atividade avaliativa i etnoarqueologia - lara de paula passos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ANTROPOLOGIA ETNOARQUEOLOGIA Atividade Avaliativa I Lara de Paula Passos Belo Horizonte, 2015

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Atividade avaliativa apresentada ao curso de graduação em Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como atividade conclusiva na disciplina de Etnoarqueologia, turma 2015-1.

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Page 1: Atividade Avaliativa I Etnoarqueologia - Lara de Paula Passos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ANTROPOLOGIA ETNOARQUEOLOGIA

Atividade Avaliativa I

Lara de Paula Passos

Belo Horizonte, 2015

Page 2: Atividade Avaliativa I Etnoarqueologia - Lara de Paula Passos

Lara de Paula Passos

Atividade avaliativa apresentada ao curso de graduação em Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como atividade conclusiva na disciplina de Etnoarqueologia, turma 2015-1.

Professor: Andrei Isnardis Horta.

Belo Horizonte, 2015

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1) Caracterize os tipos de sítios arqueológicos que se pode inferir que seriam gerados pelos sistemas de assentamento e padrões de mobilidade dos dois blocos Parakanã, a partir do conteúdo do texto de Carlos Fausto (para isso considere os modos de vida de cada um dos blocos no momento imediatamente anterior à “pacificação”, ao contato oficial com a Funai).

Os Parakanã, povos de família linguística Tupi-Guarani, viviam no interflúvio

entre os rios Pacaraí, Bacuri e Cajuzeiras, e são atualmente divididos em dois

grandes blocos populacionais: Oriental e Ocidental, originados de uma cisão

ocorrida no final do século XIX, relacionada ao rapto de mulheres. Os Orientais,

a partir de tal cisão, se assentaram no alto curso dos rios Pucuruí, Bacuri e rio

da Direita; enquanto os Ocidentais rumaram para noroeste, estabelecendo-se,

entre os rios Jacaré e Pacajazinho-Arataú (formadores de margem direita do

Pacajá) (FAUSTO, 2001). No capítulo “Figuras da Fartura e da Escassez”,

Carlos Fausto apresenta os hábitos de cada uma das metades.

Os padrões de mobilidade e assentamentos expostos de ambos os blocos,

ainda que distintos, formariam sítios arqueológicos com características

espaciais de aglutinação e dispersão, encaixados, de forma geral, nas

denominações de aldeias, e acampamentos. Sendo assim, assentamentos dos

Parakanã gerariam, no mínimo, cinco1 tipos de sítios, sendo dois derivados dos

acampamentos (um Ocidental e outro Oriental), dois derivados das aldeias

(partindo do mesmo raciocínio dos acampamentos) e um onde se encaixariam

as trilhas e trajetos feitos pela mata, indistintamente (e que não serão muito

focados, devido a sua baixíssima visibilidade). Os sítios de cada uma das

partes se diferenciariam, primeiramente pelo seu sistema de deslocamento.

1 É preciso também considerar que, na dimensão real, para além dos modelos, incontáveis tipos de sítios

são produzidos pela mesma população, considerando as particularidades e as especificidades de cada

local, tempo, povo e vivência em si. A partir deste pensamento é possível afirmar que os Parakanãs

produzem não apenas cinco, mas incontáveis tipos de sítios arqueológicos com seus vestígios, assim

como todo e qualquer grupo.

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Os Parakanã Ocidentais priorizam, em questão de tempo, as estadias nos

acampamentos fora da aldeia (Trekking2), que são constituídos de habitações

monofamiliares, com praça no centro. Assim, a aldeia seria antes um ponto de

concentração para futura dispersão do que um local de morada permanente

(FAUSTO, 2001). O retorno se daria após longas incursões, firmando a aldeia

como lugar onde se aglutinam e fazem os rituais. Esse movimento também é

feito sob justificativa do cultivo e abastecimento de mandioca. A alimentação

durante os acampamentos consiste em caça, coleta de frutos e vegetais e

derivados de mandioca (essencial dentro do repertório alimentar dos

Parakanã), sendo espécie de longa duração associada a voltas dos trekking,

além de resistir armazenada nas longas caminhadas.

A formação espacial da aldeia é uma reprodução do sistema de

acampamento com várias casas, antes de ser um modelo partindo na aldeia,

visto que esta causa demasiado incômodo para os Parakanã Ocidentais para

se delongar a estadia, devido à proximidade entre as moradas (e as pessoas).

Esta escolha de vida têm consequências políticas, ao passo que proporciona

uma intensificação do contato com demais povos (inimigos) conforme circulam

no território.

Os sítios reconhecíveis através desse tipo de assentamento/mobilidade

podem ser analisados sob a lente classificatória do modelo descrito por Binford

como sendo os sítios dos caçadores coletores, caracterizados pela menor

densidade de vestígios por conta de uma alta mobilidade. Esses vestígios

estariam dispersos numa área muito grande devido aos trekkings.

Os Parakanã Orientais, em contrapartida, adotam um sistema

semidoméstico, com deslocamentos de médio e longo alcance, condicionados

pelas razões de mudança. O padrão de assentamento preferencial e cotidiano

se dá na aldeia, ainda que não tenham abandonado os acampamentos. Os

abandonos podem ocorrer por diversos motivos, desde esgotamento de

2 Percorrimento/abertura de trilhas.

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recursos, incêndios, às situações de guerra; o que, inclusive, determina o

nome3 a ser dado à aldeia.

Mesmo com a preferência pelas aldeias, os Orientais mantém uma rotina

de mobilidade bastante frequente, tendo mudado de aldeia por volta de 34

vezes num período de aproximadamente 70 anos (entre 1920 e 1990), o que

indicaria uma média de menos de 03 anos de permanência em cada uma

delas. A mobilidade se dá a partir de duas formas gerais, uma de médio

alcance (com deslocamentos de 05 a 10 km, impulsionados pelo esgotamento

das roças de mandioca); e outra de longo alcance (com deslocamentos

superiores a 25 km, como medida defensiva, posto a iminência do perigo por

relações conflituosas com os inimigos na vizinhança). Seu sistema de

deslocamento forma um triângulo entre aldeias, roças e acampamentos, esses

interligados pelas trilhas entre a floresta. Este padrão de transitoriedade fluida

fomentou inferências equivocadas (arqueológicas e etnográficas), ao passo

que cada sítio abandonado era visto como proveniente de um grupo diferente

disperso no espaço, o que altera completamente o modo de pensar a dinâmica

territorial e relacional.

. A Tawa (aldeia)

A disposição espacial da aldeia Parakanã se dá, tradicionalmente, a

partir da configuração de três principais espaços diferenciados: a casa

(habitação), as roças e a praça.

A casa comunal (anga-eté – “casa de verdade” para os Orientais;

tawokoa – “aldeia longa” para os Ocidentais) é caracterizada como um espaço

de convivência compartilhado por todos durante o dia e um lugar de intimidade

feminina durante o tempo em que os homens estão reunidos na praça à noite,

além de ser onde se cozinhariam os alimentos e se fariam as refeições. As

roças – de foco principal na mandioca - seriam próximas aos núcleos familiares

e aonde se dariam atividades de trabalho femininas. A praça (tekatawa), por

fim, se mostra como centro político da aldeia, de presença predominantemente 3 Os Parakanã compreendem o nome enquanto a fixação de uma vivência, ao contrário do pensamento europeu/ocidental. Assim sendo, o nome resultaria do processo de uso de uma referência locativa, remetendo a acontecimentos passados.

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masculina, e localizada a certa distância da habitação, a fim de resguardar as

conversas dos homens (para não serem ouvidas pelas mulheres), e onde

ocorrem cantos, discursos e reuniões. A aldeia estaria relacionada à

horticultura (de mandioca, principalmente).

. O acampamento

Os acampamentos são relacionados ao forrageio, marcado entre cada

grupo pela presença ou ausência da casa tradicional Parakanã, a tekatawa.

Essa distinção espacial permitiria em tese, diferir no registro arqueológico,

quando possível a identificação de acampamentos abandonados na paisagem,

as ocupações de Ocidentais e Orientais.

Assim, é possível perceber que para cada uma das duas populações,

aldeias e acampamentos são concebidos de forma distinta; os Ocidentais

percebendo estes locais enquanto transicionais, e os Orientais como

complementares entre si4. Os cinco tipos de sítios arqueológicos gerados pelos

assentamentos e movimentos Parakanã referidos anteriormente seriam, por

fim: dois de aldeia (um dos Orientais, diferente de outro dos Ocidentais); dois

de acampamento (um dos Orientais, diferente de outro dos Ocidentais) e um

geral, composto pelas trilhas e caminhos de ambos, construídos ao longo de

seus deslocamentos. Cada um destes modos de vida implica em resultados

relacionais (com o ambiente e com os povos vizinhos) distintos, que dizem

muito sobre o modo de encarar o mundo destes grupos.

4 “O ponto, portanto, na comparação entre os dois blocos é explicar por que o acampamento era para o primeiro um lócus incompleto, enquanto para o segundo foi a aldeia que se tornou um lugar incômodo demais” (FAUSTO, 2001:109)

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2) Como o caso dos Parakanã põe em questão as opiniões

tradicionais sobre o impacto do contato com as frentes de expansão colonial sobre os sistemas socioeconômicos indígenas?

Os contatos entre europeus invasores e povos indígenas são

constantemente encarados (e descritos) como cenários aculturadores,

causando a perda da “identidade cultural” dos ameríndios. Tal ponto de vista

tradicional assume, ao veicular essa imagem, que ocorreria um processo de

apagamento e integração à sociedade nacional, maculando, assim, sua cultura

“original”. A situação vivida pelos Parakanã e sua trajetória histórica põe em

discussão este tipo de raciocínio direto, posto que destoa no que tange ao

caráter ativo e participativo dessa população, contrariando as explicações

(muitas vezes científicas) que falam de “pacificação” como movimento gerai e

influenciador de toda e qualquer situação de contato. A redução do contato

entre europeus e indígenas a um processo de perda dos “primitivos” vencidos é

simplista, e infiel à história, pois subestima os índios em todo seu ser,

desconsiderando suas capacidades de relacionar, ressignificar e se apropriar

da própria vivência, transformando-os assim, em coadjuvantes de sua própria

História. Este contexto especifico revela como são complexas as relações entre

as sociedades indígenas e caris5, apontando formas pelas quais essas

sociedades mudam a partir de seus próprios modos de conceber o mundo,

pensar sua produtividade e de se relacionarem com tecnologias.

O contato dos Parakanã com a FUNAI se deu em 1971, quando de fato

ocorreu a tentativa de se induzir a sedentarizarão, a partir da consolidação de

estruturas (postos de saúde, escolas, farmácias...) e retomada da horticultura,

além de realocações promovidas pela FUNAI, acarretando na reunião de

grupos dispersos em um mesmo aldeamento. Ainda que tenha ocorrido a

separação (muito mais sobre fatores internos do que externos), diversos

aspectos se mantiveram padronizados, como a mudança de aldeia (escolha de

local > abertura das roças > ocupação > deslocamento após colheita da

mandioca).

5 Povos brancos, ‘o homem branco.’

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As mudanças ocorridas foram graduais, com dificuldades e resistências,

e o modo de lidar com a interação com os “outros de fora” se deu de formas

completamente distintas entre os dois grupos Parakanãs. Os orientais se

tornaram ainda mais sedentários, gerando uma complicação quanto a de

diminuição dos recursos disponíveis, que também foi encarada de forma

original (no sentido de específica do grupo), partir da reintrodução da

agricultura e adoção de novas ferramentas – espingarda, anzol - o que não

deixou de apresentar dificuldades6. Os ocidentais, por sua vez, optaram por

não abandonar suas expedições de coleta e caça (agora possuindo maior

destaque), ainda que também tenham readotado a agricultura.

Os Parakanã, tal quais outros povos, fizeram escolhas a partir da

consideração de suas realidades. Os processos vividos por estes indígenas

são passíveis também a qualquer outro grupo cultural que entre em contato

com outro distinto (inclusive entre os próprios - e diversos - povos indígenas),

no que diz respeito a de mudanças de hábitos, costumes e vivências. A

intervenção da FUNAI e do Estado não deixa por isso de ser impositiva,

violenta e invasiva; mas não pode ser encarada como fator-mor de supressão

de cultura, que mudaria estes povos completamente, a ponto de extrair destes

sua essência e reclassificá-los como sem identidade própria, exaurindo destes

a capacidade ativa de regimento de sua própria trajetória. Este modo de

encarar as transformações culturais indígenas ignora o fator inerente não

apenas nestes, mas em toda a humanidade: a capacidade de escolher como

(re)agir frente as diversas situações apresentadas ao longo de sua

(re)existência.

“Primeiro, que a regressão não deve ser compreendida

apenas em sua negatividade, como se fosse um refugo da

história, a evidência de um fracasso; segundo, que, como todo

processo complexo, ela é o produto da interação de múltiplas

determinações que se realizam em circunstâncias e contextos

históricos particulares através da ação de agentes sociais.”

(FAUSTO, 2001)

6 “o diagnóstico da situação presente indica que a dificuldade é menos técnica do que sociológica” (FAUSTO, 2001).

Page 9: Atividade Avaliativa I Etnoarqueologia - Lara de Paula Passos

Bibliografia:

FAUSTO, Carlos. Inimigos Fiéis. História, guerra e xamanismo na Amzônia.

São Paulo: EdUsp. 2001. pp.: 103-174.