de Gravataí Página 4 / Caderno de Cultura LUIS KREBS

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Jornal Babélia (edição 22). Curso de Jornalismo da Unisinos (São Leopoldo/RS)

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Page 1: Babélia 22 (versão digital)

BABÉLIAS Ã O L E O P O L D O ( R S ) / N O V E M B R O D E 2 0 1 4 / E D I Ç Ã O 2 2

Por uma psiquiatria mais humanizada

Quilombo com cara de condomínio

Graças à Reforma Psiquiátrica, pacientes que antes eram enclausurados em hospitais para fazer tratamentos hoje podem viver em residências especiais. Páginas 4 e 5

Com afetividade, a nova família brasileira quebra preconceitosSuperando resistências, casais gays conquistam direitos na Justiça e recorrem à reprodução assistida para ter filhos.

Página 12

Depois de batalhar por melhores condições de habitação, trinta famílias do Quilombo Chácara das Rosas, em Canoas, vivem desde dezembro de 2013 em uma área com residências de alvenaria, praça e casa de culto.

Página 3

Tecnologia ajuda a evitar sequestro de bebêsSoftware monitora maternidades e avisa pais e polícia em caso de retirada de crianças sem autorização.

Página 22

No último lar, a vida ainda tem o que ensinar Idosos amparados por um asilo de Canoas aprendem a se adaptar a uma rotina de ausências, doenças e dificuldades em comum.

Página 11

O pecado dos santinhos macula as eleições Proibida por lei, a boca de urna que suja as ruas é mais vigiada por quem a contrata do que por quem deve coibi-la.

Página 9

Rap agita ruas de Gravataí Página 4 / Caderno de Cultura

LUIS KREBS

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Novembro/2014

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PÁGINA 2E D I T O R I A L

I M A G E M

Depois de uma acirrada campa-nha eleitoral, com acusações de parte

a parte no segundo turno, chegamos ao fim do mais disputado pleito desde a re-democratização do país com a proclamação de candidata vi-toriosa, mas com xingamen-tos ainda em alta nas redes sociais. Para uma parte do Brasil que alguns querem ver dividido, nordestinos, pobres, incautos e ignorantes elege-ram a chapa vencedora.

Vem bem a calhar, então, esta edição do Babélia que, em notícias e reportagens, joga o foco sobre pessoas dignas, va-lorosas, mas que se encontram em situação de vulnerabilidade física, psíquica, social, econômi-ca, de gênero, e que, por esse motivo, ou porque não somam mais números no Produto In-terno Bruto (IPB), tendem a ser desconsideradas. Elas contam, porém, no IDH – Índice de De-senvolvimento Humano.

Amor não correspondido, sífilis, vadiagem, epilepsia,

delírio espírita, menopausa, uso de entorpecentes já foram motivos para internar pessoas no Hospital Psiquiátrico São Pedro, da capital. Pessoas ido-sas, abandonadas pela família, que carecem de acompanha-mento, acabam em asilos, uma espécie de escola que valoriza a aprendizagem da vivência com colegas com algum tipo de deficiência.

A realização da Copa do Mundo motivou ganeses, se-negaleses, haitianos e benga-lis a buscarem asilo e nova

morada no Brasil, por eles en-carado como país do futuro, terra de muitas oportunida-des. Quilombolas da Chácara das Rosas, de Canoas, estão realizados, tanto assim que acham que estão sonhando, tamanha a alegria com o con-domínio conquistado.

Jovens cadeirantes, mes-mo com limitações de locomo-ção, não esmoreceram e fun-daram um time de basquete, que treina em São Leopoldo e espera participar de cam-peonatos regionais. Seguido-

res de Maomé têm onde se encontrar, na capital gaúcha, para louvar Alá, o Clemente e o Misericordioso. Mulheres buscam coragem para denun-ciar agressores e se protegem contra estupradores.

Para que, por que vivemos? Para engrossar os números do PIB? Certamente a humanidade seria menos agressiva, violenta, egoísta e belicosa se valorizasse a alteridade, aceitasse a plurali-dade e visse no Outro um igual em dignidade. Talvez chegaría-mos a uma filial do Éden!

Longe do Jardim do Éden

Linha Direta:E-mail:

Reitor:Vice-reitor:

Pró-reitor Acadêmico:Diretor de Graduação:

Gerente de Bacharelados:Coord. Curso de Jornalismo:

Universidade do Valedo Rio dos SinosSão Leopoldo e Porto Alegre/RS

(51) 3591 [email protected]

Marcelo Aquino José Ivo FolmannPedro Gilberto GomesGustavo Borba Vinicius SouzaEdelberto BehsE

XP

ED

IEN

TE Jornal produzido semestralmente pelos alunos do Curso de

Jornalismo da Unisinos - São Leopoldo/RS

Textos:

Imagens:

Projeto gráfico:

Diagramação:

alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso I e II, Redação Jornalística I e II, e Redação para Relações Públicas II. Orientação: professores Anelise Zanoni, Edelberto Behs e Felipe Boff.

alunos da disciplina de Fotojornalismo. Orientação: professora Beatriz Sallet.

alunos Daniel Stein Rohr, Diogo Rossi e Matheus D’Avila, da Turma 2013/2 da disciplina de Planejamento Gráfico. Orientação: professor Everton Cardoso.

Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Diagramação: Gabriele Menezes. Supervisão: Marcelo Garcia.

Ao cobrir a pauta sobre o Centro Islâmico de Porto Alegre (página 12), a fotógrafa Bruna Javiel Comassetto percebeu que é bastante comum a presença de estrangeiros na mesquita. Após o sermão realizado pela manhã, homens dedicaram-se ao estudo da língua portuguesa.

BABÉLIA

BABÉLIA

BRUNA COMASSETTO

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Ana Paula Zandoná

Qualquer um que entre no Qui-lombo Chácara das Rosas, em Canoas, pode pensar se tratar de um condomínio comum: contém casas de alvenaria, infraestrutura

de uso comunitário, como praça, centro social, casa de culto e horta. Mas naquele terreno onde tudo parece usual, muitas histórias de lutas foram vivenciadas.

A presidente da Associação de Morado-res do Quilombo, Isabel Genelício, coordena o local onde vivem 30 famílias, algumas galinhas e 15 cachorros. Ela costuma estar à frente das reivindicações dos direitos dos quilombos na sociedade. Diversos feitos foram conquistados por causa da persis-tência de certos membros. Atualmente, a associação conta com diversos recursos, como acesso à água e direito a consultas médicas a domicílio, que antigamente não eram tão simples: “Antes, a gente abria a água e distribuía em calhas e mangueiras em um só momento, porque era muito caro”, diz Isabel, aos risos.

Antigamente, os homens quilombolas costumavam sofrer preconceito na hora de conseguir emprego: “Nós [mulheres] saíamos de casa para trabalhar, e os homens ficavam aqui, limpando a casa, cozinhan-do”, afirma Isabel. Porém, hoje em dia, eles comemoram a inserção na sociedade e no mercado de trabalho: “Eles estão trabalhan-do como limpadores de pátios, eletricistas, mecânicos.”, alegra-se.

Em 2009, a Associação Quilombola Chácara das Rosas recebeu a titulação de quilombo urbano. E, em 2012, foi firmado contrato para a construção de moradias novas para os residentes do local. O em-preendimento habitacional foi entregue em

dezembro de 2013 e faz parte do programa “Minha Casa, Minha Vida” destinado a entidades, do Governo Federal.

A luta pelas novas moradias iniciou em 2004, mas os associados não foram ouvi-dos pelo governo e órgãos públicos: “Até eu achava que estávamos sonhando alto”, conta Isabel. Entretanto, em 2009, quando ocorreu a titulação, a visão dos membros mudou e eles passaram a acreditar que seria possível receber casas novas.

Os quilombolas tiveram de enfrentar burocracias dos gover-nos federal, estadual e municipal. Inclusive, a presidente da associação participou de audiências públicas, juntamente do Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR), para pressionar os órgãos responsáveis para fir-mamento de acordo que lhes daria direito às novas residências. Ela acredita que foi preciso anseio por mudanças: “Meu olhar em relação à Associação é diferente. Eu quero respostas. E eu vivenciei diretamente a pressão política”, diz. Mesmo com todos os empecilhos, nada desanimou Isabel: “Apesar de tudo, foi uma grande vitória”, emociona-se.

Algumas reclamações, no entanto, sur-giram após a entrega das novas casas. Os residentes avaliam o terreno como grande problema, uma vez que é desnivelado, e, quando chove, enche de água e poças na pracinha. Além disso, Isabel salienta que oito famílias não receberam casas. A pre-feitura, por sua vez, afirmou que abrigaria

tais famílias em outros programas do gover-no, mas isso não foi feito. Após entrar em contato com os responsáveis, casas serão construídas no local da horta – que será transferida para outro espaço no terreno.

Em relação às raízes quilombolas, a reclamação principal é que “as tradições enfraqueceram muito”. Para Isabel, isso ocorre devido à juventude, que, às vezes, não percebe a importância do respeito com os mais velhos e não cultuam certos costu-mes. Na Associação, existe um Conselho

de Anciões para guiar a juventude e auxiliá-la a seguir as regras e hábitos.

Apesar disso, Isabel é otimista. “De uns tempos para cá, o interesse au-mentou, principalmente em relação à religião”. Ela credita a melhoria às no-vas casas, pois aproximou as famílias e gerou rodas de conversa entre elas. Para ela, o assentamento das famílias nas moradias possibilitará enxergar melhor “o todo” e, assim, intervir.

A urbanização foi um fator decisivo para que as tradições ficassem em segundo plano. O Quilombo Chácara das Rosas é localizado próximo a um bairro nobre de Canoas, cercado de prédios altos e em frente à construção de um shopping. Mesmo que lutem contra isso, a comunidade está inse-rida em um contexto fortemente urbano.

Assim, como há muitos jovens e ado-lescentes na associação, é possível perceber a adoração por tecnologia, como compu-tador, celular e televisão. Aliás, diversas casas contêm televisões de telas LCD e computadores.

Alex, morador da comunidade, alega que passa a tarde inteira no computador. “Só paro para assistir à novela, mas, em seguida, volto ao Facebook”. Gabriela, filha de Isabel, também costuma acessar a rede social, e, quando foi convidada para posar para uma fotografia, disparou imediatamente: “Só tiro fotos quando estou arrumada, para postar no Face”.

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CIDADANIA

Vida nova aos quilombolasMoradores

do Quilombo Chácara

das Rosas, de Canoas,

reivindicaram direitos e

hoje vivem em melhores condições na

sociedade

LUIS KREBS

Novas gerações dos quilombolas desfrutam da qualidade de vida que as casas novas propiciaram

“Ninguém acreditava que conseguiríamos as casas. Até eu achava que estávamos sonhando alto.”ISABEL GENELÍCIOPRESIDENTE DO QUILOMBO CHÁCARA DAS ROSAS

BABÉLIA

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Jean Peixoto

O som do pequeno rádio de pilhas só é silenciado após o pedido da psicóloga que acompanha a visita. Poncio desliga o rádio,

mas o mantém em seus braços. Aquele foi o presente que ganhara na tarde anterior, quando os moradores do resi-dencial passearam pelo shopping. Seu passatempo predileto é andar no balanço da praça, onde semanalmente são reali-zados piqueniques.

O sorriso pleno de alegria, contras-tando com o vazio da boca sem dentes, rapidamente se desfaz, quando, em um ato descuidado, ele derrama suco na sua roupa. Agitado, Poncio pede repetida-mente permissão para trocar de calça. “Ele nem mesmo come se não receber permissão”, conta a psicóloga, relatando o histórico de maus tratos do período em que o paciente morou no Hospital Psiquiátrico São Pedro.

A humanização do tratamento psiquiá-trico e a reconstrução das singularidades são os pilares que sustentam o Residencial Terapêutico Casa da Praça, zona norte de Porto Alegre. Inaugurado em dezembro de 2013, o local abriga hoje dez moradores, ex-pacientes do São Pedro.

Oferecer tratamento com cuidados in-dividualizados em um ambiente familiar também são diretrizes fundamentais na Casa da Praça. O novo modelo de vida é fruto da Lei da Reforma Psiquiátrica, iniciada há 20 anos, que prevê a extinção das internações permanentes. Desde 2001, cerca de 35 residências nestes mol-des foram construídas em todo o Brasil.

Os moradores contam com uma equi-

pe multidisciplinar, coordenada pela nu-tricionista Maria Regina Almeida da Silva, composta por enfermeiro, nutri-cionista, assistente social, dois residentes (um terapeuta ocupacional e um psicó-logo) e 13 técnicos de enfermagem que oferecem atendimento 24 horas por dia.

O critério para a seleção dos pacientes que são encaminhados ao residencial é a autonomia, ou seja, a capacidade de interação e discernimento. Os mais ap-tos ao convívio social, ou menos debilitados pelo confinamento, acabam recebendo a oportunida-de de viver nesses locais.

Cada morador recebe um benefício do Estado no valor de R$ 600, que é utilizado para a ma-nutenção do residencial. O Hospital Psiquiátrico São Pedro também auxi-lia financeiramente nas despesas da casa, pois ainda é responsável pelos pacientes.

A residência, alugada pela Secretaria Estadual da Saúde (SES), tem três quartos, dois banheiros e um espaço com colchões extras para eventuais visitas. Não há horários es-pecíficos para acordar ou comer, como no hospital. As atividades são divididas. Ajudar nas tarefas diárias também faz parte da ressocialização. Mas ali ninguém é obrigado a nada. O propósito é a reinte-gração ao convívio social. Como presente de Natal, no ano passado, os moradores receberam uma nova companheira, a

vira-lata Mel, com quem todos brincam e se divertem.

Felipe Martins, um dos psicólogos da casa, conta que durante os dois anos de residência no hospital presenciou di-versas cenas de negligência e abandono. Conta o caso de uma senhora com uma inflamação em um dos seios. Incomodado com a situação, levou ao conhecimento das enfermeiras, uma vez que, enquan-to psicólogo, não poderia interferir no

tratamento médico dos pacientes. Relembra com austeridade da indiferença com que o caso foi tratado. So-mente seis meses de-pois, a senhora recebeu atendimento médico.

O jovem reforça que é importante oferecer aos moradores certos confortos, como uma refeição saborosa, que para a maioria das pesso-as é algo trivial, mas que para eles é um diferencial durante o tratamento.

O olhar atento e curioso do morador Deco nada deixa es-

capar. Portador de atrofia dos membros inferiores, além da deficiência mental, ele se nega a ficar sentado na cadeira de rodas. Arrastando-se como consegue, ele anda por toda a casa. Mas no residencial ele pode. Assim como pode fazer seus ta-petes artesanais e preparar o famoso pão caseiro, altamente elogiado pelos outros moradores e funcionários. “O Deco é o chefe da casa. Aqui ele fiscaliza as tarefas de todo mundo”, conta o psicólogo.

“No residencial não temos prontu-ários, por isso criamos um livro diário para registrar o dia a dia deles”, conta Taís Fernanda Rolemberg, técnica de en-fermagem em atividade há quatro meses na Casa da Praça. A jovem, que também foi residente por dois anos no Hospital São Pedro, lembra que em seus tempos de HPSP sentia-se incomodada com a atenção — ou falta de — dispensada aos prontuários: “Como pode quatro anos de uma vida, se resumir a seis páginas?”.

A desconstrução das singularidades

Na sala de estar, Elia, a moradora mais ilustre, conhecida pela sua organi-zação e lucidez, espera as visitas com a casa arrumada. Viveu boa parte da vida internada no São Pedro. Fala português, alemão e espanhol e já morou na Argen-tina. Mas, assim como tantos outros, foi abandonada pela família.

Definir a idade de cada um é missão quase impossível. Os anos são calculados por aproximação e o aniversário não é comemorado à data do nascimento, mas sim na internação. Do nascimento para a loucura. Os nomes de batismo também são um mistério, pois muitos ao chegar

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REPORTAGEM ESPECIAL

Há vida além do São PedroHumanização no tratamento

é adotada como medida

de cuidado aos pacientes das

residências psiquiátricas

FOTOS DE LUANA FARIAS

Ajudar nas atividades diárias faz parte da ressocialização dos moradores, que recebem R$ 600 do Estado para ajudar a manter as casas onde vivem

BABÉLIA

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5 BABÉLIA

no HPSP recebem o nome do santo pa-droeiro do dia. Assim foram se perdendo as identidades de muitos internos. Com a progressão da degeneração cognitiva, o limiar entre realidade e fantasia se estreita de tal forma, que se estabelece uma desconstrução das singularidades.

É o caso de Cacá, o artista da casa. Suspeita-se de que seu nome fosse Carlos Eduardo, pois no hospital, onde vivia desde a década de 70, era assim que o conheciam. Cacá gosta de cantar, mas como o fim da visita se aproximava, foi obrigado a postergar sua apresentação.

Histórias do São Pedro Na pequena sala, os visitantes são

recebidos pelo historiador do Serviço de Memória Cultural do Hospital São Pedro, o professor Edson Medeiros Cheuiche. Antes de conduzi-los pelos recônditos corredores e imensos pavilhões históri-cos, Cheuiche compartilha um extensivo e detalhado histórico do hospital.

O Hospício São Pedro, inaugurado em 29 de junho de 1884, foi assim ba-tizado em homenagem ao padroeiro da Província. Foi o sexto asilo/hospício de alienados no Brasil e o primeiro do Rio Grande do Sul. A partir de 1961, foi cha-mado de Hospital Psiquiátrico São Pedro.

A inauguração contou com uma gran-de festa. O ofício inaugural do HPSP foi assinado pela Princesa Isabel. O docu-mento ainda hoje repousa na parede de uma das salas do prédio. De registro, somente os relatos do historiador e a tela de tinta a óleo pintada pelo artista

Marco Lucaora, ainda não inaugurada, e ao grupo apresentada em caráter sigiloso.

Homens e mulheres, pensionistas ou indigentes. Assim eram categorizados e devidamente separados os pacientes do Hospital. Com alas e tratamento distintos, os territórios sempre foram delimitados pelas condições psíquicas e financeiras dos internos.

A superpopulaçãoEm História da Loucura na Idade Clás-

sica (1972), o filósofo francês Michel Foucault relata como a loucura substituiu a lepra como principal objeto de exclusão e reclusão social no fim do século XVIII. Nau dos Loucos, assim era conhecida a embarcação que regularmente recolhia os insanos e os levava para longe do convívio social.

Algo similar ocorria na Província de São Pedro. O historiador Roberto B. Martins, em seu livro Ibiamoré, faz alusão ao trem fantasma, ou trem da loucura. Conta que as locomotivas que percorriam a campanha tinham um dos vagões de transporte de gado transformado para o transporte de doentes. Esse trem e outros meios de transporte, como os bondes, despejavam levas de pacientes nas portas do São Pedro.

Assim teve início um dos maiores problemas enfrentados pela instituição ao longo de toda a sua história. A su-perpopulação. Em seis meses da sua fundação o número de internos passou de 41a 72. Em 1957 o número de pacientes chegava a 2.400.

As causas de internaçõesA escultura do padroeiro do hospital

hoje contempla sozinha o pátio vazio, que na década de 1960 chegou a abrigar mais de 5 mil internos. Sobre a mesa da pequena sala, no pavilhão que hoje serve de museu, repousa o livro de admissão provisória com registros de centenas de ex-pacientes da Institui-ção. Cada página correspondia a uma pessoa, porém devido à superpopula-ção, na década de 1960 cada uma delas comportava o registro de pelo menos três internos.

Amor não correspondido, pederas-tia, sífilis, vadiagem, idiotice, epilepsia, prática do espiritismo, delírio espírita, abandono pelo amante, desobediência, maus negócios, excesso de estudo, mens-truação, menopausa e uso de entorpecen-tes. Estas eram algumas das principais causas de internação registradas, como relata Edson Cheuiche. “ Isso sem apelar ao excentrismo”, diz ele.

De 1947 aos anos 90, diversas ações diminuíram as internações no São Pedro. O processo de interiorização, instaurado nos anos 70, possibilitou a recondução dos pacientes institucionalizados aos seus municípios de origem, reduzindo em cerca de 60% a população de mora-dores. Hoje, 183 usuários ainda residem no HPSP, enquanto 78 estão vivendo em 35 residenciais terapêuticos, em Porto Alegre e Viamão. Outros quatro novos serviços desse tipo são preparados para receber usuários: duas casas na zona Sul e duas na zona Norte de Porto Alegre.

As dependências do histórico Hospital Psiquiátrico São Pedro já chegaram a receber cerca de 5 mil internos

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MEIO AMBIENTE / EDUCAÇÃO

BABÉLIA

Mariana Dambrós

A Prefeitura de Traman-daí, através das secre-tarias de Ação Social e Meio Ambiente,

promoverá a 5ª edição do projeto Praia Limpa, voltado ao veraneio de 2015. Serão beneficiados 100 jovens, com idade entre 14 e17 anos. Eles orientarão veranistas quanto à preservação ambiental, distribuindo panfletos informativos e sacolas para lixo na beira mar.

O projeto foi desenvolvido em 2010, com o intuito de alertar a po-pulação sobre os cuidados com a natureza litorânea. As atividades acontecem na beira mar no período de dezembro a fevereiro, nos turnos

da manhã e tarde. Os integrantes ganham da Prefeitura Municipal transporte, uniforme, protetor solar, lanche e um auxilio de meio salário mínimo para a família.

Antes de começarem a ação na praia, os jovens receberão treinamen-to e preparação teórica. “O projeto faz com que os jovens tenham, no período das férias escolares, uma atividade para exercer, evitando a entrada no mundo das drogas”, dis-se o secretário do Meio Ambiente, Milton Haack.

Nos meses de alta temporada, a Secretaria de Obras conta com uma equipe de 30 mulheres para efetuar a limpeza da praia. “Dividimos a equipe em dois grupos, pois o recolhimento do lixo nas dunas exige um maior

esforço”, informou Wagner Freitas, da Secretaria de Obras. Cidadãos que praticam ilícitos ambientais, se identificados, estão sujeitos a uma multa que pode variar de 50 a 500 reais, dependendo da infração.

No verão, a população em Tra-mandaí duplica, consequentemente o lixo produzido e depositado na beira mar também. A Secretaria de Obras conta com uma equipe de 30 mulheres e dois caminhões para efetuar a limpeza da praia, diariamente às 5h30. “Geralmente enchemos os dois caminhões com lixo. Nas datas festivas triplicamos a equipe, e mesmo assim quase não damos conta de limpar toda orla”, disse Wagner Freitas, integrante da Secretaria de Obras.

Gabriela Ribeiro dos Santos

A Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) da ci-dade de Campo Bom promove, toda quarta-feira, o Dia da Troca, quando uma sacola com garrafas pet pode ser permutada por uma caixa com mudas de flores da época.

A iniciativa contribui para a conscientização sobre o meio ambiente. “Todo mês, com a ajuda de familia-res e amigos, venho aqui trocar as garrafas”, disse a dona de casa Iracema Maurer, 66 anos, que distribui as mudas de flores aos seus familiares.

Essa é uma maneira de mostrar aos netos a im-portância de preservar o meio ambiente para o futuro deles. “É uma forma de nos aproximarmos, pois ensino a eles como devemos plantar e cuidar as flores”, relatou.

O Dia da Troca existe desde 2009. A prefeitura contribui com mão de obra especializada, luz e água. “O valor real torna-se baixo, quando conseguimos atingir os objetivos ao qual nos propomos”, destacou o secretário da SEMA, José Orth.

Este ano, as garrafas arrecadadas pelo projeto enfeitarão a decoração de Natal da cidade. Volun-tários transformarão as garrafas em guirlandas e uma grande árvore de Natal no Largo Irmãos Vetter. Atualmente, as plantas trocadas pelas gar-rafas pet são cravina, amor-perfeito, petúnia, que são as mudas de flores da época. A troca pode ser feita na sede do Projeto Floração para a Vida, na Av. Bibiano Trott, esquina com Av. dos Estados, no bairro Metzler, das 8h às 11h.

Julia Bürkle Schneider

Em comemoração ao cinquentenário da cida-de, o Programa Lazer Unindo Gerações de Ivoti (Plug) preparou musical inspirado na história infantil “Peter Pan”. A apresentação teve 300 alunos atores e, na estreia, dia 1o de outubro, o aplauso de 4 mil pessoas, que doaram material escolar em troca do ingresso.

Unindo dança e teatro, o espetáculo conta a história de um lugar onde ninguém envelhece – a Terra do Nunca. Lá são vividas aventuras entre sereias, fadas, índios e piratas. “Escolhemos essa história por ser emocionante e envolver muitos personagens interessantes para a criação”, contou Jauana Mendes, professora de dança e uma das organizadoras do musical.

A preparação começou no início deste ano e contou com o envolvimento de professores de diversas áreas na confecção dos acessórios , apoio às aulas e ensaios. O cenário e figurinos dos alunos foram produzidos pelo Plug com materiais recebidos em doações.

Promovido pela Prefeitura de Ivoti, o Plug ofe-rece aulas de música, esporte, informática e artes gratuitamente. Os alunos atores estão matricula-dos, a maioria, em educandários da rede pública, e frequentam o espaço no turno contrário à escola. “Valorizamos talentos natos, mas também motivamos novas descobertas sobre a própria pessoa”, disse Andréa Schneck, diretora do Plug.

Carolina Herrmann

A primeira turma do Curso de Sommelier, oferecido gratuitamente para a comunidade gra-madense através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), iniciou as atividades em 7 de outubro. As 200 horas de aulas, presenciais, serão concluídas em março do próximo ano.

Parceiras na iniciativa, 20 vinícolas da re-gião, referências no mercado, doaram vinhos e espumantes para a viabilização do módulo, informou o coordenador do programa em Gra-

mado, Sidnei Pfau.Os 20 alunos matriculados no curso serão ca-

pacitados em técnicas de harmonização, arma-zenamento, análise sensorial e venda de vinhos. Também serão informados sobre as principais regiões produtoras de vinho no Brasil com origem controlada.

Além do Sommelier, são ministrados mais de 30 cursos Pronatec na cidade. “Gramado trabalha nos eixos de turismo, gastronomia e hospitalidade. O projeto entrou em execução em 2013 e, desde lá, mais de mil pessoas foram beneficiadas com o programa”, disse Sidnei.

O Pronatec foi criado pelo Governo Federal em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Ele é oferecido em âmbito nacional. O programa é gratuito e os estudantes recebem R$ 2,00 por aula, a título de incentivo.

Praia Limpa 2015 recruta jovens no Litoral Norte

Campobonenses trocamgarrafas pet usadaspor flores da época

Cinquentenário deIvoti é marcado comespetáculo de dança

Curso de Sommelier abre primeira turma comparcerias em Gramado

Eles alertarão turistas sobre a importância de cuidar dos cômoros

No inverno, moradores se encarregam de deixar a orla em condições favoráveis para caminhadas e corridas

DIVULGAÇÃO

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Mariana Blauth

Os primeiros anos escolares são de grandes conquistas. Neles, as crianças dão passos rumo à maturidade. Base para conte-

údos de outras áreas do conhecimento, a alfabetização é uma vitória para quem inicia o Ensino Fundamental. Porém, para Renan Nicolai, nove anos, a jornada escolar não tem sido fácil.

Pela segunda vez cursando o terceiro ano, o menino enfrenta obstáculos na leitura, além de outros conteúdos. Isso se deve ao fato de que a alfabetização é necessária para o aprendizado de diversas áreas, como matemática por exemplo. Apesar da dificuldade em aprender a ler e a escrever no primeiro ano, ele foi pro-movido para as etapas seguintes devido a uma das novas diretrizes na educação do Rio Grande do Sul.

Atualmente, estudantes não podem ser reprovados nos primeiros dois anos. Assim, os conhecimentos não alcança-dos em cada etapa devem ser retomados posteriormente. Isso porque, em 2011, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) criou o Programa de Progressão Conti-nuada na Alfabetização e Letramento para alunos do primeiro ao terceiro ano, reestruturando o currículo do Ensino Fundamental estadual.

De acordo com a Seduc, a lei faz com que a escola deixe de ser espaço de aprovação ou reprovação e invista no aprendizado, considerando os tem-pos de cada aluno. “É um conjunto de direitos de aprendizagem que eles têm que adquirir e vivenciar”, diz a diretora do departamento pedagógico da Seduc, Vera Amaro.

Na prática, lei dificulta o ensino

Professora na rede estadual há 35 anos, Rejane Borba vê a lei como um atraso na educação. Ela leciona para o terceiro ano da escola Otávio Rosa, em Novo Hamburgo, e afirma que, ao chegarem ao terceiro ano, crianças com dificuldades devem aprender os conteúdos previstos, além do que ficou para trás. “É um desestímulo total”, salienta.

Rejane leciona na turma de Renan e conta que o menino está deslocado em rela-ção aos colegas. Segundo ela, é difícil atender as crianças com dificulda-de na alfabetização ao mesmo tempo em que deve passar os conteúdos às que estão adiantadas. “Os alunos com poten-cial esperam para seguir adiante”.

De acordo com ela, os professores não recebe-ram orientações de como atuar após a vigência da lei. “Quanto mais é exi-gido do estudante, mais ele tem para dar. Se não é exigido no primeiro e segundo ano, o terceiro será o foco da reprovação, que é cada vez mais frequente. Os alunos per-dem com isso. Quem tem dificuldades de alfabetização leva uma marca para o resto da vida”, avalia.

A professora Ana Lúcia Flesch, que leciona nas turmas do segundo e quarto ano da escola Otávio Rosa, em Novo Hamburgo, é contrária à lei. “Não é estimulante. Até que ponto isso é positivo para ele e para os outros?”, questiona. De acordo com ela, as crianças que não aprendem têm defasagem.

Roselane Zordan Costella, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera o Programa de Progressão Con-tinuada para as escolas públicas positivo. Segundo ela, cada criança tem um momento próprio de aprendizagem na jornada escolar.

“Há alunos com período maior para a alfabetização. Temos que conceder esse tempo. Não reprovar é uma questão de lógica, de aprendizagem garantida. Temos que tentar alfabetizar desde o início. Não po-

demos deixar de ensinar pelo fato de o estudante não reprovar”, garante.

Ensino Médio Politécnico faz parte das mudanças

Enquanto no Ensino Fundamental o Programa de Progressão Continu-ada divide opiniões, no Ensino Médio uma das principais mudanças de diretriz foi a Reestrutura-ção Curricular, que teve início em 2012. Este ano,

ela foi implantada em todas as séries.A diretora do departamento pedagó-

gico da Seduc, Vera Amaro, explica que o currículo foi reorganizado em quatro áreas do conhecimento interdisciplina-res – o que caracteriza o Ensino Médio Politécnico. Além disso, houve aumento da carga horária e o conceito de avaliação foi modificado. “Ela valoriza cada experi-ência do aluno”, aponta. Outra novidade é o Seminário Integrado, que introduz a pesquisa científica no período.

Para Roselane Zordan Costella, quanto mais se busca a interdisciplinaridade, me-lhor é a formação dos alunos, que passam a argumentar e a sair do senso comum. A professora diz que quando os projetos são elaborados conforme as áreas do conheci-mento, é possível enxergar ação conjunta, cobrando dos estudantes o estabelecimento de relações entre os temas.

O ideal, de acordo com ela, é que os docentes sejam consultados para identificar a realidade da sala de aula. “As mudanças precisam ser compartilhadas. Os professores precisam de autonomia sobre elas. O que falta? Que eles tenham entendimento das propostas”, analisa.

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EDUCAÇÃO

Embate nas escolas públicasMudança de diretriz no Ensino

Fundamental é vista por

professores como atraso na educação

da rede estadual

JÚLIA BECKER

Na Escola Otávio Rosa, professores criticam a lei da não reprovação

Se não é exigido no primeiro e segundo ano, o terceiro será o foco da reprovação”REJANE BORBAPROFESSORA

BABÉLIA

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POLÍTICA

BABÉLIA

Giulia Rodrigues Silvestre

Os movimentos sociais são utilizados por jovens a fim de reivindicar direi-tos e questões políticas

que deveriam ser tratadas de forma prioritária pelo governo. A juventu-de é o primeiro grupo a demonstrar inconformidades com a sociedade. Devido à grande mobilização, os resultados são visíveis. Atualmente, esses manifestos são organizados pela internet e depois ocupam es-paço nas ruas.

Os jovens atuam principal-mente por meio de entidades de representação. Porém, ainda há

fraca participação política, sobre-tudo em períodos eleitorais, explica José Luiz Bica de Melo, sociólogo e coordenador do curso de Ciências Sociais da Unisinos. Para ele, a di-mensão política cedeu lugar para a esfera cultural.

Um dos aspectos que aumenta o desinteresse pela política é a fraca comunicação dos representantes com os jovens. A forma encon-trada por eles para serem ouvidos foi os movimentos sociais. Para a publicitária e protestante Renata Mendonça, essas ações direcionam o governo para os avanços neces-sários. Porém, Bica alerta que esses manifestos podem ser positivos

ou negativos. “A participação nas iniciativas que propõem mudanças positivas é fundamental. Mas é preciso cuidar com grupos violen-tos”, afirma.

O sociólogo explica ainda que a expectativa do jovem ao ingres-sar em um movimento é realizar reformas ou alcançar transforma-ções em relação a demandas que entende que são fundamentais. É necessário ter a consciência de que as transformações ocorrem de maneira gradual. “A mudança política é muito lenta e dependerá mais da pressão popular do que dos governantes”, ressalta a ativista e advogada Daniela Berwanger.

Jéssica Martins

Um bilhete de loteria foi o modelo inspirador para que o advogado e contador Francisco Moro modernizasse a votação. Apurador manual dos votos, há 40 anos ele procurava uma maneira eficaz de processar a eleição, que demandava em torno de três semanas. A cédula lotérica, de fácil compreensão da população, diminuía a margem de erro e foi inspirador para a primeira versão do voto eletrônico.

A cédula era preenchida pelos apostadores da loteria conforme os números que lhe agradavam, coluna a coluna. Analisando o modelo, Moro des-cobriu que era possível fazer o mesmo com os nomes dos candidatos ao governo. Cada um teria seu próprio número, e o eleitor marcaria na cédula de votação. Terminadas as eleições, os mesários perfuravam o cartão de acordo com as respostas, para ser codificado no computador eletrônico.

“Eu precisava criar um cartão que qualquer pessoa, mesmo com baixa escolaridade, fosse capaz de preencher e todos sabem fazer suas apostas na loteria”, contou Moro. O trabalho foi submetido à apreciação do Juiz Moysés Machado e logo enca-minhado à aprovação na Justiça Eleitoral.

Hoje com 70 anos, Francisco Moro ainda guarda todos os recortes de jornais alusivos ao seu projeto. Em folhas já amareladas pelo tempo, o manuscrito do trabalho repousa sobre a mesa. “Eu ajudei a mudar a história da democracia”, conta o advogado.

Anderson Huber

Após 26 anos de votação indireta, o povo bra-sileiro conquistou o direito de votar. Mas, afinal, o voto é uma conquista ou um dever? Para o professor doutor em Ciências Políticas da Unisinos, Bruno Lima Rocha, o voto é uma imposição, feita pela lei, e não um ato livre e de espontânea vontade. Ele ressalta que o Brasil não está preparado politicamente. Ele afirma que, sem uma reforma política não há con-dições de alteração do panorama. Rocha considera esta reforma como muito difícil.

“A mobilização dos eleitores perante o voto obri-gatório é maior, já que o candidato pode incentivar o eleitor a votar, mas não pode transportá-lo até uma zona eleitoral, pois isso se configura como um crime eleitoral”, afirma.

Sobre a reforma política, Rocha diz que deveria ser feita uma assembleia exclusiva e excludente. Ou seja, todos aqueles que formarem a constituinte não poderão concorrer às próximas eleições legislativas, para não correr o risco de legislar em causa própria.

Outro ponto das eleições que deveria ser mudado para o professor é o financiamento das campanhas políticas. Segundo ele, “é o negocio mais rentável que existe, pois gera 200% de lucro para as empresas”. As medidas que deveriam ser tomadas, segundo ele, são campanhas com financiamento publico e fundo partidário, para que os candidatos fiquem menos suscetíveis a “chantagens” das empresas.

Cláudia Paes

Em ano de eleições, propostas e promessas estão por toda parte. Porém, alguns assuntos podem passar despercebidos, como a redução da maioridade penal.

No Brasil há punição a partir dos 18 anos, o que faz com que crimes graves cometidos por crianças e adolescentes causem comoção devido às penas brandas.

Desde 2011, a Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade Penal luta para alterar estes códigos. No projeto, que deve ir a plenário em 2014, adolescentes a partir de 16 anos que cometam delitos hediondos ou repetirem crimes graves devem responder criminalmente.

Advogado e deputado estadual, Jorge Pozzobom (PSDB) é a favor do projeto. Porém, não concorda com a aplicação total da redução para 16 anos. “O índice de crimes de menores não passa de 0,01%, não podemos criá-los dentro de presídios”, afirma o deputado. Para ele, a alternativa seria fazer projetos de inclusão social.

Em 2013, as revistas Vox Populi e Carta Capi-tal realizaram uma pesquisa sobre a redução da maioridade penal para 16 anos, e esta foi aprovada por 89% da população. O psicólogo Gustavo Mano diz que o tema é corriqueiro em época de eleições.

“Eleitoralmente, é favorável propor a redução, pois crimes envolvendo menores tendem a obter a atenção da mídia, e a proposta desponta como so-lução mágica para a criminalidade. Nosso sistema prisional representa o abandono da esperança na ressocialização do infrator, e tem superlotação”, diz Mano.

Jovens pedem mudanças políticas

Primeira cédula eletrônica completa 40 anos de invenção

Para especialistas, reforma política é necessária nas eleições

Inclusão social é solução contra a redução da maioridade penal

Juventude demonstra insatisfação por meio dos movimentos

Cartazes ocuparam os protestos de 2013, quando jovens exigiram melhorias na política do país

DIVULGAÇÃO

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POLÍTICA

BABÉLIA

Arthur Menezes

Às 8h da manhã de domingo as pessoas já estavam trabalhando para que a festa da democracia ocorresse. As zonas eleitorais

de Gravataí, que ficam em frente ao Fórum, estavam a mil. A Rua Irmão Geraldo fora bloqueada para as ações da Justiça.

Cabeças de policiais militares estão para fora da janela do quarto andar. Comu-nicam-se com os PMs que estão do outro lado da rua. A maioria está de bom humor.

As eleições fazem com que haja uma sinergia entre Justiça Eleitoral, Brigada Militar, Guarda de Trânsito e Polícia Civil. Às 8h30min, o comando da fiscalização ainda tratava de detalhes com a chefe da Zona Eleitoral, Marcia Veronique.

Os presos seriam levados ao outro lado da rua, num espaço garantido para os policiais militares. Se alguém fosse preso, ficaria lá mesmo, no fórum.

Nas ruas, pessoas cometiam os crimes.As escolas da cidade já recebiam os

eleitores. Desde fazer propaganda com “santinho” até carro de som, passando pela coação, tudo isso é crime de boca de urna. Artigo 39, parágrafo 5º, incisos I e II da Lei Ordinária 9.504/97. A detenção pode ser de seis meses a um ano e/ou multa.

Briga-se pelas esquinas das escolas. Os mais experientes são selecionados pelos partidos para que fiquem nos ambientes mais estratégicos. Alguns pontos são, his-toricamente, de famílias ou traficantes.

“O momento mais complicado é quan-do a polícia passa”, diz o sujeito que não será identificado. Neste texto, aparecerá como Dudu.

“Fiquei com os santinhos na caixa de correio da minha tia”, conta Dudu, “isso me deixava ficar só com dois na mão”. Dois santinhos é o número limite para que não se configure o crime de boca de urna.

No meio da manhã, as ruas já estavam uma sujeira só.

“Para vereador é melhor, dá para fazer uma correria”, garante Dudu. O sistema eleitoral brasileiro tem votações de dois em dois anos, separando os cargos. Neste ano, as eleições eram para presidente, governador, senador e deputados federal e estadual.

“Nas eleições para prefeito e verea-dor, muitos alegam que os cargos já estão negociados. As relações mais próximas levam a essa incidência maior (de boca de urna)”, garante o sargento da BM João Bento Cabral dos Santos.

Com os dados da Zona Eleitoral 173, a informação de que há mais trabalho nas “eleições locais” pode ser confirmada. Em 2010 houve duas representações, 17 proces-sos de ação penal e 26 de notícia-crime. Em 2012 houve 105 representações, sete ações penais e 17 notícias-crimes. Nas eleições que compreendem os cargos de vereador e prefeito, a Justiça foi mais acionada.

“A gente fica restrito ao momento, ao ato. À medida que acontece alguma coisa, a gente pode chamar a polícia. Mas não está no nosso trabalho o lado do preven-tivo”, diz Roberto Antunes, chefe do setor de mesários em uma escola de Gravataí desde 2001.

“O policiamento ostensivo e pre-ventivo segue normal, porém, com um acrés-cimo de PMs, especifi-camente para atuarem nas ocorrências elei-torais, principalmente nos locais onde exis-tam seções eleitorais”, garante o sargento Cabral. Isso resultou, em Gravataí, apenas na eleição de 2012, em 35 prisões por “boca de urna”, duas prisões por transporte de eleitores e diversas por propa-gandas irregulares.

“Quando a polícia chega, é só ficar tran-quilo”, comenta Dudu, “porque eles não chegam revistando todo mundo”. As es-tratégias são as mais variadas, mas o di-ferencial para não ser pego, com certeza, é manter a calma. Saber dar uma volta, ficar fora do raio de 300m da escola se for preciso – distância que limita o crime.

Mas, além da fiscalização da polícia, eles enfrentam a fiscalização dos contra-

tantes. Os partidos colocam uma ronda nas escolas. Talvez a fiscalização dos crimino-sos seja mais eficiente que a da polícia.

O responsável pelo fórum garantia a advogados que estavam no local que aquele era um dia atípico. As manhãs sempre apresentam o maior número de prisões. Os advogados persistiram por lá.

Passageiros de pri-meira viagem, os briga-dianos que ficaram no plantão, na sala do fó-rum, ficaram só com as denúncias. Nas conver-sas, se mostravam cada vez mais surpresos com aquilo. “Coisa boa não ter nenhum crime”, dis-se um policial. “Parece que não vai ter papelada hoje”, disse outra.

Às 9h, um deputa-do estaria fazendo boca de urna na Morada do Vale. Pouco depois, um candidato estaria fazen-do boca de urna numa

escola bem no centro da cidade. Dali a pouco, mais uma ligação: um vereador do PT estaria brigando com um vereador do PMDB. Nada se confirmou.

No outro dia, mesmo que sem os fla-grantes, as provas dos crimes ficaram nas ruas das escolas por toda a cidade. Se a eleição é a festa da democracia, a ressaca dessa festa é das piores.

A política é suja

No jogo da democracia, as

práticas nem sempre são

limpas – e as provas podem ser

vistas nas ruas

ARTHUR MENEZES

No outro dia, na frente da escola, apenas o resquício da boca de urna

Os partidos colocam uma ronda nas escolas. Talvez a fiscalização dos criminosos seja mais eficiente que a da polícia

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Rosa Vargas

Na política reinam interesses pesso-ais e pouco coletivos, promessas nunca cumpridas, ataques a ad-versários que serão aliados. E os

políticos que se omitem em responder per-guntas simples, o que esperar deles na hora de representar os interesses da população?

De acordo com um candidato que não quis revelar a identidade, e preferiu ser cha-mado de Blackout, a diferença de verba cedida ocorre porque o dinheiro vem dos “CC”(Cargos de Confiança) que cada can-didato com mandato tem.

“Inexperiência, empresários que ajudem em sua campanha. O maior é o financeiro, sem dinheiro não se faz política. Devemos repensar os financiamentos de campanha pelas grandes empresas, deveria ser apenas as doações de pessoas físicas,” diz Blackout.

Segundo o entrevistado o vereador que agora quer ser deputado, não pensa no eleitor de maneira nenhuma.

“Ele não está nem aí para o voto que recebeu. seu objetivo é ganhar mais e ter privilégios. Assim como aquele que aceita uma secretária.” E conclui falando o que é levado em conta na hora de uma coligação.

“As coligações levam em conta a dis-ponibilidade de cargos, na esfera nacional (ministérios) e na estadual (secretárias). E afinidade política.”

Perguntado o que fazer para aumentar o interesse do cidadão na politica e sua opinião sobre o voto facultativo, ele é direto.

“Ser honesto, trabalhar pelo coletivo e não pelo individual e combater a corrupção. Vai melhorar muito, com o voto facultativo, pois quem não tem interesse na política vai ficar de fora. Sou a favor é claro.”

O que pensa sobre a violência e a im-

punidade, a redução da maioridade penal Blackout é taxativo.

“Não resolve apenas ameniza, devemos rever nossas leis e torná-las mais severas, bandido sabendo que vai ser punido, comete menos crimes. Sou a favor da pena de morte. Se o sujeito sabe que pode ser condenado à morte, ele irá medir seus atos, pois o mais vil dos seres não quer morrer.”

Humberto Dantas, cientista político da Rede Vida, admite respirar política 24 horas por dia. “Essa minha ansiedade, esse meu desejo de ver a política sendo discutida, debati-da, vivida no cotidiano de forma consistente me transforma num chato que precisa pedir descul-pas pelos exageros. Pois bem, desculpa,” comentou.

Na visão de Humber-to: “Política se discute, de-bate, se explora, e avança sobre ela. É essencial que você construa sua forma própria de olhar o mundo. O voto é um direito con-quistado às duras penas que lhe dá a oportunidade de escolha,” ponderou.

Sobre as coligações partidárias diz que os partidos políticos viraram uma franquia, aquele que detêm o poder explora melhor e faz melhor negócio (coligação). Promete vantagens a seus aliados no âmbito federal e estadual.

As redes sociais e a políticaDe acordo com o professor de jornalismo

digital Micael Behs, os grandes comícios e locais para o debate da vida política se trans-feriram, em grande parte, para o ambiente

virtual. Tudo o que ocorre neste contexto tem repercussão na rede.

Importante destacar que a utilização das redes sociais para arrecadação de votos foi impulsionada pelo atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já em 2008.

Atualmente, as redes sociais representam canais privilegiados de interação entre um candidato e o eleitorado. Servem para huma-nizar a figura do político, que pode externar o livro que está lendo, o filme que pretende assistir, ou o passeio que vai fazer no final de

semana. Ao contrário do que ocorre num comício, onde ele fala para deter-minado público, e na web conversa com o eleitor.

No entanto, utilizar a internet com profissiona-lismo é fundamental para o sucesso de qualquer can-didato. Compreender que este é um espaço de troca, interação e diálogo e que tudo isso pressupõe em-penho e disposição para estar literalmente conec-tado a um determinado público.

Neste sentido, a efi-cácia da rede para fins eleitorais depende dos usos e apropriações que cada político faz destes espaços.

A internet também pode prejudicar uma candidatura. Ninguém quer interrogar o seu candidato e ficar sem resposta. Portanto, quem se dispõe a estar na rede precisa com-preender as suas lógicas de funcionamento.

É notório que muitos deles procuram visibilidade nestes espaços apenas durante o período eleitoral e, depois, saem de cena. Essa postura evidencia a falta de comprometimen-to de alguns que, após eleitos, restringem os canais de interlocução com o eleitor ao invés de alarga-los.

A disseminação de um boato pode, sim, prejudicar uma candidatura e a neutraliza-ção dos seus efeitos exige uma assessoria de imprensa capacitada para intervir em situações de crise.

Na esquina uma senhora aparentando uns 70 anos com uma bandeira nas costas e uns panfletos de campanha. A distribuir. Diz: “Não sou parente e nem conhecida da candidata, apenas simpatizei com as ideias na internet e quis disseminar a outros meu voto.”

POLÍTICA

Desnudando a vida eleitoralVale tudo para ter o

voto do eleitor

ROSA VARGAS

Senhora de 70 anos fazendo campanha para a candidata que ela apoiou através das redes sociais

A eficácia da rede para fins eleitorais depende dos usos e apropriações, que cada político faz destes espaços”MICAEL BEHSPROFESSOR DE JORNALISMO DIGITAL

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Novembro/2014BABÉLIA

GERAL

Ariane Laureano

À s 7h30min todos acordam e tomam café. Em fila, os idosos se dirigem ao refeitório do Lar Vicentino Dr. Décio Rosa, em

Canoas. Os que têm dificuldade para cami-nhar chegam por último e demoram a ser servidos. O ambiente é silencioso, menos na hora das refeições, quando a alegria e a conversa tomam conta do espaço.

Segundo pesquisa do Instituto Sodexho, até 2025 o número de pessoas com mais de 65 anos crescerá 156%. Com o aumento da expectativa de vida, o Brasil começou a se preocupar com os idosos. Em 2003 houve a aprovação do Estatuto do Idoso, estabelecendo sanções para a violação dos direitos dessa faixa da população. “Se o idoso fosse respeitado no Brasil, não precisaria disso”, lamenta a doutora em Ciências do Movimento com ênfase em Envelhecimento Bem-sucedido da Unisinos Susana Hübner Wolf.

Muito antes dos 60 anos, as pessoas “mais velhas” já apresentam características de quem passou por muita coisa na vida. Além de rugas e cabelos brancos, vêm as doenças. As principais são o Alzheimer e o câncer. Nem todos têm a sorte que teve Nilva Aguzzoli. Seu neto Fernando Aguzzoli largou a empresa e a faculdade de Filosofia para cuidar da avó que sofria de Alzheimer.

Muitos, como Reni Prates Monteiro, aca-bam indo para um lar. Magro, de olhar vago e triste, ele não tem 36 anos, como diz, e sim 80. Leva a vida como se os “três ou quatro” filhos – são três – fossem novos e os netos, recém-nascidos. Segundo Reni, não faz um ano que ele mora no lar, mas os registros mostram que está lá há mais de 10 anos.

No Alzheimer, fatos do passado viram momentos vividos há menos de horas. Segun-

do o presidente da Associação Internacional de Geriatria e Gerontologia, Renato Maia, é preciso ficar atento às consequências da perda de memória na rotina do idoso, visto que o esquecimento é um sintoma comum de quem está envelhecendo.

Assistindo ao horário político na sala de estar do lar, que possui muitos sofás e só uma televisão, Reni senta-se retraído, mas declara que adora votar. “Acho tão lindo. Acordo de manhã, tomo um banho e vou votar.” Na verdade, ele não vota há mais de 15 anos.

As maiores dificul-dades ao se mudar para um asilo são o desapego – dos objetos pessoais, do convívio com familiares e até mesmo de animais de estimação – e a adaptação aos outros idosos. “Aqui é um colégio, só que a gente aprende a conviver com as deficiências de cada um”, explica a moradora do lar Maria da Conceição Serva. Os asilos, ou ILPI (Institui-ção de Longa Permanência para Idosos), são classificados por grau de dependência do idoso, que vai de 1, o mais autônomo, a 3. No Lar Vicentino, só são aceitos os de grau 1.

Na casa da família Aguzzoli, a situação foi diferente. Nilva morreu antes de ir para um asilo. “Há um momento para que essa transi-ção seja feita: é quando achamos que o idoso precisa mais do que amor, precisa de atenção profissional”, comenta o neto Fernando. Em muitos casos, o lar ou clínica é uma salvação para os idosos que, abandonados ou sem parentes vivos, recebem carinho e cuidados de voluntários e funcionários.

Apesar disso, Claudete Gonçalves dos San-

tos desabafa: “É brabo, aqui ninguém é feliz, porque vem contra a vontade. Ou vem porque não pode mais cuidar da casa, ou porque não quer incomodar os filhos”. A moradora é a mais jovem do lar, com 70 anos. Não é só de idade que Claudete é a mais jovem. De cabelo loiro e raiz bem retocada, ela não parece se encaixar nos padrões do asilo, não fosse pela muleta e pelas dores nas articulações.

Para Dolores Guciardi Martins, a única opção foi o lar. Com 92 anos, visão e audição prejudicadas, a ex-dona de casa parou com as

atividades domésticas, que eram interrompidas por desmaios. Franzina e com o rosto cheio de marcas, morava sozinha. Não tem parentes vivos e sofre do coração. “A missão que me deram foi enterrar todos eles. Fiquei sozinha, mas Deus me dá força para superar tudo isso.”

Para Margarida Mota, de 88 anos, ir para o lar foi uma luta com a família. “No início, meu filho não

queria, mas depois decidiu que, quando eu completasse 65 anos, viria para cá.” Cheia de vida e de histórias para contar, Margarida faz crochê em pano de prato e tricota roupas de bebê. A única reclamação é sobre a comida, insossa e líquida. Para a janta, ela comprou pizza. “Eu me governo”, diz a avozinha com uma forma na mão. Apesar da faceirice e das visitas que recebe, Margarida não esconde a saudade do marido, morto há mais de 30 anos, nem as lágrimas ao mostrar sua foto. “Este aqui era o meu negrão. Viu como eu estava bem?”

Se para uns ser feliz é recordar, para outros é aproveitar cada momento, como Nilva. Seu neto e a família resolveram en-carar a doença com bom humor. Para isso ele criou uma fanpage no Facebook, onde narrava as peripécias da avó. Segundo Fer-nando, ele tomou essa decisão para evitar que sua mãe morresse de depressão antes da avó de Alzheimer.

Do portão do lar, um senhor abana para a família que o visitou e foi embora, retornando com um andar lento e com lágrimas no rosto. Do mesmo portão, os colegas observam a ambulância chegar e querem saber qual dos companheiros está passando mal. Dessa vez não foi nada de mais, mas quando um dos ido-sos se vai, todos sentem. É como diz Dolores: “A gente, quando nasce, nasce pra morrer”.

Um colégio no fim da vidaNum asilo, os idosos precisam

aprender a lidar com a

saudade, as doenças e as

dificuldades de todos para se adaptar à

rotina do novo e último lar

ARIANE LAUREANO

Apesar de viver num asilo, Margarida Mota se governa e ainda escolhe sua janta

Aqui é um colégio, só que a gente aprende a conviver com as deficiências de cada um”MARIA CONCEIÇÃO SERVAMORADORA DO LAR

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Vanessa Souza

Em um dos debates presidenciais deste ano, o famoso candidato do aero-trem, que peculiarmente se diz um representante da família brasileira,

proferiu um apanhado de bobagens sobre ho-mossexualidade. Para ele, “aparelho excretor não reproduz”, estimular a união homoafetiva reduzirá a população pela metade, gays devem ser atendidos no plano psicológico e “dois iguais não fazem filho”.

Certamente, para Levy Fidelix, uma família ‘tradicional’ é formada pelo pai, pela mãe e por um ou mais filhos. Acontece que o sentido de família vem ultrapassando as definições pré-fabricadas há muito tempo.

O que talvez Levy não saiba é que, segundo o último censo do IBGE, pelo menos 60 mil famílias se declararam homoafetivas no Brasil. Além disso, dois iguais fazem filho, sim!

Em maio de 2013, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que garante aos casais gays o direito de re-correr à reprodução assistida para ter filhos. A resolução que definia as normas para o procedimento até então limitava as chances para eles. Agora, as novas regras deixam claro que o tratamento pode ser utilizado por casais homoafetivos.

Em mulheres o procedimento pode ser feito a partir da inseminação de uma delas, ou por gestação compartilhada, quando o óvulo de uma é inseminado e introduzido na outra: dois iguais fazendo filhos.

Eva* e Maria* são companheiras há nove anos. Eva sonhava em ser mãe, Maria já tinha uma filha de 13 anos. Foi então que a reprodu-

ção assistida entrou na vida delas. Decidiram que o óvulo usado seria o de Eva e o esperma veio de um banco de reprodução.

Depois de algumas tentativas frustradas, recorreram à adoção, mas foram paradas pela burocracia. “Fiquei sem esperanças e pensei em não repetir o procedimento, já havia gas-tado muito (mais de R$ 25 mil)”, conta Eva.

O processo de reprodução assistida não é barato. Na rede pública de saúde ainda são poucos os centros que realizam o tratamento gratuitamen-te. Apenas em Pernam-buco, Distrito Federal, São Paulo, Goiás e Rio Grande do Norte. Segun-do o obstetra especialista em reprodução assistida Paulo Gallo, entre medica-mentos e custos clínicos, o procedimento custa em torno de R$ 18 mil.

As moças determina-das a serem mães viram a ansiedade se tornar alí-vio na quinta tentativa, quando foram implantados três óvulos em Eva. Alguns dias depois do procedimento, a ligação da clínica confirmou: estava grávida de gêmeos.

Com os casais formados por homens, acontece a reprodução na “barriga solidária”. Escolhe-se de quem será o esperma usado para fecundar o óvulo e em seguida procura-se um banco de óvulos para escolher a doadora. Os doadores de óvulos ou esperma são escolhidos através das suas características físicas, mas

não é possível ver fotos ou ter contato. Essas células são explicitamente proibidas pela legislação brasileira de serem comercializadas. Da mesma forma, aqui no Brasil é proibida a ‘barriga de aluguel’, quando uma mulher cobra dinheiro para gestar o filho de alguém.

Para Mailton Albuquerque e Wilson Albu-querque, quem emprestou o útero para gerar o primeiro filho do casal foi uma prima, em

2011. Maria Tereza, filha biológica de Wilson, nas-ceu em 2012 e eles viraram notícia pelo pioneirismo: foram o primeiro casal gay a conseguir a dupla paternidade legalmente. Já o caçula, que nasceu em junho deste ano, foi gerado por uma amiga do casal. Em ambos os casos os procedimentos ocorreram com o aval do Conselho Federal de Medicina. Jun-to com o filho mais novo, veio mais um fato inédito protagonizado pelo casal. Mailton obteve a primeira

licença maternidade oferecida a um gay no Brasil, que lhe deu o direito de ficar em casa por seis meses para cuidar de Teo, que é seu filho biológico. “Sempre acreditamos que o amor é a base de tudo”, conta Mailton.

Os gays ainda enfrentam algumas difi-culdades no âmbito legal, pois o Brasil não tem legislação para esses casais. Em 2013, foi regularizado o casamento civil gay, que passou a obrigar todos os cartórios do país a celebrar cerimonias entre pessoas do mesmo sexo e a converter união estável em casamento. Agora é possível que eles tenham direito a pensão alimentícia, previdência e plano de saúde. Quando um casal gay decide registrar seus filhos, ainda encontra dificuldades: os pais da criança devem entrar com uma ação judicial.

E esses filhos, como serão no futuro? Estudos realizados em vários países mostram que crianças que pertencem a famílias homo-afetivas desenvolvem mecanismos para lidar com o fato de terem dois pais ou duas mães e assim têm um bom ajustamento à situação. Os papéis materno e paterno estão além do gênero, são vínculos muito mais sociais e afetivos do que biológicos.

*Os nomes foram trocados a pedido das fontes.

GERAL

A biologia nunca esteve acima do amor

Em tempos de intolerância,

o não convencional

precisa se tornar normal

ARQUIVO PESSOAL

Mailton e Wilson no aniversário de Maria Tereza, filha mais velha do casal

Os papéis materno e paterno estão além do gênero, são vínculos muito mais sociais e afetivos do que biológicos

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GERAL

Julia Regina Boeno Viana

Joelhos dobrados, corpo prostrado e testa apoiada sobre um carpete bege, no décimo andar do número 62 da Rua Doutor Flores. Ali, entre dúzias de lojas, em meio aos gri-

tos de “Compro ouro”, “Chip da Claro, baratinho” e “Vamo aproveitar!” fica o Centro Islâmico de Porto Alegre, dentro de uma sala não muito grande, onde se reúnem os muçulmanos, os adeptos do Islamismo, para fazer suas orações e ouvir o sermão feito pelo Xeique.

Entro no prédio e pergunto sobre a sala. “Ah, os muçulmanos?”, diz a ascensorista. No elevador entra comigo um homem de cerca de 60 anos. Vestindo um abrigo azul-marinho e com uma leve barba por fazer, era alguém que passaria totalmente despercebido na rua. O elevador chega ao seu destino. Quando abre a porta, dá para um corredor um pouco estreito onde há um escritório de advogados. O homem de abrigo azul-marinho segue no curto corre-dor e entra na sala seguinte. Ele veio para a oração da Sexta-feira – Salat ElJumaa.

Da porta é possível ouvir assalamu aleikum – “que a paz de Deus esteja con-tigo”, saudação muçulmana que está pres-crita no livro sagrado do Islã, o Alcorão. Assim como um padre saúda quem vai à missa. Quando se ouve isso pela primeira vez parecem sons sem sentido, mas na

verdade são desejos de bênçãos de Allah. Allah não é um deus estranho e animales-co, mas sim “Deus” no idioma árabe, língua oficial do Islã, pois foi nela que Ele revelou o Alcorão ao profeta Maomé (Muhammad em árabe).

Dentro da sala, alguns homens em túnicas brancas, ou-tros em roupas con-vencionais. Certos rostos ostentam es-pessas barbas e um pequeno turbante branco. Todos com os pés descalços.

As meninas ficam em uma parte separada, no fundo da sala, atrás de um biombo de madeira. Elas usam roupas islâmicas, vestidos mais compridos, pretos, que não marcam o corpo, até a altura das canelas; por baixo, calças mais largas; e, na cabeça, um hijab – um lenço que cobre a cabeça e o pescoço. Todas, como em qualquer outro templo religioso, cumprimentam-se: um beijo no rosto, um abraço e um assalamu aleikum.

Por trás das roupas diferentes e do biombo que os separa, histórias inusitadas. Ana é podóloga, cabeleireira e segurança. “Eu tinha um salão nesse prédio aqui na frente”, conta ela, “aí um dia eu olhei pra cá e vi as letras em árabe. O meu cliente tinha dormido, e eu fiquei olhando, como em transe. Atravessei a rua e quando notei estava aqui! Isso foi em janeiro de 2013, e estou aqui até hoje”. Já Nabila tem um leve sotaque, há 11 anos vive no Brasil. “Eu vim como refugiada pra cá, com a minha família, mas todos voltaram para o Afeganistão e só eu fiquei.” Mas ela não é a única estrangeira. Alguns frequentadores vêm de países árabes ou da África, um deles é o próprio Xeique – Jamal Buraimo, de 41 anos –, vindo de Moçambique, que se tornou o iamam a pedido dos irmãos

do Centro Islâmico em meados de 2013. “Eu gosto de passar a mensagem do Islã pessoalmente, a verdade sobre ele, e não o que se vê na televisão. Minha religião é de paz e não de guerra.” Há quem está ali, como eu, pela primeira vez, e há também os convertidos.

O Centro Islâmico de Porto Alegre recebe muitos visitantes e, como diz o Xeique Jamal, está sempre pronto pra re-cebê-los. Enquanto alguns vêm matar sua curiosidade, outros vêm para celebrar sua fé e sua religião, cumprindo o que há no Alcorão, na Bíblia ou até no Torá dos ju-deus. Essa pequena salinha comercial, no fim, é como qualquer outra “casa de Deus”, uma reunião entre fiéis que vêm sempre em busca de uma aproximação com Allah, alrahman, alrahim.

O sagrado Alcorão

começa com a invocação

acima, e assim o

xeique inicia o sermão

na sala de um prédio comercial em Porto

Alegre. Ali fica o Centro

IslâmicoSeguindo a tradição, mulheres fazem suas orações em uma sala separada

Eu gosto de passar a mensagem do Islã pessoalmente, a verdade sobre ele. Minha religião é de paz e não de guerra”JAMAL BURAIMOXEIQUE DO CENTRO ISLÂMICO DE PORTO ALEGRE

BRUNA COMASSETTO

Bismilah Alrahman Alrahim (“Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso”)

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Novembro/2014BABÉLIA

Anne Caroline Kunzler

O dia começa cedo para eles. O trans-porte passa ainda antes do nascer do sol nas casas onde moram. En-quanto uns estão indo para o traba-

lho, outros estão voltando. São 45 imigrantes, vindos de Gana, Haiti, Senegal e Bangladesh, que chegaram ao Brasil de avião, durante a Copa do Mundo.

O objetivo deles já estava traçado há cerca de cinco anos, quando começaram a econo-mizar para essa viagem, e suas esperanças aumentaram quando foi anunciada a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Considerando o Brasil um país próspero e com procura por mão de obra, eles vieram tentar a sorte e buscar um mundo novo. A maioria pretende ajudar suas famílias, outros pensam em tra-zê-las para perto, e há aqueles que planejam construir uma aqui mesmo.

Os estrangeiros se espalharam pelo país e os 300 que vieram para o Rio Grande do Sul foram alojados provisoriamente em Caxias do Sul, com um prazo para tentar a permanência fixa. A maioria foi para outras regiões e, para os que ficaram, surgiu uma fada madrinha: Leticia Oderich Moreira, recursos humanos na Oderich Conservas, de São Sebastião do Caí, que foi até a Serra buscá-los para trabalhar na fábrica. “Hoje, encontrar pessoas dispostas a trabalhar na produção de uma fábrica é mais difícil do que se imagina. Não vemos isso como uma ação pretensiosa, precisávamos de mão de obra e eles precisavam de emprego.”

A maioria tem smartphones de última ge-ração, alguns deles são trilíngues, diplomados. Entre as profissões deles estão eletricistas, designers, motoristas, técnicos em informá-tica, comerciantes e, inclusive, engenheiros. Mas lá, mesmo com diploma, eles recebiam o equivalente a R$ 600.

A empresa também alugou, por seis meses, três casas para receber os novos trabalhadores. A divisão das casas foi feita de acordo com o país e o credo de cada um e, após esse perío-do, eles devem se manter por conta própria. Mama Letícia ou big friend, como é chamada pelos africanos, não se ateve apenas a em-pregá-los. Nas primeiras semanas, envolveu sua família e seus amigos na missão de lhes apresentar a cidade e os moradores. Ela é a primeira pessoa que conheceram, e por quem mais apreço eles têm. Os caienses os ajudaram com roupas, cobertores e eletrodomésticos, e uma escola de idiomas lhes deu de presente um curso de português.

Quem passa pela praça os vê sempre com o celular na mão, usando a internet sem fio para se comunicar com suas famílias. Além da alegria, das cores e da cultura diferente, algo que os caracteriza é a gratidão. “Eles são eternamente gra-tos por terem sido trazidos para cá, pela chance que lhes foi dada.”

Apesar de considera-rem a culinária brasileira muito farta, eles se alimentam de acordo com sua religião. A maioria é muçulmana e eles não comem carne de porco, não bebem leite nem café, apenas chá. Comem muitas comidas típicas feitas com farinha e consomem por semana, no mínimo, 10 quilos de farinha de milho. Além disso, rezam cinco vezes por dia para Meca, desde as 5h da manhã. Nas horas vagas, vão à academia, jogam futebol e já estão até ensinando à comunidade suas danças típicas e capoeira.

Max Nncube chegou à cidade em 3 de outubro e ainda não encontrou um emprego. Ele é da África do Sul, tem 29 anos e passou os três últimos anos economizando para a viagem. Como a maioria das pessoas vindas da África, ele fazia sandálias de borracha – as mesmas que estava usando – e guardava todo mês 200 randes (moeda local) para a viagem, cerca de R$ 42. Max deixou seus pais e dois irmãos e sonha em trazê-los para perto. Quando o encontrei, ele estava justamente indo falar com sua família pela web.

Abraham Adomako, 43 anos, e Aminu Moham-med, 23, fazem parte do grupo de estrangeiros vindo em julho. Eles mo-ram com mais 15 homens – entre os quais, Max – em uma casa amarela de esquina, a uma quadra da praça. Para eles, a casa ain-da não é um lar, e sim um alojamento. Não há fotos ou nenhum tipo de objeto que lhes tenha algum sig-nificado.

Ambos deixaram fa-mília em Gana, onde tam-bém trabalhavam fazendo

sandálias. “Você não consegue um emprego, então precisa fazer alguma coisa por conta própria.” Os três são unânimes em dizer que a África não é o que vemos e ouvimos. “Lá é tudo ruim! Aqui é melhor, gostei das pessoas e do lugar, quero ficar para sempre”, diz Max.

Abraham deixou sua mãe, dois irmãos e três irmãs, além de sua esposa de 28 anos, que trabalha em um mercado. Segundo ele, a primeira coisa que quer fazer é trazê-la para cá e, quando fala isso, os amigos brincam: “e colocá-la aqui, com esse monte de homem?”. O pai de Abraham é falecido, assim como o de Aminu. Ele também deixou para trás sua mãe, três irmãos e duas irmãs. A única coisa que os faz lembrar de casa é o verde da cidade, “floresta”, como ele dizem.

Mas, depois de dois meses, a novidade é passado, tudo parece mais familiar, todos já têm sua rotina diária e novas metas. Agora, eles nada mais são que parte de todo cenário. Esse cenário de pessoas indo e vindo a todo momento, na correria de suas vidas e de seus afazeres. Aos poucos eles vão se acostumando a esse novo lar e, quem sabe, conseguirão pro-porcionar o mesmo aos seus entes queridos.

GERAL

Passagem para uma vida dignaNaquele dia,

eles pegaram o avião com a certeza de

que iriam encontrar

um lar, um emprego e

a promessa de um futuro

melhor

VITÓRIA PEREIRA

Aminu mostra uma de suas fotos no Facebook, segurando uma das sandálias que vendia em Gana

Eles são eternamentegratos pela chance quelhes foi dada, uma ofertade emprego e de futuro”LETÍCIA ODERICH MOREIRARECURSOS HUMANOS

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Novembro/2014BABÉLIA

GERAL

Lidiane Menezes

Preconceito, discriminação, falta de oportunidades de emprego e um péssimo atendimento na saúde pública. São as dificuldades en-

frentadas por aqueles que sofrem com alguma deficiência física, mas talvez o maior drama vivido por cadeirantes seja a acessibilidade.

Obstáculos nas calçadas são comuns, muitos deles perigosos. Um simples des-nível entre um pavimento e outro ou até mesmo algumas pedras soltas podem cau-sar sérios acidentes ou quedas.

Em Portão, a 40 quilômetros de Porto Alegre, desníveis nas calçadas, buracos e calçamento irregular, dificultam a loco-moção daqueles que andam sobre rodas. Um rápido passeio por uma das principais vias da cidade já mostra a falta de rampas para cadeirantes e aquelas existentes são mal planejadas e altas demais.

O superintendente de Planejamento e Obras da Prefeitura Municipal de Portão, Antônio Dias, é enfático ao afirmar que não há acessibilidade no município e que uma lei determina que é de responsabilidade do proprietário a construção da calçada e cabe a prefeitura fiscalizar. “Aos poucos, estamos tentando regulamentar, pensamos em notificar o proprietário, se ele não realizar a obra, nós iremos fazer e depois a conta será enviada ao contribuinte”.

Segundo Dias, uma ação nos moldes da que foi realizada em Porto Alegre está sendo pensada. Na Capital, empreendi-mentos são notificados e, caso a obra não seja realizada dentro do prazo, uma multa é gerada.

Em Portão, alguns proprietários de estabelecimentos localizados na Av. Bra-

sil, via de maior movimento, foram co-municados para que seja realizada uma padronização nas calçadas. “Conversamos informalmente, mas percebemos que não está sendo feito”, pondera.

Nos últimos dez anos houve crescimen-to no número de pessoas na terceira idade e portadores de algum tipo de necessidade especial, o que preocupa as autoridades. Questões financeiras são o principal entra-ve para a realização das obras e cadeirantes continuam passando por problemas na hora de se locomover e, infelizmente não haverá uma ação imediata.

Vivendo em uma cadeira de rodas

Vistos por muitos como incapazes, alguns cadeirantes acabam as-sumindo essa identidade. Um grande número de portadores de deficiência passa a ficar em cima de uma cama ao invés de viver uma vida plena e feliz. Muitos acabam ignorando que a vida continua e muitos de seus hobbies e prazeres ainda podem ser vividos, mas de forma diferente e adaptada.

Em um país despre-parado para lidar com pessoas com pro-blemas de locomoção, a adaptação à nova vida é ainda mais difícil.

Segundo dados da Organização Mun-dial da Saúde, cerca de 15% da população Mundial, ou 1 bilhão de pessoas, sofre com algum tipo de deficiência, incluindo

aqueles com algum tipo de deficiência de mobilidade.

Davi Daniel Teixeira tem uma história que é um exemplo de superação. Ele so-freu uma lesão medular em um acidente automobilístico em 1993. Nos 20 anos que vive em uma cadeira de rodas, ele já viajou o mundo e aprendeu que em questão de acessibilidade há dificuldades em todos os lugares.

Apaixonado por esportes, ele joga em um time de basquete para cadeirantes e

durante a Copa do Mun-do fez um tour pelos es-tádios que sediaram o mundial. Segundo ele, a maioria tem problemas quanto à acessibilidade, mas o pior está no Rio Grande do Sul. “O Bei-ra-Rio tem muitos pro-blemas de acessibilidade. No local destinado às pessoas com deficiência, chove muito, existe pro-blemas de visibilidade, um horror”, afirma. Ele acrescenta ainda que o Internacional devia se espelhar no estádio do rival, a Arena gremista seria um belo exemplo de como devem ser as adaptações para receber este público.

Aliás, um dos hobbies de Teixeira é viajar. A bordo de seu carro ele já percorreu todos os estados do Brasil, além de destinos como Deserto do Atacama, Ushuaia, Costa do Chile, Sul do Peru, todos em um carro adaptado e tendo ele como motorista.

Um blog foi criado para contar algu-mas de suas aventuras. O Cadeirante na Trilha Inca já foi acessado por diversos cadeirantes que se inspiraram no seu modo de vida e pessoas que a procura de dicas para planejar uma a viagem dos sonhos.

“Depois de contar minhas viagens no blog, foi grande o número de pessoas que entraram em contato comigo perguntando: Como você faz isso? E cadeirantes ques-tionando se isso era mesmo possível. É claro que é, basta ter vontade e o principal, planejar, planejar muito cada detalhe, mas percalços sempre aparecerão, você tem que superá-los”.

A próxima aventura está sendo pro-gramada. Será uma viagem por toda a Costa Oeste dos Estados Unidos, em julho de 2015.

A difícil vida sobre rodasDiariamente, cadeirantes sofrem com

problemas de acessibilidade nas ruas das

cidades

ARQUIVO PESSOAL

Davi em visita a Puno, cidade peruana às margens do lago Titicaca

Basta ter vontade e o principal, planejar muito cada detalhe, mas percalços sempre aparecerão, e você tem que superá-los”DAVI DANIEL TEIXEIRACADEIRANTE

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Liege Pereira Barcelos

“Moço, você esqueceu de avisar em qual a parada eu deveria descer?”

“Ih! Esqueci mesmo! Perdoe-me, senhora, me distraí com o WhatsApp.”

Quem de nós nunca passou por uma situação semelhante a essa porque estava utilizando o WhatsApp?

Dejalmo (nome fictício, a pedido do entrevistado) é cobrador de uma empresa de ônibus em São Leopoldo desde 2006. Ele e seu colega, o moto-rista Edson (nome também fictício), fa-zem o mesmo itinerário há oito meses. São nove horas diárias, seis dias por semana fazendo a mesma rota. Entre uma “volta” e outra, Dejalmo recorre ao aplicativo como forma de distração.

O motorista conta que o colega está sempre “on”, mesmo sabendo que a empresa não tolera o uso de telefone durante o expediente.

“Geralmente esqueço de orientar um ou outro passageiro quanto ao desembarque. Na hora ficam chateados, mas sempre consigo ajudar de um jeito ou de outro”, explica Dejalmo.

Considerando que no regime de contratação pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) o empregado deve exercer atividades de interesse da empresa pela qual foi contratado, o mesmo não pode “gastar” seu tempo de trabalho em atividades diferentes daquelas estabelecidas pelo empre-gador. Segundo a alínea B do artigo 482, incontinência de conduta ou mau procedimento constituem demissão por justa causa.

Para Kalámide Jamila Jardim, analista de recursos humanos, o uso do Whats- App no ambiente de trabalho muda de acordo com a empresa ou função. Há aquelas em que a atividade desempe-nhada pelo colaborador não permite a utilização, e há outras que não se opõem desde que o uso não interfira no desem-penho do funcionário. Tudo passa a ser uma questão de bom senso.

Desde que foi criado, em 2009, o aplicativo já atingiu a marca de 600 milhões de usuários. Não há como ig-norar, ele está em todos os lugares, uti-lizado por pessoas de todas as idades. Onde quer que exista um smartphone, lá está o ícone do telefone verde.

Henrique Fortuna é consultor de telefonia nas lojas Ponto Frio em São Leopoldo. Ele afirma que 90% dos clien-tes que se dirigem até a loja buscam um novo aparelho com tecnologia que suporte o aplicativo. “Os clientes já

chegam perguntando se dá pra instalar o WhatsApp. Em alguns casos, para aqueles mais ansiosos, o telefone já sai da loja com aplicativo instalado.”

Desde o ano passado, quando co-meçou a utilizar o aplicativo, Volnei Paiva, 40 anos, não se afasta do telefone para nada. Natural de Itaqui, e morando em Novo Hamburgo, ele começou a usar a ferramenta para manter contato com os amigos e parentes que moram em sua cidade natal. Encontrou no “Whats” uma maneira de dimi-nuir a distância.

Com o passar do tem-po, a lista de contatos au-mentou, as conversas se tornaram mais longas e algumas situações desagradáveis surgiram. “Dias atrás tinha uma reunião importante na empresa onde trabalho, em Novo Hamburgo, e, distraído com o What-sApp, desembarquei na estação Esteio.”

Diariamente, Volnei, que mora em Novo Hamburgo, embarca na estação Santo Afonso, desembarcando duas estações depois para ir até o trabalho. Nesse dia ele simplesmente não desceu do trem. Foi até o terminal, permane-ceu dentro do vagão e apenas se deu conta quando chegou à estação Esteio. “Tornei-me o campeão de atrasos e

refém do WhatsApp”, constata Volnei.Para a psicóloga e professora da

Unisinos Fernanda Hamper Picon, não apenas o WhatsApp, mas as re-des sociais em geral constroem uma relação muito imediata com o tempo e alimentam uma falsa ideia de interação com o outro: “Se tu não és adicionado

ou se tu não possuis uma rede interessante no WhatsApp, parece que tu não existes”.

A facilidade do acesso ao WhatsApp e demais redes so-ciais pelo celular está contribuindo para o avanço da nomofobia, caracterizada pela sen-

sação de angústia que surge quando alguém se sente impossibilitado de se comunicar ou se conectar estando em algum lugar sem seu aparelho de celu-lar. É um termo recente que se origina do inglês: No-Mo, ou No-Mobile, que significa sem telefone móvel.

Apesar de ser uma ferramenta que auxilia na comunicação entre as pes-soas, o WhatsApp acaba causando dependência entre os usuários. O que deveria facilitar acaba prejudicando. O uso moderado e o autocontrole se tornam fundamentais quando se trata de redes sociais.

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GERAL

Desculpe, estava no WhatsApp!

Criado em 2009 o

WhatsApp facilitou a

comunicação entre as pessoas,

mas seu uso descontrolado tem causado

inconvenientes

LIEGE PEREIRA BARCELOS

Tornei-me o campeão de atrasos e refém do WhatsApp”VOLNEI PAIVAUSUÁRIO DO APLICATIVO

Volnei encontrou no aplicativo uma maneira de reduzir a distância com sua cidade natal

BABÉLIA

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Manoela Petry

Dançarina desde criança, as sapatilhas, saias e vestidos de prenda fazem parte da vida de Mariana Vargas em

mesma, ou maior, proporção que os tênis, calças jeans e camisetas. Ela é bailarina da invernada artística de um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) em Montenegro, e divide seu tempo entre as atribuições de uma prenda e os estudos, trabalho, o filho de dois anos e as obrigações domésticas. Em quase todos os dias, desde 2002, Mariana doa algumas horas para o que, segundo ela, é algo que move sua vida. “Desde o dia 20 de julho daquele ano eu dedico a maioria do meu tempo ao tradicio-nalismo, uma paixão inexplicável”, conta. Com apenas 18 anos, ela não se lembra de sua vida antes de se tornar tradicionalista e antes de esse hobby tomar grande parte da sua atenção, do seu pensamento e do seu dia.

Tradicionalista nos 365 dias do ano, a jovem vive as tradições gaúchas em cada ato, cada palavra. “Representa tudo em minha vida. Faz parte da mi-nha personalidade”, explica a dança-rina, que ensaia diariamente e vê nas danças tradicionais uma das dezenas de formas de cultivar a cultura do Es-tado. “Tomar aquele chimarrão todos os dias de manhã já é manter uma das nossas manifestações culturais vivas. Eu faço o que me deixa realizada.”

Por ter o folclore do Estado presen-te do amanhecer ao anoitecer de cada dia, a jovem não vê sentido nos “gaú-

chos de Semana Farroupilha”, que em setembro lotam acampamentos e bai-les. “Muitos não sabem, por exemplo, o significado que uma bombacha tem”, destaca a prenda. Para ela, lembrar a história do lugar onde nasceu apenas por uma semana não mostra orgulho algum pelo seu chão. “Muitos não têm tempo para estar mais presentes nesse meio, mas defendem e honram o nosso Estado o ano inteiro, enquanto outros ignoram a nossa história, e lembram que tivemos um passado e que temos uma cultu-ra a zelar apenas por alguns dias”, completa.

Para Eduarda do Es-pírito Santo, 16 anos, ser tradicionalista hoje não é um hobby barato, e isso pode ser outro motivo para muitos não conseguirem se manter no movimento. “Eu acredito que mui-tas pessoas gostam e se identificam, mas não têm condições financeiras ou tempo para cultuar nossa história todos os dias, e isso não os faz menos tradicionalistas”, defende.

Eduarda nasceu em meio aos cava-los e encilhas, e sempre acompanhou o pai no trabalho tipicamente gaúcho. Proprietário de uma hotelaria para cavalos há 15 anos e tradicionalista desde a infância, Cassiano do Espírito Santo tem na lida campeira e na tradi-ção gaúcha um dos grandes prazeres de sua vida. Foi o amor pelos bichos

que o fez investir na área. “Sou apai-xonado pelo que faço porque, além de estar entre os animais, consigo tirar o meu sustento mantendo a tradição e a história do meu povo”, destaca.

Atualmente com 40 animais, a rotina de Cassiano é intensa, mas, segundo ele, gratificante. “Não é fá-cil viver da paixão dos outros pelo tradicionalismo, mas é uma vida ma-ravilhosa.”

Segundo o empre-sário, ser sustentado pelo tradicionalismo é uma tarefa que tem ficado mais fá-cil com o passar do tempo. “As pessoas estão se interessan-do mais por isso, e querem que seus fi-lhos cresçam nesse meio”, ressalta. E é no lombo de um ca-valo e vestindo a pil-cha típica do gaúcho

que Cassiano cria sua filha. “Isso faz parte da minha vida. É uma paixão que vem de berço e que, com certeza, vou levar para o resto da minha vida”, enfatiza a jovem.

Se algum deles pensa em deixar o convívio no meio tradicionalista e largar essa forma de viver? “Ja-mais!”, “Bem capaz!”, “Com certeza não”. “Conseguimos conhecer lugares diferentes e fazer amigos que levamos para o resto da vida. Não troco a vida que levo hoje por nenhuma outra”, conclui Eduarda.

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GERAL

Toda semana é farroupilhaA história dos

tradicionalistas que vivem de

bombacha e não têm

vergonha de ser gaúcho

nos 365 dias do ano

Maria Eduarda aprendeu a lida

campeira com o pai, Cassiano, que vive do tradicionalismo

Isso faz parte da minha vida. É uma paixão que vem de berço”EDUARDA DO ESPÍRITO SANTONASCIDA E CRIADA NO TRADICIONALISMO

MAN

OELA PETR

Y

BABÉLIA

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Novembro/2014BABÉLIA

Andressa A. S. da Silva

Com o intuito de bene-ficiar os usuários e a empresa de ônibus, foi implementado na cida-

de de Canoas, em julho deste ano, um novo aplicativo, de-nominado Canoas Mobi. Ele é utilizado apenas nas linhas de ônibus da transportadora Sogal e fornece informações sobre os pontos de ônibus existentes, os itinerários e horários das linhas, além de pontos de táxi.

A tecnologia foi desenvolvida por meio de um programa da

prefeitura da cidade, a Funda-ção Municipal de Tecnologia da Informação e Comunicação de Canoas (Canoastec), que asses-sora o poder executivo muni-cipal, com objetivo de otimizar as atividades desempenhadas da tecnologia da informação e comunicação.

O sistema foi criado a partir de dados que já eram coleta-dos e controlados, como conta Paulo Oliveira, superintendente de projetos e sistemas da Ca-noastec, “já existia um sistema com controle de frota com GPS nos coletivos de Canoas, além

de todas as paradas de ônibus já estarem georeferenciadas”, o que facilitou a criação do app, já que acessará o mesmo banco de dados.

Quando questionado sobre a ampliação do aplicativo para outras cidades gaúchas, Olivei-ra explica que será publicado quando tiverem capacidade ope-racional, pois “depende de uma estrutura de sistema por geore-ferenciamento para ter algumas funcionalidades”, afirma.

O app está disponível nas lo-jas de aplicativos para aparelhos com sistema Android e iOS.

Juliana Maiara Silveira

Acadêmicos da Unisinos que residem em cidades próximas a São Leopoldo enfrentam dificuldades todos os dias no transporte público.

Um dos motivos mais frequentes das reclama-ções dos estudantes é o transporte que abrange São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Esteio. A confusão dos horários dos ônibus é um dos fatores que impe-dem a estudante de Engenharia Cartográfica e de Agrimensura, Luciana Castro de voltar para a casa tranquilamente no final da aula.

Luciana reside na cidade de Esteio e faz uma escala de transportes cansativa. Ela utiliza a linha São Leopoldo/Mauá, da empresa Real Rodovias, com o qual vai até a Rua Padre Claret, em Esteio. Ao chegar, espera o próximo ônibus, que vai até a esquina de sua casa.

Apesar de parecer simples, a estudante explica que a maior dificuldade está na segunda linha, devido à oscilação dos horários. “Isso me prejudica porque é perigoso ficar na rua até tarde na minha cidade”, relata.

De acordo com Marco Aurélio, encarregado operacional da empresa Real Rodovias, os horários dos ônibus são definidos de acordo com o fluxo de passageiros na estação do Trensurb. Ao contrário do que conta a estudante, Aurélio diz que os horá-rios são cumpridos corretamente. Ele explica que reclamações como estas devem ser feitas com o setor responsável na empresa.

Tales Colman

Entre 8 de julho e 26 de agosto deste ano, ocorreu uma nova fase do conflito de Gaza. Na ocasião, uma operação foi organizada pe-las forças armadas de Israel para invadir o território palestino como represália a ataques do Hamas. No mês de julho, a diferença entre o número de baixas em cada um dos países envolvidos somava 700 mortos na Palestina contra um número de 35 mortos em Israel.

Diante dos dados, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro divulgou uma nota consi-derando inaceitável a escalada da violência na região. Em resposta, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel Yigal Pal-mor disse que o Brasil continuava sendo um “anão diplomático”. Logo após o ocorrido, ele deixou o cargo de porta-voz.

A declaração de Palmor foi tão polêmica que o presidente de Israel, Reuven Rivlin, ligou para Dil-ma Rousseff para fazer um pedido de desculpas. A guerra na região não terminou oficialmente, porém vive um período de estabilidade com um cessar-fogo entre Israel e a Palestina.

Sobre os conflitos, a antropóloga Miriam Vieira explica que eles se estendem por mui-tos anos e são de difícil compreensão para a população brasileira devido às notícias que não costumam a tratar as reais motivações da guerra.

Anderson Dilkin

Há cerca de dois anos, centenas de moradores de Santa Maria do Herval comemoravam, pois uma parceria entre a prefeitura municipal, o Daer e a empresa Retromac trazia a possibilidade do asfaltamento que liga a estrada a Gramado. A prefeitura seria responsável pela preparação da estrada, para depois o Daer colocar a camada asfáltica. Seriam cinco dos 17 quilômetros a re-ceberem uma técnica experimental que reduziria em 70% os gastos da obra.

“Nós assumimos e fomos fazendo a nossa parte. Quando o Daer começou a fazer a sua parte, fez pela metade e depois abandonou”,

disse o prefeito de Santa Maria do Herval, Ro-drigo Fritzen.

Segundo o chefe do executivo, faltam cerca de 800 metros para serem finalizados. Para isso, o Daer teve que fazer uma nova licitação para que alguma empresa interessada faça o trabalho de reforço da base para depois colocar a camada asfáltica. Este trabalho deve ser concluído até o final deste ano.

Santa Maria do Herval possui o maior frigo-rífico do Estado em abate (500 animais por dia). Cerca de 60 caminhões da empresa circulam diariamente pelo local. O morador Vanderlei Marcadente, que passa pelo menos três vezes por semana pelo trecho para se deslocar até Gramado, diz que facilitaria muito a sua vida com a conclusão da obra.

“Eu gasto bastante combustível me deslocando até Gramado, com essa estrada defeituosa tenho mais prejuízo, pois volta e meia tem alguma coisa para arrumar no meu carro”, relata o morador.

GERAL

Tecnologia ajuda no transporte de Canoas

Estudantes questionam problemas no transporte da região Vale do Rio dos Sinos

Embate entre Brasil e Israel segue sem definição

Daer adia sonho da população de Santa Maria do Herval

Aplicativo informa a situação das linhas de ônibus em tempo real

Passageiros da empresa Sogal têm acesso ao itinerário e localidade dos ônibus por meio do sistema

DIVULGAÇÃO

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Nicole Fritzen

Um som suave e melódico ecoa pela vizinhança. O tom atrai os moradores, que saem curiosos de suas casas procurando saber

de onde vem. Não demora muito para re-conhecerem a música: Ode à alegria, da 9ª sinfonia de Beethoven. Enquanto isso, a pequena Renata, nove anos, circula pela casa ensaiando música clássica em sua flauta doce, trazendo sintonia e leveza ao bairro.

Esse é o clima na cidade de São Vende-lino. Localizado a cerca de 90 quilômetros de Porto Alegre, na região do Vale do Caí, o chamado de “Pequeno Paraíso” mantém a tradição de atrair música à comunidade. A cidade, que originalmente leva o nome alemão de Sankt Wendel, é regida por um povo hospitaleiro e que não abandona os costumes e tradições germânicas. Os even-tos do município são sempre animados pela orquestra, o coral e a bandinha típica alemã, que empolgam pessoas de todas as idades em um ritmo de muito kerb e dança. Jovens, adultos e idosos se reúnem em pares para dançar músicas típicas alemãs, além de usar trajes germânicos como chapéus, vestidos ou tiaras.

O ensino de música no município é gratuito e começou há 11 anos, com o sur-gimento da orquestra. Na época, a entidade tinha em torno de 30 integrantes. O grupo se modificou, e hoje conta com 23 instru-mentistas, que estão divididos nos naipes de saxofones alto e tenor, trompete, trom-bone, flauta transversal, guitarra, baixo, bateria e teclado. O maestro Lucas Eduardo Grave ressalta que há muitos projetos em andamento, entre eles uma viagem à Ale-

manha, em janeiro de 2016. Trabalhando com música há nove anos, ele ressalta que passou por dificuldades quando assumiu a regência, mas hoje se diz feliz com a evolução do grupo.

Um dos maiores orgulhos da orquestra foi a gravação de um CD, em 2008. Na oca-sião, o município completava 20 anos de emancipação e foi homenageado com um repertório diversificado e comemorativo. Para Grave, um dos maiores desafios da entidade é agradar todos os públi-cos. “Escolho o repertório pensando em quem irá escutar, por isso é preciso focar em todos os gostos”, conta. Ele ainda salienta a importância do ensino de música para crianças e jovens: “Acredito que ela faz parte da formação integral do ser humano.”

Além disso, também são ministradas au-las gratuitas de flauta doce para crianças do das séries iniciais do Ensino Fundamental. As aulas são coordenadas pelo professor e músico Wuilliam Mello, 27 anos, que tra-balha no ramo há oito anos. Segundo ele, o ensino da flauta é incentivado por ser mais fácil para o entendimento dos pequenos. Assim que dominarem o instrumento, eles estão aptos para migrar para outros, como o violão e o teclado, ou fazer aulas de canto.

Foi ali que Renata teve seu primeiro contato com um instrumento musical. Hoje, além da flauta doce, ela também toca violão. Um de seus passatempos preferidos é se apresentar para a família, nos almoços de

domingo. “Gosto muito de tocar e cantar também”, sorri. Para o professor Mello, aprender a música aguça a percepção e desenvolve o raciocínio. Para ele, a música age como uma espécie de válvula de escape, além de ser uma forma de exprimir emoções e sentimentos.

A aposentada Marlene Schneider Auth, 73 anos, é integrante do coral vendelinen-

se há 63 anos. Ela conta que seus pais sempre a incentivaram a se envol-ver com a musicalidade. “Meu pai me colocou no coral aos 10 anos de idade, e antes disso eu já tocava piano e violão”. Ela se diz orgulhosa da formação musical que recebeu: “Acredito que a música eleva, fortalece a pessoa. É uma alegria constante”.

A bandinha típica alemã é composta por seis integrantes, sendo apenas um deles vendelinense. O grupo anima bailes e reúne principalmente casais idosos, que não perdem o gingado ao ritmo animado das músicas alemãs. A mais famosa delas, “Ein Prosit” (um brinde, em português) quando tocada leva todos ao delírio: copos de chope são estendidos ao alto, e a empolgação toma conta. Toda essa alegria é traduzida na união entre o fortalecimento das tradições e ela, sempre ela: a música.

Atração nos eventos da cidade, banda típica alemã empolga com um animado repertório e trajes que fazem referência à cultura da cidade.

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COMUNIDADE

Dó Ré Mi Fá da tradiçãoO município de São Vendelino,

no interior do Estado, incentiva

a inserção de música na comunidade

e alia musicalidade à cultura alemã

Banda típica alemã anima as festividades do município

Acredito que a música faz parte da formação integral do ser humano”LUCAS EDUARDO GRAVEMAESTRO

BABÉLIA

ARQUIVO PESSOAL

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20BABÉLIANovembro/2014

TRANSPORTE

Yasmim Lopes

Mais um meio de trans-porte será oferecido em Canoas. O con-trato para a cons-

trução de um aeromóvel foi assinado em 1° de outubro pelo ministro das Cidades, Gilberto Occhi, e o prefeito, Jairo Jorge. De acordo com a proposta, a linha ligará a estação Mathias Velho do Trensurb ao bairro Guajuviras e transportará cer-ca de 60 mil passageiros por dia.

O início das obras da primeira etapa, onde foram investidos R$

287 milhões, tem previsão para o primeiro semestre de 2015 e conclusão para 2016. Serão cons-truídos 5,9 quilômetros de via elevada para o trajeto, ligando a estação Mathias Velho à Ave-nida 17 de Abril, no Guajuviras. Para este percurso estão previs-tas nove estações. O trajeto será reduzido de 40 para cerca de 12 minutos, entre a estação e o bairro, e transportando 5,6 mil usuários sentados a cada viagem.

Durante a assinatura do con-trato, o ministro das Cidades também anunciou a liberação de R$ 9 milhões do Orçamento

Geral da União (OGU), pelo PAC Mobilidade, para a elaboração de projeto da segunda etapa do aeromóvel. O segundo trecho, de 4,8 quilômetros, ligará a estação Mathias Velho ao final da Rua Rio Grande do Sul, no mesmo bairro. Ainda não há previsão para início e término desta se-gunda etapa.

Segundo a Diretoria de De-senvolvimento Urbano, os dois bairros têm, juntos, cerca de 150 mil habitantes. Após a implanta-ção do aeromóvel, a mobilidade dos moradores será mais rápida e tranquila.

Luan Maciel

A frota de transporte público de Canoas conta com 115 ônibus, dos quais somente 55 são adaptados para cadeirantes, que somam 3% da população da cidade. Há duas empresas no município, a Sociedade de Ônibus Gaúcha Ltda (Sogal) e Vicasa. Passageiros relatam acidentes e despreparo por parte dos funcionários. Conforme o censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem 323,8 mil habitantes, dos quais 4 mil têm algum tipo de deficiência.

“O transporte da cidade melhorou, mas não está bom”, afirma Jair Silveira, vice-presidente da Asso-ciação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef). Ele ouve relatos de pessoas que encontram não só dificuldade para pegar o ônibus, mas também dos espaços públicos.

A cadeirante Fernanda Ficari dos Santos, 20 anos, trabalha como assistente social e usa o transporte. Ela relata que no início do ano sofreu um acidente devido à falta de manutenção do equipamento para cadeiras de rodas, que ocasionou sua queda ao entrar no veí-culo. Ela ressalta que foi auxiliada por passageiros e não por funcionários da empresa. Segundo a Sogal, motoristas e cobradores recebem treinamento para auxiliar pessoas com necessidades especiais.

Manoel de Souza, da Secretária de Transporte e Mobilidade, afirma que não há previsão para novas frotas. “Todos os ônibus novos que entrarem ou que forem substituídos terão modelos adaptados”.

Roberto Cristiano Caloni

Projeto aprovado este ano pela câmera de vereado-res concede auxílio para universitários de Sapiranga. As inscrições estão encerradas para este semestre. A Secretaria Municipal da Educação está analisando os documentos para conceder os benefícios de 100%, 50% ou 25% de subsídio. Para participar, o estudante deve morar na cidade há pelo menos dois anos e estar matriculado em instituições localizadas a até 80 quilômetros do município.

Foram 184 universitários inscritos no projeto. O aluno deveria encaminhar para a Smed o atestado de matrícula com número de disciplinas, os dias da semana, horários e a ficha sócia econômica.

As transportadoras habilitadas, após a chamada pública, deverão apresentar mensalmente a relação de alunos transportados, local de destino, data das viagens e o visto de subsídio aos estudantes.

A indicação do projeto foi feita pela vereadora Bruna Blos em 2013. A iniciativa surgiu pois o custo do transporte é caro e muitos estudantes não têm como pagá-lo. “O município deve ajudar o cidadão a crescer. Deve investir na população”, destacou Bruna.

Para a prefeita Corinha Molling, quanto mais incentivos o cidadão tiver para investir em formação, melhor para a cidade. O valor investido pela prefeitura pode chegar até a R$ 400 mil neste ano, mas poderá aumentar em 2015. Todos os semestres haverá novas inscrições. Para a renovação será necessária nova entrega da documentação.

Amanda Cita da Cunha

Uma campanha foi lançada em São Leopoldo para apresentar aos moradores o novo sistema de contro-le de velocidade nas principais vias. Os primeiros equipamentos começaram a funcionar efetivamente, enquanto outros 13 passarão a multar a partir de janeiro de 2015. A intenção é que os condutores se acostumem com a fiscalização do radar móvel.

Na cidade não existe via em que se possa cir-cular com velocidade superior a 60 km/h. Serão autuados os veículos que forem flagrados a 68 km/h ou mais. Haverá também o monitoramento dos pontos críticos. Nesses trechos a velocidade é de 40 km/h. O planejamento é estender a fiscalização.

O município investiu em cerca de 20 equi-pamentos fixos. O novo modelo de radar é o mesmo utilizado pelas polícias federal, rodovi-ária e estadual. O equipamento tem muito mais praticidade. Por não ter fios. A fiscalização é válida também para motocicletas.

O secretário municipal de Segurança e Defesa Comunitária, Carlos Alberto Azeredo, afirma que mais de 70 locais apresentam altos índices de acidentes. “No momento, conse-guimos controlar os que trazem os maiores riscos”, diz. Nas primeiras semanas em que os 11 controladores de velocidade foram ins-talados registraram mais de 2 mil infrações.

As multas serão dadas pelo limite de ve-locidade. As fiscalizações são realizadas nas principais ruas da cidade, dentre elas Avenida Mauá, João Corrêa, Integração. O uso dos radares diminui os acidentes nas principais vias de São Leopoldo e ajuda na segurança pública e comunitária.

Canoenses utilizarão aeromóvel em 2016

Cadeirantes reclamam da falta de acessibilidade em Canoas

Sapiranga concede subsídio para transportar universitários

Controladores de velocidade operam nas principais vias de São Leopoldo

Cerca de 150 mil habitantes serão beneficiados pelo veículo

De acordo com a primeira etapa do projeto, serão construídos 5,9 quilômetros de via elevada entre os bairros

DIVULGAÇÃO

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Henrique Standt

Os constantes acidentes causados por excesso de velocidade e imprudência - alguns inclusive levando pessoas inocentes ao

óbito – fizeram com que a Guarda Mu-nicipal Civil de São Leopoldo desenvol-vesse um estudo para controlar o trânsito do município. Os aparelhos também vão servir para fiscalizar os roubos e furtos de veículos de toda a região.

São registrados diariamente cerca de 20 acidentes envolvendo veículos, sendo que cerca de 50% estão ligados a motocicletas. Após o mapeamento, foram identificados 20 locais, difundidos em diversas localidades, onde os índices de acidentalidade foram considerados graves. Visando conter estes acidentes, a secretaria de Segurança Pública, em parceria com a Brigada Militar, com o SAMU e demais órgãos de segurança do município, decidiu realizar um projeto para diminuir os acidentes e aumentar a proteção de pedestres e motoristas.

O estudo detectou a necessidade do uso de equipamentos de controle de velocidade, ultrapassagem em sinal vermelho e tempo máximo de parada sob a faixa de pedestres, o que dividiu opiniões entre os leopoldenses. Contra a instalação dos controladores, o téc-nico em automação bancária Thiago Santos acredita que os aparelhos causem lentidão de fluxo nos trechos em que foram instala-dos, devido à falta de conhecimento da via por parte de alguns motoristas que acabam reduzindo a velocidade drasticamente. Para

Marcelo Pereira, técnico eletromecânico, o trânsito da cidade não é ruim, contudo, os horários de entrada e saída das empresas acabam tumultuando as ruas. Questionado sobre a instalação dos controladores, ele se diz contra e argumenta: “Acho que o motivo no qual os controladores foram instalados, que era a educação do trânsito na cidade, está em segundo plano. Acredito que seja uma forma fácil de arrecadação de dinhei-ro através das infrações”.

Em contrapartida, Giulianna Rhoden Lau, assistente administra-tiva, é favorável à nova medida, porém, acredita que não é coerente li-mitar a velocidade a 40 km/h em uma via sem hospitais, escolas e onde o fluxo de veículos é in-tenso. “O trânsito de São Leopoldo atualmente está confuso tanto para visitantes de outras ci-dades quanto para os moradores. As preferenciais mudam constantemente e agora temos diferentes placas com diferentes limites de veloci-dade em uma mesma via”, acrescenta. O auxiliar de modelagem, Róger Diego de Quadros acrescenta ainda que o trânsito da cidade pode ser classificado como mediano, devido à qualidade das vias, e acredita que os controladores servirão para melhorar o fluxo de veículos em determinadas localidades.

Os locais onde os controladores foram instalados passaram por uma série de es-tudos científicos baseados em dados como largura da via, número de veículos que circulam diariamente no local, caracterís-ticas da via, entre outros. “Nós pegamos os 20 locais com maior incidência e instala-mos os controladores para tentar diminuir estes acidentes”, afirmou o secretário

de Segurança Pública Cel Carlos Alberto O. de Azeredo. Segundo o secretário, os 19 contro-ladores fixos, somados ao radar móvel, estarão em pleno funcionamen-to até janeiro de 2015. Os equipamentos de-pendem de aferição feita pelo Inmetro, o que de-manda tempo e dinheiro dos cofres públicos, que já investiu cerca de R$ 11 milhões e, conforme afirmação do secretá-rio, explica a extensão do prazo de instalação

e início do funcionamento dos mesmos. De acordo com o diretor de Planeja-

mento de Políticas Públicas de Segurança Renato Luiz Wendorff Júnior, o uso dos controladores foi indispensável devido à situação do trânsito da cidade, onde trafegam mensalmente cerca de 6 mi-lhões de veículos em direção à Capital. O diretor afirma ainda que 78% do PIB do Rio Grande do Sul passa por São Leo-poldo, por meio de ruas e estradas, dados fornecidos pela Fundação de Estatística e Economia (FEE), conforme pesquisa realizada pelo IPEA. “Por conta desses dados, podemos ter uma noção do volume de trânsito da cidade de São Leopoldo”, afirmou Wendorff.

Estima-se que a cada 10 acidentes que acontecem no município, apenas dois deles envolvem somente veículos de São Leopoldo. Os demais são causa-dos por motoristas de outras cidades, e um dos motivos das colisões, segundo Renato Luiz Wendorff, se dá pela falta de conhecimento do trânsito leopoldense. Os motoristas acreditam que a cidade é um desvio da BR-116. Porém, as vias estão tomadas por veículos e o trânsito interno é intenso. O diretor finalizou dizendo que “o equipamento pode não evitar o número de acidentes, mas o índice de severidade para os envolvidos será diminuído”.

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TRÂNSITO

Mudanças no trânsito leopoldense

Principais ruas e avenidas do

município estão recebendo

a instalação de aparelhos para controlar

o trânsito e diminuir

o índice de acidentes

HENRIQUE STANDT

A nova medida pretende diminuir o número de acidentes em regiões com alto índice de acidentalidade

78% do PIB do Rio Grande do Sul passa por São Leopoldo, segundo a Fundação de Estatística Econômica”RENATO WENDORFFDIRETOR DE PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

BABÉLIA

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Novembro/2014BABÉLIA

Ana Carolina Oliveira

Os estudantes de eletro-técnica da Fundação Liberato, em Novo Hamburgo, Gusta-

vo Viegas da Rocha e Jordan Kopper, ambos de 19 anos, de-senvolveram um projeto de se-gurança hospitalar que ajudará a polícia em casos de sequestro de bebês em hospitais. Segundo a Fundação de Infância e Adoles-cência (FIA), foram registrados 479 casos de sequestros em 2012 no Estado.

O Sistema Inteligente de Segurança Hospitalar (SISH) é um software que verifica a localização da criança, confor-

me pesquisa feita pelos jovens. Muitos casos de roubo de bebês são atendidos pelas autoridades da cidade e ainda pelo Brasil devido à tecnologia. O proje-to foi orientado pelo professor Diego Ramos Moreira e iniciou em agosto de 2013.

O software verifica a situação das crianças nas maternidades. Com sistema integrado de aler-ta, avisa a polícia e os pais, caso o bebê seja retirado do local sem autorização. O programa cria um banco de dados de visitantes para identificação e acesso das pessoas. Com a presença de es-tranhos, o alarme é disparado e pode ser desativado por pessoas autorizadas.

Os pais podem monitorar por meio do celular. Basta instalar o programa em smartphone ou pelo sistema Android, possibi-litando acompanhar as crianças se algo estiver ocorrendo. Rocha conta que o programa ainda não foi apresentado oficialmente para a polícia, mas está em fase de teste e logo poderá ser usado. “É uma ajuda inicial que terá um resultado gratificante pelas pessoas”, diz Jordan.

O projeto conquistou prê-mios no Chile e na categoria Ciência da Computação da Mos-tratec, em Novo Hamburgo. Em 2015 os jovens participaram da feira mundial Expo Milset na Bélgica.

Lucemara Barcellos

Câmeras instaladas em diversos pontos de São Leopoldo restringem ocorrências de sinistros. O uso dos equipamentos iniciou em 2008, com 27 aparelhos instalados em locais que apresentavam maior índice de furto, assalto e rotas de fuga de roubos de carros. O sistema tem como meta valorizar a informação e ser usado como ferramenta na inibição e prevenção da criminalidade.

Atualmente, a Secretaria de Segurança Pública conta com 65 câmeras que fazem as gravações e trans-missões das imagens. Os dados podem ser fornecidos mediante solicitação judicial para fins de comprovação de danos materiais e físicos. Ao ser indagado sobre o que representa o serviço de monitoramento eletrônico, o morador Pedro Silva, 45 anos, responde: segurança e proteção para a sociedade.

Segundo o inspetor Alessandro Lucero, os comer-ciantes sentem-se mais seguros. Em qualquer situação de risco, se o operador suspeitar, enviará uma viatura para fazer abordagem e interceder na situação, afirma.

O serviço é prestado por 24 horas e é interligado à Brigada Militar. Flagrantes e prisões são efetuadas com presteza. Conforme o inspetor Cleber Ávila, com a implantação dos equipamentos na rua principal, região das agências bancárias, não ocorreram nenhum assaltos desde então.

De janeiro a julho deste ano, foram registradas 407 ocorrências. Dentre as quais se destacam as ave-riguações de suspeitas, roubo e acidentes de trânsito.

Henrique Lopes da Silva

Apesar de os agentes da Guarda Civil Municipal (GCM) de São Leopoldo já trabalharem armados, somente em agosto deste ano a corporação recebeu, efetivamente, poder de polícia. O fato ocorre devido à Lei Regulamentar 13.022.

Na sede da entidade fica o centro de monitora-mento por câmeras. O diretor de Planejamento de Políticas de Segurança, Renato Luiz Wendorff Júnior, conta que São Leopoldo tem 60 equipamentos deste tipo instalados em locais estratégicos. O controle das imagens é feito por quatro agentes e por um policial militar 24 horas por dia. O monitoramento perma-nente permite uma ação mais rápida das equipes de segurança.

Desde 23 de setembro deste ano, estão em funcio-namento alguns equipamentos de controle eletrônico de velocidade. Até março de 2015, haverá 23 aparelhos, distribuídos em 20 locais. O subdiretor da GCM, Rob-son Camargo, explica que onde há um controlador, não tem necessidade de manter um guarda. Os agentes, substituídos pelos pardais, poderão ser deslocados para outras partes da cidade.

A presença mais ostensiva da GCM nas ruas já apresentou a diminuição no número de acidentes com vítimas. Em uma comparação de agosto de 2013 com o mesmo mês de 2014, este ano, mostrou queda de 14% nos atendimentos da SAMU. “A GCM trabalha incessantemente para oferecer segurança, diminuir acidentes e preservar vidas”, diz ele.

Daniela Cristiane da Silva Passos

Com o objetivo de diminuir os riscos de violência doméstica em Canoas, a Coordenadoria de Políticas para Mulheres criou um projeto que visa tornar privadas e seguras as ocorrências das mulheres violentadas. O Plantão Lilás evita o constrangimento na frente de outras pessoas, e o risco da vítima ser atendida no mesmo ambiente que o seu agressor.

Segundo a coordenadora interina, Lurdes Santin, é importante ressaltar que a criação do Plantão Lilás é uma resposta para uma demanda das mu-lheres que há anos solicitam o funcionamento da

Delegacia Especializada no atendimento à Mulher (DEAM), o que ainda é um desafio considerando o custo para o Estado.

Com dados apresentados pela DEAM, de 2010 até o primeiro semestre de 2014, pode-se observar que foram registradas cerca de 6,5 mil ocorrências referentes à Lei Maria da Penha na cidade, entre elas ameaças, lesão corporal, perturbação de tran-quilidade, estupros e homicídios dolosos.

Um dos fatores mais importantes é a avaliação do risco de morte que deverá ser feita pelo/a aten-dente do projeto. Caso haja essa ameaça, a vítima deve ser questionada se tem um local seguro para ir. Do contrário, será encaminhada para a Casa Abrigo feminina.

O Plantão Lilás, que funcionará junto à Delega-cia de Polícia de Pronto Atendimento de Canoas, atenderá de segunda a sexta-feira, das 17h às 8h. Nos sábados e domingos funcionará por 24 horas.

Polícia já pode monitorar sequestro de bebês

Videomonitoramento traz mais segurança à população capilé

Guarda Civil Municipal de São Leopoldo já tem poder de polícia

Para proteger mulheres, Canoas inaugura o Plantão Lilás

Programa oferece segurança às crianças em maternidades

Software para segurança em hospitais poderá ser instalado em smartphones e sistema Android

NÉIA DUTRAPOLÍCIA

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Maese Closs

Ao pé do Morro Ferrabraz, meia dúzia de bicicletas escoradas no brejo que sucedia o matagal demonstravam a confiança

que as pessoas daquela comunidade tinham entre si. Pessoas simples es-barravam umas nas outras para tentar enxergar melhor o cenário ermo em que se transformou um dos locais mais bonitos de onde é possível avistar o pôr do sol em Sapiranga.

“Eu sabia que uma hora a briga desses dois não acabaria em boa coisa.”

“Essa mulher parecia louca, mas o ma-rido deve ser transtornado.”

No local, conhecido também pelo fre-quente uso de drogas, havia pelo menos três mães adolescentes com seus bebês no colo observando o cenário. O ar do matagal já era por si só bastante desagradável, sim-plesmente por ter se transformado no local de um crime, e aquelas pobres ingênuas ainda levavam seus pequeninos no colo. “A curiosidade matou o gato, mas morreu sabendo.” Aquelas pessoas pareciam ter uma enorme necessidade de saciar a curiosidade de assistir o cenário da tragédia alheia.

Algumas peças de roupas velhas e lixos foram abandonados no local. Os eucaliptos serviram de pilares para que a fita de se-gurança fosse enrolada, não permitindo a passagem daqueles que, durante a presença dos policiais, não puderam mexer no local do crime, anteriormente fotografado, do qual já rolavam imagens de uma das vítimas, no matagal, pela internet.

Ah, a tecnologia! Hoje não permite mais sequer que as pessoas morram em priva-cidade. Há poucas semanas um homem, também em Sapiranga, foi assassinado a tiros no banheiro de sua casa. Esse sim per-deu toda a privacidade com imagens soltas na internet dele nu e sangrando debaixo do chuveiro. Prefiro não tentar entender a

mente humana nesses momentos. “Passei na frente da casa do marido e

ele estava lá, só podia! As janelas estavam abertas e o infeliz não se deu o trabalho nem de fugir.”

“Pois é, ela vivia avançando nele. Não sei o que acabou com essa família, se foi a droga ou o álcool.”

Os populares não cansavam de opinar e procurar uma resposta para desvendar aquilo que naquele momento nem a polí-cia podia afirmar. Mais do que isso, eles praticamente sentenciavam, acusando o marido, que, segundo os vários murmurinhos, era alcoólatra.

Três cachorros vira--latas guardavam o local zangados. O menor, de cor caramelada, não deixava nem os policiais avança-rem mata adentro. “Esse cachorro é dos bons. Pro-tege o dono até mesmo na morte”, murmurou entre dentes um dos policiais.

A Vila Operária, uma das localidades mais pe-rigosas de Sapiranga, fre-quentemente era palco de crimes e de apre-ensões de pessoas com drogas. Há menos de dois meses, na mesma vila, um homem havia esfaqueado sua mulher, dentro da própria residência e na frente do sobrinho. Há quem diga que quando satanás toma conta da situação, ele faz com que as pessoas ajam por impulso e instantes depois elas se veem perdidas. Mas aí a tragédia já está feita e não há mais solução.

Talvez seja isso que tenha acontecido com o autor do crime que deixou uma jo-vem, de apenas 27 anos, abandonada desde a madrugada passada naquele matagal. Seu companheiro, não de casamento, mas de tragédia, ao amanhecer ainda agonizava de

dor. A facada, executada como um facão, atravessou a garganta do homem. Os famo-sos populares foram quem escutaram seus gritos, ao meio-dia, e chamaram a polícia e o Serviço de Emergência Móvel (SAMU), que o encaminhou para o Hospital de Canoas.

A Polícia Civil de Sapiranga, três dias após, conseguiu constatar que o homem agredido também mantinha relações com a mulher morta. Se o seu marido zangou-se e resolveu acabar com a relação dos dois,

não se sabe. Patrícia não resistiu à machadada na cabeça e aos golpes de facão e acabou morta, ao pé do morro Ferra-braz, amanhecendo sem vida na manhã daquele domingo ensolarado. A maioria dos seus vi-zinhos, pelos murmu-rinhos, parecia nem simpatizar com a moça, mas nenhum deixou de tentar vê-la pela última vez.

Na tarde do dia se-guinte do crime, o ma-rido da vítima que foi assassinada foi encon-

trado pela polícia. Denúncia anônima. Com diversos antecedentes criminais, o homem, de 31 anos, disse à polícia que não matou sua mulher.

O homem hospitalizado, alguns dias depois, quando finalmente conseguiu votar a falar, afirmou à polícia que o marido da vítima foi quem executou o crime. Logo se pensa que o criminoso está preso, porém, a lei o deixou livre, já que este não foi pego em flagrante.

Imagina-se agora que os usuários procu-rarão outro local para o uso de tais substân-cias, respeitando o matagal que os pobres cãezinhos, agora sem dona, guardavam para a jovem.

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POLÍCIA

Um crime mancha a paisagemUm dos locais

mais belos de Sapiranga

foi cenário de um dos

assassinatos mais bárbaros registrados no

município

MAESE CLOSS

Conhecido ponto de drogados, o lugar, desta vez, atraía uma multidão de curiosos – até mulheres com bebês de colo

BABÉLIA

Dezenas de populares observaram o local

do crime, momentos antes da perícia

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Novembro/2014BABÉLIA

Paula Câmara Ferreira

Todo casal tem uma música tema. Aquela que faz lembrar o mo-mento em que se conheceram, onde seus olhares se cruzaram

e uma mistura de sensações percorreu o corpo dos apaixonados. É aquele pele na pele, desejo no olhar. Com o surgimento da internet, o toque de leve nas mãos foi sendo substituído pelo frio digitar de teclas para fazer o login em um site.

O mundo virtual oferece infinitas possibilidades, já que todos os dias são lançados novos aplicativos e redes sociais como: Tinder, Twoo, Snapchat, Badoo e Okcupid. Todas as ferramentas tem o mesmo objetivo: ajudar as pessoas a encontrarem alguém, seja para tomar um café ou para manter um namoro no ambiente online. Para o psicólogo clínico e coach em relacionamentos Alexandre Pifer, essa popularização do uso da in-ternet em relacionamentos ocorre pela facilidade e comodidade.

“No ambiente virtual tu és quem gostaria de ser. Sem falar, que para os tímidos, é muito mais fácil por não ser necessário se expor de fato, mesmo ha-vendo o receio da rejeição, esse receio é bem menor”, completa o profissional.

Eu, você e a telado computador

Apesar de parecer estranho, achar um amor na rede não é menos emocionan-te que em um encontro casual no bar, porque apesar do que muitos pensam, a realidade virtual, como o nome já diz ,é real. A estudante de jornalismo Julia Regina Boeno, 21 anos, vive há oito me-ses um romance que nasceu por meio de

um site de relacionamento. Ela é noiva do jovem egípcio Mahmoud Abdel Aziz Helmy Mohamed Bayoumi, 22 anos, e afirma que apesar de nunca terem se encontrado pessoalmente, o amor dos dois se desenvolve ao mesmo passo que uma relação construída ao vivo.

Os dois se conheceram pela rede social Badoo, que possui mais de 223 milhões usuários ativos. “No início, es-távamos interessados em apenas conver-sar, e falávamos todos os dias, durante horas. Foi aí que nota-mos o quanto éramos parecidos e como nos completávamos, en-tão começou a surgir o amor”, conta Julia e Mahmoud afirma que o sentimento que os une é muito forte.

O casal se comunica pelo idioma inglês, pois os dois dominam bem a língua americana. Eles estão sempre em con-tato, usando todos os recursos tecnológicos disponíveis, como o Skype, programa que permite chamadas em vídeo e o whatsa-pp, aplicativo que manda mensagem de textos e imagens, e o viber, ferramenta que realiza chamadas de voz.

Com muita persistência, os dois mos-traram para familiares e amigos o que estão construindo juntos, que é muito mais que um romance de adolescente. “Graças a Deus eles estão convencidos de que não somos apenas algumas letras e chamadas de vídeo”, explica o rapaz. No dia de aniversário de Julia, o egípcio

enviou de presente um anel de compro-misso, que consolida o noivado dos dois. Para o futuro, o plano é casar e viver no país dele, a estudante irá embora logo que terminar a faculdade.

Relações de Julia e Mahmoud são cada vez mais comuns e podem ser duráveis como qualquer outra. Segundo o professor de psicologia Eduardo Lomando, relacio-namentos à distância podem dar certo, o que define é como o casal lida com a situação. “Se a falta do contato concreto

é algo que é suportável para os dois, não vejo nenhum problema”, co-menta o psicólogo.

A evolução do cupido

A jornalista e em-presária Diana Haas, 28 anos, conheceu o namo-rado, Jonas Pohlmann, 23 anos, desenvolvedor de software, no aplica-tivo para celular Tinder. Diana mora em São Leo-poldo e Jonas em Esteio. Apenas 14 quilômetros os separam e eles pode-

riam ter se encontrado na fila do cinema, mas ambos preferiram utilizar a tecnologia para conhecer pessoas interessantes.

Antes de sair para um encontro que nasceu no mundo virtual, o ideal é con-versar muito com o pretendente, até para avaliar as chances de a noite ser um sucesso. Diana relata que o primeiro encontro com Jonas foi maravilhoso, como os dois adoram sushi, um restau-rante japonês foi o cenário das primei-ras horas que passaram juntos. “Como já era de se esperar, passamos a noite toda conversando até mesmo depois de o lugar fechar. Nos dias seguintes nos encontramos praticamente todos os dias, para ir ao cinema, jantar, conversar, além de claro, ficarmos online o tempo todo nos falando”, conta a empresária. Tanto contato e afinidade resultaram em um pedido de namoro 15 dias depois do nosso primeiro encontro.

Contato contínuo, em ambos os tipos de relacionamentos, são importantes e saudáveis, desde que a pessoa não pare de conviver com amigos e familiares. O psicólogo Alexandre Pifer alerta que hoje as pessoas estão perdendo a velha e boa forma de se relacionar, que é a interação física. “Em reuniões de amigos as pesso-as interagem mais com os celulares do que com está a sua volta”, acrescenta o especialista em casais.

COMPORTAMENTO

Wifi: a nova forma de amorAplicativos e redes sociais

atualizam os namoros

e são ferramentas na hora da

paquera

PATRICIA BOHN

Julia dedica o seu tempo disponível para conversar com seu noivo egípcio

Antes de sair para um encontro que nasceu no mundo virtual, o ideal é conversar muito com o pretendente

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Bárbara Müller

Acordar. Tomar café. Escovar os dentes. Tomar banho. Co-locar uma roupa. Trabalhar. Almoçar. Voltar ao trabalho.

Ir pra casa. Jantar. Tomar outro banho. Dormir. Muitas vezes, o cotidiano da vida adulta não nos permite ter uma alimentação saudável e balanceada. Ter um horário de almoço suficiente para ir até em casa e preparar a própria comida é um luxo para poucos. Foi a partir dessa rotina maçante que Liane Müller, 54 anos, viu uma oportunidade: vender alimentos caseiros congelados.

Moradora de São Leopoldo, de uma família de pai operário e agricultor, mãe dona de casa e 13 irmãos, Liane já sabia, aos seis anos, que não queria viver na mesma dificuldade que seus pais viviam. “Era um salve-se quem puder. De toda a família, eu fui a única que estudou”, recorda.

Ser um empreendedor é uma ati-vidade que exige algumas habilidades específicas. Com força de vontade, todos somos capazes de desenvolvê-las ao longo de nossas vidas. Existem pes-soas que já nascem com fortes traços do perfil empreendedor e não precisam desenvolver muita coisa, não. Basta surgir um fato para que elas vejam a oportunidade. E Liane era um exemplo desse tipo de pessoa.

Às vezes a vida não é justa, mas, com certeza, tudo o que acontece traz consigo uma lição, um aprendizado. Quando vem a chuva, ou se apren-de a dançar nela, e depois se aprecia

o arco-íris, ou se esconde embaixo do guarda-chuva. “Casei jovem. Eu e meu marido tivemos muito dinheiro. Quando me separei, fiquei sem nada. Sem nada mesmo. Então comecei a fazer panquecas congeladas em casa”, revela emocionada.

O projeto que começou em casa cresce no Centro de São Leopoldo. A Só Panquecas já conta com 40 sabores diferentes – no início eram sete – e está instalada, atualmente, em um ponto bem vi-sível da cidade, onde a circulação de pessoas é constante. Liane conta com a ajuda da irmã caçula, Rose. A irman-dade e a cumplicidade fazem delas uma dupla imbatível. “Eu tenho a sorte de poder contar com a minha irmã, que me ajuda todos os dias. Graças a Deus, sempre consegui pagar ela”, confessa.

Fazer panquecas congeladas partiu da ideia de praticidade. Comida conge-lada já existia. Mas a maioria era in-dustrializada. Panquecas congeladas, 100% caseiras e buscando sempre os ingredientes mais benéficos para a saúde, não. Ali estava a oportunidade que faria de Liane dona do próprio negócio.

Com o passar do tempo, Liane come-çou a produzir outros tipos de alimentos congelados seguindo a mesma linha

das panquecas: qualidade e sabor. Faz diversas variedades de sopas, moco-tó, feijoada. “Nutricionistas de outros restaurantes vêm aqui buscar os meus alimentos, porque são mais leves e tudo tem muito sabor. Hoje, o nome da empre-sa é uma ironia, porque não vendemos mais só panquecas”, ri.

A rotina da consumidora Sabrina Rathke, 36 anos, é bem corrida. Mora-dora do bairro Lomba Grande, em Novo

Hamburgo, ela sai de casa às 7h da manhã para trabalhar em Por-to Alegre. “Como não tenho muito tempo, ficou muito prático, para mim, comprar esses produtos con-gelados. Levo menos de 10 minutos para preparar a minha re-feição”, conta.

Além disso, Sabrina tem um filho de 10 anos. Seu nome é Guilherme. O garoto também apro-va os alimentos de Lia-ne. “A minha panqueca

preferida é a de filé. Se eu pudesse, comeria todos os dias”, brinca o menino.

Para Isabel Cherpinski, 53 anos, mo-radora de São Leopoldo, o consumo de comidas congeladas lhe rendeu mais tempo para atividades de lazer. “Olha, faz um bom tempo que eu não perco horas na cozinha. Aquecer o alimento pronto se tornou muito cômodo. Sem contar que são pratos muito saborosos”, explica animada.

Novembro/2014

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ECONOMIA

Delícias congeladasEmpreendedora

aposta na venda de comidas caseiras

para viver do próprio negócio

Atualmente o estabelecimento

possui 40 sabores de panquecas, além

de sopas e outros pratos congelados

Eu estou vendendo saúde, vendendo qualidade. Já ofereço tudo isso pronto. Basta aquecer”LIANE MÜLLEREMPRESÁRIA

LIANE MÜLLER / ARQUIVO PESSOAL

BABÉLIA

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26BABÉLIANovembro/2014

SAÚDE

Kamila Fernandes de Jesus

O Banco de Leite Humano (BLH) do Hospital Materno Infantil Presidente

Vargas (HMIPV), de Por-to Alegre, está com baixo estoque, mesmo depois da parceria da Secretaria Mu-nicipal de Saúde (SMS) com o Corpo de Bombeiros, que têm facilitado a coleta do leite materno.

Existem pré-requisi-tos para que uma mãe se torne doadora: ela preci-sa apresentar excesso de leite, ser saudável, não usar medicamentos que impeçam a amamentação, ter os exames de pré-natal em dia e não ser fumante, usuária de álcool ou dro-gas. Informações sobre a doadora são coletadas no ato do cadastramento jun-to com os dados pessoais, explicou a coordenadora técnica do Banco de Lei-

te, Ana Tereza Mendes. O cadastro pode ser feito presencialmente no BLH ou na casa das doadoras.

Antes de começar a doar, a mãe aprende como coletar o leite e recebe materiais como gorro, máscara e fras-cos de vidro esterilizados com tampa plástica. A in-dicação é que após retirar o leite a mãe o mantenha re-frigerado e entre em contato com o BLH em até dez dias para que as equipes façam a coleta.

Equipes de bombeiros são treinadas para tirar dúvidas por telefone so-bre aleitamento e prestar informações a respeito dos bancos de leite. São essas equipes que fazem a coleta domiciliar do leite mater-no junto com as médicas do HMIPV.

Alice Moraes, 27 anos, foi doadora para ajudar uma amiga que não produzia leite o suficiente para amamentar

o filho. Ela incentiva outras mães: “Se você pode, doe”. A doação do leite excedente, afirmou, é um ato de amor.

A conscientização sobre a doação do leite materno é uma ação contínua, já que acontece desde o pré-natal, disse a funcionária, Angelita Laipert Matias, da SMS. Um litro de leite pode alimentar até 30 recém-nas-cidos, contou a coordenado-ra técnica, Ana Mendes. O hospital recebe em média 40 litros por mês, mas o ideal seriam 80 litros. Crianças baixadas na UTI neonatal do HMIPV são beneficiadas com o leite doado.

Mães que tiverem inte-resse em doar o leite exce-dente ou com dúvidas po-dem entrar em contato com o Banco de Leite através do telefone (51) 3289-3334 ou comparecer pessoalmente no HMIPV, localizado na Avenida Independência, 661, em Porto Alegre.

Karine Dalla Valle

O aumento no número de casos de agressão sexual em Garibaldi fez com que a Secretaria Municipal da Saúde oferecesse o primeiro seminário sobre o tema na cidade. O evento ocorreu no dia 10 de outubro e voltou-se aos profissionais das áreas da saúde, educação e assistência social. O objetivo foi capacitá-los para o atendimento de vítimas de violência sexual, que passará a ser oferecido no Hospital Beneficente São Pedro a partir de novembro.

Atualmente, as vítimas que sofrem esse tipo de agressão em Garibaldi são encaminhadas ao Hospital Geral, em Caxias do Sul, onde recebem apoio psico-lógico, tratamento emergencial para evitar doenças sexualmente transmissíveis e, no caso das mulheres, para impedir a gravidez.

Segundo dados do Programa de Vigilância da Violência, 19 pessoas sofreram algum tipo de agressão sexual este ano, até setembro de 2014. O número é quase três vezes maior que o de 2013, quando sete casos foram notificados na cidade. A coordenadora do programa, Roselene Foppa, atribuiu o aumento do número de casos às denúncias que começaram a ser realizadas.

Grande parte das agressões não chega ao conheci-mento dos órgãos responsáveis. A maioria dos casos não é notificada por medo, vergonha e sigilo.

Letícia Ferreira da Cunha

O Hospital Nossa Senhora das Graças realizou, no dia 18 de outubro, o mutirão de Mamografia - exame radiológico de avaliação das mamas para obtenção de imagens do tecido mamário. Foram realizados 67 exames e atendidas 400 mulheres na faixa etária acima de 35 anos.

Somente em 2013, conforme dados do Departa-mento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus), 311 mulheres gaúchas foram vítimas de câncer de mama e vieram a falecer. Dentre essas, oito eram moradoras de Canoas. Diagnosticada precoce-mente, a doença tem chance de cura em 95% dos casos.

Pensando nessas questões, o município de Canoas desenvolveu em outubro ações de conscientização sobre o câncer de mama. “É essencial estimular a divulgação do tema, formando multiplicadores, pessoas que pos-sam repassar a importância dos exames preventivos para a população”, declarou o médico Luciano Artico.

A canoense Elizabeth Galvani, 60 anos, teve câncer de mama há cerca de quatro anos. Ela fez o tratamento e venceu a luta. Hoje ela é defensora e participa do Movimento Rosa. “Quando recebi o diagnóstico, o apoio de outras mulheres que estavam passando pela mesma situação foi fundamental, assim como o da minha família”, contou. O exame é realizado gratui-tamente pelo SUS.

Tuhana Peroza Pinheiro

O município de Gravataí, que possui 260 mil ha-bitantes, contará com mais uma estrutura na área da saúde. Está em construção a primeira Unidade de Pronto Atendimento 24 horas (UPA).

A Unidade será contemplada com consultórios salas de assistência social, de observação, eletrocardiogra-ma, inalação, curativos, material, gesso, imobilização, radiologia, isolamento e urgência. A equipe médica contará com 200 profissionais, entre clínicos gerais, traumatos, pediatras e cirurgiões.

O Pronto Atendimento terá capacidade para atender até 300 pacientes por dia. A obra conta com recursos da União, no montante de R$ 2 milhões, mais R$ 750 mil alcançados pelo governo do Estado e R$ 350 mil investidos pelo município. Ela deve estar concluída em março de 2015.

O terreno foi cedido pela prefeitura do município e localiza-se em um ponto estratégico, próximo à rodovia RS 118. A construção da UPA vem suprir uma grande carência na saúde em âmbito municipal, já que o único hospital, Dom João Becker, não con-segue comportar a demanda do município. O bairro Ibiza receberá a segunda UPA, cuja construção já foi iniciada. “Com essas novas unidades, os atendimen-tos na área da saúde serão agilizados”, assegurou o prefeito Marco Alba.

Mesmo com coleta a domicílio, estoque de leite em banco é baixo

Violência sexualé assunto deevento em Garibaldi

Cidade de Canoaspromove campanhasobre câncer de mama

Gravataí constróiUnidade de ProntoAtendimento 24h

Hospital Materno Infantil de Porto Alegre recebe 40 litros por mês, quando o ideal seriam 80

Ana: para doar, mães têm que estar em perfeito estado de saúde

KAMILA F. D

E JESUS

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Priscila Boeira

Tainá Pereira Padilha, sete anos, não tirou os olhos da máquina de moer cana. A cada taquara devorada pelos dentes mecâni-

cos, ela e os colegas da Escola de Ensino Fundamental Félix Faccenda, de Bento Gonçalves, formavam um coro uníssono ao comemorar com um sonoro “óh!”. “Eu adorei conhecer de onde vem a merenda, passear, comer ‘berga’ direto do pé, ver a vaca e o boi”, disse.

Tainá e seus colegas de segundo ano estão aprendendo a origem da merenda escolar. Todos os meses, as escolas do município visitam propriedades rurais, como a de José Speranza, localizada na Linha Ferri, no distrito de Faria Lemos. Assim como a família Speranza, outras 39 são conveniadas à prefeitura. Delas são comprados 80% dos produtos necessários para compor cardápios elaborados por nutricionistas.

Mostrar às crianças de onde vem o extrato de tomate, frutas e verduras é uma nova maneira de educar, elaborada pelos professores após a obrigatorie-dade da Lei Federal nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que destina 30% do valor repassado aos municípios aos produtos da agricultura familiar. O orçamento do Programa Nacional de Alimentação Es-colar (Pnae) para 2014 é de R$ 3,5 bilhões, para suprir 43 milhões de estudantes da educação básica e de jovens e adultos.

A qualidade da dieta estipulada aos alunos de educação básica - infantil, Ensino Fundamental, Médio e de jo-vens e adultos (EJA) - também ganhou credibilidade após a Resolução do Fun-do Nacional de Desenvolvimento Edu-

cacional (FNDE) 38/2009, que tornou obrigatório o profissional nutricionista como responsável técnico da merenda escolar. A partir de então, as escolas devem preparar refeições balanceadas, inclusive respeitando individualidades e patologias. Os cardápios são plane-jados conforme a cultura alimentar, a probabilidade de doenças na família e a vocação agrícola da região. Frutas e verduras são obrigatórias e alimentos de baixo valor nutricional são proibidos. Até pescado é servido, uma realidade bem di-ferente para os pais e avós dessas crianças.

“Já vi chegar até feijão estragado”

Pedagoga e profes-sora de Ensino Infantil em Garibaldi há 22 anos, Solange Facchinelli de Lima acompanhou a evolução nutricional da merenda escolar. Mas recordações vêm de muito antes, ainda quando criança. “Há 35 anos, a alimen-tação era, em partes, saudável. A escola municipal onde eu estudei tinha uma horta. De lá eram colhidos os legumes usados na sopa. Também serviam leite com achocolatado e bolo, que só era feito se os alunos levassem de casa os ovos”, recorda. “Nesses 22 anos lecionando em diferentes creches e escolas, já vi chegar até feijão estragado. Atualmente, a merenda está muito superior ao que era. Nas creches, as crianças fazem três refeições. No café da manhã, geralmente têm pão com geleia, patê ou margarina,

café com leite ou achocolatado. No lan-che, frutas da época, e o almoço é sempre variado, com carnes, arroz, feijão, risoto ou macarrão”, afirma.

Geração acima do pesoPara a nutricionista, especializada

em dietoterapia nos ciclos da vida, Fa-bíola Tortelli, as leis foram um marco para a mudança. Nas décadas de 90 e 2000, o lanche disponível nas cantinas das escolas era composto por salgadi-

nhos e chocolate, bis-coito recheado, pastel e empada. A merenda era elaborada por uma cozinheira, geralmente sem conhecimento nu-tricional.

“Antigamente, so-mente a Educação In-fantil recebia alimen-tação e essa não era nutricionalmente ade-quada, pois consistia, basicamente, em car-boidratos. Raramente apareciam frutas e ver-

duras. As cantinas vendiam bastante gordura saturada, fritura e doces. Essa geração ficou marcada pela obesidade e doenças como o diabetes e hipertensão”, avalia.

Os avanços nos estudos relacionados à nutrição têm mostrado a importância de uma alimentação rica em nutrientes, principalmente na infância. A meren-da agora é vista como uma blindagem ao sistema imunológico, prevenindo a desnutrição e as carências nutricionais, como deficiências de vitaminas e mine-rais, principalmente de vitamina A e de ferro. O próximo desafio é modificar os hábitos de toda família. Porém, Fabíola não acredita em grandes mudanças a cur-to prazo. “Os pais têm que se interessar e buscar informações, interagindo com a escola. Do contrário, o aprendizado de nada valerá, se ao saírem da escola, os pais levarem as crianças para passear e comprarem salgadinhos, biscoito re-cheado e refrigerante. Assim, o esforço acaba ficando pela metade”, observa.

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SAÚDE

Combate às décadas gordurosasNa Serra, desafio de

nutricionistas é ensinar

crianças a se alimentar diferente de

como faziam os pais

PRISCILA BOEIRA

As escolas de Bento Gonçalves ensinam alunos a comer bem, visitando propriedades rurais como as da família Speranza

De nada valerá se, ao saírem da escola, os pais levarem as crianças para tomar refrigerante”FABÍOLA TORTELLINUTRICIONISTA

BABÉLIA

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Novembro/2014BABÉLIA

Rafael Bauer

Para melhorar a estrutura das Uni-dades Básicas de Saúde (UBS) de cinco municípios da região do Vale dos Sinos, a Secretaria Estadual de

Saúde (SES) repassou o valor de R$ 1,17 milhão ao programa Rede SUS RS. Além de Campo Bom, que recebeu a maior quantia desta distribuição, somando R$ 427 mil, o valor destinado ao programa foi dividido entre os municípios de Estância Velha, Esteio, São Leopoldo e Sapiranga. Desde o começo do re-passe, já foram destinados cerca de R$ 26,7 milhões entre 136 municípios gaúchos, totalizando mais de 620 UBSs beneficiadas.

Através do financiamento de equi-pamentos de informática e da adequa-ção elétrica das unidades, será possível informatizar, estruturar e viabilizar a implantação do prontuário eletrônico (e-SUS). O valor recebido também será utilizado para a compra de um tablet para cada agente comunitário de saúde, que será usado profissionalmente, com aplicações que facilitarão o atendimento.

Lançado pelo Ministério da Saúde, o e-SUS é uma das estratégias para desen-volver, reestruturar e garantir a integra-ção de Sistemas de Informação em Saúde (SIS). Ele trabalha de modo a permitir um registro da situação de saúde individua-lizado por meio do Cartão Nacional de Saúde. A plataforma permite o registro e o rápido acesso ao histórico de cada usuário do SUS, possibilitando a busca de pacientes faltosos, além de relacionar medicamentos que o paciente toma ou tomou em atendimentos anteriores. O prontuário eletrônico facilita a gestão

dos pacientes, garantindo dados mais precisos para orientar o planejamento de apoio ao médico responsável.

Para a estruturação, modernização e aquisição de equipamentos para as UBSs, o Governo do Estado disponibiliza de R$ 44 mil a R$ 113 mil por unidade de saúde, dependendo do seu porte, do número de equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), de agentes comunitários de saúde e do diagnóstico da rede elé-trica e lógica já instalada. Os municípios têm 120 dias a partir do recebimento do re-curso para a adequação elétrica e aquisição de equipamentos de in-formática, inclusive os tablets para cada agente comunitário de saúde.

O treinamento para uso da nova platafor-ma será realizado pela equipe do Telessaú-deRS, da UFRGS, no valor de R$ 9 milhões, também financiado pela SES. Inclui aulas pre-senciais de implanta-ção do software, apoio e monitoramento por meio de conferências online e suporte via telefone ou internet. O banco de dados será administrado pela Companhia de Processamento de Dados do RS (Procergs), responsável pela manutenção do data center com os dados gerados pelo e-SUS.

A ser inaugurada no município, sua 14ª UBS já contará com o e-SUS. Como projeto de aplicação do sistema em to-das unidades de saúde, a prefeitura de Campo Bom iniciou recentemente as

obras de mais uma UBS, localizada no loteamento do bairro Firenze. Terá es-trutura semelhante à de outras duas, no bairro Imigrante Sul e o Mônaco, esta última em fase final das obras. O prédio também terá, em seus 302,63 m², três consultórios, um deles pronto para atendimento ginecológico, salas para vacinação, curativos, observação, ativi-dades coletivas, inalação e consultório odontológico, sala de distribuição de medicamentos, administração e depósito

de equipamentos e ma-teriais.

Segundo o secre-tário de Obras, Nírio Breunig, a obra terá a estrutura recomendada para a implementação do e-SUS, seguindo normas da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Ele estima que seja entregue no prazo de oito meses. Licitado em mais de R$ 700 mil, o local contará com o e-SUS após sua entrega.

Alguns profissionais já utilizaram o siste-

ma em UBSs de outros municípios, e aprovam. “Utilizei o e-SUS em outras unidades de saúde do Estado, estou ca-pacitado. Hoje não temos a estrutura de nos colocar em contato com o sistema, mas pode vir a ser útil, por mais que em minha área não necessite de um banco de dados de diagnóstico”, declara o dentista João Paulo Berkembrock, que trabalha em uma das UBS de Campo Bom. A ferramenta é positivamente vista pela comunidade médica. “Na odontologia seria interessante em casos de unidades de saúde muito afastadas, uma consulta ao banco de dados para tentar chegar a um diagnóstico prévio, para ganhar tempo de encaminhar para um colega médico”, conclui.

A nova unidade será uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), como as de-mais, e realizará atendimentos desde o bebê até a terceira idade, podendo ser realizado por meio de agentes comuni-tários de saúde e a domicílio. Atenderá cerca de 4 mil pacientes. Atualmente, os moradores do bairro têm consegui-do atendimento nas UBSs de bairros vizinhos, mas dentro de oito meses não precisarão mais sair de seu bairro para realizar consultas.

SAÚDE

Nova UBS em Campo BomRepasse de verba

disponibilizará mais de R$ 400

mil para o município investir na

saúde

RAFAEL BAUER

Terreno onde será construída a nova UBS

Seria interessante uma consulta ao banco de dados do e-SUS para tentar chegar a um diagnóstico prévio.”JOÃO PAULO BERKEMBROCKDENTISTA

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Tuanny Prado

“Para mim, ver uma menina que havia sentido dor a noite intei-ra e que chegou ao encontro reinando, começar a sorrir e

esquecer o seu problema, mostra que es-tamos no caminho certo”, relata Ana Luísa Accorsi, psicóloga responsável por assistir o projeto desenvolvido na Fundação Hospital Centenário, em São Leopoldo.

O momento descrito ocorreu em uma quarta-feira pela manhã, horário das visitas assistidas em grupo por pacientes da pediatria, saúde mental e idosos. É nesta oportunida-de que animais da organi-zação não-governamental Coração Vira-Lata se reú-nem às pessoas e distri-buem afetos para acelerar o processo de cura.

Foi no dia 22 de agos-to que o novo método de tratar pacientes chegou ao Hospital Centenário, tornando a cidade de São Leopoldo a primeira do Brasil a ter uma instituição pública que aderiu à nova forma de tratamento. O pro-jeto é inspirado no que ocorre no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. A ideia foi desenvolvida por um grupo de profissionais, entre eles, o vice-presidente médico da Fundação Hospital Centenário, Dr. Leandro Netto, e é coordenada pela enfermeira chefe, Fernanda Estrella.

Ana Luísa Accorsi foi designada

para acompanhar a proposta por, segundo ela, ser a única psicóloga especializada na área de pet-terapia na região do Vale dos Sinos. O trabalho está em andamento e até o fim do ano a Fundação Hospital Municipal Getúlio Vargas, de Sapucaia do Sul, também estará desenvolvendo a Visita Pet em suas dependências.

Segundo Fernanda, muitos pacientes têm solicitado o tratamento e já é possível perceber melhoras em seus quadros mé-

dicos. Todo o paciente com liberação médica pode recorrer ao novo método, sendo vedado para aqueles com risco de infecção ou imuni-dade muito baixa. Aos que têm condições de participar, é possível frequentar as reuniões em grupo ou receber o contato de seu próprio animal de estimação, desde que esse esteja em dia com a higiene. Para isso, existem pet shops conveniadas com o hospital que realizam a higienização adequada,

sem custo para os donos. Para organizar as visitas tem-se o cui-

dado de manter apenas um animal por vez, no local designado, ao lado de fora do hospital, para que não ocorra estranhamen-to entre eles e não há limite de encontros por paciente. A única questão é que sejam de pequeno porte, como gatos, cachorros, pássaros, hamsters, entre outros. Apenas os pertencentes à Coração Vira-Lata par-

ticipam das sessões em grupos.A ONG é responsável por cuidar de

animais de estimação abandonados. Cães e gatos são acolhidos e medicados para depois serem encaminhados para adoção. Agora, eles também participam da Visita Pet visitando pacientes que não têm bichos domésticos, mas que solicitam o tratamento diferenciado.

Ana garante que há comprovação científica de que o contato de pacientes com os animais diminui a ansiedade e o aborrecimento. Através das experiências que estão acontecendo no Centenário está sendo desenvolvido um estudo pelos res-ponsáveis em acompanhar o projeto. Com essas pesquisas, será possível determinar o avanço de cada paciente antes e depois das visitas e se há diferença nos quadros clínicos entre as pessoas que recebem seu próprio animal doméstico com as que encontram com desconhecidos, como os pertencentes à Coração Vira-Lata. Os animais da ONG são dóceis e estão acostumados a interagir com pacientes. Alguns deles acompanham a psicóloga em sua clínica particular.

Os animais, principalmente os cachor-ros, têm uma busca por afeto muito grande, pois é o que lhes garante segurança. O projeto é direcionado para casos de extensa internação, sendo requisito estar há pelo menos um mês hospitalizado.

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SAÚDE

Terapia especial no CentenárioVisita Pet

garante que pacientes

de hospital recebam

carinho de animais para

acelerar processo de

cura

Psicóloga Ana Accorsi juntamente com Anuk, um dos

animais participantes do projeto

São Leopoldo é a primeira cidade do Brasil a ter uma instituição pública que aderiu ao tratamento”ANA LUÍSA ACCORSIPSICÓLOGA ACOMPANHANTE DO PROJETO

LARA FEIJÓ

BABÉLIA

Benefícios da visitaO contato com animais diminui a ansiedade e o aborrecimento, o que auxilia na cura do paciente.

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Novembro/2014BABÉLIA

Marcella Luiza Lorandi

“Dispara a venda de remé-dios ilegais para ema-grecimento na internet.” “Brasileiras compram

remédios para emagrecer nos Estados Unidos.” “São controladores de ansiedade que inibem o apetite.” “Anvisa proíbe venda e uso de substâncias para ema-grecimento.” Afinal, que substâncias são essas que a Anvisa quer proibir?

A educadora física e acadêmica de Nutrição Giordana Fernandez possui um espaço de Treinamento Funcional e Lutas e uma loja de suplementação. “É comum, no verão, as pessoas recorrerem a dietas da moda, produtos que prome-tem milagres e até utilizar substâncias ilegais. Procuro sempre informar dos riscos dessas substâncias à saúde. O correto é iniciar por uma reeducação alimentar, mudar os hábitos e praticar uma atividade física.” Segundo Giordana, “adquirir um produto ilegal vem do fato de a preguiça e a comodidade vencerem as pessoas. É mais fácil dar desculpas de que não consegue emagrecer, não tem tempo pra treinar ou não suporta fazer dieta do que se dedicar, ter disciplina e comprometimento com aquilo que se deseja alcançar”. Giordana também faz acompanhamentos como personal trai-ner, e é muito comum que alguns alunos apareçam na academia três meses antes do verão. “As pessoas não deveriam pa-rar de treinar no inverno. Se você toma banho todos os dias, se alimenta todos os dias, por que não treinar todos os dias?”

A nutricionista graduada pela Uni-sinos Simone Turcatti, dona da Clínica de Biomedicina Estética Zarho, conhece

esses “medicamentos” de outros car-navais. Ela não receita esses métodos em hipótese alguma, pois acredita em uma alimentação balanceada e em su-plementação. É pouco comum que nu-tricionistas ou nutrólogos trabalhem com suplementos alimentares, mas por ter um alto índice de pacientes atletas, ela descobriu que eles têm muito a acrescentar não só para quem pratica exercícios, mas também àqueles que apresentam déficit de qualquer vitamina ou nutriente. “Eu poderia ficar aqui sentada e receitar Xenical para todas que querem per-der peso.” O Xenical é indicado para pessoas com obesidade e sobre-peso. Contudo, caiu nas dietas da moda e virou até genérico, o Orlistate. Sua função é eliminar as gorduras pelas fezes, para pessoas que pos-suem os índices de massa corpórea elevados. O valor do medicamento, mesmo genérico, gira em torno de R$ 100, e para quem não se encaixa na faixa recomendada o efeito é quase imperceptível. “Mas eu tenho um nome a zelar, o meu e o da minha clínica. Que paciente vai confiar no trabalho da Simone se ela receita coisas prontas?”

Rafaella Zanetti Ferri, 19 anos, é es-tudante de Direito e atleta na categoria Wellness de fisiculturismo. Categoria que enaltece os bons hábitos alimenta-res e atividade física. De longos cabelos castanhos e olhos verdes, ela diz que pri-meiramente a cabeça tem que estar boa,

pois o corpo é o reflexo de uma mente tranquila. “Não gosto de comer ovo às 22h30, mas preciso disso para alcançar meu objetivo.” Com 1,54m de altura, 54kg e um percentual baixíssimo de gordu-ra, ela vive um período pré-competição chamado de off season, no qual deve adquirir massa, e, quando se aproximar da competição, perder esse peso para que todos os músculos sejam definidos. “O suplemento traz todos os benefícios

de uma alimentação correta, desde que seja bem utilizado e que o produto seja de quali-dade. Várias pessoas acham que faz milagre. O que faz milagre é o teu esforço, o que tu come. Ele não vai te emagrecer, não adianta comer batata frita e de-pois tomar um termo-gênico, é incoerente. Tem gente que nem treina e toma Whey

Protein porque quer ‘crescer’, e o quão isso é prejudicial só alguém que conhece e é instruído sabe.”

A estudante de Publicidade e Pro-paganda Bruna Hoffmaister, 19 anos, já fez uso de medicamentos sob pres-crição médica. “O medicamento agiliza o processo, é como se fosse um empur-rão. Depois que o resultado começa a aparecer, a vontade de comer saudável e de praticar exercícios aparece junto. Perdi aproximadamente 6kg tomando Sibutramina, um controlador de an-siedade, e não houve efeitos colate-rais. Mantenho o peso balanceando a alimentação. Atualmente faço uso dos produtos da Herbalife, cada um com sua função.” Bruna sempre foi gordinha e desde muito pequena afirma sofrer com esse peso a mais, que não vem da genética nem de um possível distúrbio, é apenas o biotipo do corpo. Não tem desculpa, basta dar o primeiro passo.

SAÚDE

Não tome remédio. Tome cuidadoCom o verão

cada vez mais próximo, a

corrida contra o tempo e a balança

aumenta a procura por

emagrecedores rápidos e duvidosos

ARQUIVO PESSOAL

Rafaella alerta que o suplemento deve ser bem utilizado: “O que faz milagre é o teu esforço, o que tu come”

Não gosto de comer ovo às 22h30, mas preciso disso para alcançar meu objetivo”RAFAELLA ZANETTI FERRI FISICULTURISTA

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Novembro/2014BABÉLIA

Carolina de Zotti

O basquete em cadeira de ro-das vem ganhando maior espaço no Brasil. Em São Leopoldo (RS), deficientes

físicos-motores treinam duas vezes por semana para participar de cam-peonatos e competições regionais.

O time Adavas é formado por três jogadores de São Leopoldo, mas também o integram atletas de Porto Alegre, Canoas, Sapucaia e Torres. A equipe participa de amistosos e copas organizadas pelos municípios vizinhos.

O basquete em cadeira de rodas é um esporte muito parecido com o tradicional, porém, algumas re-gras são adaptadas. Os times são

formados com até cinco jogadores e cada um deles é numerado com uma pontuação de 1.0 até 4.5. Esses números indicam o grau de lesão do atleta. Os times podem ter no máximo 14 pontos em quadra. O jogo é dividido em quatro tempos de dez minutos, totalizando 40 minutos.

Os atletas da Adavas não contam com treinador e se mantém pela força de vontade de cada integrante. Eles seguem as normas da Confede-ração Brasileira de Basquetebol em Cadeira de Rodas (CBBC).

Um dos destaques em motiva-ção e liderança é o jogador Mar-celo da Silva, 22, que participa do time desde 2012. O garoto ficou sabendo que o grupo treinava no ginásio municipal e resolveu

assistir um jogo. Desde então faz parte da equipe.

Marcelo comenta que é difícil participar de campeonatos regio-nais, pois os atletas precisam do apoio da prefeitura, de transporte e permissão para representarem a cidade. Por falta de treinador, os garotos às vezes perdem oportuni-dades de competir e levar adiante o trabalho que envolve esforço, garra e vontade. Silva lembra que o time está aceitando auxílio de professores voluntários para treiná-los.

O time está em busca, também, de patrocínio e apoio. Qualquer doação é bem recebida: bolas de basquetes, uniforme e cadeira pro-fissional. Hoje, eles usam cadeiras adaptadas para jogar.

Thiago Greco

O maior artilheiro do futebol gaúcho, com 111 gols na primeira divisão do regional, Sandro Sotilli está jogando no E.C. Barnabé, time amador de Gravataí. Sotilli junta se a Arílson – campeão da América pelo Grêmio em 1995, e a Donizeti – goleiro vice-campeão em 2008 da Copa Lupi Martins com o Cerâmica, tam-bém da cidade.

Empresário e amigo de longa data de Sandro, Mai-con Witt foi quem tornou realidade a vinda do jogador para o citadino de Gravataí. “A negociação foi tranquila, somos amigos há algum tempo, lancei a ideia e ele aceitou de primeira”, contou Witt.

Sandro Carlos Sotilli aposentou-se com a camisa do Pelotas, no dia 1º de junho de 2014, e um mês depois apresentou-se ao Barnabé. “Sempre que me convidam, se estou disponível, eu aceito. Gosto de participar, fazer novos amigos. O Barnabé tem um projeto legal com as crianças, gosto de ajudar”, declarou Sotilli. “Sei que não vou mais jogar profissionalmente, por isso mato a saudade jogando com os amigos no amador”, agregou.

Sotilli começou sua carreira no futebol em 1993, no Ypiranga de Erechim. Em sua carreira, o atleta vestiu 24 camisetas diferentes, entre elas a vermelha do Internacional.

Beijing e Xian Chanba, da China, e Necaxa, Jaguares, Dorados e Léon também constam no seu currículo como jogador.

O citadino de Gravataí está na fase de mata-mata e como Sotilli era candidato a deputado, não pode comparecer a alguns jogos. Com a derrota nas urnas, Sotilli retornará ao time.

Fernanda Salla

Sapiranga realizou o V Festival de Ginásti-ca Artística na sexta-feira, 24 de outubro, no Ginásio de Esportes Nenezão. O projeto que incentiva essa modalidade existe há dez anos na cidade e teve como novidade a participação de três educandários: Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Emília de Paula, Dr. Décio Gomes Pereira e Escola Municipal de Educação Infantil Leopoldo Sefrin.

Sob a coordenação de Carla Matzenbacher, Mônica Fão e Catiucia Greff, mais de 300 crian-ças e adolescentes estão no projeto. São aceitos alunos entre 3 e 18 anos. O espaço para treinos e equipamentos foram cedidos pela prefeitura da cidade. Os treinos ocorrem no turno inverso ao da aula, de segunda a sexta-feira.

Carla teve a ideia de retomar a ginástica artística por causa de seu pai, que foi ginasta quando mais novo. Ela ficou impressionada com a emoção de alguns alunos ao descobrirem que ganhariam medalhas no festival. A professora ama o que faz, tanto que poderia estar aposen-tada, mas continua envolvida na ginástica.

O projeto é um grande incentivo para jovens sapiranguenses. A ginástica artística ainda é des-conhecida de professores. Grande parte tem uma visão fechada, limitando-se a esportes com bola, pois não compreendem que essa prática auxilia na formação e desenvolvimento de seus alunos.

Carolina Schaefer

“A maior alegria é você inserir na sociedade mais de 180 crianças, colaborando para torná--las pessoas boas no futuro”. Esse é o orgulho do presidente do Grêmio Esportivo Parobé, Horácio Willers. O clube auxilia jovens de 10 a 17 anos através de sua categoria de base. No próximo dia 30 de novembro, o Grêmio Parobé completará 67 anos de história.

Durante muitos anos, o Grêmio Esportivo con-quistou torcedores por apresentar bom futebol na categoria veteranos, fazendo com que a torcida se

orgulhasse do clube da cidade. “O time de 1981 foi talvez o melhor grupo amador que tivemos até hoje. Naquele ano, eram mais de 200 clubes, e nós ficamos com a 8ª colocação do Estado”, relembra Horácio.

O time se mantém com ações comunitárias. Almoços e ações entre amigos são planejados para arrecadar dinheiro. O clube também aluga sua sede e campo para eventos. Tudo isso para não ter seu trabalho interrompido por falta de investimento.

Apesar de jovem, Franklin Fishborn, 19 anos, fundou há três anos, com um amigo, a Velha Guarda Parobeense, cujo objetivo é apoiar o time, onde quer que ele esteja. A torcida tem em média 90 integrantes que cantam e torcem apaixonadamente pelo Grêmio.

“É um orgulho participar do Grêmio Parobé e da Velha Guarda. Acho que todos sonham com a profissionalização do clube da nossa cidade e que dispute grandes campeonatos”, idealiza Franklin.

Cadeirantes mostramtalentos no basquete

Profissional aposentado,Sandro Sotilli defende as cores do clube Barnabé

Atletas sapiranguenses apresentam ginástica artística em festival

Time de Parobé incentiva futebol de base e esperadisputar campeonatos

Time leopoldense busca treinador e apoio financeiro

As cadeiras de roda foram adaptadas para a prática do esporte. O ideal seria equipamento profissional

MARCO ANTONIO DA SILVA

ESPORTE

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Novembro/2014BABÉLIA

Dankiele Tibolla

Entardece em Curitiba. Da janela do edifício Lascelles, junto ao pôr do sol, ouve-se o coro da torcida alviverde. Tem jogo do Coxa no

Couto Pereira. Como de costume, dona Solange prepara tudo para torcer e ver o filho Sérgio Manoel jogar. Sua arquiban-cada é tão confortável que mais parece um camarote: dois sofás. Na mesa, refrigerante, água e pipoca “à la vonté”. Na televisão a propaganda anuncia: Coritiba x Grêmio pela 13º rodada do Campeonato Brasileiro. Os primeiros torcedores vão se acomodando no camarote. Enquanto aguarda a escalação dos jogadores na tevê, Dona Solange já avisa: “Sérgio vai começar jogando! Ele vai de titular!”. É costume de mãe e filho trocar mensagens antes das partidas.

Enquanto a torcida ensaiava seus cantos, dentro do vestiário o som que ecoava era dos jogadores, que berravam a oração do Pai Nos-so. Com todos em campo, iniciou-se a partida.

Seria apenas mais um jogo para Sérgio Manoel, 25 anos. Seria, se no meio do segundo tempo um lance não o tirasse da partida. Após tocar a bola para seu companheiro de time, Sérgio correu para recebê-la de volta. No entanto, ao tentar se esticar para alcançá-la, sua perna esquerda travou, fazendo o corpo girar sobre o joelho. “Ouvi um barulho, como se alguém estivesse quebrando um galho seco de árvore. Caí de bruços e não senti mais minha perna.”

No estádio da dona Solange, a alegria que antes contagiava deu espaço para o silêncio, ouvia-se apenas o narrador. No rosto dela, preocupação, mãos atadas por ver seu filho jogado no chão e não poder ajudar. Olhos fixos na televisão, via e revia o lance. Ninguém dizia nada.

Com a mão levantada, Sérgio gritava por ajuda. Seus companheiros corriam pedindo para que o juiz liberasse a maca para entrar. “Achei que eu tivesse quebrado minha perna, eu sabia que era sério”, relata o jogador. Em questão de minutos o médico do clube, Walmir Sampaio, já tinha feito um pré-diagnóstico. Com um semblante preocupado, olhava em direção do técnico sinalizando com os dedos que o atleta não tinha mais condições de jogo.

Em meio a milhares de torcedores ali presentes, Sérgio tinha uma em especial, a namorada Ivana Ven-dramini, que correu em direção ao amado. No ves-tiário, Sérgio só pensava na família. Dona Solange ligava incessantemente.

A noite foi praticamen-te em claro, a dor e o medo não o deixavam dormir. “Eu temia pelo pior”, diz Sérgio, emocionado. O dia mal tinha amanhecido e ele já se dirigia ao hospital para fazer exames. Após algumas horas, através de uma ligação do pró-prio médico, veio a notícia que Sérgio não desejava receber: rompimento do ligamen-to cruzado anterior. Intervenção cirúrgica, fisioterapia, dores e seis meses de angústia, medo e incerteza.

São inúmeros os jogadores que já pas-saram ou passam por essas lesões, assim como existem aqueles que são obrigados a interromper suas carreiras. Cleivan Brauner viu seu sonho ir embora quando aos 18 anos sofreu uma lesão de ligamentos em uma partida entre Comercial de Ribeirão Preto e XV de Jaú, no dia 10 de dezembro de 2010. “O jogador adversário foi na linha de fundo

cruzar. Quando eu tentei travá-lo, meu pé ficou preso e meu joelho virou. Meu contrato já havia encerrado, e o clube não quis renovar.”

Sem clube e sem dinheiro para custear a cirurgia, Cleivan entrou para a fila do SUS. A cirurgia demorou para acontecer e já não dava tempo de voltar. É grande o número de atletas que encerraram suas carreiras devido a esse problema.

Segundo o coordenador de preparação física do Cerâmica Atlético Clube, Alexandre Ramos, as lesões de ligamentos são comuns, e

suas causas podem variar. “A exigência e a alta com-petitividade, bem como as características do esporte, fazem com que ocorram diversos problemas físi-cos nos futebolistas.” Teria Sérgio o mesmo destino de Cleivan?

Durante seis meses, Sérgio Manoel trocou o gramado pela sala de fi-sioterapia do clube. As chuteiras deram espaço para os tênis, as corridas não passaram de leves

caminhadas, mas o pensamento e a fé eram um só: voltar logo.

O fisioterapeuta Mauren Mansur ex-plica que para obter um bom resultado o tratamento inicia logo após o procedimento cirúrgico. “Quando acontece esse tipo de lesão, a única forma é começar imediata-mente as fisioterapia, pois o jogador tem que trabalhar o músculo.”

Perto de completar seis meses de trata-mento, Sérgio recebeu a notícia de que estava apto a voltar aos gramados. Mal sabia ele o que o esperava. O volante não via a hora de voltar a jogar. O joelho não reclamava mais. Em um treino, véspera de jogo, o jogador treinava normalmente quando, em um lance, viu seu mundo desabar novamente. Faltando 5 mi-nutos para o fim do treino, ao dominar a bola, recebeu um encontrão de um companheiro e, ao se virar, escutou o galho seco quebrar. Era seu joelho pedindo socorro novamente. Naquele momento passou um filme em sua cabeça. Sérgio desabou: “Achei que seria o fim. Passar por tudo que passei novamente seria muito doloroso pra mim”.

Talvez a árvore estivesse cansada e seus galhos não suportaram o esforço que fazia desde muito jovem; as raízes precisavam de forças para se manter em pé; o solo, dona Solange mantinha firme; a namorada cuidava das folhas para que não caíssem em nenhum momento. Lá foi ele, tudo de novo. Nova cirurgia, mesma dor, mesmo medo, mesma incerteza, mesma fé: voltar.

No estádio de dona Solange, desta vez não tinha pipoca, afinal não era dia de jogo, mas tinha um belo e saboroso bolo à minha espera. A noite tinha chegado e nem perce-bemos. Sentada no “camarote”, fiz a última pergunta: “Sérgio, tem alguma previsão de volta aos gramados?”.

Com o sorriso largo e as vistas umedecidas, ele me disse:

“Então, voltei ontem!”.

ESPORTE

Diagnóstico: angustiadoA dor dos

jogadores que sofrem lesões e não sabem qual será seu

destino

DIVULGAÇÃO / CORITIBA FOOT BALL CLUB

Sérgio Manoel passou por duas cirurgias no joelho

Ouvi um barulho, como se alguém estivesse quebrando um galho seco de árvore”SÉRGIO MANOELJOGADOR DE FUTEBOL

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Novembro/2014BABÉLIA

ESPORTE

Germana Zanettini

Você já imaginou começar o dia erguendo um pneu de caminhão? Não é preciso ser um superatleta para realizar tal façanha. A far-

macêutica Daiane Timm, 32 anos, é prova disso. Praticante de crossfit há pouco mais de dois meses, ela mostra um vídeo no celular, no qual movimenta um pneu de 140 quilos em parceria com uma colega de academia. Maquiada e exibindo longas unhas vermelhas, a vaidosa farmacêutica confessa: “Aqui não tem espaço para delica-deza. Tem que tirar anéis, pulseiras, relógio. Estou com um calo no dedo. É assim, mão de pedreiro”, confessa.

Desenvolvido pelo ex-ginasta americano Greg Glasmann e utilizado na formação dos soldados das Forças Armadas dos Estados Unidos, o esporte assusta à primeira vista. “Dá medo. O pessoal quando vai se informar sobre crossfit vai para o YouTube. Mas a maioria de vídeos é de atletas de elite, que competem. Nossas aulas não são assim”, garante Plínio Rangel Júnior, professor de crossfit.

Ele explica que o objetivo do esporte é ajudar as pessoas em atividades diárias. “Todo mundo tem que carregar sacola do mercado, trocar um pneu, subir uma escada, lavar o carro, cortar grama. As necessidades de todo mundo são as mesmas”, explica Rangel.

O dentista Rafael Veeck, 40 anos, e o empresário Etevaldo Pioner, 58 anos, são colegas da mesma turma. Realizam os mes-mos exercícios, porém, cada um os executa no próprio tempo e intensidade. “Eu era sedentário há um ano e meio. Voltei direto com o crossfit e não tive problemas. A aula se adapta para qualquer pessoa”, enfatiza Pioner. Weeck, ex-jogador de vôlei, pega

mais pesado nos treinos, apesar de ter uma lesão. ”Tenho problema na lombar, comum aos dentistas. Na musculação, às vezes eu ficava mal por causa da lombalgia. Aqui eu nunca tive problemas, e nunca deixei de fazer o que os outros fazem.”

Diferente das aulas de uma academia convencional, que utiliza aparelhos, no cros-sfit os exercícios são livres, usando apenas cordas, argolas, caixas e pneus. “As pessoas se espantam porque não temos equipamentos. Não usamos máquinas. Transformamos e criamos as máquinas, que somos nós”, en-fatiza Rangel. Na sala da academia também não há espelhos. “Aqui a gente não fomenta o ego. A melhora da aparência é apenas uma consequência dos benefícios da melhora na qualidade de vida”, diz o professor de crossfit Carlos Eduardo dos Santos.

Como é a modalidadeUma aula dura em média uma hora e

passa por três etapas. A primeira é o aque-cimento. Depois vem a técnica, quando os praticantes aprendem um movimento novo ou aperfeiçoam aqueles utilizados previamente. Para Santos, essa é uma das partes mais importantes. “Antes de chegar no pneuzão de caminhão, por exemplo, tu vais passar pelo pneuzinho. E tu vais aprender a técnica para levantar aquele pneu de forma eficiente e segura”. A última etapa é o WOD, hora de pôr em prática os movimentos aprendidos durante a técnica: o volume do som sobe e os professores gritam palavras de incentivo e desafiam os alunos a superarem seus limites.

As turmas são mistas, integrando pes-soas de várias idades e condicionamentos físicos. Os professores são categóricos ao afirmar que quando há um grupo hetero-gêneo, o ganho de todos é maior. “Quando

as pessoas se unem, ficam mais fortes. Um motiva o outro. Quem tem mais condicio-namento dá força para quem está come-çando” afirma Rangel. “Todo mundo vai passar pelo mesmo WOD, não importa se é um idoso, se tem algum problema, se é um atleta. Óbvio que a gente modifica: de acordo com as limitações da pessoa, vamos colocar menos carga”, comenta Santos.

Para o médico Felix Albuquerque Drummond, presidente da Confederação Sul-Americana de Medicina do Esporte, é imprescindível que se faça uma avalia-ção antes do início de práticas esportivas. “Recebo muitos pacientes que sofreram lesões depois de se submeterem a esforços inadequados. É necessário realizar ao menos um eletrocardiograma de repouso e uma avaliação muscular”, afirma Drummond. O especialista esclarece que no Brasil ainda não há normas legais que fiscalizem as academias, mas que na Europa há países que levam o assunto a sério. “Na Itália, por exemplo, há uma lei que institui a obriga-toriedade da avaliação médica antes do início de práticas esportivas. Devido ao alto índice de mortes súbitas registradas durante exercícios, virou lei”, salienta.

Crossfit, o esporte polivalentePrática

inspirada no treinamento de fuzileiros

navais norte-americanos

conquista adeptos de diferentes

faixas etárias

ALINE CRISTIANE DE OLIVEIRA

O professor Carlos Santos executa um tire flip, movimento que consiste na virada de um pneu de 140 quilos

Vocabulário próprio

Os termos do crossfit são todos em inglês. Esse é um dos motivos que faz o esporte se considerar uma comunidade internacional. Veja os principais termos:

• Box – a sala de aula do crossfit• Box Jump – salto na caixa• Burpee – exercício de agachamento, flexão de braços e salto vertical. Utilizado também como punição: quem chega atrasado ou não devolve os equipamentos para o local correto paga um número pré-determinado de burpees• Coach – treinador de crossfit• Double under – salto duplo de corda• Muscle up – subida na argola• Tire Flip – virada de pneu• WOD (workout of the day) – treino do dia e terceira parte da aula

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Novembro/2014BABÉLIA

Matheus Alves

No final de uma rua, quase na divisa de Canoas e Esteio, tem um ter-reno abandonado, protegido por paredes altas e tapumes. A visão

que se tem através de uma fresta é de assustar. Homens e mulheres trajando roupas pretas ou camufladas, cada um deles com uma arma na mão e uma pistola em um coldre, preso na cintura ou no colete, que ostenta vários outros artefatos, como granadas e pentes de munição. O terreno não é menos assustador. Com duas pequenas casas em ruínas em cada extremo, cercadas por grandes árvores, um mato que chega à altura dos joelhos e apenas uma pe-quena trilha desmatada entre elas, torna-se um lugar pouco convidativo. Ao entrar no terreno, logo se percebe que o clima é muito menos agressivo do que aparenta. Este é o “campo de batalha” do time de airsoft Iron Heads (em português, “Cabeças de Ferro”).

Paulo Junior Duarte, conhecido como PJ, é o capitão do time. Formado em Gestão de Projetos e gerente de projetos de infraestru-tura de TI na empresa HCL Technologies, especialista em Tecnologia de Informação, PJ explica que, apesar de assustar um pouco, as armas são apenas simulacros de armas reais, fabricadas em plástico ABS, fibra de vidro ou ainda totalmente em metal (as Full Metal), e funcionam com baterias ou a gás. As AEGs (Airsoft Eletric Gun) é como são chamadas as armas elétricas, preferidas entre os jogadores do time. As armas a gás são as GBB (Gas Blow Back). Ambas disparam projéteis esféricos de 6mm a uma velocidade superior a 400 FPS – convertendo: mais de 438 km/h.

O airsoft, como explica o capitão, é um jogo voltado para a simulação militar, e pode ser jogado com vários objetivos. A lealdade do jogador também é um fator importante, já que o projétil do airsoft, apesar de doer, não deixa marca, então o jogador atingido deve se acusar “morto”. Em uma referência cômica ao clássico filme de 1986, os jogadores que não se acusam são chamados de Highlanders.

Para o jogo, o time é divido em duas equi-pes. Após um tempo para as equipes monta-rem suas estratégias, o jogo começa. No início só há silêncio. Passado algum tempo, tiros e gritos de “morto!” são ouvidos, seguidos de jogadores com as armas abaixadas e panos vermelhos na cabeça, indicando que estão fora da disputa. O final do jogo é indicado por um apito e acontece quando um time elimina todos os jogadores do outro. O apito é soprado pela jogadora fora de combate Michele Alves. Ela trabalha em um ateliê de costuras e, como hobby, praticava paintball com o marido, até que descobriram o airsoft e não largaram mais. Infelizmente, Michele machucou o pé e está há duas semanas sem praticar. “Eu já estou enlouquecendo por não poder jogar.”

Durante a manhã ensolarada de domingo os Iron Heads disputam várias partidas. Des-ta vez o objetivo é capturar e guardar uma maleta, posicionada no centro da trilha entre as duas casas. Ao final, o time que consegue capturar a maleta e guardá-la em segurança até o final do tempo vence. Um jogador come-mora mais que os outros. “Acabou! Ganhamos com a estratégia que eu bolei. Vou ser eleito o

melhor jogador”, grita rindo Jeferson, ou, como está escrito na sua tag, “Jaguara”. Jeferson é um tatuador de Esteio que divide seus finais de semana entre o filho e o airsoft. No intervalo de um jogo e outro, PJ dá instruções de jogo a uma jogadora iniciante. Isadora Kolicsa está recém no seu terceiro jogo de airsoft, mas já se assume apaixonada pela modalidade. “O que me chama mais a atenção no esporte é o companheirismo, a lealdade e a adrenalina”, comenta a publicitária Isadora, que descobriu o airsoft por aca-so na internet.

Mais um jogo começa, e Jaguara vai mais uma vez atrás do título de Melhor Jogador. Após o início da disputa de captura da ma-leta, ele cansa de esperar em sua base e fala: “Vou lá pegar essa maleta de uma vez”. Assim, ele caminha até a maleta, encontrada mais uma vez na trilha. Chegando perto do objetivo, os disparos inimigos se intensificam. Então, levantando sua Full Metal, faz alguns disparos contra os adversários. Após pegar o objetivo com sucesso, ele realiza a mesma caminhada tranquila de volta, carregando a maleta na mão e um sorriso divertido no rosto. De volta à base, o tatuador se cansa mais uma

vez de esperar pela ação e vai atrás dela. “Tá, agora eu vou lá matar uns caras.” Dizendo isso, ele some de vista no meio das árvores. Em seguida ouvem-se gritos de “Morto!”. Um, dois, três, quatro cabeças cobertas por panos vermelhos saem do mato, todos eliminados pelo jogador, que, em suas próprias palavras, está “em ótima fase”.

Durante toda a ma-nhã é possível captar cenas de descontração e diversão entre os joga-dores. Em uma dessas o outro tatuador do time, Toledo, que carrega na ca-beça dreadlocks e é cober-to de tatuagens coloridas, cumprimenta e abraça o seu colega de profissão Jaguara. “Bah, cara, que troca de tiros massa que fizemos”, parabeniza To-ledo, encenando alguns dos seus movimentos durante a ação. No final

do duelo, quem se deu melhor foi Jaguara, que conseguiu eliminar Toledo com Head Shot (tiro na cabeça).

Ao final, a impressão que se teve pela fresta dos tapumes é apagada. Apesar de ser um jogo de simulação militar e com cara de guerra, o que prevalece é a lealdade e amizade entre os jogadores de airsoft do Iron Heads.

ESPORTE

Fogo amigoCom armas idênticas às reais, airsoft

une simulação militar e

companheirismo

FELIPE BILIBIO

O que me chama mais a atenção no esporte é o companheirismo, a lealdade e a adrenalina”ISADORA KOLICSAPUBLICITÁRIA E PRATICANTE DE AIRSOFT

Jaguara volta para sua base após a captura do objetivo

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Júlia Klaus Bozzetto

A imagem é a de um garoto mo-reno, com 1,45 de altura e uma expressão cansada no rosto. O desgaste físico é visível, mas a

satisfação estampada no sorriso é maior. Assim ele sai de campo. Toma um banho rápido, veste-se para a escola e senta-se num banco de concreto azul. Seus olhos brilham e ele balança os negros cabelos lisos ainda molhados, saboreando com gosto um saquinho de pipoca doce co-berta com leite condensado, comprada pelo pai. Entre uma bocada e outra, relata sobre sua vida, reabilitação, Copa, sonhos, conquistas e os treinos na Es-colinha de Futebol.

Todas as quartas-feiras o pequeno Getulio Felipe Fernandes da Silva, 10 anos, pula da cama cedinho, ás 7h para ir aos treinos da Escolinha de Futebol do Grêmio, em Porto Alegre. A missão de transportar o goleirinho até o local cabe ao pai, Getulio Santos da Silva, 45 anos. Eles moram em Alvorada e se deslocam até a capital para o menino realizar atividades todos os dias, pois ele também estuda na Escola Pastor Dohns, no Bairro Higienópolis, à tarde.

Getulio ou Gagaga, como é carinho-samente chamado pelo pai, se tornou uma celebridade mirim ao entrar de mãos dadas com o goleiro da Alemanha Manuel Peter Neuer, 28 anos, durante a última edição da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

‘’Me inscrevi numa promoção do Mc Donald’s intitulada Sonho de Craque por conta própria e tive a sorte de ser uma das crianças sorteadas para um jogo das oitavas de final da Copa’’, relata Getulio.

Logo que nasceu prematuramente de uma gestação de seis meses, Getulio sofreu paralisia cerebral. Teve os movi-mentos dos membros inferiores e supe-riores afetados, mas por sorte teve uma paralisia cerebral grau 2, com gravidade menor e que não tirou por completo os movimentos dele. O que sem dúvida já é uma grande conquista para Getulio, pois ele conseguiu recuperar os mo-

vimentos das pernas e dos braços por meio de fisioterapias, contrariando os diagnósticos médicos negativos.

‘’A parceria de sete anos entre o Gagaga e a Associação de Assistência a Criança Deficiente deu resultado. A equipe de médicos e fisioterapeutas acre-ditou no potencial dele, e o resultado não podia ter sido melhor, a reabilitação’’, conta orgulhoso o pai de Getulio.

Novembro/2014

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ESPORTE

Goleirinho mais do que especialGetulio,

o menino símbolo da

Copa e que venceu a paralisia cerebral, busca o

sonho de ser goleiro

NATANE DOS SANTOS

BABÉLIA

O treino O treino começa com um elogio.

‘’Boa pegada, Getulio’’, diz o professor.São 9h e, na primeira parte, ele

realiza os exercícios específicos para goleiro em separado com mais três meninos. Depois, às 10h, ele treina junto com todos os outros meninos de idades mistas até às 11h. Eles formam times mistos cada um na sua posição e cabe a Getulio o papel de goleiro em um dos times.

O pequeno astro treina na escolinha há dois meses, com o propósito de realizar o seu maior sonho: ser goleiro.

Rodolpho Zingano, 24 anos, professor estagiário de Educação Física, treina os meninos na primeira parte da manhã. Ele explica que são realizados movimentos mais lentos específicos para goleiro. Inicia com o coordenativo intercalado entre os fundamentos, onde o professor mostra como fazer as atividades. Depois, seguem os exercícios como a pegada, a entrada, a saída de gol, a rasteira com queda e, por fim, alongamentos. Para tais atividades ele utiliza a bola e algumas mini goleiras. Os exercícios são iguais para todos os meninos.

‘’O Getulio é persistente, agitado e disposto a aprender. Conheci-o na TV e foi uma surpresa quando soube que ele viria treinar na escolinha. Um menino de 10 anos que enfrenta toda a dificuldade que ele tem em busca de um sonho é um fenômeno’’, conta animadamente o professor.

Para Getulio, os treinos fazem parte das suas conquistas e foi por meio de convite para um treino experimental que essa história começou. Segundo Kim Pontes, 25 anos, assistente da área de iniciação da escolinha, o convite partiu da supervisora técnica Bruna Almada, 28 anos, que encontrou Getulio em dois eventos diferentes e o reconheceu da TV. Encantada com o seu carisma, fez o convite e ele ficou sem jeito, pois é colorado. Ela insistiu e, por fim, ele aceitou. Chegando lá emocionou a todos devido a sua garra e força de vontade. Resultado: ganhou uma bolsa na escolinha como incentivo e ficou.

‘’ Todas as crianças o adoram, nos treinos querem fazer gol na goleira dele. O objetivo da escolinha é formar cidadãos, e ele foi muito bem-vindo por todos’’, conta Kim.

‘’Você tem que correr atrás dos seus sonhos, pois se você tiver garra, eles podem se tornar reais, basta acreditar. Devo ao meu pai tudo o que sou e tudo o que conquistei, ele é meu grande incentivador, o meu melhor amigo’’, finaliza sorridente o pequeno sonhador chamado Getulio.

Getulio é só sorriso durante o treino, mostrando que superou a paralisia cerebral

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Novembro/2014BABÉLIA

Julieli Ribeiro

Primeiramente, a cidade de Por-to Alegre não estava preparada para receber a Copa, pois as obras ainda estavam em anda-

mento. Não só o futebol, mas a Copa trouxe para a região alegria, diversidade e culturas diferentes. O sorriso e a felici-dade dos estrangeiros provou que além do povo gaúcho ser muito hospitaleiro também podem realizar um torneio a nível mundial.

A cachoeirense Joellen Soares foi ao jogo da Argentina e Nigéria pra ver de perto o maior rival. “ Não houve brigas dentro do estádio, então foi bem seguro e, acolheu todas as torcidas sem problema. Um ponto negativo foi que a comida acabou rápido durante o jogo, quando as pessoas iam comprar algo na hora do intervalo, as bancas não tinham muitas opções de vendas”, relata Joellen Soares.

A caponense Bruna Oliveira foi em todos os jogos no Beira-Rio e ficou muito surpresa com o respeito, principalmente entre gremistas e colorados. “ Foi muito legal! Com a união das torcidas, perce-beu-se que a rivalidade não existia, vi muitos gremistas e colorados, juntos se divertindo e muito alegres. Mesmo no jogo da Argentina não havia provoca-ções. Claro que não podemos dizer que não teve nada, era uma coisa ali e outra mas, não atrapalhou a felicidade e a paz

dos torcedores e não prejudicou o andar do jogo”, relembra Bruna.

Ela destacou também a importância da Copa para Porto Alegre. “ Foi um evento que deu orgulho para os gaúchos e, principalmente, para a cidade que ficou mais conhecida”, fala.

A cidade de Porto Alegre cumpriu com o papel de receber os turistas, mostrar para o mundo a sua riqueza, sua hospitalidade, seus lazares, suas comidas típicas e seus pontos turísticos.

A torcedora do In-ternacional fanática por futebol, se divertiu muito durante os jogos.” É um lugar onde diver-sas pessoas, do mundo inteiro vieram de muito longe para ver um time de futebol jogar, vieram apoiar a sua seleção e brigas zero. Eu sou sus-peita em falar sobre futebol, pois comprei ingressos para todos os jogos no estádio do meu time, amo futebol desde peque-nininha”, diz Bruna.

No futebol algumas vezes as torcidas brigam, vão parar na delegacia para prestar ocorrência, lembra Bruna, “ na Copa isso foi tranquilo. Teve paz em todo o momento e muito show no futebol dos

craques de suas seleções”.Outro ponto bem interessante é a

torcida exaltar seu país e time. Prova disso são os argentinos, muito fiéis e exaltam muito a seleção Argentina, coisa que a torcida brasileira não faz.

A Copa abriu novos horizontes para o intercâmbio. Estar com pessoas diferen-

tes é muito bom, que falam várias línguas, alemã, australiano, francês, holandês, é bem interessante. A torcedora Bruna diz, “ aprender mais do que um idioma é essen-cial para quem quer conhecer outras cul-turas e outros países. Assim como pessoas de diversas partes do mundo vêem ao Bra-sil conhecer toda essa rica e bonita cultura”, diz Bruna.

É uma ótima opor-tunidade para os jovens que querem conhecer mais do mundo, que gostam de se aventurar em um lugar diferente. É como uma troca de experiência e, que é muito válida. “ É uma sensação diferente para quem se interessar em fazer um intercâmbio. Uma chance de treinar o idioma para não fazer feio na hora”, segundo Bruna Oliveira.

ESPORTE

Uma organização que deu certoUma das

cidades sedes da Copa

do Mundo, Porto Alegre,

organizou uma festa tranquila, fazendo a alegria de

todo mundo

Bruna no estádio Beira-Rio no jogo da

França x Honduras no dia 15 de junho

Foi um evento que deu orgulho para os gaúchos e, principalmente, para a cidade que ficou mais conhecida.”BRUNA OLIVEIRAESTUDANTE DA UNISINOS

ARQUIVO PESSOAL

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Novembro/2014BABÉLIA

ENSAIO

Os imensos pavilhões do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, continuam firmes, exibin-

do seus 130 anos de idade. Foi a Princesa Isabel quem assinou o ofí-cio de inauguração, que aconteceu em 29 de junho de 1884. No sexto mês de vida, a instituição contava com 72 internos. O auge chegou na década de 60, quando mais de 5 mil pacientes recebiam tratamento no local. A escultura de São Pedro, pa-droeiro do hospital, hoje anda mais solitária, contemplando apenas 183 usuários que ainda residem por ali. Esse vazio foi captado pelas lentes da aluna do Curso de Fotografia da Unisinos Luana Farias. As imagens foram originalmente produzidas para a reportagem especial desta edição do Babélia (páginas 4 e 5). Confira aqui um pouco mais do Hospital São Pedro.

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BABÉLIAS Ã O L E O P O L D O ( R S ) / N O V E M B R O D E 2 0 1 4 / E D I Ç Ã O 2 2

ENSAIO

Já pensou, em plena Rua da Praia, em Porto Alegre, uma banda tocando som calminho? Pois a Som Central, banda independente, vai lá as segundas, quartas e sextas, e faz as pessoas pararem no meio daquela muvuca para ouvirem letras que falam de inclusão social, com melodias calmas.

Transeuntes até dançam ao som de Bob Marley! Confira as fotos do ensaio de Martina Silveira, graduanda do Curso de Fotografia da Unisinos.

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S Ã O L E O P O L D O ( R S ) / N O V E M B R O D E 2 0 1 4 / E N C A R T E D A E D I Ç Ã O 2 2 D O J O R N A L B A B É L I A

CULTURACADERNO DE

Estado ganha festival em celebração à cultura cervejeira

Lançado no final de setembro, em Santa Cruz do Sul, Festival da Cerveja Gaúcha apresenta novidades de rótulos de dezenas de microcervejarias. Página 3

Produção de cervejas artesanais em plena aceleração Aumento do poder aquisitivo do gaúcho e do lucro das cervejarias favorece a ampliação de novos rótulos no Estado, que conta com cerca de 50 empresas do setor. Página 2

Projeto de rap modifica cultura musical de Gravataí Com frequência mensal, Rap na Praça reúne grupos interessados em divulgar músicas e arrecadar doações para instituições carentes da cidade. Página 4

Lurdenir Matos

No transporte público, centenas de pessoas se acomodam nos bancos e nos cantos, prontas para viajar. Colocando fones

de ouvido, elas se preparam para outra viagem. Com os livros em mãos, seja no ultrapassado papel ou no badalado tablet, elas passam o tempo vivendo a história daqueles personagens.

Os cinemas acompanham o fenômeno em torno dos livros. As bilheterias estão cheias de adaptações dos best sellers. Os fãs cobram fidelidade com a história escrita e resmungam quando a cena favorita não está no telão. A mesma expectativa que rodeia o fã que lê avidamente rodeia o autor que escreveu uma história.

Não é fácil fazer sucesso. Por trás das obras estão noites mal dormidas, expecta-tivas e sonhos. O processo da escrita pode ser natural e rápido, ou difícil e arrastado. Mas o autor sempre espera, com a mesma expectativa dos fãs na fila de cinema, ver suas obras nas prateleiras das livrarias ou nas listas de ebooks. A cada dia aparecem novos escritores. Eles estão ávidos por co-locar ideias no papel e compartilhá-las com os leitores que estão sempre em busca de novos enredos.

Desde sempreAos 23 anos, Luisa Geisler lançou este

ano o terceiro livro, intitulado Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente. A escritora já venceu dois prêmios Sesc de Literatura. Um em 2010, na categorias contos, com o livro Contos de Mentira. O segundo prêmio veio em 2011, quando ganhou na categoria romance com a obra Quiçá, que também foi finalista do prêmio Jabuti. Em 2013, ela foi homenageada na Feira do Livro de Canoas, sua cidade natal.

O desejo de escrever foi tão natural que Luisa nem sabe explicar quando surgiu, mas ela sempre foi incentivada pela família e pelos professores. Foi aos 18 anos, durante uma Oficina de Criação Literária, com o escritor Luis Antônio de Assis Brasil, na PUCRS, que as brincadeiras de infância tomaram forma. No curso ela soube do

prêmio Sesc e publicou seu primeiro livro, Contos de Mentira.

Apesar das dificuldades para conciliar o curso de Relações Internacionais com a escrita, ela jamais pensou em desistir. Es-creve no trem, entre as viagens que precisa fazer de casa até a faculdade. O barulho e as conversas não atrapalham. Pelo contrário, servem de inspiração. Quanto a ser jovem no meio da literatura, Luisa tenta ignorar os preconceitos, que são sutis, mas percep-tíveis. “Eu sei que é a primeira coisa que chama atenção, no fim, isso vai passar, eu vou envelhecer e tudo vai ficar bem”, diz.

Estar entre os 20 melhores jovens es-critores brasileiros da conceituada revista inglesa Granta, é uma “pressão gratificante” nas palavras dela. No entanto, ela acredita que estar na lista só aumenta a força do seu trabalho. “É necessário ter uma produção estável, que se sustente. A Granta fez a promessa, agora cabe a mim estar apta a isso”, completa.

Produção independenteSurgida em 2009, a Startup Clube de

Autores facilita o processo de quem deseja lançar um livro. Essa opção não tem tiragem mínima, e a obra é confeccionada conforme a demanda. O livro fica sob total responsabi-lidade do autor. A empresa, porém, oferece trabalhos de revisão, edição e diagramação

com custo negociado por pacotes. Para lançar a obra, basta disponibilizá-la no site e definir o valor que deseja ganhar por cada exemplar. A clube de autores calcula e define o preço final do livro.

Foi através da empresa que Francine Locks, 20 anos, conseguiu lançar o pri-meiro livro, Reviver. Foram oito meses de trabalho, entre a produção e a finalização. A escritora pagou pela revisão e edição, para evitar erros que passam despercebidos pelo autor. “Nenhuma palavra descreverá o que eu senti quando vi meu livro impresso pela primeira vez”, conta. Ela agora se dedica à produção de mais duas obras e espera conseguir parceria com alguma editora.

Paula Oliveira, 21 anos, também op-tou pelo lançamento independente da obra Essencial. Apesar das dificuldades, principalmente para revisar e editar todo o material, a escritora jamais pensou em desistir. Paula se apaixonou tanto pela escrita que pretende conseguir se dedicar exclusivamente à profissão. “Hoje, meu sonho é ter meu livro físico, percorrendo o mundo! Batalho todos os dias, para que isso aconteça”, diz.

Os novos nomes da literaturaCada vez

mais, jovens conseguem

lançar livros, seja de forma independente

ou por meio de parcerias com

editoras

Luisa Geisler (à esq.) aos poucos consolida a carreira de escritora. À direita, Francine Locks, que atualmente busca parceria com editoras

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

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Carolina Teixeira Lima

A popularização da cerveja artesanal tem crescido no Estado. Alguns defendem que é por conta do aumento do poder aquisitivo da

população. Outros pela questão de que a produção industrial da bebida segue uma lógica de consumo que viabiliza o lucro, deixando de lado a qualidade. Não se sabe ao certo como explicar. A certeza é que no Brasil já existem 250 microempresas de cervejas artesanais registradas, 50 delas no Rio Grande do Sul, sendo que sete estão no bairro Anchieta, em Porto Alegre. As perspectivas são de que esse mercado ‘alternativo’ só cresça.

Segundo a Associação Brasilei-ra da Indústria de Cerveja, CervBrasil, o país é o terceiro maior distribuidor no mundo, produ-zindo cerca de 13 bilhões de litros que abastecem mais de um milhão de pon-tos de venda. Esti-ma-se que 5% dessa indústria seja for-mada pelas micro-

empresas do líquido feito de forma artesanal. Roger Klafke, formado em Administração e coordenador estadual de carteira de projetos coletivos do Sebrae/RS, defende que o mercado, apesar de ter crescido nos últimos anos, ainda é novo e que não existem muitas pesquisas e números sobre esta área da indústria. “A própria nomenclatura ainda é confusa, pois se fala em cerveja artesanal, cerveja premium, entre outros termos”, afirma.

Dois lados de um mesmo hobbie

Vinicius Rodrigues é empresário e leva a fabricação de cerveja como hobbie. Teve conhecimento das pos-sibilidades de preparar seu próprio “líquido sagrado” pela internet, viu vídeos e pesquisou sobre o assunto. Para se aperfeiçoar, fez um curso na WE Consultoria. Na visão dele, a grande indústria da área atrapalha os investi-mentos futuros. “Os custos são altos, e a concorrência com as empresas grandes do setor complica”, afirma.

Pensando diferente, o engenheiro Humberto Frohlich fundou a Cervejaria Babel. A vontade de fazer cerveja arte-sanal surgiu após sua viagem de férias para a Alemanha. “Eu vi muita variedade da bebida lá e me questionei do porquê de não fazíamos aqui também”, conta. Começou a produção artesanal por lazer e a vontade de investir no comércio veio do antigo sonho de ter seu próprio ne-gócio. “Por que meu hobbie não poderia virar fonte de renda?”, questiona.

O primeiro lote da Babel foi produzi-do em novembro de 2013 e desde então tem crescido. Hoje a média é de oito mil litros por mês. O desafio no momento para a Cervejaria Babel, que faz parte do Polo Anchieta, é encontrar clientes. Existem alguns aspectos que limitam a venda do produto em grande escala.

Acredita-se que o principal motivo do crescimento da popularização das cervejas artesanais vem devido à procura por uma bebida mais diferenciada e com mais qualidade. “Tem mais sabor, tu aca-bas tomando menos”, defende Luiz Della Méa, técnico em Segurança do Trânsito e Mobilidade Urbana, e degustador da iguaria nas horas vagas. Ele aponta que a produção artesanal é mais encorpada e

que vale a pena pagar mais caro por uma qualidade melhor. “Depois que você bebe a cerveja artesanal, você até bebe as ou-tras, mas não é mais a mesma coisa”, diz.

Para se fazer o popular “suco de cevada” são necessários quatro ingre-dientes básicos: o malte (derivado da cevada), a água, o lúpulo e a levedura (fermento), produtos que muitas ve-zes são importados de outros países. O técnico cervejeiro Clóvis Fink explica que as principais matérias-primas não podem ser produzidas no Brasil por conta da temperatura e o custo para trazê-las são altos, fazendo com que as grandes indústrias de cerveja utilizem outro tipo de produto para a fabricação. “O malte pode ser substituído por milho”, explica. O que acaba deixando a bebida mais barata, ao mesmo tempo que mais aguada e pouco encorpada.

O consumo de cervejas artesanais

tem crescido, e a fabricação caseira delas

também

CAROLINA TEIXEIRA LIMA

Por que meu hobbie não poderia virar fonte de renda?”HUMBERTO FROHLICHDONO DA CERVEJARIA BABEL

O primeiro lote da Babel foi feito em novembro de 2013 e hoje tem produção média de oito mil litros por mês

Cerveja viva

A tendência gaúcha é por cervejas não pasteurizadas. Os cervejeiros defendem que a pasteurização modifica o gosto do produto. Isso pode ser um empecilho na venda, pois a bebida deve estar sempre refrigerada para não estragar. Não existe a possibilidade de deixá-la nas prateleiras, fora do gelo, dos supermercados, porque pode perder o gosto inicial. Além disso, tem um tempo para consumo. “Funciona como um organismo vivo, o frio faz com que ela durma”, explica o técnico cervejeiro Clóvis Fink, querendo dizer que a baixa temperatura estabiliza o processo.

Mistérios da cevada

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Victoria Silva

A partir deste ano, o dia 20 de setembro passa a ter um novo significado para os gaúchos, ao menos aos cervejeiros.

A data, que marca o início oficial da Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, foi escolhida para celebrar a cultura cervejeira sul-rio-grandense. E Santa Cruz do Sul foi eleita palco do 1º Festival da Cerveja Gaúcha.

Nos dias 19 e 20 de setembro não houve conflito nem piquete. O pavilhão 2 do Parque da Oktoberfest foi, aos poucos, tomado por visitantes, curiosos, entusiastas e profissionais do universo cervejeiro, que reuniram-se para pres-tigiar o primeiro festival do segmento no Estado. O evento contou com shows, participação de microcervejarias, opções gastronômicas, expositores de insumos e a participação da Acerva – Associação Gaúcha de Cerveja – e da Cervale – Cer-vejeiros do Vale do Rio Pardo.

A ideia de fazer um festival que difun-disse e fomentasse a indústria cervejeira gaúcha não é recente. Há pelo menos dois anos a possibilidade era discutida pelos amigos Leo Sewald, Leonardo Gar-bin, Rodrigo Yung e Milena Gerhardt, das cervejarias Seasons e Heilige, res-pectivamente. As parcerias feitas entre as duas cervejarias em outros festivais, além das cervejas produzidas em con-junto, foram aproximando o grupo, e o projeto foi sendo amadurecido. Segun-do Leo Sewald, a decisão de optar por pessoas ligadas ao universo cervejeiro, que fossem próximas deles, foi decisiva para tornar o evento possível.

“Ao invés de contratar uma produ-

tora que a gente conhece, e nunca ouviu falar, vamos trazer essas pessoas que já são do nosso círculo de confiança, para trabalhar de perto conosco”, explica o cervejeiro. Quanto à escolha do local, não poderia ser outra: o Parque da Ok-toberfest é popular pela festa homônima que ocorre anualmente na cidade. No entanto, os organizadores queriam um festival diferenciado que, ao contrário da festa germânica, difundisse o conceito do “beba devagar, beba melhor”.

Apesar de, para muitos, parecer novi-dade, o Rio Grande do Sul é um dos estados com o maior número de microcervejarias do país, junto de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás. Para se ter uma ideia, só em solo gaúcho há mais de 50 microcervejarias fermentando a cena local. Representando esse número, no festi-val, 26 microcervejarias atraíram a atenção e o paladar dos visitantes, com 120 rótulos disponíveis para degustação. Durante a festa, destacou-se a diversidade de cervejas. Os amigos Diego Valadas, 32 anos, Caroline Schmidt, 28 anos, e André Mattos, 29 anos, de Caxias do Sul, não pouparam elogios. “Há vários estilos diferentes para experimentar. Normal-mente as cervejarias têm os mesmos rótulos nos festivais... Aqui tem pra todos os gostos!”, anima-se Diego.

Além da variedade de rótulos, as

cervejarias aproveitaram o momento para divulgar lançamentos. A Lake Side, de Passo Fundo, divulgou sua cerve-ja homônima, primeira sem glúten do Brasil. A cerveja atende à demanda do público portador da doença celíaca, que no país já está em 2 milhões, segundo a Acelbra – Associação dos Celíacos do Brasil. Marcelo Teochi, gestor da Lake Side Beer e da Cervejaria Farrapos – dona da marca Lake Side – afirma que a produção também posiciona a Lake

Side em um mercado de produtos mais saudá-veis. “A gente não pega só o cara cervejeiro, a gente tá entrando em outro mercado, que é o do cara mais natural”, constata Teochi, já que a substância também é evitada por aqueles que querem uma dieta mais equilibrada, ou que de-sejam emagrecer.

Segundo o organi-zador e cervejeiro Leo Sewald, na próxima edi-ção se espera “um even-to ainda maior, com

mais bandas, mais opções gastronômicas e mais cervejarias!”. O organizador ainda levanta a possibilidade de aumentar em mais um dia a festa. Independente das proporções que tomará, o Festival da Cerveja Gaúcha, com certeza, entrará para a agenda dos eventos anuais do Estado. Um evento para movimentar não só a economia, mas também a cultura do “beba menos, beba melhor”, que cresce cada vez mais. Um brinde e sirvam as cervejas de modelo a toda Terra!

Fermentando a cena cervejeiraCerca de 3

mil pessoas reuniram-se para

prestigiar as cervejas do Rio Grande do Sul

VICTORIA SILVA

O Festival da Cerveja Gaúcha, com certeza, entrará para a agenda dos eventos anuais do Estado”LEONARDO SEWALDORGANIZADOR DO FCG

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O festival contou com

shows de bandas do

Estado, como a Irish Fellas

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Paola Cunha

Nos últimos seis meses, as ruas de Gravataí ganharam trilha sonora. O Rap na Praça - evento com manifestações da cultura de rua

-, surgiu com a iniciativa de jovens rappers da cidade que queriam apresentar o discurso atrelado às rimas, poesia e beatbox.

O evento ocorre uma vez por mês, na Praça do Tuiuti, no bairro Bonsucesso. O projeto foi o atalho que os grupos de garotos encontraram para divulgar as suas músicas, em prol de uma boa causa. Diante dos pro-blemas de infraestrutura, segurança e saúde, os grupos fizeram do rap um compromisso para arrecadar doações para instituições carentes da cidade.

Gravataí é tema constante nos versos do grupo Inseert, formado por Rafael Matos, 19 anos, Chris Lanes, 17 anos, e Emerson Borges, 19 anos. O peso que o gênero musical carrega nas letras é o reflexo das experiências vivi-das tanto por quem o faz e tanto por quem o aprecia e se identifica com a realidade. “Cantamos aquilo que a gente vê nas ruas, o que a gente vive, passamos isso para a folha e fazemos as nossas músicas”, explica Rafael.

O palco é improvisado. Há caixas de sons ao ar livre e microfones emprestados. Tudo é organizado pelos próprios rappers, MC’s e amigos que apoiam o projeto. Para Anna Carolina Bertini, 14 anos, o evento é uma boa opção de lazer para quem gosta do gênero musical. “Eu adoro vir até a praça, encontrar os meus amigos, ajudar as pessoas e ainda ouvir música”, conta a adolescente.

Os shows ocorrem nas bordas do bowl,

que recebe mais de 10 grupos. Além de apre-sentações de dança freestyle, há prática de skate, bike, slackline e grafite. A estudante de Turismo Karine Melchiors, 22 anos, é quem solicita a autorização da Secretaria de Plane-jamento e Urbanismo da cidade para que o local esteja liberado para o encontro. “Sempre teve rap na cidade, mas o pessoal da antiga não incentivava, não chamava a galera”, diz.

Segundo Karine, o projeto só existe pela iniciativa dos próprios grupos. O evento não tem fins lucrativos e tem a função de divulgar e propagar os grupos da cidade e ajudar pessoas de comunidades carentes. “Eu fico muito feliz dessa atitude juntar toda a gale-ra e ajudar quem precisa”, declara Karine.

Não é de hoje que os grupos tentam ganhar espaço no cenário cultu-ral. Há dois anos, o Inse-ert busca na música uma forma de se expressar e desenvolver o gênero musical. O trio se formou a partir da idealiza-ção de Rafa, que convidou Chris e Emerson para fazer um som juntos. Com letras que fazem críticas, questionamentos e revela as cicatrizes da própria cidade à mercê da im-punidade. “A cena do rap em Gravataí está começando a ficar mais forte, porque antes cada grupo fazia o som para somar apenas na sua quebrada”, explica Lanes, que acredita que agora, o objetivo é intensificar e trazê-lo

para dentro da cidade. No âmbito nacional, Racionais MC’s, Sa-

botage e RZO são as grandes influências dos garotos. “Hoje o rap está mais underground, mas tem muita gente que representa suas raízes”, conta Rafa. Grupos como La Trupe, NHC, Projeto Eztinto, LC, Diegudang, todos de Gravataí, marcam presença desde a pri-meira edição.

A ação de criar um evento, a partir de uma cultura de rua com origem nos guetos da Jamaica, em 1960, demonstra que a juventude pode enga-jar-se em algo para um bem maior e ao mesmo tempo fazer o que gosta. É inevitável não comparar a forma como é realizado o Rap na Praça com a impro-visação dos versos feitos pelos garotos.

A maior barreira que o movimento enfrenta é a dificuldade da sociedade em enxergar o que o gê-

nero musical retrata na cultura. O vestuário, os gestos e as gírias são vistos como uma transgressão a uma classe que se diz supe-rior e conservadora. Para a comunidade, o rap representa a própria comunidade, os moradores, o dia a dia de quem luta por si e pelo próximo. O som que foi trilha sonora dos becos dos bairros mais perigosos da Jamaica, e que depois migrou para os Estados Unidos onde a comercialização é forte, hoje, é a trilha sonora das casas, ruas e praças de Gravataí.

Projeto de rap promove cultura aos moradores de Gravataí

Jovens promessas do

rap estimulam atitude de rua

e beneficiam comunidades

carentes do município

MALÍBIA BIER

Grupo Inseert faz do rap um compromisso

Cantamos aquilo que a gente vê nas ruas, o que a gente vive, passamos isso para a folha e fazemos as nossas músicas”RAFAEL MATOSRAPPER

InseertO nome do grupo vem da palavra em inglês insert, que na tradução significa inserir. “Nós colocamos um ‘e’ a mais para diferenciar, mas é isso que queremos passar, inserir conteúdo”, explica Rafa.

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Amanda Oliveira

A saga da família Corleone surgiu primeiro em 1969, no livro “The Godfather”, de Mario Puzo. Os longas

foram lançados, respectivamente, em 1972, 1974 e 1990. Mais de 40 anos depois, o filme que popularizou a máfia e que é considerado um dos primeiros blockbusters da história do cinema continua atraente a ponto de agradar até mesmo algumas pessoas que nasceram muito tempo depois de sua estreia.

A história foi citada em várias peças de teatro, filmes e seriados de TV. Até os gângsteres reais gostam de brincar de “O Poderoso Chefão”. No livro “Gomorra: A História Real de um Jornalista Infiltrado na Vio-lenta Máfia Napolitana”, o jornalista italiano Roberto Saviano conta que os mafiosos napolitanos utilizavam o termo compare – traduzindo para o português, compadre. Porém, depois do filme, o termo foi substituído por padrinho. Ele cita também o caso de um chefão que passou a levantar o queixo quando fotografado, como Vito Corleone fazia.

Além disso, existem à venda inú-meros produtos que fazem referência à trilogia. DVDS, Blu-rays, camisetas, canecas, videogames, além dos kits para colecionadores com álbuns de fotos, histórias sobre os bastidores das gravações e compilação de en-trevistas.

Para Hugo Gualberto da Silva Filho de 21 anos, administrador da página do Facebook “Conselhos do Poderoso Chefão” e repórter do ca-nal esportivo Esporte Interativo, o atrativo dos filmes são a qualidade do roteiro e a sua fidelidade ao li-

vro. “Acho que o filme foi muito bem-feito e é extremamente fiel à obra de Mario Puzo”, conta.

A máfia sempre foi um tema que interessou a jornalista Fernanda Vaz, de 27 anos. Ela já leu vários livros sobre o assunto e o fato de a obra de Mario Puzo ter ganhado destaque cha-mou a sua atenção. “Já assisti diversas vezes, não sei dizer quantas. Os livros eu li duas vezes cada um deles. Já li ou-

tros livros do Mario Puzo também, e há pouco comprei outro, baseado na trilogia, que explica o início dos ne-gócios da família”, conta empolgada.

Se atualmente “O Poderoso Che-fão” é um filme adorado, na época de sua produção a situação era ou-tra. O diretor do longa, Francis Ford Coppola, não era um nome muito

conhecido no meio e suas brigas com os produtores tumultuavam o set de filmagem. Para piorar a situação, houve a perseguição da máfia real. Joseph Colombo, líder da família criminosa Colombo, declarou guer-ra ao filme e fez inúmeras ameaças e atentados às gravações. Através da Liga Ítalo-americana de Direitos Civis”, alegou que estava cansado de ver os italianos retratados como bandidos cruéis. Porém, o objetivo real era incomodar o governo por causa dos altos impostos que lhe eram cobrados, e o filme foi utilizado como desculpa. O estúdio convocou uma reunião com Colombo e as gravações puderam continuar com a condição que a palavra “máfia” não aparecesse nem uma vez no script.

Mesmo com todas as dificuldades, os três longas entraram para a Histó-ria, fazendo com que qualquer filme sobre o assunto tenha que lidar com as comparações. A saga dos Corleone, portanto, não é novidade há muito tempo. E não é exibida frequente-mente na TV fechada, muito menos na aberta – até porque os três filmes são compridos. Além disso, não se encontra disponível para locação em qualquer locadora. Então, qual é

o grande diferencial de “O Poderoso Chefão”?

Para Charles Schumacher, aten-dente na locadora E O Vídeo Levou, de Porto Alegre, “O Poderoso Chefão” é o ícone dos filmes de máfia. “O fil-me causou uma revolução em 1972, tanto pela superprodução quanto pela violência. E também por ser o primeiro filme a retratar com maior proximidade o que foi a máfia ítalo--americana”, explica.

Patrícia Simone de Araújo Santos é psicóloga e escreve em seu blog, Psicologia e Cinema, sobre a relação entre os filmes e a psicologia. Para ela, o tema gera uma curiosidade em relação ao poder que a máfia pos-sui. “Como alternativa sócio-política demonstra regras particulares que desafiam o poder circundante, rom-pendo leis e exibindo sua própria lei: do mais forte, do dinheiro, da família que protege”, conclui.

A trilogia “O Poderoso Chefão” é um grande clássico do cinema cuja trama continua interessante. Se você ainda não assistiu, eu tenho uma proposta que você não poderá re-cusar. Deixe-se levar pela história dos Corleone e aprenda com seus acertos e erros.

Inovador e clássicoComo “O Poderoso Chefão”

influenciou o cinema, a cultura

contemporânea e até a

máfia real

MYCHELLE FRAZÃO / ARQUIVO PESSOAL

O fã Hugo exibe orgulhoso a sua pequena coleção

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O filme causou uma revolução em 1972, tanto pela superprodução quanto pela violência”CHARLES SCHUMACHERATENDENTE DE LOCADORA

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Bárbara Bengua

De segunda a sábado, o dono da Estação Laser, Jacó Bernardo Wolff, 55 anos, dirige-se à Rua João Corrêa, 815, Centro, para

levantar as grades da sua loja de CDs e DVDs. Líder de vendas, o estilo pop/rock é o mais procurado pela clientela jovem e rende bons negócios para Wolff. Mas nada disso se compara aos resultados que aconteciam há 10 anos. “O mercado caiu 60% nos últimos anos”, lamenta o proprietário, que já possui alguns cabelos brancos. No entanto, a queda nas vendas de CDs no Brasil, comprovada por pesquisa da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), nada reflete no consumo de música dos jovens.

As formas são outras, mas ninguém deixa de curtir um som. A principal responsável por essa mudança é a própria indústria mu-sical, que passa por grande reorganização. Mas isso não é ruim: o disco de vinil foi substituído pela fita K-7, que cedeu lugar para os CDs, que, atualmente, perdem es-paço para as músicas digitais e os serviços de streaming. Hoje não é mais preciso ter um único aparelho para ouvir música: os smartphones armazenam todas as mídias. “O principal modelo de negócio foi deses-tabilizado por novas práticas de consumo decorrentes de novas tecnologias como o streaming, compactação e compartilhamento de arquivos on-line”, explica a psicóloga e doutora em Comunicação Gisela Castro. “Ouvir música continua em alta, mas hoje se faz isso de muitos modos. Atualmente, o MP3 está em desuso, mas até a televisão a cabo tem canais só de música”, resume, lembrando que a digitalização de conteúdo diminuiu a distância entre a produção e o consumidor, possibilitando novas formas de consumo.

E esse é um caminho sem volta. Segundo o músico João Paulo Sefrin, a internet não é um modismo. “Tudo indica que ela vai se alastrar e crescer com ajustes necessários. Em vez de se tentar combater esse recurso, deve-se buscar organizar, formalizar e intensificar o uso”, corrobora.

Opções de acesso não faltam. Músicas di-gitais, lojas on-line, download ilegal e serviços de streaming estão entre os preferidos. Este último, novidade no Brasil, atrai curiosos por novidades. O estudante de Direito Henrique Jorge, 23 anos, baixou, há menos de seis me-ses, o Spotify – aplicativo que possui cerca de 30 mi-lhões de músicas –, e não vive mais sem. O rapaz, de olhos e cabelos castanhos, com sorriso largo no ros-to, não abre mão, nem um dia, de ouvir seus artistas preferidos através do app, e confessa que se sente no paraíso desde que baixou a versão paga. “Consigo des-cobrir novos artistas, tenho tudo organizado e posso compartilhar com amigos as músicas que gosto”, co-memora. Além dele, milha-res de brasileiros aderiram à ideia: segundo a ABPD, o mercado de música digital em 2012 chegou a 28,37% do consumo nacional (em 2011, eram 16%). Para Jorge, essa forma de ouvir um som caiu como uma luva: ele também toca guitarra, violão e gaita de boca, e os instrumentos, alinhados em seu quarto, revelam que a música faz parte de sua rotina. “A musicalidade reflete de diversas formas no meu cotidiano, seja para adquirir cultura ou para descontração”, revela.

Blues, rock e jazz estão entre os estilos

preferidos do estudante. Mas ele não é o único. Michel Pozzebon, 31 anos, jornalista, blogueiro de música e redator em site de som eletrônico, também adora esses estilos, mas inclui uma velha MPB. O seu iPod Classic branco, que nem é mais fabricado pela Apple, ocupa o posto de dispositivo que mais gosta de utilizar. Nele, estão músicas que foram baixadas pela internet: algumas compradas e outras baixa-das ilegalmente. Passando pelas playlists que criou, o jornalista opina: “Uma das vantagens em baixar músicas é a variedade. É fácil de encontrar novidades e raridades. Além disso,

alguns sites disponibili-zam a pré-venda antes das lojas”, defende. A sua postura vem de encontro ao comportamento de di-versos jovens do Brasil: dados da ABDP mostram que, das vendas digitais, 21,3% do total foram por downloads; 25,3% por assinaturas de serviços de streaming; 27,4% por streaming de vídeos mu-sicais remunerados por publicidade; e 26% por música ouvida no ce-lular. Sobre a polêmica

de baixar músicas ilegalmente, Pozzebon é categórico: “Baixo e seguirei assim até que as gravadoras resolvam ser mais justas e honestas nos preços. Quem ganha dinheiro são as gravadoras, não os artistas”, ressalta.

Quem explica essas formas de consumo na esfera musical é o músico e coordenador do curso de Produção Fonográfica da Unisi-nos, Frank Jorge. “O público jovem pratica-mente não busca mais músicas nas rádios convencionais. O pessoal aderiu fortemente ao streaming e às rádios temáticas”, resume. Segundo ele, isso afeta o meio da música de forma positiva. “Assim, todas as classes sociais têm acesso amplo à informação, aos recursos e ferramentas para consolidação e difusão da música”, sublinha, ressaltando que não há como lutar com os novos paradigmas, já que estudos revelam que as vendas de músicas on-line devem superar a venda por meio físico até 2017.

Mas enganam-se as pessoas que pensam que os CDs estão com os dias contados. O estudante de Comércio Exterior Lucas Fon-tanari, 20 anos, é a prova de que não há nada comparável a pegar o CD na mão. “Quando gosto muito de uma banda, sempre compro o CD. Às vezes, é só para ter no meu acervo mesmo”, resume, mexendo na capa de papel de um de seus CDs preferidos. Mas Fontanari não abriu mão de baixar músicas ilegalmente e, eventualmente, fazer download pago para ouvir músicas em seu celular.

O Brasil é um grande consumidor de música, e isso é inegável. Seja no toca-discos ou no celular, o importante é ouvir o que se gosta. A música é uma forma de arte que se-gue presente na vida das pessoas. Sobre seus benefícios, Frank Jorge, o cantor do clássico gaúcho “Amigo Punk”, resume: “Ela permite que as pessoas saiam do lugar onde estão e projetem a vida em um mundo diferente”.

Transcendental até no formatoDo download ao streaming, as inovações tecnológicas

ganham espaço entre os

jovens

Jacó, dono de loja de CDs, lamenta a baixa procura, mas persiste

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O pessoal praticamente não busca mais as músicas nas rádios convencionais”FRANK JORGEMÚSICO E PROFESSOR

SOFIA WOLFF

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Amanda Mendonça Moura

Em Porto Alegre, no Viaduto Otá-vio Rocha, sob a Av. Borges de Medeiros, no Passeio Inverno, número 915, encontra-se o pré-

dio sede da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), a casa da história do jornalismo ou a “casa do futuro do jornalismo”, como prefere chamar o presidente Batista Filho.

As liberdades de expressão e im-prensa sempre foram motivos de luta e pautas de debate para profissionais da comunicação e, em seus 79 anos de atividades, a ARI trabalhou na linha de frente em defesa por estes direitos. Cria-da em 1935 por um grupo de jornalistas e intelectuais, a associação consolidou-se como a mais antiga instituição ligada à comunicação e deu origem a outros sin-dicatos no Estado. Surge com a proposta de integrar profissionais em atividade e, diferentemente de um sindicato, con-gregando também os empregadores, realizando a mediação entra o capital e o trabalho.

A instituição passou por duas grandes ditaduras, o Estado Novo e o Período Militar, o que, segundo o diretor cultural, Antônio Goulart, “serviu para estimular ainda mais o espírito de doação dos seus integrantes e da sua diretoria”. Durante os regimes autoritários, teve importante atuação política na defesa dos profissionais que foram detidos e sofreram torturas, procurando retirá-los das prisões e de delegacias para investi-gações. Para o presidente Batista Filho, a ARI agiu politicamente e contundente. “A sua atuação nos anos de chumbo foi de defesa intransigente do direito de

pensar e de opinar, não apenas de seus profissionais mas de todas as pessoas”, destaca ele.

Em quase 80 anos, a associação con-quistou mudanças para a profissão e passou por diversas fases que acarretam na mudança da sua forma de atuar e a sua inserção na sociedade. Antes, ela defendia os direitos de seus associados e, hoje, o direito da cidadania. “Fomos durante muito tempo uma entidade de classe, protegendo associados dos ar-roubos ditatoriais; Hoje precisamos proteger os seus associados como cidadãos de uma so-ciedade que clama por reformas e mudanças”, frisa Batista sobre as modificações no exer-cício da instituição.

O Dia da Imprensa brasileira

Comemorado no dia 10 de setembro, o dia da imprensa foi instituído pelo início da circula-ção do jornal Gazeta do Rio de Janeiro, perió-dico da imprensa régia. Graças a uma iniciativa da ARI, o nome do jornalista Hipólito José da Costa foi proposto como o “Patrono da Imprensa no Brasil”.

Em 1° de janeiro de 1808, Hipólito foi responsável pela publicação do primeiro jornal brasileiro, o Correio Brazilien-se, três meses antes do surgimento da Gazeta do Rio de Janeiro. O jornal era editado em Londres devido a proibição da Censura Régia de circularem impressos de oposição. Surgido na representação

estadual da ARI, o dia da imprensa foi sancionado pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em 1999, no dia 1° de junho.

O Museu Hipólito da Costa, na Ca-pital, também foi uma iniciativa abraça-da pela entidade. “Até então os jornais eram jogados pelos cantos, por várias repartições do estado haviam montes e pilhas de jornais”, relembra o vice-dire-tor de cultura, Ayres Cerutti. A partir da criação do museu, exemplares do

Correio Braziliense e de outros jornais passaram a ser centralizados lá. “A ARI sempre esteve ao lado das iniciativas que surgiram em defesa da profissão e do nosso acervo também”, desta-ca Ayres.

A modernização da ARI

Há 56 anos, a ARI realiza o evento que já premiou mais de dois mil trabalhos de jorna-listas, o Prêmio ARI. A associação, que comple-

ta 80 anos em 2015, prepara uma série de modificações para deixar o concurso mais atrativo e informatizado. Uma delas é dar agilidade ao processo de inscrições e avaliações com a implantação de um sistema online.

Além disso, uma preocupação per-manente dos integrantes é o acesso das universidades e novos associados. “Pre-cisamos abrir espaços para que os novos entendam que esta é uma instituição preocupada com o nível de bem-estar da cidadania”, explica Batista. Para o presidente, é o compromisso da ARI criar, sugerir e por em prática mecanismos para que jovens que deixam faculdade descubram a ARI e façam dela sua ter-ceira casa. A segunda a universidade e a terceira a associação.

As lutas da imprensa gaúchaAssociação

Riograndense de Imprensa completa 80

anos em 2015 e se preocupa em continuar

a luta pela liberdade de

expressão e de imprensa

NATALIA MENTZ

Fomos durante muito tempo uma entidade de classe, protegendo associados dos arroubos ditatoriais”JOÃO BATISTA DE MELO FILHOPRESIDENTE DA ARI

Fachada do prédio que pertence à ARI, na Avenida Borges de Medeiros

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Maiara Rybar

Dentre as diversas culturas, a gaúcha é uma das mais ex-pressivas. Na indumentária, há um amplo vocabulário, que

com o passar dos anos foi se adaptando conforme a necessidade das meninas ou gurias. Antigamente, as mulheres de classes superiores usavam leques, sombrinha e vestidos aveludados, com saias de armação, tudo com muito luxo e babados. As mais humildes e de galpões usavam blusas mais simples e saias sem muito glamour. Para identificar o estado civil, os rapazes olhavam a forma como estava o cabelo, gurias que usavam cabe-los presos eram casadas, e teriam assim que serem tratadas com respeito, as que usavam cabelos soltos eram as solteiras, ou seja, poderiam ser cortejadas.

E quem acha que as coisas mudaram, engana-se. O Movimento Tradicionalista Gaúcho, (MTG), serve para manter as tradições vivas. O movimento que co-ordena os CTGs faz com que os mesmos mantenham as origens de acordo como foram criadas. O 35 CTG é o mais antigo do Estado, e a campeira, que é a parte que trata dos cavalos, é frequentada tanto por mulheres quanto por homens. Karen Patcher está no meio tradicionalista há mais de três anos e conta que para se manter no CTG, é necessário obede-cer algumas regras. Blusas decotadas e transparentes são proibidas.

Marilza Martins, há mais de 20 anos em centros culturais, diz que no seu tempo as coisas eram muito diferentes, usavam vestidos e flores nos cabelos. Ela acredita que a evolução referente às bombachas se

deu para facilitar os trabalhos realizados no campo, ou com a lida dos cavalos, pois antes elas só ficavam na cozinha cuidando da comida. Nos dias atuais muitas montam a cavalo, e o vestido atrapalha o manejo. Ela destaca também, que a bombacha deveria ser somente para este tipo de função, pois não abre mão de um vestido bem rodado e um penteado bonito. Márcia Campos, é a patroa do 35 CTG, e destaca: “Nos dias em que há bailes, a mulher tem de usar ves-tido, sempre em nossas reuniões peço para as me-ninas que venham ves-tidas assim, pois é uma maneira de contagiarmos o público presente e fazer com que isso se mante-nha. Isso enche nossos olhos de beleza”.

Clair Menezes e Cláudia Moreira são ava-liadoras da parte cultural e artística das provas de invernadas pela 1° re-gião tradicionalista, são participantes de CTGs há mais de 15 anos, e estão se adaptando à modernidade. Clair acredita que a bombacha é muito prática, rápida de vestir e mais confortável. Para Cláu-dia, que sempre foi criada com vestidos, é muito difícil abrir mão de um. É mais feminino, destaca. Ela diz que: “Sempre que as invernadas terminam uma apre-sentação, as meninas vão correndo trocar o vestido por bombachas, dançar com saias de armação e vestido com mangas cumpridas dá um calor muito grande, quando é inverno tudo bem, mas quando

é verão ninguém pode”.Denise Garcia tem 30 anos e desde os 15

já frequentava CTGs. Ela e a irmã Débora Garcia, 28 anos, foram influenciadas pela mãe e avó. Seus trajes sempre foram os vestidos e saias, mas, devido à paixão de andar a cavalo, as bombachas hoje predo-minam o guarda roupas das duas. Ambas acreditam ser muito importante manter

o uso do vestido, pois assim manterão as tra-dições herdadas. Denise faz como sua mãe, tenta passar ao pequeno Ma-riano de cinco anos os ensinamentos que seus antepassados.

Odete e Ademar de Carvalho trabalham no ramo gaúcho há mais de 18 anos. Eles têm uma loja na cidade de Gravataí onde as vendas têm aumenta-do muito depois que mulheres começaram a usar bombachas. Es-

tes são produtos que sempre estão em alta, dona Odete conta que: “Sempre tenho que estar repondo o estoque, os vestidos saem também, mas não com tanta frequência que as bombachas”. As saias e as camisas têm saído bastante também, acredita ser devido ao modismo usado pela apresentadora do Galpão Crioulo, Shana Muller. Muitas mulheres chegam à loja e perguntam se temos a indumentária da apresentadora, fico feliz, pois assim manteremos a nossa tradição de saias e vestidos, não vai se perder, ressalta.

Preservando o patrimônio socialA vestimenta

típica é um dos diversos legados da

cultura gaúcha

“Sempre que as invernadas terminam uma apresentação, as meninas vão correndo trocar o vestido por bombachas”CLAIR MENEZESAVALIADORA DE INVERNADAS

MAIARA RYBAR

Meninas mantendo a tradição dos vestidos,

saia rodada com bombacha por baixo

para poderem andar a cavalo

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Paola Oliveira

Grupos de amigos e casais ocupam as mesas de madeira espalhadas por todo o salão do Bar Ocidente, tradicional casa noturna localizada

na esquina das rua General João Telles com a Avenida Osvaldo Aranha, no Bairro Bom Fim, em Porto Alegre. Para um observador desavisado, pode parecer mais um happy hour após o trabalho, como tantos outros que ocorrem nos diversos bares da capital gaúcha, mas é muito mais que isso. Com 15 anos de existência completados no último mês de julho, o Sarau Elétrico é referência por convergir boemia e literatura, se tornando parte da agenda cultural fixa da cidade.

Pouco depois das 21h, os refletores se acendem, iluminando o palco improvisado no canto do salão, sobre o qual estão quatro banquinhos e microfones. Assim como a música, as conversas e risos também são interrompidos abruptamente. Todos estão prontos para ouvir literatura.

A ideia do Sarau Elétrico surgiu após uma leitura em público da obra do escritor Caio Fernando Abreu feita pela radialista Katia Suman. “Achei legal aquele clima, ver que todos estavam prestando atenção. Convidei os conhecidos para repetir. A segunda vez foi ótima, a terceira também”, recorda a criadora do evento.

Com a ajuda do professor Luís Augusto Fischer e do músico Frank Jorge, nasceu o Sarau Elétrico, cuja fórmula continua a mesma: escolher previamente um tema e ler trechos de bons livros sobre ele. É o su-ficiente. À medida que as rodadas de leitura sucedem, os ouvintes acompanham com risadas e aquiescem com a cabeça. A atenção no palquinho continua até a última palavra. Não há celulares à vista. “Ninguém resiste.

Todos precisam de histórias para viver”, resume Katia.

Literatura e diversão em um só lugar

Atualmente conduzidas por Katia Su-man, Cláudio Moreno, Claudia Tajes e Diego Grando, as leituras ganham também a voz de um convidado. Com o tema Crônicas Femininas, o Sarau do dia 23 de setembro teve a presença da psicanalista Diana Cor-so. As amigas Stella Bittencourt, 52 anos, e Adriana Coltra, 50 anos, faziam sua segunda visita ao encontro justamente por causa do assunto e da convidada.

Stella é psicóloga clí-nica. Natural do Rio de Janeiro, mora em Porto Alegre desde 98. Adriana é fisioterapeuta e já fre-quentava do Bar Ocidente nos anos 90. “Na primei-ra vez em que viemos, o assunto era tango, algo de que também nos inte-ressa. É complicado sair às terças, mas o local é de fácil acesso. Gostamos muito do ambiente”, ex-plica Adriana.

Moradora de Guaíba, a contadora Elisa Martins Rosa, 45 anos, foi ao evento pela primeira vez, por curiosidade, em 2000. A partir de 2004, Elisa transformou as noites no Sarau em um de seus momentos de lazer semanais e virou frequentadora assídua.

A contadora, que se diz uma “usurpadora da literatura”, admira muito a proposta. “As pessoas pensam que literatura é um assunto muito sério, engessado, mas aqui eles con-

seguem tornar leve, alegre e despojado”, considera Elisa, que já levou outras pessoas ao evento e acumula histórias das noites no Ocidente. “Tive momentos muito felizes aqui. Já dei risada, me emocionei e conheci pessoas que foram muito importantes na minha vida”, revela.

Amizades e aprendizadoA escritora Claudia Tajes, que assumiu

o lugar de Frank Jorge em 2006, nota que há rotatividade de pessoas conforme o tema.

Diz que gerações passa-ram pelo evento, tanto de pessoas que participam apenas uma vez por cau-sa de determinado tema, quanto daquelas que fa-zem do Sarau um progra-ma obrigatório por algum tempo. Há aqueles que, pela frequência assídua, as anfitriãs conhecem pelo nome.

Mesmo se revezando entre Porto Alegre e tra-balhos no Rio de Janeiro, Claudia faz questão de continuar participando do encontro. A convivência como os professores Cláu-

dio Moreno, que se juntou ao evento em 2000, e Luís Augusto Fischer, atualmente na França, é um dos estímulos: “Estamos sempre buscando assuntos novos e leituras interessantes para despertar a curiosidade do público”, conta.

O Sarau Elétrico também transformou sua idealizadora, Katia Suman. Para ela, par-ticipar do evento é como fazer uma espécie de pós-doutorado em literatura. “Minha vida mudou pelo conhecimento que fui adquirin-do por meio da leitura e pela convivência com os colegas”, diz ela, enfatizando o orgulho que sente por ajudar na formação de leitores.

Além da variedade de assuntos, livros e convidados que já passaram pelo evento, uma atração musical sempre encerra a pro-gramação. “O cantor Felipe Catto, hoje em São Paulo, era frequentador assíduo e tocou aqui no início da carreira”, ilustra Katia.

Para o próximo ano, um livro com as crônicas do evento está sendo produzido. “A ideia é reunir momentos importantes, como se fosse um grande Sarau reunido em livro”, antecipa a radialista. Histórias não vão faltar.

A boemia encontra a literaturaHá 15 anos na programação semanal fixa do Ocidente,

Sarau Elétrico é referência de evento cultural

EDUARDA ROCHA

É como fazer uma espécie de pós-doutorado em literatura. Minha vida mudou por meio do conhecimento.”KATIA SUMANIDEALIZADORA DO SARAU ELÉTRICO

De forma leve e descontraída, as noites de terça-feira no Ocidente incentivam a leitura

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Priscila Serpa

Aos poucos, nota-se um aglo-merado de pessoas. Cada vez vai chegando mais gente. En-tre transeuntes se forma uma

plateia. Os pés vão seguindo a batida no ritmo da música. As bocas murmuram as letras conhecidas do grande público, e o corpo se embala ao som das letras autorais. E, ao final de cada música, há aplausos e contribuições na caixinha.

Não é difícil andar pelas ruas de Porto Alegre e encontrar artistas demonstrando trabalhos. O Projeto Som Central é um deles. A positividade que a música emana é tamanha, que, em plena bagunça da Rua dos Andradas, é possível sentir momentos de paz e tranquilidade.

A banda intercala covers de Bob Mar-ley, Peninha, Chico César, entre outros com suas músicas próprias. Desta forma, atraem todo tipo de público à volta. Nem sempre realizam suas apresentações com a participação de todos os integrantes. O que determina se a banda estará completa ou não, é a disponibilidade dos músicos nos dias escolhidos para tocar sem que isso atrapalhe suas atividades profissionais.

Para André Martins, 23 anos, a sono-ridade é perfeito para aliviar a adrenalina do trabalho. “Sempre que posso dou uma passada por aqui no meu intervalo de almo-ço. Muitas vezes, sei que eles estão tocando na Andradas. Compro um salgado para comer e passo meu almoço inteiro curtindo a música dos caras,” diz Martins.

Como a rua é um espaço público onde a cultura pode e deve ser divulgada, os guris não têm um ponto exato para montar a aparelhagem. Os vendedores de pão de queijo Rosane Cândido, 41 anos, e Luis Gustavo Cândido, 29 anos, divergem nas opiniões. “Gosto da música deles,” comenta Luis. Rosane não curte muito o som da banda. “Sou evangélica, por isso não gosto das músicas deles,” diz. Ambos concordam

que, às vezes, as apresentações da Som Central atrapalham nos negócios. “Se eles montam o equipamento muito perto da gente, acabam juntando muitas pessoas em volta e acabamos tendo baixo lucro, pois perdemos a visibilidade e os consumidores preferem dar a volta pelo outro lado do que passar aqui por perto,” fala Luis. “Se eles ocupam um espaço um pouco mais afastado é melhor pra gen-te,” completa Rosane.

Não é difícil presenciar moradores de rua pedindo moedas da caixinha dos músicos devido à quan-tidade de contribuições que a banda arrecada. Eles acreditam que os mendi-gos são atraídos não só pelo fato do dinheiro, mas também pela carência que sentem e procuram não tratá-los mal.

A banda costuma se reunir também no Parque Farroupilha (Redenção), e em outros locais da Capital. Entre uma música e outra, exalam palavras de reflexão e de afeto ao próximo.

Som Central e seus integrantes

O Projeto Som Central existe há cerca de dois anos e surgiu a partir da necessidade natural da expressão artística e como uma espécie de fuga da cena noturna. A banda é formada por integrantes que participam de outras bandas do cenário musical indepen-dente. Todos os músicos já se conheciam e fazem parte do projeto pela afinidade e ideias em comum que são manifestadas em suas mensagens em forma de música.

A banda busca inspiração na fé, nos ensinamentos do mestre Yeshua Hamashia (expressão em aramaico que significa Jesus Cristo, na raiz hebraica, Yeshua significa salvar ou salvação) e principalmente na

realidade que os rodeia. Mas além de men-sagens de superação e positividade, a Som Central também retrata nas músicas o que percebem na sociedade. “Sentimos neces-sidade de falar coisas que o véu do sistema impede a percepção de muitos de nós,” diz Pablo SeeaRasta, um dos integrantes do

projeto.Apesar de postarem

citações da Bíblia entre suas frases positivas no Facebook, a banda diz não ter uma religião ou seguir um sistema. Possuem uma vivência filosófica espiritual fun-damentada nos ensina-mentos de Yeshua.

Os integrantes têm diversas influências mu-sicais de outras bandas, mas o que os motiva mesmo é a música com sentimento, propósito, que sirva como veículo

de informação e que seja uma arma de transformação social.

Escolheram a rua por ser o local onde está o verdadeiro público carente de cultura e de boas palavras através da música. “Na noite você toca um monte de músicas de outras pessoas para agradar o público e quem te contratou. Na rua tocamos o que queremos, na hora que queremos e falamos o que é necessário às pessoas ouvirem,” conclui SeeaRasta.

Os integrantes da banda não vivem ape-nas de músicas e precisam realizar outras atividades para ajudar no sustento de suas famílias. SeeaRasta comenta que “é difícil se sustentar de arte em um sistema capitalista vampiro.” Mas quando o assunto é a quan-tidade de público que eles aglomeram pelas ruas a fora, os músicos às vezes se surpre-endem e acham a experiência maravilhosa. Concordam que é uma realização de um serviço e uma realização do ser.

Vibrações positivas na CapitalÉ possível

relaxar em meio ao caos do dia a dia

através de música nas

ruas

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Sentimos necessidade de falar coisas que o véu do sistema impede a percepção de muitos de nós”PABLO SEEARASTAINTEGRANTE DO SOM CENTRAL

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Projeto Som Central tornando mais leve o dia a

dia das pessoas na Rua dos Andradas

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Vinícius Bühler da Rosa

São pássaros? São aviões? Não! Em toda a parte, são super-heróis! No cinema, na internet, nas bancas e até mesmo dentro da literatura, os

justiceiros fantasiados vêm provando que são super rentáveis. Há quem acredite que homens que voam ou escalam paredes são bobagem. No entanto, a filosofia explica que o ser humano precisa de um mito e de um modelo. Quem explica é o filósofo Gelson Weschenfelder, autor de dois livros que ligam os super-heróis à filosofia.

O escritor explica a popularidade dos super-heróis em cinco itens. O primei-ro deles é a necessidade do mito. “O ser humano sempre precisou de histórias de deuses e semideuses lhe protegendo. Essa foi a ideia inicial do surgimento do super-herói no final da década de 30”, coloca. Em segundo lugar, Weschenfel-der coloca os heróis como um meio de avaliar questões rotineiras. “Eles trazem questões que enfrentamos e mostram o que se pode fazer diante de determinada situação”, avalia.

Os super-heróis como um modelo são a terceira explicação do filósofo. “Desde jovem até sua vida adulta, o homem busca modelos. A cultura pop traz estes persona-gens e eles acabam servindo de parâmetro”, diz. O penúltimo item é a influência da mídia por meio do cinema e da televisão.

Para ele, os super-heróis são os novos seres mitológicos, o que leva ao quinto e último item. “Muitos jovens se espelham em seus heróis, pois eles trazem mensagens de superação e desenvolvimento humano, tratando questões antropológicas, éticas, sociais e, ainda, mostrando um caminho correto”, explica.

Dos gibis para as telonasO modo como os heróis questionam

e respondem questões cotidianas passa perto da popularidade também no cine-ma. De acordo com o cineasta Ulisses da Motta Costa, cada época teve seu gênero de filme que era o carro-chefe das bilhe-terias. Hoje, depois dos westerns, musi-cais, épicos bíblicos e filmes de aventura, são os heróis os que mais lucram. “Esses gêneros populares conseguem sublimar o sentimento da época em que eles são feitos”, coloca o diretor.

Para Costa, é fácil relacionar a te-mática dos filmes com o atual momento sócio-político. “X- Men trata da questão de preconceito, Capitão América 2 é uma nada sutil apropriação dos casos recentes de espionagem suja pelo governo norte-ameri-cano”, cita.

Uma vez que a defi-nição de gênero sugere um estilo que obedece a determinadas con-venções, ele afirma que “super-herói” pode ser considerado uma ca-tegoria. “A história de origem, a descoberta dos poderes, inimigos que surgem mais ame-açadores à medida que o herói desenvolve suas habilidades, o interesse romântico, o descrédi-to após um fracasso...”, exemplifica.

Mesmo sendo um gênero popular, não basta colocar o personagem na tela para que o filme seja sucesso. Segundo Ulisses,

é necessário uma narrativa bem desen-volvida, atores apropriados, direção que desenvolve o conceito estético junto com a história e cuidado com os elementos visuais e sonoros. “O que pode ser próprio dos filmes de super-heróis é a necessidade de equilibrar bem os elementos de drama, humor e ação com o sentimento épico que é natural ao gênero”, sugere.

Nerds, heróis e buracos de minhoca

A internet também está cada vez mais lotada com os super-seres. Blogs e vi-deoblogs trazem notícias, curiosidades e “nerdices” voltadas para o público dos personagens. O blogueiro Isaac Cruz colo-

cou uma ideia antiga em prática e criou o Buracos de Minhoca, um blog de conteúdo nerd com po-dcasts temáticos, game-plays e o Vlog Worm.TV, carro-chefe da iniciativa.

“A pauta é sempre gerada focando em algo que seja destaque no ‘mundo nerd’ ou na cultura pop em geral”, explica Isaac.

O blogueiro é fã de quadrinhos desde a quarta série, quando ganhou os gibis que o professor de história mandaria para o lixo. Segundo ele, a popula-ridade do mundo nerd na

internet é grande por causa da facilidade com que os fãs chegam até a informação. “Com os e-books hoje em dia, qualquer um pode ler quadrinhos do tablete ou do celular”, avalia.

De um modo geral, o blogueiro diz que a fama dos heróis vem justamente pela identificação que as pessoas têm com eles. “Tu, na escola, pequeno, mirrado, apanhan-do, depois crescendo, morando sozinho, passando dificuldades financeiras. Quem não se identifica com o Homem-Aranha? Eles nos fazem sentir como se fôssemos parte daquele mundo”, destaca. “Grande parte do meu caráter vem dos quadrinhos e da mensagem que, por mais que as coisas estejam difíceis, nunca podemos esquecer que a noite é sempre mais escura logo antes do amanhecer”, encerra.

Personagens superpopularesProfissionais explicam as razões pelas

quais os heróis estão em alta

ARQUIVO PESSOAL

Há quem acredite que homens que voam são bobagem. Mas a filosofia explica que o ser humano precisa de um mito e de um modelo”GELSON WESCHENFELDER PROFESSOR DE FILOSOFIA

Gelson é autor de dois livros que relacionam os super-heróis com a filosofia

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BABÉLIA