aulas teóricas dr. ferreira de almeida

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Direito Internacional Publico II Dr. Ferreira de Almeida 2013/2014 Índice do curso 1. Normatividade Internacional - problemas estruturais da normatividade internacional 2. Relações diplomáticas e consulares (breve referência) a) Imunidades funcionais e pessoais no D.I. 3. Sucessão de Estados 4. Reconhecimento 5. Direito dos povos à auto-determinação 6. Protecção internacional dos direitos do Homem (planos regional e internacional) 7. Direito Internacional Penal 8. Direito Internacional do Ambiente 9. Princípio da proibição do recurso à força (conteúdo e excepções) 10. Regime Jurídico Internacional dos Espaços Bibliografia - Seis primeiros capítulos - Direito internacional Público , Ferreira de Almeida, Coimbra Editora - Quatro últimos capítulos - Materiais de apoio (inforestudante) Avaliação Avaliação por exame final 1

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Direito Internacional Público II

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Direito Internacional Publico IIDr. Ferreira de Almeida2013/2014

Índice do curso

1. Normatividade Internacional - problemas estruturais da normatividade internacional

2. Relações diplomáticas e consulares (breve referência)

a) Imunidades funcionais e pessoais no D.I.

3. Sucessão de Estados

4. Reconhecimento

5. Direito dos povos à auto-determinação

6. Protecção internacional dos direitos do Homem (planos regional e internacional)

7. Direito Internacional Penal

8. Direito Internacional do Ambiente

9. Princípio da proibição do recurso à força (conteúdo e excepções)

10. Regime Jurídico Internacional dos Espaços

Bibliografia

- Seis primeiros capítulos - Direito internacional Público, Ferreira de Almeida, Coimbra Editora

- Quatro últimos capítulos - Materiais de apoio (inforestudante)

Avaliação

Avaliação por exame final

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Aula teórica 20.02.2014

A normatividade internacional (problemas estruturais que é possível identificar no sistema normativo internacional)

O Direito internacional é lacunoso em certos domínios. Por outro lado, é claro que alguns dos princípios fundamentais do DI têm um conteúdo algo complexo que leva a inúmeras discussões na doutrina internacional. É também patente que há normas de DI demasiados genéricas que levam à sua inoperância. Surge ainda uma carência de mecanismos sancionatórios para garantirem o cumprimento dessas normas e princípios. A isto se liga as falhas na justiça internacional. (Referência à debilidade do Princípio da Proibição do Recurso à força). Há normas relativas a problemas ambientais, que remetem para o Património comum da humanidade, mas é notória a necessidade de densificação deste conceito. Outro problema no DI reflecte-se nas consequências jurídicas da ilicitude dos Estados no que diz respeito à violação dos princípios fundamentais do DI.

Tudo isto se deve à estrutura desorganizada da comunidade internacional, já que não há órgãos e instituições suficientes capazes de controlar comportamento dos Estados (como membro principal do DI). Assim, não serão levadas a cabo na comunidade internacional as funções essenciais do DI (poderes legislativo, executivo e judicial). Não existem órgãos de poder legislativo; o poder judicial não é compulsionatório e, em termos de poder executivo, este não é totalmente eficaz. O que vai levar à auto-tutela para a resolução de conflitos entre os Estados. Deste modo, os Estados poderão sub-rogar-se de forma descentralizada à comunidade internacional.

Eis algumas das principais diferenças entre o DI e o Direito Interno, já que este é emanado de entidades centralizadas e coesas.

Problemas:

- Limiar ou fronteira da normatividade

Transporta-nos para a diferença entre soft law (direito macio, fraco) e hard law (direito forte, duro). Soft law pretende aludir a normas de conteúdo vago, impreciso relativamente às quais não se sabe definir que direitos atribuem e que obrigações implicam. São normas meramente exortatórias, incitativas ou programáticas. Hard law são normas precisas, bem definidas, em que os destinatários sabem exatamente quais são os direitos que exortam e que obrigações impõem. São obrigações impositivas. No campo internacional, a soft law tem o seu privilégio nas resoluções recomendatórias mas não só. Também surge em disposições resultantes de tratados ou convenções internacionais. Manifesta-se ainda em normas de costume internacional (dado não haver órgãos da criação arbitrária de direito, as normas costumeiras são muito importantes e revelam-se primordiais numa sociedade internacional descentralizada. É importante o papel da jurisprudência para verificar o seu conteúdo).

É de ressalvar a distinção entre soft law quanto ao instrumento e quanto à substância. No que diz respeito ao instrumento, remete-nos para o processo técnico de criação da norma, para a fonte formal de DI através da qual a norma jurídica é revelada. Quanto à substância, temos em vista o conteúdo material da norma que brotou da fonte. Hard law também se pode distinguir em termos de instrumento e substância, os critérios serão os mesmos que os da soft law e ambos podem coexistir numa mesma norma.

A soft law não traduzirá um fenómeno patológico da sociedade internacional? À primeira vista, sim. No entanto, não se pode tecer tal consideração. O direito tem um mínimo

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de eficácia (referência a Kelsen) que advém de uma adesão espontânea ao direito que, por sua vez, resulta na adesão às normas de soft law. Por outro lado, não reduzem a zero a soberania dos Estados, ou seja, atribuem aos Estados uma parcela de soberania, uma vez que os Estados se adaptam a estas normas. Estas normas até podem converter-se em hard law desde que os sujeitos de DI adiram voluntariamente às mesmas.

Existem ainda autores que sugerem outra concepção da soft law. Estes defendem que a soft law tem que ver com aqueles actos que não são actos jurídicos, não passaram a fronteira da normatividade. Assim, não teriam passado de actos pre-jurídicos. Teriam dois efeitos: efeito permissivo (permitiriam a adopção de um certo comportamento e, assim, aqueles que adoptassem certos comportamentos não incorreriam em responsabilidade internacional) e efeito ab-rogatório (estes actos, não sendo ainda direito, poderiam derrogar normas jurídicas pré-existentes). Esta acepção é criticada, já que uma norma que ainda não é jurídica não poderá produzir efeitos jurídicos. Isto tornaria inexistente a fronteira entre o mundo de direito e o mundo de pré-direito. Todavia, sabe-se que o direito evoca segurança, certezas que contradizem esta concepção. Assim deve entender-se que soft law são normas jurídicas de fraco poder, mas pertencem ao mundo jurídico.

Estes termos são qualificativos próprios de normas jurídicas.

O valor das resoluções das organizações internacionais: apesar das recomendações não terem força jurídica obrigatória, não se pode deixar de reconhecer um certo valor jurídico. Por um lado, porque é preciso reconhecer-lhes um certo impacto público. Acresce, ainda, que os juristas dos estados-membros têm um dever de boa-fé de analisar o conteúdo dessas recomendações. Aqueles que, efectivamente, actuarem de forma consonante com essas recomendações não incorrem de resposabilidade internacional. Por outro lado, estas recomendações estão muitas vezes na origem de normas de costume internacional.

- Gradação ou hierarquização da normatividade internacional

- Diluição da normatividade

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Aula teórica 25.02.2014

- Gradação ou hierarquização da normatividade internacional

O sistema normativo clássico é tradicionalmente um sistema não hierarquizado, é um sistema horizontal, umas vez que as normas - independentemente da sua origem formal, do seu conteúdo e do seu objecto - tinham todas o mesmo valor. Assim, era flagrante o contraste com as normas da perdem jurídica interna. Existiam então, um corpo de normas jurídicas internacionais permissivas, proibitivas, etc., todo igual. Com o fim da segunda guerra mundial, surgiram diversas alterações. Surgiu, assim, um sistema normativo internacional hierarquizado (aproximando-se dos sistemas normativos internos). Ao longo do tempo, na doutrina e na jurisprudência começou a falar-se em Supernormatividade. Foram três as teorias que desembargaram caminho ao surgimento de um super direito:

- Teoria de jus cogens ou direito internacional imperativo. Esta teoria repousa na ideia de ordem pública internacional e propõe uma distinção suma divisio do sistema normativo internacional entre normas imperativas e normas simplesmente obrigatórias. As normas imperativas seriam uma espécie de jus strictum e as outras uma espécie de jus dispositivum. É válido falar nesta teoria a partir do momento em que se admite a existência de valores essenciais. Estes valores estão positivados no direito internacional (Carta das Nações Unidas, Resoluções,...). Estes princípios impõem aos destinatários obrigações de valor constitucional.

Esta teoria surgiu inicialmente no âmbito do direito dos tratados e baseava-se essencialmente na ideia de que, se há princípios que são aceitáveis em toda a comunidade internacional, não se poderia admitir que os Estados, através de tratados, derrogassem esses princípios. Assim, um tratado que violasse ou contrariasse um princípio ou normas que tutelam valores fundamentais da comunidade internacional seria nulo.

Há alguns autores que vêm nesta teoria o retorno ao direito natural. Mas considera-se que esta analogia entre normas de jus cogens e o direito natural é algo precipitada. Jus cogens não são imputáveis ou universais, ao contrário do direito natural. Estas são condicionadas pela comunidade internacional. O direito natural é uma ordem exterior e superior ao direito positivo. O jus cogens advém de factores endógenos, dos próprios sujeitos de direito internacional. Este pode impor aos destinatários obrigações que eventualmente são impostas contra ou para além da vontade dos Estados. No entanto, paradoxalmente, as normas de jus cogens e o seu estatuto resultam da vontade dos Estados.

- Teoria das obrigações erga omnes (eficácia generalizada). As relações internacionais clássicas são caracterizadas por um bilateralismo. Assim, no DI clássico, cada Estado era titular de direitos e deveres internacionais. Estas obrigações eram de um Estado perante outro (quanto muito, perante um círculo pequeno fechado). Este Estado podia tutelar o seu direito. No entanto, não havia a ideia de repor a legalidade internacional, somente a ideia de auto-tutela.

Por outro lado, está teoria não combinava com a ideia de normas imperativas comunitárias. Assim, o TIJ sugeriu a existência de obrigações de cada Estado perante toda a comunidade internacional. Assim, toda a comunidade tem direitos que tutelam essas obrigações. E, quando é violada uma obrigação erga omnes toda a comunidade internacional é lesada. Há, então, uma universalização das relações.

Como assegurar a protecção da comunidade por estas obrigações?

- Teoria dos graus de ilicitude em matéria de responsabilidade internacional do Estado.

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Distinção entre crimes e delitos internacionais. Mais tarde, abandonou-se esta terminologia. Os crimes internacionais seriam os actos ilícitos do estado mais graves, que resultariam da violação de normas internacionais mais importantes. Os delitos internacionais seriam os actos ilícitos do estado menos graves, que resultariam da violação de normas internacionais menos importantes. As consequências jurídicas dos crimes internacionais implicariam consequências complementares ao estado.

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Aula teórica 27.02.2014

A violação de obrigações erga omnes consideravam-se actos ilícitos mais graves, a saber:

- Crime de agressão armada;

- Repressão pela força do direito dos povos à auto-determinação;

- Violação em larga escala de direitos fundamentais da pessoa humana (p.e. Genocídio, aparheid, tortura, etc);

- Crime ambiental.

Um acto ilícito menos grave dá origem a uma nova relação jurídica bilateral entre o estado vítima e o estado causador.

Por outro lado, nos actos ilícitos mais graves assiste-se a uma universalização da responsabilidade internacional, uma vez que a prática destes actos afecta toda a comunidade internacional. O estado que praticou o acto ilícito fica sujeito a repercussões por parte de toda a comunidade.

Hoje fala-se de actos ilícitos internacionais para actos praticados por indivíduos. Quanto aos actos praticados pelo Estado não se designa desta forma, mas apenas actos que violam normas imperativas.

Crimes internacionais - jus cogens - obrigações erga omnes

Diluição da normatividade

O voluntarismo é uma imagem de marca do DI clássico, uma vez que sempre se defendeu que o fundamento básico no DI reside na vontade ou no consentimento dos Estados. O DI assenta em mecanismos de consenso.

Nas convenções internacionais assenta o princípio da eficácia relativa (só produz efeitos para as partes art. 34º CV). Assim, sabia-se sempre os titulares de direitos e obrigações. No entanto, este princípio agora é posto em causa, já que se admite que a partir de uma norma convencional se pode implicar toda a comunidade internacional e não só as partes envolvidas.

Hoje, através de uma convenção internacional, são criadas obrigações para todos os Estados. É notória uma diluição entre a norma costumeira e a norma convencional hoje em dia, que, pelo contrário, era bem separada no passado.

A aceitação de um costume (tácita ou expressa) constitui um traço específico do seu regime jurídico. No costume internacional clássico, não se exigia a unanimidade. Pedia-se somente a generalidade e concedia-se a cada Estado a faculdade de ficar de fora. Portanto, as normas costumeiras de alcance geral não se impõem a todos os Estados. Tudo se altera agora. Surgem os costumes selvagens e a condição de obrigatoriedade é muito aligeirada.

Teoria dos tratados quase universais - são tratados formados por um número significativo de Estados e criam normas que se impõem não só aos Estados-parte a título de direito convencional e obrigam Estados-terceiros a título de direito costumeiro.

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Aula teórica 4.03.2014

Relações diplomáticas e consulares

Uma das obrigações do estado é o direito de legação (jus legationes) que pode ser activo ou passivo. Activo quando se trata do envio de missões de diplomáticas. Passivo quando se trata da recepção de missões diplomáticas ou consulares.

Classicamente, dizia-se que os Estados tinham: o direito de tratados, o direito à guerra e o direito de legação. Os Estados relacionam-se entre si por intermédio de agentes ou representantes, que se baseia no envio ou na recepção dos mesmos. Normalmente, estas relações assumem o papel permanente que se designam embaixadas ou legações. O direito consular era tradicionalmente direito consuetudinário. A partir de certa altura, começaram a ser concluídos pactos e acordos sobre esta matéria (nomeadamente, o regulamento de Viena em 1815; o protocolo Aix-la chapelle em 1818; convenção de Cuba em 1828 e, finalmente, a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas e consulares em 1861, que é o instrumento regulador destas relações).

Quando se refere a relações diplomáticas, tem que ver com a representação política de um estado no plano internacional. As relações consulares são. A representação do Estado no plano administrativo. Para existir uma representação diplomática é preciso que o Estado que vai receber a relação dê a sua aceitação e, após esta, o Estado poderá instalar a missão diplomática. Uma vez instalada, os responsáveis e respectivos familiares dispõem de Imunidades diplomáticas (imunidade pessoal, liberdade de circulação no território do Estado acreditador, imunidade de jurisdição - plena, em matéria criminal; quase plena em matéria civil; estão isentos do pagamento de impostos pessoais e directos,...). Quanto a missões consulares, estas são independentes das diplomáticas. Todavia, quando o estado dá autorização para o início das relações diplomáticas, esta abrangerá as relações consulares. É preciso sempre cumprir uma obrigação formal para que a missão consular possa ter início. Tal como os diplomatas, os cônsules também gozam de Imunidades. Os cônsules defendem os interesses do Estado bem-vindo no território do Estado de residência. Genericamente, os consulados têm obrigações econômicas, culturais, etc.

Distinção entre Imunidades funcionais (ratione materiae) e Imunidades pessoais (ratione personae): gozam de imunidade funcional, todos os representantes do Estado relativamente a actos praticados no exercício das suas funções oficiais (reconhecidas a quem tem missões no estrangeiro, p.e.). Estas Imunidades subsistem mesmo depois do término das suas funções e são invocáveis junto de qualquer Estado estrangeiro. São Imunidades conseguidas para actos praticáveis no exercício de funções oficiais, uma vez que o que está em causa é o próprio Estado. As Imunidades pessoais são apenas conseguidas para certos representantes do Estado que estejam em missão oficial no Estrangeiro (p.e., são reconhecidas a um chefe de missão diplomática, ao chefe de Estado, ao primeiro ministro, ao ministro dos negócios estrangeiros, etc., - são Imunidades que se ligam directamente ao estatuto particular da pessoa e são atribuídas para que o representante possa cumprir a sua missão no estrangeiro. Estas Imunidades abrangem todos os actos do representante praticados antes ou durante o exercício das suas funções praticados nesse Estado ou no exterior. Extinguem-se com o término da missão e só são invocáveis onde esse representante está a exercer as suas funções oficiais.

Assim, um dos problemas que se coloca no DI tem que ver com o facto de estas Imunidades pessoais e funcionais se mantêm na prática de crimes internacionais. Relativamente à imunidade funcional, não subsistem na prática de um acto ilícito considerado crime grave internacional. As Imunidades pessoais, geralmente, consideram-se que subsistem mesmo na prática desses crimes. Uma vez que pode julgar-se quem o praticou assim que a imunidade se extinguir e para evitar conflitos políticos.

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O TIP já considera que nem as Imunidades pessoais devem subsistir.

Sucessão de Estados

Constitui um fenómeno regular nas relações internacionais. Há duas convenções internacionais sobre a sucessão de Estados que ajudam a perceber este fenómeno: uma sobre a sucessão de Estados em matéria de tratados a outra é sobre a sucessão de Estados em matéria de propriedade, arquivo e dívidas. Estas duas convenções têm um artigo comum (art. 2º) que dá uma noção de sucessão de Estados: designa a substituição de um Estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de um território. Está directamente ligada aos elementos constitutivos do Estado (população, governo e território). População: se num estado soberano se se verificasse uma mutação completa da população daria lugar a uma sucessão de Estados. Este facto não se verifica, uma vez que a população do Estado é sedentária. Governo - a mutação do elemento governo na sequência de processos revolucionários. Mas esta mutação não dá lugar a sucessão de Estados, já que o Princípio da Continuidade do Estado determina que a personalidade jurídica de um Estado se mantém mesmo quando ocorrem estas convulsões internas. A existência deste princípio deve-se à necessária protecção de direitos de Estados terceiros (para que os compromissos celebrados não sejam desrespeitados pelo novo governo) e também à necessidade de proteger o próprio estado, nomeadamente a necessidade de pôr a salvo de ingerências exteriores. Na verdade, a sucessão de Estados ocorre quando há uma mudança significativa no elemento território. N sucessão de estados, há materialmente uma operação de sucessão. Estão envolvidos, geralmente, dois estados: estado predecessor ou de cuios e o estado sucessor ou herdeiro. O herdeiro passa a encabeçar a posição jurídica do predecessor, no direito privado. No entanto, na sucessão de estados há uma ideia de ruptura, não de continuidade.

Existem várias espécies de sucessões de estados:

- Sucessão relativa a uma parte do território. Acontece quando parte do território de um Estado passa a fazer parte do território de outro Estado. P.e., o caso de Macau que envolveu o Estado português.

- Estados sucessores de recente independência. Acontece quando se verifica uma descolonização; os casos em que o território de um Estado, antes da sucessão, era um estado dependente. P.e., o caso de Timor-Leste.

- Unificação. O caso em que dois estados se reunificam num só estado. P.e., O caso da reunificação da Alemanha (RDA e RFA).

- Separação. Nos termos da convenção de 1968, esta acontece quando uma ou partes do território de um Estado se separam e dão origem ao surgimento de um ou vários Estados, continuando ou não a existir o Estado predecessor.

Para a convenção de 83, deve entender-se que o Estado predecessor continua a existir.

P.e., o caso típico do território da ex-Jugoslávia.

- Dissolução. Surge com a convenção de 1983. Acontece quando o território de um Estado se desagrega, dando origem à formação de novos Estados independentes, mas deixando de existir o Estado predecessor.

Que direitos e obrigações de que fosse titular o Estado predecessor se transmitem para o Estado sucessor?

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Consoante a espécie da sucessão, há casos em que os direitos e obrigações passam para o Estado sucessor e outros não.

Não há um regime jurídico completamente coerente, pacífico de solução de estados. Por vezes, nas situações concretas consagram-se soluções que tanto se aproximam como se afastam previstos nas convenções. Ainda assim, é possível encontrar certas tendências. Surgem três problemas fundamentais em matéria de sucessão de Estados:

1) Problema das relações entre Estado sucessor e particulares;

2) Problema das relações entre Estado sucessor e Estado predecessor;

3) Problema das relações entre Estado sucessor e a ordem jurídica internacional.

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Aula teórica 6.03.2014

Sucessão de estados (cont.)

1) Saber se o estado sucessor é ou não obrigado a respeitar direitos (sobretudo patrimoniais) que tenham sido adquiridos pelos particulares antes da sucessão de estados.

Quanto a esta questão, surgem as teses:

- Clássica. Considera que o estado sucessor está vinculado a respeitar os direitos adquiridos pelos particulares de acordo com a ordem jurídica do estado predecessor.

Inicialmente entende-se que estão em jogos apenas situações jurídicas de carácter privado. Mais tarde, esta tese alarga-se também às situações emergentes de contractos de direito público. O poder administrativo manifesta-se através de:

- Regulamentos administrativos;

- Ato administrativo;

- Contracto público. Muitas vezes, o poder administrativo não se manifesta através de autoridade mas por contrato. Uma vertente destes contractos são os contractos de concessão.

Esta tese defendia o respeito desses direitos adquiridos.

- Moderna. Surge com o fim da 2ºGM e defendia que o estado sucessor não tinha que respeitar os direitos adquiridos pelos particulares. Argumentavam que seria perfeitamente injusto para estados de recente independência (uma vez que são estados pouco estruturados, com economias débeis,...). Existia ainda outro argumento, que se baseava no Princípio da auto-determinação dos estados: se havia uma soberania permanente dos estados perante os seus recursos naturais, então estes encontravam-se dispensados de cumprir as obrigações contratuais que vinham do estado predecessor.

- 3ª via. O estado hoje não pode desrespeitar os direitos assumidos pelo estado predecessor. No entanto, também não é justo os estados sucessores com débeis economias acarretarem com encargos económicos pesados. Assim, conclui-se que, quando se compromete a estabilidade económica de um estado sucessor, pode desrespeitar-se esses direitos mas sempre com uma indemnização justa e adequada ao particular. Quando não se compromete, devem estes direitos ser respeitados.

2) Esta questão desdobra-se em três problemas:

- Ordem jurídica do estado predecessor. Quando há uma sucessão de estados, o que acontece à ordem jurídica do estado predecessor? Por ordem jurídica entenda-se a legislação, a competência dos tribunais, etc. Normalmente, acontece a substituição da ordem jurídica do estado predecessor pela do estado sucessor. Todavia, na prática, nem sempre isto acontece, dadas as razões de segurança, boa administração do território. Existem sempre soluções de continuidade durante o período transitório.

- Transmissão de bens (móveis e imóveis). À luz do direito costumeiro, a regra é que se transmita para o estado sucessor os bens móveis e imóveis do estado predecessor. Esta regra foi acolhida pelo direito conceitual, mas foram estabelecidas algumas especificidades para os vários tipos de estados. P.e., no caso da Unificação, os bens transmitem-se na íntegra. No entanto, quando a sucessão diz respeito a uma parte do território, faria sentido a transmissão dos bens que pertenceriam a esse território.

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Quanto à separação e dissolução, mantém-se a regra da transmissão de bens, mas prevê-se que possam ser transmitidos para os estados sucessores os bens numa proporção equitativa. E, ainda, prevê-se a transmissão de bens que não estejam directamente ligados à actividade do estado nesse território.

Para os estados sucessores de recente independência, prevê-se a possibilidade de serem ainda transferidos bens móveis e imóveis para cuja criação contribuiu directamente esse território e até, eventualmente, bens que se situem no estrangeiro.

Existe, ainda, uma vertente que tem que ver com os arquivos do estado predecessor. A ideia fundamental é a da transmissão de arquivos (originais e reproduções). No caso da unificação, há uma transmissão total dos arquivos. No caso de sucessão relativa a uma parte do território, separação ou dissolução, a transmissão é parcial. Esta terá, sobretudo, em conta os arquivos que digam respeito à administração da parte do território.

- Transmissão de dívidas. Os encargos financeiros do estado predecessor são assumidos pelo estado sucessor? Existem duas situações contrastantes: a da unificação e a dos estados sucessores de recente independência. No caso da unificação, há a transmissão total das dívidas. No caso dos estados sucessores de recente independência, não respondem pelas dívidas do estado predecessor.

Quanto às demais situações de sucessões de estados, há uma transmissão de dívidas numa proporção equitativa. É preciso olhar aos bens, direitos e interesses que se transferiram para o estado sucessor relativamente aos do estado predecessor.

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Aula teórica 11.03.2014

Sucessão de estados (cont.)

3) Problema das relações entre Estado sucessor e a ordem jurídica internacional

Subquestões a considerar:

a) Tratados. As convenções apresentam soluções diferenciadas em função do tipo de sucessão que se está a considerar. Aqui, aplica-se a regra da Tábua Rasa ou de descontinuidade. Isto significa que os tratados celebrados pelo estado predecessor não vão vincular o estado sucessor. Esta solução explica-se pelo Princípio da Relatividade dos Efeitos dos tratados (os tratados não produzem efeitos para estados terceiros sem o seu consentimento). Na hipótese de estarmos perante um tratado bilateral e o estado predecessor desaparece com a sucessão de estado, o tratado extinguir-se-ia (o desaparecimento de uma das partes leva à extinção do tratado). Todavia, existem exceções a esta regra (Casos em que os tratados anteriores aplicam-se aos estados sucessores). As normas costumeiras de alcance geral impõem-se a estados terceiros. Se uma norma de um tratado se converte em costume, então essa norma produzirá efeitos para terceiros. Os tratados que versam regimes de fronteiras e tratados que estabelecem determinados estatutos territoriais (chamados tratados reais, que se opõem aos tratados pessoais) também se impõem ao estado sucessor. O Princípio Uti Possidetis Iuris (o direito deriva da posse que tens) ou Princípio da Intangibilidade das fronteiras previamente traçadas pelo colonizador coloca os estados sucessores de recente independência a coberto dos estados vizinhos. (considerava que os estados sucessores tinham fronteiras intangíveis – intocáveis – isto para os manter a salvo de possíveis “apetites” territoriais de estados vizinhos. Isto aplica-se às fronteiras traçadas historicamente pelo colonizador).

No caso dos estados sucessores de recente independência prevê-se a possibilidade de o estado sucessor de recente independência se tornar parte em tratados multilaterais do estado predecessor mediante uma notificação de sucessão, a menos que o tratado seja fechado ou se a entrada do estado sucessor para esse tratado puser em causa o objecto e o fim desse tratado.

Esta solução tem sido alvo de grande crítica por parte da doutrina, uma vez que beneficia em grande parte estes estados sucessores.

Um dos problemas que se apresentam é o das reservas: se o estado sucessor nada disser em contrário, mantém-se a reserva; se, por contrário, se opuser, terá que fazer uma reserva da reserva.

Nos casos de separação, unificação e dissolução, a regra é da continuidade dos tratados. A menos que os estados partes e o estado sucessor visem uma solução diferente.

A participação nas Organizações Internacionais.

- Quando há uma sucessão de estados, o estado sucessor torna-se automaticamente membro das OI a que pertencesse o estado predecessor? A regra é de que não há sucessão automática na qualidade de membro de uma OI. O estado sucessor se quiser tornar-se membro de uma OI terá de sujeitar-se aos mecanismos de adesão previstos nas cartas institucionais dessas OI. Todavia, há muitas excepções.

Responsabilidade Internacional.

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- O estado sucessor sucede ao estado predecessor em matéria de responsabilidade internacional (tanto a posição activa como passiva)? Quer numa hipótese quer noutra não, não há sucessão em matéria de responsabilidade internacional.

Caso prático: O estado A, colonizador da colónia X, desintegrou-se, dando lugar à formação dos estados B e C e à independência da colónia X. Antes da desintegração, o estado A havia concluído as seguintes convenções internacionais:

- Uma convenção bilateral com o estado fronteiro D, delimitando pela linha mediana as plataformas continentais respectivas;

- Uma convenção bilateral pela qual se comprometia a submeter parte do seu território europeu a um estatuto de desmilitarização;

- Uma convenção multilateral sobre direitos humanos;

- Um tratado de aliança militar com o estado E;

- Uma convenção multilateral a cuja cláusula Y o estado A havia formulado uma reserva, pretendendo modificar o respectivo conteúdo.

Quid juris do ponto de vista da sucessão de estados em matéria de tratados?

Estamos perante uma sucessão por dissolução, que originou estados de recente independência.

Quanto à primeira convenção, esta vai manter-se, já que trata de matéria de fronteiras (art. 11º da CV sobre sucessão de estados de 1978).

Relativamente à segunda convenção, esta continuará a vigorar (impondo-se a terceiros), já que trata de matérias objectivas ou estatutárias (art. 12º da CV sobre sucessão de estados de 1978).

A terceira convenção continuará a vigorar, já que trata de normas imperativas de DI ou de costume de alcance geral (art. 5º da CV sobre sucessão de estados de 1978).

Na quarta convenção não há continuidade para nenhum dos estados.

A quinta convenção continua a vigorar para os estados B e C. Quanto ao estado de recente independência, este pode opor-se ou modificar a reserva.

Caso prático: O estado B sucedeu ao estado A na responsabilidade pelas relações internacionais pelo território X. Antes da sucessão, A havia concluído os seguintes tratados:

- Um tratado de cooperação económica com C;

- Um tratado com o estado vizinho D, consagrando a liberdade de navegação na zona marítima Y;

- Um tratado bilateral com E, proibindo a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;

- Um tratado de fornecimento de tecnologia avançada com F.

Quid juris do ponto de vista da sucessão de estados em matéria de tratados?

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No primeiro tratado, não há sucessão do tratado.

No segundo, há vinculação do estado sucessor.

Quanto ao terceiro tratado, há vinculação do estado sucessor.

O quarto tratado não vincula o estado sucessor.

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Aula teórica 13.03.2014

Caso prático

A e B são dois estados vizinhos membros da União Africana e da Organização das Nações Unidas. A esteve sob a dominação colonial de C até ascender à independência em Março de 1964. B, por sua vez, foi uma colónia de D até se tornar independente em Julho de 1965. Durante a década de cinquenta do séc. XX, C havia celebrado diversas convenções internacionais, de entre elas merecem destaque:

- Uma convenção de aliança militar com o estado E;

- Um tratado de amizade e cooperação com F.

O estado D, por seu turno, concluiu durante o mesmo período com G e H:

- Um tratado de delimitação das respectivas zonas económicas exclusivas;

- Um tratado de intercâmbio comercial;

- Uma convenção multilateral proibindo a tortura.

Sabendo que, após a independência, A fizera uma notificação de sucessão a todos os tratados concluídos por C e que B, ao invés, declarara tábua rasa relativamente aos tratados celebrados por D, quid juris do ponto de vista da sucessão de estados em matéria de tratados?

Relativamente à convenção de aliança militar, não há transmissão do tratado.

No que diz respeito ao tratado de amizade e cooperação, não há continuidade do tratado.

Em relação ao tratado de delimitação das respectivas zonas económicas exclusivas e ao tratado multilateral de proibição de tortura não têm continuidade. Somente o tratado que diz respeito ao intercâmbio comercial tem continuidade.

Reconhecimento

Através do reconhecimento, ou expressa ou tacitamente, um estado aceita os efeitos jurídicos de um acto em cuja criação não participou por achar que estão em conformidade com os princípios de DI.

A comunidade internacional caracteriza-se pela carência de órgãos centralizados fortes e, assim, são os estados que desempenham esse papel. Deste modo, o reconhecimento é importante para clarificar os comportamentos adoptados pelos estados (principalmente, comportamentos erráticos de cariz político).

Há muitas situações que podem ser objecto de reconhecimento. Se um estado, p.e., reconhece a representatividade de um movimento de libertação nacional, o estado está a vincular-se, naquele momento e para o futuro. Desta forma, ele não poderá adoptar comportamentos contraditórios. O reconhecimento serve para conferir estabilidade e coerência às relações internacionais.

O principal objectivo dos estados de recente independência é serem reconhecidos pela comunidade internacional.

Reconhecimento do estado

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O estado é uma entidade que tem território, população e governo e que, para além disso, tem a característica da soberania ou independência.

Quando surge um estado ou começa a sua personalidade jurídica?

Existem duas teses na doutrina:

- tese do reconhecimento constitutivo ou atributivo;

- tese do reconhecimento declarativo.

A primeira é defendida pelos voluntaristas (clássicos). Segundo esta tese, o reconhecimento seria um requisito indispensável para a existência do estado. Seria este que atribuiria ao estado personalidade jurídica.

O voluntarismo defende que a obrigatoriedade no DI reside na vontade dos estados. Esta tese em tudo se coaduna com o voluntarismo.

Crítica: Quando surge um estado na comunidade internacional, ele pode ser reconhecido por uns estados e não por outros. É uma situação jurídica incerta, pelo que esta tese não é aceitável.

A segunda tese defende que, a partir do momento em que uma entidade disponha de uma população, território e governo, já será reconhecida como estado. Não será o reconhecimento que atribuirá personalidade jurídica ao estado. O reconhecimento limita-se a comprovar a existência do estado, mas não lhe atribui personalidade jurídica internacional, ela radica dos seus elementos constitutivos.

Qual o papel do reconhecimento?

A situação jurídica do estado é muito diferente antes e depois do reconhecimento. Antes do reconhecimento, o estado tem capacidade de gozo de direitos mas não tem capacidade de exercício no plano internacional.

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Aula teórica 18.03.2014

Reconhecimento (cont.)

Um estado que não seja reconhecido pelos seus pares nas relações internacionais não pode obrigá-los a considerar oponíveis, nos seus territórios, os efeitos jurídicos dos actos praticados por ele. Deste modo, é limitado o alcance extraterritorial do estado não reconhecido. Daí que se afirme que o estado não reconhecido não tem capacidade de exercício.

Em suma, internamente, a não outorga de reconhecimento não tem consequências maiores. Externamente, tem. O estado não pode exercer as suas competências.

Reconhecimento: declarativo quanto à existência; constitutivo quanto ao exercício.

Reconhecimento do governo

Pode reconhecer-se um estado e não o seu governo.

O problema deste reconhecimento coloca-se quando o governo chega ao poder na sequência de uma revolução. Não surge na consequência de um processo eleitoral; este é o processo democrático normal. Surgem as seguintes teses explicativas:

- Doutrina da Legitimidade Democrática. O governo de um estado que chegue ao poder só pode ser legitimado se a população desse mesmo estado o aprovar, através de referendo.

- Tese da Efectividade. Devem ser reconhecidos os governos que exerçam autoridade efectividade sobre os respectivos territórios. O reconhecimento deve ter correspondência na efectividade do poder que o governo exerça nos respectivos territórios e que demonstrem capacidade para cumprir os compromissos internacionais do estado.

Nas relações internacionais tende a prevalecer esta última tese.

Reconhecimento de grupos rebeldes

Reconhecimento de insurrectos e beligerantes

Num determinado estado, há um grupo que se subleva, que se rebela com vista a atingir um de dois objectivos:

- Desmembramento do estado para constituir um novo estado independente;

- Derrube das entidades oficiais.

Estes grupos rebeldes procuram atingir este objectivo recorrendo à violência. Muitas vezes, desemboca numa guerra civil.

Quando uma situação destes se desenvolve num determinado estado, estes grupos podem ser reconhecidos pelo próprio estado (mãe-pátria) ou por estados terceiros como insurrectos ou beligerantes. Interesse deste reconhecimento: primeiramente, são reconhecidos como insurrectos e, eventualmente, só mais tarde, como beligerantes. Isto serve para que os membros destes grupos deixem de ser tratados como delinquentes comuns e fiquem sujeitos às normas de direito internacional comunitário. Se se chegar à conclusão que estes grupos rebeldes já controlam uma parte significativa do território, se dispuserem de

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autoridades de governo estáveis, se dispuserem de exército/forças armadas com o mínimo de organização e se se mostrarem dispostos a cumprir normas de guerra, nomeadamente no que toca à tomada de reféns, etc., então estes grupos poderão ser reconhecidos como grupos beligerantes. Então, o conflito que era meramente interno, torna-se num conflito armado internacional sujeito a regras, a normas de conflitos armados internacionais. Por outras palavras, aqueles grupos adquirem os direitos e deveres de um estado.

Quando o reconhecimento é outorgado pela mãe-pátria, esta desonera-se da responsabilidade pelos actos praticados pelos mesmos a estados terceiros. Se for por estados terceiros, a mãe-pátria desonera-se apenas perante aqueles que procederam ao reconhecimento.

Este reconhecimento é constitutivo, uma vez que a personalidade jurídica dos grupos beligerantes advém do seu reconhecimento. Para além disso, é provisório, transitório, já que esse reconhecimento caduca se forem derrotados pela mãe-pátria ou atingiram os seus objectos, constituindo um novo estado ou ascenderam ao poder do estado em que desenvolveram a sua luta. Se constituir um novo estado, será necessário saber se este estado é reconhecido ou não.

Na última hipótese, é necessário saber se o governo é reconhecido ou não.

O reconhecimento é um ato que corresponde ao exercício de competências discricionárias, não vinculado. Isto coaduna-se com a própria estrutura da comunidade internacional e com a própria estrutura dos estados. Deste modo, não existe o dever geral de não reconhecimento de situações ilícitas pelos estados, mas sim o dever de reconhecimento de certas situações ilícitas que resultem do recurso à força. Isto deve-se às imposições de limites de recurso à força nas relações internacionais.

Formas de reconhecimento

- Reconhecimento de direito e Reconhecimento de facto.

Diferença meramente de grau. Ambos são actos jurídicos.

O reconhecimento de direito é um reconhecimento definitivo e pleno; que não é susceptível de ser revogado. Em contrapartida, o reconhecimento de facto é provisório; não produz efeitos plenos pode ser revogado.

Por vezes, os estados preferem outorgar apenas um reconhecimento de facto para evitar um compromisso definitivo, irrevogável relativamente a uma situação que não esteja ainda completamente definitiva. Neste contexto de incerteza, é de toda a prudência que aquele que reconhece o não faça em termos irrevogáveis. Desta forma, o meio mais eficaz é outorgar o reconhecimento de facto. Por contrário, quando a situação é definitiva, o estado outorga o reconhecimento de direito.

- Reconhecimento individual e Reconhecimento colectivo.

O reconhecimento individual é a forma mais frequente de reconhecimento. Habitualmente, o reconhecimento é outorgado a título individual. Ainda assim, não é inédito o reconhecimento colectivo. Nestes casos, o reconhecimento não perde a sua forma de tratado unilateral.

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- Reconhecimento expresso e Reconhecimento tácito.

Habitualmente, o reconhecimento é um acto solene, onde o estado manifesta expressamente a sua vontade de reconhecer. Mas, por outro lado, o reconhecimento resulta das atitudes e comportamentos dos estados. Este tipo de reconhecimento invoca o problema de prova.

O estabelecimento de relações comerciais no indica reconhecimento. Mas as relações consulares já são um factor que o pode indicar.

Direito à Auto-determinação dos povos não autónomos

Hoje não se duvida que o Direito dos povos à auto-determinação constitui um dos princípios mais importantes da comunidade internacional (jus cogens). Este espelha as novas tendências do DI.

Este começou por ser uma mera proclamação política. Quem inicialmente se fez eco desta ideia foi Lenine. O próprio dizia que este princípio era idóneo à libertação de povos oprimidos, sobretudo os povos que estavam submetidos ao império austro-húngaro e aos povos colonizados. Wilson retomou esta ideia mais tarde. Associou este princípio ao princípio democrático: este direito significava a liberdade de cada povo escolher o regime político, o governo, que mais lhe conviesse.

Antes da 2GM, não se considerava este princípio com carácter jurídico. Na Carta das NU, são várias as referências à igualdade entre povos e o seu direito à auto-determinação (p.e., art. 1º/2, art. 55º, art. 11º).

Por um lado, as Nações Unidas aceitam o direito dos povos à auto-determinação. Por outro, aceitar as situações coloniais. Esta contradição deve-se aos pontos de vista divergentes, contraditórios, dos principais componentes da comunidade internacional.

- Numa primeira fase, os países do leste europeu, na linha de Lenine, entendiam a auto-determinação, numa vertente externa, como o direito dos povos à descolonização;

- Numa segunda fase, os estados ocidentais entendiam a auto-determinação, numa vertente interna, como o direito dos povos à liberdade de escolher o regime político;

- Os povos do terceiro mundo defendiam que o direito à auto-determinação dividia-se em três grupos: povos submetidos a regimes coloniais; povos submetidos a regimes baseados numa discriminação racial; povos ocupados por potências estrangeiras.

Evolução subsequente: Defensores da auto-determinação vs Defensores da manutenção dos regimes coloniais.

As resoluções das NU, convenções internacionais e sentenças do TIJ conduziram ao Reconhecimento do Principio da auto-determinação.

A Carta da Declaração da Descolonização (Resolução de 1540, 14/12/1960, das NU) converteu-se num marco: todos os povos têm direito à auto-determinação e a falta da preparação de um povo nos domínios económico, político, etc., não pode servir de pretexto para o retardamento da auto-determinação.

A auto-determinação significa que o povo tem a liberdade tem escolher o próprio destino internacional. No entanto, mais do que uma auto-determinação, estamos perante uma hetero-determinação. Deste modo, surge a Resolução de 1541 (15/12/1960) das NU, que aceita a auto-determinação como a possibilidade de um povo à independência, à associação e à integração.

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Aula teórica 20.03.2014

Auto-determinação dos povos (cont.)

Traços característicos de um território submetido a um regime colonial que se queira auto-determinar (Princípios quarto e quinto da Resolução da CNU):

- Tem de ser um território geograficamente separado e ética ou culturalmente distinto;

- Tem de vigorar um regime discriminatório (político, jurídico, administrativo, etc).

Estas resoluções são as mais importantes, mas foram ainda complementadas por outras, a saber: Comité da Descolonização; Resoluções das NU que estabelecem ligação directa entre Princípio da Auto-determinação e a manutenção da paz e da segurança internacionais; Resolução contendo um programa de acção para aplicação efectiva da Resolução de 1514; Resolução dos Sete Princípios, dos anos setenta, que enuncia os sete princípios fundamentais de DI; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Para além destas, surgem ainda sentenças e pareceres que vêm corroborar os dispostos nas resoluções das NU e nos pactos internacionais.

Em suma, é importante realçar os seguintes aspectos do Princípio à auto-determinação dos povos:

- Este princípio está directamente ligado ao objectivo principal da Carta das NU: manutenção da paz e segurança internacionais;

- Há uma ligação evidente entre direito dos povos à auto-determinação e o direito da integridade da pessoa humana (um povo mais não é do que o conjunto de indivíduos ligados por certas afinidades);

- Ligação umbilical entre o direito dos povos à auto-determinação e os vários aspectos em que se consubstancia a cooperação entre os estados.

A vertente interna da auto-determinação tem um carácter universal, isto é, todos os povos que já estejam organizados sob forma de estados têm o direito à auto-determinação interna. Direito esse que espelha a livre escolha do regime político e do governo que melhor se adequem às pretensões desse povo. Deste modo, este direito consubstancia-se no Princípio da Autonomia Constitucional e Política do estado.

A vertente externa só vale para algumas categorias de povos não autónomos. A ONU só reconhece a três categorias: povos colonizados, povos sob ocupação ou dominação estrangeira e povos submetidos a regimes de discriminação racial.

Se se aplicasse a todos os povos estar-se-ia a promover a "balcanização" da sociedade internacional e, deste modo, colocar-se-ia em causa o Princípio da Integridade Territorial dos estados.

Todavia, a colonização extinguiu-se e, consequentemente, restou muito pouco do princípio da auto-determinação. Surgem os problemas das minorias, aos quais é necessário reconhecer alguns direitos internacionais, e dos povos indígenas. As NU, inicialmente, deram mostras de um voluntarismo excessivo.

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Modalidades de exercício deste direito (Princípio Sexto da Resolução das NU):

- Independência.

- Associação. É um estatuto transitório: durante certo tempo, o povo não autónomo associa-se a um estado independente até constituir um auto-governo.

- Integração. O povo não autónomo integrar-se num estado independente, de forma definitiva.

É necessário questionar a população em causa sob forma de mecanismos de consulta popular. No entanto, as NU estabelecem mecanismos diferentes para cada modalidade.

No que diz respeito à independência, as NU são pouco exigentes, dado que é o mecanismo normal. As vias são variadas: sondagem feita à população, assembleia representativa da população, etc. Em relação às outras, o mesmo não acontece. É preciso fazer o sistema de sufrágio universal (Princípio Nono da Resolução de 1541). Mas, para que está decorra de forma credível, é exigido: a libertação dos presos políticos, chamar os exilados, reconhecer os direitos e liberdades ao povo em causa e, ainda, cabe à ONU supervisionar/fiscalizar todo o processo.

- Transformações que o reconhecimento deste Princípio causou em determinadas matérias

- Existe ou não um direito de recurso à força dos povos não autónomos

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Aula teórica 25.03.2014

Art. 2º/4 CNU - Verifica-se que aí surge consagrado o princípio da proibição do recurso à força.

Este artigo deixa margem para que se possa admitir o recurso à força por parte dos movimentos de libertação nacional, já que estes movimentos exerceriam a força para alcançar a sua auto-determinação. Desta forma, este recurso à força seria legítimo, ilícito no plano internacional.

Este artigo veio apoiar os movimentos de libertação nacional. No entanto, o recurso à força começou a ser usado como forma de reprimir os movimentos de libertação nacional. Por conseguinte, as NU celebraram várias resoluções com vista a reprimir os estados de o fazer.

Surgiram sobre os estados obrigações de non facere o obrigações de facere, com o intuito de auxiliar os povos na sua auto-determinação a nível político, etc.

As consequências jurídicas são:

- Licitude do recurso à força pelos movimentos de libertação nacional;

- Direito de legítima defesa dos movimentos face às metrópoles. Todavia, este não deve ser reconhecido às potências colonizadoras face a estados terceiros quando estes auxiliam os movimentos de libertação nacional;

- O apoio aos movimentos de libertação nacional deixa de ser considerado Ingerência ou intervenção nos assuntos internos da potência administrante. Deixam de ser considerados conflitos internos, mas sim conflitos armados internacionais (Protocolo Internacional 1 de 1967).

No DI clássico, havia critérios objectivos para classificar um grupo como insurrectos ou beligerantes. No entanto, no DI actual não estão definidos estes critérios. Somente o Reconhecimento permitirá atestar se determinado movimento de libertação nacional é representante legítimo de um povo não autónomo. Quando este reconhecimento é feito por OI, habitualmente, este reconhece dois momentos distintos:

- Momento regional (em particular, União Africana e a Liga dos Estados Árabes);

- Momento internacional, onde o reconhecimento é ratificado a nível da ONU.

Consequências jurídicas deste Reconhecimento:

- Trata-se de um Reconhecimento Constitutivo, uma vez que estes movimentos só ascendem à comunidade internacional através do reconhecimento. A personalidade jurídica que lhes é atribuída é funcionalizada, instrumental;

- Através do reconhecimento, estes movimentos são admitidos a participar nos trabalhos de determinadas OI, passando a integrar conferências, colóquios, seminários, etc., e tornam conhecidos junto da comunidade os seus anseios, necessidades, etc., que lhes permitirá adquirir apoios;

- Através do reconhecimento, ficam sob a alçada do DI Humanitário.

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Indivíduo (Protecção Internacional dos Direitos Do Homem)

Preponderava a Tese Dualista Positivista segundo a qual o único sujeito de DI era o estado. No entanto, deu-se a separação radical entre o DI e o DInterno quanto aos sujeitos de Direito.

A tese monista surgiu a defender que só o indivíduo podia ser sujeito de DI; o estado não teria personalidade jurídica.

Hoje, existem teses mitigadas.

As normas de DI dirigiam-se sempre aos Estados, os indivíduos eram sujeitos mediatos/indirectos.

A partir da 2GM, a técnica de legislação internacional altera-se: surgem normas que se aplicam directamente aos indivíduos. ➡ É a partir deste momento que se passam a considerar os indivíduos como sujeitos de DI.

Instituto da protecção diplomática - mecanismo de tutela dos direitos dos indivíduos. Um estado assume a defesa dos seus nacionais lesados os seus direitos pela actuação de um estado estrangeiro.

Um estado, intendendo por conveniente, substitui um indivíduo (já que este não tem poderes para tal no plano internacional). Este direito é dos estados. Para que um estado possa exercer este direito, é necessário verificar os seguintes requisitos:

- É necessário que o vínculo de nacionalidade invocado seja real, efectivo, genuíno;

- É necessário que, no estado estrangeiro, os direitos individuais do indivíduo tenham sido lesados. Desta forma, é preciso estabelecer um nexo de causalidade entre a actuação das autoridades do estado estrangeiro e os danos causados;

- É necessário, ainda, que o indivíduo em causa tenha previamente esgotado os recursos graciosos (são recursos existentes no seio da própria administração) e contenciosos (são recursos jurisdicionais) postos à sua disposição pelo ordenamento jurídico pelo estado de acolhimento.

A protecção diplomática tem carácter subsidiário. Por um lado, parte-se do pressuposto que os indivíduos aceitam e acreditam nas vias de recurso disponibilizados pelo ordenamento jurídico onde se encontram. Por outro lado, os estados confiam nos seus pares internacionais em matéria de administração da justiça. Ainda, numa perspectiva de prevenir a ocorrência de conflitos, é necessário dar a oportunidade ao estado estrangeiro de reparar os danos causados ou, até, demonstrar que não houve qualquer acto ilícito. Considera-se que é um recurso quase de ultima ratio.

A protecção diplomática pode traduzir-se em iniciativas de carácter político-diplomático ou optar-se pela via jurisdicional.

Em certos casos, para além das normas internacionais, ainda se dá a circunstância de se lhe atribuir um poder próprio de reclamação internacional, ou seja, o indivíduo pode dirigir-se e ter acesso à jurisdição internacional.

Protecção internacional dos Direitos do Homem

a) Numa perspectiva universal.

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O indivíduo é sujeito de DI geral ou comum. O DI geral ou comum é aquela parcela de DI constituída por normas e princípios que vinculam todos os sujeitos de DI. O indivíduo é sujeito de DI geral ou comum em duas matérias: crimes internacionais e direitos humanos.

O DI dos Direitos Humanos é hoje um dos ramos mais importantes de DI. Estes direitos precisaram de concretização. Surgiram:

- Declaração Universal dos Direitos do Homem;

- Pacto internacional dos direitos civis e políticos;

- Pacto internacional dos direitos económicos, sociais e culturais.

Estes três instrumentos normativos são conhecidos como Carta Internacional dos Direitos do Homem. Em termos jurídico-formais, é uma recomendação. Diríamos que não tem força jurídica. No entanto, como codifica normas costumeiras pré-existentes, tem força jurídica obrigatória.

A protecção dos DH à escala universal assenta, por um lado, no princípio da universalidade. Isto significa que os estados devem assegurar a protecção dos DH independentemente de especificidades próprias de determinadas regiões do globo. Por outro lado, entende-se que a obrigação de todos os estados de assegurar a protecção efectiva de todos os direitos é uma obrigação erga omnes.

Há um conjunto de direitos relativamente aos quais se forma um consenso internacional: direito à vida, direito à assistência médica, etc. Todos os estados têm o interesse jurídico em defender a dignidade da pessoa humana.

Durante muito tempo, entendia-se que era um assunto do domínio interno dos estados. Hoje já não.

Em suma, estes instrumentos normativos internacionais atribuem aos indivíduos personalidade jurídica. Acresce que algumas das disposições contidas nas CI são self executing e, portanto, os indivíduos podem prevalecer-se delas junto de um tribunal interno, p.e.

b) Perspectiva regional.

- Sistema Europeu;

- Sistema Interamericano;

- Sistema Africano.

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Aula teórica 27.03.2014

Protecção internacional dos direitos do homem (cont.)

Sistemas regionais

- Sistema Europeu (estudo centrado no Conselho da Europa, OI).

O CE é uma organização regional europeia e nela assume particular importância os direitos do homem. Para que um estado se possa tornar membro é necessário que: seja um estado de direito e seja capaz de garantir a todos que se encontram sobre a sua jurisdição a protecção dos direitos humanos que estão mais directamente ligados à dignidade da pessoa humana. Desde o início que se iniciou a tarefa de produção normativa em matéria de direitos humanos. Foram adoptados: a Convenção Europeia dos direitos do homem, de 1950, que consagra direitos civis e políticos (protecção da dignidade física, protecção da liberdade e tutela jurisdicional, protecção da integridade pessoal e familiar, protecção da liberdade intelectual, protecção da actividade política, protecção do direito de propriedade e da educação) e a Carta Social Europeia, nos anos sessenta, que consagra direitos económicos, sociais e culturais (direito ao emprego, direito à negociação colectiva, direito à segurança social, direito à assistência social e médica, direitos da família, direitos dos trabalhadores migrantes, etc.).

Na protecção estão inseridos: informações fornecidas pelos estados, sempre que solicitados pelo secretário-geral do CE; queixas interestaduais (qualquer estado pode denunciar outro estado-membro do CE por alegadas violações por direitos consagrados nas convenções e, por ultimo, queixas individuais (podem ser feitas por indivíduos, grupos de indivíduos e grupos não governamentais).

Órgãos destinados a esta protecção: órgão jurisdicional (Tribunal Europeu dos Direitos do homem) e não jurisdicional (Comissão Europeia dos Direitos do Homem).

Um indivíduo pode recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, logo que esgotados os recursos internos dispõem de seis meses.

Admite-se a possibilidade de um estado se juntar à Carta Social Europeia, desde que respeite pelo menos cinco dos sete direitos fundamentais nela consagrados.

O mecanismo de controlo de observância desses direitos baseia-se em relatórios enviados pelos estados.

- Sistema Americano. Baseia-se em duas convenções: Convenção Interamericana dos Direitos do Homem, de 1969, e o Protocolo de São Salvador, de 1988. Neste sistema, existem essencialmente dois órgãos: Comissão Interamericana dos DH (os estados e os indivíduos podem dirigir-se ao tribunal para reclamar os seus direitos) e o Tribunal Interamericano dos DH (somente a comissão e os estados se podem dirigir ao tribunal).

- Sistema Africano. Baseia-se na Carta Africana dos DH e dos povos (a diferença deve-se à própria cultura existente no continente africano). Direitos como direito à paz, à existência, etc., que representam não os direitos do indivíduo como direitos dos povos. Inicialmente existia apenas um órgão encarregado de observar estes direitos. Entretanto, foi criado um tribunal - Tribunal Africano dos DH - ao qual os indivíduos não têm acesso directo.

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Aula teórica 1.04.2014

Direito internacional penal

Em qualquer sociedade ou agrupamento existe um aparelho repressivo que se destina a tutelar os valores mais importantes dessa comunidade. Como tal, a comunidade internacional vai dispor desse aparelho. Mas nem sempre foi assim, já que não se considerava o indivíduo como sujeito de DI. Houve sempre muitas resistências à criação deste ramo de DI, nomeadamente por parte dos voluntaristas e de certos governos.

Pirataria, tráfico de escravos, tráfico de estupefacientes, terrorismo, etc., foram as principais causas que levaram à criação de DI penal. Aos poucos foi ganhando impulso essa ideia de sujeitar ao plano penal internacional indivíduos à responsabilidade pela prática de infracções internacionais valoradas com um grau intenso de censurabilidade. Inicialmente, o indivíduo actuava a título privado. Agora surgem já indivíduos que actuam a título público, em representação do estado (p.e., genocídio, crime de guerra).

Após a 1GM foi criada a Comissão dos quinze membros que devia investigar as atrocidades cometidas à escala universal e elaborar relatórios. Conclusões: a Alemanha e dos estados tinham cometido infracções que, classicamente, se consideravam crimes de guerra, mas que também tinham cometido outro tipo de crimes: infracções às mais elementares bases de humanidade. Surge, então, a diferença entre crimes de guerra e crimes contra a humanidade, já que estes eram praticados pelos estados contra os próprios nacionais.

Com o tratado de Versalhes, o imperador Guilherme II deveria ser responsabilizado criminalmente (não chegou a acontecer, uma vez que este exilou-se nos países baixos).

Evolução do direito internacional penal no:

- Plano institucional.

Criação dos tribunais internacionais penais de Nuremberga (incumbido de julgar os grandes criminosos de guerra do Eixo: Alemanha, Japão) e Tóquio (incumbido de julgar os crimes provocados no Pacífico) após a 2GM. Estes tribunais julgaram três crimes: Crimes contra a Paz (hoje, crime de agressão); Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade. São os primeiros instrumentos que contêm os três elementos normativos.

Fragilidades dos tribunais: foram tribunais criados por uma das partes do conflito para julgar indivíduos pertencentes à outra parte (nasceram com a marca de Justiça de Vencedores, o que retirou aos Aliados legitimidade), são tribunais de constituição ad hoc (de existência temporária), os tribunais exerceram uma jurisdição retrospectiva (julgaram factos que aconteceram antes da sua criação), dizia-se que os Estatutos dos tribunais violavam o Princípio da legalidade, norma fundamental do direito penal (ninguém pode ser condenado por um facto que quando foi praticado não era considerado crime - Princípio da não retroactividade da lei penal). O crime contra a humanidade havia sido criado nesta altura e, adquiriu natureza acessória, só relevando quando se associava aos crimes de paz ou de guerra.

Nos anos noventa do séc. XX, foram criados os tribunais penais internacionais para a Ex-Jugoslávia e para Luanda, para condenar indivíduos por graves violações ao Direito Comunitário. Há semelhanças dos anteriores: são, também, tribunais ad hoc; julgam três crimes internacionais: genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra; são tribunais que exercem jurisdição retrospectiva. Diferenças: já não foram criados por uma das partes para julgar a outra, mas sim pelo Conselho de Segurança das NU, actuando ao abrigo do Capítulo VII da CNU.

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Em 1998, foi criado o Tribunal Penal Internacional Permanente, em Roma, mas só entrou em funções em 2002, quando atingiu as 60 ratificações.

Trata-se de um tribunal permanente; já exerce jurisdição prospectiva (factos praticados depois de 2002); julga: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.

Este tribunal foi criado através de um tratado internacional (Estatuto de Roma) e 120 estados o celebraram - acréscimo de legitimidade.

Divide-se este plano em três momentos, a saber:

- 1º momento: fase de Nuremberga;

- 2º momento: fase do CS NU;

- 3º momento: fase da negociação universal.

- Plano normativo.

Os códigos penais dividem-se em duas partes: a parte geral e a parte especial. Para que alguém seja responsabilidade criminalmente é preciso que corresponda aos requisitos da parte geral e que tenha praticado um crime tipificado na parte especial do código.

A parte geral corresponde aos fundamentos dos códigos penais. Nesta estão presentes os princípios gerais de DP, formas de crime (tentativa, actos preparatórios, autoria, cumplicidade, comparticipação, etc), estado mental do indivíduo, circunstâncias exoneratórias, etc.

O DPI não foge a esta estrutura, mas não existe um código penal internacional. Foi-se desenvolvendo nos estatutos dos tribunais internacionais.

A comissão internacional foi preparando projectos de códigos de ofensas contra a paz e segurança da humanidade. Paralelamente, foram sendo concluídas CI que contêm normas de DPI (p.e., Convenção contra o genocídio, Convenção contra a tortura, Convenção contra a escravidão e trafico de seres humanos, Convenção contra o apartheid, Convenções de Genebra sobre Direito Comunitário, etc).

O Estatuto de Roma do TPI é o mais importante em matéria penal no plano internacional. Mas tem a sua estrutura invertida: primeiro a parte especial, e só depois a geral.

A parte geral do Estatuto começa no capítulo III "Princípios Gerais de DP".

Principais artigos que merecem destaque: art. 22º (ninguém pode ser condenado por uma conduta que no momento em que foi praticada não era considerada crime), art. 23º (as penas têm que estar previstas no Estatuto), art. 24º (nenhuma pessoa será condenada por um crime cometido em tempo anterior à entrada em vigor do Estatuto), art. 25º Consumação das condutas criminosas, art. 26º (o tribunal só tem jurisdição sob maiores de 18 anos), art. 27º (irrelevância da qualidade oficial), art. 28º (responsabilidade dos superiores hierárquicos), art. 29º (imprescritibilidade), art. 30º (elementos psicológicos), art. 31º (causas de exclusão da responsabilidade internacional), art. 33º (decisão hierárquica),...

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Aula teórica 3.04.2014

Estados psicológicos do agente infractor:

- Dolo directo. Um agente actua com dolo directo quando actua com a intenção de alcançar um determinado resultado típico, isto é, um resultado previsto numa norma penal.

- Dolo necessário ou indirecto. Neste caso, o agente não age com intenção de alcançar um determinado resultado típico, mas actua convencido de que esse resultado necessariamente irá ocorrer através da sua conduta.

- Dolo eventual. Um agente actua com dolo eventual quando, actuando de determinada forma, dá como possível que a sua conduta possa redundar num criem e conforma-se com essa possibilidade. Ao agir o agente representa intelectualmente a possibilidade de aquela conduta se traduzir num crime.

- Negligência consciente. Um agente actua com negligência consciente quando admite que a sua conduta pode significar a prática de um crime mas convence-se de que isso não vai suceder.

- Negligência inconsciente. Um agente actua com negligência inconsciente quando actua de forma imprevidente/inadvertida, isto é, quando não actua com o cuidado que uma pessoa medianamente avisada actuaria. Ao agir, de forma imprevidente, não interioriza que aquela conduta pode significar a prática de um crime.

Para que o agente possa ser criminalmente responsabilizado tem de actuar com dolo (art. 30º ER).

Um superior hierárquico pode ser responsabilizado por crimes cometidos pelos seus subalternos desde que tenha actuado de forma negligente (art. 28º ER).

Relativamente a um chefe militar, exige-se que os crimes tenham sido cometidos por forças sob o seu controlo e comando efectivos. Mais, só pode ser condenado quando tivesse conhecimento ou em virtude das circunstâncias do momento de que essas forças se preparavam para cometer esses crimes (art. 28º/a)). Invoca-se negligência inconsciente.

Quanto aos superiores hierárquicos civis, exige-se que tenham tido conhecimento dos factos ou não tenham tido em consideração informações que indicassem claramente que os seus subordinados se preparavam para cometer esses crimes ou já os tinham praticado (art. 28º/b)). Invoca-se negligência consciente.

Obediência a ordens superiores (Art. 33º ER)

No plano interno, o entendimento que tem prevalecido é o de que os subordinados têm de acatar as ordens dos seus superiores mas, em determinadas circunstâncias, podem invocar esta defesa (mitigação da pena, isenção de culpa, etc). - Doutrina de Responsabilidade Condicional

No plano externo, a partir de Nuremberga, excluiu-se a possibilidade da defesa baseada na obediência a ordens superiores com intuito de mitigar a pena. O subalterno é sempre responsabilizado, nunca pode ser beneficiário desta invocação.

Possível isenção de culpa:

- Se estivesse obrigado por lei a obedecer à ordem;

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- Senão tivesse conhecimento da ilegalidade da ordem;

- Se a ordem não tivesse sido manifestamente ilegal.

Na maioria dos casos, as ordens não são directas, o que vai contrariar o disposto no nº1.

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Aula teórica 10.04.2014

Genocídio (art. 6º do ER)

É conhecido como o crime dos crimes, ou seja, é o crime mais grave que alguém pode cometer. Significa a destruição de certos grupos humanos ou de indivíduos a eles pertencentes. Etimologicamente, genos significa raça e cidos matar.

Pode não estar em causa a morte imediata, mas existe sempre um plano coordenado de acções distintas tendentes a afectar, a enfraquecer manifestações essenciais da vida de certos grupos humanos (p.e. sentimentos nacionais, a língua,...). Verifica-se uma despersonalização da vítima, pois esta é seleccionada na medida da sua pertença à colectividade escolhida como alvo.

Após a 2GM, foi concluída uma CI sobre os auspícios das manifestações das NU, onde se encontra o Genocidio. Surge uma definição do crime, que o ER retomou, e afirma-se que é um crime que pode ser cometido em estado de guerra ou de paz. O genocídio, para além de fazer desencadear a responsabilidade internacional dos indivíduos que cometem este crime e dos demais participantes, faz também desencadear a responsabilidade internacional do estado cujas autoridades tenham estado implicadas na prática deste crime. É um crime que não pode ser cometido a título isolado, fortuito, etc. Implica sempre um envolvimento das autoridades de um determinado estado.

Das Fragilidades, surgem: a ausência dos grupos políticos e religiosos (razão: pretendeu-se proteger grupos estáveis e permanentes. Não tem sentido, já que as "pessoas mudam de tudo menos de clube de futebol"); os mecanismos sancionatórios para repressão do crime de genocídio.

Elementos objectivos:

- Homicídio de membros do grupo;

- Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

- Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua destruição física total ou parcial;

- Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

- Transferência à força de crianças do grupo para outro grupo.

Elementos subjectivos:

Qualquer uma das cinco infracções têm que ser cometidas com dolo, intenção, mas não basta isso. Há no genocídio uma intenção criminal agravada - dolus specialis - que consiste em destruir o grupo todo ou parte dele. É este aspecto que singulariza o genocídio relativamente a outros crimes internacionais.

Quantas pessoas são necessárias matar para se considerar genocídio?

Não há um número exacto. Tem que se fazer uma conjugação da dimensão quantitativa com a dimensão qualitativa.

Crimes contra a humanidade (art. 7º do ER)

São crimes, atrocidades, praticadas contra a população civil, mais propriamente contra determinados segmentos da população civil cometidos em larga escala ou de forma

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sistemática. Tal como o genocídio, são infracções que pressupõem a utilização de meios que um indivíduo actuando isoladamente não dispõe. Os crimes contra a humanidade implicam sempre uma ideologia de enfraquecimento, de ataque, a determinados segmentos da comunidade civil. Tanto podem ser praticados em tempos de guerra como em tempo de paz, qualquer que seja a nacionalidade das vítimas (as vítimas tanto podem ser de uma nacionalidade diferente da do agente como da mesma nacionalidade). Qualquer que seja a posição do agente na cadeia de comando.

Do ponto de vista objectivo, os crimes podem materializar-se em enumeras infracções, em função do contexto em que são praticadas:

- Homicídio;

- Extermínio;

- Escravidão;

- Deportação;

- Prisão;

- Tortura;

- Violação;

- Perseguição;

- Desaparecimento forçado de pessoas;

- Apartheid;

- Outros actos humanos.

Do ponto de vista subjectivo, é desde logo necessário que tenha praticado estas infracções com dolo (directo, necessário e eventual). É necessário, ainda, que o agente estivesse ciente de que elas se integravam num contexto mais vasto (o ataque generalizado ou sistemático contra a população civil).

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Aula teórica 22.04.2014

Ataque generalizado e ataque sistemático

Ataque generalizado ou em larga escala normalmente produz um elevado número de vítimas, é um ataque de grande magnitude.

Ataque sistemático apela à ideia de organização, de método pensado ao mais ínfimo pormenor, a uma ideia de padrões de abuso similares.

Esta distinção baseia-se essencialmente na diferença de grau (não de natureza).

No que respeita ao ataque sistemático, este implica uma participação activa do estado.

Não se exige que o agente tenha actuado com intenção discriminatória (nos crimes contra humanidade). Exceptuam-se a perseguição e o apartheid.

Crimes de guerra (art. 8º)

Consistem em violações graves do direito dos conflitos armados internacionais que hoje se designa Direito Internacional Humanitário. O direito dos conflitos armados internacionais estava inicialmente dividido em dois:

- Direito de Aya (Holanda). Este codificava os meios e os métodos e fazer a guerra, nomeadamente normas que limitam a actuação dos beligerantes (limitações em razão da pessoa - há certos tipos de pessoas que não podem ser atingidas, p.e. civis, feridos, etc; do local - há locais que não podem ser atingidos, p.e. hospitais, escolas, etc.; das condições - há certo tipo de armamento que é considerado proibido, p.e. armamentos que causam sofrimentos exagerados e desnecessários ao ser humano);

- Direito Internacional Humanitário, condensado em 4 convenções concluídas em Genebra (1949) e em dois protocolos (1977). Tem como objectivo limitar a amplitude da violência nas pessoas, em particular nas vítimas dos conflitos armados internacionais e nas pessoas mais frágeis.

Actualmente, estes dois ramos fundiram-se num único corpo normativo que se designa DI Humanitário. Não existem só normas convencionais como também normas costumeiras. O Princípio da Legalidade não significa no DI Penal o que significa no DInterno. Este existe sem lei, mas não existe sem direito.

Características:

- Só podem ser cometidos em tempo de guerra;

- Podem ser cometidos no âmbito de conflitos armados internacional e interno;

- Tipicamente, é um crime praticado num conflito, por alguém de uma das partes do conflito contra alguém da outra parte ou contra um neutral ou contra um edifício religioso, um bairro residencial, instalações ou veículos sanitários, instalações de OH, um prisioneiro de guerra, um combatente inimigo, etc.

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Diferenças entre crime internacionais

- Genocídio vs. Crimes contra a humanidade

No genocídio, são cinco as infracções. Os crimes contra a humanidade podem materializar-se em onze infracções.

A diferença reside no elemento subjectivo. No genocídio, exige-se que o agente actue com dolo e que tenha intenção criminal agravada. Nos crimes contra a humanidade não se exige isso.

Por outro lado, nos crimes contra a humanidade é preciso que o agente tenha tido conhecimento que a sua infracção se insere num ataque em larga escala contra a população civil. Para o genocídio não se exige esse conhecimento.

No genocídio, exige-se a intenção criminal agravada e nos crimes contra a humanidade exige-se somente para duas das onze infracções (perseguição e apartheid). Desta forma, estes não seriam crimes contra a humanidade.

A intenção genocida é impossível de provar quando baseada na confissão; só se pode deduzir através do contexto em que actua o agente.

- Crimes de guerra vs. Crimes contra a humanidade e Genocídio

Os últimos podem ser praticados em contextos de guerra ou paz, enquanto os de guerra só podem surgir em tempos de guerra.

Os crimes de guerra podem ser cometidos a título de infracções isoladas, esporádicas, fortuitas, já os últimos não o podem ser (inserem-se num contexto mais amplo).

Terrorismo

Não se inseriu no estatuto do tribunal de Roma, o que significa que não se do nutra sob a jurisdição do tribunal. Isto se deve à ausência de definição de terrorismo (este é um crime "camaleónico", difícil de definir). Em segundo lugar, os estados preferiram não politizar o tribunal penal internacional. Em terceiro lugar, os tribunais internos dos estados são, porventura, mais eficazes no que respeita ao julgamento dos agentes (estão mais próximos dos agentes,...). Por último, receava-se não distinguir os actos de terrorismo dos movimentos de libertação nacional que lutam em nome do povo pelo seu direito à auto-determinação.

Exemplo do ataque a Nova Iorque, em 11/09/2001

É exigido pela jurisprudência internacional que, quando as organizações criminosas actuam, se comportem como um estado para se considerar Crime contra a Humanidade.

A Al-Qaeda não preenche o critério, daí ser considerado Terrorismo.

Requisitos sem necessário preenchimento cumulativo devido aos episódios de violência pós-eleitoral no Quénia, em 2008/09.

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Direito Internacional do Ambiente

É um ramo do DI especial (p.e. Direito Penal, Direito Económico, etc). Em particular, trata-se de um ramo relativamente recente (surgiu em meados dos anos sessenta do séc. XX).

Pode ser definido como o conjunto de normas e princípios de DI cujo principal objectivo consiste na protecção do meio ambiente, na tutela dos bens ambientais. Trata-se, portanto, de um ramo de DI que regula as relações que se estabelecem entre os sujeitos de DI e o meio ambiente. A sua recente criação explica a sua imprecisão.

Houve alguns acontecimentos que fizeram soar um "grito de alerta" para a necessidade de proteger o ambiente, nomeadamente alguns acidentes ecológicos graves (afundamento de petroleiros, p.e.). No entanto, existiam já normas que protegiam certas espécies (mas estava subjacentes a estas uma filosofia utilitarista - as preocupações dos Estados não residiam no meio ambiente mas nos interesses do Homem e das suas necessidades). O marco decisivo deu-se na Conferência das NU, em Estocolmo, em 1972.

Distinguem-se dois ciclos:

- Meados dos anos sessenta a meados dos anos oitenta. Apelida-se de Direitos dos Vizinhos;

- Meados dos anos oitenta até à actualidade. Apelida-se de Direito dos Comuns.

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Aula teórica 29.04.2014

Direito Internacional do Ambiente (cont.)

Direito dos Vizinhos

Consciencialização da existência de bens compartilhados. Surge o problema da poluição transfronteiriça. Esta noção surge numa recomendação (17/5/1977) da OCDE e na convenção das NU (13/11/1979). Deve entender-se por poluição transfronteiriça entre estados vizinhos e pressupõe sempre a intervenção de dois estados: um primeiro cujo território ou zona submetida à sua jurisdição tem origem voluntária ou acidentalmente uma determinados acção poluidora e um segundo estado cujo território ou zona submetida à sua jurisdição se faz sentir dessa poluição.

Nesta altura, não havia preocupação com os espaços internacionais.

Aqui, o conceito de vizinhança abrange apenas estados contíguos.

Na regulamentação internacional, havia inicialmente a ideia de soberania absoluta do estado sobre o seu território. À luz desta concepção, entendia-se que o estado detinha no seu território competência plena e exclusiva.

Mais tarde, o Princípio da Proibição do Abuso de Direito (P. Geral de Direito) que é uma proibição de exercício arbitrário do direito à exclusividade das competências territoriais. Evoca-se este princípio quando um estado faz uma deficiente avaliação dos interesses em jogo (as vantagens de certa acção não compensam as desvantagens suportadas por outros estados). Deve ter-se em conta o Princípio da Proporcionalidade.

Para além deste, os estados evocaram ainda o Direito do estado a não sofrer prejuízos no seu território.

Caso da fundição de Trail (EUA vs. Canadá)

Existência de fungos de dióxido de enxofre no estado de Washington, derivado de uma empresa privada do Canadá.

Caso do Lago Lanu (França vs. Espanha)

O estado é responsável pela poluição mesmo que esta não seja imputável ao estado. Este deve exercer uma vigilância constante, de modo a controlar o grau de perigo das actividades, através das autorizações administrativas.

O ambiente é insusceptível de ser compartimentado em fronteiras.

As relações entre os estados eram bilaterais, de estrita reciprocidade. Nestas relações, prevalecia uma dimensão reactiva em detrimento de uma dimensão preventiva.

Este direito dos vizinhos foi-se aperfeiçoando. Nesta fase de transição, está em marcha uma globalização que se torna visível a vários níveis. Desde logo, os sujeitos de DI, os interesses que seguem, os mecanismos de DI e quanto à resposabilidade internacional. Apesar disso, há muitas constâncias. Esta fase caracteriza-se, sobretudo, pelo surgimento das chamadas obrigações procedimentais (de facere) - são obrigações instrumentais das obrigações substantivas, ou seja, servem para assegurar o cumprimento efectivo das obrigações substantivas.

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Obrigações procedimentais:

- Deveres de informação: quando um estado pretende levar a cabo uma actividade susceptível de ter implicações ambientais deve tempestivamente informar os outros estados dos exactos contornos dessa actividade de maneira que seja evitada a ocorrência de danos ambientais ou, caso já tenham ocorrido, a possibilidade de minimizar os seus efeitos.

- Deveres de consulta: quando um estado fornece informações a outros sobre projectos que evolvam riscos do meio ambiente, deve ser dada a oportunidade aos estados de consultar esses projectos para que possam dar pareceres ou opiniões.

- Deveres de assistência: quando um estado está confrontado com uma situação de urgência ambiental, cabe aos outros estados o dever de auxílio ou assistência.

Devem assinalar-se as alterações que tiveram impacto nesta fase de transição: o conceito de vizinhança, numa primeira fase, um conceito muito restrito (só abrangia estados muito próximos). Aos poucos, começou a perceber-se que, no limite, os vizinhos podem ser todos os estados.

A poluição transfronteiriça era encarada como um poluição que se originou num estado e implica outro estado. Agora já se considera como a poluição com origem num estado que vai implicar outros estados e ainda espaços internacionais. Surge, então, uma convenção sobre Poluição transfronteiriça a longa distância. Começam, também, a proliferar tratados multilaterais sobre todos os tipos de poluição e sobre os seus componentes.

Em matéria de responsabilidade internacional por actos ilícitos, surge uma outra forma de responsabilidade internacional: responsabilidade internacional pelo risco ou sem culpa (Transporte marítimo de substâncias radioactivas; Transporte de hidrocarbonos; Danos causados por engenhos espaciais). Surge ainda o caso da poluição transfronteiriça: risco anormal de vizinhança. Quanto à responsabilidade objectiva surgiram os graus de ilicitude: mais ou menos graves.

Quando num determinado estado se produzem danos ambientais, como se processam as coisas em termos de responsabilidade internacional?

Três situações distintas:

- Um estado, através das suas actividades, causa danos ambientais no território de um estado vizinho;

- Os particulares, através das suas actividades, causam danos ambientais no território de um estado vizinho, sem que o estado da sua nacionalidade ou sob cuja jurisdição territorial se encontrem tenha observado relativamente a esses particulares os seus deveres de vigilância;

- Os particulares, através das suas actividades, causam danos ambientais no território de um estado vizinho, mas o estado da sua nacionalidade ou sob cuja jurisdição territorial se encontrem tenha observado relativamente a esses particulares todos os seus deveres de vigilância.

Nas duas primeiras situações, temos responsabilidade internacional do estado por actos ilícitos e na última responsabilidade internacional objectiva.

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Prioridades da comunidade internacional: paz e segurança internacionais; emancipação política dos povos subjugados nos continentes africano e asiático; crescimento económico industrial. Desta forma, a preocupação ambiental era secundária.

Direito dos comuns

É uma fase muito marcada pelos novos graves problemas ecológicos que surgiam: alterações climáticas, aquecimento global, efeito de estufa, diminuição da camada de ozono, chuvas ácidas, destruição das florestas tropicais, desaparecimento de certas espécies animais e vegetais, etc.

Nesta fase, deixam de estar em jogo apenas os interesses dos estados e passam a ser objecto de preocupação e regulamentação os espaços internacionais, os espaços comuns.

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Aula teórica 6.05.2014

Problemas ambientais

Diminuição da camada de ozono da atmosfera

Criação de CFCs em substituição do amoníaco e de dióxido de enxofre que constituíam os meios de refrigeração, os aerossóis, etc. Estas partículas são inertes e vão destruir o ozono que constitui a camada de ozono. A principal consequência corresponde ao colapso da cadeia alimentar.

Efeito de estufa

Este é essencialmente provocado pela emissão de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis.

Os bens ambientais deixam de ser fragmentariamente concebidos, ou seja, passa a haver uma concepção da biosfera. Deixa de ser um direito de estados e para estados e passa a fazer parte do direito internacional do ambiente. Destacam-se desde logo as OI, as ONG (associações de pessoas públicas ou privadas, individuais ou colectivas, de várias nacionalidades, mas à margem de qualquer acordo interestadual) e o próprio indivíduo.

Às OI têm um contributo tríplice:

- Plano da produção normativa (criam normas, standarts do meio ambiente sobretudo numa lógica preventiva. Algumas dessas normas são de soft law, mas não significa que tenham uma menor eficácia);

- Assumem-se como circunstâncias de controlo do comportamento dos estados em matéria ambiental, exigindo relatórios, etc;

- Reparação dos danos ambientais. Por vezes é difícil estabelecer um nexo de causalidade entre o ocorrido e os danos nocivos, já que nem sempre surgem imediatamente à prática de algo. Por outro lado, nem sempre é possível imputar a culpa a alguém. Acrescendo a tudo isto, os elementos naturais não têm propriamente um valor definido. Releva-se aqui o papel das OI em ajudar na definição do seu valor.

Quanto às ONG, a doutrina destaca as suas actuações como árbitros e a realização de inspecções e também lhes atribuem o direito de acesso às informações e a legitimidade processual activa em processos relativos ao meio ambiente. No fundo, as ONG estão a atingir um estatuto em muito semelhante ao das OI. Passa-se de uma lógica apropriacionista para uma lógica comunitária. E isto teve uma consequência imediata: a delimitação dos espaços comuns.

Emerge um novo protagonista: a humanidade enquanto sujeito de direito, é por isso que falamos em direito dos comuns. Hoje o direito internacional do ambiente hoje tem uma imagem composta, pois é um direito que reflecte dois modelos distintos da organização da sociedade internacional; é um direito feito por Estados mas é também um direito feito por outros sujeitos de direito internacional; é um direito simultaneamente hard law e soft law; é também um direito de obrigações erga omnes e de obrigações que valem apenas para um grupo restrito de Estados (eficácia variada); é simultaneamente um direito de obrigações substantivas mas também de obrigações procedimentais (assumem um papel muito importante na prevenção); o direito superou a antinomia entre ambiente e desenvolvimento, as duas coisas eram insusceptíveis de serem seguidas ao mesmo tempo, hoje só há desenvolvimento se for sustentado e tem subjacente uma perspectiva de solidariedade.

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Ao nível politico há uma consciencialização cada vez maior dos problemas ambientais. Ao nível jurídico há uma consciência que as relações ambientais são relações poligonais (actores muito diversificados).

Há um apuramento de princípios ambientais:

Princípio da utilização equitativa de recursos naturais compartilhados/ princípio da utilização razoável – rios e lagos;

Principio do poluidor pagador; Princípio da prevenção – actua num momento posterior Princípio da precaução – acta num momento prévio; aquelas situações em que

não certeza cientifica a cerca dos efeitos ambientais

Há uma coexistência entre o direito universal do ambiente num plano universal e várias experiências regionais do Direito Internacional do Ambiente.

No âmbito jurídico há que destacar os costumes universais instantâneos; convenções multilaterais; convenções-quadro (estabelece grandes directrizes); utilização de mecanismos que facilitam a entrada dos Estados para os tratados.

Caso Prático

Fitzal é uma empresa multinacional do estado desenvolvido de Kizumu que, desde 1965, possui uma fábrica de produtos químicos a laborar no estado em vias de desenvolvimento de Homa. Em 15 de Fevereiro de 1975, Homa sofreu outro terramoto de média intensidade que, tal como em 4 outros casos semelhantes ocorridos entre 1945 e 1975, afectaram mais seriamente a área situada junto ao rio Kuja. A fábrica de produtos químicos foi construída em 1964, junto a esse rio que atravessa o território de Homa e de dois outros estados vizinhos, Longo e Aéro. Em virtude do terramoto de Fevereiro, a fábrica sofreu sérios danos na sua estrutura que tiveram como consequência um derrame excessivo de pesticidas e outros químicos no rio cuja extensão da poluição foi tal que sozinho Homa não pode fazer-lhe face. Três dias depois, a poluição da fábrica ameaçava causar danos similares nos estados vizinhos situados a jusante, que não tinham tido conhecimento do acidente ocorrido em Homa. O seus esforços para controlar e minimizar os efeitos da poluição que os ameaçava revelaram-se infrutíferos. A informação que finalmente obtiveram através da imprensa local relatando o sucedido não continha detalhes suficientes que diz respeito à natureza dos produtos químicos envolvidos. Os seus esforços para obter informação suplementar do governo de Homa saíram frustrados porque continuaram a receber declarações contraditórias dos vários departamentos governamentais de Homa. Um dos factos que, todavia, puderam apurar foi o de que a fábrica de produtos químicos tinha sido construída sobre uma falha tectonica existente ao longo do rio, o que a tornava particularmente propensa à ocorrência de um acidente como aquele que efectivamente sofreu em 1975.

Resolução

É uma situação vantajosa para ambos os estados: aquele em vias de desenvolvimento pretende adquirir investimentos; o desenvolvido vai em busca de ordenamentos jurídicos que tenham uma legislação mais favorável para os seus interesses. Os estados em vias de desenvolvimento, tendo em vista grandes investimentos, são muitas vezes negligentes no que toca ao standarts ambientais. O estado de Homa não cumpriu os pressupostos ambientais ao permitir a instalação da fábrica. O estado deve exercer os deveres de vigilância e cuidado (exercício de prognose) e, como tal, devia ter recusado a instalação da empresa naquele sítio. Daí que se afirme a negligência do estado - responsabilidade internacional por actos ilícitos do estado. Por outro lado, o estado não forneceu informações

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aos estados vizinhos e, quando o fez, apresentou resultados contraditórios. Houve, então, violação das obrigações procedimentais.

Acresce-se, ainda, a ausência de assistência por parte de estados terceiros.

Ver: Artigo do Dr. Canelas de Castro

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Aula teórica 8.05.2014

Princípios fundamentais do direito internacional

Funcionam como critérios interpretativos para normas hierarquicamente inferiores.

Na comunidade internacional nada disto se verificava ao início, pois a comunidade não dispunha de uma constituição.

Das relações estabelecidas entre os Estados forma surgindo normas jurídicas internacionais. Conclui-se que como que espontaneamente os Estados baseavam o seu relacionamento em três postulados:

- Igualdade

- Liberdade

- Efectividade

São postulados que têm valor pré-jurídico, não estão positivados em nenhum instrumento jurídico. Isto modifica-se apos a Segunda Guerra Mundial, com a adopção da Carta das Nações Unidas. Nos arts. 1º e 2º da Carta aparecem enumerados os grandes objectivos da ONU e os princípios fundamentais.

Dois problemas:

- A Carta não se aplicava a Estados não membros das Nações Unidas, vinculavam apenas os estados-membros.

- Foram sendo novos Estados, esses tinham das relações internacionais uma visão distinta dos Estados tradicionais; esses novos grupos de Estados encetaram um processo de revisão do conteúdo dos princípios fundamentais.

Os Estados entraram em negociações para rever o conteúdo desses princípios fundamentais do direito internacional.

Princípio da Proibição do recurso à força das relações internacionais

Consagrado no art. 2.º/4 da CNU.

Até certa altura os estados tinham a possibilidade de recorrer à força; os Estados eram os únicos juízes da oportunidade do recurso à força. O Direito internacional clássico nunca procurou limitar este recurso.

A partir só século XX, tentou-se limitar o recurso à força:

- 1º Momento: Convenção de 1902. Incluída nas Convenções da Haia, teve na base o bombardeamento da Venezuela por parte da Alemanha, Reino Unido e Itália. Os Estados partes comprometiam a não mais usar a força

- 2º Momento: Pacto da sociedade das nações (1909). Aparecem enunciadas as guerras que devem ser consideradas ilícitas. Há guerras que são ilícitas, os Estados não podem utilizar a força nessas situações; outras são consideradas licitas;

- 3º Momento: Pacto de Paris (1928). Pacto foi proposto aos EU pelo ministro dos negócios estrangeiros francês. Proibição genérica e absoluta de recurso à força nas relações internacionais. Vinculava 60 Estados. Pacto que se revelava fraco.

Todos estes momentos culminaram com a conclusão da Carta das Nações Unidas.

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Conteúdo e alcance deste principio no direito internacional moderno

Se olharmos para o conteúdo do art. 2.º/4 comparativamente aos momentos preparatórios, podemos concluir que:

- A proibição do recurso à força ai consagrada é genérica e absoluta, que comporta apenas duas excepções: direito de legítima defesa dos Estados (art. 51.º da CNU); medidas de execução colectiva do Conselho de Segurança das Nações Unidas (monopólio da coacção legitima);

- Apenas a força militar está abrangida pela proibição do art. 2.º/4 da CNU, está em causa apenas a ameaça ou emprego da força militar;

- Esta proibição é tao somente válida no âmbito das relações interestaduais; o que significa que inicialmente se interpretou o art 2/4 não impedir a utilização da força por um Estado para reprimir subordinações no seu território; estaria habilitado para reprimir movimentos de libertação nacional nas suas colonias.

Esta interpretação afigurava-se injusta e desadequada aos novos membros da comunidade internacional. Esses novos membros vieram propor uma outra interpretação do art. 2.º/4 da Carta:

- Achavam que a proibição contida no artigo deveria abranger também as medidas de coerção económica; a proibição do recurso à força deveria incluir também a ameaça ou emprego de coerção económica;

- Os ocidentais deveriam abster-se de utilizar a força para reprimir os movimentos de libertação nacional;

Os Estados ocidentais contrapunham que:

- O conceito de força económica era perigoso, se porventura se considerasse que o artigo também incluía a coerção económica;

- As guerras de libertação nacional eram puramente internas, e por isso os Estados podiam utilizar a força neles;

- Propunham um alargamento do quadro de excepções do recurso à força. Situações em que se poderia também utilizar o recurso à força:

- Situações de utilização da foça em legitima defesa mas antecipadamente (legitima defesa preventiva);

- Intervenções armadas para protecção de cidadãos nacionais no estrangeiro;

- Para executar as sentenças do tribunal internacional de justiça;

- Por razoes humanitárias.

Perante a divisão dos pontos de vista chegou-se a um consenso:

- Aceita-se que o artigo proíbe a ameaça e o emprego não só da força militar como o de coerção económica; não há legitima defesa perante medidas de coerção económica;

- As guerras de libertação nacional são guerras que se internacionalizaram e por isso não se pode recorrer força;

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Hoje falam-se noutras possíveis causas de recurso à força: intervenções humanitárias.

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Aula teórica 20.05.2014

Excepções ao Princípio da proibição de recurso à força

Previstas na CNU:

- Principio da legítima defesa (art. 51º). Pressupõe sempre um recurso à força, como resposta a uma prática que esteja em curso. Pressupõe-se que seja repressiva.

Este artigo fala num direito inerente de legítima defesa. Enquanto direito inerente, a legítima defesa não tem a sua fonte exclusiva na CNU. É admissível o recurso à força em situações imanentes (p.e. No uso de armas ABC (atómicas, biológicas e químicas)).

Começaram a surgir posições diversas: os que apoiam a defesa preventiva e a defesa preemptiva. Esta última corresponderia a uma resposta perante um ataque que ainda não ocorreu, sabendo que já foram praticados actos preparatórios, denunciativos. A legítima defesa preventiva corresponde a uma resposta a um ataque que ainda não ocorreu e relativamente ao qual não há actos preparatórios.

Este exige as seguintes condições:

- Procedimentais. Este direito é de exercício transitório, ou seja, o estado só pode actuar em legítima defesa até que o CSNU possa tomar medidas destinadas ao estabelecimento da paz e segurança internacionais. Por outro lado, surge um dever de comunicação das medidas adoptadas do exercício desse direito para o estado que actua em legítima defesa.

- Substantivas. Este princípio obedece ao princípio da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito).

A CNU alude a uma legítima defesa individual e colectiva. Ao invés de individual preferia-se própria e colectiva seria de terceiro. Esta última corresponde ao apoio/auxílio de estados terceiros (ex.: NATO).

Tradicionalmente, fala-se em ataque armado (ataque levado a cabo pelas forças armadas de um determinado estado ao território de outro Estado).

Resoluções de 1368 e 1373 corroboraram com os argumentos dos EUA perante o ataque de 11/09/2001. Surge, então, o conceito de agressão armada indirecta (ataque mais subtil).

Agressão armada indirecta

Desde o séc. XIX que se alteraram as condições da guerra. Hoje estas passam-se de forma mais subtil e perduram no tempo. Recorrem-se a forças que não são regulares do Estado: bandos, mercenários, voluntários (grupos de forças irregulares).

Surgem duas situações:

- O próprio estado recruta essas forças irregulares, dá instrução militar, define os seus objectivos estratégicos, da assistência e apoio. É também esse estado que, após as acções, oferece o seu território como refúgio. É uma agressão armada indirecta em sentido impróprio, mas considera-se que seja uma agressão armada directa mas mais subtil, escondida.

- Aqui, já não é o estado quem vai definir os parâmetros de ataque, mas ainda assim, é este que dá assistência necessária a essas forças para que consigam alcançar os seus

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objectivos. É uma agressão armada indirecta em sentido próprio (ou agressão armada indirecta).

Haverá direito de legítima defesa?

Resolução 3314 das NU, anos setenta do séc. XX.

Agressão armada (art. 3º) - o envio de um estado ou em seu nome de bandos irregulares, os actos constituirão uma agressão armada em sentido impróprio; o envolvimento substancial do estado nessas acções - agressão armada em sentido próprio. Estabelece-se uma autonomia que paulatinamente se vai dissolvendo.

Relativamente à agressão armada indirecta em sentido impróprio, a ideia que se estabelece é a de que há sempre um direito de legítima defesa. No que à agressão armada em sentido próprio diz respeito, a resposta passará pelo grau de envolvimento do estado. O art. 3º/g) remete necessariamente para um envolvimento substancial do estado.

- Intervenções humanitárias ou de humanidade

Está em causa uma acção militar, armada, descentralizada, isto é, uma acção armada levada a cabo ao arrepio da comunidade internacional organizada (sem autorização das NU). Cabe apenas ao CS decretar a utilização da força nas relações internacionais.

Perante a ameaça da paz ou a ruptura da mesma, o CS adoptará medidas provisórias, sanções não militares e/ou sanções militares (não são de ultima ratio, não há precedência obrigatória entre estas medidas).

No entanto, alguns estados foram defendendo a utilização da força em caos de defesa.

Generalizou-se que, para intervir, era necessário que as violações sistemáticas dos direitos humanos chocassem a comunidade internacional e a consciência internacional.

Há autores que consideram legítimo o direito de recurso à força por razões humanitárias. Juridicamente, estamos perante um conflito entre princípios fundamentais do direito internacional: Princípio da proibição do recurso à força e Princípio do respeito dos direitos humanos da pessoa humana e consequente dever de protecção dos mesmos.

Tem que se operar numa concordância prática: podemos aceitar que em certas circunstâncias deve prevalecer o princípio do respeito pelos DH em detrimento do outro. Embora a doutrina da intervenção comunitária seja perigosa (ex.: intervenção do Kosovo pela NATO, em 1998).

Admissão desta doutrina (critérios):

Do ponto de vista procedimental

- Prévio esgotamento das vias de solução pacífica;

- Internamente, o(s) estado(s) deverão co-envolver o órgão parlamentar na decisão de fazer essa intervenção. Não limitar a decisão ao executivo.

Do ponto de vista material

- Intervenção limitada no tempo (tempo necessário para resolver a situação) e no espaço (deve ser uma intervenção circunscrita ao território onde ocorre o conflito);

- A intervenção jamais deve ter como objectivo o derrube das forças oficiais do estado;

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- Respeito pelo Princípio da proporcionalidade.

Dr. Ferreira de Almeida rejeita a intervenção humanitária descentralizada. Todavia, quando não há alternativa, pode admitir-se essa possibilidade (sempre com extrema cautela).

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Aula teórica 22.05.2014

Caso prático

Ao longo de vários meses, o estado A tolerou no seu território que se instalassem algumas bases de uma conhecida organização terrorista alegadamente destinadas ao planeamento e preparação de ataques de grande magnitude contra o estado vizinho B. Alertado pelos seus serviços secretos para a iminência desses ataques, este ultimo entendeu por bem actuar preventivamente através de bombardeamentos aéreos, tendo destruído aquelas bases operacionais situadas na região noroeste de A. Entretanto, um ano mais tarde, no âmbito de uma acção concertada entre as chefias políticas e militares de A, a minoria ética instalada numa outra região desse país começou a ser dramaticamente perseguida, mediante a prática em larga escala de actos de extermínio, deportação, tortura e violação.

a) Corresponderá a intervenção militar de B a um válido exercício do direito de legítima defesa?

Não, uma vez que

(Tópicos de resposta)

- O estado não foi alertado ("tolerar" é pouco)

- Não existiram actos preparatórios ("alegadamente" não é comprovadamente)

- Não houve um válido exercício de legítima defesa (são necessários dados mais concretos para validar a legítima defesa)

b) Os crimes praticados contra os membros da referida minoria ética deverão ser qualificados como genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra?

Excluem-se, desde logo, os crimes de guerra por não haver um conflito armado. O genocídio também não corresponde, já que não há a intenção de eliminar a minoria, como é pressuposto.

É crime contra a humanidade.

c) Imagine que, perante um TPI, um dos acusados da prática dessas infracções se defende alegando que actuou em obediência a ordens do seu superior hierárquico. Será essa defesa admissível no DIP?

Actualmente, os acusados não estão impedidos de usar esta defesa.

São necessários de verificar os seguintes pressupostos:

- Estar obrigado por lei

- Não saber que a ordem é ilegal

- A ordem não ser manifestamente ilegal

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Aula teórica 29.05.2014

Regime jurídico dos Espaços Internacionais

Três regimes:

1. Regime jurídico do alto mar – massa de água

Reduziu-se o espaço tradicionalmente usado pelo alto-mar. O alto-mar tem um regime jurídico próprio (res comuni).

No alto mar vigora um regime de liberdade. Há quatro liberdades: liberdade de navegação; liberdade de pesca; liberdade de sobrevoo e liberdade de colocação de cabos submarinos. Acrescem a estas a liberdade de instalação de ilhas artificiais e liberdade de investigação científica.

Este regime jurídico pode ser qualificado como um regime de internacionalização negativo: espaço aberto a todos os Estados (esmo os que não têm litoral) que podem aproveitar os recursos do alto-mar como bem entenderem. Isto vai redondar num favorecimento dos Estados mais desenvolvidos, pois são os que estão mais apetrechados tecnologicamente.

2. Regime jurídico de Zona ou área – fundos marinhos do seu solo e subsolo para lá da jurisdição nacional

O solo e subsolo terminam às 200 milhas ou às 350 milhas marítimas.

Este regime jurídico contrasta com o regime jurídico de alto-mar, pois é um regime de internacionalização positiva que reflecte as novas tendências do novo direito domar.

A zona ou área reflecte a filosofia assente no surgimento do novo direito do mar.

É de internacionalização positiva procura dispensar um tratamento mais favorável para os Estados mais carenciados. Há uma preocupação de justiça material subjacente às normas que regem este Espaço. A convenção de Montego Bay diz que a zona ou área e os seus recursos são património comum da humanidade. Esta convenção consagra três princípios para a noção:

- Princípio da não apropriação;

- Princípio da utilização para fins pacíficos;

- Princípio da exploração no interesse da humanidade – não são os estados que livremente exploram e beneficiam dos recursos desta zona, há uma entidade internacional encarregada a proceder a exploração destes recursos e a distribui-la equitativamente. Esta distribuição só é possível ao abrigo do princípio da desigualdade compensatória, preocupação de justiça material.

3. Regime jurídico do Espaço extra atmosférico

No espaço extra atmosférico existe um regime jurídico que fica em paredes meias com a internacionalização positiva e a internacionalização negativa.

Inicialmente eram apenas dois os Estados que se dedicavam à exploração espacial – EUA e EX- URSS.

O direito regulador desta actividade teria que ser direito internacional. O direito aéreo revela-se imprestável para regular as actividades no espaço extra atmosférico.

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Este ramo surgiu através de pronunciações entre os EU e a URSS que se converteram em convenções internacionais acerca das actividades exercidas no espaço extra atmosférico.

Dois princípios: Principio da não apropriação e princípio da liberdade de utilização (desde inicio foram impostos limites a esta liberdade).

Tratado concluído nos finais de 1960 que afirma que a utilização e exploração do espaço extra atmosférico é apanágio de toda a humanidade. Há um espaço relativamente ao qual os estados têm reclamado a sua soberania: órbita geoestacionária – local propício à fixação de satélites.

Dentro do Espaço extra atmosférico há um regime específico relativamente à lua e aos restantes corpus celestes. Relativamente a eles já podemos falar de internacionalização positiva pois são recursos de património da humanidade.

Há restrições em relação à utilização destes corpos sólidos: só de podem colocar veículos militares no espaço lunar para investigações científicas.

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