avaliação formativa no ensino superior

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Dissertação de Mestrado

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    NATLIA LUIZA DA SILVA

    AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:

    AVANOS E CONTRADIES

    UBERLNDIA

    2015

  • NATLIA LUIZA DA SILVA

    AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:

    AVANOS E CONTRADIES

    Trabalho apresentado Comisso Examinadora para Defesa de Dissertao de Mestrado no Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Linha de pesquisa: Saberes e Prticas Educativas Orientadora: Profa. Dra. Olenir Maria Mendes

    UBERLNDIA

    2015

  • Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    (Maurcio Amormino Jnior, CRB6/2422)

    Silva, Natlia Luiza da. S586a Avaliao formativa no ensino superior: avanos e contradies / Natlia

    Luiza da Silva. Uberlndia (MG), 2015. 171 f. : il. Orientador: Olenir Maria Mendes. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Federal de

    Uberlndia, Faculdade de Educao. 1. Avaliao educacional. 2. Ensino superior. 3. Prtica de ensino. 4.

    Testes e medidas educacionais. I. Mendes, Olenir Maria. II. Universidade Federal de Uberlndia. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

    CDU: 378

  • NATLIA LUIZA DA SILVA

    AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:

    AVANOS E CONTRADIES

    Trabalho apresentado Comisso Examinadora para Defesa de Dissertao de Mestrado no Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Linha de pesquisa: Saberes e Prticas Educativas. Orientadora: Profa. Dra. Olenir Maria Mendes

    Aprovada em: _____/ _____/ __________

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________

    Profa. Dra. Olenir Maria Mendes (Orientadora)

    Universidade Federal de Uberlndia (UFU)

    ___________________________________________________________

    Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi

    Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    ___________________________________________________________

    Profa. Dra. Camila Lima Coimbra

    Universidade Federal de Uberlndia (UFU)

  • minha famlia e, em especial, ao meu

    companheiro Mrcio Augusto, que tambm foi

    inspirao para este trabalho.

    A todos(as) os(as) colegas professores(as) e

    tcnicos(as) da Universidade Federal de

    Uberlndia, que trabalham incansavelmente

    por uma educao de qualidade.

    A todos(as) os(as) estudantes que, assim como

    eu, no s aproveitaram as oportunidades de

    formao oferecidas pela Instituio, mas

    tambm sonharam, em algum momento, em

    torn-la melhor.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus, antes de tudo, por todas as oportunidades que me tem concedido.

    Agradeo aos meus familiares, que sempre me incentivaram a prosseguir em busca de

    novas conquistas. E por compreenderem, muitas vezes, minha ausncia e meu cansao.

    Agradeo ao meu companheiro, Mrcio Augusto, que, mesmo nos momentos mais

    difceis, esteve firme ao meu lado. Ouviu, pacientemente, sobre as minhas angstias,

    procurando compreend-las, mas, ao mesmo tempo, dispunha sempre de palavras

    encorajadoras, na tentativa de me auxiliar.

    Agradeo ao meu padrinho, Gabriel Wellesley, que, mesmo no estando mais

    fisicamente entre ns, se fez presente pelas lembranas das experincias partilhadas sobre a

    vida acadmica. Incentivou-me a construir expectativas que jamais teria imaginado antes.

    Agradeo professora Olenir, pela pacincia e pelo respeito que sempre teve por mim.

    Aprendi a admir-la, a partir de nossa convivncia, por sua autenticidade, pelo compromisso

    com a educao que emana de cada atitude sua, pela luta por uma sociedade melhor, pelo

    modo amoroso como ensina e por estar sempre disposta a ajudar.

    Agradeo s professoras Camila e Lcia, pelas valiosas contribuies durante o Exame

    de Qualificao. Obrigada, sobretudo, pelo carinho com que fizeram a leitura do trabalho e se

    dispuseram a auxiliar.

    Agradeo a todos(as) os(as) colegas que compem o Grupo de Estudos e Pesquisas

    sobre Avaliao Educacional (GEPAE), com os quais aprendi muito durante o perodo do

    mestrado, a partir das discusses provocativas que construmos em nossos encontros.

    Agradeo tambm aos(s) colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didtica e em

    Desenvolvimento Profissional dos Professores (GEPEDI), com os quais, mesmo antes de

    ingressar no mestrado, pude me interar dos dilemas da formao do(a) professor(a)

    universitrio(a). Agradeo, em especial, professora Geovana, que me acolheu calorosamente

    no mbito do grupo e que, com sua paixo, despertou o desejo de estudar mais sobre a

    docncia no ensino superior.

    Agradeo s amigas Marly, Marlei, Naiara e Paloma, com as quais tive a felicidade de

    conviver durante o curso de mestrado. Partilhamos no s as aflies prprias desse processo

    formativo, mas tambm muitos momentos de alegria, que sero sempre recordados com muita

    saudade.

    Agradeo a todos(as) os(as) companheiros(as) de trabalho da Diretoria de Ensino da

    Universidade Federal de Uberlndia (UFU), pelo apoio durante todo o perodo do mestrado.

  • Em especial, Aid, Anglica, ao Cinval, ao Edson, Jane, ao Jos Mariane, Iara,

    Mrcia Cristina, Mrcia Guimares e ao Tiago. Jamais me esquecerei do cuidado, do

    carinho e da pacincia que tiveram comigo nesse momento to importante para mim.

    Agradeo a todos(as) os(as) amigos(as) que estiveram presentes nesses ltimos dois

    anos. Em especial, Ludmila, por ler o trabalho, em primeira mo, com tanto cuidado,

    auxiliando em sua reviso.

  • Better try and fail to worry and see life pass.

    It is better to try, even in vain, to sit doing

    nothing until the end.

    I prefer walking in the rain, sad days in which

    I hide at home.

    I would rather be happy, but mad, according to

    live.

    (Martin Luther King)

  • RESUMO

    Esta pesquisa trata da avaliao das aprendizagens em cursos de graduao da Universidade Federal de Uberlndia (UFU) que tm a avaliao formativa como diretriz em seus projetos poltico-pedaggicos. O objetivo foi analisar os processos de avaliao das aprendizagens nesses cursos e verificar em que medida constituem uma avaliao para as aprendizagens, cumprindo seu papel pedaggico. O estudo foi desenvolvido em trs etapas. A primeira consistiu na anlise documental dos projetos poltico-pedaggicos dos cursos em questo. Posteriormente, foram analisados os planos de ensino dos componentes curriculares ministrados nesses cursos. Na ltima fase da pesquisa foram feitas entrevistas com professores(as) que demonstraram em seu plano de ensino mais indcios de realizarem a avaliao formativa. Foi possvel verificar, com a investigao, que houve um avano, embora pequeno, no discurso da Instituio, por meio de seus documentos oficiais de planejamento. Alguns deles j explicitam a necessidade de a prtica avaliativa ocorrer numa perspectiva formativa. Por outro lado, tanto nos planos de ensino quanto nas entrevistas foram identificados elementos incoerentes com os princpios da avaliao formativa. Acreditamos que esta pesquisa ser importante para subsidiar a reflexo acerca das propostas e prticas avaliativas no mbito da Instituio pesquisada e de outras Instituies de Ensino Superior. Palavras-chave: Avaliao das aprendizagens. Avaliao formativa. Ensino superior.

  • ABSTRACT

    This research deals with the evaluation of learning in undergraduate courses of Universidade Federal de Uberlndia (UFU) in which formative evaluation is a guideline in their political-pedagogical projects. The objective was to analyze the evaluation processes of learning in these courses and to check to what extent they are also part of learning, fulfilling their pedagogical role. The study was conducted in three stages. The first stage constituted the documentary analysis of political-pedagogical projects of the courses in question. Subsequently, the teaching plans of syllabus components taught in these courses were analyzed. The last stage of the research consisted of interviews with professors who showed in their teaching plans more indications of putting formative evaluation in practice. It was possible to check with this research that there was a breakthrough, though small, on the Institutions discourse, through its planning official documents. Some of them have already made explicit the need that the evaluating practice occurs in a formative perspective. On the other hand, incoherent elements with the principles of formative evaluation were identified both the teaching planes and the interviews. We believe this research will be important to promote the reflection on the proposals and evaluation practices in the scope of the institution researched and also other higher education institutions. Keywords: Learning evaluation. Formative evaluation. Higher education.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Grfico 1. Quantidade de cursos da UFU em Uberlndia que propem a avaliao formativa

    como diretriz nos seus PPCs................................................................................................. 62

    Grfico 2. Concepes de avaliao formativa nos PPCs da UFU ........................................ 94

    Grfico 3. Concepes de avaliao formativa nos PPCs da UFU sem projetos com texto

    idntico ................................................................................................................................ 94

    Grfico 4. Percentual aproximado de planos de ensino entregues por curso ........................ 104

    Grfico 5. Ocorrncias de procedimentos de avaliao nos planos de ensino ...................... 111

    Grfico 6. Procedimentos de avaliao ............................................................................... 111

    Grfico 7. Diversidade dos procedimentos de avaliao ..................................................... 113

    Grfico 8. Distribuio de notas ......................................................................................... 116

    Grfico 9. Periodicidade das avaliaes.............................................................................. 120

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ANDIFES Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino

    Superior

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CONGRAD Conselho de Graduao

    CONSUN Conselho Universitrio

    CPA Comisso Permanente de Avaliao

    CPDE Comisso Permanente de Desenvolvimento e Expanso

    ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

    FACIP Faculdade de Cincias Integradas do Pontal

    FIES Fundo de Financiamento Estudantil

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IFES Instituies Federais de Educao Superior

    IES Instituies de Ensino Superior

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    LDBN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PAAES Programa de Ao Afirmativa de Ingresso no Ensino Superior

    PAIES Programa Alternativo de Ingresso no Ensino Superior

    PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

    PIDE Plano Institucional de Desenvolvimento e Expanso

    PPC Projeto Poltico-pedaggico do Curso

    PROUNI Programa Universidade para Todos

    REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades

    Federais

    SINAES Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior

    UFU Universidade Federal de Uberlndia

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................................. 15

    CAPTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E A EDUCAO SUPERIOR: Tecendo

    um contexto ........................................................................................................................ 23

    1.1 Tendncias internacionais para as polticas pblicas e suas influncias no Brasil na

    dcada de 1990 ........................................................................................................... 23

    1.2 Reformas nas polticas educacionais brasileiras a partir dos anos 1990 e seus

    rebatimentos na educao superior .............................................................................. 26

    1.3 Expanso e democratizao do acesso ao ensino superior: uma ruptura com as

    polticas neoliberais? ................................................................................................... 32

    1.4 Afinal, que universidade queremos? Qual sua funo social? ................................ 38

    1.5 Docncia no ensino superior: em foco os problemas da formao docente ............. 41

    CAPTULO 2 O PLANEJAMENTO E A AVALIAO NA EDUCAO

    SUPERIOR ........................................................................................................................ 45

    2.1 O SINAES e seus desdobramentos para as IES ...................................................... 45

    2.2 Algumas consideraes sobre o planejamento educacional .................................... 48

    2.3 A elaborao do Plano Institucional de Desenvolvimento e Expanso (PIDE) e o

    processo de construo dos PPCs na UFU ................................................................... 51

    2.4 Ainda sobre o planejamento educacional: o sentido do plano de curso ................... 55

    2.5 A avaliao formativa nos documentos oficiais de planejamento da UFU .............. 57

    CAPTULO 3 A AVALIAO FORMATIVA NA PESQUISA EM EDUCAO .... 65

    3.1 Avaliao formativa: perspectivas tericas ............................................................ 65

    3.2 O campo terico da avaliao formativa no Brasil ................................................. 75

    3.3 Avaliao formativa na educao superior............................................................. 79

    3.4 A lgica que tem orientado a avaliao educacional .............................................. 84

    CAPTULO 4 AVALIAO FORMATIVA NA UFU: Desencontros entre o discurso

    institucional e a proposta pedaggica dos(as) professores(as) .......................................... 89

    4.1 A Universidade Federal de Uberlndia .................................................................. 89

    4.2 Os caminhos percorridos no desenvolvimento da pesquisa .................................... 91

  • 4.3 O que dizem os projetos poltico-pedaggicos dos cursos de graduao da UFU

    acerca da avaliao formativa? .................................................................................... 94

    4.3.1 Os cursos que se aproximam de uma concepo de avaliao formativa ........ 96

    4.3.2 Os cursos que se aproximam parcialmente de uma concepo de avaliao

    formativa ................................................................................................................ 97

    4.3.3 O curso que se distancia de uma concepo de avaliao formativa ............. 101

    4.4 Os planos de ensino e a avaliao proposta.......................................................... 102

    4.4.1 Os conceitos de avaliao expressos nos planos ........................................... 106

    4.4.2 Os critrios de avaliao estabelecidos nos planos ....................................... 107

    4.4.3 Os procedimentos de avaliao propostos .................................................... 110

    4.4.4 A nota como medida .................................................................................... 117

    4.4.5 A periodicidade das avaliaes .................................................................... 120

    4.4.6 Os planos de ensino e a avaliao formativa ................................................ 121

    CAPTULO 5 PARA QU SERVE A AVALIAO? COM A PALAVRA, OS(AS)

    PROFESSORES(AS) ....................................................................................................... 123

    5.1 Caracterizao dos sujeitos .................................................................................. 124

    5.2 As bases da concepo de avaliao: a compreenso da educao e a funo social

    da universidade ......................................................................................................... 125

    5.3 Organizao do trabalho pedaggico: onde entra a avaliao? ............................. 132

    5.4 Sobre o processo avaliativo e os procedimentos utilizados................................... 136

    5.5 Algumas polmicas: a nota e a reprovao .......................................................... 149

    5.6 A formao dos(as) professores(as) para a avaliao ........................................... 156

    CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 158

    REFERNCIAS ............................................................................................................... 163

    APNDICE ...................................................................................................................... 169

  • 15 INTRODUO

    Antes de apresentar a pesquisa realizada, falarei1 um pouco sobre a minha trajetria.

    Minha tentativa ser de expor os acontecimentos que, por causarem em mim certo incmodo,

    me impulsionaram ao estudo da avaliao das aprendizagens no ensino superior. Justifico,

    desde j, a utilizao do termo aprendizagens ao invs de aprendizagem, ao longo de todo

    o trabalho, por compreender que as aprendizagens resultantes do trabalho educativo so

    mltiplas e pertencentes a diversas dimenses.

    Em minha famlia, incluindo tios(as) e primos(as), fui a primeira a conseguir ingressar

    em um curso superior. Durante toda a minha vida escolar estudei em escolas pblicas e

    sempre tirei boas notas. Quando cursava o primeiro ano do ensino mdio, comecei a participar

    do Programa Alternativo de Ingresso no Ensino Superior (PAIES) da Universidade existente

    na cidade onde moro, a Universidade Federal de Uberlndia (UFU). Era um programa de

    seleo seriado: ao invs de fazermos apenas uma nica prova ao final do terceiro ano com

    todo o contedo do ensino mdio, fazamos uma prova ao final de cada ano, com o contedo

    previsto para aquela srie vale ressaltar que, atualmente, essa forma de ingresso j foi

    extinta na Instituio supracitada. Ao final do terceiro ano, decidi que queria cursar

    licenciatura em Letras e, ento, fui aprovada pelo PAIES.

    Quando comecei o curso, no ano de 2004, havia acabado de completar 17 anos.

    Percebi que as turmas eram divididas de acordo com a forma de ingresso. Assim, das 40

    vagas ofertadas naquele semestre, 20 foram preenchidas por meio do vestibular e 20 pelo

    PAIES. Para a maioria dos componentes curriculares havia duas turmas: uma composta

    pelos(as) 20 estudantes ingressantes por meio do vestibular e outra formada pelos(as) 20

    discentes ingressantes por meio PAIES. No demorou para que eu notasse que alguns(mas)

    professores(as) tratavam as duas turmas de modos diferentes.

    Lembro-me da fala de uma professora, que ministrava um componente bastante denso,

    a meu ver, considerando que estvamos no primeiro perodo do curso, aps a primeira

    avaliao da nossa turma. Ela afirmou discordar veementemente do fato de termos

    ingressado to jovens na universidade. Segundo ela, alm do fato de no termos maturidade

    suficiente, nossa escrita era pior que a de estudantes do ensino fundamental. E, para ela, no

    1 Ao falar da minha histria de vida, bem como de minhas opes terico-poltico-filosficas, utilizarei a primeira pessoa do singular como pessoa discursiva. Entretanto, ao falar da pesquisa, dos caminhos percorridos e ao longo de todo o texto, ser utilizada a primeira pessoa do plural, por entender que o trabalho de pesquisa no de autoria individual, mas sim realizado sob orientao e, por isso mesmo, constitui resultado de uma parceria entre orientadora e orientanda.

  • 16

    fazia parte de suas atribuies nos ensinar a escrever. Muitas colegas minhas choraram nesse

    dia, pelo modo desrespeitoso e pouco construtivo com o qual a professora exps sua opinio.

    Em torno de 70% da nossa turma foi reprovada nesse componente. Eu me esforcei muito na

    leitura dos textos propostos, que possuam uma linguagem bastante nova para mim e que

    tratavam de uma temtica com a qual eu nunca havia tido contato. Consegui ser aprovada com

    uma nota muito prxima da mnima necessria.

    Um pouco mais adiante, no incio do semestre letivo, fui buscar meu comprovante de

    matrcula na Secretaria da Coordenao de curso. Havia vrios colegas ali que tambm

    haviam ido quele local pelo mesmo motivo. Foi quando chegou um dos nossos professores

    daquele semestre. O secretrio aproveitou a oportunidade para dizer a ele que lamentava

    muito, mas teria de matricular mais trs estudantes, oriundos(as) de transferncia externa, em

    sua turma, que j estava bastante cheia, com mais de 40 estudantes. O professor, ento,

    respondeu mais ou menos assim: No faz mal. Pode matricular. Depois da primeira prova,

    mais da metade da turma vai desistir da disciplina. A a turma fica com um tamanho bom.

    Aquela fala me chamou a ateno, mais do que pela afirmao em si, pelo tom do docente,

    que parecia sentir muito orgulho do que estava dizendo.

    Ao longo do semestre, acabou ficando claro para mim que aquele professor gostava de

    ensinar. Em nossas discusses, ele tinha toda a pacincia para explicar novamente aquilo que

    ainda no havamos conseguido compreender. Estava sempre disposto a auxiliar em nossas

    aprendizagens, frequentemente falava dos temas abordados no mbito da disciplina de um

    modo muito entusiasmado, muito apaixonado, e, apesar de exigente, foi bastante simptico

    conosco. Ao final do semestre, a maioria da turma foi aprovada no componente ministrado

    por ele. Depois de algum tempo, lembrava-me daquele dilogo entre ele e o secretrio,

    instigada a compreender o sentido de sua fala, que a meu ver no condizia com sua postura

    como docente. Conclu que estava, muito antes, relacionada a uma representao bastante

    comum, infelizmente, do que ser um bom professor universitrio.

    Apesar de ter comeado a cursar Letras no turno diurno, ainda no primeiro perodo me

    dei conta de que precisaria trabalhar para custear meus estudos. Meus pais conseguiam pagar

    apenas o meu transporte para a Universidade. Mas os gastos com os livros, fotocpias,

    alimentao etc. comearam a aumentar, e logo no final do primeiro perodo eu pedi

    transferncia para o noturno, para que pudesse trabalhar durante o dia. At o ltimo perodo

    do curso trabalhei em reas distantes do campo profissional para o qual eu estava me

    formando. Por isso, quando terminei a graduao, ao final de 2007, decidi que iria exercer a

  • 17 profisso para a qual eu havia me preparado. Desse modo, pedi demisso do meu emprego e

    comecei a estudar para prestar concursos na rea de educao.

    Enquanto isso, comecei a atuar como professora de lngua portuguesa na rede estadual

    de educao de Minas Gerais, na cidade de Uberlndia, por meio de contratao temporria.

    Ao iniciar a carreira docente, comecei a perceber as minhas fragilidades formativas. Essa fase

    inicial foi difcil: pude notar que muitos elementos bsicos da prtica profissional docente no

    haviam sido devidamente contemplados em minha formao. No sabia por onde comear

    meu planejamento, como lidar com as crianas com deficincia ou com necessidades

    educacionais especiais inseridas em minhas turmas, e, ainda, como elaborar os instrumentos

    de avaliao. Confesso que, a princpio, compreendia a avaliao como mera verificao das

    aprendizagens.

    Esse perodo, apesar das dificuldades enfrentadas, foi de muitas aprendizagens para

    mim. Eu sabia da responsabilidade que havia assumido ao me colocar frente dos(as)

    estudantes para ensinar lngua portuguesa. Por isso, comecei a estudar obras que pudessem me

    auxiliar naquilo que eu ainda no dominava muito bem. Nesse sentido, os livros que estudava

    para me preparar para os concursos tambm auxiliaram bastante. Um deles era sobre

    avaliao educacional, intitulado Avaliao da aprendizagem escolar, do professor Carlos

    Cipriano Luckesi. Ele trazia reflexes muito interessantes e que no haviam sido

    oportunizadas ao longo do meu curso de graduao. Alis, fui me dando conta que toda a

    literatura referente aos contedos pedaggicos cobrados nos concursos e que estava estudando

    traziam discusses novas para mim, que havia acabado de concluir minha licenciatura.

    Em 2009 prestei dois concursos: um para professora de lngua portuguesa da Rede

    Municipal de Educao de Uberlndia e outro para tcnica em assuntos educacionais da UFU

    Tive a felicidade de ser aprovada nos dois. Fui convocada primeiramente pela Prefeitura

    Municipal de Uberlndia; assim, passei a ser professora efetiva. Cada dia aprimorava mais e

    mais minhas prticas, e eu gostava bastante de ser professora. Relacionava-me bem com

    os(as) estudantes e com a equipe pedaggica, que demonstrava respeito crescente pelo meu

    trabalho. Todavia, enfrentava os percalos comuns maioria dos(as) professores(as) de

    educao bsica no Brasil. As condies de trabalho, desde a infraestrutura da escola at a

    escassez de materiais, deixavam a desejar. Alm disso, a remunerao era insatisfatria. Por

    isso, em 2011, quando fui convocada pela UFU, deixei a docncia e assumi o cargo de tcnica

    em assuntos educacionais, com remunerao trs vezes maior que tinha como professora da

    educao bsica na poca.

  • 18

    Apesar de saber que sentiria falta da docncia, fiquei muito contente de retornar

    Universidade que representava tanto para mim, dessa vez como servidora. Fiquei ainda mais

    satisfeita ao saber que trabalharia na Diretoria de Ensino da referida Instituio. Isso

    significava, para mim, manter o vnculo com as atividades de ensino, mesmo que no

    exatamente no exerccio da docncia. Atualmente coordeno a Diviso de Formao Discente

    dessa Diretoria, responsvel pelo estgio dos(as) estudantes e por programas de formao

    acadmica complementar voltados para a melhoria do ensino de graduao. Nosso trabalho

    vai desde o controle administrativo at a orientao e assessoria aos cursos e professores(as);

    por isso, exige constante estudo e reflexo.

    Preciso comentar tambm que a convivncia com meu companheiro e o fato de

    compartilhar algumas de suas experincias me incitaram ainda mais a estudar a avaliao. Ele

    cursava, at pouco tempo, uma graduao da rea de Tecnologia na UFU. Os episdios que

    ele narrava, e que levaram evaso do curso, demonstravam como alguns professores fazem

    terrorismo utilizando suas avaliaes como instrumento. Demonstravam, ainda, o modo

    como expressam a defesa de um ensino seletivo, em que s os melhores devem chegar ao

    final e obter o diploma. Junto disso, ao observar as estatsticas de evaso e de reprovao

    nesse curso e em outros, me convenci de que era preciso, de alguma forma, buscar

    compreender melhor os processos formativos dentro da UFU, em especial no que se refere

    avaliao. Um entendimento mais aprofundado desses processos poderia contribuir para uma

    reflexo, no mbito da Instituio, sobre a forma como tem sido conduzida a avaliao das

    aprendizagens. Entendo que essa discusso ganha relevncia, sobretudo, ao considerar seu

    contexto poltico-educacional.

    Vivemos atualmente no Brasil um momento de reformas da educao superior.

    Iniciativas como a Lei de Cotas constituem uma tentativa de democratizar o ingresso nesse

    nvel de ensino e diminuir, gradativamente, a excluso social das camadas menos favorecidas

    que tm se consolidado historicamente em nosso pas. Para que isso ocorra, est havendo (e

    haver ainda mais) uma mudana do perfil dos(as) estudantes que ingressam nas Instituies

    Federais de Educao Superior. Essas instituies esto passando a receber cada vez mais

    estudantes oriundos(as) de escolas pblicas. Com todos os problemas j conhecidos do ensino

    pblico no Brasil, isso significa receber um contingente significativo de discentes com muitas

    lacunas formativas. As prticas didtico-pedaggicas desenvolvidas para as aprendizagens

    desses(as) educandos(as), sobretudo no que se refere ao processo de avaliao das

    aprendizagens, sero um dos fatores determinantes para que o objetivo de democratizao seja

    alcanado.

  • 19

    Por um lado, os processos de avaliao das aprendizagens verdadeiramente

    formativos, considerando o ponto de partida do(a) estudante (por mais aqum que esteja do

    desejvel), podem contribuir para que ele(a) se desenvolva nos aspectos cognitivo,

    profissional, pessoal, tico e crtico. Por outro lado, a avaliao das aprendizagens numa

    abordagem tradicional, com influncia positivista, pode aumentar o nmero de reprovaes, o

    represamento e at mesmo a evaso, substituindo a excluso por falta de acesso pela excluso

    por carncia de condies de concluso do ensino superior.

    Partimos da premissa de que o eventual fracasso no campo da avaliao das

    aprendizagens, conforme destaca Sordi (2005), no pode ser, levianamente, imputado ao()

    professor(a), que tem sofrido muita presso para solucionar problemas que no foram criados

    por ele(a), mas que fruto de uma sociedade desigual em que educao tem sido atribuda a

    funo de atender aos interesses do sistema produtivo. Para que haja mudanas nas prticas

    didtico-pedaggicas, ser tambm necessria uma reviso das funes atribudas educao,

    pois h muitos obstculos (e impedimentos), em decorrncia do projeto capitalista que tem

    definido nossas instituies de ensino. Por isso, a autora defende um desvelamento

    competente da realidade: ao assumir que nem tudo possvel, considerando-se as condies

    limitantes do contexto histrico-social, so criadas condies polticas de se fazer o

    historicamente possvel.

    Acho importante explicitar aqui tambm, mesmo que de modo sucinto, meu

    posicionamento terico-poltico-filosfico, j que a partir dele que foram feitas as escolhas e

    as anlises no mbito da pesquisa. Do ponto de vista ontolgico, considero que o ser humano

    est em constante mudana e desenvolvimento. Influenciado por aspectos biopsicossociais,

    constitudo de mltiplas dimenses (cognitiva, social, afetiva, tica, poltica etc.) que, em uma

    complexa teia de relaes entre si, compem a sua identidade. Em cada uma dessas

    dimenses as pessoas se desenvolvem de maneira constante, mas no necessariamente dentro

    do mesmo ritmo. Cumpre ressaltar que o ser humano, na verdade, ao buscar compreender a

    sua existncia no mundo, transforma o mundo e si prprio.

    No campo da epistemologia, visei pautar-me por uma abordagem crtico-dialtica,

    apesar de reconhecer que nossa cultura ainda est to impregnada pelo positivismo que

    inconscientemente nos influencia algumas vezes. Politicamente, defendo a luta por uma

    sociedade democrtica, justa, participativa e com igualdade de oportunidades, em que

    todos(as) possam ter garantidas dignas condies materiais de vida e de acesso ao

    conhecimento socialmente construdo.

  • 20

    preciso justificar, ainda, uma peculiaridade que ser percebida na leitura do trabalho

    no que diz respeito linguagem empregada. Buscamos utilizar o(a) professor(a), ao invs

    de o professor, o(a) estudante, em vez de o estudante, entre outras formas semelhantes

    para demonstrar que nos referimos s pessoas de ambos os gneros. Compreendemos que essa

    opo pode tornar o texto visualmente mais sobrecarregado de caracteres e, por isso, talvez

    cansativo em certos momentos. Mesmo assim, fizemos essa escolha poltica por compreender

    a necessidade de ruptura com uma linguagem machista, como nos chama a ateno Freire

    (1997), na obra Pedagogia da Esperana.

    O autor relata que, a partir da crtica de algumas leitoras em relao s suas primeiras

    obras, identificou uma contradio entre o que escrevia e o modo como escrevia. Apesar de

    tratar da opresso e da libertao, utilizava uma linguagem em que no havia lugar para as

    mulheres e, portanto, era discriminatria, como em: [...] aprofundando a tomada de

    conscincia da situao, os homens se apropriam dela como realidade histrica.2 Apesar de

    inicialmente justificar que a referncia a homens incluiria de modo subentendido as

    mulheres, refletiu que o contrrio (utilizar mulheres e subentender que os homens estariam

    includos) jamais seria plausvel. Por isso, reconheceu que sua forma de escrever exclua as

    mulheres e optou pela modificao, justificando que recusar a ideologia machista faz parte da

    luta pela mudana do mundo isso implica, necessariamente, na recriao da linguagem. Ele

    assevera, ainda: No puro idealismo, acrescente-se no esperar que o mundo mude

    radicalmente para que se v mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo

    de mudar o mundo (FREIRE, 1997, p. 35), e a partir dessa perspectiva que fizemos

    tambm nossa opo por uma linguagem que inclua as mulheres.

    Apresentados os pressupostos, passarei a destacar a pesquisa. A UFU possui

    atualmente 77 cursos de graduao, sendo seis na modalidade a distncia, 11 sediados no

    Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba, trs no Campus Monte Carmelo, trs no Campus

    Patos de Minas e 54 distribudos entre os trs campi da cidade de Uberlndia estes iro

    compor o universo do presente estudo.

    Desses cursos, identificamos 24 que estabelecem em seus Projetos Poltico-

    pedaggicos de Curso (PPCs) a avaliao formativa como diretriz para as prticas avaliativas.

    A partir disso, a questo que norteou a investigao foi: Como desenvolvida a avaliao das

    aprendizagens nesses cursos que tm como diretriz a avaliao formativa? Em que medida ela

    constitui tambm avaliao para as aprendizagens, cumprindo seu papel pedaggico? Mais

    2 Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 74.

  • 21 especificamente, o que buscamos compreender : O que se entende, no mbito desses cursos,

    por avaliao formativa? Qual a relao entre o que proposto nos PPCs e o que os(as)

    professores(as) desses cursos comunicam quanto s suas prprias prticas avaliativas? Dentre

    esses cursos, h alguma distino da cultura avaliativa predominante nas licenciaturas e nos

    bacharelados?

    Nosso objetivo foi analisar os processos de avaliao das aprendizagens desenvolvidos

    nesses cursos e verificar se constituem uma avaliao para as aprendizagens. Buscamos, de

    modo mais especfico: compreender as concepes acerca do processo de avaliao das

    aprendizagens contidas nos PPCs e suas relaes com a teoria da avaliao formativa;

    confrontar as propostas de avaliao inseridas nos planos de ensino dos(as) professores(as)

    desses cursos e os seus discursos quanto s suas prprias prticas avaliativas com a teoria da

    avaliao formativa e com as diretrizes traadas nos PPCs; e verificar se, no mbito desses

    cursos, h alguma diferena entre a cultura avaliativa predominante nos bacharelados e nas

    licenciaturas.

    Para melhor compreenso, esclarecemos, com base nas ideias de Fernandes (2009), a

    distino entre avaliao das aprendizagens e avaliao para as aprendizagens. A primeira

    ocorre com o diagnstico acerca das aprendizagens conquistadas, isto , identifica-se o que foi

    aprendido (e o que ainda no foi) dentre os conhecimentos, habilidades e atitudes

    estabelecidos como meta a ser alcanada. Quando esse diagnstico utilizado em favor das

    aprendizagens dos(as) estudantes, transforma-se tambm em avaliao para as aprendizagens.

    Nesse caso, o(a) docente retomar, com cada grupo de estudantes, os contedos ainda no

    aprendidos, propondo novas atividades e realizando novas discusses at que o objetivo do

    trabalho educativo seja atingido. Assim, a avaliao passa a cumprir um papel pedaggico

    fundamental: direcionar os prximos passos a serem dados e guiar o trabalho do(a)

    professor(a) e do(a) discente.

    Para alcanar os objetivos propostos, a pesquisa foi realizada em trs etapas.

    Primeiramente, foi feita uma anlise documental dos 24 projetos poltico-pedaggicos que

    apresentam a avaliao formativa como diretriz. O intuito foi identificar, de forma mais

    detalhada, as bases tericas e as concepes de avaliao das aprendizagens assumidas nas

    propostas. Posteriormente, dentre os 24 projetos, selecionamos uma amostra constituda de

    seis cursos, sendo dois de cada grande rea (cincias exatas, humanas e biomdicas), um

    bacharelado e uma licenciatura (articulada ou no com o bacharelado), para as etapas

    seguintes. Na segunda etapa foi realizada anlise documental dos planos de ensino dos(as)

    professores(as) que ministraram aulas nesses cursos no primeiro semestre letivo de 2014. Na

  • 22

    anlise dos planos observamos as propostas de avaliao das aprendizagens feitas pelos(as)

    professores(as) do curso, comparando-as com a teoria da avaliao formativa. Alm disso,

    tivemos o intuito de identificar os(as) professores(as) que apresentavam maiores indcios de

    realizarem a avaliao de seus(as) estudantes em uma abordagem formativa, para seleo dos

    que participariam da prxima fase da investigao, constituda de entrevistas reflexivas.

    Nessas entrevistas, buscamos compreender melhor o entendimento desses(as) professores(as)

    acerca da avaliao das aprendizagens de modo geral e de avaliao formativa, em especial.

    Estruturamos a dissertao sobre a pesquisa com vistas a esboar, no primeiro

    captulo, o contexto poltico que envolve o ensino superior brasileiro, sobretudo as

    universidades. No segundo captulo, traamos a importncia do planejamento educacional em

    seus diversos nveis e um histrico sucinto de como se deu o processo de construo dos

    projetos poltico-pedaggicos institucionais e dos cursos de graduao na UFU, a fim de

    problematizar o sentido das definies estabelecidas nesses documentos para a comunidade

    acadmica envolvida. No terceiro captulo, explicitamos os referenciais tericos a partir dos

    quais propomos a discusso acerca da avaliao formativa. No quarto captulo, comeamos a

    apresentar os dados construdos e a anlise realizada, restringindo-nos s duas primeiras

    etapas da pesquisa. Por fim, no ltimo captulo, destacamos os dados construdos por meio

    das entrevistas reflexivas e nossa interpretao dessas informaes.

    Com este trabalho tivemos a inteno de acrescentar mais um fio dgua para a

    consolidao do debate acerca da avaliao das aprendizagens no ensino superior. Esperamos

    que nesse debate seja possvel defender o uso da avaliao para a melhoria das aprendizagens,

    e no para a punio e tortura de estudantes ou para a seletividade social, como muito

    frequentemente temos observado.

  • 23 CAPTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E A EDUCAO SUPERIOR: Tecendo

    um contexto

    A excluso escolar, em qualquer etapa, privao de algumas bases cognitivas, sociais e axiolgicas que todo indivduo necessita para edificar uma existncia humanamente significativa na sociedade contempornea.

    (Jos Dias Sobrinho)

    O nosso objetivo neste captulo ser descrever brevemente algumas mudanas e

    reformas ocorridas nas ltimas dcadas que acabaram por compor o cenrio atual no contexto

    do ensino superior brasileiro. Considerar esse quadro histrico fundamental para que

    possamos discutir com criticidade qualquer assunto relacionado docncia, ao ensino e s

    aprendizagens em tal mbito.

    Por uma questo de foco, nos limitaremos s duas ltimas dcadas, quando

    acreditamos ter-se iniciado o momento de transformaes mais profundas e que mais

    fortemente esto impregnadas nas polticas atuais para esse nvel da educao. Buscaremos

    aqui abordar sucintamente tendncias nacionais e internacionais que nesse perodo

    influenciaram as reformas ocorridas na gesto pblica e no campo educacional como um todo.

    A seguir, comentaremos sobre os impactos dessas mudanas no ensino superior brasileiro.

    Nosso intuito esboar as relaes existentes entre as reformas ocorridas em trs mbitos

    (gesto pblica, educao e ensino superior).

    Pretendemos comentar tambm sobre os processos de expanso e de democratizao

    da educao superior brasileira que se iniciaram a partir do ano de 2003 e que tm alterado

    significativamente a realidade das Instituies Federais de Educao Superior (IFES).

    Discutiremos, ainda, a partir do panorama histrico traado, a funo social defendida por ns

    para as universidades e alguns aspectos relativos formao e s condies oferecidas para o

    exerccio da docncia nesse contexto.

    1.1 Tendncias internacionais para as polticas pblicas e suas influncias no Brasil na

    dcada de 1990

    Segundo Oliveira (1995), a Ditadura Militar (1964-1985) iniciou um processo de

    dilapidao do Estado brasileiro, que teve continuidade no governo Jos Sarney (1985-1989)

  • 24

    e constituiu um clima favorvel apropriao da ideologia neoliberal,3 que j servia como

    diretriz para a definio das polticas dos pases considerados desenvolvidos poca. Ao se

    aproveitar desse clima de desespero social, Collor4 construiu um discurso de combate ao

    Estado desperdiador, consubstanciado por meio de uma proposta de caa aos marajs, e foi

    eleito, iniciando seu governo em 1990.

    Dois anos depois, aps graves denncias de corrupo que envolviam o ento

    presidente, a sociedade se organizaria e daria incio a um movimento que culminou com o

    impeachment dele em 1992. Entretanto, no governo de Itamar Franco (1992-1994), substituto

    de Collor, o aumento descontrolado da inflao criou novamente um terreno frtil para o

    neoliberalismo. Surge assim, em 1994, a fim de estabilizar a economia, o Plano Real, com

    caractersticas claramente neoliberais. O grande engodo, porm, reside no fato de essa

    melhora da economia promovida com base nas ideias neoliberais acontecer custa de uma

    piora no mbito social, j que se reforam as desigualdades, e alguns direitos sociais, como a

    educao, passam a ser compreendidos como servios que s estaro acessveis aos que

    puderem pagar por ele.

    Em defesa da ideologia neoliberal, Pimenta (1998) argumenta que o conceito de

    Estado e de gesto evolui conforme a sociedade e as cincias evoluem. Por esse motivo, como

    temos no sculo XXI um novo paradigma para o modo de vida do ser humano, a sociedade, o

    modo de produo e os processos de organizao do trabalho, haver tambm um novo

    conceito de Estado. Basicamente, ele deixa de ser o produtor direto de bens e servios e passa

    a ser o de regulador do desenvolvimento.

    Segundo o autor, durante o sculo XVIII, prevaleceu na esfera mundial um Estado

    liberal caracterizado por ser mnimo, em virtude da pouca participao do gasto pblico em

    relao ao produto econmico de cada pas e por exercer apenas as funes tpicas do Estado, 3 De acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu aps a Segunda Guerra Mundial na Europa e na Amrica do Norte. Seu texto de origem O Caminho da Servido, de Friedrich Hayek, produzido em 1944. O referido documento constitui um ataque limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado, j que esta ameaaria a liberdade no s econmica, mas tambm poltica. Em 1947, a partir de uma iniciativa de Hayek, foi fundada a Sociedade de Mont Plerin, que passou a se reunir periodicamente e cujo objetivo era combater o Keynesianismo e o solidarismo que predominavam poca, preparando para o futuro as bases de um novo capitalismo, duro e livre de regras. Segundo o posicionamento neoliberal, a desigualdade seria imprescindvel para as sociedades ocidentais, j que a concorrncia levaria prosperidade de todos. Apenas com a crise do modelo econmico do ps-guerra, em 1973, em que os pases apresentavam baixas taxas de crescimento e altas taxas de inflao, a ideologia neoliberal ganhou terreno. O governo de Thatcher, na Inglaterra, que teve incio em 1979, foi o primeiro a incorporar o neoliberalismo. Mas, a partir da, outros pases aderiram ideologia nas dcadas de 1980 e 1990. Suas principais recomendaes consistiam em manter uma disciplina oramentria, contendo gastos com o bem-estar social, restaurando a taxa natural de desemprego (a fim de constituir um exrcito de reserva de trabalho que reduziria o poder de luta dos sindicatos) e reduzindo impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. 4 Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente eleito por voto direto do povo aps o Regime Militar (1964/1985), tendo governado o Brasil no perodo de 1990 a 1992.

  • 25 como a diplomacia, a defesa nacional e a arrecadao. A partir dos sculos XIX e XX, emerge

    o Estado de bem-estar social. Essa nova concepo de Estado surgiu aps a devastao

    causada pelas grandes guerras e pela necessidade de se amparar a populao que sofreu as

    consequncias de tais eventos. Dessa forma, suas principais caractersticas so a atuao no

    campo social e a interveno no domnio econmico. Por esse motivo, os gastos pblicos

    passaram a ser cada vez maiores; at que, no final dos anos 1970 e incio dos anos 1980, a

    economia comeou a sofrer forte crise, pois o gasto pblico havia atingido ndices elevados.

    A partir dessa dcada surgiu o Estado social liberal (ou neoliberal) que consistiu numa

    mistura dos dois anteriores (Estado liberal e Estado de bem-estar social).

    O autor interpreta o surgimento do Estado social liberal como um modo de tentar

    equilibrar dois extremos que j no eram possveis: o Estado liberal, que j no permitia a

    legitimidade de governo perante uma populao que precisou ser escolarizada devido s

    necessidades de formao profissional surgidas com a Revoluo Industrial e, depois disso,

    passou a almejar a democracia; e o Estado de bem-estar social, que no se sustentava

    economicamente num contexto capitalista.

    No mesmo momento histrico em que surge o Estado social liberal, podemos destacar

    mudanas na sociedade que tero influncia decisiva na constituio de uma nova forma de

    gesto pblica: a consolidao do processo de globalizao, os progressos nas tecnologias da

    informao e a emergncia da sociedade civil organizada. Enquanto a globalizao refora o

    paradigma da competitividade e altera significativamente a forma de organizao do trabalho,

    as novas tecnologias da informao reforam a integrao mundial, estimulando o comrcio

    internacional e interligando cidados do mundo inteiro. J a emergncia da sociedade civil

    organizada permite maior participao da sociedade no processo decisrio e na gesto dos

    pases.

    De acordo com Pimenta (1998), nesse novo contexto, o Estado se reconhece incapaz

    de gerir o pas por si s; por isso, passa a almejar uma articulao entre mercado, comunidade

    e Estado. E para a implantao desse novo conceito de Estado, surge a necessidade de

    promover uma reforma gerencial na administrao pblica. Essa reforma, ocorrida no Brasil

    no incio do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi conduzida a partir do

    Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado do Ministrio da Administrao Federal e

    Reforma do Estado (MARE), dirigido pelo ento ministro Bresser Pereira, e consolidou no

    pas a criao de polticas baseadas na ideologia neoliberal.

    Alm disso, para Pimenta (1998), a reforma gerencial deveria contar com uma

    delimitao da rea de atuao do Poder Executivo. Para isso, definiram-se reas de atuao

  • 26

    exclusiva do Estado e reas de atuao no exclusiva do Estado, entre as quais se incluem a

    educao e a sade. Essas ltimas sofreriam processos de privatizao venda de ativos

    pblicos; publicizao transformao de rgos estatais em entidades pblicas no estatais,

    de direito privado e sem fins lucrativos, que recebem recursos do oramento pblico; e

    terceirizao contratao externa de servios.

    Em sntese:

    [...] a insero do pas na lgica neoliberal, como coadjuvante no processo de globalizao em curso, sintonizado s premissas de liberalizao econmica, desregulao financeira, alteraes substantivas na legislao previdenciria e trabalhista e, fundamentalmente, na intensificao dos processos de privatizao da esfera pblica, tem sido apresentada pelos setores dirigentes como um claro indicador de modernizao do at ento Estado patrimonial. A perspectiva neoliberal , nesse contexto, ideologicamente difundida apenas como reformulao da gesto do desenvolvimento capitalista, na qual a desigualdade aceita como norma, e o desemprego, como contingncia necessria ao desenvolvimento do capital (DOURADO, 2002, p. 237).

    Feito esse breve resumo, o que nos interessa mais particularmente, conforme os

    objetivos do presente captulo, destacar que na administrao pblica brasileira, a partir da

    dcada de 1990, com as influncias da filosofia neoliberal nas definies de polticas pblicas,

    setores como a sade e a educao sofreram um processo de publicizao, isto , foram vistos

    como no exclusivos do Estado. Dessa maneira, suas instituies passam a ser consideradas

    privadas, sem fins lucrativos, que recebem recursos pblicos, mas que tambm podem buscar

    outras fontes de financiamento; nesse entremeio, o neoliberalismo trouxe profundas

    implicaes para a educao como um todo e, em particular, para o ensino superior, como

    veremos a seguir.

    1.2 Reformas nas polticas educacionais brasileiras a partir dos anos 1990 e seus

    rebatimentos na educao superior

    Conforme apresenta Melo (2004), nas dcadas de 1980 e 1990 o Banco Mundial, o

    FMI e a UNESCO, definidos pelo autor como sujeitos coletivos internacionais, formularam

    vrias diretrizes direcionadas aos pases devedores em desenvolvimento da Amrica Latina

    que previam reformas estruturais na educao. Essas diretrizes, apresentadas e debatidas em

    vrias conferncias realizadas nos pases latinos, originaram-se num processo de

    mundializao do capital e faziam parte de um projeto neoliberal. Dessa forma, foram

  • 27 fundamentais para a refuncionalizao dos Estados e dos seus processos de gesto pblica,

    conforme a perspectiva neoliberal.

    A ideologia neoliberal de gesto pblica influenciou profundamente o setor da

    educao no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1990. De acordo com Gentili (1996), para se

    constituir como hegemonia, ela busca solues para a crise econmica capitalista e cria um

    projeto de reforma de valores sociais, gerando um novo senso comum, baseado

    principalmente na meritocracia. Trata-se da atribuio de responsabilidades s pessoas, de

    maneira individual, que obtero xito ou fracasso de acordo com seu esforo e mrito,

    independentemente de suas condies sociais.

    Ainda segundo o autor, sob a perspectiva neoliberal, no mbito da educao os

    problemas existentes podem ser compreendidos como uma crise de qualidade e eficincia,

    causada pela incompetncia das pessoas que trabalham nas instituies escolares, bem como

    pela ineficincia do Estado para gerenciar as polticas pblicas, o que se torna mais um

    motivo para a defesa de uma reforma administrativa que prope a privatizao da educao.

    Conforme essa viso, os culpados pela crise educacional seriam: o Estado, por intervir em

    assuntos polticos, econmicos e sociais; os sindicatos, que defendem a coletividade e

    diminuem a competitividade (elemento fundamental para a garantia de servios de qualidade);

    e os prprios indivduos, pois aceitam a interveno estatal, acomodando-se a ela.

    Colocados a situao de crise e os seus culpados, a proposta neoliberal para solucionar

    os problemas seria relacionada a estratgias como o estabelecimento de mecanismos de

    controle e avaliao da qualidade dos servios educacionais e a articulao entre a educao e

    as necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho quanto formao profissional.

    Assim, podemos observar, conforme Gentili (1996), um estmulo competitividade e a um

    vnculo entre educao e mercado.

    O conceito de qualidade utilizado no campo educacional, por exemplo, transferido

    do campo empresarial. A escola passa a ser uma empresa de produo de estudantes, de

    conhecimentos, responsvel pela promoo da empregabilidade. Nesses termos, o autor utiliza

    a expresso a mcdonaldizao da escola para descrever tal processo, referindo-se grande

    rede de fast-food, McDonalds. Os(as) estudantes devem ser produzidos de forma rpida,

    seguindo rigorosas normas a serem definidas pelo mercado. A escola, por sua vez, precisa se

    submeter a severos programas de controle de eficincia, qualidade e produtividade. E para que

    tudo isso funcione, basta que se sigam as orientaes dos homens de negcios exitosos; assim,

    as diretrizes para o setor educacional passam a ser traadas no por educadores, mas por

    empresrios bem-sucedidos.

  • 28

    Para complementar o entendimento sobre a descrio feita por Gentili (1996), cabe

    fazermos dois destaques. O primeiro diz respeito ao conceito neoliberal de qualidade da

    educao. Conforme Freitas (2005), pode-se dizer que no Brasil h uma disputa entre dois

    tipos de polticas pblicas: as neoliberais e as democrticas e participativas (chamadas

    tambm de progressistas). Tanto a compreenso do que seja a qualidade da educao quanto

    do seu modo de produo no mbito da escola sero distintos no mbito dessas duas vertentes,

    isso porque [...] nas polticas neoliberais a mudana vista como parte de aes gerenciais

    administradas desde um centro pensante, tcnico, ao passo que a tendncia das polticas

    participativas gerar envolvimento na ponta do sistema (FREITAS, 2005, p. 914). Sendo

    assim, a principal diferena entre as duas concepes de qualidade que, enquanto para as

    polticas neoliberais a qualidade pautada por padres externos ao grupo avaliado, que so

    normalmente importados do campo mercadolgico, nas polticas participativas defende-se

    uma qualidade negociada. Dentro dessa abordagem:

    A qualidade no um dado de fato, no um valor absoluto, no adequao a um padro ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade transao, isto , debate entre indivduos e grupos que tm um interesse em relao rede educativa, que tm responsabilidade para com ela, com a qual esto envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como a rede [...] e sobre como deveria ou poderia ser (BONDIOLI, 2004, p. 14).

    Nesse sentido, Bondioli (2004) destaca que os indicadores dessa qualidade so

    significados compartilhados, ou seja, fundamental que sua produo seja coletiva, com a

    participao de todos os envolvidos. Alm disso, para o alcance dessa qualidade, pressupe-se

    a contribuio de cada um(a) dos(as) envolvidos(as) segundo seu nvel de responsabilidade.

    Desse modo, de acordo com Freitas (2005), a regulao aqui toma um sentido muito mais

    amplo do que aquele utilizado no discurso neoliberal: ao invs de implicar a

    desresponsabilizao do Estado, que passa a agir como mero avaliador, a regulao tem por

    objetivo o cumprimento dos direitos sociais, como o da apropriao dos conhecimentos

    historicamente acumulados atravs dos processos escolares.

    O segundo destaque refere-se utilizao do termo empregabilidade. Esse conceito

    surge no mbito da ideologia neoliberal a partir do momento em que o dbito educacional

    visto como o grande culpado por estrangular o crescimento econmico que, por sua vez,

    responsvel pelo atraso, pela pobreza e pela marginalidade. Sendo assim, o investimento na

    educao bsica torna-se, dentro desse discurso, elemento essencial das polticas para gerao

    de emprego e renda. De fato, a palavra empregabilidade vem sendo usada para fazer

  • 29 referncia [...] s condies subjetivas da integrao dos sujeitos realidade atual dos

    mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar a prpria capacidade de trabalho,

    considerando o que os empregadores definem por competncia (MACHADO, 1998, p. 18-

    19) esta ltima entendida como as [...] condies subjetivas do desempenho dos sujeitos

    na realidade atual dos processos de trabalho e ao poder que possuem de negociar sua prpria

    capacidade de trabalho (MACHADO, 1998, p. 19).

    Desse modo, programas como o Educao para Todos5 foram defendidos como

    formas de alvio da pobreza, esta ltima entendida como consequncia da m conduo

    poltica quanto ao gerenciamento do crescimento econmico e alocao de recursos. Assim, a

    educao bsica priorizada nesse perodo como forma de melhorar a qualidade de vida das

    pessoas, sobretudo dos pobres, e de promover a empregabilidade.

    O problema nesse raciocnio, que atribui aos processos educacionais um papel

    determinante para o aumento da produtividade e a gerao de emprego, deixar de considerar

    que eles no esto descolados de outros determinantes macroeconmicos e sociais. Como

    resultado, os indivduos no refletem sobre a totalidade concreta e passam a competir entre si

    pelo sucesso individual, perdendo a possibilidade de uma mobilizao coletiva.

    Mas, ao verificar o cenrio em que o Estado brasileiro adequado poltica

    neoliberal, publicizando o setor da educao em que se passa a priorizar a educao bsica.

    a qual se torna articulada com o mercado , o ensino superior sofre uma forte crise. Ao

    mesmo tempo em que as polticas de financiamento s universidades se tornaram cada vez

    mais escassas, a sociedade passa a atribuir a elas outras funes. De acordo com Santos

    (1999), a crise das universidades atinge trs domnios, que podem ser definidos como: uma

    crise de hegemonia, uma crise de legitimidade e uma crise institucional. Explicitaremos em

    que consiste cada uma dessas crises para o autor.

    Segundo Santos (1999), desde o incio, as universidades priorizaram a produo de

    alta cultura, de conhecimentos exemplares responsveis pela formao das elites sociais.

    Entretanto, chegou um momento em que se passou a cobrar dessas instituies que tambm

    produzissem conhecimentos teis, responsveis pela formao de fora de trabalho

    qualificada, necessria com o desenvolvimento industrial. Essa contradio gerou um conflito 5 O Programa Educao para Todos foi criado pela Resoluo do Conselho de Ministros n. 29/1991, tendo como principais objetivos: estimular o desenvolvimento de uma cultura de escolaridade prolongada; prevenir o abandono escolar precoce; divulgar o valor da escolarizao total e o custo social e econmico; diversificar e flexibilizar as estruturas de oferta de formao. O desenvolvimento do Programa foi organizado por meio dos seguintes projetos: Acompanhamento estatstico da escolarizao e do abandono escolar; Mobilizao social para a escolarizao ano 2000; Intervenes sociais para a escolarizao no ano 2000; Monitoramento dos fatores endgenos do sucesso escolar; Monitoramento dos fatores exgenos do sucesso escolar; e Centro de recursos para a escolarizao ano 2000.

  • 30

    de interesses e, devido impossibilidade de se suprir as necessidades de todos, temos uma

    crise de hegemonia, que diz respeito perda de centralidade da universidade num momento

    em que ela j no consegue atender s funes contraditrias que lhe foram atribudas.

    Outro conflito surgido com o desenvolvimento industrial, conforme o autor,

    decorrente das exigncias sociopolticas de democratizao e da igualdade de oportunidades.

    Desde os primrdios, os saberes especializados produzidos pela universidade eram restritos a

    uma elite social, ou seja, eram hierarquizados. Entretanto, com a ideia de democracia, essa

    configurao passa a ser inadmissvel. Por tal motivo, essa instituio deixa de ser aceita

    como um consenso, constituindo-se uma crise de legitimidade.

    Quanto crise institucional, Santos (1999) explica que se ela refere a um conflito entre

    a autonomia, que permitiria universidade definir seus prprios objetivos e valores, e a

    necessidade de demonstrar produtividade social, o que submeteria a instituio universitria a

    critrios de eficcia e produtividade de natureza empresarial. Dessa forma, modelos

    organizativos de outras instituies passaram a lhe ser impostos como exemplo a ser seguido.

    Ristoff (1999), referindo-se especificamente universidade brasileira, tambm define

    trs dimenses da crise no ensino superior, que, em parte, coincidem com as explicitadas por

    Santos (1999). Ele fala de uma crise financeira, uma crise de elitismo e uma crise de modelo,

    as quais so caracterizadas pelo autor como matadores silenciosos. A crise financeira

    refere-se escassez de financiamento que passa a sofrer a universidade; enquanto isso, a de

    elitismo diz respeito elitizao do ensino superior no Brasil e necessidade de ampliao do

    seu acesso. Nesse sentido, coincide com a crise de legitimidade, definida por Santos (1999).

    Por ltimo, a crise de modelo coincidiria com o que Santos (1999) chama de crise

    institucional, ligando-se questo da definio de funes do ensino superior.

    Para fazer frente s crises do ensino superior, algumas estratgias foram adotadas

    como mecanismos de disperso de seus conflitos geradores. No documento La enseanza

    superior: Las lecciones derivadas de la experiencia,6 produzido pelo Banco Mundial,

    encontramos um resumo dessas estratgias, que constituem uma proposta de reforma:

    Fomentar la mayor diferenciacin de las instituciones, incluido el desarrollo de instituciones privadas Proporcionar incentivos para que las instituciones pblicas diversifiquen las fuentes de financiamiento, por ejemplo, la participacin de los

    6 Documento produzido pelo Banco Mundial, publicado em 1995, com o objetivo de prestar assistncia tcnica e financeira para a formulao de polticas educacionais. Nele, faz-se uma anlise da crise da educao superior, que, segundo o organismo internacional, assola o mundo todo, mas se apresenta de modo mais intenso nos pases em desenvolvimento. Destaca-se que o enfoque dado dimenso econmica dessa crise e que as universidades so apresentadas como instituies que constituem a base do crescimento econmico de um pas.

  • 31

    estudiantes en los gastos y la estrecha vinculacin entre el financiamiento fiscal y los resultados Redefinir la funcin del gobierno en la enseanza superior Adoptar polticas que estn destinadas a otorgar prioridad a los objetivos de calidad y equidad (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 4).

    Dentre os elementos destacados na citao acima, os mais importantes talvez sejam a

    diferenciao interinstitucional e a diversificao das fontes de recursos. No Brasil,

    particularmente, a diferenciao interinstitucional, isto , a existncia de modelos diferentes

    de instituies priorizando o ensino (universidade de ensino), a pesquisa (universidade de

    pesquisa) ou a formao profissional (como o caso mais recente dos cursos superiores

    tecnolgicos e dos institutos federais tecnolgicos), tem sido utilizada para o atendimento de

    pblicos diferentes, de forma a manter a legitimidade do ensino superior. Nesse contexto, a

    iniciativa privada tambm tem sido estimulada pelo governo a partir dos anos 2000, por meio

    de programas como o Programa Universidade para Todos (PROUNI)7 e o Fundo de

    Financiamento Estudantil (FIES)8.

    No que diz respeito diversificao das fontes de recurso, apesar de o Estado prever o

    financiamento do ensino superior dentro dos gastos pblicos, os recursos disponibilizados so

    insuficientes, de forma que se aconselha buscar fontes alternativas de recursos. Sendo assim,

    criam-se as fundaes de apoio universitrio para que, entre outras coisas, a universidade

    possa prestar servios para a iniciativa privada como forma de garantir a sua subsistncia.

    Nesse ponto, mais uma vez, a ideologia neoliberal defende que isso auxilia na garantia da

    qualidade, j que as instituies devem disputar entre si os recursos disponveis, vencendo

    aquela considerada mais qualificada.

    Outro marco importante para o estabelecimento de diretrizes para a educao superior

    foi a Declarao Mundial sobre a Educao Superior no Sculo XXI, produzida a partir da

    Conferncia Mundial sobre Educao Superior promovida pela UNESCO em Paris, no ano de

    7 O Programa Universidade para Todos (PROUNI) foi criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei n. 11.096, em 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade conceder a estudantes de baixa renda bolsas integrais ou parciais de estudos em cursos de graduao ou sequenciais em instituies privadas de educao superior. Em contrapartida, oferece iseno de tributos quelas instituies que aderem ao Programa. Uma limitao considervel desse Programa que, por ser viabilizado por meio de instituies privadas, no oportuniza aos(s) estudantes, na maioria das vezes, a formao em pesquisa. 8 O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) um Programa do Ministrio da Educao destinado a financiar cursos de graduao para estudantes matriculados em instituies no gratuitas. Institudo pela Lei n. 10.260, de 12 de julho de 2001, passou a ser operacionalizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) em 2010, com juros de 3,4% ao ano. Durante a realizao do curso, o(a) estudante paga, a cada trs meses, apenas o valor referente aos juros incidentes sobre o financiamento, que no ultrapassa R$ 50,00. Aps a concluso do curso, ter 18 meses de carncia para recompor seu oramento e continua a pagar apenas o valor relativo aos juros a cada trs meses. Encerrado o perodo de carncia, o saldo devedor do(a) estudante ser parcelado em at trs vezes em relao ao perodo financiado do curso, acrescido de 12 meses.

  • 32

    1998. Apesar de encontrarmos distines entre os discursos do Banco Mundial e da

    UNESCO, importante ressaltar que em alguns pontos eles so convergentes. Como exemplo

    disso, tambm na Declarao da UNESCO a diversificao institucional aparece como meio

    para reforar a igualdade de oportunidades, no ponderando a possibilidade de isso acarretar

    em uma perda da qualidade, sobretudo para os(as) estudantes oriundos das camadas

    populares, que so os que mais necessitam de uma educao superior qualitativamente forte.

    Em sntese, pode-se dizer que:

    Na verdade, trata-se de um documento de compromisso entre os modelos contemporneos, incorporando parcialmente o modelo emergente, ou seja, o neoliberal-globalista-plurimodal, tambm parcialmente o modelo estabelecido e em crise de hegemonia, o democrtico-nacional-participativo, tendo mesmo, em certas passagens, um tom que o aproxima do referencial crtico-cultural-popular. Este ltimo, por definio, a voz da resistncia excluso, da promoo da incluso, o discurso do no, um grito que sobe dos subterrneos da liberdade. O modelo estabelecido e em crise de hegemonia o discurso do talvez, que esconde o sim ao proclamar o no. E o modelo emergente, o neoliberal, o discurso do sim sem disfarces, da promoo ativa da excluso em nome da eficincia capitalista (CASTANHO, 2000, p. 166).

    Alm disso, na Europa, em 1999, foi firmada tambm a Declarao de Bolonha, uma

    proposta de reforma da educao superior do continente que teve a adeso inicial de 29

    pases. Segundo a proposta, a educao superior passaria a constituir as bases da inovao, da

    competitividade e da produtividade dos pases-membros. Segundo Dias Sobrinho (2007), o

    acordo uma estratgia de fortalecimento da Unio Europeia no mercado global. Para tanto,

    seria preciso adaptar os currculos s necessidades do mercado de trabalho (o que significa,

    em muitos casos, aligeirar a formao profissional), estimular a mobilidade acadmica e

    tornar a educao superior europeia atraente para o mercado global.

    De acordo com essa nova viso emergente nos discursos internacionais, a educao, e

    em particular o ensino superior, que antes era vista como um direito social, passa a ser

    enxergada como um servio comercial a ser oferecido, alm de constituir elemento-chave para

    o desenvolvimento econmico das naes. Por isso, conforme Dias (2002), no final da dcada

    de 1990, aps algumas discusses de rgos internacionais, a Organizao Mundial do

    Comrcio (OMC) passou a considerar, dentro da gama de servios que regulamenta, os

    educacionais.

    1.3 Expanso e democratizao do acesso ao ensino superior: uma ruptura com as

    polticas neoliberais?

  • 33

    Em sintonia com as recomendaes neoliberais, em que a educao passa a ser uma

    das reas de atuao no exclusiva do Estado e se torna um servio comercial a ser oferecido

    preferencialmente pelas instituies privadas, no Brasil, no perodo do governo FHC (1995-

    2002), houve, por um lado, a reduo considervel dos gastos pblicos com a educao

    superior e, por outro, o incentivo para a oferta desse nvel de ensino pela via privada. O

    resultado disso foi o sucateamento das Instituies Federais de Educao Superior (IFES) e

    um aumento significativo da quantidade de instituies privadas que ofertavam um ensino de

    qualidade questionvel.

    Em 2003, com a eleio do presidente Lula, considerando seu partido, sua base de

    apoio e o seu Plano de Governo para a Educao Superior, a expectativa era de algumas

    mudanas nesse quadro. Entretanto, apesar de ter havido avanos, conforme Ferreira (2012, p.

    465):

    [...] a reforma da educao superior efetivada no governo Lula optou pela continuidade de vrias diretrizes adotadas pelo governo FHC, ao priorizar como papel fundamental das universidades a perspectiva do seu retorno econmico para a sociedade brasileira; ao incentivar a diferenciao e a competio das universidades federais por recursos e na gesto estratgica; ao apoiar parcerias pblico-privadas, inovao tecnolgica e venda de servios; ao conferir centralidade aos sistemas de avaliao e regulao.

    Uma das mudanas mais importantes nas polticas para a educao superior, a partir

    do governo Lula, foi um esforo para sua expanso e o aumento do nmero de vagas

    ofertadas. Apesar de essa iniciativa constituir algo positivo para a sociedade brasileira como

    um todo, no podemos nos esquecer de que:

    Se a educao superior no Brasil nasce com a marca de um intocvel privilgio social, cuja democratizao comeava e terminava nas fronteiras da burguesia, com o desenvolvimento do capitalismo monopolista, a ampliao do acesso passa a ser uma exigncia do prprio capital, seja de qualificao da fora de trabalho para o atendimento das alteraes na esfera produtiva; seja para a difuso da concepo de mundo burguesa, sob a imagem de uma poltica inclusiva (LIMA, 2005, p. 322).

    Esse processo de expanso teve incio com o Programa Expandir, ou Plano de

    Expanso Fase 1, e posteriormente se intensificou com o Programa de Apoio a Planos de

    Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI). Para que tal iniciativa fosse

    viabilizada, houve investimentos considerveis por parte do Governo Federal.

    O Programa Expandir foi proposto em 2003, no primeiro ano da gesto do presidente

    Lula. Segundo Padim (2014), sua meta era a criao de 14 novas universidades e 64 novos

  • 34

    campi, focando no s a expanso, mas a interiorizao da rede federal de educao superior.

    Para tanto, contou com um oramento de R$1,6 bilho distribudo no perodo de 2004 a 2008.

    J o REUNI, institudo pelo Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, oportunizou a

    criao de novas instituies, a expanso fsica das instituies j existentes, alm da criao

    de novos cursos e, at mesmo, de mais vagas para os cursos que j funcionavam

    anteriormente. Conforme Padim (2014), R$ 415 milhes foram designados de oramento no

    lanamento do plano e, at o final de 2012, seriam investidos R$3,5 bilhes ao todo.

    A publicao do decreto que instituiu o REUNI gerou muito debate no mbito da

    comunidade acadmica das universidades de todo o Brasil. A meta global estabelecida para o

    Programa, que consistia na elevao gradual da taxa de concluso mdia para 90% e da

    relao de estudantes por professor(a) para 18%, ao final de cinco anos, a contar do incio de

    cada plano, nos cursos de graduao presenciais, foi objeto de discusso e houve bastante

    resistncia. Alguns acadmicos posicionaram-se contra essas disposies com argumentos

    como o que explicitamos a seguir:

    [...] o aparentemente inquestionvel objetivo do REUNI de ampliar o acesso e a permanncia na educao superior se dar pelo muitssimo questionvel melhor aproveitamento da estrutura fsica e de recursos humanos existentes nas universidades federais. Duplicar a oferta de vagas e aumentar, pelo menos em 50%, o nmero de concluintes, a partir de um incremento de apenas 20% das atuais verbas de custeio e pessoal (excludos os inativos!) a indicao sub-reptcia de que a reestruturao proposta pelo Decreto n. 6.096 cobra uma subutilizao dos recursos existentes nas Universidades Federais e aponta somente dois caminhos para o cumprimento de sua meta global: a aprovao automtica ou a certificao por etapas de formao (MARIZ, 2007, [s.p.]).

    Com relao Universidade Federal de Uberlndia (UFU), por exemplo, Instituio

    que foi lcus dessa pesquisa, no mbito do Projeto Expandir foi criado, em 2006, o Campus

    Pontal, na cidade de Ituiutaba, com oferta de nove cursos de graduao. E em 2007, apesar de

    o decreto do REUNI ter sido aprovado em abril, o processo de anlise do plano e de

    preparao de uma proposta de adeso da Universidade ao programa foi deflagrado depois do

    dia 18 de setembro do mesmo ano, data em que a Associao Nacional dos Dirigentes das

    Instituies Federais de Ensino Superior (ANDIFES) foi oficialmente comunicada sobre a

    flexibilizao das metas do Programa pelo Secretrio de Educao Superior do Ministrio da

    Educao, em documento enviado a todos os dirigentes. A proposta de adeso da UFU foi

    aprovada pelo seu Conselho Universitrio, em reunio realizada no dia 7 de dezembro de

    2007.

  • 35

    Na ocasio houve manifestao de estudantes e professores(as) contrrios adeso ao

    Programa, que impediram a entrada no prdio onde seria realizada a reunio dos(as)

    conselheiros(as), no intuito de impedir o trabalho deles(as); por isso, a reunio teve de ser

    transferida de local. Os(as) manifestantes se opunham, sobretudo, ao aumento do nmero

    relativo de estudantes por professor(a), que intensificaria um processo de precarizao do

    trabalho docente e prejudicaria a qualidade do ensino ofertado. possvel perceber, ainda nos

    registros existentes (como a ata da referida reunio) desse momento histrico para a

    Universidade, a insegurana no s dos(as) manifestantes, mas tambm de muitos(as)

    conselheiros(as), que temiam o no cumprimento por parte do Governo Federal dos

    compromissos assumidos para viabilizao da expanso, como a liberao de recursos

    suficientes para ampliao e manuteno da infraestrutura, alm da autorizao para contratar

    professores(as) e tcnicos(as)-administrativos(as).

    Apesar disso, ao determinar que, se existisse o recurso financeiro, o compromisso de

    proceder expanso seria executado conforme planejado, mas, se no houvesse o recurso

    financeiro, o compromisso estaria cancelado, o Plano de Expanso da UFU para o perodo de

    2008 a 2012 foi aprovado com 42 votos favorveis, nenhum voto contrrio e cinco

    abstenes. Ressaltamos aqui que uma das abstenes ocorreu por parte da conselheira

    representante do Campus Pontal, que se justificou ressaltando as dificuldades encontradas na

    implantao da Faculdade de Cincias Integradas do Pontal (FACIP) unidade acadmica do

    novo campus , que impedia de vislumbrar a possibilidade de uma nova expanso.

    Em decorrncia desse Plano de Expanso, houve ampliao substancial da oferta de

    cursos de educao superior na UFU no perodo de 2009 a 2011, viabilizada pelo REUNI. No

    mbito da graduao, em 2009 foram criados sete novos cursos, que ofertaram 440 vagas a

    mais por ano, alm da implementao de 100 vagas em cursos j existentes e da gerao de

    210 vagas pela abertura de novos turnos. Em 2010 foram criados mais oito cursos novos, que

    resultaram em 420 vagas anualmente, alm da criao de 70 vagas a mais em cursos j

    existentes e 50a em novos turnos. Em 2011, alm de dois cursos criados em campus j

    existente, foram criados dois campi fora da sede: um em Monte Carmelo e outro em Patos de

    Minas, com trs cursos cada um. Cada um desses campi passou a ofertar 180 vagas por ano.

    Outra mudana, tambm muito importante, que ocorreu concomitantemente a essa

    expanso da educao superior brasileira, a partir do governo Lula, foi a discusso acerca da

    necessidade de democratizao do seu acesso. Ao abordarmos esse assunto, preciso

    considerar, antes de tudo, conforme esclarece Dias Sobrinho (2010), que as transformaes

    que vm ocorrendo na educao superior so resultantes de uma crise estrutural da sociedade

  • 36

    da economia global, que produz mudanas no cenrio geral da sociedade, da economia, do

    mundo do trabalho e, particularmente, do conhecimento. Por isso, importante ressaltar que

    os problemas da educao no sero resolvidos no mbito das instituies ou dos sistemas

    educativos.

    Ainda segundo o autor, contrariamente concepo de educao-mercadoria que tem

    ganhado fora com as polticas neoliberais, s faz sentido falar de democratizao da

    educao superior se partimos do princpio de que a educao um bem pblico e um direito

    social. Sendo assim, dever do Estado garantir a oferta de educao de qualidade em todos os

    nveis e a todas as camadas sociais.

    Estamos de acordo com o autor, que esclarece que a efetiva democratizao no

    ocorrer apenas por meio da ampliao das oportunidades de acesso e do aumento das vagas

    no ensino superior. fundamental que tambm sejam asseguradas as condies de

    permanncia com qualidade nesse nvel de ensino, sendo a qualidade entendida a partir [...]

    das aes e dos compromissos que cada instituio instaura em seu mbito interno e em suas

    vinculaes com o entorno mais prximo, com a sociedade nacional, com os contextos

    internacionais do conhecimento e o Estado nacional (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 1228).

    Desse modo, tal qualidade seria socialmente referenciada, e no um parmetro formulado por

    agentes e organismos externos.

    Alm disso, primordial destacar que a sociedade democrtica est fundada no

    princpio tico da equidade, que se relaciona promoo da justia social. E esse princpio

    justifica o empreendimento de aes mais emergenciais em favor das camadas menos

    favorecidas, a fim de diminuir as assimetrias sociais, obviamente sem desconsiderar a

    necessidade de aes mais amplas e de carter estrutural. Tais assimetrias se consolidam pela

    privao de muitos aos bens materiais e aos bens espirituais e culturais, elementos que, apesar

    de serem distintos, tm uma forte correlao.

    No caso da educao superior brasileira, algumas polticas tm se fortalecido como

    aes emergenciais para tentar democratizar o acesso a esse nvel de ensino o caso, por

    exemplo, do FIES e do PROUNI, que j citamos anteriormente. Entretanto, uma limitao

    considervel desses programas enquanto aes de democratizao da educao superior que,

    por ocorrerem por meio de instituies privadas, cuja qualidade do ensino no se pode

    garantir, no oportunizam aos(s) estudantes, na maioria das vezes, a formao em pesquisa e

    em extenso.

    Alm disso, tambm foram empreendidas aes de democratizao do acesso

    educao superior que se inserem no mbito do que se tem chamado de aes afirmativas

  • 37 ou discriminao positiva, visando ampliar a incluso social sem necessariamente criar

    novas vagas. o caso da Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012, conhecida como Lei de

    Cotas. Nela se estabelece que no mnimo 50% das vagas para ingresso nos cursos de

    graduao das IFES devero ser preenchidas por estudantes que tenham cursado

    integralmente o ensino mdio em escolas pblicas. Desse percentual, a metade dever ser

    reservada aos(s) estudantes oriundos de famlias com renda igual ou inferior a 1,5 salrio-

    mnimo per capita. Alm disso, as instituies devem assegurar que essas vagas sejam

    preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados negros, pardos e indgenas, em proporo

    no mnimo igual de negros, pardos e indgenas na populao da Unidade da Federao onde

    est instalada a instituio, segundo o ltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE).

    J existia no mbito da UFU, desde 2008, o Programa de Ao Afirmativa de Ingresso

    no Ensino Superior (PAAES), institudo pela Resoluo n. 20/2008, do Conselho

    Universitrio. Durante o perodo de vigncia do Programa, a Universidade, visando ampliar

    os nveis de incluso social, reservou o percentual de 25% das vagas de cada um de seus

    cursos a estudantes que comprovadamente tivessem cursado os ltimos quatro anos do ensino

    fundamental em instituio pblica e que estivessem cursando tambm o ensino mdio em

    escola pblica. Por meio da Resoluo n. 25/2012, do Conselho Universitrio, a Universidade

    extinguiu o PAAES, mas garantiu que em seus processos seletivos seria feita a reserva de

    cotas, conforme estabelece a Lei n. 12.711/2012.

    No Brasil, conforme explica Dias Sobrinho (2010), a excluso educacional engloba

    uma srie de problemas, como o analfabetismo, a falta de vagas, a evaso, a repetncia, entre

    outros. Mas h tambm aquela excluso que no retratada pelas estatsticas mais simples: a

    que ocorre por dentro do sistema, por meio, principalmente, da oferta de ensino de baixa

    qualidade e da autoexcluso.

    No caso dos(as) estudantes universitrios, muitos, no contexto atual, esto em

    desvantagem por conta de suas formaes anteriores, que deixaram diversas debilidades e so

    escassas em informaes acerca do que seria uma vida universitria rica e de sua importncia

    para os(as) futuros(as) profissionais e cidados(s). Ou ainda, muitos desses(as) jovens trazem

    internalizada a ideologia de que a excluso natural, incluindo-se naturalmente entre os(as)

    excludos(as) sociais. Acabam por acreditar que, na melhor das hipteses, teriam capacidade

    intelectual e econmica ou mesmo direito de frequentarem os cursos mais acessveis,

    menos seletivos e de baixo prestgio, nos quais tm possibilidade de aprovao, mas que

    tambm no garantem empregos mais valorizados futuramente.

  • 38

    Apesar de constiturem iniciativas muito importantes e vlidas, conforme explica Dias

    Sobrinho (2010), as aes destacadas possuem seus limites. Primeiramente, preciso

    considerar que a oferta do acesso a uma educao de baixa qualidade no pode promover

    justia social. As restries econmicas e as lacunas da formao precedente dos(as) jovens

    que alcanam o ensino superior pela via desses Programas consistem em fortes desvantagens

    em relao aos(s) demais. preciso assegurar igualdade de oportunidades, inclusive do

    ponto de vista qualitativo, o que acarreta na necessidade de slida preparao dos(as) jovens

    das camadas mais pobres para a competio voltada ao acesso a bons cursos e a carreiras

    socialmente valorizadas.

    Alm de no alterarem profundamente as relaes verticalizadas que constituem

    caracterstica estrutural da sociedade, no alteram significativamente os modelos

    institucionais e pedaggicos das instituies de educao superior nem quanto ao modelo

    organizacional e administrativo, nem quanto aos currculos e mtodos de ensino. E

    acreditamos que as prticas didtico-pedaggicas desenvolvidas para as aprendizagens dos(as)

    estudantes sero um dos fatores determinantes para que o objetivo de democratizar a educao

    superior seja alcanado. Trata-se de uma questo preocupante, sobretudo ao levar em conta

    que, na formao de professores(as) para o exerccio da docncia no ensino superior, o foco

    na competncia cientfica, desprovida da dimenso didtico-pedaggica. Discutiremos essa

    questo um pouco mais adiante.

    1.4 Afinal, que universidade queremos? Qual sua funo social?

    Diante dos elementos destacados anteriormente, que nos do uma ideia do contexto

    atual da educao superior brasileira, um questionamento que precisa ser feito diz respeito

    funo social da universidade. Isso porque acreditamos que a anlise de qualquer temtica

    relacionada ao ensino nessa instituio ter como premissa o nosso entendimento acerca de

    qual a sua importncia para a sociedade.

    Segundo Dias Sobrinho (2009), h 10 anos vivenciamos uma crise que atinge o

    Estado, o trabalho e o sujeito. Consequentemente, ela desencadeia mudanas no ambiente

    universitrio, sobretudo no que diz respeito aos valores e funes da profisso docente. Na

    tentativa de descrever as caractersticas dessa crise, o autor explica que a economia global

    aumentou, concentradamente, as riquezas. Alm disso, seus pilares centrais passaram a ser o

    conhecimento e a informao. Junto disso, o desenvolvimento tecnolgico, em especial o da

  • 39 tecnologia de comunicao e informao, contribuiu para a consolidao de uma volatilidade

    epistmica.

    Nesse contexto, segundo o autor, duas concepes de educao superior competiam.

    Uma delas foi proposta pela UNESCO (na Conferncia Regional de La Habana, em 1996, e

    na Conferncia Mundial sobre Educao Superior, Paris, em 1998) e entendia a educao

    como bem pblico fundamental, direito social que tem de estar acessvel a todos, em todos os

    nveis e com qualidade que, nessa viso, estava relacionada possibilidade de que, no

    mnimo, todos aprendam em tempos considerados adequados a tudo que preciso para uma

    vida digna e socialmente construtiva. A outra concepo de educao superior, difundida pelo

    Banco Mundial, defendia a privatizao e a mercantilizao da educao superior. Essa

    ltima, como j explicitamo