atenção farmacêutica

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Resumo Para se conhecer a prática profissional de farmacêuti- cos que atuam em farmácias e drogarias, seus conheci- mentos e percepções acerca da Atenção Farmacêutica (AF), realizou-se estudo descritivo com 91 farmacêuti- cos do município de Jundiaí-SP. A maioria era jovem (62,6% entre 20 e 29 anos), do sexo feminino (63,7%), graduada em instituições privadas (90,1%) e não pro- prietária do estabelecimento (87,9%). Desenvolviam atividades administrativas, técnicas e de atenção ao usuário, principalmente dispensação de medicamen- tos e orientação; 67,0% acompanhavam o tratamento farmacoterapêutico dos usuários, mas sem registrar informações. Para 62,7%, AF relacionava-se apenas à orientação e atendimento dispensados, mas tais atividades não eram realizadas de forma sistemática e organizada, como preconizado. Muitos (91,2%) con- sideravam necessário realizar trabalho mais intenso com os usuários, porém apontaram dificuldades como falta de tempo e de apoio dos proprietários e desinte- resse dos usuários. Várias dessas dificuldades têm sido verificadas também em outros países, sugerindo que a prática da AF: (a) requer uma mudança estrutural e rearranjo de funções, uma vez que, atualmente, a estrutura e as atividades são adequadas à atividade co- mercial; (b) reflete uma crise de identidade profissional e, em consequência, falta de reconhecimento social e pouca inserção na equipe multiprofissional de saúde. O conhecimento sobre AF mostrou-se limitado, mas a situação pode vir a alterar-se à medida que as mudan- ças curriculares em curso surtam efeito na formação dos novos farmacêuticos. Palavras-chave: Serviços farmacêuticos; Profissão farmacêutica; Farmacêuticos; Farmácia; Promoção da saúde. Simone Sena Farina Mestre em Saúde Pública. Professora da Universidade de Sorocaba. Endereço: Rodovia Raposo Tavares, Km 92,5, CEP 18023-000, Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Nicolina Silvana Romano-Lieber Doutora em Saúde Pública. Professora do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 715, CEP 01246-904, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Atenção Farmacêutica em Farmácias e Drogarias: existe um processo de mudança? Pharmaceutical Care in Pharmacies: is there a changing process? Saúde Soc. São Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

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  • ResumoPara se conhecer a prtica profissional de farmacuti-

    cos que atuam em farmcias e drogarias, seus conheci-

    mentos e percepes acerca da Ateno Farmacutica

    (AF), realizou-se estudo descritivo com 91 farmacuti-

    cos do municpio de Jundia-SP. A maioria era jovem

    (62,6% entre 20 e 29 anos), do sexo feminino (63,7%),

    graduada em instituies privadas (90,1%) e no pro-

    prietria do estabelecimento (87,9%). Desenvolviam

    atividades administrativas, tcnicas e de ateno ao

    usurio, principalmente dispensao de medicamen-

    tos e orientao; 67,0% acompanhavam o tratamento

    farmacoteraputico dos usurios, mas sem registrar

    informaes. Para 62,7%, AF relacionava-se apenas

    orientao e atendimento dispensados, mas tais

    atividades no eram realizadas de forma sistemtica

    e organizada, como preconizado. Muitos (91,2%) con-

    sideravam necessrio realizar trabalho mais intenso

    com os usurios, porm apontaram dificuldades como

    falta de tempo e de apoio dos proprietrios e desinte-

    resse dos usurios. Vrias dessas dificuldades tm sido

    verificadas tambm em outros pases, sugerindo que

    a prtica da AF: (a) requer uma mudana estrutural

    e rearranjo de funes, uma vez que, atualmente, a

    estrutura e as atividades so adequadas atividade co-

    mercial; (b) reflete uma crise de identidade profissional

    e, em consequncia, falta de reconhecimento social e

    pouca insero na equipe multiprofissional de sade.

    O conhecimento sobre AF mostrou-se limitado, mas a

    situao pode vir a alterar-se medida que as mudan-

    as curriculares em curso surtam efeito na formao

    dos novos farmacuticos.

    Palavras-chave: Servios farmacuticos; Profisso farmacutica; Farmacuticos; Farmcia; Promoo

    da sade.

    Simone Sena FarinaMestre em Sade Pblica. Professora da Universidade de Sorocaba. Endereo: Rodovia Raposo Tavares, Km 92,5, CEP 18023-000, Sorocaba, SP, Brasil.E-mail: [email protected]

    Nicolina Silvana Romano-LieberDoutora em Sade Pblica. Professora do Departamento de Prtica de Sade Pblica da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo. Endereo: Av. Dr. Arnaldo, 715, CEP 01246-904, So Paulo, SP, Brasil.E-mail: [email protected]

    Ateno Farmacutica em Farmcias e Drogarias: existe um processo de mudana?Pharmaceutical Care in Pharmacies: is there a changing process?

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • AbstractA descriptive study was conducted with 91 pharmacists

    of the municipality of Jundia (state of So Paulo) in

    order to learn about the professional practice of the

    pharmacists who work in pharmacies and their know-

    ledge and perceptions about Pharmaceutical Care (PC).

    Most of them were young (62.6% between 20 and 29

    years old), female (63.7%), private institution graduates

    (90.1%), and were not the owners of the pharmacies

    (87.9%). They carried out administrative, technical and

    attention to patient activities, particularly providing

    guidance and dispensing medications; 67.0% followed

    their patients pharmacotherapeutic treatment up, but

    did not record any information regarding it. To 62.7%

    of the pharmacists, PC was related only to the guidan-

    ce and service provided, but those activities were not

    performed systematically and in an organized way,

    as recommended. Many (91.2%) considered necessary

    to work closer to their patients; however, they men-

    tioned difficulties including lack of time, of support

    from the pharmacy owner, and patients disinterest.

    Several of these difficulties have also been verified

    in other countries, suggesting that the PC practice:

    (a) requires a structural change and rearrangement

    of functions since, currently, the structure and the

    activities are adjusted to the commercial activity; (b)

    reveals a professional identity crisis and, consequen-

    tly, lack of social recognition and little insertion in

    the multiprofessional health team. Knowledge of PC

    proved to be limited, but the situation can change as

    the ongoing curriculum changes produce an effect on

    the education of the new pharmacists.

    Keywords: Pharmaceutical Services; Pharmaceutical Profession; Pharmacists; Pharmacy; Health Promotion.

    IntroduoA ateno farmacutica o componente da prtica

    profissional onde o farmacutico interage diretamente

    com o paciente para atender suas necessidades rela-

    cionadas aos medicamentos (Peretta e Ciccia, 1998).

    Segundo Cipolle e colaboradores (2000), a ateno

    farmacutica envolve um processo de assistncia ao

    paciente, lgico, sistemtico e global, que envolve trs

    etapas: a) anlise da situao das necessidades do

    paciente em relao aos medicamentos; b) elaborao

    de um plano de seguimento, incluindo os objetivos do

    tratamento farmacolgico e as intervenes apropria-

    das; e c) a avaliao do seguimento para determinar os

    resultados reais no paciente.

    No Brasil, no final do ano 2000, um grupo consti-

    tudo por vrias entidades foi formado com o objetivo

    de promover a ateno farmacutica no pas, consi-

    derando as caractersticas da prtica profissional

    local. Como consequncia, em 2002, foi proposto um

    conceito nacional para o tema. O conceito proposto

    considera a promoo da sade e, dentro dela, a edu-

    cao em sade, como componentes do conceito de

    ateno farmacutica. O Consenso definiu tambm

    os componentes da prtica farmacutica necessrios

    ao exerccio da ateno farmacutica: a) educao em

    sade, b) orientao farmacutica, c) dispensao, d)

    atendimento farmacutico, e) acompanhamento/se-

    guimento farmacoteraputico e f) registro sistemtico

    das atividades, mensurao e avaliao dos resultados

    (OPAS, 2002).

    Tradicionalmente, no Brasil, o farmacutico no

    tem atuao destacada no acompanhamento da uti-

    lizao de medicamentos, na preveno e promoo

    da sade e pouco reconhecido como profissional de

    sade tanto pela sociedade quanto pela equipe de sade

    (OPAS, 2002). De maneira geral, o principal servio

    prestado nas farmcias e drogarias a dispensao

    de medicamentos e a qualidade dessa prtica pode ser

    considerada abaixo do padro, uma vez que os farma-

    cuticos frequentemente esto ausentes da farmcia

    (Castro e Correr, 2007). Em vista disto, o conceito de

    ateno farmacutica sugere mudanas na atuao

    profissional predominante.

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • Esse processo de mudana com a implantao do

    novo conceito de atuao profissional tem sido avaliado

    em locais diversos, como a Argentina (Uema, 2008), a

    Arbia Saudita (Al-Arifi, 2007) e a Nova Zelndia (Dun-

    lop e Shaw, 2002). Os trabalhos tm, em sua maioria,

    apontado problemas para essa mudana. Para avaliar

    se o processo tem ocorrido em nosso meio, prope-se

    pesquisar a prtica profissional de farmacuticos que

    atuam em farmcias e drogarias, a execuo da ateno

    farmacutica, conforme o preconizado, nos estabeleci-

    mentos em que atuam, bem como seus conhecimentos

    e percepes acerca desse tema.

    MtodosRealizou-se estudo descritivo transversal entre far-

    macuticos responsveis tcnicos por farmcias e

    drogarias do municpio de Jundia-SP. Foram excludos

    os profissionais que atuavam em manipulao e os

    oficiais de farmcia que atuavam como responsveis

    tcnicos dos estabelecimentos.

    Para conhecer todas as farmcias e drogarias de

    Jundia e os farmacuticos que atuavam nesses locais,

    foram utilizadas listas de estabelecimentos fornecidas

    pela Secretaria Municipal de Finanas da Prefeitura

    de Jundia, pelo Conselho Regional de Farmcia do

    Estado de So Paulo e pela Associao das Farmcias

    de Jundia e Regio. A partir da fuso dessas listas,

    elaborou-se relao dos estabelecimentos a serem visi-

    tados. Embora haja uma distino legal entre farmcia

    e drogaria, estabelecida pela Lei 5991 (Brasil, 1973), no

    presente estudo utilizou-se a denominao farmcia

    para ambos os estabelecimentos.

    Para a coleta de dados, utilizou-se questionrio

    composto por 35 questes, abertas e fechadas, relacio-

    nadas a: estrutura e recursos dos estabelecimentos,

    dados demogrficos, formao, capacitao e atuao

    dos profissionais e sua compreenso sobre ateno far-

    macutica. O questionrio foi aplicado em entrevistas

    realizadas nos prprios estabelecimentos. Para anlise

    dos dados qualitativos, utilizou-se a tcnica de Anlise

    Temtica (Minayo, 2004). Foi realizado pr-teste com

    quatro farmacuticos que trabalhavam em farmcias

    localizadas em municpios vizinhos.

    Todos os estabelecimentos foram visitados durante o perodo de fevereiro a maio de 2004. Uma segunda visita foi realizada quando o farmacutico no estava presente, preferiu agendar outro dia ou quando havia mais de um farmacutico a ser entrevistado no local.

    Para pesquisa dos fatores associados prtica pro-fissional foram investigadas variveis relativas far-mcia, como tipo, tamanho (nmero de funcionrios) e existncia de local reservado para atendimento de usu-rios e tambm variveis relativas aos farmacuticos: sexo, idade, natureza da instituio em que se graduou, tempo de formado, ter cursado ps-graduao e vnculo de trabalho. Para a anlise estatstica dos dados, foi empregado o programa Epi Info verso 6. Buscaram-se associaes entre as variveis utilizando-se o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher. O nvel de significncia considerado foi menor ou igual a 5%.

    Atendendo aos aspectos ticos, o projeto foi aprova-do pelo Comit de tica em Pesquisa da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo.

    ResultadosDa caracterizao das farmcias

    Foram visitados 98 estabelecimentos. Destes, trs funcionavam sem a assistncia de farmacutico, dois possuam responsveis tcnicos prticos de farmcia e, em 14, o farmacutico responsvel no foi encon-trado nas duas visitas realizadas. Um farmacutico que trabalhava em duas farmcias respondeu apenas por um estabelecimento. Assim, foram pesquisadas 78 farmcias. Destas, a maioria era independente (87,2%), ou seja, no pertencia a nenhuma rede, tinha entre 2 e 6 funcionrios (66,6%), empregava um nico farmacutico (76,9%) e permanecia aberta por volta de 12 horas (82,0%).

    Quanto estrutura e aos recursos dos estabeleci-mentos, 12 (15,4%) farmcias tinham um local reser-vado para atendimento de usurios e 48 farmcias (61,5%) possuam um computador que o farmacutico poderia utilizar para atividades no relacionadas ao gerenciamento. Em relao s fontes de informao sobre medicamentos existentes nas farmcias, as mais citadas foram: a) o Dicionrio de Especialidades

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • Farmacuticas (DEF): 77 (98,7%); b) revistas especiali-

    zadas: 40 (51,3%); e c) a rede mundial de computadores

    (Internet): 38 (48,7%). Dicionrios teraputicos e livros

    de farmacologia estavam presentes em 36 (46,2%) e 22

    (28,2%) dos estabelecimentos, respectivamente.

    Da entrevista com os profissionais: caracterizao e atuao

    Foram entrevistados 91 farmacuticos. A populao

    pesquisada era composta por 58 mulheres (63,7%).

    Quanto idade, 57 (62,6%) tinham entre 20 e 29 anos

    de idade e 82 (90,1%) eram graduados em instituies

    privadas h 3,2 anos, em mdia ( = 1,7). Quanto s ha-bilitaes profissionais, 17 (18,7%) eram habilitados na

    rea industrial e 33 (36,2%) em anlises clnicas. Um

    quarto dos profissionais relatou ter cursado ou estar

    cursando ps-graduao do tipo lato sensu, sendo as principais reas Anlises Clnicas e Farmacologia,

    responsveis por 17,8% e 14,3%, respectivamente, dos

    cursos mencionados.Apenas 11 farmacuticos (12,1%) eram proprietrios

    dos estabelecimentos. Setenta e trs profissionais (80,2%) tinham uma jornada de trabalho semanal de 40 horas ou mais. Quanto remunerao, 61 (67,1%) rece-biam entre 4,8 e 6,3 salrios mnimos. O recebimento de comisses ou porcentagem de remunerao sobre vendas foi referido por 30 (33,0%) dos farmacuticos sendo que, destes, 23 (25,3%) recebiam comisses ape-nas pela venda de medicamentos.

    As atividades realizadas pelos profissionais nas far-

    mcias foram agrupadas em administrativas, tcnicas

    e de ateno ao usurio (Tabela 1). O desempenho de

    Tabela 1 - Tipos de atividades desenvolvidas pelos farmacuticos nas farmcias de Jundia-SP, 2004.

    Natureza das atividades Descrio No Frequncia (%)

    Organizao de produtos 80 87,9

    Controle de medicamentos sujeitos Portaria 344 de 12/05/1998 - SVS 78 85,7

    Controle de vencimento de produtos 74 81,3

    Administrativa Controle de estoque 53 58,2

    Compras 25 27,5

    Limpeza 5 5,5

    Caixa 3 3,3

    Gerncia 2 2,2

    Administrao de injetveis 81 89,0

    Aferio de presso arterial 77 84,6

    Capacitao de auxiliares 70 76,9

    Tcnica Realizao de curativos 38 41,8

    Administrao de inalaes 26 28,6

    Notificao de reaes adversas a medicamentos 6 6,6

    Preparo de material impresso a auxiliares 2 2,2

    Orientao sobre o uso de medicamentos 91 100,0

    Dispensao de medicamentos 89 97,8

    Orientao sobre temas relativos sade 85 93,4

    De ateno ao usurio Orientao na automedicao 83 91,2

    Acompanhamento do tratamento 61 67,0

    Atendimento domiciliar 27 29,7

    Educao em sade 6 6,6

    10 Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • tarefas normalmente praticadas por farmacuticos em

    farmcias, como controle de medicamentos sujeitos a

    controle especial (Portaria 344/98), administrao de

    injetveis e dispensao, foi relatado por mais de 80%

    dos profissionais entrevistados. Outras prticas como

    gerncia, preparo de material educativo aos auxiliares,

    desenvolvimento de atividades de educao em sade

    e notificao de reaes adversas a medicamentos

    (RAM), foram mencionadas por menos de 10% dos

    entrevistados.

    Quando questionados sobre qual atividade consu-

    mia maior parte do seu tempo de trabalho, 71 (79,1%)

    responderam que era o atendimento aos usurios, sete

    (7,7%), o gerenciamento da farmcia e seis (6,6%), as

    tarefas relativas aos medicamentos sujeitos a controle

    especial.

    Uma parcela de 61 (67,0%) farmacuticos afirmou

    acompanhar o tratamento farmacoteraputico de al-

    guns usurios. A forma de acompanhamento relatada

    por 45 deles (75,4%) era o questionamento ao usurio

    quando de seu retorno farmcia. Apenas nove pro-

    fissionais (14,8%) utilizavam fichas para anotar dados

    pessoais dos usurios e os medicamentos em uso.

    Dos 61 farmacuticos que relataram acompanhar o

    tratamento de usurios, 48 (78,7%) j haviam detectado

    problemas com a sua medicao. A eficcia do trata-

    mento ou do medicamento, efeitos colaterais e alergias

    foram os problemas mais frequentemente relatados.

    Daqueles farmacuticos, 35 disseram ter entrado em

    contato com os prescritores, sendo o principal motivo

    o esclarecimento de dvidas relacionadas prescrio.

    Os demais, que no procuraram o prescritor, orienta-

    ram os usurios a retornar ao mdico ou no julgaram

    necessrio o contato.

    Da entrevista com os profissionais: expectativas e dificuldades

    Quase a totalidade dos farmacuticos entrevistados

    (91,2%) considerou necessrio atuar mais intensa-

    mente junto aos usurios. As respostas a essa questo

    foram agrupadas em quatro categorias (Tabela 2).

    Entretanto, tambm foram mencionadas dificuldades

    para essa atuao, as quais foram classificadas em

    cinco grupos, apresentados na Tabela 3. A falta de

    tempo foi a dificuldade mais frequente, mencionada

    por 38,6% dos entrevistados.

    Na categoria acompanhamento, foram considera-

    das respostas como: acompanhar mais o tratamento, telefonar, implementar fichas com dados sobre medica-o de usurios ou implantar ateno farmacutica. Na categoria educao em sade agrupou-se respostas

    relativas a campanhas educativas ou palestras sobre te-

    mas ligados sade (diabetes, hipertenso, DST/AIDS,

    vacinao, tabagismo, sade da mulher) e formao de

    grupos de usurios por patologia.

    Da entrevista com os profissionais: compreenso sobre ateno farmacutica

    A compreenso dos farmacuticos entrevistados sobre

    ateno farmacutica foi classificada em quatro gru-

    pos (Tabela 4), sendo que a maioria dos profissionais

    (62,7%) a relacionava orientao e ao atendimento

    dispensado aos usurios.

    Da pesquisa de fatores associados ao acompanha-mento da farmacoterapia

    No foi encontrada nenhuma associao estatis-

    ticamente significante entre as diversas variveis

    estudadas e a realizao de acompanhamento farma-

    coteraputico de usurios.

    Tabela 2 - Tipos de atendimento ao usurio julgados mais necessrios por farmacuticos atuantes em far-mcias. Jundia-SP, 2004.

    Formas de atuaoFarmacuticos

    No Frequncia (%)

    Acompanhamento 46 55,4

    Orientao 30 36,1

    Educao em sade 13 15,7

    Atendimento domiciliar 7 8,4

    No sabe 1 1,2

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009 11

  • Tabela 4 - Entendimento dos farmacuticos que atuavam em farmcias sobre a ateno farmacutica. Jun-dia-SP, 2004.

    A Ateno Farmacutica entendida como:Farmacuticos

    No Frequncia (%)

    Orientao/atendimento

    Sobre medicamentos 37 40,6

    Geral 9 9,9

    Sobre temas ligados sade 7 7,7

    Sobre medicamentos e problemas de sade 4 4,4

    Acompanhamento e orientao 15 16,5

    Acompanhamento 10 11,0

    Outros* 9 9,9

    Total 91 100,0

    * Preveno, melhoria da sade, toda responsabilidade do farmacutico.

    Tabela 3 - Dificuldades mencionadas por farmacuticos para atuar junto aos usurios de farmcias. Jundia-SP, 2004.

    Dificuldades relacionadas No %

    Ao ambiente de trabalho

    Falta de

    tempo 32 38,6

    apoio 17 20,5

    computador ou software 6 7,2

    dinheiro 4 4,8

    material 3 3,6

    funcionrios 3 3,6

    local apropriado 3 3,6

    telefone 1 1,2

    estrutura de gerncia 1 1,2

    Relacionamento com os demais recursos humanos 4 4,8

    Situao comercial 2 2,4

    Seguir padro da rede 2 2,4

    Concorrncia 1 1,2

    Mostrar viabilidade do trabalho 1 1,2

    Aos usuriosFalta de

    interesse 14 16,9

    confiana e de conhecimento do trabalho do farmacutico 12 14,5

    entendimento ou aceitao do trabalho 4 4,8

    dados para acompanhamento 3 3,6

    Busca por preos 3 3,6

    Ao profissional Falta de

    conhecimento 10 12,0

    iniciativa 4 4,8

    experincia 3 3,6

    integrao entre os profissionais 2 2,4

    pacincia 1 1,2

    No tem dificuldade 4 4,8

    Outras* 3 3,6

    * Falta de legislao especfica, publicidade de medicamentos, consumo induzido.

    12 Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • DiscussoDa caracterizao das farmcias

    Embora a legislao brasileira estabelea que farm-

    cias tenham assistncia de tcnico responsvel e que

    este deva permanecer durante todo o horrio de funcio-

    namento do estabelecimento (Brasil, 1973), encontrou-

    se farmcias sem responsabilidade tcnica, seja pela

    falta de contratao ou ausncia do profissional. Essa

    situao, proibida por lei, demonstra que a fiscalizao

    deve ser mais efetiva quanto presena desses profis-

    sionais, no s devido questo legal, mas tambm

    pelas implicaes que sua ausncia pode acarretar,

    como a falta de assistncia ao paciente. Silva e Vieira

    (2004), em pesquisa com farmacuticos responsveis

    tcnicos de drogarias de Ribeiro Preto-SP, encon-

    traram situao semelhante. Apesar da existncia de

    estabelecimentos irregulares em relao assistncia

    tcnica, a situao atual parece ter melhorado se com-

    parada h alguns anos, quando, segundo Ivama (1999),

    o profissional apenas se apresentava como responsvel

    sem, contudo, estar presente na farmcia.

    A existncia de um local reservado para condu-

    zir entrevistas necessria ao processo de ateno

    farmacutica uma vez que este envolve, dentre suas

    etapas, a coleta de dados de usurios e atividades de

    aconselhamento e discusso (Cipolle e col., 2000).

    Poucas farmcias tinham local adequado a esse tipo

    de atividade, podendo ser um fator limitante para

    sua execuo. A mesma dificuldade foi observada na

    Argentina (Uema e col., 2008) e na Arbia Saudita (Al-

    Arifi e col., 2007), em contraste com pases nos quais

    a ateno farmacutica observada h mais tempo.

    Assim, Pronk e colaboradores (2002) observaram que,

    na Holanda, 87% dos estabelecimentos tinham sala

    para atendimento dos usurios.

    Grande parte das farmcias pesquisadas apresenta-

    va microcomputador, numa proporo semelhante aos

    68% observados na Galcia por Garca e colaboradores

    (2000). No foram avaliadas as fontes provenientes da

    Internet, assim, no possvel discutir a qualidade das

    mesmas. Entretanto, foi possvel verificar que poucas

    farmcias possuam literatura cientfica sobre medi-

    camentos que pudesse auxiliar no processo de ateno

    e que a maioria era predominantemente de carter

    comercial. Ao contrrio, o referido estudo de Garca

    mostrou que em 98% das farmcias comunitrias ha-

    via um catlogo de especialidades farmacuticas e, em

    67%, um livro de farmacologia. Os dados sugerem que a

    disponibilidade de material de consulta no adequada

    para a realizao da ateno farmacutica.

    Da entrevista com os profissionais: caracterizao e atuao

    A maioria dos farmacuticos entrevistados (62,6%)

    tinha at 29 anos, proporo maior que a observada por

    Silva e Vieira (2004) em Ribeiro Preto, onde 47% dos

    farmacuticos estavam nessa faixa etria. O carter

    jovem da populao pesquisada tambm foi verificado

    pelo tempo de formado. Na Islndia, estudo conduzido

    entre farmacuticos comunitrios (Almarsdttir e col.,

    2002) mostrou que apenas 17% dos indivduos tinham

    at cinco anos de formados. Na Nova Zelndia, farma-

    cuticos mais jovens mostraram ser mais adeptos

    ateno farmacutica que os mais velhos, numa dife-

    rena estatisticamente significante, sugerindo que a

    idade pode vir a influenciar essa atividade profissional

    (Dunlop e Shaw, 2002).

    Somente 12,1% dos farmacuticos entrevistados

    eram proprietrios da farmcia. Silva e Vieira (2004)

    observaram que, em Ribeiro Preto, essa proporo

    era de 27%. Uma possibilidade para essa diferena o

    grande nmero de farmacuticos jovens encontrados,

    os quais, possivelmente, ainda no possuam recursos

    suficientes para se tornarem proprietrios dos esta-

    belecimentos. Alm disso, essa pequena proporo

    ocorre porque, no Brasil, a propriedade da farmcia

    pode ser exercida por qualquer indivduo. Na Austrlia

    (Farris e col., 2005) e em alguns Estados canadenses

    (Jones e col., 2005), por exemplo, a lei estabelece que

    apenas farmacuticos podem ser proprietrios de

    estabelecimentos.

    O recebimento de comisses sobre vendas foi relata-

    do por 33% dos entrevistados, o dobro do verificado por

    Silva e Vieira (2004) em Ribeiro Preto. O recebimento

    de comisses pode influir nos critrios para indicao

    de produtos aos usurios, em especial, nos casos de

    automedicao e substituio por genricos. O lado

    comercial uma das caractersticas da farmcia, mas

    no deveria estar em desequilbrio com as demais.

    Segundo Carneiro (1998), a farmcia deve ser vista

    como uma empresa de sade onde quatro conceitos

    fundamentais devem estar presentes: servio, profis-

    so, fonte de renda e empresa. Para o autor, a farmcia

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009 13

  • seria, ento, um local de prestao de servios, onde

    se exerce uma profisso que proporciona renda, e que,

    para ser mantida, deve ser administrada como uma

    empresa.

    Segundo os entrevistados, o atendimento aos usu-

    rios era a atividade que demandava mais tempo. O

    mesmo foi observado por Schommer e colaboradores

    (2002), nos Estados Unidos. Este verificou que 56% do

    tempo de trabalho de farmacuticos comunitrios era

    consumido com a dispensao de medicamentos e 19%,

    com atividade de consulta, totalizando 75% do tempo

    de trabalho. Ressalte-se, entretanto, que, naquele pas,

    a atividade dos farmacuticos inclui o fracionamento

    de medicamentos, prtica no corrente no Brasil.

    Dentre as atividades de ateno ao usurio, a

    prtica de educao em sade foi referida por 6,6%

    dos entrevistados, sendo a distribuio de material

    educativo a principal ao. A proporo muita baixa

    se comparada encontrada por OLoughlin e colabora-

    dores (1999), em estudo realizado no Canad, onde, no

    ano anterior pesquisa, 68,5% das farmcias partici-

    pantes haviam desenvolvido atividades de preveno.

    Essa diferena pode ser explicada por fatores relativos

    estrutura, carter da farmcia em diferentes contex-

    tos, diferenas culturais, formao dos profissionais,

    interesse dos usurios, entre outros.

    Treze entrevistados (15,7%) manifestaram inte-

    resse em realizar atividades de educao em sade,

    como campanhas e palestras educativas. Esse papel

    promotor da sade ainda pouco explorado pelos far-

    macuticos no pas. Santos (2005) enumera algumas

    das aes do farmacutico para a promoo da sade,

    como promoo do uso racional de medicamentos,

    informao e educao para a escolha de estilo de

    vida e comportamentos saudveis, entre outras. En-

    tretanto, o autor tambm apresenta alguns desafios

    a serem superados para sua consecuo. Entre eles,

    a fragmentao dos saberes compartimentados entre

    disciplinas, a viso assistencialista dos profissionais

    e da prpria populao com distoro da concepo de

    necessidades, mpeto de consumir servios de sade e

    medicamentos e a falta de visibilidade social, reduo

    do monoplio de competncia e base tcnico-cientfica,

    com consequente crise de identidade do farmacutico,

    conforme relatado por alguns dos entrevistados.

    A maioria dos entrevistados relatou acompanhar

    o tratamento farmacoteraputico de alguns usurios,

    mas de maneira informal. Mesmo no empregando

    um mtodo, quase 79% dos que realizavam acompa-

    nhamento afirmaram ter detectado problemas com

    a medicao. O mesmo foi observado por Durn e

    colaboradores (1999), que publicaram o resultado do

    seguimento, por seis meses, de 35 usurios em trata-

    mento farmacolgico e que recebiam o programa de

    ateno farmacutica de uma farmcia comunitria na

    Espanha. Observou-se que 74,3% dos usurios apresen-

    taram algum tipo de problema relacionado medicao

    (PRM), sendo os principais: o no cumprimento do tra-

    tamento (31,2%), a m seleo do medicamento (22,9%)

    e as interaes medicamentosas (18,7%).

    A ateno farmacutica mais efetiva quando h

    colaborao de outros profissionais de sade (Hepler

    e Strand, 1990), em especial dos mdicos, uma vez que

    muitos problemas encontrados durante o seguimento

    devem ser solucionados pelos prescritores. Assim, no

    referido estudo de Durn e colaboradores (1999), 54%

    dos PRM encontrados necessitaram de interveno

    exclusiva do mdico para sua soluo. No presente

    trabalho, a maioria dos farmacuticos que havia detec-

    tado problema com a medicao dos usurios entrou

    em contato com os prescritores. Entretanto, o principal

    motivo relatado para o contato esclarecimento de d-

    vidas relacionadas prescrio no correspondeu aos

    principais problemas detectados eficcia e reaes

    adversas aos medicamentos, indicando a necessidade

    de estudos posteriores para aprofundamento dessas

    questes.

    Da Entrevista com os Profissionais: expectativas e dificuldades

    Quase a totalidade dos entrevistados considerou ne-

    cessrio atuar mais intensamente junto aos usurios,

    sendo que metade realizaria acompanhamento do tra-

    tamento com utilizao de fichas, buscando resultados

    e problemas. Tambm nos Estados Unidos, Schommer

    e colaboradores (2002) verificaram que farmacuticos

    relataram desejar gastar mais tempo com o seguimento

    de usurios e com atividades de consulta, o que pare-

    ceu, para os autores, uma motivao dos profissionais

    para mudar sua prtica para a ateno farmacutica.

    Dentre as dificuldades para realizar trabalho mais

    intenso com os usurios, relacionadas ao ambiente de

    trabalho, a falta de apoio dos proprietrios foi a mais

    mencionada pelos entrevistados. O mesmo foi observa-

    14 Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009

  • do por Oliveira e colaboradores (2005), quando avalia-

    ram a ateno farmacutica em Curitiba. Verificou-se

    que grande parte dos proprietrios desestimulava a

    prtica, o que os autores atriburam perda de lucros

    atrelada venda desorientada de medicamentos, alm

    do investimento no farmacutico responsvel, devido

    necessidade de atualizao constante do profissional

    que promove o atendimento pblico na ateno far-

    macutica. No trabalho de OLoughlin e colaboradores

    (1999), realizado no Canad, a falta de incentivo dos

    gerentes foi dos empecilhos mais citados por farma-

    cuticos comunitrios integrao de prticas de pre-

    veno na farmcia. Os dados sugerem que se devam

    apresentar aos proprietrios vantagens comerciais da

    ateno farmacutica, como um diferencial em relao

    a outros estabelecimentos, numa tentativa de diminuir

    as resistncias sua execuo.

    Dificuldades relacionadas ao ambiente de trabalho

    tambm foram relatadas em outros estudos. Assim, a

    falta de instrumentos para a prtica de atividades de

    preveno foi observada pelos farmacuticos pesqui-

    sados por OLoughlin e colaboradores (1999), Al-Arifi

    e colaboradores (2007) e Uema e colaboradores (2008);

    no ter um local adequado a prticas de preveno

    (OLoughlin e col., 1999; Watson e col., 2003) e acon-

    selhamento (Amsler e col., 2001) tambm foram difi-

    culdades apontadas por farmacuticos em trabalhos

    realizados em outros pases.

    A questo comercial do setor farmacutico tambm

    foi mencionada como uma barreira a novas prticas

    na farmcia. No trabalho de Amsler e colaboradores

    (2001), realizado nos Estados Unidos, usurios que

    participaram do estudo afirmaram considerar princi-

    palmente o custo do medicamento na escolha de uma

    farmcia. Almarsdttir e colaboradores (2002) realiza-

    ram, na Islndia, uma pesquisa com farmacuticos e

    observaram que, em decorrncia da competio entre

    as farmcias, a guerra por preos pressionava o forneci-

    mento de descontos aos usurios. Assim, o componente

    comercial do setor farmacutico no parece ser uma

    caracterstica exclusiva das farmcias pesquisadas,

    sendo observada, inclusive, em outros pases.

    Dentre as dificuldades ligadas aos usurios, a falta

    de interesse foi a mais referida. A falta de questio-

    namento dos usurios tambm foi citada como uma

    barreira a prticas de preveno pelos profissionais do

    estudo de OLoughlin e colaboradores (1999) no Canad

    e para os profissionais que participaram do trabalho

    de Amsler e colaboradores (2001). Neste, os usurios

    defensivos e que no cooperavam eram um obstculo

    atividade de aconselhamento.

    A falta de tempo foi considerada uma dificuldade

    tambm em outros pases. Foi considerada como um

    obstculo proviso de novos servios, como segui-

    mento farmacoteraputico e atividades de educao

    em sade, sendo que o tempo escasso decorria, mui-

    tas vezes, do grande fluxo de usurios ou do tempo

    consumido por outras atividades (OLoughlin e col.,

    1999; Amsler e col., 2001; Watson e col., 2003; Oliveira

    e col., 2005, Uema e col., 2008). Dunlop e Shaw (2002),

    na Nova Zelndia, observaram que outros fatores

    identificados como barreiras para a implementao da

    ateno farmacutica, como falta de espao e recursos

    insuficientes, poderiam, de fato, ser descrio de falta

    de tempo uma vez que, l, como aqui, os farmacuticos

    esto envolvidos em questes organizacionais e de

    gerncia da farmcia. Esses resultados sugerem que

    algumas barreiras para a prtica da ateno derivam

    da falta de definio das atividades do farmacutico

    na farmcia. Essa nova prtica requer um rearranjo

    de funes para que o profissional tenha tempo de

    assumir novos papis (McDonough e col., 1998).

    Outras dificuldades observadas para a implantao

    das aes de acompanhamento, embora no pesquisa-

    das aqui, foram verificadas em outros pases. Algumas,

    como falta de dinheiro, referiam-se falta de pagamen-

    to para as aes de ateno farmacutica, verificadas

    em pases onde alguns servios prestados na farmcia

    so sujeitos a reembolso (Dunlop e Shaw, 2002; Jones e

    col., 2005). A esse respeito, Alvarez-Risco (2007) sugere

    que, considerando-se a implementao de novas aes

    de ateno farmacutica, devem-se encontrar opes

    para recebimento de pagamento. Nesse sentido, no

    Canad, j h iniciativas com guias de servios a se-

    rem prestados por farmacuticos com sugestes das

    respectivas taxas (Jones e col., 2005). possvel que

    a cobrana pelo servio de ateno farmacutica seja

    uma das formas de diminuir a resistncia de proprie-

    trios e gerentes de farmcia a essa prtica.

    Segundo Berenguer e colaboradores (2004), algu-

    mas dificuldades resultam de alteraes na atividade

    profissional, que muda o foco do produto (a dispensa-

    o do medicamento) para o paciente. Para os autores,

    trata-se de processo lento, que teve incio a partir de

    Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009 15

  • um ponto de vista filosfico, a fim de transformar o

    conceito da atuao farmacutica nas farmcias, que

    era baseado em mercadorias e em operaes mercantis,

    em uma profisso clnica.

    Da entrevista com os profissionais: compreenso sobre ateno farmacutica

    Muitos entrevistados compreendiam ateno farma-

    cutica como simplesmente orientao e atendimento

    dispensados ao usurio. Segundo o Consenso Brasilei-

    ro de Ateno Farmacutica (OPAS, 2002), a orientao

    um dos componentes dessa prtica profissional,

    mas no o nico. Ao contrrio, no referido estudo de

    Dunlop e Shaw (2002), cerca de 60% dos farmacuti-

    cos neozelandeses entrevistados demonstraram um

    entendimento correto daquele conceito.

    O acompanhamento sistemtico do tratamento

    medicamentoso (seguimento farmacoteraputico)

    de usurios, que faz parte da definio de ateno

    farmacutica estabelecida por Hepler e Strand (1990),

    foi citado por poucos entrevistados na sua compre-

    enso sobre ateno farmacutica. A grande maioria

    desconhecia o princpio da ateno farmacutica e

    associava-a, simplesmente, ao fornecimento de ateno

    ao usurio, que ocorre, muitas vezes, na dispensao

    com o fornecimento de orientaes. A capacitao dos

    farmacuticos para atuarem em ateno farmacutica

    e conhecerem melhor seu conceito, seus elementos e

    seu processo talvez possa ajudar na sua implantao.

    Um avano nesse sentido ocorreu com a instituio

    das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

    Graduao em Farmcia, as quais estabelecem que os

    contedos tericos e prticos que fundamentem a aten-

    o farmacutica em nvel individual e coletivo devem

    ser contemplados durante o curso (Brasil, 2002).

    ConclusesH poucos trabalhos no Brasil sobre a prtica farma-

    cutica em farmcias. Considerando-se a importncia

    desse estabelecimento como um recurso muito utiliza-

    do pela populao para cuidados com a sade, conhecer

    as caractersticas, as dificuldades e o contexto em que

    a prtica farmacutica se desenvolve necessrio para

    o seu aprimoramento.

    De modo geral, alguns componentes da ateno

    farmacutica, estabelecidos pelo Consenso Brasileiro,

    faziam parte das atividades de muitos profissionais en-

    trevistados. Porm, tais atividades no so realizadas

    de forma sistemtica e organizada, como preconizado,

    de maneira a caracterizar a prtica necessria presta-

    o de servio completo e de qualidade ao usurio.

    A prtica da ateno farmacutica requer uma

    mudana estrutural das farmcias e um rearranjo de

    funes, uma vez que, atualmente, a estrutura e as

    atividades so adequadas atividade comercial.

    Algumas das dificuldades observadas para sua

    implantao tm sido observadas em vrios pases e

    refletem a crise de identidade profissional e, em con-

    sequncia, a falta de reconhecimento social e pouca

    insero na equipe multiprofissional de sade. Alm

    disso, em nosso meio, as farmcias pblicas no tm

    insero no sistema de sade. Por essa razo, a forma

    e o gnero de prestao de servios de ateno nesses

    estabelecimentos so inerentemente limitados.

    O conhecimento acerca da ateno farmacutica

    mostrou-se limitado no mbito desses profissionais,

    situao esta que pode vir a alterar-se, medida que

    as mudanas curriculares em curso surtam efeito na

    formao dos novos farmacuticos.

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    Recebido em: 06/07/2007Reapresentado em: 06/05/2008Aprovado em: 15/05/2008

    1 Sade Soc. So Paulo, v.18, n.1, p.7-18, 2009