avaliaÇÃo formativa, portfÓlio e a autoavaliaÇÃo · em relação à avaliação formativa na...

12
AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO Silvia Lúcia Soares- UnB [email protected] Resumo O presente estudo propõe-se a refletir sobre a importância da diversificação de alternativas metodológicas, no caso a autoavaliação, no processo de formação, para que, futuramente, os professores possam considerá-la como possibilidade avaliativa em sua prática profissional. Esta investigação foi realizada em 2010, caracteriza-se como um estudo de caso que trata do processo autoavaliativo da turma I, do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB), na disciplina Didática Fundamental. Essa é uma turma mista, atende tanto aos alunos de Pedagogia como de algumas licenciaturas. O universo da pesquisa foi de 43 alunos, sendo 15 alunos de Pedagogia, 5 de Física, 3 de Química, 3 de Biologia, 4 de História, 1 de Antropologia, 4 de Ciências da Computação, 1 de Educação Física, 4 de Letras, 3 de Geografia. O interesse por este estudo manifestou-se por dois motivos: primeiramente, pelas inúmeras dificuldades encontradas por mim no exercício da docência em cursos superiores de formação de professores; e segundo, pelas inquietações em mim causadas com as leituras e reflexões realizadas no curso de doutorado, mais especificamente, na disciplina organização do Trabalho Pedagógico. Nele, analisam-se as categorias de autoavaliação sob três tipos de interesses: i) o técnico que envolve intercâmbio com a natureza; ii) o Comunicativo que representa a comunicação entre os sujeitos; iii) o emancipatório que envolve autoconhecimento ou autorreflexão. A pesquisa evidenciou que: a) a avaliação só faz sentido se dotada de significados pelos sujeitos que dela participam; b) a autoavaliação constitui-se em uma metodologia que auxilia o professor em formação a desenvolver competência de autocontrole e de organização de suas próprias aprendizagens. Palavras chave: Avaliação. Formação de professores. Avaliação formativa. Autoavaliação. Considerações Iniciais O texto abaixo faz parte do registro reflexivo de uma professora de Ensino Fundamental de Brazlândia, uma região administrativa do Distrito Federal, identificada como RA IV. Foi escrito no dia 29/07/2010, no encontro realizado com a equipe pedagógica da escola para discussão da avaliação da aprendizagem em sala de aula. Quando olho para um aluno em formação e independentemente de idade a primeira coisa que penso é em suas dificuldades. Mas e as minhas? Eu também tenho algumas, frutos do passado e pergunto: quando eu tinha as dificuldades desse aluno, o que o professor fez? Nem sempre era o que gostaria, imaginava outras ações, como me decepcionava... Fui aluna, sou aluna e pretendo ser (por muito tempo) e por essa razão procuro (eu tento, juro que tento e às vezes consigo!) agir como gostaria que tivessem XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001622

Upload: lamnhan

Post on 10-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO

Silvia Lúcia Soares- UnB [email protected]

Resumo

O presente estudo propõe-se a refletir sobre a importância da diversificação de

alternativas metodológicas, no caso a autoavaliação, no processo de formação, para que,

futuramente, os professores possam considerá-la como possibilidade avaliativa em sua

prática profissional. Esta investigação foi realizada em 2010, caracteriza-se como um

estudo de caso que trata do processo autoavaliativo da turma I, do Curso de Pedagogia

da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB), na disciplina

Didática Fundamental. Essa é uma turma mista, atende tanto aos alunos de Pedagogia

como de algumas licenciaturas. O universo da pesquisa foi de 43 alunos, sendo 15

alunos de Pedagogia, 5 de Física, 3 de Química, 3 de Biologia, 4 de História, 1 de

Antropologia, 4 de Ciências da Computação, 1 de Educação Física, 4 de Letras, 3 de

Geografia. O interesse por este estudo manifestou-se por dois motivos: primeiramente,

pelas inúmeras dificuldades encontradas por mim no exercício da docência em cursos

superiores de formação de professores; e segundo, pelas inquietações em mim causadas

com as leituras e reflexões realizadas no curso de doutorado, mais especificamente, na

disciplina organização do Trabalho Pedagógico. Nele, analisam-se as categorias de

autoavaliação sob três tipos de interesses: i) o técnico que envolve intercâmbio com a

natureza; ii) o Comunicativo que representa a comunicação entre os sujeitos; iii) o

emancipatório que envolve autoconhecimento ou autorreflexão. A pesquisa evidenciou

que: a) a avaliação só faz sentido se dotada de significados pelos sujeitos que dela

participam; b) a autoavaliação constitui-se em uma metodologia que auxilia o professor

em formação a desenvolver competência de autocontrole e de organização de suas

próprias aprendizagens.

Palavras chave: Avaliação. Formação de professores. Avaliação formativa.

Autoavaliação.

Considerações Iniciais

O texto abaixo faz parte do registro reflexivo de uma professora de Ensino

Fundamental de Brazlândia, uma região administrativa do Distrito Federal, identificada

como RA IV. Foi escrito no dia 29/07/2010, no encontro realizado com a equipe

pedagógica da escola para discussão da avaliação da aprendizagem em sala de aula.

Quando olho para um aluno em formação e – independentemente de idade – a

primeira coisa que penso é em suas dificuldades. Mas e as minhas? Eu também tenho

algumas, frutos do passado e pergunto: quando eu tinha as dificuldades desse aluno, o

que o professor fez? Nem sempre era o que gostaria, imaginava outras ações, como me

decepcionava... Fui aluna, sou aluna e pretendo ser (por muito tempo) e por essa razão

procuro (eu tento, juro que tento e às vezes consigo!) agir como gostaria que tivessem

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001622

Page 2: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

2

agido naquele tempo, afinal, educação é sempre educação. Mas mesmo com todas as

boas intenções, não sei bem avaliar. Isso gera em mim medo, insegurança e incertezas.

Tenho medo do meu medo de avaliar... Sei que tudo é um processo, vejo a vida como a

construção ou um portfólio. O que apreendi foi significativo, teve qualidade... é um

processo que exige reflexões diárias. Quando reflito sobre a avaliação que realizo com

meus alunos fico ainda mais angustiada. Melhor seria não pensar? Mas como

avaliadores estamos – querendo ou não - presentes em vários portfólios. Não sabemos

a dimensão de nossa invasão na construção do portfólio da vida do aluno, se sabemos,

procuramos ou fingimos ignorar. Avaliar é complexo e de muita responsabilidade. O

enredo do portfólio da vida do outro é norteado por nossas avaliações. Que rumo estou

dando a eles? Trabalhamos com vidas, não apenas aluno. Somos pessoas e não apenas

professores. Carecemos, ambos, de ajuda no processo de avaliar. (Professora Luíza).

O texto escrito pela professora Luíza é um desabafo e ao mesmo tempo um

pedido de ajuda. O professor tem dificuldades e medo em avaliar, sente-se inseguro e

desamparado ante o ato avaliativo. Sente que em sua formação foi mais avaliado para

formar do que formado para avaliar. Não teve, portanto, a oportunidade de participar,

experimentar, perguntar, dialogar, interpretar e compreender a avaliação.

Como enfrentar as indefinições e complexidade da avaliação no dia-a-dia da sala

de aula? Como superar as dúvidas cujas origens estão no passado de formação, porém

seus reflexos estão presentes no cotidiano de sua sala de aula?

São visíveis as lacunas existentes na formação do professor em relação à

avaliação. O processo avaliativo continua quase que exclusivamente centrado no

professor e os procedimentos didáticos adotados não proporcionam aos professores em

formação a oportunidade de repensar suas aprendizagens (VASCONCELOS, 1995).

Conforme Mendes (2006), se por um lado, as políticas educacionais não favorecem

modificações na prática avaliativa, por outro lado, academicamente, não tem havido

esforços em construir novas alternativas e maneiras de avaliar. Na maioria das vezes,

nos cursos de formação, os três pilares do processo: o ensino, a aprendizagem e a

avaliação são tratados de maneira desconexa e desarticulada.

Nesses cursos, na maioria das vezes, o eixo da formação está centrado no ato de

ensinar e não no ato de aprender. Neles, prevalece ainda o aspecto somativo da

avaliação voltado para médias e resultados ou para responder às demandas burocráticas

imediatas. Nesse sentido, a avaliação está mais voltada para a classificação do que para

a melhoria dos processos de aprendizagens. Para Mendes (2006), a avaliação, nessa

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001623

Page 3: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

3

perspectiva, é desprovida de significação social, política e pedagógica, não consegue,

portanto, extrapolar a visão limitada da mensuração.

Metodologicamente, o estudo em questão, apresenta caráter exploratório e uma

abordagem predominantemente qualitativa não descartando, porém, a conjugação com

os aspectos quantitativos, por considerar que os métodos quantitativos e qualitativos não

são incompatíveis, mas estão intimamente imbricados.

Para realização dessa investigação, inicialmente foi aplicado um questionário com

o objetivo de levantar as concepções prévias que os professores em formação tinham

sobre a autoavaliação. Utilizou-se também a observação processual do cotidiano da sala

de aula e a análise dos registros reflexivos elaborados pelos alunos e pelo professor no

decorrer do semestre.

Depois de tabuladas, as informações obtidas foram socializadas com os alunos da

turma e utilizadas como eixo norteador do aprofundamento teórico que realizou-se em

seguida com a utilização de textos de diversos autores tais como: HADJI (2001),

FREITAS (2002, 2003, 2009), MENDES (2006), VILLAS BOAS (2008),

CAVALARI (2009), SORDI (2009, 2010).

Didaticamente, os dados coletados foram organizados em categorias não dadas a

priori, pois não queríamos reduzi-las ao nível da abstração, uma vez, que conforme

Gatti (2003), as abstrações teóricas não são suficientes para compreender as situações

historicamente situadas e datadas. O concreto não se revela em simplismos explicativos

a priori enunciados. Assim, as categorias surgiram no decorrer do próprio estudo e, ao

mesmo tempo, foram permitindo algumas conexões e interpretações dos fatos que

constituíram e constituem o tema em questão.

A análise teórica dos dados foi elaborada, tendo como sustentação conceitual a

teoria de Boud e Brew (apud CAVALARI, 2009). Esses autores, baseados na teoria de

Habermas (1998), buscam diferenciar o conhecimento autoconstruído do conhecimento

em si. Para eles o conhecimento é moldado de acordo com os interesses e necessidades

humanas, sob três perspectivas: a técnica, a comunicativa ou da interação social e a

emancipatória, o que será mais bem explicado ao longo do texto.

A avaliação na formação e a formação na avaliação

Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e

Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em primeiro lugar, a introdução de pequenas

mudanças em sala de aula nas relações vividas entre o professor e os alunos. Em

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001624

Page 4: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

4

segundo lugar, supõe o investimento no envolvimento do professor em formação com

sua autoavaliação, ou seja, a máxima ―aprender a aprender‖ deve incluir a noção de

―aprender a avaliar‖.

Nessa mesma lógica, para Fernandes (2009) a avaliação formativa é que

oportuniza a escola prever instrumentos de análise de seus resultados e dos resultados

dos alunos e, mediante essa reflexão, fazer intervenções críticas em suas práticas,

visando melhorar as aprendizagens, pois a avaliação só faz sentido se dotada de

significados pelos sujeitos que dela participam e, a partir daí, possam reformular ou

redimensionar a organização do trabalho pedagógico e das práticas avaliativas da escola

e do dia-a-dia em sala de aula.

Na perspectiva formativa, a avaliação deve ser abrangente e contemplar tanto as

questões ligadas estritamente ao processo ensino/aprendizagem, como as que se referem

à organização do trabalho pedagógico, à função socializadora e cultural da escola, à

formação das identidades, dos valores, enfim a todo o processo de formação do

educador. Portanto, não pode ser concebida como produto, mas sim como parte

integrante da formação, com a função de retroalimentar e redirecionar, quando

necessário, o percurso da formação docente e evidenciar o desenvolvimento e as

aprendizagens do profissional em formação.

Porém, introduzir mudanças no processo avaliativo da e na formação não é uma

tarefa fácil. Pelo contrário, exige mudanças de postura e de superação da perspectiva

meramente classificatória que vem, historicamente, sendo dada à avaliação. Exige

também mudança de concepções e a utilização de procedimentos que consigam atender

a esse novo paradigma avaliativo. Quanto a isso a aluna Rayane afirma que:

(...) estamos acostumados a sermos avaliados e não nos avaliar, mas acho

importante vermos outros métodos avaliativos, pois somo educadores que

avaliamos ou avaliaremos nossos alunos, e assim, teremos novas concepções

e maneiras de avaliar.

Muitas são as alternativas metodológicas e instrumentais que podem ser aplicadas

na (re) significação e (re) construção da prática avaliativa no sentido de conferir-lhe um

sentido mais democrático, participativo e social. Entre essas alternativas destacamos o

portfólio, por considerá-lo, em sua especificidade, um instrumento que permite ao aluno

em formação refletir sobre a trajetória da construção do conhecimento e compreender

melhor o processo de apreensão do saber constituído. Para Villas Boas (2005, p. 293)

A avaliação tem sido um saber marginalizado na formação de professores. O

uso do portfólio pode ser uma forma de colocá-la em debate justamente em

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001625

Page 5: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

5

um dos espaços a ela destinados, o da formação de professores. Isso requer

mudança de concepção da avaliação: o professor deixa de ser o ―examinador‖

e o aluno, o ―examinado‖.

Mas o que vem a ser o portfólio? É um instrumento ou uma metodologia de

avaliação?

Entendemos o portfólio, por um lado como metodologia de avaliação, por

constituir-se em uma postura, uma práxis, uma dinâmica de superação e transformação,

que se efetiva em um movimento tríplice: de crítica da construção do conhecimento

novo; nova síntese do plano de conhecimento; ação em relação à nova síntese

estabelecida. É um instrumento de registro, de coleta de dados e de informações. Para

Villas Boas (2005) ele transcende o aspecto instrumental por ampliar, por meio da

articulação teoria e prática, a compreensão do caráter epistemológico, ético e político da

avaliação. Para a autora, ―ele é considerado não apenas um procedimento de avaliação,

mas o eixo organizador do trabalho pedagógico, em virtude da importância que passa a

ter durante todo o processo‖ (p. 293).

Ainda, de acordo com Villas Boas (2001), o portfólio está apoiado em seis

princípios básicos: a construção pelo próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e

tomar decisões; a reflexão sobre as suas produções; a criatividade, porque o aluno

escolhe a maneira de organizar o portfólio e busca formas diferentes de aprender; a

autoavaliação pelo aluno, porque ele está permanentemente avaliando o seu progresso; a

parceria professor-aluno e entre alunos, eliminando-se ações e atitudes verticalizadas e

centralizadoras; a autonomia do aluno perante o trabalho.

Logo, o portfólio oportuniza ao professor em formação, por meio do exercício

pedagógico da autoavaliação, experimentar alternativas diversificadas e poder,

posteriormente, considerá-las como possibilidades avaliativas em sua própria prática

profissional. De acordo com Cavalari (2009, p. 101), a autoavaliação é uma forma de

avaliação formativa que oportuniza a reflexão sobre aquele que vive a aprendizagem O

que é corroborado por Jaqueline, aluna da turma I ao conceber a autoavaliação ―(...)

como o processo de revisão de si mesmo. Olhar no espelho, ver o que mudou, o que

precisa mudar e o que deve permanecer em minha formação”. Essa forma de avaliação

é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, pois o sujeito que não realiza a

autocrítica sobre suas ações não muda de opinião.

Segundo Harlen & James (1998 apud FERNANDES 2009), a avaliação

formativa efetivada pela autoavaliação apresenta dupla natureza: é criterial por referir a

critérios sob os quais professores e os alunos analisam as aprendizagens e ipsativa

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001626

Page 6: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

6

porque é relativa ao próprio professor em formação na comparação consigo mesmo. Em

ambos os processos, está voltada para as aprendizagens dos professores em formação,

sendo considerada como eixo norteador dos ajustamentos e redirecionamentos

necessários do processo educativo. Em relação à autoavaliação, Villas Boas (2008,

p.51) afirma:

[...] é um componente importante da avaliação formativa. Refere-se ao

processo pelo qual o próprio professor em formação analisa continuamente as

atividades desenvolvidas e em desenvolvimento, registra suas percepções e

seus sentimentos e identifica futuras ações, para que haja avanço na

aprendizagem.

A autoavaliação constitui-se no registro da reflexão sobre o fazer pedagógico e do

movimento de construção e desconstrução de significados e aprendizagens, tornando a

formação um processo de superação das práticas até então vivenciadas, principalmente

as avaliativas. Para Régnier (1999), na autoavaliação o aluno em formação torna-se

capaz de: i) informar-se sobre sua própria ação ou sobre si mesmo; (ii) regular a ação

por si mesmo; (iii) guiar-se por si mesmo na sua ação; (iv) melhorar por si mesmo a

eficácia de sua ação. Para o autor a autoavaliação:

...] é um processo cognitivo complexo pelo qual um indivíduo (aprendiz,

professor) faz um julgamento voluntário e consciente por si mesmo e para si

mesmo, com o objetivo dum melhor conhecimento pessoal, da regulação de

sua ação ou de suas condutas, do aperfeiçoamento da eficácia de suas ações,

do desenvolvimento cognitivo (p. 03).

O processo de autoavaliação para o professor em formação é realizado por ―ele

mesmo‖ e ―para ele mesmo‖. ―Ninguém melhor que o sujeito que aprende para

conhecer o que realmente sabe‖ (ÁLVAREZ MÈZARO, 2005, p. 18). Portanto, a

autoavaliação torna-se instrumento privilegiado de diálogo com a realidade,

transformando as experiências vividas na formação profissional em objeto de reflexão e

estudo. Para Scaramucci (1999 apud CAVALARI 2009), envolver o futuro professor

em seu processo avaliativo não pressupõe substituir a avaliação do professor pela

autoavaliação do aluno, mas somar ao olhar do docente o olhar do professor em

formação, de uma maneira gradual e responsável a fim de não banalizar o processo

avaliativo. Como já foi defendido, ―a máxima aprender a aprender deve incluir a noção

de aprender a avaliar (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2006, p. 32).

Destarte, a avaliação constitui-se em uma metodologia de autorregulação que

auxilia o professor em formação a desenvolver competência de autocontrole e de

organização de suas próprias aprendizagens. Para Perrenoud (1999) a autorregulação é a

capacidade do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001627

Page 7: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

7

estratégias diante das tarefas e obstáculos, ou seja, a é o processo pelo qual o indivíduo

assegura, por si mesmo, a organização e desenvolvimento de suas e aprendizagens.

Como metodologia de autorregulação, a autoavaliação transforma-se em

instrumento metacognitivo, oportunizando ao aluno o acompanhamento e

monitoramento de seus pensamentos durante o processo de formação e de construção do

conhecimento. Para Hadji (2001, p. 103) a metacognição é a atividade de autocontrole

refletido nas ações e condutas do sujeito que aprende. Desse modo, transforma-se em

postura dialógica do sujeito frente à realidade, torna-se uma metodologia de apreensão

radical (que vai à raiz) da realidade, o que é confirmado por essa aluna:

Acredito que a autoavaliação traz autonomia aos alunos na construção da

reflexão sobre suas ações. Faz com que esse professor em formação torne

um sujeito ativo dessa reflexão, contrário passividade que existe, onde

esperamos que alguém nos avalie com apenas números (KRISSIANE).

Para Sordi (2010, p. 32) ―Alguns saberes eclipsados na capacitação do docente

universitário ajudam a naturalizar a cultura da avaliação e sua lógica classificatória,

individualista, excludente e supostamente neutra, teoricamente criticada‖. É perceptível

a naturalização, por parte do professor em formação, de sua não participação nos

processos avaliativos da escola. Essa naturalização o leva a uma acomodação e a uma

obediência passiva diante do processo e do resultado da avaliação. Percebe-se que,

dessa forma, a educação legitima amarras subjetivas e sociais, torna-se instrumento de

opressão e de alienação no próprio processo de formação.

A centralidade da autoavaliação

De acordo com Boud e Brew (apud CAVALARI 2009) o conhecimento é moldado

de acordo com os interesses e necessidades da humanidade, que se fundamentam em

diferentes aspectos da vida social, tais como: trabalho, interação e poder. Esses

interesses são estruturados por processo de aprendizagem e podem determinar as mais

diversas formas de descobertas do conhecimento. Habermas distingue três tipos de

interesses: i) o técnico, que envolve intercâmbio com a natureza; ii) o comunicativo, que

representa a comunicação entre os sujeitos; iii) o emancipatório, que envolve

autoconhecimento ou autorreflexão.

Para analisarem como se organiza a autoavaliação frente a esses interesses, Bud e

Brew (apud CAVALARI 2009) utilizam-se de três categorias: a primeira está voltada

para o trabalho e a serviço do interesse técnico, objetiva a aquisição do conhecimento

técnico que prescreve o comportamento desejado diante a uma determinada tarefa. A

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001628

Page 8: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

8

autoavaliação nesse caso está a serviço de uma lógica avaliativa mais centrada na

quantidade de informações que foram compreendidas e em sua realização inclui um

modelo e um conjunto de critérios pré-estabelecidos a serem seguidos. Constatamos a

presença dessa categoria na concepção de avaliação de 15% dos 43 alunos da turma

estudada, o que se comprova nos seguintes depoimentos:

Camilla: A autoavaliação deve ser realizada por meio de perguntas e

respostas para avaliar o rendimento e observar o que o professor em

formação aprendeu.

Rodrigo: Deve-se utilizar fichas com os aspectos relacionados a uma

pontuação.

Rafael: Para mim a autoavaliação deve envolver questões que abordem

todos os aspectos da disciplina.

A segunda categoria está articulada com a interação social e vinculada ao

interesse comunicativo. Sob essa lógica, o conhecimento é construído num processo

interativo, de mútua negociação e compreensão interpretativa. Nesse caso, a

autoavaliação é construída de forma recíproca e consensual. Seus critérios são

negociados e coletivamente elaborados. Na turma pesquisada, essa categoria foi

vivenciada pelos professores em formação ao decidirem que a elaboração dos

descritores que norteariam a autoavaliação fosse elaborada de forma coletiva e

participativa. Isso reforçou o caráter democrático do processo avaliativo, o que foi

corroborado pelo aluno Hugo: ―(...) destaco a importância desta prática avaliativa e do

modo como foi criada, com um caráter diferenciado, pelo fato de ter sido construída

através da relação/discussão professor em formação/professor”.

O aluno quis dizer que sua participação na elaboração dos critérios da

autoavaliação, fez com que ele se sentisse responsável por seu processo avaliativo.

Nessa perspectiva, a organização do trabalho pedagógico da disciplina deixou de ser de

responsabilidade apenas do professor e passou a ser de todos os alunos da turma.

Durante o processo muitos ajustes tiveram que ser realizados. Os professores em

formação sentiam-se bastante à vontade para dizer ―isto está dando certo‖ ou ―não está

funcionando‖, o que fez a com que a avaliação se efetivasse (realmente) como um

processo contínuo e norteador de aprendizagem e estivesse presente no cotidiano da sala

de aula.

No estudo, constatamos que 65% do universo de 43 alunos compreendiam a

avaliação na perspectiva de negociação, embora estivesse ainda muito presente a

questão do ―quanto vai valer‖, a noção da avaliação como uma moeda de barganha e

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001629

Page 9: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

9

não como conteúdo de reflexão sobre as aprendizagens tanto do aluno como do

professor (VILLAS BOAS, 2008). Essa visão de avaliação foi mais evidenciada entre

os professores em formação dos seguintes cursos de licenciaturas: Física, Matemática,

Química e Ciência da Computação. Isso parece indicar que a forma como o futuro

professor é avaliado em seu processo de formação tem impacto direto sobre a sua forma

de perceber e conceber a avaliação.

Porém, na área das ciências humanas, os alunos conseguem perceber o processo

avaliativo como eixo de retomadas e modificações e, sobretudo, do diálogo pedagógico

entre o professor e professor em formação. Para o aluno Saulo, a autoavaliação

oportuniza ―o diálogo sobre minhas aprendizagens e dificuldades com o professor. Isso

mostra uma verdadeira relação professor/professor em formação”. O que é reforçado

pela aluna Adriele ao considerar que por meio ―da autoavaliação ocorre a efetivação do

diálogo entre professor-professor em formação-conhecimento”. Não um diálogo

impositivo ou despossuído de significados com base em ―achismo‖ ou abstrações, mas

um diálogo aberto, redirecionante e propositivo.

A terceira categoria de autoavaliação, de acordo Bud e Brew (apud CAVALARI

2009), está voltada para o interesse emancipatório, estando baseado no

autoconhecimento e na autorreflexão, em que o conhecimento possui um aspecto meta-

analítico. Nessa perspectiva, a autoavaliação é então gerada na reflexão realizada sobre

as ações desenvolvidas. Busca a compreensão não apenas do conhecimento, mas

também do processo de apreensão desse conhecimento pelo sujeito cognoscente. Essa

compreensão sobre o modo de pensar leva-o a uma consciência histórica e

transformadora. Constatamos que apenas 25% dos 43 alunos da turma I chegaram a esse

nível de análise. Para eles a avaliação transpõe os muros da escola e adentra a vida, é

basilar na construção da cidadania, da subjetividade e da autoestima. Vejamos alguns

depoimentos:

Krissiane: Vejo a autoavaliação como possibilidade de autonomia do

próprio professor em formação em relação a seu desenvolvimento e

aprendizagem.

Taynara: Traz autonomia aos alunos, por meio da reflexão sobre suas ações.

Patrícia: na avaliação a responsabilidade é sempre do outro. O aprendizado

é meu e a autoavaliação exige honestidade comigo mesmo.

Diante de tais depoimentos e com base em Scaramucci (1999 apud CAVALARI,

2002), percebemos o quanto é essencial poder confiar na capacidade autoavaliativa dos

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001630

Page 10: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

10

aprendizes e redefinir os papéis desempenhados na relação que se estabelece entre o

aluno e o professor/avaliador. Para esse autor, as abordagens avaliativas centradas no

professor em formação supõem práticas pedagógicas mais coerentes do professor e

iniciativas mais autônomas do aluno. Isso não quer dizer que a autoavaliação substituirá

a avaliação do professor, mas a ela são somados mais um olhar e outra possibilidade de

reflexão.

Dessa forma, fica claro que o ensino não depende exclusivamente do docente,

assim como aprendizagem não é algo apenas do professor em formação, mas construída

nas relações entre eles estabelecidas. No processo de autoavaliação essas compreensões

se articulam e se completam, pois ao se autoavaliar o professor em formação reflete

sobre suas aprendizagens, busca analisar suas compreensões e dificuldades e a partir

daí, busca redirecionar conscientemente seus processos de aprendizagens. Dessa forma,

está realizando o pensar e (re) pensar sobre suas operações cognitivas. O exercício da

autoavaliação oportuniza o aluno analisar e melhorar as aprendizagens e a utilizar

recursos cognitivos e metacognitivos que venham proporcionar a aproximação entre o

sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido, como também a refletir sobre onde se

está e onde se pretende chegar.

Sim, mas isso não precisa ser destacado. Tem alguma informação do Endipe

quanto às partes do texto? Desculpe-me, mas não encontrei nada sobre isso.

Mudar a cultura avaliativa requer mudanças epistemológicas, metodológicas e da

concepção de educação, de ensino, de aprendizagem e da relação professor e aluno. De

acordo com Sordi, (2010, p. 33), ―ao medo de não saber bem avaliar no paradigma que

fez da avaliação uma estratégia de controle e disciplinamento, deve surgir o despertar

para o potencial educativo da avaliação‖. Percebe-se que a autoavaliação pode ser uma

importante alternativa para a transformação da lógica avaliativa, pois ao oportunizar ao

professor em formação participar de seu processo de avaliação, faz com que ele

estabeleça outros vínculos com o ato de avaliar, pois não mais se aprende para avaliar,

mas avalia-se para aprender (FERNANDES, 2009).

Este trabalho reforça a convicção de que a formação de professores precisa deixar

de ser burocrática, autoritária, impositiva, verticalista, heterônoma e negadora da

realidade. Precisa estar mais articulada com as ações e relações que configuram o dia-a-

dia da experiência escolar. Precisa, sobretudo, comprometer-se com a construção de

conceitos e princípios que critiquem e redirecionem as tradicionais e excludentes

práticas pedagógicas desenvolvidas na educação brasileira.

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001631

Page 11: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

11

Referências

ÁLVAREZ MÉNDEZ, Juan Manoel. Avaliar para conhecer, examinar para excluir.

Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002.

CARVALHO, Maria Orquiza de Carvalho e MARTINEZ, Carmem Lídia Pires

Martinez. Avaliação Formativa: a autoavaliação do professor em formação e a

autoformação de professores. Ciência & Educação, v. 11, n. 1, p. 133-144, 2005.

CAVALARI SUZI MARQUES SPATTI. A Autoavaliação em um Contexto de

Ensino- aprendizagem de Línguas em Tandem via Chat. (Doutorado em Estudos

Linguísticos) Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2009. 240 p. (tese)

FERNANDES, Domingues. Avaliar para aprender: fundamentos, práticas e políticas.

São Paulo: UNESP, 2009.

FREITAS, Luiz Carlos. A internalização da exclusão. Educação e sociedade,

Campinas, v. 23, n. 80, set./2002, p. 301-327.

GATTI, Bernadete A. Reflexões á margem sobre o tratamento dado a questões de

avaliação educacional in: FREITAS, Luiz C. de (Org.). Questões de Avaliação

Educacional. Campinas, SP: Komedi, 2003, p. 09 - 20.

HADJI, Charles. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.

MENDES, Olenir Maria. Formação de professor e avaliação educacional: o que

aprendem os estudantes das licenciaturas durante sua formação. (Doutorado em

Educação) Faculdade de Educação USP, São Paulo, 2006. 166 p. (Tese).

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas

lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

RÉGNIER, Jean-Claude. A autoavaliação na prática pedagógica. Avaliação, v.4, n.4

(14), p.45-53, dez.1999.

SORDI Mara Lemes de e LUDKE Menga. Da avaliação da aprendizagem à avaliação

institucional: aprendizagens necessárias in: SOUZA, Eliana da Silva e SORDI Mara

Lemes de (org.). Avaliação Institucional como mediadora da qualidade da escola

pública: a rede municipal de Campinas como espaço de aprendizagem. Secretaria

Municipal de Educação de campinas. Campinas: Millennium, 2009.

______. Por uma aprendizagem ―maiúscula‖ da avaliação da aprendizagem. Belo

Horizonte: Autêntica, 2010. (Coleção Didática e Prática de Ensino, XV Endipe, p. 22-

35).

VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto

educativo. São Paulo: Libertad, 1995.

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001632

Page 12: AVALIAÇÃO FORMATIVA, PORTFÓLIO E A AUTOAVALIAÇÃO · Em relação à avaliação formativa na formação de professores, Carvalho e Martinez (2005) afirmam que esta supõe, em

12

VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Avaliação formativa: em busca do desenvolvimento

do aluno, do professor e da escola. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). As dimensões do

projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus: 2001, p. 175-212.

______. Benigna Maria Freitas. Virando a escola pelo avesso por meio da avaliação.

Campinas: Papirus, 2008.

______. O Portfólio no curso de Pedagogia: ampliando o diálogo entre professor e

aluno, Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 90, p. 291-306, Jan./Abr. 2005.

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001633