reboco caído nº16 versão digital

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REBOCO CAÍDO NÚMERO 16 - APERIÓDICO - 2013

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EditorialREBOCO CAÍDO #16

Virar um personagem de quadrinhos, com roteiros baseados em sua vida e tudo isso feitopor um grande amigo, que faz um trampo do caralho.... Puta que o pariu... É muito legal.Para acompanhar essas hqs que o Eduardo Marinho está escreveno e desenhando, é sóentrar em contato com pelo e-mail [email protected] e pedir o novo exemplar do zinePençá. Além das minhas aventuras, ainda tem muito mais. (FSB)

Escritos

Malditosde umaRealidadeInsanabusca regis-trar de formadireta, semdeixar de via-jar por cami-nhos poéti-

cos e até delirantes, o cotidiano de umasociedade injusta, desigual e opressiva,onde a realidade muitas vezes se dilui noinusitado de uma neurose social compul-siva. Nestas páginas, os marginalizadospassam em desfiles solitários e fantasma-góricos, transbordando por todo lado,mostrando que são, na verdade, partes deum todo, partes da grande maioria. A mar-gem toma seu lugar no centro e a escuri-dão se torna a luz necessária para apreci-armos pontos evitados por muitos.Para garantir o seu e conher essa obra é sóentrar em contato com www.lamparinaluminosa.com

Contatos com o Reboco:

[email protected]

www.twitter.com/RebocoCaido

www.slideshare.net/ARITANA

www.facebook.com/RebocoCaido

Neste número estou dando maior espaço paraas entrevistas que fiz com os guerreiros dosubmundo nestes últimos tempos. São en-trevistas com opiniões diversas, sobre vári-os assuntos, mas que tem em comum a lutapela criação e pela livre expressão. Temostambém mais um texto do grande Panda Reis,que anteriormente havia falado sobre o ra-cismo no Brasil e agora o observa na Euro-pa. Panda fala sobre a situação em Amiens,onde muitos imigrantes africanos tem seusdireitos negados, citando inclusive revoltase casos passados na região. Abrimos tam-bém espaço para a Poesia Palestina de Com-bate, tipo de poesia que vem sendo utilizadapela população massacrada. A capa é de AnaClara, a Hera. E vai mudando de página aíque têm mais coisas.

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REBOCO CAÍDO #16 Pag 2

Casa tristePor MonoTeLha

Apenas uma casa tristenão podem entrar os vizinhosaos filhos não é permitido brincar

O silêncio de funeral é fortesomente quebrado nas brigasapenas uma casa triste

Os móveis são como pedras de gelotodos os quadros feitos de ar frionão há sorrisos na casa triste

A casa é uma casca de machucadouma ferida não cicatrizada mal cuidadaum espaço para se esconder da alegria

Apenas uma casa tristelocalizada na rua da depressãobairro da desunião número zero

Ar-te?Por Renata Guadagnin

Personagens arteirosdessa construção continua,noturna e lindade constelaçõesonde vejo olhos e interpretaçõesdando vida a pedaços de madeirade barroou papel corpoexpressão de uma emoçãoconjugada com uma razãodemonstrada em alguma formado ser esperançae açãonas mãos calejadasde tanto construir sonhossem desistir

Seu Manel - uma homenagem ao próprioPor Alexandre Mendes

Já bem de noitinha subiu a ladeira passou pela vala ponte de madeira paredes de tábua e arame farpado cachorros latindo olhar cabisbaixo moleques de toca lhe avistam do beco pra alguns alegria pr’outros desespero abaixam a miraprossegue tranquilo lhe chamam coroa mais velho antigo lá é o terror ou então paraíso a pólvora manda obedece o juízo lá falta concreto esgoto e dente emboço lajota prossegue contenteTiana lhe esperacaixote o portãona boca estalinhokisuco e macarrãose deitam alegrespois já é domingode folga escalatrês horaso Bingo

Na internet: - ww.fanzinotecamutacao.blogspot.com.br - www.fanzinoteca.net - www.fanzinoteca.it - www.fanzinada.com.br - zineestridente.blogspot.com.br - www.feiramodernazine.com - www.fotolog.com.br/aviso_final

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Pag 3 REBOCO CAÍDO #16Faça você mesmo

Por Fabio da Silva Barbosa

“Faça você mesmo” é a essência de movimentos e de iniciativas autônomas que visamcriar e produzir sem ficar esperando alguma forma de ajuda ou apoio externo. É a força dese fazer com o que se tem. Coisa para quem tem atitude e não quer naufragar emconformismos e comodismos alienantes. Jeison Placinsch, completamente imbuído desteespírito, vai contar um pouco sobre suas atividades.

Organização de eventos, produção de zines... Enfim... Você sempre está envolvido emalguma iniciativa que vise propagar a cultura independente. Como é se dedicar a algo quena maioria das vezes não inclui retorno financeiro ou apoio público e privado?Já tem tanto tempo que estou envolvido com esse tipo de coisa que acho que nem seiviver de outro jeito. Quando eu descobri o punk, com uns 13 anos, e depois montei minhaprimeira banda, com 15, vi que podia fazer algo por mim mesmo. Comecei a organizarshows, montar cartazes, escrever, tocar e não parei mais. Em várias épocas desisti dealgumas coisas por falta de grana, de apoio ou de saco mesmo, mas continuava fazendooutras.

E a cena? Pelo menos vem algum apoio da cena independente? O pessoal comparece,colabora? Como andam as coisas no mundo underground?Às vezes sim, às vezes não. Quem é envolvido na organização do esquema sabe muitobem que as pessoas falam muito mais do que realmente fazem. Tem muita gente com quemcontar quando se quer fazer um show, lançar um zine... mas, ao mesmo tempo, nesse nossoanti-mundo, têm muitos que usam o termo underground/alternativo, mas são iguaizinhos(ou piores) do que quem eles dizem lutar contra. Desde sempre os eventos são muitovariáveis. Tem shows que enchem de amigos e de desconhecidos e outros em que estãosó as bandas. De 2012 pra cá têm acontecido bastante coisa aqui em Porto Alegre. Baresfecharam, outros espaços abriram e tem uma galera fazendo coisas de novo. Não sei atéquando dura, mas tudo que tem sido feito até então tá muito bom.

Agora falando sobre a “Coisa Edições”. Como funciona e como o pessoal faz paraparticipar? Existem critérios para a publicação de material?

Acho que foi em 2003 que comecei um selo pra lançar as demos das bandas dosamigos, o “Muito Além”. Antes eu tinha outros projetos, mas usava só na minha antigabanda. Essa época foi bem produtiva. Ainda morava em Sapucaia e fiz muito show por lá.Durou um tempo, mas, aos poucos, “a cena” foi morrendo. Em 2011 comecei com o zine“Café Sem Açúcar”, que hoje já está na 21ª edição. Comecei a escrever outras coisas alémdele e surgiu a ideia de fazer um pequeno selo/editora-independente/seiládoquechamar.Primeiro, pra lançar essas minhas coisas e depois pensei em ampliar. Conheço gente quetem muita coisa legal escrita, mas que não usa isso para nada. A partir disso, fomosconversando, vendo como editar, como lançar. Hoje já estamos em nosso 5º lançamento ecom outros três projetos sendo editados. Algumas pessoas nós procuramos, outras vêmnos procurar. Tem dado certo. Tem muito mais gente com vontade de participar disso doque nós imaginamos. Seja lendo, escrevendo ou querendo saber como funciona.

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Qual a maior importância de inciativas comoessas?O melhor disso é que, com esse empurrão,as pessoas veem que podem fazer algumacoisa sem depender de ninguém. Todomundo pode fazer o que bem entender sequiser. Não adianta ficar reclamando que sótrabalha, que não tem dinheiro, queblábláblá. É bom demais poder ter algo prachamar de teu. Saber que desde o começotu que produziu. Dá muito trabalho, mas valea pena. Ao menos para mim. Sempre fui dequerer fazer do meu jeito. Se não for comamigos, ou com umas poucas pessoas quetêm ideias parecidas, não adianta. E é porisso que prefiro não participar de grupos,de coletivos e menos ainda me considerar“da cena”. Quando tem muito discursoenvolvido, não me serve.

[email protected] facebook.com/cafesemacucar facebook.com/coisaedicoes

Pag 4REBOCO CAÍDO #16Dischaos

Por Fabio da Silva Barbosa

Para a galera que curte um som crust punk,essa é a banda. Bati um papo com GustavoMerdinha e Duka para saber mais sobre osom.

A estrada:A Dischaos iniciou suas atividades emnovembro de 2006. De princípio era Duka -vocal/Guitarra, Lixüü - baixo e passaramdiversos bateristas dentro desse período.Enfrentamos muitas dificuldades financei-ras, os nossos instrumentos eram ruins enão havia baterista fixo. Estes problemasfizeram com que a banda ficasse estagnadadurante meses. As coisas começaram amelhorar um ano depois, com a entrada doÄle assumindo os vocais e posteriormente,no inicio de 2008, com a entrada do Thomäs(Nuclear Fröst) assumindo a bateria.Nesse mesmo ano aumentamos nossorepertório, começamos a ensaiar com maisfrequência e começamos a nos apresentarem gigs no estado de SP e em outros es-tados do Brasil. No final de 2008 gravamosnosso primeiro material, foi lançado em 2009como um split (Dischaos/Plevok), na Ucrâ-nia - Iremos lançar esse material aqui noBrasil, em k7, dentro de alguns meses. Em2011 lançamos o “D-beat holocaust Cd”.De 2009 ao inicio de 2011 a banda se man-teve parada, pois o Thomäs teve que deixara banda no final de 2008. Nos encontramosna antiga dificuldade de encontrar umbaterista. Posteriormente o Äle deixa abanda também. Em junho de 2011 entrou oHuëvo na batera e o Gustavo (Merdinha)nos vocais. Nesse mesmo ano nos apresen-tamos em diversos lugares. Essa formaçãosegue até hoje e o primeiro trabalho reali-zado com ela foi o vídeo Escravos do Con-sumo, lançado em dezembro de 2012, de-monstrando uma sonoridade mais agressiva

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e pesada do que na formação anterior.

Com as mudanças na formação, o que maismudou e o que permaneceu?Na troca de formação notamos que nossasonoridade está mais agressiva, o som estámais grave em relação a formação anterior.O que permanece é nossa garra e força devontade de vencer todos os obstáculos queencontramos desde o primeiro ensaio atéproblemas que ocorrem na nossa situaçãoatual. Sempre procuramos refletir em coleti-vo quais as atitudes a tomar em relação amuitas coisas que venham ocorrer e atravésdo consenso chegamos as conclusões.Mantemos também o nosso amor pela cul-tura punk. Muitos integrantes participaramde coletivos punx/anarquistas e mantemoscontato/atividades com diversos núcleos.

Para uma banda que fala sobre o caos socialvigente, não deve ser difícil encontrar as-sunto. Como se dá esse processo de passara insatisfação para o som?Realmente não falta assunto quando setrata de caos social. Hehehe...Vivemos em um país que as taxas deimpostos são umas das mais exorbitantesdo planeta, o índice de corrupção éalarmante, a educação pública é defasada eo desemprego vem crescendo de uma formaassustadora. Relatamos todos osproblemas que estão ao nosso redor de umaforma bastante abrangente. Problemascomo consumo, conflitos religiosos, o serhumano em meio ao “mundo avançado” eo seu vazio interior, seus problemaspsicológicos por viver no mundocontemporâneo.Mas não nos limitamos em expor apenasnossa realidade local. Relatamos problemaspresentes no mundo...

Mudam governos, saem os chamados dedireita e entram os que se dizem de esquer-

Pag 5 REBOCO CAÍDO #16da, oposição vira situação e situação vira oposição, mas quem tem dinheiro continuadesfrutando de privilégios enquanto a maio-ria é massacrada. O por quê? Tem solução?Merdinha: Eu não vejo grandes soluções.Acredito que podemos nos auto organizare praticar a liberdade em nossas vivênciascotidianas. Em minha opinião, enquantohouver autoridade, existirá abuso deautoridade. Duka: Independente do governo queassumir, seja ele de direita ou de “esquerda”,a situação irá se manter a mesma, pois qual-quer forma de governo é uma forma de ma-nutenção do capital, de defender as leis o-pressoras e defender a propriedade privada.A única forma de gerar mudanças seria umaorganização de trabalhadores, todos orga-nizados em seus locais de trabalho, centrossociais para educar a classe operária, paradesenvolver um conteúdo político e educaruma nova sociedade. Uma sociedade emque todos trabalhem o necessário para su-prir suas necessidades locais, sem leis e semgovernos, consolidada pelo livre acordo epor apoio mútuo entre as associações detrabalhadores seria uma boa opção.

O ser humano ainda demonstra sua facemais cruel durante as guerras. O porque detanta maldade, ganância e egoísmo?O poder tem capacidade de alienar total-mente um indivíduo ao ponto de corromperseu caráter. O sentimento patriótico e asfronteiras estimulam o ódio de uma naçãopor outra. Somando com fatores econômi-cos e por interesses de dominação de umanação sobre outra, os soldados são treina-dos para destruir a nação inimiga o quantofor necessário. Não importa se terá que ma-tar idosos e crianças, o que importa é mantersua ‘honra’, seu lucro e defender sua nação.A trajetória do ser humano no decorrer dotempo é manchada de sangue, sempre embusca de poder.

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O distrito de Amiens Norte, que fica na perife-ria da cidade Francesa com o mesmo nome(Amiens), sempre recebeu uma grande quan-tidade de imigrantes, principalmente dassuas antigas colônias de exploração, africa-nas, que foram se amontoando ao longo dosanos nesse bairro. Hoje a cidade registra umataxa de desemprego de 45%, da qual doisterços é de jovens, em uma cidade de cercade 16 mil habitantes, todos filhos de imigran-tes africanos. Graças a brutal política de ex-clusão usada pelos governos europeus, ten-do em vista que em todos os países do blocopodemos ver a dificuldade que imigrantes efilhos de imigrantes vem sofrendo com aXenofobia disfarçada de leis de imigração,isso vem se tornando ainda mais cruel, emum contexto onde a crise econômica mundialcolabora para medidas de austeridade, enca-beçada pelo “novo dono” da Europa, aTroika. Claro que, assim como já aconteceucom outros povos, as minorias acabam le-vando a culpa. Mas, nesse caso, temos umagravante: O caso de Amiens é mais que xe-nofobia, pois se acrescenta o racismo.Alguns meios de comunicação colocaram ocaso como um simples fato de violência urba-na, não atentando, ou agindo de má fé, parao que realmente está por trás do ocorrido namadrugada de 13 pra 14 de agosto. A impren-sa “branca” falou de atos violentos de jovens

Passe os contatos, grite, berre, fale o que quiser. Esse espaço é seu:Agradecemos imensamente o espaço cedido neste zine e desejamos tudo de melhor aoseu trabalho!Estamos gravando um material novo e os selos que se interessarem em fazer parte dolançamento ou ajudar de alguma forma, entrem em contato!Para quem deseja ter uma banda, realmente não é fácil iniciar algo do zero. Exige seriedade,comprometimento e força de vontade para superar obstáculos e batalhar pelo seu trabalho!O mais importante é não se manter parado! Seja tocando em uma banda, editando umfanzine, organizando eventos, fazendo parte de algum coletivo, vendendo comida vegana(assim difundindo a proposta de libertação animal)... mantenha-se punk, ativo e “livre” ; )www.myspace.com/dischaos/[email protected]/www.facebook.com/dischaoscrust

Pag 6REBOCO CAÍDO #16

A Europa racista continua racistaPor Panda Reis – [email protected]

que enfrentaram a polícia com pedras nasmãos , incendiando automóveis e ferindo16 agentes, na tendenciosa pretensão detransformar uma reação a anos de segrega-ção racial, em um pseudo “radicalismo juve-nil” ou simples “atos de vandalismo”. Maso que a imprensa burguesa e pro Europaimperialista (Não, o termo não está ultrapas-sado. O antigo imperialismo de corpos ago-ra é de mentes, ideologicamente mais cruel.Agora ele prende o jovem ao xenofobismo)não cita é uma violência ainda maior impos-ta pelo racismo e agora potencializada e le-vada a extremos com a Troika, que exigeainda mais cortes sociais e os cruéis e injus-tos planos de austeridade. É a violência ea repressão do Estado sendo levadas a e-normes dimensões, oprimindo ainda maisas classes pobres. E nesse caso Francês,partindo para uma análise mais cuidadosa,seguiu-se o capitalismo ás custas da ferozexploração dos trabalhadores dos paísespobres, exploração das periferias dosistema, seguem com a exploração dostrabalhadores imigrantes no própriocontinente. Percebemos o crescimentoeconômico dos “Lideres Capitalistas”, osEuropeus que partiram o mundo.“Globalizaram o Imperialismo”. Axenofobia, a discriminação e o racismo sãoideologias usadas há anos pela burguesiae pelo imperialismo, aumentando, ou

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Pag 7 REBOCO CAÍDO #16tentando aumentar, assim suas taxas de lucro. Para não perderem os Bancos e seus Euros,exploram o povo para proteger a burguesia, verdadeira dona do Capitalismo. É notório queo maior ataque é sobre imigrantes árabes e africanos.Então o que aconteceu em Amiens não foi apenas reação a repressão policial no funeral deMohamed, de 18 anos , filho de malienses. As desavenças são muito mais sérias. A Europacontinua racista e, eu diria ainda mais, ela se torna cada vez mais racista e xenofóbica.

Poesia Palestina de Combate

DesafioPor Mahmud Darwich

Atem-meproibam-me os livrosos cigarrosobstruam minha boca com areiaa poesia é sanguea água dos olhosse imprime com as unhasas órbitasas adagasClamarei seu nomeno cárcereno banhona pedreirasob o látegoa violência das correntesUm milhão de pássarossobre os ramos de meu coraçãoinventam o hino combatente

Bilhete de identidadePor Mahmud Darwich

Toma nota!Sou árabeO número do meu bilhete de identidade:cinquenta milNúmero de filhos: oitoE o nono… chegará depois do verão!Será que ficas irritado?

Toma nota!Sou árabeTrabalho numa pedreira com os meus com-

panheiros de fadigaE tenho oito filhosO seu pedaço de pãoAs suas roupas, os seus cadernosArranco-os dos rochedos…E não venho mendigar à tua portaNem me encolho no átrio do teu palácio.Será que ficas irritado?

Toma nota!Sou árabeSou o meu nome próprio – sem apelidoInfinitamente paciente num país onde to-dosVivem sobre as brasas da raiva.As minhas raízes…Foram lançadas antes do nascimento dotempoAntes da efusão do que é duradouroAntes do cipreste e da oliveiraAntes da eclosão da ervaO meu pai… é de uma família de lavrado-resNada tem a ver com as pessoas notáveisO meu avô era camponês – um serSem valor – nem ascendência.A minha casa, uma cabana de guardaFeita de troncos e ramosEis o que eu sou – Agrada-te?Sou o meu nome próprio – sem apelido!

Toma nota!Sou árabeOs meus cabelos… da cor do carvãoOs meus olhos… da cor do caféSinais particulares:

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Pag 8REBOCO CAÍDO #16Jéssica e o Estridente

Por Fabio da Silva Barbosa

O nascimento do Estridente:O Estridente começou como umabrincadeira de colagens engraçadas, mascom um contexto político de tirar sarro doopressor com uma linguagem simples edireta. Ele nasceu no mês de agosto de 2012,quando achei umas revistas velhas em casa.Eram da minha mãe e falavam sobre dietase “ficar bonita” num padrão de belezaridiculamente imposto pela sociedade. Foientão que resolvi fazer uns recortes, fizvárias folhas, e comecei a pensar emreaproveitá-los para publicar em algumlugar. Como não havia nenhum lugar parapublicar de forma física, comecei a produzirum zine para mostrar estas colagens paraas pessoas, além de colocar alguns textosbem pequenos sobre coisas que acontecemno mundo, coisas que me incomodam, ouque poderiam informar sobre o que acre-dito, dicas de bandas femininas e dividirtambém algumas dicas de filmes e livros.

Outros zines e projetos:

Jéssica B. Valeriano é a responsável peloEstridente - zine feminista e underground.Os temas são abordados com muitacriatividade e uma estética focada no recortee colagem. Altamente recomendável. O e-mail de contato é [email protected]

Na cabeça uma kufia com o cordão bemapertadoE a palma da minha mão é dura como umapedra… esfola quem a apertaA minha morada:Sou de uma aldeia isolada…Onde as ruas já não têm nomesE todos os homens… trabalham no campoe na pedreira.Será que ficas irritado?

Toma nota!Sou árabeTu saqueaste as vinhas dos meus paisE a terra que eu cultivavaEu e os meus filhosLevaste-nos tudo exceptoEstas rochasPara a sobrevivência dos meus netosMas o vosso governo vai também apode-rar-se delas… ao que dizem!

… Então

Toma nota!Ao alto da primeira páginaEu não odeio os homensE não ataco ninguém masSe tiver fomeComerei a carne de quem violou os meusdireitosCuidado! CuidadoCom a minha fome e com a minha raiva!

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Pag 9 REBOCO CAÍDO #16

Muitas pessoas acreditam que feminismoé o contrario do machismo. A grandediferença é que o machismo (pelo menosno Brasil) está presente em nossocotidiano e nossa cultura, nas raízes daformação de nossa sociedade. Os homensbrancos sempre puderam ocupar cargosde liderança e poder, sempre puderamvotar, trabalhar, estudar, ter liberdadesexual, direito de ir e vir e fazer tudo issosem ser abusado com assédio sexual. Nãoexistiu opressão neste sentido. Aopressão que existia (e ainda existe) entreos homens era pela classe social e/oupela cor, mas não por seu sexo. Mesmoalguns homens que eram oprimidos,abusavam de suas mulheres dentro decasa.Homens brancos, heterossexuais e cis deuma camada socioeconômica alta oumédia, na história da nossa sociedade,nunca precisaram lutar por direitosbásicos. O machismo matou e continuamatando 10 mulheres por dia no Brasil eem 80% dos casos são os parceirosdestas mulheres que matam. Uma em cadacinco mulheres já sofreu violência porparte de um homem. A cada 5 minutosuma mulher é espancada no Brasil. Tudo

isso acontece pela cultura que ainda émachista.Quando foi que uma mulher que se declarafeminista matou um homem motivada porfeminismo? A gente fica sabendo de mulheresque matam homens, mas estas não forammotivadas por feminismo. Aliás, ser mulhernão impede ninguém de cometer erros eatrocidades, mas assassinato motivado porfeminismo eu nunca vi! Muito pelo contrário,o movimento feminista também beneficiaindiretamente os homens com algumas causasque defendemos, como o aumento da licençapaternidade, o fim do serviço militarobrigatório para os homens e para que oshomens aprendam a cuidar melhor de suasaúde, pois homens morrem todos os dias pordescuido com a saúde, pela falsa ideia dehomem viril, forte, que não pode ser emnenhum momento fraco, e cá entre nós, isso ébem machista e autodestrutivo para ospróprios homens (um exemplo: exames depróstata).Lutar pela dignidade humana de uma mulhernunca foi nem será opressão contra os homense é por isso que feminismo não é o contráriode machismo. Algumas pessoas acreditam quehoje o movimento é sexista e contraditóriodevido a alguns movimentos que vem sedeclarando neofeministas (coisa inventada,não existe isso) e pelo tal sextremismo (atéhoje não entendi o que significa). As duaspalavras foram inventadas por um movimentoque não é bem visto no Brasil (e nem por mim)Femen BraZil (sim, com Z).

Ação direta:Falando da ação direta no feminismo: Estoutentando formar um coletivo feminista emUberaba com algum@s amig@s que seidentificam com a causa. Sempre que vejoalguém que também pense como eu, convidopara participar de um grupinho de pessoasque faz intervenções com cartazes coladospela cidade, com mensagens contra a violência

Tenho outro projeto chamado “Vá,Gina!”. Ele é bem menor que o Estridentee ilustrado com desenhos feitos a mão.Tem alguns pequenos textos e costumofazer com papel colorido.

Feminismo (O contrário de machismo ouuma luta real e autêntica por um mundomelhor?):Sempre fui simpatizante do feminismo,mas foi só de três anos para cá que ofeminismo fez diferença na minha vida,quando realmente percebi que aindacarregava muitos preconceitos. Umacoisa comum, pois vivemos numasociedade completamente machista.

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REBOCO CAÍDO #16 Pag 10com a mulher, contra a cultura de estupro,contra este cruel padrão de beleza e quevisa principalmente fazer as pessoaspensarem sobre como estão agindo emsuas vidas.Já participei de algumas conferências depolíticas públicas paras as mulheres (nívelmunicipal e estadual), votando e dandosugestões para melhorar as políticaspublicas que me atingem e que atingemtodas as mulheres.Tentei fundar junto com outras pessoas aUBM – União Brasileira de Mulheres emUberaba, mas fracassamos. Eu era a maisjovem no grupo, a maioria d@s membrostinham mais de 40 anos e trabalhavamdiretamente na área da educação.Falando da ação direta no zine: No zinefalo muito, muito mesmo, sobre feminismo.Não falo de forma agressiva, mas de formaengraçada e tranquila, para que os homenstambém possam entender algunscontextos na nossa vida em que eles, semperceber, acabam nos oprimindo. Mas ozine não trata só do feminismo, fala daquestão indígena, da desigualdade racialem nosso país, de um racismo velado pormuita hipocrisia.Já fiz alguns varais com o zine Estridente

em pequenos festivais de hardcore e punkna minha cidade (Uberaba-MG) pra galeraconhecer os meus projetos.Para o mundo: Espero que meu zine, minhasações, meu ativismo, mesmo que AINDApequeno, possa contribuir de alguma formapara trazer uma nova visão sobre o mundo eas relações sociais existentes. Hoje souprofessora de sociologia e procuro trazer parameus/minhas alun@s a desnaturalização dospreconceitos enraizados em nosso cotidiano.Estimulo eles a desmistificar suas certezassobre outros grupos sociais para que opreconceito diminua e as relações melhorem.Mostro os problemas reais do nosso mundopara que possam ao menos entender e tentarmudar. Infelizmente sinto muito comodismod@s alun@s, com algumas exceções. Masprocuro fazer o que está ao meu alcance,estimular o debate (onde um aprende com ooutro e conhece outras opiniões). Uso aquebra de tabus e a análise empírica dos fatoscom uma atitude científica que duvida do quenos é imposto no senso comum e nasgrandes mídias e redes sociais.Isso é uma coisa que faço não só comoprofessora, mas como feminista, comocriadora dos meus zines, nas conversas comamigos, etc. É algo que faz parte de mim!

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Charges de João da Silva Para ver outros trabalhos: www.cancropolis.blogspot.com.br