avaliaÇÃo formativa, portfÓlio e a autoavaliaÇÃo · em relação à avaliação formativa na...
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AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO
Silvia Lúcia Soares- UnB [email protected]
Resumo
O presente estudo propõe-se a refletir sobre a importância da diversificação de
alternativas metodológicas, no caso a autoavaliação, no processo de formação, para que,
futuramente, os professores possam considerá-la como possibilidade avaliativa em sua
prática profissional. Esta investigação foi realizada em 2010, caracteriza-se como um
estudo de caso que trata do processo autoavaliativo da turma I, do Curso de Pedagogia
da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB), na disciplina
Didática Fundamental. Essa é uma turma mista, atende tanto aos alunos de Pedagogia
como de algumas licenciaturas. O universo da pesquisa foi de 43 alunos, sendo 15
alunos de Pedagogia, 5 de Física, 3 de Química, 3 de Biologia, 4 de História, 1 de
Antropologia, 4 de Ciências da Computação, 1 de Educação Física, 4 de Letras, 3 de
Geografia. O interesse por este estudo manifestou-se por dois motivos: primeiramente,
pelas inúmeras dificuldades encontradas por mim no exercício da docência em cursos
superiores de formação de professores; e segundo, pelas inquietações em mim causadas
com as leituras e reflexões realizadas no curso de doutorado, mais especificamente, na
disciplina organização do Trabalho Pedagógico. Nele, analisam-se as categorias de
autoavaliação sob três tipos de interesses: i) o técnico que envolve intercâmbio com a
natureza; ii) o Comunicativo que representa a comunicação entre os sujeitos; iii) o
emancipatório que envolve autoconhecimento ou autorreflexão. A pesquisa evidenciou
que: a) a avaliação só faz sentido se dotada de significados pelos sujeitos que dela
participam; b) a autoavaliação constitui-se em uma metodologia que auxilia o professor
em formação a desenvolver competência de autocontrole e de organização de suas
próprias aprendizagens.
Palavras chave: Avaliação. Formação de professores. Avaliação formativa.
Autoavaliação.
Considerações Iniciais
O texto abaixo faz parte do registro reflexivo de uma professora de Ensino
Fundamental de Brazlândia, uma região administrativa do Distrito Federal, identificada
como RA IV. Foi escrito no dia 29/07/2010, no encontro realizado com a equipe
pedagógica da escola para discussão da avaliação da aprendizagem em sala de aula.
Quando olho para um aluno em formação e – independentemente de idade – a
primeira coisa que penso é em suas dificuldades. Mas e as minhas? Eu também tenho
algumas, frutos do passado e pergunto: quando eu tinha as dificuldades desse aluno, o
que o professor fez? Nem sempre era o que gostaria, imaginava outras ações, como me
decepcionava... Fui aluna, sou aluna e pretendo ser (por muito tempo) e por essa razão
procuro (eu tento, juro que tento e às vezes consigo!) agir como gostaria que tivessem
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agido naquele tempo, afinal, educação é sempre educação. Mas mesmo com todas as
boas intenções, não sei bem avaliar. Isso gera em mim medo, insegurança e incertezas.
Tenho medo do meu medo de avaliar... Sei que tudo é um processo, vejo a vida como a
construção ou um portfólio. O que apreendi foi significativo, teve qualidade... é um
processo que exige reflexões diárias. Quando reflito sobre a avaliação que realizo com
meus alunos fico ainda mais angustiada. Melhor seria não pensar? Mas como
avaliadores estamos – querendo ou não - presentes em vários portfólios. Não sabemos
a dimensão de nossa invasão na construção do portfólio da vida do aluno, se sabemos,
procuramos ou fingimos ignorar. Avaliar é complexo e de muita responsabilidade. O
enredo do portfólio da vida do outro é norteado por nossas avaliações. Que rumo estou
dando a eles? Trabalhamos com vidas, não apenas aluno. Somos pessoas e não apenas
professores. Carecemos, ambos, de ajuda no processo de avaliar. (Professora Luíza).
O texto escrito pela professora Luíza é um desabafo e ao mesmo tempo um
pedido de ajuda. O professor tem dificuldades e medo em avaliar, sente-se inseguro e
desamparado ante o ato avaliativo. Sente que em sua formação foi mais avaliado para
formar do que formado para avaliar. Não teve, portanto, a oportunidade de participar,
experimentar, perguntar, dialogar, interpretar e compreender a avaliação.
Como enfrentar as indefinições e complexidade da avaliação no dia-a-dia da sala
de aula? Como superar as dúvidas cujas origens estão no passado de formação, porém
seus reflexos estão presentes no cotidiano de sua sala de aula?
São visíveis as lacunas existentes na formação do professor em relação à
avaliação. O processo avaliativo continua quase que exclusivamente centrado no
professor e os procedimentos didáticos adotados não proporcionam aos professores em
formação a oportunidade de repensar suas aprendizagens (VASCONCELOS, 1995).
Conforme Mendes (2006), se por um lado, as políticas educacionais não favorecem
modificações na prática avaliativa, por outro lado, academicamente, não tem havido
esforços em construir novas alternativas e maneiras de avaliar. Na maioria das vezes,
nos cursos de formação, os três pilares do processo: o ensino, a aprendizagem e a
avaliação são tratados de maneira desconexa e desarticulada.
Nesses cursos, na maioria das vezes, o eixo da formação está centrado no ato de
ensinar e não no ato de aprender. Neles, prevalece ainda o aspecto somativo da
avaliação voltado para médias e resultados ou para responder às demandas burocráticas
imediatas. Nesse sentido, a avaliação está mais voltada para a classificação do que para
a melhoria dos processos de aprendizagens. Para Mendes (2006), a avaliação, nessa
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perspectiva, é desprovida de significação social, política e pedagógica, não consegue,
portanto, extrapolar a visão limitada da mensuração.
Metodologicamente, o estudo em questão, apresenta caráter exploratório e uma
abordagem predominantemente qualitativa não descartando, porém, a conjugação com
os aspectos quantitativos, por considerar que os métodos quantitativos e qualitativos não
são incompatíveis, mas estão intimamente imbricados.
Para realização dessa investigação, inicialmente foi aplicado um questionário com
o objetivo de levantar as concepções prévias que os professores em formação tinham
sobre a autoavaliação. Utilizou-se também a observação processual do cotidiano da sala
de aula e a análise dos registros reflexivos elaborados pelos alunos e pelo professor no
decorrer do semestre.
Depois de tabuladas, as informações obtidas foram socializadas com os alunos da
turma e utilizadas como eixo norteador do aprofundamento teórico que realizou-se em
seguida com a utilização de textos de diversos autores tais como: HADJI (2001),
FREITAS (2002, 2003, 2009), MENDES (2006), VILLAS BOAS (2008),
CAVALARI (2009), SORDI (2009, 2010).
Didaticamente, os dados coletados foram organizados em categorias não dadas a
priori, pois não queríamos reduzi-las ao nível da abstração, uma vez, que conforme
Gatti (2003), as abstrações teóricas não são suficientes para compreender as situações
historicamente situadas e datadas. O concreto não se revela em simplismos explicativos
a priori enunciados. Assim, as categorias surgiram no decorrer do próprio estudo e, ao
mesmo tempo, foram permitindo algumas conexões e interpretações dos fatos que
constituíram e constituem o tema em questão.
A análise teórica dos dados foi elaborada, tendo como sustentação conceitual a
teoria de Boud e Brew (apud CAVALARI, 2009). Esses autores, baseados na teoria de
Habermas (1998), buscam diferenciar o conhecimento autoconstruído do conhecimento
em si. Para eles o conhecimento é moldado de acordo com os interesses e necessidades
humanas, sob três perspectivas: a técnica, a comunicativa ou da interação social e a
emancipatória, o que será mais bem explicado ao longo do texto.
A avaliação na formação e a formação na avaliação
Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e
Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em primeiro lugar, a introdução de pequenas
mudanças em sala de aula nas relações vividas entre o professor e os alunos. Em
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segundo lugar, supõe o investimento no envolvimento do professor em formação com
sua autoavaliação, ou seja, a máxima ―aprender a aprender‖ deve incluir a noção de
―aprender a avaliar‖.
Nessa mesma lógica, para Fernandes (2009) a avaliação formativa é que
oportuniza a escola prever instrumentos de análise de seus resultados e dos resultados
dos alunos e, mediante essa reflexão, fazer intervenções críticas em suas práticas,
visando melhorar as aprendizagens, pois a avaliação só faz sentido se dotada de
significados pelos sujeitos que dela participam e, a partir daí, possam reformular ou
redimensionar a organização do trabalho pedagógico e das práticas avaliativas da escola
e do dia-a-dia em sala de aula.
Na perspectiva formativa, a avaliação deve ser abrangente e contemplar tanto as
questões ligadas estritamente ao processo ensino/aprendizagem, como as que se referem
à organização do trabalho pedagógico, à função socializadora e cultural da escola, à
formação das identidades, dos valores, enfim a todo o processo de formação do
educador. Portanto, não pode ser concebida como produto, mas sim como parte
integrante da formação, com a função de retroalimentar e redirecionar, quando
necessário, o percurso da formação docente e evidenciar o desenvolvimento e as
aprendizagens do profissional em formação.
Porém, introduzir mudanças no processo avaliativo da e na formação não é uma
tarefa fácil. Pelo contrário, exige mudanças de postura e de superação da perspectiva
meramente classificatória que vem, historicamente, sendo dada à avaliação. Exige
também mudança de concepções e a utilização de procedimentos que consigam atender
a esse novo paradigma avaliativo. Quanto a isso a aluna Rayane afirma que:
(...) estamos acostumados a sermos avaliados e não nos avaliar, mas acho
importante vermos outros métodos avaliativos, pois somo educadores que
avaliamos ou avaliaremos nossos alunos, e assim, teremos novas concepções
e maneiras de avaliar.
Muitas são as alternativas metodológicas e instrumentais que podem ser aplicadas
na (re) significação e (re) construção da prática avaliativa no sentido de conferir-lhe um
sentido mais democrático, participativo e social. Entre essas alternativas destacamos o
portfólio, por considerá-lo, em sua especificidade, um instrumento que permite ao aluno
em formação refletir sobre a trajetória da construção do conhecimento e compreender
melhor o processo de apreensão do saber constituído. Para Villas Boas (2005, p. 293)
A avaliação tem sido um saber marginalizado na formação de professores. O
uso do portfólio pode ser uma forma de colocá-la em debate justamente em
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um dos espaços a ela destinados, o da formação de professores. Isso requer
mudança de concepção da avaliação: o professor deixa de ser o ―examinador‖
e o aluno, o ―examinado‖.
Mas o que vem a ser o portfólio? É um instrumento ou uma metodologia de
avaliação?
Entendemos o portfólio, por um lado como metodologia de avaliação, por
constituir-se em uma postura, uma práxis, uma dinâmica de superação e transformação,
que se efetiva em um movimento tríplice: de crítica da construção do conhecimento
novo; nova síntese do plano de conhecimento; ação em relação à nova síntese
estabelecida. É um instrumento de registro, de coleta de dados e de informações. Para
Villas Boas (2005) ele transcende o aspecto instrumental por ampliar, por meio da
articulação teoria e prática, a compreensão do caráter epistemológico, ético e político da
avaliação. Para a autora, ―ele é considerado não apenas um procedimento de avaliação,
mas o eixo organizador do trabalho pedagógico, em virtude da importância que passa a
ter durante todo o processo‖ (p. 293).
Ainda, de acordo com Villas Boas (2001), o portfólio está apoiado em seis
princípios básicos: a construção pelo próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e
tomar decisões; a reflexão sobre as suas produções; a criatividade, porque o aluno
escolhe a maneira de organizar o portfólio e busca formas diferentes de aprender; a
autoavaliação pelo aluno, porque ele está permanentemente avaliando o seu progresso; a
parceria professor-aluno e entre alunos, eliminando-se ações e atitudes verticalizadas e
centralizadoras; a autonomia do aluno perante o trabalho.
Logo, o portfólio oportuniza ao professor em formação, por meio do exercício
pedagógico da autoavaliação, experimentar alternativas diversificadas e poder,
posteriormente, considerá-las como possibilidades avaliativas em sua própria prática
profissional. De acordo com Cavalari (2009, p. 101), a autoavaliação é uma forma de
avaliação formativa que oportuniza a reflexão sobre aquele que vive a aprendizagem O
que é corroborado por Jaqueline, aluna da turma I ao conceber a autoavaliação ―(...)
como o processo de revisão de si mesmo. Olhar no espelho, ver o que mudou, o que
precisa mudar e o que deve permanecer em minha formação”. Essa forma de avaliação
é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, pois o sujeito que não realiza a
autocrítica sobre suas ações não muda de opinião.
Segundo Harlen & James (1998 apud FERNANDES 2009), a avaliação
formativa efetivada pela autoavaliação apresenta dupla natureza: é criterial por referir a
critérios sob os quais professores e os alunos analisam as aprendizagens e ipsativa
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porque é relativa ao próprio professor em formação na comparação consigo mesmo. Em
ambos os processos, está voltada para as aprendizagens dos professores em formação,
sendo considerada como eixo norteador dos ajustamentos e redirecionamentos
necessários do processo educativo. Em relação à autoavaliação, Villas Boas (2008,
p.51) afirma:
[...] é um componente importante da avaliação formativa. Refere-se ao
processo pelo qual o próprio professor em formação analisa continuamente as
atividades desenvolvidas e em desenvolvimento, registra suas percepções e
seus sentimentos e identifica futuras ações, para que haja avanço na
aprendizagem.
A autoavaliação constitui-se no registro da reflexão sobre o fazer pedagógico e do
movimento de construção e desconstrução de significados e aprendizagens, tornando a
formação um processo de superação das práticas até então vivenciadas, principalmente
as avaliativas. Para Régnier (1999), na autoavaliação o aluno em formação torna-se
capaz de: i) informar-se sobre sua própria ação ou sobre si mesmo; (ii) regular a ação
por si mesmo; (iii) guiar-se por si mesmo na sua ação; (iv) melhorar por si mesmo a
eficácia de sua ação. Para o autor a autoavaliação:
...] é um processo cognitivo complexo pelo qual um indivíduo (aprendiz,
professor) faz um julgamento voluntário e consciente por si mesmo e para si
mesmo, com o objetivo dum melhor conhecimento pessoal, da regulação de
sua ação ou de suas condutas, do aperfeiçoamento da eficácia de suas ações,
do desenvolvimento cognitivo (p. 03).
O processo de autoavaliação para o professor em formação é realizado por ―ele
mesmo‖ e ―para ele mesmo‖. ―Ninguém melhor que o sujeito que aprende para
conhecer o que realmente sabe‖ (ÁLVAREZ MÈZARO, 2005, p. 18). Portanto, a
autoavaliação torna-se instrumento privilegiado de diálogo com a realidade,
transformando as experiências vividas na formação profissional em objeto de reflexão e
estudo. Para Scaramucci (1999 apud CAVALARI 2009), envolver o futuro professor
em seu processo avaliativo não pressupõe substituir a avaliação do professor pela
autoavaliação do aluno, mas somar ao olhar do docente o olhar do professor em
formação, de uma maneira gradual e responsável a fim de não banalizar o processo
avaliativo. Como já foi defendido, ―a máxima aprender a aprender deve incluir a noção
de aprender a avaliar (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2006, p. 32).
Destarte, a avaliação constitui-se em uma metodologia de autorregulação que
auxilia o professor em formação a desenvolver competência de autocontrole e de
organização de suas próprias aprendizagens. Para Perrenoud (1999) a autorregulação é a
capacidade do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas
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estratégias diante das tarefas e obstáculos, ou seja, a é o processo pelo qual o indivíduo
assegura, por si mesmo, a organização e desenvolvimento de suas e aprendizagens.
Como metodologia de autorregulação, a autoavaliação transforma-se em
instrumento metacognitivo, oportunizando ao aluno o acompanhamento e
monitoramento de seus pensamentos durante o processo de formação e de construção do
conhecimento. Para Hadji (2001, p. 103) a metacognição é a atividade de autocontrole
refletido nas ações e condutas do sujeito que aprende. Desse modo, transforma-se em
postura dialógica do sujeito frente à realidade, torna-se uma metodologia de apreensão
radical (que vai à raiz) da realidade, o que é confirmado por essa aluna:
Acredito que a autoavaliação traz autonomia aos alunos na construção da
reflexão sobre suas ações. Faz com que esse professor em formação torne
um sujeito ativo dessa reflexão, contrário passividade que existe, onde
esperamos que alguém nos avalie com apenas números (KRISSIANE).
Para Sordi (2010, p. 32) ―Alguns saberes eclipsados na capacitação do docente
universitário ajudam a naturalizar a cultura da avaliação e sua lógica classificatória,
individualista, excludente e supostamente neutra, teoricamente criticada‖. É perceptível
a naturalização, por parte do professor em formação, de sua não participação nos
processos avaliativos da escola. Essa naturalização o leva a uma acomodação e a uma
obediência passiva diante do processo e do resultado da avaliação. Percebe-se que,
dessa forma, a educação legitima amarras subjetivas e sociais, torna-se instrumento de
opressão e de alienação no próprio processo de formação.
A centralidade da autoavaliação
De acordo com Boud e Brew (apud CAVALARI 2009) o conhecimento é moldado
de acordo com os interesses e necessidades da humanidade, que se fundamentam em
diferentes aspectos da vida social, tais como: trabalho, interação e poder. Esses
interesses são estruturados por processo de aprendizagem e podem determinar as mais
diversas formas de descobertas do conhecimento. Habermas distingue três tipos de
interesses: i) o técnico, que envolve intercâmbio com a natureza; ii) o comunicativo, que
representa a comunicação entre os sujeitos; iii) o emancipatório, que envolve
autoconhecimento ou autorreflexão.
Para analisarem como se organiza a autoavaliação frente a esses interesses, Bud e
Brew (apud CAVALARI 2009) utilizam-se de três categorias: a primeira está voltada
para o trabalho e a serviço do interesse técnico, objetiva a aquisição do conhecimento
técnico que prescreve o comportamento desejado diante a uma determinada tarefa. A
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autoavaliação nesse caso está a serviço de uma lógica avaliativa mais centrada na
quantidade de informações que foram compreendidas e em sua realização inclui um
modelo e um conjunto de critérios pré-estabelecidos a serem seguidos. Constatamos a
presença dessa categoria na concepção de avaliação de 15% dos 43 alunos da turma
estudada, o que se comprova nos seguintes depoimentos:
Camilla: A autoavaliação deve ser realizada por meio de perguntas e
respostas para avaliar o rendimento e observar o que o professor em
formação aprendeu.
Rodrigo: Deve-se utilizar fichas com os aspectos relacionados a uma
pontuação.
Rafael: Para mim a autoavaliação deve envolver questões que abordem
todos os aspectos da disciplina.
A segunda categoria está articulada com a interação social e vinculada ao
interesse comunicativo. Sob essa lógica, o conhecimento é construído num processo
interativo, de mútua negociação e compreensão interpretativa. Nesse caso, a
autoavaliação é construída de forma recíproca e consensual. Seus critérios são
negociados e coletivamente elaborados. Na turma pesquisada, essa categoria foi
vivenciada pelos professores em formação ao decidirem que a elaboração dos
descritores que norteariam a autoavaliação fosse elaborada de forma coletiva e
participativa. Isso reforçou o caráter democrático do processo avaliativo, o que foi
corroborado pelo aluno Hugo: ―(...) destaco a importância desta prática avaliativa e do
modo como foi criada, com um caráter diferenciado, pelo fato de ter sido construída
através da relação/discussão professor em formação/professor”.
O aluno quis dizer que sua participação na elaboração dos critérios da
autoavaliação, fez com que ele se sentisse responsável por seu processo avaliativo.
Nessa perspectiva, a organização do trabalho pedagógico da disciplina deixou de ser de
responsabilidade apenas do professor e passou a ser de todos os alunos da turma.
Durante o processo muitos ajustes tiveram que ser realizados. Os professores em
formação sentiam-se bastante à vontade para dizer ―isto está dando certo‖ ou ―não está
funcionando‖, o que fez a com que a avaliação se efetivasse (realmente) como um
processo contínuo e norteador de aprendizagem e estivesse presente no cotidiano da sala
de aula.
No estudo, constatamos que 65% do universo de 43 alunos compreendiam a
avaliação na perspectiva de negociação, embora estivesse ainda muito presente a
questão do ―quanto vai valer‖, a noção da avaliação como uma moeda de barganha e
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não como conteúdo de reflexão sobre as aprendizagens tanto do aluno como do
professor (VILLAS BOAS, 2008). Essa visão de avaliação foi mais evidenciada entre
os professores em formação dos seguintes cursos de licenciaturas: Física, Matemática,
Química e Ciência da Computação. Isso parece indicar que a forma como o futuro
professor é avaliado em seu processo de formação tem impacto direto sobre a sua forma
de perceber e conceber a avaliação.
Porém, na área das ciências humanas, os alunos conseguem perceber o processo
avaliativo como eixo de retomadas e modificações e, sobretudo, do diálogo pedagógico
entre o professor e professor em formação. Para o aluno Saulo, a autoavaliação
oportuniza ―o diálogo sobre minhas aprendizagens e dificuldades com o professor. Isso
mostra uma verdadeira relação professor/professor em formação”. O que é reforçado
pela aluna Adriele ao considerar que por meio ―da autoavaliação ocorre a efetivação do
diálogo entre professor-professor em formação-conhecimento”. Não um diálogo
impositivo ou despossuído de significados com base em ―achismo‖ ou abstrações, mas
um diálogo aberto, redirecionante e propositivo.
A terceira categoria de autoavaliação, de acordo Bud e Brew (apud CAVALARI
2009), está voltada para o interesse emancipatório, estando baseado no
autoconhecimento e na autorreflexão, em que o conhecimento possui um aspecto meta-
analítico. Nessa perspectiva, a autoavaliação é então gerada na reflexão realizada sobre
as ações desenvolvidas. Busca a compreensão não apenas do conhecimento, mas
também do processo de apreensão desse conhecimento pelo sujeito cognoscente. Essa
compreensão sobre o modo de pensar leva-o a uma consciência histórica e
transformadora. Constatamos que apenas 25% dos 43 alunos da turma I chegaram a esse
nível de análise. Para eles a avaliação transpõe os muros da escola e adentra a vida, é
basilar na construção da cidadania, da subjetividade e da autoestima. Vejamos alguns
depoimentos:
Krissiane: Vejo a autoavaliação como possibilidade de autonomia do
próprio professor em formação em relação a seu desenvolvimento e
aprendizagem.
Taynara: Traz autonomia aos alunos, por meio da reflexão sobre suas ações.
Patrícia: na avaliação a responsabilidade é sempre do outro. O aprendizado
é meu e a autoavaliação exige honestidade comigo mesmo.
Diante de tais depoimentos e com base em Scaramucci (1999 apud CAVALARI,
2002), percebemos o quanto é essencial poder confiar na capacidade autoavaliativa dos
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aprendizes e redefinir os papéis desempenhados na relação que se estabelece entre o
aluno e o professor/avaliador. Para esse autor, as abordagens avaliativas centradas no
professor em formação supõem práticas pedagógicas mais coerentes do professor e
iniciativas mais autônomas do aluno. Isso não quer dizer que a autoavaliação substituirá
a avaliação do professor, mas a ela são somados mais um olhar e outra possibilidade de
reflexão.
Dessa forma, fica claro que o ensino não depende exclusivamente do docente,
assim como aprendizagem não é algo apenas do professor em formação, mas construída
nas relações entre eles estabelecidas. No processo de autoavaliação essas compreensões
se articulam e se completam, pois ao se autoavaliar o professor em formação reflete
sobre suas aprendizagens, busca analisar suas compreensões e dificuldades e a partir
daí, busca redirecionar conscientemente seus processos de aprendizagens. Dessa forma,
está realizando o pensar e (re) pensar sobre suas operações cognitivas. O exercício da
autoavaliação oportuniza o aluno analisar e melhorar as aprendizagens e a utilizar
recursos cognitivos e metacognitivos que venham proporcionar a aproximação entre o
sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido, como também a refletir sobre onde se
está e onde se pretende chegar.
Sim, mas isso não precisa ser destacado. Tem alguma informação do Endipe
quanto às partes do texto? Desculpe-me, mas não encontrei nada sobre isso.
Mudar a cultura avaliativa requer mudanças epistemológicas, metodológicas e da
concepção de educação, de ensino, de aprendizagem e da relação professor e aluno. De
acordo com Sordi, (2010, p. 33), ―ao medo de não saber bem avaliar no paradigma que
fez da avaliação uma estratégia de controle e disciplinamento, deve surgir o despertar
para o potencial educativo da avaliação‖. Percebe-se que a autoavaliação pode ser uma
importante alternativa para a transformação da lógica avaliativa, pois ao oportunizar ao
professor em formação participar de seu processo de avaliação, faz com que ele
estabeleça outros vínculos com o ato de avaliar, pois não mais se aprende para avaliar,
mas avalia-se para aprender (FERNANDES, 2009).
Este trabalho reforça a convicção de que a formação de professores precisa deixar
de ser burocrática, autoritária, impositiva, verticalista, heterônoma e negadora da
realidade. Precisa estar mais articulada com as ações e relações que configuram o dia-a-
dia da experiência escolar. Precisa, sobretudo, comprometer-se com a construção de
conceitos e princípios que critiquem e redirecionem as tradicionais e excludentes
práticas pedagógicas desenvolvidas na educação brasileira.
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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001633