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Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração Administração: Ensino e Pesquisa Volume 11 Número 3 Rio de Janeiro Julho/Agosto/Setembro 2010

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Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração

Administração: Ensino e Pesquisa Volume 11 Número 3

Rio de Janeiro Julho/Agosto/Setembro

2010

A Administração: Ensino e Pesquisa é um periódico trimestral da ANGRAD (Associação Nacional dos cursos de Graduação em Administração) que tem como missão difundir o estado da arte do ensino e pesquisa em Administração. Administração: Ensino e Pesquisa, v. 11, n. 3, (Julho/Agosto/Setembro 2010) – Rio de Janeiro: ANGRAD, 2010 – trimestral. 1. Administração – Periódico ISSN – 2177-6083 Publicada como Revista ANGRAD no período entre: v.1-10, 2000-2009 - (ISSN – 1518-5532) Publicada como Administração: Ensino e Pesquisa a partir de: v.11, 2010. Projeto Gráfico: Bruno Gomes Editoração: Gabrielle Junqueira Hernandes Revisão Editorial: Gabrielle Junqueira Hernandes Tiragem: 1200 Impressão: Gráfica Vanesul Data de Impressão: 30 de Setembro de 2010 As opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade dos seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação estão reservados. A Administração: Ensino e Pesquisa completa um volume a cada ano e é distribuída gratuitamente aos seus associados. As associações podem ser feitas por meio da homepage da ANGRAD (www.angrad.org.br). Os números anteriores estarão disponíveis enquanto durarem os estoques.

Conselho Editorial Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo/SP – Brasil Profa. Dra. Maria da Graça Pitiá Barreto Universidade Federal da BahiaSalvador/BA – Brasil Prof. Dr. Pedro Lincoln Universidade Federal de PernambucoRecife/PE – Brasil Prof. Dr. Roberto Costa Fachin Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS – Brasil Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade Universidade do Grande Rio Rio de Janeiro/RJ - Brasil Profa. Dra. Sylvia Constant Vergara Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Profa. Dra. Sylvia Maria Azevedo Roesch London School of Economics Londres – Inglaterra Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer Universidade Federal da BahiaSalvador/BA – Brasil

Editora Científica

Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Corpo Editorial Científico Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho Universidade Federal do Ceará Fortaleza/CE – Brasil Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo/SP – Brasil Profa. Dra. Manolita Correia Lima Escola Superior de Propaganda e MarketingSão Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS – Brasil Prof. Dr. Martinho Isnard R. de Almeida Universidade de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Piotr Trzesniak Universidade Federal de Itajubá Itajubá/MG – Brasil Profa. Dra. Sônia Maria Rodrigues Calado Dias Faculdade Boa Viagem Recife/PE – Brasil Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães Universidade de Brasília Brasília/DF – Brasil

Gestão ANGRAD (2010/2011) Conselho Diretor Presidente: Prof. Dr. Mauro Kreuz Faculdade Campo Limpo Paulista Campo Limpo Paulista/SP – Brasil Vice-Presidente: Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis/SC – Brasil Diretor de Administração e Finanças: Prof. Dr. Francisco Marcelo G. Barone do Nascimento Fundação Getúlio Vargas - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Diretor de Ensino e Pesquisa: Prof. Ms. Antônio Gildo Paes Galindo Faculdade Frassinetti do Recife Recife/PE – Brasil Diretor de Relações Institucionais: Prof. Ms. Antônio Carlos Dias Athayde Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Contagem/MG – Brasil Diretor de Marketing: Profa. Dra. Cláudia de Salles Stadtlober Instituto Superior de Educação do Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista Porto Alegre/RS – Brasil Diretor de Publicações: Profa. Dra. Tânia Maria da Cunha Dias Faculdade Castro Alves Salvador/BA – Brasil Diretor de Relações Internacionais: Prof. Dr. Vicente Nogueira Filho Associação Internacional de Educação Continuada Brasília/DF – Brasil

Conselho Fiscal Prof. Ms. Jorge Henrique Mariano Cavalcante Faculdades Atenas Maranhenses São Luís/MA – Brasil Prof. Dr. Rogério Augusto Profeta Universidade de Sorocaba Sorocaba/SP – Brasil Profa. Dra. Andréa Maria Accioly Minardi Instituto de Ensino e Pesquisa São Paulo/SP – Brasil Suplente: Prof. Ms. José Carlos Pacheco Coimbra Faculdade de Jaguariúna Jaguariúna/SP – Brasil Conselho Consultivo Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade Universidade do Grande Rio Rio de Janeiro/RJ – Brasil Prof. Dr. Alexander Berndt Ad Homines Associação Educacional São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior Fundação Getúlio Vargas - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Equipe ANGRAD Superintendente Executivo: Luiz Carlos da Silva Assessora de Eventos: Helena Almeida Auxiliar Administrativo: Bruno Gomes Estagiária: Thaís Carreira

EDITORIAL

Os artigos deste número da revista nos estimulam refletir sobre a adequação da forma como estamos conduzindo os processos de ensino na área de Administração no Brasil tanto no mundo físico e também no espaço virtual. Este tipo de iniciativa sempre importante para o desenvolvimento da área e também para a competitividade dos profissionais e empresas brasileiros.

O primeiro artigo deste número tem como foco a educação a distância. Julia Schaetzle Wrobel, Teresa Cristina Janes Carneiro, Waneide de Souza Palma e Lemuel Brasil Aguiar discutem o papel do tutor nos cursos de educação a distância. Os autores entendem que idealmente os tutores desempenhariam a função de mediação entre os conteúdos das disciplinas e os alunos e eles estabeleceriam relações entre alunos e professores e entre os próprios alunos. No entanto, a pesquisa realizada pelos autores identificou que este papel é ainda mal compreendido pelos alunos e os próprios tutores. O principal desafio nesta modalidade de ensino é conseguir que o paradigma focado na relação dialógica tutor-aluno seja aceito.

Sérgio Bulgacov, Diego Iturriet Dias Canhada e Yára Lúcia Mazziotti Bulgacov são os autores do segundo artigo. Os autores comparam o ensino de administração de duas universidades brasileiras com o de duas estrangeiras, com o propósito de caracterizar as atividades relacionadas à gestão acadêmica e organizacional do ensino nessas instituições. As comparações evidenciam oportunidades de melhoria para as universidades brasileiras, em especial, em relação à profissionalização dos alunos. O estudo sugere a necessidade de repensar a institucionalização e os diferentes papéis da gestão acadêmica. O artigo resgata estudos realizados em países não desenvolvimentos, contribuindo para o debate da realidade brasileira e a proposição de modelos que objetivem a melhoria das instituições atuando no Brasil.

O artigo seguinte trata da adequação da formação de mão de obra em cursos de administração, considerando a característica mutante do mercado. As autoras - Susane Petinelli-Souza e Maria Elizabeth Barros de Barros - entendem que os profissionais procuram as instituições de ensino em administração para se manterem incluídos no sistema produtivo e questionam se o sistema oferece a este indivíduo. Elas analisam a produção de subjetivação nos cursos de Administração, a sua adequação

às necessidades atuais e fazem considerações sobre a lógica de reprodução e criação de conhecimento neste sistema.

Simone Costa Nunes relata em seu artigo um estudo que mapeou os aspectos que caracterizam a Pedagogia das Competências em dois cursos de graduação em Administração. A autora em seu estudo parte do pressuposto que a aquisição de competências nos cursos de graduação em Administração deve incorporar elementos pedagógicos que possibilitem a efetiva formação de tais competências. Sua pesquisa indicou que os cursos investigados não têm a Pedagogia das Competências como base, evidenciando a necessidade de uma revisão crítica de seus processos de ensino-aprendizagem.

O quinto artigo, diferentemente dos anteriores, trata de método de pesquisa e não de ensino. Jonathan Freitas, Daniel Calbino, Alexandre Santos e Rafael Diogo Pereira evidenciam o reduzido uso de Pesquisa- Ação em estudos da área de Administração no Brasil. Eles argumentam sobre a adequação do método e avaliam as possíveis causas da baixa adesão ao método pela nossa academia. Como o “preconceito” com relação ao método aparece como uma forte razão para o não uso do método, os autores do artigo sugerem que uma melhor compreensão da natureza da Pesquisa-Ação e seus fundamentos poderia contribuir para a adesão ao método.

O último artigo apresenta um levantamento bibliométrico de estudos organizacionais com o objetivo de levantar e analisar a base teórica e os métodos utilizados nas publicações científicas da área de conhecimento. São autores do artigo Flávio Perazzo Barbosa Mota, Ceres Grehs Beck, Rita de Cássia de Faria Pereira, Tatiane Aguiar Porfírio de Lima e Solange Cristina do Vale. A análise teve como base os artigos publicados nos Encontros da ANPAD entre 2005 e 2008.

Desejo a todos boa leitura.

Eliane Pereira Zamith Brito Editora Científica

SUMÁRIO ARTIGOS ARTICLES 331-354 TUTORIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: TEORIA, PRÁTICA,

APRENDIZADOS E DESAFIOS

DISTANCE LEARNING AND TUTORING: THEORY, PRACTICE, LEARNING AND CHALLENGES

Julia Schaetzle Wrobel, Teresa Cristina Janes Carneiro, Waneide de Sousa Palma e Lemuel Brasil Aguiar

355-372 A COMPARAÇÃO DOS PROCESSOS DE ACOMPANHAMENTO

ACADÊMICO E DE ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO EM DUAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS E DUAS ESTRANGEIRAS

A COMPARISON OF THE ACADEMIC MONITORING AND BUSINESS MANAGEMENT TEACHING PROCESSES AT TWO BRAZILIAN AND TWO FOREIGN UNIVERSITIES

Sergio Bulgacov, Diego Iturriet Dias Canhada e Yára Lúcia Mazziotti Bulgacov

373-394 PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE NOS CURSOS DE

ADMINISTRAÇÃO

PRODUCTION OF SUBJECTIVITY IN ADMINISTRATION COURSES

Susane Petinelli-Souza e Maria Elizabeth Barros de Barros

395-424 O DISCURSO E A PRÁTICA DA FORMAÇÃO BASEADA EM COMPETÊNCIAS: UM ESTUDO EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

DISCOURSE AND THE PRACTICE OF COMPETENCY-BASED EDUCATION: A STUDY OF UNDERGRADUATE BUSINESS ADMINISTRATION COURSES

Simone Costa Nunes 425-445 EM DEFESA DO USO DA PESQUISA-AÇÃO NA PESQUISA EM

ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL

IN DEFENSE OF ACTION RESEARCH ADOPTION IN MANAGEMENT RESEARCH, IN BRAZIL

Jonathan Freitas, Daniel Calbino, Alexandre Santos e Rafael Diogo Pereira

447-467 A UTILIZAÇÃO DE TEORIAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS BRASILEIROS: UMA ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA

THE USE OF THEORIES IN BRAZILIAN ORGANIZATIONAL STUDIES: A BIBLIOMETRIC ANALYSIS

Flavio Perazzo Barbosa Mota, Ceres Grehs Beck, Rita de Cássia de Faria Pereira, Tatiana Aguiar Porfírio de Lima e Solange Cristina do Vale

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TUTORIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: TEORIA, PRÁTICA, APRENDIZADOS E DESAFIOS

DISTANCE LEARNING AND TUTORING: THEORY, PRACTICE, LEARNING AND

CHALLENGES

JULIA SCHAETZLE WROBEL ([email protected]) TERESA CRISTINA JANES CARNEIRO WANEIDE DE SOUSA PALMA LEMUEL BRASIL AGUIAR

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO RESUMO A orientação acadêmica ou tutoria na educação a distância (EAD), segundo Neder (2000), é um dos elementos do processo educativo que possibilita a (res)significação da educação, principalmente ao permitir o rompimento da noção de tempo/espaço da escola tradicional. Os tutores desempenham a função de mediação entre os conteúdos das disciplinas e os alunos e estabelecem relações entre alunos e professores e entre os próprios alunos. Dada a importância desta função acadêmica, procurou-se investigar o quanto a prática da tutoria aproxima-se da visão, de certa forma idealizada, presente na literatura sobre educação a distância. Por meio de entrevistas com nove alunos e 31 tutores do curso de Administração na modalidade a distância (EAD), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), projeto piloto da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em quatro momentos distintos, de dezembro/2007 a março/2009, buscou-se identificar aprendizados e desafios da tutoria na educação a distância. As análises realizadas possibilitaram compreender que a tutoria ainda é mal compreendida por alunos e tutores e que as dificuldades de adaptação ainda são grandes. O principal desafio a ser vencido é a ruptura com o paradigma tradicional de ensino e a aceitação de um paradigma focado na relação dialógica tutor-aluno. Palavras-chave: tutoria; educação a distância; graduação; administração.

Tutoria em Educação a distância: Teoria, prática, aprendizados e desafios

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ABSTRACT According to Neder (2000), academic advising or tutoring in distance learning (DL) is one of the elements in the educational process that allows the (re)definition of education, mainly by disrupting the concept of time/space of traditional educational processes. Tutors mediate the contents of disciplines to students and establish relationships between students and teachers, as well as among the students themselves. Given the importance of this academic role, we investigate how the practice of tutoring compares to its somewhat idealized theoretical vision found in the literature. Through interviews with nine students and 31 tutors from the distance learning Administration course at the Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a pilot project of the Universidade Aberta do Brasil (UAB), conducted at four separate occasions, from December 2007 to March 2009, we aim to identify what was learnt and what challenges were faced during this distance learning tutoring. Subsequent analyses revealed that tutoring is still poorly understood by both students and tutors alike, and that there are still significant adaptation difficulties present. The main challenges to be overcome are the departure from the traditional educational paradigm and the acceptance of a new paradigm focused on tutor-student dialogues. Keywords: tutoring; distance learning; graduation; administration. INTRODUÇÃO As discussões em torno da educação a distância (EAD), no Brasil, são recorrentes. Há décadas são conhecidas instituições e programas que promovem esta modalidade em diferentes níveis de formação. Contudo, é a educação superior que tem capitaneado os recentes debates. Países como a Inglaterra, França, África do Sul, Canadá, Espanha, Portugal e Hong Kong já desenvolveram sistemas de educação a distância desde antes da segunda metade do século XX (NEDER, 2000).

Apesar de todo o aprendizado que outras nações têm experimentado, convive-se, ainda, com resistências à ideia de se fazer educação superior no Brasil pela modalidade educação a distância, sob o questionável argumento da falta de qualidade no ensino praticado nessa categoria. A avaliação de processos em curso é, portanto, o primeiro passo para a transformação de opiniões acerca da eficácia dessa metodologia. Inegavelmente, a educação a distância amplia os ambientes

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de aprendizagem e diversifica as formas de interação comunicativa. Graças à flexibilidade de tempo e espaço permitidos pelos avanços tecnológicos, a educação a distância aumenta as oportunidades de estudo e de acesso ao conhecimento a uma grande parte da população. Para Borba, Malheiros e Zulatto (2007, p.23), “aproximar pessoas geograficamente distantes, possivelmente abrindo espaço à troca entre culturas diferentes é o fator central que define essa modalidade de ensino”.

Desde a sua implantação, a educação a distância (EAD) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) vem se desenvolvendo com base na superação das dificuldades que se apresentam e na ousadia de formular novas propostas a serem oferecidas à sociedade. Naturalmente, as questões de cunho cultural e da tradição dos cursos na modalidade presencial têm se transformado em problemas desafiadores no que tange à confiabilidade do programa e nas relações entre professores e alunos, uma vez que, de forma natural e teimosa, muitos se apresentam resistentes às mudanças necessárias para a vivência de uma aprendizagem na educação a distância.

Se as tecnologias potencializam novas formas de relacionamento, o processo de ensino-aprendizagem requer estratégias de ação diferenciadas, uma vez que os recursos tecnológicos disponíveis ainda estão sendo testados. Nesse sentido, o orientador acadêmico ou tutor é um elemento chave nesse modelo de educação. As sessões de tutoria são um momento em que se compartilham distintos níveis de conhecimento, de inquietudes e de emoções e põem em relevo o papel da comunicação interpessoal. A tarefa de orientação acadêmica é um trabalho coletivo, em que se tecem múltiplas relações, as quais ultrapassam a mera transmissão de conteúdo. Para Reis (2009), os processos de interação comunicativa na educação a distância devem privilegiar o diálogo, o respeito e a afetividade.

O surgimento do orientador acadêmico na educação a distância desencadeia um processo de desconstrução do papel clássico do professor a caminho da construção de um novo profissional da educação e de uma nova maneira de interagir com o aluno. Preti (2003), porém, defende que há uma área nebulosa, intermediária, entre as práticas metodológicas anteriores e as atuais. Diante disso, surgem questões que merecem ser investigadas: como a função do orientador acadêmico, descrita e idealizada na teoria, está sendo implantada na prática? Quais são os aprendizados e desafios da implantação da tutoria em um curso de Administração na modalidade a distância?

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Esse trabalho é baseado no acompanhamento de atividades de orientação acadêmica do curso de Administração na modalidade a distância (EAD) da UFES, projeto piloto da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e tem por finalidade identificar aprendizados e desafios dessa nova função, visando a compreender se a prática corresponde às expectativas geradas pela teoria. As análises foram baseadas em entrevistas com alunos e orientadores acadêmicos do curso. Pretende-se, assim, contribuir para o aprimoramento da modalidade e para as eventuais e necessárias tomadas de posição em busca da manutenção do curso em trilhos confiáveis e em padrões de qualidade que constituem a tradição das universidades federais brasileiras.

FUNÇÕES E ESTRATÉGIAS DO TUTOR NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nas primeiras experiências em educação a distância, quando os cursos eram oferecidos por correspondência, o ensino baseava-se na transmissão de informação. O aluno estudava por módulos instrucionais, que tinham a função de ensinar. Nesse modelo, a figura do tutor era praticamente inexistente e sem muito valor, já que ele desempenhava apenas o papel de ‘’acompanhante’’ do processo de aprendizagem (BELLONI, 2003).

A partir da década de 1980, novas concepções pedagógicas de ensino e aprendizagem passaram a influenciar projetos na modalidade a distância. A ênfase dada à transmissão de informação e ao cumprimento de objetivos foi substituída pelo apoio à construção do conhecimento e aos processos reflexivos, sendo o tutor, agora denominado orientador acadêmico, aquele que dá apoio à construção do conhecimento (MAGGIO, 2001). Nesse percurso, a tutoria passa a ser considerada um dos fatores fundamentais para o bom desempenho do aluno.

Segundo Meneguetti (2004), o tutor é aquele que tem domínio de conteúdo, tem poderes para avaliar, bem como é o responsável por proporcionar apoio pedagógico e operacional. Deve promover a interatividade, reduzir a distância interpessoal, aumentar o feedback ao aluno, fomentar a participação de todos nas discussões, gerenciar conflitos e fornecer aos alunos informações sobre o curso. Para Belloni (2003), o tutor orienta o aluno, esclarece dúvidas e explica questões relativas aos conteúdos, além de participar das atividades de avaliação. Muitas são as definições, não havendo consenso entre autores que mencionam essa temática. Entretanto, centrado no ensinar em detrimento

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do modelo centrado no aprender. Sai de cena o foco no professor e entra em cena o foco no aprendiz.

Meneguetti (2004) destaca que a função da tutoria inclui a capacidade de questionar, incentivar a busca do conhecimento, auxiliar na contextualização das teorias com a realidade prática, motivando o aluno a buscar, de forma autônoma, alternativas criativas e inovadoras de solução de questões e problemas que lhe são colocados como desafio e incentivo à reflexão. Inclui também a capacidade de auxiliar os alunos a identificar suas capacidades e limitações, auxiliando-os no processo de superação das suas dificuldades.

Preti (2003) inclui entre as funções do tutor a de facilitador que ajuda os alunos a compreender os objetivos do curso e de assumir uma postura emancipatória no processo de aprendizagem, a de observador da realidade vivida por alunos, orientadores e demais parceiros da rede, a de conselheiro sobre métodos de estudo, a de psicólogo capaz de orientar o aluno em momentos de dificuldades e angústias inerentes ao processo de aprendizado e, finalmente, o de avaliador de todo o processo, devido à sua visão próxima da realidade dos alunos, que lhe confere uma capacidade de identificar problemas de implantação e prováveis causas de desvios dos objetivos.

Maggio (2001) defende que a postura ideal do tutor é a de promover a realização de atividades didáticas, apoiando a resolução e não apenas mostrando a resposta correta, a de mostrar novas fontes de informações e várias possibilidades de solução para uma mesma atividade, favorecendo a compreensão da multiplicidade de meios para solução de um problema.

Segundo Holmberg (1996), educação a distância de qualidade requer interação aluno-tutor contínua e estimulante. Esta pode ser oferecida por vários meios. O sempre importante nesta comunicação é o tutor usar um tom amigável e pessoal, fazendo com que os alunos se sintam aceitos como parceiros. Segundo o autor, a interação mediada entre alunos e tutores já provou ser um meio valioso para o suporte da aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades cognitivas. A tutoria é fundamental para desenvolver a autonomia, especialmente porque, na educação a distância, o aluno será sempre estimulado a demonstrar habilidade de trabalhar sozinho (ou em grupos virtuais) e saber buscar o apoio quando necessário.

Neder (2000) defende que para ocorrer o aprendizado é importante o aluno estar consciente de que não é apenas o receptador de informações, mas um participante de todo o processo. O papel do aluno é fundamental

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para que esse processo ocorra e para isso é necessário que haja dedicação, que deve ser encorajada com a interação, colaboração e diálogo entre alunos e tutores. Citando Freire (1977, p.79), “ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

A tutoria pode ser desempenhada de forma presencial, semipresencial ou a distância. A modalidade presencial, que se realiza por contatos presenciais, de forma individual ou em grupos, visa a elucidar questões referentes às dificuldades de conteúdo e dúvidas quanto à metodologia ou aos aspectos estruturais do curso, tais como provas, trabalhos acadêmicos, etc. A tutoria a distância tem os mesmos objetivos, mas acontece primordialmente, mediada por tecnologias de comunicação (MORAN, 2002). A tutoria semipresencial combina as duas formas.

Holmberg (1996) defende que não há necessidade de encontros presenciais entre alunos e tutores, a menos que o conteúdo que está sendo apresentado assim o exija. A insistência na realização de sessões presenciais de tutoria deve-se a uma insegurança das instituições no potencial da educação a distância. Com a introdução das novas tecnologias, principalmente das redes de comunicação eletrônica, ampliaram-se também as oportunidades para o estabelecimento de uma relação continuada entre aluno e tutor, de forma assíncrona ou sincrônica. O estreitamento da relação aluno-tutor também permite que o aluno se sinta muito mais ligado à instituição. Pesquisa realizada por Pan, Nepomuceno e Salles (2009) mostra que a afetividade, a dificuldade em utilizar as mídias, o apego ao sistema tradicional de ensino e a falta de acesso aos computadores, principalmente em função do custo do equipamento e do custo do acesso à internet são fatores que indicam a preferência dos alunos pelo tutor presencial no curso a distância. Ainda segundo os autores, as tecnologias ainda não estão democratizadas e muitos dos alunos ainda estão excluídos do potencial dessas ferramentas. Este tem sido um entrave que também vem dificultando a interação dos alunos com o tutor a distância. A dificuldade de acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs) impede inclusive que os alunos usufruam melhor (em certos casos minimamente), do potencial das ferramentas disponibilizadas via internet: chat, fórum, correio eletrônico e bibliotecas virtuais.

Presencial ou a distância, o contato frequente entre tutor e alunos é fundamental para manter a motivação e contribuir para melhorar o desempenho dos últimos. O grande desafio do processo de tutoria para

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Pan, Nepomuceno e Salles (2009) é construir e manter uma interação que realmente apoie a aprendizagem.

Em pesquisa realizada por Barbosa e Rezende (2006), entre os obstáculos apontados pelos tutores na tarefa de tutoria estão a dificuldade em assimilar a concepção pedagógica construtivista (transpor a proposta pedagógica para a prática); a dificuldade no uso das tecnologias; a infraestrutura de telecomunicações inadequada e a dificuldade em realizar atividades necessárias ao desenvolvimento do curso em função da falta de tempo. Os tutores consideraram um desafio desempenhar a tutoria, por ser uma experiência nova para a qual não há modelo pré-definido a seguir.

METODOLOGIA A presente pesquisa tem por finalidade identificar aprendizados e desafios da orientação acadêmica no curso de Administração na modalidade a distância (EAD) da UFES e compreender se a função do tutor está sendo implantada na prática como descreve a teoria. A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas semiestruturadas com alunos e com tutores presenciais e a distância. O roteiro contendo treze perguntas abertas foi elaborado visando a obter a percepção dos entrevistados sobre os temas tratados na pesquisa: papel do tutor, aprendizados e dificuldades enfrentados na prática da tutoria no curso de Administração na modalidade a distância da Universidade Federal do Espírito Santo,

Primeiramente, servindo de pré-teste do roteiro, foram realizadas entrevistas em dezembro de 2007, no pólo de Vila Velha/ES, com nove alunos e três tutores presenciais. O questionário ajustado foi publicado no Moodle em dois momentos distintos: agosto e dezembro de 2008. A primeira avaliação contou com a participação de 32 tutores e a segunda avaliação com 24 tutores. Destes, 20 tutores participaram das duas etapas, enquanto 12 participaram apenas da primeira etapa. Ao analisar as respostas, notou-se que algumas informações estavam incompletas. Por isso, novas entrevistas foram realizadas com o intuito de resgatar algumas informações para melhor compor o quebra-cabeça. Um segundo questionário também com perguntas abertas sobre questões ainda mais específicas foi então enviado por e-mail para os 31 tutores do curso em março de 2009. Tais questões levavam os entrevistados a confrontar situações do ensino presencial tradicional com a metodologia educação a distância ao mesmo tempo em que propunham reflexões sobre suas práticas como tutor.

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A Tabela 1, a seguir, mostra o universo e a amostra da pesquisa. A primeira etapa das entrevistas coincidiu com o encerramento do quarto período letivo do curso; a segunda etapa com o quinto período; e a terceira etapa com o início do sexto período. O curso tem nove períodos (semestres) letivos.

Tabela 1: Caracterização da amostra de tutores Entrevistas/questionários Primeira

Etapa Segunda

Etapa Terceira

Etapa Data da realização ago/08 dez/08 mar/09 Tutores Presenciais em atividade 33 23 21 Tutores Presenciais entrevistados 24 20 21 Percentual do total 73% 87% 100% Tutores a Distância em atividade 12 15 10 Tutores a Distância entrevistados 8 4 10 Percentual do total 67% 27% 100% Tutores (presenciais e a distância) em atividade 45 38 31 Tutores (presenciais e a distância) entrevistados 32 24 31 Percentual do total 71% 63% 100%

O método utilizado para interpretação dos dados foi a análise de conteúdo (BARDIN, 2008), com a categorização dos assuntos que mais se destacaram na fala dos tutores e a análise temática das mensagens. Buscou-se identificar fatores que indicassem aprendizados e desafios nas atividades de orientação acadêmica do curso em questão. A unidade de registro escolhida foi o tema, geralmente utilizado no estudo de motivações, atitudes, valores, crenças e tendências. Segundo Bardin (2008), entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples.

A análise dos dados foi feita de forma empírica, não sendo utilizado nenhum index ou dicionário como ponto de partida. A posteriori, foram detectadas quatro categorias, algumas com subcategorias: Categoria 1: Perfil do Tutor; Categoria 2: Capacitação do Tutor em Educação a Distância; Categoria 3: Tutoria em processo; Sub-Categoria 3.1: Acompanhamento do caminhar; Sub-Categoria 3.2: Responsabilidade e Culpa; Categoria 4: Dificuldade de adaptação: Sub-Categoria 4.1: Parceria e Dependência; Sub-Categoria 4.2: Tempo e Espaço.

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TUTORIA NO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA MODALIDADE A DISTÂNCIA DA UFES Especificamente na UFES, o curso de Administração na modalidade a distância (EAD), projeto piloto da Universidade Aberta do Brasil (UAB), foi implantado da seguinte forma: um professor conteudista elabora o material didático de uma disciplina com base em orientações do projeto pedagógico do curso. Outro professor, o especialista, planeja a oferta da disciplina, apoiando-se no projeto pedagógico e no material didático produzido, agregando outros materiais complementares (textos, filmes, vídeoaulas, etc.), divulga seu planejamento aos tutores (responsáveis pela implantação) e acompanha a sua execução. O professor especialista divulga seu planejamento da disciplina, em encontros via videoconferência ou presenciais, aos tutores que são os responsáveis pela implantação junto aos alunos. Realiza também o acompanhamento dos trabalhos de tutoria durante todo o período de oferta da disciplina (BINDA; WROBEL; CARNEIRO, 2009). Tudo funciona como uma rede em que alunos, orientadores, professores e coordenadores comunicam-se e organizam o processo de aprendizado dos conteúdos selecionados. As responsabilidades são divididas, sendo que cada um tem um papel a cumprir e parcela de responsabilidade nos resultados alcançados. A compreensão do funcionamento da rede é fator crítico para o alcance dos objetivos. O grande diferencial do tutor nessa rede é a sua proximidade com o aluno. Sua responsabilidade é a de operacionalização da proposta pedagógica, em especial das disciplinas (conjunto de conteúdos) que compõem o currículo do curso. É o tutor que executa o que foi planejado e auxilia no processo de avaliação e verificação quanto ao atendimento dos objetivos propostos.

Os tutores a distância lideram a parte assíncrona do processo, estando Estão à disposição dos alunos, professores e tutores presenciais por meio de e-mail e em um ambiente virtual de aprendizagem, o Moodle. Nesse ambiente são disponibilizados os materiais didáticos, são respondidas as dúvidas em curto espaço de tempo, são postadas as propostas metodológicas e impressões sobre conteúdos. A participação de todos é constantemente incentivada. No Moodle há ainda um espaço restrito à equipe de tutoria em que alunos não entram, para que as discussões a respeito das orientações e a troca de experiências possam ser realizadas entre os tutores e os professores.

Os alunos têm encontros presenciais quinzenais obrigatórios nos pólos com os tutores presenciais. Esses encontros são baseados no

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material didático impresso e em materiais previamente disponibilizados no Moodle na forma de textos e vídeos. A comunicação intensa limita a possibilidade do aluno ou dos tutores sentirem-se sozinhos ou isolados. Por priorizar a interação personalizada, o curso exige uma grande participação assíncrona. O envio de mensagens eletrônicas via e-mail ou respostas nos fóruns para os alunos com sugestões de caminhos a serem percorridos para solucionar ou abordar determinado tópico de leitura ou exercício proposto é um trabalho que demanda tempo e habilidade para lidar com alguém que não se pode ver. Diferentemente da relação presencial, na qual gestos, tom de voz e rápidas correções podem sanar um mal entendido, na relação assíncrona tais possibilidades ficam dificultadas.

Entre as tarefas dos tutores estão momentos de reflexão e estudos com o professor responsável pelo planejamento das disciplinas, em fóruns ou por videoconferência. Isso exige do tutor conhecimentos prévios para que compreenda a proposta do professor e colabore baseado em sua experiência e vivência com os alunos, na melhoria do planejamento. Nesse momento, ocorre também o compartilhamento de visões e experiências com os outros tutores do curso. Sendo assim, o tutor precisa atuar em várias frentes: (a) junto aos estudantes – orientando e apoiando a busca do conhecimento; (b) junto aos professores – compreendendo a proposta da disciplina e a forma de conduzi-la, sugerindo atividades e formas de avaliação dos conteúdos; (c) junto aos demais tutores – participando da troca de experiências e soluções encontradas; (d) e finalmente junto à coordenação do curso e à coordenação do pólo, que acompanham todo o processo e o ajudam na solução de questões que fogem do previsto ou planejado. Perfil dos respondentes Os respondentes foram identificados por uma letra e um número. A letra corresponde à etapa da coleta de dados: A é a etapa de teste do instrumento, B é a etapa de agosto de 2008, C é a etapa de dezembro de 2008 e D a etapa final, em março de 2009. Os números variam de um até o total da amostra em cada caso, seguindo a ordem cronológica de respostas. Portanto, o tutor B20 é o vigésimo respondente da segunda etapa. Nesse trabalho, foram analisadas as falas dos alunos apenas na primeira etapa. A análise da visão dos alunos sobre a tutoria captados nas demais etapas encontra-se em Wrobel, Carneiro e Togo (2009). Também, na primeira etapa, os tutores a distância não foram entrevistados.

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Somente após essa fase, percebeu-se a necessidade de enfocar os dois grupos de tutores e não apenas o tutor presencial, como previsto inicialmente.

Todos os respondentes participavam do curso há pelo menos um semestre, sendo que três participaram em todos os semestres da realização da pesquisa. Dos 31 tutores que participam atualmente do curso, 18 têm formação em administração, seis em ciências contábeis, quatro em economia, dois em psicologia, dois em matemática e um em letras. Alguns tutores possuem mais de uma graduação. Além da formação básica, 16 tutores têm pelo menos uma pós-graduação concluída. Outros cinco estão concluindo seus mestrados e um acaba de iniciá-lo. Em relação à metodologia educação a distância, oito dos tutores entrevistados participaram do Curso de Capacitação de Tutores oferecido pela UFPR em 2009. O curso foi totalmente on-line, com carga horária de 180 horas. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Nesta seção, são apresentadas as análises que consistiram em classificações em categorias temáticas das práticas discursivas de alunos e orientadores, captadas por meio das entrevistas. Categoria 1: Perfil do Tutor Nessa categoria, foram classificadas as falas sobre o perfil mais adequado às tarefas que o tutor executa. Por sua história recente, a função de tutoria não tem ainda uma identidade própria e o devido reconhecimento na academia e até mesmo entre os que praticam a educação a distância. De acordo com Moore e Kearsley (2007), à medida que mais instituições criam sistemas de educação a distância, o papel dos tutores se modifica. Assim, o processo de seleção e treinamento baseado em um perfil desejado desses profissionais torna-se fundamental para que o ensino de qualidade se realize. Na fala do aluno A5, a seguir, percebe-se essa expectativa em relação à tarefa de tutoria:

Quanto à qualidade do tutor, considero que deva saber interagir com o grupo. Ser comunicativo e perceber no grupo aquele que está prejudicado. Quem está devagar e não consegue acompanhar a orientação. Isto é importante.

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Para o tutor D4, fazem parte da função de tutoria:

Disponibilidade de tempo, agilidade nos retornos aos alunos e demais membros da equipe, conhecimento das ferramentas de comunicação utilizadas pelo curso, bom relacionamento interpessoal, trato e gentileza ao responder alunos e equipe via e-mail ou outro meio a distância.

O tutor D25 entende como requisitos da função de tutoria: “domínio sobre o assunto em que exercerá a tutoria, domínio sobre recursos tecnológicos, clareza e objetividade ao escrever, facilidade no trabalho em equipe e comprometimento com o trabalho.” Já para o tutor D10:

Tecnicamente, o tutor deve ter domínio e interesse pelo conteúdo trabalhado; boa expressão oral e escrita e habilidade com recursos de informática. Quanto ao comportamento, deve ser responsável, ter gosto pelo ambiente virtual e ter cordialidade sem excesso de intimidade no trato com os alunos.

A formação acadêmica é um assunto que aparece em quase todas as falas. A grande maioria acredita que a formação na área e a experiência no assunto orientado são imprescindíveis. Essa visão é exemplificada pelas falas a seguir: “Eu acho que é fundamental ter a experiência na disciplina que se está prestando orientação, mesmo se for a distância” (tutor A2). “Um bom tutor deve ter formação em uma área de conhecimento afim com a disciplina que orienta, além de experiência de pelo menos seis meses com docência, o que eu acho imprescindível.” (tutor D10).

Na opinião do aluno A9, o domínio de vários assuntos é importante na atividade de tutoria: “para mim a orientadora X foi quem mais se destacou. Porque está mais disponível para o curso e tem mais tempo de estudar. Também é dedicada porque não fala somente de uma área, abre um leque de conhecimento. A orientadora Y sabe a matéria e só”. Categoria 2: Capacitação do Tutor em Educação a Distância Quando se planeja a implantação de um curso a distância, um ponto crucial é a capacitação do tutor na metodologia educação a distância. Nessa categoria foram agrupadas as falas que destacam a importância dessa capacitação. Sobre a formação em educação a distância, o tutor D10 coloca:

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Um bom tutor deve ter formação em metodologia EAD e formação e capacitação para operar o Ambiente Virtual de Aprendizagem. Deve haver um curso de formação em tutoria, no qual sejam ensinados recursos de informática e forma de se expressar e se relacionar com os alunos no ambiente virtual.

Alguns tutores destacaram a importância de passarem pelo processo de educação a distância como alunos, o que possibilita vivenciar e compreender as funções e necessidades de cada um dos atores nesse novo cenário de ensino:

O curso de capacitação em tutoria da UFPR foi uma experiência fantástica e única, pois me ajudou a pensar como os alunos a distância, perceber as reais dificuldades deles, os prazos, a responsabilidade com as leituras e atividades. Isso me fez repensar o papel de tutoria (tutor D9).

Categoria 3: Tutoria em Processo Nessa categoria, foram agrupadas as falas relativas às percepções do processo de tutoria em si. Foi subdividida em duas subcategorias: Acompanhamento do Caminhar, que trata da avaliação dos tutores quanto ao comprometimento com o curso à capacidade de lidar com problemas; e Responsabilidade e Culpa, que trata da responsabilidade que o tutor sente em relação ao aprendizado do aluno, culminando na culpa pelo seu sucesso ou fracasso.

Subcategoria 3.1: Acompanhamento do Caminhar Tão importante quanto a formação e a capacitação do tutor é o acompanhamento do seu trabalho. Nessa subcategoria foram reunidas percepções dos participantes a respeito da avaliação do trabalho de tutoria e do papel da coordenação de tutoria nesse processo.

Moore e Kearsley (2007) defendem que um sistema de monitoramento é essencial para que se avalie, além do desempenho dos alunos, a participação do tutor diante das dificuldades encontradas, bem como toda a sua contribuição no processo de ensino e aprendizagem. Segundo os autores, não basta implantar uma metodologia e deixar que ela dê conta das eventualidades que surgirão no caminho. O tutor D16 destaca: “o que sinto é um comprometimento muito grande de todos os envolvidos e um acompanhamento muito de perto da coordenadora de tutoria o que penso ser fundamental para nós tutores”.

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Moore e Kearsley (2007) defendem que o acompanhamento do trabalho do tutor é vital na complementação de sua formação. Não basta prepará-lo para uma situação hipotética. É necessário observar, na prática, a sua reação, a forma como cada um lida com os alunos. O tutor D1 coloca que “gostaria de destacar o papel da coordenação e da secretaria do curso pela presença ‘em tempo real’ em toda essa trajetória, sempre nos acompanhando de perto e pela receptividade em todas nossas considerações”.

Os tutores detêm-se diante de possibilidades de exercer sua autonomia na orientação acadêmica, muitas vezes por insegurança, fruto da falta de experiência, por falta de tempo de se dedicar à pesquisa ou por medo de ousar. Dessa forma desenvolvem relações de dependência não apenas com o professor especialista, mas também com o material didático, as tecnologias utilizadas e as atividades indicadas. Sentir-se apoiado e acompanhado nesses momentos é fundamental no processo de construção de identidade e de aquisição de autonomia.

A coordenação de tutoria está sempre presente, recebemos orientações claras e objetivas, os assuntos são encaminhados com fluidez, as respostas são rápidas, os avisos e comunicados são transparentes e do conhecimento de todos. O entrosamento entre coordenação de tutoria e tutores é excelente, há um espírito de compreensão e boa vontade que norteia o relacionamento mútuo (tutor D30).

Subcategoria 3.2: Responsabilidade e Culpa A subcategoria Responsabilidade e Culpa reúne os discursos sobre a responsabilidade do tutor no processo de ensino e aprendizagem. Alguns tutores sentem-se culpados pelos resultados negativos dos alunos: “Se o aluno vai bem, consegue bons resultados, tenho a sensação de dever cumprido. E se ele vai mal, fico um pouco triste e procuro fazer uma reflexão sobre minha atuação, se falhei em algum momento e o que posso fazer para melhorar” (tutor D12). Outros acreditam que são apenas mediadores desse processo: “Como faço parte do processo de aprendizagem eu sou responsável por apenas parte dele, cabendo aos demais a outra parte” (tutor D7).

Quando se pensa na função do professor, o modelo que se tem internalizado é o de quem ensina, explica, sabe e proporciona todas as condições para que o conhecimento seja assimilado e construído. Essa

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imagem tende a ser erroneamente incorporada à imagem do orientador, como percebemos na fala do tutor D30:

O aluno é reflexo do tutor. O aprendizado dos alunos depende em grande parte da maneira como o tutor orienta a matéria. Se ele o faz desleixadamente, isso certamente vai refletir na avaliação do aluno (a nota será ruim, podendo até não ser aprovado). Mas, por outro lado, se o tutor cumpre a sua tarefa com esmero e dedicação, orientando corretamente a matéria, indo sempre além daquilo que está no fascículo, o aluno, por mais relapso que seja, vai acabar correspondendo.

A interação entre aluno e tutor é essencial no processo de ensino-aprendizagem. Quanto mais uma parte entender a outra, melhor será o resultado dessa relação. Para isso é importante que o tutor saiba incentivar o aluno a ter um interesse contínuo nas tarefas, atividades e conteúdos. Na fala do tutor D1:

Entendo que cabe ao tutor, seja ele, presencial ou a distância, participar do processo de aprendizado do aluno. Acredito que essas atividades precisam ser realizadas em um ambiente de envolvimento e proximidade com o aluno que vai além de um binômio pergunta e resposta. O tutor precisa estar realmente preocupado com o desempenho e sucesso do graduando. Mas, esse processo é conjunto e depende do empenho de todas as partes. O tutor precisa saber articular-se para apaziguar eventuais conflitos entre professor e aluno sem se posicionar em parte alguma. O que não significa que ele deva se furtar à discussão acadêmica, ao embate de ideias e à crítica.

O tutor precisa ajudar o aluno na sua ansiedade e expectativa em relação ao curso a distância, já que ele é o contato direto do aluno com a instituição. Moore e Kearsley (2007) defendem que “conhecendo essa ansiedade, uma das primeiras responsabilidades do instrutor consiste em tentar diminuir o nível de tensão”. Sabe-se que nos cursos a distância o índice de desistência é alto no início, incentivado pelo fator motivacional. Muitos alunos após certo período longe dos estudos decidem, por diversas razões, voltar a estudar. No entanto, ao se deparar com desafios próprios da metodologia educação a distância, o aluno perde a motivação inicial, desistindo prematuramente. O tutor D17 resume exatamente essa ideia ao escrever:

Muitos chegaram até nós como crianças assustadas e com vontade de desistir, vindo de uma educação completamente tradicional, em que o professor era um mero transmissor de conhecimento. O envolvimento faz parte de um trabalho em que ficamos muito

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próximos destes alunos, até as salas de orientação nos proporcionam esta aproximação. Acredito que se não houver aproximação, não há aprendizagem, seja o aluno criança ou adulto.

Categoria 4: Dificuldade de Adaptação Conforme já visto, a educação a distância pressupõe um novo paradigma de ensino. Não se pode mais enquadrar o ensino no tempo e espaço restritos da sala de aula. Na educação a distância, o tempo e o espaço são os alunos que fazem. A capacidade de adaptar-se ao novo é inerente ao ser humano, mas muitos ainda sentem dificuldade em trabalhar nessa nova metodologia depois de muitos anos de ensino tradicional. Cada uma dessas duas vertentes está descrita nas subcategorias a seguir: Parceria e Dependência e Tempo e Espaço. Subcategoria 4.1: Parceria e Dependência Enquadram-se nessa subcategoria falas sobre as parcerias no processo de ensino-aprendizagem em contraponto à dependência de alunos em relação aos tutores e destes em relação aos professores. Sobre a metodologia educação a distância (EAD) em contraposição à metodologia de ensino tradicional.

Para Rosini (2007), o paradigma tradicional do aprendizado parte do pressuposto de que a relação ensino/aprendizagem deve ser dada com base em um sujeito passivo e espectador do mundo. O paradigma tradicional de educação está enraizado na relação dos alunos com os professores, o que pode ser percebido na fala do tutor A1: “Os alunos colocam na cabeça que eu sou professora e que tenho que passar o conteúdo. Na verdade eles sentem o curso como se fosse presencial só que de 15 em 15 dias”. O tutor A3 afirma: “na verdade eles esperam que o orientador dê a fórmula do conhecimento” e o aluno A5 destaca: “Os orientadores acadêmicos são muito bons, mas dos três últimos destaco o orientador Z. Os orientadores X e Y motivam o conhecimento. Mas o orientador Z é conhecedor da disciplina. É show porque dá aulas. Não porque motiva”.

O tutor D9 complementa: “hoje, mesmo na educação a distância, os alunos querem um professor que lhes dê tudo pronto, respostas prontas, e isso tem dificultado as orientações. Estão acomodados com a estrutura presencial que também deveria ser de despertar as pessoas para a busca do conhecimento”. Essa dificuldade não é apenas dos alunos, como vemos na

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fala do tutor D8: “a maior dificuldade que encontrei foi porque eu estava acostumado a dar aulas”.

Usando uma expressão de Borba, Malheiros e Zulatto (2007), o professor precisa preparar-se para “professorar’’ em educação a distância (EAD). Em lugar de meramente ensinar, precisará aprender a disponibilizar múltiplas experiências, além de montar conexões em rede que permitam múltiplas ocorrências. Em lugar de meramente transmitir, será um formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador da experiência do conhecimento. O orientador A1 afirma: “todos querem um professor. Até mesmo o orientador tem dificuldade de conduzir suas atividades com autonomia. Precisamos que o professor esteja mais próximo, tamanha a nossa dependência”.

A educação a distância enfatiza a autonomia e a pesquisa, bem como a cooperação de pessoas envolvidas no processo de construção do conhecimento. O aluno A9 mostrou ter entendimento da metodologia educação a distância (EAD):

A qualidade maior do tutor é ter consciência do seu papel. Ele não é o professor da matéria, mas o debatedor. Não pode ser o indicador da resposta. Tem que se mostrar disponível, não só no plantão, mas a todo o momento. Por exemplo, sugerindo sites, revistas, materiais, filmes etc. que se relacionam com o conteúdo abordado.

Segundo Machado e Machado (2004), há uma tendência em se reproduzir metodologias presenciais na educação a distância, o que pode ser percebido na fala do tutor C4:

Não vejo necessidade de CDROM, filmes, até mesmo porque a prova é vinculada às apostilas e se a gente dispuser de muitos recursos para o conteúdo que nós temos e o tempo que nos temos de orientação, eu acho que seria inviável. O recurso que temos, internet e apostila, são suficientes principalmente por causa do tempo que temos de orientação e se surge uma determinada discussão em sala aquilo tudo pode te tomar o restante da aula e se você for entrar em determinado tipo de discussão poderá não dar conta de passar todo o conteúdo, sendo assim os recursos que a gente tem são suficientes.

Essa nova modalidade de ensino deve ser diferenciada, fugindo dos padrões de ensino presencial. No entanto, não é um processo tão simples, apesar da difusão tecnológica vivenciada atualmente. A estreita ligação entre os tutores é apontada como fórmula de sucesso. “Um tutor ajuda o outro, completa o outro, e isso garante maior agilidade e sucesso na mediação entre os alunos e a disciplinas” (tutor D12).

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A parceria tutor-aluno é um elemento fundamental de motivação pela conquista da autonomia. Entretanto, essa parceira pode gerar dependência, cumplicidade, laços afetivos exagerados ou desequilibrados. Essa dependência também pode ser desenvolvida em relação aos professores. Os tutores incorporam a insegurança dos alunos e culpam os professores, minimizando a sua participação e responsabilidade no processo (CERCATO, 2006). Essa relação de dependência pode ser percebida nas falas a seguir:

Apesar de ter um bom domínio e experiência com algumas disciplinas como Matemática Financeira e Planejamento, não sinto segurança para assumir a responsabilidade. Acredito que a figura do professor é essencial para o bom desenvolvimento da disciplina e aprendizado dos alunos (tutor D12).

O tutor D16 afirma:

Gosto de trabalhar com modelos e técnicas, sinto falta de uma instrução de como conduzir as orientações. Também gostaria que houvesse orientação específica para o tutor, detalhando quais os principais pontos a serem abordados, instruções sobre a resolução dos exercícios, etc.

O tutor não contesta o conteúdo sugerido pelo professor apesar de não concordar. O professor manda, ele obedece. Restringe-se a treinar o aluno para a prova. Na fala do tutor A1: “Eu senti as provas muito engessadas no sentido de colocá-los para pensar. Não sei até que ponto era a proposta do professor, porque ele que elabora a prova e não cabe à mim discutir”. O tutor sente-se inseguro sem ter o comando do professor na hora em que ele deve tomar as rédeas do processo. Na fala do tutor C3 isso também aparece:

Nem o professor A e nem professor B foram específicos nas orientações metodológicas para o trabalho em grupo. Eles focaram no conteúdo, porém não nos orientaram qual a melhor forma de trabalhar esses conteúdos durante as orientações. Os aspectos metodológicos ficam a critério dos orientadores juntamente com o apoio pedagógico. Sugiro que os especialistas participem do Moodle tirando dúvidas dos tutores e dos alunos. Assim diminuiria a distância entre todos e as respostas seriam confiáveis. O apoio do professor da disciplina seria fundamental para construirmos um ensino de qualidade.

Somente o professor é confiável? Somente o professor é capaz de ensinar com qualidade? O próprio tutor não sabe o que fazer se não tiver

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aulas. Não se sente capaz de orientar a disciplina e espera aulas do professor. O tutor C13 afirma:

A maioria dos professores só comentava o que deveríamos focalizar mais com os alunos. O ideal seria que fizessem igual ao professor de Economia, que montou vídeo aulas que nos fez relembrar o conteúdo por nós orientadores já estudado. Fica difícil orientar uma determinada disciplina que estudei há seis anos e não pratico no dia-a-dia.

Na fala acima, percebe-se, em alguns tutores, a mesma atitude passiva dos alunos. Para o tutor a distância D4, a função do tutor parece ter menos importância que a do professor:

Acho fundamental ter um professor. Tutor e professor têm funções diferentes e que se complementam. Porém, se uma dessas figuras deve sair de cena numa disciplina, acho que tem que ser o tutor e não o professor. Esse deveria agregar as duas funções, se fosse necessário.

Subcategoria 4.2: Tempo e Espaço Para Rurato (2008), o aluno da educação a distância (EAD) quer ter educação “a qualquer hora, em qualquer lugar”, levando as instituições de ensino a se desdobrarem para atender essa expectativa. Falas que remetem a tempo e espaço de aprendizado foram enquadrados nessa subcategoria. Apesar da tendência à utilização de recursos tecnológicos na educação, na prática a realidade é um pouco diferente. Entre as dificuldades citadas por alunos e tutores, a mais recorrente é a dificuldade de adaptação à metodologia educação a distância. O orientador A2 acredita que os encontros presenciais são o momento de “condução” do aluno em direção a um conteúdo que lhe será cobrado:

Infelizmente nós somos obrigados a ser conteudistas, principalmente por causa do fator tempo, que os encontros quinzenais são de uma hora e meia é a conta de conduzir o conteúdo que esta sendo pedido. É difícil achar tempo para discutirmos em sala de aula.

A adaptação às novas possibilidades de interação é uma dificuldade apontada pelos tutores: “Por mais que a gente tente incentivá-los a usar o Ambiente Virtual de Aprendizagem, os alunos preferem os meios convencionais” (orientador A2). Na fala do aluno A4, a seguir, percebe-se que ele acredita que o conhecimento só se constrói em um determinado lugar físico institucionalizado e com outra pessoa presente:

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“A desvantagem da educação a distância (EAD) é que me sinto um pouco abandonado em relação às dúvidas e aos problemas que você tem e não consegue tirar, porque não estamos sempre no local e por mais que seja por e-mail você só pode tirar quando se tem o contato direto com tutor.” Esse mesmo aluno tem dificuldade de adaptar-se ao processo de escola sem muros e sem a presença física do professor:

Bem eu nunca procurei esses tutores a distância, entrei só uma vez na plataforma, por falta de tempo e pela comodidade. Eu sei que deveria tirar algumas dúvidas com eles, mas, eu preferia discutir com os próprios tutores do pólo, pode ser até uma questão de comodismo da minha parte.

Outra fala ilustra a dificuldade de adaptação ao aprendizado desconectado do espaço físico.

No início do curso era mais fácil, mais tranquilo. Esse ano está mais apertado. Por isso venho ao pólo quase todos os dias de segunda a quinta-feira. Prefiro tirar dúvidas com tutor presencial. No ambiente virtual eu tenho como tirar dúvidas, mas prefiro ir até o pólo para encontrar como o tutor (Aluno A5).

Para alguns tutores, estar próximo fisicamente é diferente de estar próximo virtualmente. “o aluno considera o tutor como parceiro no caminho à aprendizagem, o envolvimento emocional acontece por vários aspectos, dentre eles destaca-se ser o tutor o único/principal representante da Universidade próximo a eles” (tutor D11). Também para alguns tutores, a distância física ainda é percebida como dificuldade. “A minha sugestão é que fossemos apresentados aos professores pessoalmente, para que houvesse uma maior interação entre todos e desta forma tornar mais humana nossa forma de trabalho” (tutor B3). CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando se pensa na função do professor, o modelo que se tem internalizado é o de quem sabe, quem proporciona todas as condições para que o conhecimento seja assimilado e construído. Essa imagem tende a ser erroneamente incorporada na imagem do tutor. O tutor idealizado é o responsável pela motivação do aluno na busca da construção do conhecimento por meio da pesquisa e da experimentação. A função de tutoria ainda está sendo construída, está em busca de uma identidade, de reconhecimento e valorização. Para isso é importante que práticas sejam avaliadas e resultados sejam disseminados.

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Da análise das entrevistas com alunos e orientadores do curso de Administração na modalidade a distância (EAD) da UFES, foi possível perceber que o tutor deve investir na sua formação. Não apenas no aprofundamento da compreensão dos assuntos que orienta, mas também no aprendizado constante sobre estratégias didáticas que auxiliem o aluno a adquirir autonomia na busca do conhecimento, confiança na sua capacidade de aprender e vontade de aprender. Isso é potencializado quando o orientador busca o compartilhamento de experiências com outros orientadores, uma vez que a metodologia é nova e os aprendizados recentes ainda não estão totalmente sistematizados.

Ser tutor é complexo e desafiador, pois, para a execução de suas funções, é necessário saber ouvir, saber conduzir diálogos respeitando as diferenças, saber motivar, saber questionar, saber aconselhar, saber avaliar e criticar. A relação de afetividade estabelecida entre orientadores e orientandos cria vínculos importantes, que passam a ser parte relevante do processo de educação, tornando-o mais construtivo, criativo e comprometido.

Para isso, o tutor precisa de tempo, dedicação, envolvimento e compreensão do seu papel e do papel dos demais participantes da rede, que é a base da educação a distância. Precisa de dinamismo e flexibilidade, ter vontade de aprender de forma contínua e colaborativa com alunos, professores e demais orientadores. Precisa querer se qualificar para exercer com competência essa nova e ainda pouco compreendida função. Cercato (2006) sugere a comparação do orientador com a figura do malabarista, um equilibrista das exigências do projeto pedagógico, do professor, dos alunos e da coordenação. Nesse processo, ele pode errar ou acertar, uma vez que nem sempre tem formação nem experiência adequadas a enfrentar tantos desafios. Também precisa de apoio psicológico e pedagógico que o auxilie a tratar com essa vastidão de situações que o sobrecarregam. Esse apoio deverá ser buscado com o professor, a coordenação do pólo, a coordenação do curso e, quando houver, a coordenação pedagógica ou de tutoria.

A dificuldade em adaptar-se ao novo pode influenciar o desenvolvimento mais eficiente do curso de Administração na modalidade a distância (EAD) oferecido pela UFES. Compreendendo essa realidade, vislumbram-se possibilidades de intervir no processo em seu aspecto cultural e pragmático, a fim colaborar no aprimoramento do curso e da modalidade. Para que seja possível a implantação da orientação acadêmica conforme preconizado e de certa forma idealizado na teoria, é necessário muito diálogo e compreensão da dimensão inovadora da

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educação a distância, para que seja possível a superação de hábitos adquiridos por alunos, tutores e professores nos seus processos de formação na educação tradicional. REFERÊNCIAS

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DADOS DOS AUTORES JULIA SCHAETZLE WROBEL ([email protected]) Formação: Doutorado em Matemática Aplicada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada Instituição de vinculação: Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Educação, Ensino de Matemática, Ensino a distância. TERESA CRISTINA JANES CARNEIRO ([email protected]) Formação: Doutorado em Administração pelo Instituto COPPEAD/UFRJ Instituição de vinculação: Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Administração, Educação e Inovação. WANEIDE DE SOUSA PALMA ([email protected]) Formação: Bacharel em Administração Instituição de vinculação: Universidade Federal do Espírito Santo Linhares/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Ensino a Distância e Consumo Infantil. LEMUEL BRASIL AGUIAR ([email protected]) Formação: Bacharel em Administração Instituição de vinculação: Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Tecnologia da Informação e Ensino a distância. Recebido em: 02/11/2009 • Aprovado em: 21/08/2010

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A COMPARAÇÃO DOS PROCESSOS DE ACOMPANHAMENTO ACADÊMICO E DE ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO EM DUAS UNIVERSIDADES

BRASILEIRAS E DUAS ESTRANGEIRAS

A COMPARISON OF THE ACADEMIC MONITORING AND BUSINESS MANAGEMENT TEACHING PROCESSES AT TWO BRAZILIAN AND TWO

FOREIGN UNIVERSITIES

SERGIO BULGACOV ([email protected]) UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DIEGO ITURRIET DIAS CANHADA COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA

YÁRA LÚCIA MAZZIOTTI BULGACOV UNIVERSIDADE POSITIVO

RESUMO Esta investigação desenvolve estudo exploratório descritivo sobre o ensino de administração em quatro universidades, duas brasileiras e duas estrangeiras. Caracteriza as atividades relacionadas à gestão acadêmica e organizacional do ensino nessas universidades. O procedimento metodológico de pesquisa fundamenta-se em abordagem interpretativa, envolvendo estudantes, professores e gestores universitários que conhecem ambas as realidades envolvidas na investigação e levando-se em conta apenas as informações da pesquisa consideradas como unânimes pelos participantes. Compreendeu-se, pelos indícios, que o ensino de administração nas duas universidades brasileiras é percebido por cometer falha significativa nos processos pesquisados, comprometendo, inclusive, o preparo na profissionalização dos alunos. Verifica-se, portanto, a necessidade de repensar a institucionalização e os diferentes papéis da gestão acadêmica, principalmente no que diz respeito não apenas ao conteúdo e aos processos de ensino, mas também à dinâmica da estrutura acadêmica e da avaliação Palavras-chave: gestão acadêmica; abordagem interpretativa; profissionalização; ensino de administração

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ABSTRACT This paper develops a descriptive explorative study on business management teaching at four universities: two in Brazil and two outside its borders. It seeks to characterize the activities related to the academic administration and organizational management of the teaching processes at these universities. The research methodology adopted is based on an interpretative approach involving university students, professors and members of the administration who know both sides of the realities involved in the investigation and only takes into account results approved unanimously by the participants. The indices point to the teaching of business management at the two Brazilian universities as being perceived to contain significant faults in the processes researched, even to the extent of compromising the students’ preparation for professional inclusion. Thus, it is concluded that there is a need for restructuring the process of institutionalization and rethinking the various roles played by the academic administration, especially as regards not only the content and teaching processes, but also the academic structure and assessment dynamics. Keywords: academic management; interpretative approach; professional preparation; teaching process in business administration INTRODUÇÃO O texto de Gouldner (1957), “Cosmopolitans and Locals: toward an analasis of latent social roles”, estimulou este trabalho para a reflexão sobre os meta comportamentos organizacionais de duas universidades brasileiras e estrangeiras, tendo como foco as atividades relacionadas à gestão acadêmica e organizacional do ensino de administração no Brasil. Justifica-se, em parte, respaldado no pressuposto de que o ensino de administração em todo o mundo está relacionado a promessas de adequada profissionalização dos alunos e de consequente melhoria da efetividade das organizações que os contratam. A expectativa é que os principais atores dessa recursividade, do desenvolvimento e das mudanças obtidos com o trabalho desenvolvido no ensino de administração sejam os profissionais e suas organizações, que passam a incorporar princípios, métodos, tecnologias de gestão, comercialização e produção obtidas após a formação universitária.

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Independente dos efeitos associados ao desempenho desses profissionais e de suas empresas tem-se a possibilidade, por meio deste estudo exploratório descritivo, de identificar diferenças nos padrões organizacionais de ensino de gestão em outro país e no Brasil, como referência de debate e crítica para futuros estudos, principalmente para as faculdades de Administração no Brasil. Assim, justifica-se a escolha das universidades, alunos, professores e gestores universitários envolvidos, que tenham conhecido e acompanham a realidade brasileira e a realidade externa, para prestar suas contribuições às universidades brasileiras que oferecem cursos de administração. Salienta-se que não se parte de uma abordagem valorativa, em que se apresenta o modelo estrangeiro como ideal e tenta-se identificar como estão as universidades brasileiras em relação ao modelo. Cada sistema possui suas particularidades que dizem respeito à sua própria construção histórica e à concepção de universidade vigente em cada país. O estudo aqui realizado busca identificar as diferenças entre o ensino de Administração nos dois contextos, baseando-se na interpretação de indivíduos que conhecem as duas realidades, para caracterizar suas principais diferenças e contribuir para o ensino de Administração no Brasil.

Seguindo este pressuposto, o problema de pesquisa que delineia o objetivo geral pode ser descrito como: Caracterizar as principais diferenças organizacionais e de resultados acadêmicos entre os processos de ensino, de planejamento institucional e de acompanhamento de alunos de administração de duas universidades brasileiras e de duas estrangeiras comparativamente, em conformidade com a percepção de estudantes, professores e gestores universitários envolvidos em ambas as realidades.

A opção de investigar universidades brasileiras e estrangeiras reveste-se de significado em si. Primeiro por tratar de visão comparada, sem inclusão de fator valorativo de uma perspectiva ou outra. A segunda diz respeito ao ensino de administração por universidades como elemento de troca sócio-econômica em suas respectivas comunidades, tendo em vista, principalmente, a origem do ensino de administração nos primeiros cursos criados no Brasil, que tiveram como referência instituições norte-americanas. O terceiro diz respeito à crescente importância do ensino de administração em ambos os países, ampliando cada vez mais sua importância quantitativa e qualitativa na sociedade e na economia. E, por último, observa-se que as universidades têm experimentado mudanças expressivas em suas formas e crescimento com reflexos em seus processos de ensino e, consequentemente, em seus conhecimentos e práticas.

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A RELEVÂNCIA DOS MECANISMOS ORGANIZACIONAIS DO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO

O aumento significativo de escolas de administração no Brasil e no resto do mundo pode ser justificado de diferentes maneiras: interesses econômicos, políticos, sociais e de formação profissional (RAMOS, 2004). Não se pode questionar a importância da formação de administração para a profissionalização de seus participantes. Klein (2004) investigou o impacto da formação universitária em administração sobre a capacidade de tomada de decisões efetivas baseadas em probabilidades com 940 estudantes e formandos de graduação e pós-graduação. Identificou que o aumento do nível acadêmico de graduação para o nível de mestrado amplia a capacidade objetiva dos aspectos da decisão. Os alunos com maior formação demonstraram maior capacidade nas abstrações dos que os com menor formação.

Entre essas e outras justificativas, amplia-se o crescimento quantitativo dos cursos de graduação, especialização, mestrados e doutorados, tanto no Brasil como em toda América Latina. Desde a criação das escolas precursoras de gestão na década de 1950, com a Fundação Getúlio Vargas, muitos projetos educacionais têm sido desenvolvidos por universidades regionais e locais. Apesar da falta de dados acurados, não há dúvidas de que o ensino de administração tenha crescido significativamente na região nos últimos anos, acompanhando a abertura econômica e o desenvolvimento dos países, assim como a necessidade de gerentes profissionais com compreensão de negócios em um mundo de mercados abertos.

De fato, há centenas de escolas de administração juntamente com seus cursos de pós-graduação stricto e lato sensu. Alguns analistas argumentam que essa qualificação passa pelo risco de desqualificação no mercado de trabalho pelo baixo nível de ensino apresentado (RAMOS, 2004; FANELLI, 2000). O crescimento de fato tem sido caótico e há dúvidas em relação à qualidade dos cursos oferecidos. Há evidências de que embora tenha sido enorme o crescimento desses cursos nos últimos anos, a qualidade de ensino não segue o mesmo caminho. Há grande confusão sobre o que o de fato o ensino de gestão é, em especial com a grande oferta de cursos de graduação em administração com sua variedade de especializações e estruturas curriculares. O que os estudantes devem esperar dos programas e quais os padrões de qualidade são essenciais para a preparação e o desenvolvimento de um curso adequado.

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Além disso, estudos chamam a atenção para a natureza alienígena na formação dos cursos de administração, na perspectiva norte-americana, e sua consolidação no ensino na América Latina. No entanto, distinção significativa se faz no controle brasileiro de qualidade nos Programas de Pós-Graduação stricto sensu, constantemente auditados pela agência governamental Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (BRUCE; SOMBRA; CARRILLO, 2003; RAMOS, 2004). No entanto, há indicação que é necessário ir além, pois o ensino de administração é estruturado para atender as necessidades de seu modelo de influência, ou seja, não é delineado especificamente para atender as necessidades locais e regionais que o representam sócio economicamente.

Estudos apontam que a natureza da definição da missão dos modelos de educação em administração não deve apenas ser conduzida por modelo dito holístico e integrado de negócio, atendendo habilidades genéricas de trabalho e as necessidades futuras também genéricas dos alunos, pois assim definem um modelo de ensino baseado em generalidades, ignorando todas as necessidades e habilidades locais. Com esse argumento, muitos pesquisadores já investigam o papel do sistema de educação nas economias em processo de forte transição (CONTRERAS; RUFF, 2002; RENAULT-LESCURE, 2000). Os pressupostos desses estudos indicavam que as instituições educacionais, nos países em desenvolvimento, iriam desenvolver programas de ensino que dariam suporte e apoio às mudanças necessárias. No entanto, mostrou-se que isso não ocorre como o esperado. Por exemplo, Alwireeng-Obeng (2000) e Luthans e Ibrayeva (2000) descrevem o debate nacional da visão da estrutura econômica e da educação da África do Sul e a extinta República da União Soviética, respectivamente. Enquanto a opinião pública dava apoio à transição de um governo e sistema educacional centralizado, as instituições educacionais e suas estruturas demonstravam ser mais vagarosas em acompanhá-las. Um exemplo da inércia de adaptação do processo de ensino das universidades brasileiras pode ser sentido com o rápido desenvolvimento da agricultura e da agroindústria, no início do século, onde o papel das escolas de Administração neste processo pode ser considerado insignificante.

Os estudos, de fato, indicam a natureza centralizada e lenta por parte das organizações de ensino; as empresas, por sua vez, como principais usuárias do conhecimento gerencial, desenvolveram e desenvolvem suas próprias estruturas de ensino alheias às estruturas tradicionais para o crescimento de seus funcionários. O ensino prestado por muitas universidades tem sido percebido, em muitos casos, como

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decadente, frente à capacidade de treinamento das organizações aos seus funcionários. Detlef (1995) relata que os negócios privados estão décadas à frente das universidades em relação à tecnologia de ensino de gestão. Hook (2002) colabora no mesmo sentido, referindo-se ao efeito da falta de habilidade das universidades no ensino de gestão, relacionando esse fenômeno com a falta de competitividade das empresas da Inglaterra. De modo geral, Lopes (2002) destaca que no Brasil há o reconhecimento da importância do valor agregado por qualquer formação superior; no entanto, há evidências empíricas de que os administradores recém- formados enfrentam o mercado de trabalho com insegurança e, quase sempre, são incapazes de uma inserção competitiva nas funções típicas de administradores profissionais.

Nesse sentido, Yonker (2003) aponta que as instituições de ensino deveriam olhar para o ambiente, para os recursos e necessidades locais, para a linguagem do treinamento oferecido pelas organizações. Com isso, essas instituições possuiriam uma base mais sólida na construção do ensino de administração e da relação da faculdade com os seus stakeholders (alunos, professores, administradores, empresários e comunidade). Uma vez que esses fatores sejam compreendidos, um programa adaptado a essas circunstâncias irá atender a necessidade de todos os participantes. O autor também ressalta a necessidade de melhoria do processo de inspeção do ensino por meio do envolvimento do setor de negócios e de representantes da comunidade no estabelecimento das agendas do ensino de gestão.

A RELEVÂNCIA DOS PROCESSOS, MÉTODOS E RELAÇÕES DE ENSINO Como visto, pode-se partir de diferentes abordagens organizacionais para tratar do tema ensino de administração. O caminho aqui escolhido procura privilegiar, primordialmente, as principais tensões que marcam as diferentes abordagens na relação aluno e formação e as principais características e orientações dos sistemas de ensino, ou seja, as principais características do ensino da administração percebidas pelos participantes do processo de aprendizagem. Essas definições permitem ressaltar algumas das principais abordagens e investigações presentes no campo, para orientar o delineamento de uma proposta de investigação que possa contribuir para o avanço do conhecimento sobre o ensino de administração no Brasil. Investigadores apontam para as situações de interatividade, pluralidade, velocidade, descontinuidade, enfraquecimento de fronteiras, nomadismos, fluidez e interdependência enraizando-se nos

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sistemas sociais e organizacionais, tornando-se fundamental desenvolver e formar gestores e profissionais de todos os níveis que se sintam relativamente confortáveis com o que fazem e que sejam competentes em lidar com situações de ambiguidade, diversidade e mudança permanente (DAVEL; VERGARA; GHADIRI; FISCHER, 2004).

Para fazer frente a esses desafios, Borba, Silveira e Faggion (2004) descrevem uma tentativa de promoção de ações inovadoras nos métodos de ensino utilizando metodologias interacionistas e construtivistas. Ou seja, é com base nas interações que o sujeito passa a construir a sua aprendizagem. É apoiado na experiência que o conhecimento organiza-se, explica-se e estrutura-se. As trocas sociais são condições necessárias para o desenvolvimento do pensamento, pois o conhecimento é construído pelo sujeito da ação sobre o objeto e na interação que ocorre. Segundo os autores, neste modelo já não cabe o papel do simples difusor do conhecimento, como o professor tradicional, mas, surge a necessidade do papel do incentivador da aprendizagem e do pensamento crítico autônomo. O professor precisa deslocar sua competência para incentivar a aprendizagem e o pensamento. Precisa, principalmente, desenvolver as competências e habilidades dos alunos.

Como argumenta Vergara (2003), o objetivo da educação e, certamente do educador, é o de facilitar o autoconhecimento do educando, como ser pensante e construtor de sua vida, sujeito de seu existir, participante ativo da construção, reconstrução e sustentação da realidade social. A autora descreve a atualidade das preocupações de Piaget frente a três acontecimentos determinantes na necessidade de se rever os métodos de ensino em 1935: o aumento vertiginoso do número de alunos; a dificuldade de recrutamento de pessoal docente qualificado; e o conjunto de novas necessidades econômicas, técnicas e científicas da sociedade.

Percebe-se que essas preocupações continuam a existir, talvez até acentuando-se em nossa época. No entanto, observam-se mais problemas do que soluções no campo, apesar da clareza do pensamento pedagógico descrito. Identificam-se problemas institucionais graves tanto em termos organizacionais como aqueles que envolvem a relação pedagógica entre professor e aluno. Marra e Melo (2005), analisando as ações e os trabalhos dos gestores universitários em uma instituição universitária, revelam que as atividades gerenciais estão diluídas e incorporadas em práticas sociais, realizadas sem planejamento, onde impera o imediatismo e o improviso. Algumas peculiaridades da gestão tais como cargo colegiado, disfunções burocráticas, fatores políticos, jogo de poder, falta de formação administrativa, administração dos pares, caráter transitório

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do cargo e a própria cultura da universidade aumentam o caráter contraditório e os conflitos inerentes à função gerencial. Os autores, citando Cavedon e Fachin (2000) a respeito das dificuldades do planejamento, identificam que os processos apenas ocorrem para acolher as recomendações das comissões, referendarem os atos executivos e acatar as decisões tomadas nas instâncias acadêmicas, pois todos os ocupantes dos cargos executivos são professores e, portanto, retornarão ao mesmo ambiente de seus pares. Marra e Melo (2005) afirma que as atividades de gestão universitária se somam, como agravante, às atividades de docente e de pesquisadores, acarretando sobrecarga de trabalho. Além disso, a postura de se evitar conflitos e tentar conversar e negociar é utilizada pelo gerente universitário no que se refere ao uso de sua autoridade. De maneira geral, a política de não enfrentamento é um recurso para a sua manutenção no cargo, tendo na gestão de pessoas a principal fonte de conflitos e pressão. A administração de grupos - principalmente seus pares docentes, muitos com interesses divergentes – com o objetivo de fazer com que trabalhem em equipe é, além de fonte de conflito, um desafio gerencial.

Lopes (2002) destaca ainda a gravidade da ineficácia da estrutura organizacional das universidades, pela separação entre a preocupação acadêmica e os problemas essencialmente administrativos funcionais. Os problemas são agravados ainda pela inconsistência existente entre algumas concepções culturais que coexistem com a estrutura anacrônica das IES, somada às insatisfações dos alunos e à desmotivação dos professores. Para o autor, verifica-se a necessidade de reformulação dos projetos pedagógicos dos cursos de administração, tanto em suas estruturas curriculares de formação profissional, como na adoção de práticas didático-pedagógicas efetivas de superação das dificuldades relacionadas à fragmentação disciplinar do ensino.

METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA Este estudo buscou consistência metodológica que dê suporte à abordagem multinível do ensino de administração, com o levantamento de dados baseados na representação social de estudantes, professores e gestores universitários de duas universidades brasileiras e duas estrangeiras. A abordagem é constituída do referencial cognitivo-interpretativista (BASTOS, 1999), associado à teoria das representações sociais. Nessa abordagem, parte-se das contribuições da abordagem cognitivista da psicologia e da psicologia social para maior entendimento

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dos processos organizacionais. Se nas abordagens psicanalíticas pode-se dizer que o foco principal de estudo é o inconsciente e nas correntes behavioristas é o comportamento, na abordagem cognitivista o foco incide sobre a mente humana e os mapas/esquemas que permitem que um indivíduo faça uma “leitura” da realidade e aja de acordo com a interpretação que possui de determinada situação. Ou seja, o pensamento humano e a interpretação da realidade são objetos legítimos da psicologia cognitiva, assim como as representações internas e subjetivas necessitam ser consideradas para um melhor entendimento das interações que dão forma aos processos organizacionais (BASTOS, 1999). Com base nesse referencial, justifica-se uma metodologia de pesquisa qualitativa que dê ênfase significativa na representação que professores, estudantes e gestores universitários possuem nessas duas realidades estudadas.

A pesquisa envolveu a realização de quatro estudos de casos, sem implicar em comparação valorativa, de duas universidades brasileiras e duas norte-americanas que são, cada uma, representativas nas suas áreas acadêmicas. Cada uma delas possui mais de 35 mil alunos e mais de 1500 professores e atuam em atividades acadêmicas e projetos comuns entre si permitindo eventuais trocas de alunos e professores entre as instituições. A pesquisa, de natureza descritiva e exploratória, envolveu experiências de ensino e aprendizagem específicos, seus fatores de influência e contexto de aplicação. Os estudos de caso utilizaram entrevistas com uso de roteiro semiestruturado, observação não participante e uso de dados secundários obtidos de atas e demais materiais departamentais. A triangulação dos dados e das fontes permitiu suporte substancial para fazer frente aos limites impostos à investigação qualitativa (YIN, 1989), envolvendo a pesquisa de campo, a observação e a análise documental, principalmente de relatórios dos estudos e visitas técnicas efetuadas. O processo de análise dos dados abrangeu o tratamento do conteúdo das entrevistas e documentos para a leitura das categorias de análise.

O nível de analise organizacional caracterizou-se como estudo extensivo que toma como unidade de análise os alunos, professores e gestores universitários brasileiros e norte-americanos. É importante destacar que todos tiveram experiência de ensino de mais de quatro meses em várias disciplinas em pelo menos uma das universidades brasileiras e uma das norte-americanas. No total, foram entrevistados 36 estudantes sendo 16 brasileiros e 20 norte-americanos escolhidos por terem participado recentemente de cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e nos Estados Unidos em duas das quatro universidades brasileiras e americanas pesquisadas. Foram entrevistados 12 professores, sendo

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cinco professores americanos e sete brasileiros, que tiveram participação ativa no ensino e em projetos comuns entre as universidades participantes da pesquisa; e oito gestores universitários, sendo seis norte-americanos e dois brasileiros, que atuam nos processos de avaliação de programas conjunto de ensino, pesquisa e extensão, convivendo constantemente com estudantes e professores das quatro universidades aqui representadas. Todos os alunos, professores e gestores universitários contatados foram amplamente favoráveis a colaborar com a presente investigação. As coletas de dados foram conduzidas nos Estados Unidos e no Brasil.

O nível de análise organizacional, de corte transversal, buscou fornecer descrição de como o contexto do ensino se apresenta, bem como as principais características das universidades dos dois países. Dois elementos minimizam possíveis problemas decorrentes dos limites metodológicos da investigação: os indivíduos participantes da pesquisa pertencem a uma população conhecida, documentada e de fácil acesso; o instrumento básico de levantamento de dados nas entrevistas, observação e análise de conteúdo dos documentos consistiu em roteiros semi estruturados para cada grupo de participantes, que orientaram toda a fase de coleta e análise dos dados. O questionário foi obtido pela composição dos fundamentos que orientaram a análise dos dados e da experiência anterior com os convênios, os alunos e os professores participantes dos programas e dos processos de ensino.

SÍNTESE DOS DADOS COLETADOS A seguir, são descritos os dados coletados das entrevistas, observações e documentos que, consolidados, representam a opinião de todos os respondentes e destacadas como efetivas nos documentos e observações conduzidas. Os autores desta investigação, face aos dados disponíveis, optaram, preliminarmente, por apresentarem apenas os fatos considerados como unanimidade por todos os respondentes.

Quanto aos processos e métodos de ensino Em ambas as universidades brasileiras, é evidente a ausência, por parte da maioria dos professores de programas de ensino, do seu claro delineamento e cumprimento do conteúdo e das futuras cobranças em provas e exames. Geralmente, os professores mostram posicionamento centralizador na relação aluno-professor, podendo ser interpretado como arrogante e prepotente em sala de aula quando na posição de discussão e

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conteúdos dos temas. Há fortes indícios de comportamento centrado no autoritarismo tradicional. A cobrança de conteúdo nas provas e exames raramente é definida de forma transparente e objetiva para os alunos. Há falta de compromisso dos professores com horário em sala de aula. Utilização excessiva de avaliação em grupo, tornando subjetiva e imprecisa a avaliação individual. O tratamento dos professores é mais informal em relação a esses aspectos.

O plano de aula, cumprimento do conteúdo, bem como o tema referente a cobranças em provas e exames é tratado formalmente pelos professores estrangeiros. O conteúdo do plano de aula é definido em nível departamental e articulado entre os seus docentes. Cada docente disponibiliza o seu programa de modo discriminado, com destaque ao conteúdo, o material bibliográfico, o método de ensino e o mecanismo de acesso ao conhecimento para as avaliações. O plano de aula é detalhado e meticulosamente cuidadoso em relação ao conteúdo e à avaliação. As exigências a serem feitas aos alunos são claramente especificadas. Em alguns casos, cuidados com as expectativas dos alunos em relação ao conteúdo e exigências da disciplina são excessivos. Expectativas frustradas dos alunos quanto ao conteúdo e à avaliação são consideradas institucionalmente como problema. Quanto ao planejamento institucional e processos inerentes Os planejamentos institucionais das duas universidades brasileiras são inexistentes ou não afetam direta ou indiretamente o dia-a-dia e mesmo as programações de médio e longo prazo dos respondentes. Não há referências substanciais ou aplicadas nos documentos e nos relatórios das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Não há evidências do envolvimento dos dirigentes acadêmicos, representantes da comunidade profissional, professores e alunos na programação de longo e médio prazo dos processos e atividades de ensino, pesquisa e extensão, tanto em termos de planejamento como de avaliação de resultados. Aparentemente, não há comprometimento com a visão e o planejamento estratégico, assim como com as ações e os resultados acadêmicos. Não se evidencia ou não se sabe o caminho e o resultado em termos de ensino e profissionalização. O foco institucional, sua programação ou problematização, aparentemente é apenas de curto prazo.

Nas universidades estrangeiras, representadas no estudo, os planejamentos de longo e médio prazo são institucionalizados e afetam o dia-a-dia da comunidade acadêmica. As atividades funcionais estão

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relacionadas de modo a afetar e relacionar as atividades do dia-a-dia dos docentes e discentes e em relação às estratégias de ensino, pesquisa e extensão. Os resultados acadêmicos são avaliados comparativamente entre universidades pares e, continuamente, por meio de atividades de pesquisa e de sala de aula, com o envolvimento do professor e do aluno. Como por exemplo, na busca por melhoria na posição de uma das instituições pesquisadas em dez anos, de décima sexta para a décima posição. Há o conhecimento e a expectativa do envolvimento de todas as atividades institucionais que incluem alunos e professores para o atendimento deste propósito. Neste caso, a avaliação dos resultados, que afetam cada unidade organizacional e disciplina, se dá sistematicamente com evidente aproveitamento empírico em termos de aperfeiçoamento dos processos acadêmicos.

A contextualização profissional do ensino e acompanhamento dos alunos Nas universidades brasileiras pesquisadas, não se evidencia a preocupação com a profissionalização do aluno, a não ser pela iniciativa individual do corpo docente, fato este observado como raro e não institucionalizado. O sistema de ensino não acompanha os alunos após a formação e a sua inserção profissional. Não há dados para isso e, portanto, não há planejamento e mudanças contingenciais do programa de ensino e inserção acadêmica orientadas para o contexto. No que tange aos aspectos relacionados ao dia-a-dia dos alunos, há falta de apoio institucional e orientação aos alunos. Não há orientadores acadêmicos e profissionais. As informações são prestadas apenas nas secretarias de ensino, por pessoal com boa vontade, mas sem treinamento para essa finalidade.

Nas duas universidades estrangeiras pesquisadas, a avaliação contínua das aulas e os dados obtidos dos alunos formados e a análise comparada com outras universidades definem as metas operacionais que fazem parte dos objetivos estratégicos das universidades. É parâmetro fundamental durante o processo de escolha das universidades a estudar, por parte dos alunos, as avaliações obtidas pelas universidades. A pontuação é reconhecida como parâmetro de seleção profissional e a formação orientada para a profissionalização. As universidades têm obtido maior possibilidade de escolha dos melhores alunos em virtude da grande procura. Assim, a melhora nos índices da avaliação acadêmica amplia a empregabilidade dos alunos. Tendo em vista que o aumento no

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índice de contratação pelas organizações de alunos oriundos de uma determinada universidade melhora o índice da universidade, fecha-se o ciclo entre a formação e a profissionalização. As universidades americanas enfatizam a comparação externa como mecanismo de decisão. As instituições e os seus respectivos departamentos avaliam comparativamente as suas estruturas e o seu desempenho com outros departamentos similares de universidades consideradas como pares. Os textos utilizados pelos professores são avaliados continuamente. Não há qualquer evidência que o mesmo ocorra nas universidades brasileiras, a não ser individualmente, por iniciativa do próprio professor; não institucionalmente.

Destaca-se, novamente, que os dados coletados, que não representam unanimidade por parte dos respondentes, não foram considerados. Surpreendentemente, não houve qualquer consideração a respeito da diferença de recursos e facilidades de ensino entre as universidades dos dois países, conforme esperado inicialmente. As considerações dos respondentes mantiveram-se restritas às questões organizacionais e comportamentais.

ANÁLISE E CONCLUSÃO Com base em diferentes abordagens para tratar do tema ensino de administração, o caminho aqui escolhido procurou privilegiar as principais tensões do ensino, do planejamento institucional e do acompanhamento do aluno percebidos por alunos, professores e gestores após o processo de ensino. Marcando, assim, as diferentes abordagens na relação aluno e formação e as principais características e orientações dos sistemas de ensino, ou seja, as principais características do ensino de administração percebidas pelos participantes desta pesquisa. Todos os respondentes foram unânimes em reconhecer que a efetividade da aprendizagem envolve aspectos ligados ao processo e método utilizado para o ensino. Nas universidades brasileiras, as tensões que marcam as diferentes abordagens na relação com o aluno, dizem respeito à qualidade da formação. As principais características e orientações dos sistemas de ensino, ou seja, os processos e métodos de ensino possuem relevância fundamental. As universidades norte-americanas também possuem suas tensões e problemas com graus significativos de dificuldades diferentes daqueles identificados nas universidades brasileiras.

A intenção desta investigação é evidenciar o que é de fato percebido pelos professores, gestores e alunos em termos comparáveis

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entre as quatro universidades pelos participantes da pesquisa. Dessa forma, o contexto da aprendizagem para os professores e para os alunos foi identificado como fundamental para os adequados resultados do processo de aprendizagem por todos os participantes. É necessário compreender de modo crítico e agir com a preocupação de Reeves-Ellington (2003), porquanto as organizações e as universidades estão se tornando mais relevantes na sociedade e em seu envolvimento com as suas comunidades. Identificou-se, perceptivamente, que o ensino de administração falha no preparo dos profissionais em suas futuras atuações sociais em ambiente locais e ou complexos. Questiona-se, assim, para estudos futuros, se as instituições educacionais no Brasil são capazes de responder, por meio do desenvolvimento de programas de ensino, suporte e apoio às mudanças organizacionais e institucionais necessárias? Ou, se são promovidas as constatações de Alwireeng-Obeng (2000) e Luthans e Ibrayeva (2000) descrevendo também as condições nacionais, onde as instituições e suas estruturas mostram lentidão no acompanhamento às exigências a novos e necessários conhecimentos para o ajustamento à sua própria realidade, de modo crítico?

Há cada vez mais o afastamento entre a comunidade e as instituições tradicionais de ensino, tendo como consequência um contexto em que as organizações desenvolvem suas próprias estruturas de ensino, alheias às estruturas tradicionais para a formação de seus funcionários. Para as instituições de ensino cumprirem seu papel, devem monitorar o ambiente, reconhecer os recursos e as necessidades locais, adequar o conteúdo e a linguagem de ensino, construir a base para o conhecimento em administração e a relação da escola com os seus stakeholders (alunos, professores, administradores, empresários e comunidade). Conforme destaca Yonker (2003), quando esses fatores forem compreendidos, o planejamento e as organizações podem se tornar adaptadas a essas circunstâncias, atendendo as necessidades de todos os participantes.

Reconhecidas por todos os participantes as situações de complexidade ambiental e de formação, é fundamental desenvolver gestores que se sintam confortáveis com o que fazem e que sejam competentes para lidar com situações de ambiguidade, diversidade e mudança permanente descritas por Davel, Vergara, Ghadiri e Fischer (2004). Apesar da clara e lógica descrição de Borba, Silveira e Faggion (2004), que busca favorecer as instituições na promoção de ações inovadoras nos métodos de ensino mais interacionistas, como também no crescente reconhecimento de que sujeito e objeto do conhecimento devem estar em constante troca com o meio ambiente por meio de processos

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interativos indissociáveis, verifica-se, pela experiência das duas universidades brasileiras, haver impedimentos organizacionais e comportamentais, para que os conhecimentos das experiências bem sucedidas de ensino evoluam e institucionalizem-se. Ao contrário do preconizado por Vergara (2003), onde o docente atua criando condições de ensino que venham a deslocar sua competência para incentivar a aprendizagem e o pensamento pela clareza de seus objetivos, métodos e procedimentos de avaliações. Nesse caso, o papel de grande parte dos docentes das escolas de administração brasileira, aparentemente restringe-se apenas à difusão do conhecimento como professor tradicional e centralizador.

Há fortes evidências pelos dados obtidos, que as observações de Marra e Melo (2005) concretizam-se na revelação de que entre as atividades gerenciais não há planejamento efetivo, imperando o imediatismo e o improviso. Evidencia-se a postura de se evitar debates e confrontos entre posições acadêmicas divergentes ou não. Os dados colocam também em destaque a posição de Lopes (2002) quanto à gravidade da ineficácia da estrutura organizacional das universidades pela inexistência de ações planejadas e pela histórica separação entre a preocupação acadêmica e os problemas essencialmente administrativos funcionais. A inconsistência existente entre as ações e os hábitos acadêmicos tradicionais é agravada pela incapacidade de convivência entre os diferentes níveis e unidades organizacionais das universidades, com a dinâmica e condições ambientais que envolvem a realidade das organizações e seus profissionais. Isso se soma à evidente insatisfação dos alunos e à desmotivação dos professores. Verifica-se, assim, a necessidade de se repensar os diferentes papéis da universidade e da gestão acadêmica, principalmente no que diz respeito à inserção de conteúdo e dos processos acadêmicos dos cursos de administração, considerando a complexidade da inserção institucional junto ao seu contexto. Bem como, da dinâmica estrutural vertical e horizontal, levando em conta os conselhos e conselheiros efetivos, os formandos e suas realidades profissionais e, principalmente, a institucionalização das experiências bem sucedidas de aprendizagem e formação.

Como investigação exploratória, este trabalho apresenta mais questionamentos do que posicionamentos conclusivos. Entre outras sugestões de pesquisas futuras já apresentadas, questiona-se também, de que maneira o ensino prestado pelas universidades tem sido percebido como decadente ou desenvolvimentista por seus inúmeros grupos de interesse? Há, como afirmam Detlef (1995) e Hook (2002), referindo-se

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ao efeito da falta de habilidade das universidades no ensino de gestão, prejuízos sócioeconômicos para os públicos e comunidades atendidos pelos programas e cursos? Quais são esses prejuízos e como afetam a comunidade externa e interna? Qual a efetiva contribuição da experiência dos formandos e dos setores de negócios na melhoria do processo do ensino e no estabelecimento das agendas do ensino de gestão? E, finalmente, quais são as vantagens e desvantagens das posturas universitárias cosmopolitas, quando assumem a programação institucional orientada para a inserção comunitária, ou, quando assumem posturas evidentemente provincianas voltadas para si próprias? Ou, ainda, na posição original de Gouldner (1957), trata-se apenas de fortes tendências ao provincianismo nas atitudes dos gestores e docentes das universidades brasileiras envolvidas nesta e em outras pesquisas? REFERÊNCIAS

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DADOS DOS AUTORES SERGIO BULGACOV ([email protected]) Formação: Doutor em Administração pela FGV/EAESP Instituição de vinculação: Universidade Federal do Paraná Curitiba/PR – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia e Análise Organizacional. DIEGO ITURRIET DIAS CANHADA ([email protected]) Formação: Mestre em Administração pela UFPR Instituição de vinculação: Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina Florianópolis/SC – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia e Análise Organizacional; Ensino em Administração. YÁRA LÚCIA MAZZIOTTI BULGACOV ([email protected]) Formação: Psicologia e Doutora em Educação pela UNESP Instituição de vinculação: Universidade Positivo Curitiba/PR – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Trabalho e Atividades em Organizações. Recebido em: 23/12/2009 • Aprovado em: 03/09/2010

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PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE NOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO

PRODUCTION OF SUBJECTIVITY IN ADMINISTRATION COURSES

SUSANE PETINELLI-SOUZA ([email protected]) MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO RESUMO Este artigo apresenta algumas questões vinculadas à produção de subjetividade nos cursos de administração, propondo pensar alguns aspectos da lógica predominante na atualidade articulados à produção de subjetividade. Enfoca os cursos de administração, dada a sua proliferação em torno da demanda por uma mão-de-obra qualificada para atender a exigências sempre cambiantes. Para atender a tais exigências e manterem-se incluídos no sistema, muitos operários-alunos e executivo-universitários de que nos falou Deleuze (1992), buscam essa formação. Que modos de subjetivação estariam sendo produzidos nos cursos de administração a partir das exigências colocadas atualmente? É necessário problematizar o que está sendo (re) produzido, a partir dessa lógica, mas também o que está sendo produzido em outra direção, aquilo que escapa e cria outros modos de existência. Pensar essa produção nos cursos da área implica pensar a própria formação dos administradores. A partir da discussão disparada pelas modulações do capitalismo na atualidade, foi possível iniciar algumas análises sobre a produção de subjetividade nesses cursos e fazer alguns apontamentos sobre caminhos investigativos a serem percorridos. Palavras-chave: produção de subjetividade; cursos de Administração; formação.

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ABSTRACT This paper introduces issues connected with the production of subjectivity in administration courses and proposes to conceive some aspects of the predominant logic relating to this production at the present. Moreover, this investigation focuses on administration courses due to the increased demand for a qualified workforce that meets the continuously shifting requirements. According to Deleuze (1992), to do so and remain in the system, many workers who study in technical schools and undergraduate business executives seek out this education. Which modes of subjectification are being produced in these courses based on current requirements? It is necessary to identify the problems with what is being (re)produced, based on this logic, as well as that being produced in the opposite direction, that which escapes and creates other modes of existence. Thinking about this production regarding the courses in this field implies considering the actual education of managers. Based on the discussion arising from the modulations of current capitalism, it is possible to initiate some analyses on the production of subjectivity in these courses and make some notes on the investigative paths to be explored. Keywords: production of subjectivity; administration courses; education. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende problematizar questões vinculadas à produção de subjetividade nos cursos de administração, propondo pensar sobre alguns aspectos da lógica de mercado no capitalismo contemporâneo e da produção de subjetividade envolvida nessa lógica.

O campo da discussão poderia abranger o ensino superior em suas múltiplas dimensões, dada a inserção do campo da educação nessa lógica. Contudo, a ênfase será no curso de administração, uma vez que está focado na formação de profissionais que precisam estar capacitados para gerir organizações e múltiplas questões num ambiente cada vez mais conturbado e por vezes um tanto hostil. Outros critérios utilizados para o recorte dessa discussão foram a quantidade de profissionais que o curso forma por ano e o número de inscritos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE 2006. Estes números mostram uma verdadeira máquina de produção de administradores, como sugeriu

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Nicolini (2003), ao apontar alguns dos aspectos da formação do administrador via curso de graduação em administração, da fase inicial, passando por uma característica transferência de tecnologia de gestão, principalmente norte-americana, até a desvinculação das atividades de ensino e pesquisa e a proliferação do curso.

O autor faz interessante comparação do curso com uma linha de produção. A linha de produção dos administradores seria composta pelas seguintes etapas: nos primeiros períodos do curso de graduação, estão as disciplinas da formação básica, nos períodos seguintes, são ministradas as disciplinas da formação profissional. Em seguida, vêm as disciplinas eletivas e complementares que enfatizam a formação (generalista ou especialista) – momento de adequação do currículo às características de cada instituição e a vocações regionais. A última etapa da produção de administradores seria o estágio supervisionado. Daí a comparação das escolas de administração às fábricas.

Este curso atrai milhares de estudantes todos os anos e, de alguma forma, pode contribuir para a disseminação de certos modos de pensar e padrões de comportamento.

Na esfera privada, conformam a operação das instituições de ensino mudanças frequentes de sua direção geral e acadêmica, bem como nas coordenações de cursos. Estas mudanças se compõem com: a redução salarial de professores; as condições de trabalho inadequadas; sistemas de ingresso precários; uma lógica empresarial na forma de receitas e pacotes para serem aplicados às organizações. Na esfera pública, por outro lado, ainda se percebe certa preocupação com a qualidade de ensino e com a manutenção do tripé ensino, pesquisa e extensão.

Em busca de resultados (mais econômicos do que relacionados à qualidade do ensino), custos são reduzidos por meio da demissão de dezenas de professores a cada semestre, que são substituídos por outros com salários menores. Instituições com ações na bolsa de valores precisam atender às expectativas de seus acionistas, não importando de que modo isso seja possível.

Essa racionalidade é mais facilmente compreendida se verificada em ambientes organizacionais de empresas que produzem bens materiais ou que prestam serviços em áreas como a de telecomunicações. Entretanto, aqui estamos falando de “prestação de serviço” em educação. A educação, e neste caso específico, o ensino de administração, por vezes, é percebido como uma prestação de serviço, numa relação comercial de troca.

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Além disso, a preocupação com a qualidade do ensino “prestado” surge de maneira enfática apenas quando as instituições pretendem alçar novas instâncias, transformando suas faculdades em institutos de ensino superior e, assim sucessivamente, chegando ao patamar de universidade. Aqui temos a manifestação da racionalidade instrumental, na qual a preocupação com qualidade é apenas um meio para se atingir um fim. Desse modo, ao propagar um ensino que prima pela qualidade, a instituição de ensino superior poderia consolidar sua imagem junto ao público.

Pretendemos aqui problematizar as atuais modulações do capitalismo, pois os administradores estão se formando e atuando num contexto que se modifica o tempo todo. Sendo assim, podemos arriscar, pensando que administradores e situações se modificam mutuamente, numa influência recíproca. Em seguida, discutimos a formação em administração, algo escasso em termos de produção científica, mas de suma importância para a sociedade, seja para aqueles que administram, como para os que pesquisam e lecionam neste campo do conhecimento. Propomos que a formação e a atuação dos administradores são de suma importância para a própria sociedade. Mas, essa formação e atuação estariam disparando quais processos subjetivos? Quais subjetividades estariam sendo maquinadas, sendo produzidas nessa formação e atuação? Para podermos pensar sobre essa produção de subjetividade analisaremos alguns aspectos referentes ao cotidiano das organizações. A partir dessa problematização inicial será possível fazer alguns apontamentos sobre a produção de subjetividade na formação do administrador. Com isso, acreditamos ter criado um espaço para pensar a produção de subjetividade nos cursos de Administração, que para além dos objetivos econômicos de seus acionistas (quando entidades privadas), têm como objetivo a formação dos profissionais da área. AS ATUAIS MODULAÇÕES DO CAPITALISMO Faz algumas décadas que cursos de Administração estão em pleno processo de proliferação, principalmente no âmbito privado. O Ministério da Educação promove alguma regulação por intermédio das inspeções para reconhecimento de cursos e depois por meio de avaliações periódicas. Ainda assim, a qualidade de muitos cursos é um tanto questionável.

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Levando em consideração essa proliferação e os aspectos de nossa realidade atual, acreditamos ser relevante pensar sobre o papel desses cursos. Mais do que isso, acreditamos ser relevante pensar sobre a formação dos administradores e suas implicações em nosso tempo.

Frente à competitividade colocada em escala mundial, dos trabalhadores é exigida uma postura competitiva em suas práticas. Da mesma forma, cursos de administração, tais como outras organizações, disputam alunos-clientes por meio de promoções para a inscrição em pseudo-vestibulares (às vezes, apenas redações) ou promoções para a efetuação de matrículas. Para isso, utilizam estratégias mercadológicas veiculadas em diversas mídias - rádio, televisão e impressa. Afinal, este curso gera a composição de várias turmas a cada semestre, a infra-estrutura não requer investimentos de vulto (como laboratórios) e o retorno financeiro garante a sustentabilidade financeira das instituições.

As exigências às pessoas passam pelo discurso das competências, que no entendimento de Manfredi (1998) é uma noção que tem sido considerada como alternativa à de qualificação e atualizada pelas equipes de recursos humanos das grandes organizações, principalmente no nível gerencial, para construir novos critérios de acesso e permanência no emprego. Com isso, o discurso dos empresários brasileiros e das agências internacionais de educação, ao não ressaltarem a complexidade do trabalho (atividade humana pautada em uma dimensão inventiva e sempre viva), reduzem a competência ao âmbito das aptidões e habilidades vinculadas às exigências do mercado e de caráter individual e privado. A autora entende a noção de competência como uma noção marcada política e ideologicamente, formada a partir de uma corrente de caráter descritivo-experimental que trata as habilidades e competências humanas desvinculadas das dimensões de tempo e espaço socioculturais. O chamado modelo da competência teria que ser compreendido numa perspectiva que vai além da construção social de seus significados, percebendo-o como parte de uma estratégia de recomposição das relações entre capital e trabalho.

Os cursos de administração suprem parte dessas exigências, ajudando a moldar pessoas para terem mais comprometimento, dedicação, produtividade e flexibilidade. Ao formarem profissionais que estarão preparados para atenderem diferentes exigências, ao mesmo tempo, formam profissionais que reproduzirão essas exigências para todos os níveis hierárquicos das organizações: todos deverão ser competentes.

Em relação à educação, Stroobants (2006) explica que os cursos são estabelecidos por meio de seus programas, constituindo uma lista de

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matérias e de conhecimentos a serem transmitidos aos alunos. Os objetivos assumiram a primazia ou até mesmo suplantaram os conteúdos do curso, de modo que se torna necessário enunciar as competências que são esperadas que os já “formados” tenham domínio.

Na discussão aqui proposta vincula-se o desempenho também às questões tangíveis que têm influência direta no resultado da atividade, ou seja, a competência não fica restrita a uma dimensão individual. A responsabilização do trabalhador precisaria ser minimizada, uma vez que o resultado não depende somente deste, mas de um conjunto de fatores, incluindo-se aí as condições de trabalho. Contudo, a lógica em vigor prima pela responsabilização.

O capitalismo valoriza a acumulação de conhecimentos, a busca pela informação, a mobilização imediata destes conhecimentos em qualquer momento, assim como, a atenção percebida como disponibilidade do trabalho vivo a permanecer vivo e interativo com o sistema técnico, e com os conhecimentos explícitos e estocados (MOULIER-BOUTANG, 2003).

Podemos pensar que em algumas organizações ainda há resquícios dos principais aspectos burocráticos. Em outras, eles ainda são maioria, convivendo apenas com alguns aspectos mais atuais. Ainda assim, seria interessante retomarmos alguns desses aspectos para analisar os ambientes de atuação e formação dos administradores.

Um sistema burocrático convive com aspectos voltados para a busca de rapidez, de continuidade, de precisão, de maior controle e eficiência e de redução de custos, sendo caracterizado pela impessoalidade e pela uniformidade de comportamentos.

Em nossos dias, e tendo em vista a formação contínua como pano de fundo, as organizações, apesar de manterem aspectos burocráticos (porque necessários), modificaram em muito algumas de suas características.

A rapidez permanece, mas não apenas porque as ordens seguem caminhos previamente definidos, e sim porque há uma exigência de que as tomadas de decisão sejam rápidas, mesmo que discutidas em grupos ou analisadas por equipes projetadas para isso. Existe um tempo limite para quase todas as questões organizacionais e para as ações que precisam ser colocadas em prática.

A continuidade das atividades, dada certa impessoalidade, permanece, mas já não é a mesma. A organização permanece sem depender de nenhuma pessoa em especial, podendo substituir a qualquer tempo quem quer que seja para que as atividades continuem

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normalmente. Entretanto, com exigências cada vez mais generalistas e especialistas, não é tão fácil selecionar administradores, gestores e trabalhadores de todos os níveis hierárquicos para desempenharem algumas funções.

Torna-se cada vez mais perceptível, que os trabalhadores não são peças intercambiáveis de uma linha de produção como na época de Ford. E isso não ocorre à toa, pois os trabalhadores de todos os níveis estão tentando acompanhar as mudanças para não serem descartados tão facilmente.

Outro aspecto relevante é a uniformidade de comportamentos calcada numa suposta precisão de funções a desempenhar e numa previsibilidade comportamental. Dependendo da organização são exigidas capacidades que extrapolam aquelas que seriam necessárias ao desempenho das atividades inerentes ao cargo ocupado, pois elas podem ser necessárias e acionadas para entrarem na composição de equipes ou projetos específicos, ou simplesmente para atuar pontualmente em alguma questão. A uniformidade e a previsibilidade comportamentais não podem mais calcar-se numa precisão do cargo, nem na premissa de que os trabalhadores não têm nada a contribuir para além de suas atribuições.

A reivindicação por um trabalho mais interessante levou o sistema capitalista a exigir dos trabalhadores uma dimensão criativa, imaginativa e lúdica, um empenho integral, com uma implicação mais pessoal e dedicação, de fato, efetiva. Sendo assim, “[...] sua vitalidade, sua iniciativa, sua inventividade, sua capacidade de conexão foi sendo cobrada como elemento indispensável na nova configuração produtiva” (PELBART, 2003, p.96). Isso levou ao desmantelamento das estruturas rígidas, hierárquicas e autoritárias, criando espaço para um funcionamento mais flexível, horizontalizado e em equipe, no qual cada trabalhador precisa descobrir o seu próprio potencial.

O mercado globalizado gera circuitos mundiais de circulação de bens, serviços e recursos humanos, fazendo com que pese sobre países, organizações e pessoas, uma forte ameaça de exclusão (TIRAMANTI, 1997). Acreditamos que não há exclusão, e sim que países, organizações e pessoas estão mais do que incluídos nesse sistema, que para manter as coisas como estão, necessita desse tipo de inserção, na qual alguns consomem mais e outros praticamente não consomem.

Daí a necessidade que leva cada vez mais pessoas a buscarem desenfreadamente por uma formação, que é apontada por Deleuze (1992) como uma forma de controle sobre o operário – aluno e sobre o executivo

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– universitário. No caso dos cursos de administração também percebemos a modalidade operário – universitário.

Outras formas de controle se fizeram necessárias para organizar os atuais modos de vida. Tomando a atualidade em suas múltiplas facetas, assumiremos que a sociedade de controle anunciada por Foucault e retomada por Deleuze, toma vida no capitalismo contemporâneo, também conhecido como pós-industrial ou em rede. Pelbart (2003) relaciona a sociedade de controle e o capitalismo chamado de conexionista ou rizomático à ideia de império de Hardt e Negri (2006). Para esses autores, os dispositivos disciplinares que formatavam as subjetividades foram cedendo espaço para novas modalidades de controle. Ainda existem os moldes produzidos pela família, escola, prisões e fábricas do período moderno, contudo, coexistem novos mecanismos de monitoramento mais difusos, flexíveis, que incidem sobre corpos e mentes. Nesse panorama global, ao mesmo tempo em que um grupo elitizado de Estados gerencia os fluxos econômicos e culturais globais (encontro dos países ricos, conselho de segurança da Organização das Nações Unidas), corporações têm cada vez mais influência sobre as decisões tomadas pelos países.

O que ocorre é uma redução do espaço de controle do Estado. Tiramonti (1997) nos lembra sobre as mudanças que vêm ocorrendo na organização da sociedade e sobre o afastamento do Estado em favor de uma racionalidade de mercado que aparece como a única capaz de recriar uma ordem considerada compatível com as exigências da competitividade internacional. A autora também chama a atenção para a redução do Estado em relação à lógica das grandes organizações.

Organizações que precisam daqueles que as administram e gerenciam suas atividades. Há uma proliferação dos cursos de administração em resposta à necessidade por parte de empresas de mão-de-obra capacitada e formada para atender a exigências sempre cambiantes. Cabe lembrar que parte do público-alvo dos cursos é composta por aqueles que possuem negócios ou que pretendem empreendê-los.

Para além dos Estados nacionais, Deleuze e Parnet (1998) lembram que o desenvolvimento do mercado mundial, assim como a potência das sociedades multinacionais, forma uma grande máquina que cria modos de funcionamento e circulação dos fluxos monetários, industriais e tecnológicos. Unidos a isso, os meios de controle tornam-se cada vez mais sutis.

As novas modalidades de controle podem ser visualizadas em mecanismos físicos, tecnológicos, mas também podem ser percebidas

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como na necessidade de sempre estarmos a aprender para não sermos alvo de uma descartabilidade – o desemprego ou o não trabalho. Os moldes que o capitalismo necessita estão sempre em processo de transformação. Nesse sentido, as exigências colocadas parecem levar à sensação de nunca estar pronto, modelando e remodelando as pessoas conforme as necessidades do sistema. Mas, também aí, tem-se uma resistência. Sempre temos a possibilidade de tentar produzir outras práticas, de produzir outra existência, uma re – existência.

A FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR Por que discutir o curso de administração pelo viés da formação que proporciona? A necessidade surgiu devido à intensa propagação da lógica capitalista em todas as esferas de nossa vida e também devido à intensificação da propagação do discurso e jargões do campo da administração pela mídia televisiva, escrita e informatizada.

Motta (1983, p. 55), em artigo sobre a formação do administrador, enfatiza a relação entre o processo produtivo e o processo pedagógico, chegando à ideia de que os interesses do capital seriam representados no campo universitário. , que as escolas de administração não estariam formando administradores imbuídos de uma visão transformadora da realidade social, apesar do conteúdo relativamente crítico de alguns programas. Para o autor, uma escola de administração é uma instituição universitária e como tal deveria “voltar-se para a formação de indivíduos adultos, realizados, dotados de impulso renovador e equipados culturalmente, para não falar do sentido ético, que entra em crise com a perda de significado mais geral”.

Entretanto, essas inquietações de Motta (1983) por enquanto, foram alvo de pouquíssimos estudos. No que se refere ao ensino de administração em nível de graduação, existem alguns trabalhos, mas nem de perto lembram a farta produção científica de outras áreas de pesquisa em administração. Vejamos alguns.

Tragtenberg (1989), ao discutir o poder, a administração e a ideologia, acaba contribuindo sobremaneira com análises sobre aqueles que desempenham atividades ligadas às organizações. Partindo da proposição geral de que os administradores servem à acumulação do capital, Covre (1982) discute a formação e a ideologia do administrador de empresas. A autora percebe a burocracia especializada, requerida para o atual funcionamento do sistema capitalista, como sendo composta por

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técnicos ou tecnólogos de vários ramos, dentre os quais, encontram-se os administradores (recorte de sua pesquisa).

Acreditamos que muitas vezes os administradores servem sim à acumulação do capital. Contudo, o administrador é um trabalhador e como tal também está sofrendo pressões de todos os tipos, tentando acertar em suas decisões, tentando desempenhar o melhor possível suas atribuições. Talvez, o que ocorra é que a maioria dos administradores desenvolve suas atividades em organizações voltadas para a acumulação de capital. Uma acumulação buscada a despeito de outras questões que dizem respeito a todos (saúde, meio ambiente, família, tempo de descanso e lazer, consumo desenfreado).

Ramos (1981) colocou em discussão o ensino de administração, explicitando que o ensino oferecido aos estudantes nas escolas de administração pública e de administração de empresas ainda é baseado nos pressupostos da sociedade centrada na lógica de mercado. Este autor já em sua época mostrava preocupação com o que os cursos de administração estavam produzindo e sinalizou isso na releitura de Adam Smith (A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações). O autor argumentava que uma teoria das organizações pautada nessa lógica não seria aplicável a todas, mas apenas a um tipo especial de atividade. A aplicação dos princípios desta teoria a todas as formas de atividade dificultaria a superação dos problemas de nossa sociedade, defendendo que a racionalidade instrumental não deveria permear a totalidade das relações.

Discutindo a formação na área, Martins (1997) diz que o desafio a ser enfrentado pelos administradores brasileiros está em desenvolver relações de trabalho, nas quais o trabalhador seja considerado um verdadeiro colaborador nos resultados e deles compartilhe em igualdade de condições com os administradores. Pensar a formação social em nosso país seria um passo necessário para pensar a formação dos profissionais da administração.

Ao tratar do ensino e sua legitimação pelo desempenho, Lyotard (1986), afirma que sob a perspectiva da teoria dos sistemas, o ensino transforma-se num sub-sistema do sistema social. Tratando especificamente do ensino superior, o autor argumenta que este deverá formar as competências indispensáveis ao sistema social. Essas competências poderiam formar dois grupos: aquele destinado à competição mundial, variando conforme as especialidades que as nações ou as instituições de formação podem vender no mercado de trabalho e

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aquelas competências necessárias ao próprio sistema, com a finalidade de manter sua coesão interna.

Se encararmos o curso de administração com um sub-sistema do sub-sistema de ensino, ele permanece tendo a função de formar competências indispensáveis tanto para a competição mundial, como para a própria manutenção do sistema. Não apreciamos essa visão, pois pode levar a compreender o curso como totalmente voltado às exigências da lógica capitalista, sem repensar o seu papel na sociedade. Preferimos acreditar que é possível uma análise que permita a visualização da busca da manutenção do status quo, ao mesmo tempo, em que são percebidas outras posturas, outras práticas e movimentos para além dessa lógica.

De qual formação estamos tratando? Da formação chamada de contínua ou da formação chamada de permanente?

A formação permanente implica a construção de estratégias de mudança nos processos de formação e gestão do trabalho, conjugando autonomia e criação, a partir de problemas detectados no cotidiano de trabalho. Esse tipo de formação tem como objetivo a problematização da organização do trabalho, dos modos de produção de existência e a desestabilização das práticas que atravessam o fazer cotidiano. Enquanto as ações de formação contínua são pautadas em processos fragmentários, no consumo de técnicas ou aquisição de kits de capacitação, dissociados das situações reais de trabalho, são atravessadas pela noção de empregabilidade, na qual o acesso e a manutenção do emprego estão relacionados à iniciativa de instaurar um processo de formação que é contínua (HECKERT, 2004).

Portanto, neste artigo, estamos tratando da formação contínua ao verificarmos que esta é a formação tendenciosamente adotada pela maioria das organizações, estudantes e administradores, mas também trataremos a partir de agora, da formação permanente, que parece ser mais coerente para lidar com as modulações do capitalismo na atualidade.

A formação do administrador é mais do que cursar a graduação. Ela acontece no cotidiano de trabalho, nas organizações, ela acontece no prosseguimento formal dos estudos, mas também em cursos, palestras, e por meio de todo o cardápio disponível para saciar a sensação de reciclagem constante. Formar para ação precisaria levar em consideração que não há uma administração dada, uma forma de administrar estabelecida, pronta e acabada. A administração não é somente isso. Ou seja, na administração existem noções que estão disseminadas entre os alunos como a separação entre concepção e execução, e que fazem parte de uma construção histórica. Ou mesmo a sua superação, com o

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toyotismo, no qual os trabalhadores tornaram-se mais responsáveis pelo processo produtivo. Mas a administração também é algo vivo, pois se é uma construção histórica, é possível, compreendê-la como algo produzido no dia-a-dia num plano no qual, administradores e outros trabalhadores, vão produzindo a si mesmos e à sociedade.

A administração se produz todos os dias, daí a possibilidade de produzirmos outras noções e de disseminarmos outras noções que sejam mais coerentes com o nosso tempo.

De acordo com Barros e Barros (2007), não há predeterminações absolutas nos processos formativos em situação de trabalho, eles vão sendo produzidos nas relações com o outro. E explicam que as vivências no trabalho colocam problemas que forçam a pensar em outros jeitos de proceder. Então, um jeito de ser administrador se constituiria, principalmente, no agir.

Observemos esta passagem de Tragtenberg (1989, p.29):

Formação psico-sociológica é dada somente aos executivos. O poder psicológico sobre os “outros” é complementar ao salário da empresa, é o ser da pessoa engajado nas relações de produção capitalista. Uma proletarização psicológica confirma a econômica. A obediência tradicional está superada, a psicologia está a serviço do poder tecnocrático, reduzindo o homem a um objeto que “produz-consome”.

Podemos fazer uma atualização dessa explicação de vinte anos, considerando que a psicologia tem muitas contribuições ao campo organizacional: os gestores são ainda preparados para exercer poder sobre seus pares, sobre os subordinados e até mesmo, em algumas situações, sobre seus superiores. Quem é preparado para administrar tem acesso a um cabedal de conhecimentos, num processo formativo que envolve a produção de certos saberes. Essa preparação, ou melhor, esses processos de formação serão singularizados pelos administradores. Ainda assim, há algo que perpassa a formação de todos – a separação entre concepção e execução, por exemplo. O que leva a noção de que alguns são formados para planejar enquanto uma maioria seria treinada para executar. Estes últimos seriam convocados a opinar e tomar algumas decisões, mas em esfera praticamente circunscrita a suas atividades, o que, ainda assim, permitiria a disseminação do discurso da gestão participativa, da liderança democrática e de uma maior autonomia nos ambientes de trabalho. De fato, os administradores detêm saberes para a condução de organizações. Contudo, seria importante percebermos que independente do nível hierárquico e da função, todos os trabalhadores fazem gestão em suas

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atividades. Muitas vezes, micro-gestões, mas que são necessárias para o devido funcionamento das organizações.

Em relação ao currículo do curso, Nicolini (2002) chama atenção para a transição para o conceito de Diretrizes Curriculares, que ao invés de listar conteúdos obrigatórios passa a descrever as competências básicas para a formação do administrador. Nesse sentido, percebe-se que o discurso educacional está um tanto afinado com o empresarial.

Uma maneira de entender o ensino na área, segundo Bertero (2006), seria verificar para quais posições em uma carreira de administrador os alunos estariam sendo preparados. Os cursos de administração estariam voltados para aqueles que pretendem empreender seus negócios, os que pretendem ocupar cargos executivos, quem pretende ser gestor público ou aqueles que irão ocupar cargos médios de gerência? Além disso, ao tratar da formação em administração, o autor diz que esta depende das expectativas em relação ao profissional e também do modo como é definido o que é ser um administrador. A partir da discussão inicial sobre algumas modulações capitalistas e de alguns aspectos sobre o processo formativo em administração, que produção de subjetividade estaria em andamento? A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE Para atender às exigências colocadas na atualidade e se manterem incluídos no sistema, o operário – aluno e o executivo – universitário de que nos falou Deleuze (1992), assim como o operário – universitário encontrado nos cursos de administração, se expõem ao esforço, à fadiga, ao estresse. Mas, eles também têm a possibilidade de serem compensados com sensações de “sucesso” e alívio, na busca por certa empregabilidade e aprendizagem.

Ao tratar da literatura sobre as vantagens das novas tecnologias de produção flexível ou enxuta, Faria (2004) argumenta que estas tentam transparecer que o sofrimento no trabalho foi atenuado ou eliminado, tendo como base os acidentes de trabalho e o ambiente geral - iluminação, espaço físico, higiene e variadas formas de poluição. Para o autor, os operários ao serem questionados sobre o novo sistema, apontam o ambiente e as condições físicas de trabalho como sendo as vantagens mais visíveis e chama a atenção para o fato de que “O trabalhador braçal, cheirando a suor, é substituído pelo técnico uniformizado e asseado: o

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ambiente sujo é substituído por um ambiente clean” (FARIA, 2004, p.216).

Se por um lado as condições físicas de trabalho foram sendo alteradas e os trabalhadores têm agora ambientes mais adequados para a realização de suas atividades, por outro as condições não físicas também foram sendo alteradas, produzindo melhorias, mas produzindo também piores modos de se viver nas organizações e fora delas.

Que modos de subjetivação estão sendo produzidos nos cursos de administração a partir das exigências colocadas? Que forma – administrador está sendo produzida nestes cursos? A racionalidade produzida nestes ambientes alimenta a racionalidade produzida pela lógica capitalista? Ou o que está sendo produzido é uma retro-alimentação, na qual ambos (lógica capitalista e curso) se reforçam?

Nas palavras de Lyotard (1986, p.113): “Os procedimentos administrativos farão os indivíduos quererem o que é preciso ao sistema para ser eficiente”. Isso é vivenciado em organizações empresariais de ensino e assim por diante. Ramos (1981) lembra do consumo no Brasil, no qual massas de pessoas são induzidas a acreditar que desejam e que precisam consumir e explica que cada organização, com seus jargões específicos, que constituem dispositivos de proteção e estabilização, possui conjuntos de regras tácitas e definições de realidades transmitidas a seus membros.

Da mesma maneira que o consumidor passa a acreditar ser necessário consumir certos produtos e manter determinada imagem, os alunos e administradores passam a acreditar que precisam mostrar certos comportamentos e postura, uma maneira específica de falar e que são membros da equipe, porque atendem aos requisitos padrão. Ao mesmo tempo, estes indivíduos acreditam ser únicos, pois desenvolveram competências distintas do resto do grupo.

Se antes o controle visava fornecer às empresas mão-de-obra qualificada e disciplinada, no capitalismo atual, este passa a focar na retenção de trabalhadores. Nesse sentido, a aprendizagem será um dos fatores-chave para a competitividade (MOULIER-BOUTANG, 2003).

Para Pelbart (2003, p.98) o problema do neomanagement justamente é aquele que se refere ao controle: “como controlar o incontrolável, a criatividade, autonomia e a iniciativa alheias, senão fazendo com que as equipes auto – organizadas se controlem a si mesmas? Daí as noções de implicação, mobilização, prazer no trabalho – nada que lembre controle ou manipulação”. Aspectos como o potencial, a criatividade, os afetos, tudo o que ficava fora do ciclo econômico

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produtivo torna-se matéria – prima do próprio capital (também poderíamos pensar que se torna o próprio capital, aquele chamado de humano), que passa a ser requisitado na produção.

Esse novo modo de controle, que acaba extrapolando o ambiente organizacional, pode implicar numa formação que parece sempre estar inacabada. O consumidor – aluno – trabalhador – administrador passa a acreditar que precisa consumir técnicas e pacotes de ferramentas administrativas para a entrada no mercado de trabalho e em seguida para a manutenção de seu emprego.

Mais do que produtos e serviços, produzimos e consumimos sensações, percepções, e informações – produzimos e consumimos subjetividades. Lyotard (1986, p. 28) concebe o humano numa “textura de relações mais complexa e mais móvel do que nunca”, explicando que independente de idade, gênero ou classe social, o humano, está colocado sobre os nós dos circuitos de comunicação, está “colocado nas posições pelas quais passam mensagens de natureza diversa”. Ao mesmo tempo, Guattari (1992) questiona a forma de entender a produção de informação pela mídia como separada da produção de subjetividade, pois a primeira atua na secunda (aspectos como memória, inteligência, sensibilidade, afetos), enfatizando o aspecto heterogêneo dos elementos que participam da produção de subjetividades.

A subjetividade é produzida não somente em nível individual, mas há uma produção de subjetividade social. A subjetividade é encontrada em todos os níveis de produção e consumo, apesar de uma suposta homogeneidade (é produzida e consumida no âmbito da linguagem, da família, da mídia, para exemplificar). Pode ser considerada uma subjetividade de natureza industrial, fabricada, modelada, recebida e consumida, que está em todos os processos de produção social e material (GUATTARI; ROLNIK, 1993). A singularização, a subjetividade individual é resultante dos vários componentes de ordem coletiva (social, econômico, tecnológico, mídia), ou seja, os componentes de ordem coletiva que vão, de diferentes maneiras, compondo a história de cada um.

Apostando nisso, um “jeito de ser” administrador estaria sendo produzido e consumido de diferentes maneiras e resultando em diferenciados modos de estar e agir nas organizações. Não há uma forma imutável e já dada de ser administrador, essa é produzida em cada indivíduo.

A subjetividade é compreendida por Guattari (1992) como o conjunto das condições que permitem que sejam produzidos ou criados certos territórios (espaços subjetivos), que servem como universos de

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referência social e individual. Pensar que se atende ao padrão solicitado pelo mercado de trabalho, que se possui um jeito de ser administrador considerado adequado traz sensações de segurança, sensações de que estaríamos no caminho “certo”.

Mas, é preciso compreender que esta forma colocada no mercado de trabalho, esse padrão solicitado, não podem ser consumidos como verdades absolutas e inquestionáveis. Afinal, eles foram produzidos por todos nós. Compreender isso abre um campo de possíveis em relação ao que pode ser produzido em outras direções, em relação a outras formas que podem ser produzidas, pois os territórios subjetivos são sempre passíveis de modificações, apesar de algumas vezes serem mais duradouros e em outras, menos duradouros.

Considerando que existem configurações mais fixas e difíceis de serem modificadas (porque já enraizadas em nós) podemos pensar que algo sempre escapa às tentativas de modelização. Numa caracterização dos cursos de administração, poderíamos percebê-los como da ordem do plano molar, que de acordo com Deleuze e Parnet (1998), é um plano, um segmento bem determinado que, assim como outros segmentos (família, escola, exército, fábrica) recortam aqueles que os cursam em todos os sentidos.

Este plano (curso de administração), entretanto, é necessariamente, atravessado por outro, composto de linhas mais flexíveis, moleculares. Um plano no qual podem ser percebidos os esforços em escapar ao que é prescrito e onde é possível a invenção de outros modos de operação, outras noções, outras maneiras de conceber as relações de trabalho, a acumulação de capital, a exploração dos recursos naturais.

Para analisar a produção de subjetividade no curso de administração será preciso investigar os processos de produção subjetiva, o que é da ordem do movimento, porém, não desprezando o que não é processual. Precisamos também investigar o que tem uma forma, um modelo, tudo aquilo que possui certa estabilidade e está disseminado, para complementar a análise daquilo que está sendo produzido no cotidiano dos futuros administradores: modos de subjetivação e formas – subjetividade. O processual e o estável, sempre tendo em vista que o estável é produzido a partir do processual.

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ALGUNS APONTAMENTOS A partir dessa problematização inicial sobre a produção de subjetividade nos cursos de administração, alguns apontamentos são realizados indicando investigações que estão em curso sobre o tema proposto.

O curso de administração, a formação na área, assim como a própria profissão são construções históricas, que possuem prescrições, não necessariamente encontradas explícitas em manuais. Existem prescrições encarnadas nas profissões que não são explicitadas e oficiais, mas estão lá, fazendo parte do repertório dos administradores.

Quais normas antecedentes teriam sido construídas na história da administração e que fazem parte do processo de formação? Alvarez e Telles (2004) exploram a noção de norma antecedente como possibilidade de ampliação do conceito de trabalho prescrito, a partir do pensamento de Schwartz (1995). As autoras explicam que a noção de normas antecedentes engloba três aspectos: a) As restrições de execução no trabalho como expressão de um poder social e estabelecido. Na formação em administração não poderíamos pensar em modos estabelecidos de ser administrador? Certos padrões de comportamento a serem seguidos? b) O caráter de construção histórica verificado por meio do saber-fazer e da linguagem que formalizam estas normas. A separação entre concepção e execução ou a autonomia não seriam algo a ser pensado como uma construção histórica? Que discursos estariam disseminados no campo de conhecimento da administração? c) Além disso, as normas antecedentes indicam valores. Valores que ultrapassam a questão monetária e se referem ao bem comum e são redimensionados nas organizações, nos ambientes de trabalho, influenciando o processo de tomada de decisão. Que valores estariam imbricados nas normas antecedentes da administração? Que valores estariam incidindo sobre as tomadas de decisão dos administradores?

Em relação aos valores, Schwartz (1995) distingue os valores dimensionáveis e os valores sem dimensão. Os primeiros englobam os valores de mercado, valores quantitativos que ignoram as micro – gestões, seu impacto e seu custo em termos de saúde; já os valores sem dimensão, englobam questões do bem comum, como a saúde, a justiça, a cultura, a proteção do planeta, dentre outros. Estes últimos penetram nas situações singulares, com significados diferentes para cada ser humano, ultrapassando as fronteiras do trabalho e da vida como um todo.

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A partir do que foi construído e disseminado historicamente na administração, cada profissional realiza reconfigurações de prescrições, de saberes, de técnicas no momento de sua atuação. Retomando a ideia de um suposto “jeito de ser” administrador comentado anteriormente, podemos dizer que ocorrem nova edição de normas, ou seja, um retrabalho permanente das normas antecedentes com a produção de outras normas na própria atividade (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Os administradores realizam isso por meio do retrabalho de prescrições e atualizando os modos de fazer e ser nessa profissão.

Por isso, sempre temos a possibilidade de tentar produzir outras práticas, de produzir outra existência, uma re – existência. De acordo com Silva e Flores (2006) a discussão acerca da organização da resistência contra as práticas do sistema capitalista passa pela concepção que as pessoas têm da realidade e do Estado, o que implica, necessariamente, na diversidade dos modos de se organizar. Em nossa discussão, resistência também acontece vinculada a ações no cotidiano. Os estudos de Hardt e Negri (2006) explicitam que, se na modernidade, a resistência era a acumulação de forças contra a exploração, atualmente, a resistência está na difusão de comportamentos resistentes e singulares.

Acreditamos que a partir do consumo de diversas matérias (informações, conhecimentos, sensações, relações com o outro), processos de subjetivação são disparados. Alguma coisa passa a ser produzida, um misto que em cada um irá ressoar de maneira diferenciada. Portanto, existem processos que são disparados e estão vinculados à lógica considerada predominante e processos que produzem diferença, abrindo espaço para outras formas de ser e estar no mundo.

Procurar entender a formação do administrador implica em procurar entender quais são os processos que produzem o discurso administrativo. Procurar entender os processos que produzem o discurso administrativo implicará em entender as práticas a ele vinculadas. Para Deleuze (2005), Foucault explica práticas foram estudadas para compreender o jogo entre um código que regula maneiras de fazer, que prescreve como educar os indivíduos e uma produção de discursos que serve como justificação. Seu problema era saber como os homens se governam por meio da produção de verdade.

Como pensar os modos de produção de subjetividades na formação do administrador? Pretendemos fazer uma espécie de mapeamento – analisando as linhas sedentárias, flexíveis e de fuga dessa formação. Essas linhas, segundo Deleuze e Parnet (1998) e Rolnik (2007) são o seguinte:

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a) As linhas de segmentaridade dura ou sedentárias (família, trabalho, profissão, escola e assim por diante) têm a ver com todas as espécies de segmentos bem determinados que nos recortam em todos os sentidos. São linhas finitas, visíveis e conscientes da organização dos territórios, criando roteiros de circulação no mundo. Tentaremos pensar nas formas constituídas em relação à formação em administração, ao que está posto no mercado. b) As linhas de segmentaridade flexível ou linhas nômades traçam pequenas modificações, fazem desvios, mas nem por isso são necessariamente da ordem pessoal. Elas também atravessam grupos, passam pelo coletivo. Essas linhas são ambíguas, pois são o percurso da composição de territórios subjetivos e ao mesmo tempo, o percurso dos movimentos de desmantelamento desses territórios, das transformações. Os planos que seus traçados produzem são instáveis. Buscaremos acompanhar aqueles aspectos da formação em administração que estão em vias de modificação e constante recomposição para a adequação às exigências e mudanças da atualidade. c) Já as linhas de fuga ou dos afetos, traçam uma direção não previsível e não preexistente, são da ordem da ruptura. Essas linhas são fluxos incontroláveis (atrações e repulsas), são afetos que escapam.

Arriscaremos analisar aquilo que está diferindo das formas constituídas, aquilo que está escapando às prescrições e às supostas verdades vinculadas na formação dos administradores. Conforme Deleuze (2005 p.99): “A vida não seria essa capacidade da força de resistir”? Sendo a subjetividade produzida por instâncias individuais, coletivas e institucionais, é importante pensarmos que além dos alunos dos cursos de administração e aqueles administradores já formados, o professor que atua nesses cursos – e que também é um trabalhador – convive com os mais diferentes aspectos da lógica capitalista. Em meio à desvalorização da profissão docente, a ampliação de turnos de trabalho para obter renda compatível com suas necessidades, redução do valor hora/aula, obediência a diferentes normas e exigências das várias instituições nas quais trabalha. O individuo é compelido a, por exemplo, participar de comissões e de eventos acadêmicos, que em entidades privadas, em sua maioria, são atividades que não têm respaldo financeiro.

Os próprios profissionais que atuam na formação do administrador atuam em contextos um tanto competitivos e muitas vezes sem condições adequadas para o desenvolvimento de suas atividades. É uma lógica que perpassa a todas as esferas, mas que não pode ser considerada como algo

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dado e acabado. Fazemos parte desse movimento e por isso, podemos em nossas atividades cotidianas produzir outras lógicas. Mesmo ocorrendo a disseminação de discursos e práticas, a produção de um território considerado estável e a produção de modos padronizados de viver, há algo que escapa a estes processos, o que pode permitir a produção de outros modos de vida e de ser administrador. REFERÊNCIAS ALVAREZ, D.; TELLES, A. L. Interfaces ergonomia-ergologia: uma discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. In: FIGUEIREDO, M.; ATHAYDE, M.; BRITO, J.; ALVAREZ, D. (Orgs.). Labirintos do trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

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DADOS DOS AUTORES SUSANE PETINELLI-SOUZA ([email protected]) Formação: Doutoranda em Educação pela UFES Instituição de vinculação: Coordenadora do curso de Administração Noturno da Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estudos Organizacionais, Formação em Administração, Subjetividade. MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS ([email protected]) Formação: Pós-doutora em Saúde Pública pela ENSP Instituição de vinculação: Professora dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Trabalho, Saúde e Educação. Recebido em: 05/12/2009 • Aprovado em: 30/08/2010

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O DISCURSO E A PRÁTICA DA FORMAÇÃO BASEADA EM COMPETÊNCIAS:

UM ESTUDO EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

DISCOURSE AND THE PRACTICE OF COMPETENCY-BASED EDUCATION: A

STUDY OF UNDERGRADUATE BUSINESS ADMINISTRATION COURSES

SIMONE COSTA NUNES ([email protected])

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

RESUMO

Diante da importância assumida pela noção de competências como

orientadora das reformas que vêm ocorrendo no âmbito da educação em

diversos países, propõe-se um estudo que tem como objetivo mapear os

aspectos que caracterizam a Pedagogia das Competências em dois cursos

de graduação em Administração. Tal proposta parte do entendimento de

que a formação dos estudantes de cursos de graduação baseada na

aquisição de competências deve incorporar elementos pedagógicos que

possibilitem a efetiva formação de tais competências. Isso significa que os

modelos de formação que norteiam os cursos precisam ser submetidos à

revisão crítica apoiando-se na premissa de que a formação deve

incorporar, além da aquisição de saberes conceituais, os saberes

relacionados ao fazer e ser. Para tanto, foi realizado um estudo do tipo

qualitativo-descritivo que utilizou a entrevista semiestruturada como

técnica de coleta de dados, tendo sido entrevistados três coordenadores

pedagógicos em duas instituições. Os resultados indicaram que a

Pedagogia das Competências não norteava os cursos investigados. Se, de

um lado, alguns de seus elementos estavam presentes nos cursos, de

outro, isso não significava que houvesse uma orientação sistematizada e

articulada, de forma global, entre todos os elementos que compunham o

processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: pedagogia das competências; cursos de administração;

educação superior.

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

396 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

ABSTRACT

Considering the importance given to the notion of competencies in

guiding the educational reforms implemented in various countries, we

propose a study that aims to map the aspects that characterize the

teaching of competencies in two undergraduate Business Administration

courses. This proposal is based on our understanding that the education

of an undergraduate student based on competency acquisition should

include pedagogical elements allowing for the effective incorporation of

the competencies. This means that the educational models on which these

courses are based need to be submitted to a critical review, with the

premise that they should incorporate, in addition to the acquisition of

conceptual knowledge, the associated knowledge relating to doing and

being. Thus, a qualitative-descriptive study is carried out using a semi-

structured interview methodology for collecting data from three

Educational Coordinators from two Higher Education institutions. The

outcomes show that the teaching of competencies does not guide their

courses. Although some of its elements are detected, this does not mean

that there is a global, systematic and articulated orientation involving all

the elements constituting the teaching-learning process.

Keywords: teaching of competencies; business administration courses;

higher education.

INTRODUÇÃO

Diante da dinâmica competitiva assumida pelas organizações,

especialmente a partir das duas últimas décadas do século XX, o trabalho

vem se modificando e um novo perfil de trabalhador vem sendo

requerido. Nesse contexto, o tema competências assume lugar de

destaque. A aquisição de competências individuais passa a ser alinhada às

necessidades organizacionais resultantes do investimento em novas

tecnologias, bem como da implantação de novas práticas gerenciais e da

busca pelo melhor aproveitamento das capacidades dos trabalhadores nos

diversos processos produtivos.

Frente a essa demanda, a discussão deixa o campo meramente do

trabalho e se expande para a formação e educação do trabalhador, pois

esse cenário impõe “a necessidade de superação de um modelo de

formação [...] baseado na aquisição de habilidades necessárias ao

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 397

desempenho das tarefas de cada posto de trabalho e aponta para outro,

que traduza os requisitos necessários para a formação geral do trabalhador

[...]” (HANDFAS, 2001, p. 5). Aponta-se para um tipo de educação que

supere as restrições colocadas pelo modelo de produção taylorista-fordista

e que possibilite a capacitação de um número maior de pessoas aptas a

assumir trabalhos novos que requerem níveis mais elevados de

competência. Sob essa lógica o conteúdo do ensino deve concentrar-se no

desenvolvimento de todos os componentes das capacidades de ordem

mais elevada, do tipo que tradicionalmente foi reservado a uma elite

(GONCZI, 1996).

Tal debate desenvolveu-se no âmbito da reforma educacional que

vem ocorrendo em diversos países e deu à noção de competências o

espaço privilegiado de orientadora pedagógica das reformas.

No Brasil, essa orientação reflete-se na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), de 20/12/1996, e nos documentos resultantes,

que visavam criar uma base comum de formação em nível nacional, tais

como as diretrizes, parâmetros e referenciais curriculares que abrangeram

diferentes níveis da educação nacional.

Para o ensino superior em nível de graduação, em específico, foram

definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que estabeleceram o

perfil do egresso de cada curso, as competências e habilidades mínimas a

serem desenvolvidas e os campos de formação que devem abranger os

conteúdos curriculares (BRASIL, 2002).

Diante desse cenário, a formação em cursos de graduação que visam

à aquisição de competências pelos estudantes deve incorporar elementos

pedagógicos que possibilitem o desenvolvimento das competências

esperadas. Pois, como afirmam Zabala e Arnau (2007, p. 13) “ensinar

competências implica formas de ensino consistentes para responder a

situações, conflitos e problemas relacionados à vida real [...]”.

O assunto, no entanto, está entre as polêmicas contemporâneas. De

um lado, encontra-se na literatura uma gama de trabalhos que defendem o

uso da noção de competências no âmbito da formação e educação, bem

como aqueles que propõem como o processo de formação dever ser

organizado com vistas a ensinar competências (BANDOUIN, 2004;

MELLO; RIBEIRO, 2003; MORETTO, 2009; PERRENOUD, 1999,

2000; ZABALA; ARNAU, 2007). De outro lado, estão os estudos que

enfatizam o caráter negativo da noção de competências. Nesses casos,

entende-se que a abordagem da formação por competências está a serviço

do ideário neoliberal e se refere a uma nova maneira de formar a fim de

aumentar a exploração sobre o trabalhador. Além disso, há a crença de

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

398 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

que tal noção reduz a educação superior às necessidades imediatas do

sistema de produção capitalista (FIDALGO; FIDALGO, 2007;

MACHADO, 1998a; OLIVEIRA, 2001).

Com essas colocações, delimita-se o presente trabalho. Ele visa

contribuir para alimentar o debate atual sobre a inserção da noção de

competências no âmbito do ensino superior, destacando os elementos

centrais que delineiam o processo de formação baseada em competências.

Isto, no entanto, sem se adentrar no vigoroso debate a respeito das

questões ideológicas que permeiam a noção de competências e a suas

implicações no âmbito da formação universitária.

O ponto de partida foi marcado pela seguinte pergunta que norteou

a pesquisa: Quais dos elementos que caracterizam a formação por

competências estão presentes nos cursos pesquisados? O objetivo foi

mapear os aspectos que caracterizam a formação baseada em

competências nos cursos investigados. Para responder à questão, foi

realizada pesquisa em dois cursos de graduação em Administração.

O marco de referência utilizado diz respeito ao Modelo de

Formação Baseada em Competências ou Pedagogia das Competências. O

uso de tal referência visava identificar o seu ajustamento à realidade

concreta, ou seja, o quanto ela se aproxima ou se distancia do modelo

teórico.

Este trabalho encontra-se estruturado da seguinte maneira: após esta

introdução são feitas breves considerações a respeito da noção de

competências, seguidas do resgate teórico sobre a Pedagogia das

Competências. Na sequência, há uma discussão preliminar sobre as

polêmicas, os limites e os desafios que permeiam a formação por

competências. O próximo tópico refere-se aos procedimentos

metodológicos, seguidos da apresentação, análise e discussão dos

resultados. Por fim, apresentam-se considerações a título de conclusão do

trabalho e as referências utilizadas no texto.

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIAS

A competência é uma noção marcada por sua polissemia e seu significado

varia em função daqueles que a utilizam (LÉVY-LEBOYER, 1997;

SHIROMA; CAMPOS, 1997). Ela assume lugar em diferentes esferas de

atividades, como o trabalho e a educação e tende a substituir a posição

central ocupada por outras noções que até então prevaleciam. Na esfera

do trabalho, a noção de competências tende a substituir a noção de

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 399

qualificação e, no âmbito educativo, as noções de saberes e

conhecimentos.

No âmbito do trabalho, o tema vem sendo estudado tanto no plano

organizacional, sob a ótica da gestão estratégica (BECKER; DUTRA;

RUAS, 2008; FLEURY; FLEURY, 2004; JAVIDAN, 1998; LEI; HITT;

BETTIS, 2001; PRAHALAD; HAMEL, 1995), quanto em nível

individual, que inclui a gestão de pessoas (BOYATZIS, 1982; DUTRA,

2008; LE BOTERF, 2003; ZARIFIAN, 2001).

Na esfera da educação, os estudos enfatizam diferentes aspectos,

tais como a formação de currículos, o processo de ensinar e aprender, a

avaliação e as competências docentes, além do enfoque privilegiado na

educação profissional, entre outros temas. Exemplos de estudos nesse

campo são os de Araújo (2001), Moretto (2009), Perrenoud (1999), Ropé

e Tanguy (2003), Rué, Almeida e Arantes (2009), Silva (2008), Zabala e

Arnau (2007).

A análise de diversos conceitos atribuídos ao tema permite

considerar que “a competência é inseparável da ação.” (ROPÉ;

TANGUY, 2003, p. 16). Ou, como afirma Perrenoud (1999, p. 10), a

construção de competências “é inseparável da formação de esquemas de

mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo real, ao

serviço de uma ação eficaz.”

Uma síntese que reúne as principais ideias sobre a noção de

competências é encontrada em Zabala e Arnau (2007). Segundo eles, a

competência refere-se à capacidade ou habilidade para realizar tarefas ou

atuar frente a situações diversas, de forma eficaz, em um determinado

contexto. Para isso é necessário mobilizar conhecimentos, habilidades e

atitudes, ao mesmo tempo e de forma inter-relacionada. O conhecimento

refere-se ao saber. As habilidades dizem respeito ao saber fazer, que está

relacionado com a prática do trabalho. As atitudes referem-se ao saber

ser.

A FORMAÇÃO BASEADA NA PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS

A implantação de mudanças que deem suporte à formação profissional

que o mundo contemporâneo impõe implica desafios para as Instituições

de Educação Superior (IES) e seus cursos. Implantar uma nova proposta

pedagógica envolve a definição de uma base conceitual, filosófica e

metodológica que possa direcionar a construção do processo de formação.

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

400 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

Nessa direção, procedimentos pedagógicos têm sido propostos

visando o desenvolvimento das competências requeridas pelo novo

padrão demandado para a realização do trabalho, configurando o que se

denomina Formação Baseada em Competências ou Pedagogia das

Competências. Esta pode ser entendida como um “conjunto de

formulações que visam à orientação das práticas educativas que tenham

por objetivo desenvolver as capacidades humanas necessárias ao exercício

profissional nas condições atuais de flexibilização do trabalho [...]”

(ARAÚJO, 2001, p. 43).

A adoção de um referencial de formação por competências

pressupõe a articulação de diversos saberes para resolver problemas do

dia-a-dia e enfrentar situações imprevisíveis, assim como mobilizar a

inteligência para fazer frente aos desafios colocados pelo trabalho

(FERNANDES et al., 2005).

Alguns elementos da ação educativa são considerados relevantes

quando esta se apóia na Pedagogia das Competências. Eles são

apresentados a seguir.

Na Pedagogia das Competências, o processo de formação tem o

objetivo de possibilitar o desenvolvimento de competências terminais

exigíveis ao final do curso, ano, ciclo ou formação, as quais são

explicitamente detalhadas e descritas em termos de saberes e ações

(ARAÚJO, 2001; TANGUY, 2003).

A organização curricular passa a ser feita, principalmente, a partir

dos elementos de competência identificados e normalizados. As normas

resultantes darão subsídios para a construção dos programas formativos.

Conforme propõem Vargas (2004) e Araújo (2001), a organização

modular do currículo é considerada, sob o enfoque das competências, a

mais adequada. Isso porque cada módulo poderia corresponder a uma ou

mais funções (unidades de competência) que o indivíduo deve

desempenhar em sua ocupação. Ela também facilitaria o desenvolvimento

individualizado de competências, pois cada módulo é relativamente

independente dos demais, possibilitando a cada indivíduo utilizar os

módulos na correspondência de suas necessidade de formação.

A esse respeito, Tanguy (2003) complementa que a Pedagogia das

Competências defende a passagem de um ensino centrado nos saberes

disciplinares a um ensino que produza competências verificáveis em

situações e tarefas específicas.

No entanto, Perrenoud (1999) afirma que o desenvolvimento de

competências na escola não leva a se renunciar às disciplinas, uma vez

que as competências mobilizam conhecimentos que são, em grande parte,

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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 401

de ordem disciplinar. Assim, desenvolver competências na escola não

opõe partidários das disciplinas e defensores do pluri, inter ou

transdisciplinar, mas aqueles que acreditam que a escola deveria ser

limitada ao desenvolvimento de capacidades intelectuais gerais fora de

qualquer referência a situações ou práticas sociais e aqueles que creem na

necessidade de desenvolver competências tanto dentro das disciplinas

quanto na sua interseção, trabalhando-se a transferência e mobilização de

conhecimentos em situações complexas (PERRENOUD, 1999).

A diferença que se estabelece na proposição curricular baseada em

competências é que, no centro do currículo, e, logo, da prática pedagógica

não está a transmissão dos saberes, mas o processo de construir, apropriar

e mobilizar esses saberes (BERGER FILHO, 2003).

Ramos (2002, p. 260) defende “um currículo que ressalte a

experiência concreta dos sujeitos como situações significativas de

aprendizagem.” Com isso, alguns princípios curriculares são resgatados

como importantes, tais como interdisciplinaridade e contextualização.

A ideia de conteúdos formativos é ampliada pela incorporação de

elementos do saber-fazer e do saber-ser, e ganha “um sentido largo,

constituindo-se não somente dos conhecimentos teóricos formalizados nas

matérias e disciplinas, mas de atitudes, comportamentos, hábitos,

posturas, elementos que possam compor uma capacidade de trabalho” e

que remetem a um saber, a um saber-fazer e a um saber-ser vinculados a

um contexto específico (ARAÚJO, 2001, p. 46).

Em relação aos métodos formativos, a Pedagogia das Competências

pressupõe a aproximação entre os processos formativos e as situações de

trabalho.

Os currículos são direcionados para desenvolver a capacidade de

resolução de problemas, compreendendo conhecimentos gerais e

profissionais, e a experiência de trabalho, que é vista como essencial para

alcançar esse fim. Dessa maneira, privilegia-se o método de ensino por

problema, que permite mobilizar, de forma combinada, conhecimentos,

habilidades e atitudes em situações autênticas ou parecidas com a

realidade.

Perrenoud (1999, p. 57) não fala simplesmente em problemas “para

insistir no fato de que, para ser „realista‟, um problema deve estar de

alguma maneira „incluído‟ em uma situação que lhe dê sentido”, pois,

segundo ele, a escola tem proposto, há várias gerações de estudantes,

problemas artificiais e descontextualizados. A situação-problema deve

colocar o aluno diante de uma série de decisões a serem tomadas, visando

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

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ao alcance de um objetivo que ele mesmo escolheu ou que lhe foi

proposto.

Outro aspecto relacionado à Pedagogia das Competências diz

respeito às práticas de alternância, que têm sido utilizadas visando superar

as propostas de formação que se apóiam unicamente nos conteúdos

disciplinares e como forma de aproximar teoria e prática. Trata-se de uma

modalidade formativa que implica alternar períodos de formação

realizados em empresas com outros, cumpridos em instituições

específicas de educação. Dessa forma, “não só as aprendizagens são

redefinidas em função das necessidades situadas, como as situações

específicas passam a constituir os principais momentos e locais de

formação das competências.” (ARAÚJO, 2001, p. 53). Sobre isso, Ropé e

Tanguy (2003) afirmam que:

[...] a atividade de formação, [...] ao se desenvolver, deslocou-se de

lugares especializados nessa função – como a escola – para outros

lugares e em especial para as empresas que, tendencialmente,

tornam-se lugares e agentes de formação e não só de produção de

bens ou de serviços materiais ou culturais (ROPÉ; TANGUY, 2003,

p. 18).

Também são valorizadas as práticas de trabalho em grupo, as

dramatizações e os seminários voltados para o desenvolvimento das

capacidades desejadas. Recursos como esses possibilitam “estimular a

autonomia e a capacidade de trabalhar sem que se tenham definidos os

passos a serem seguidos.” (ARAÚJO, 2001, p. 52). Também seria

importante adotar como meios de ensino e recursos didáticos os mesmos

instrumentos utilizados em atividades de trabalho.

Para a Pedagogia das Competências, o processo de avaliação tem

grande importância, o que pode ser verificado na fala de Perrenoud

(1999):

[...] se a abordagem por competências não transformar os

procedimentos de avaliação – o que é avaliado e como é avaliado –

são poucas as suas chances de „seguir adiante‟. Melhor seria

reformar simultaneamente os programas e os procedimentos de

avaliação. Isso deveria ser automático, porém não costuma ser feito:

chega a ser excepcional ver um sistema educacional repensar, ao

mesmo tempo, a avaliação e os programas, pois isso envolve outros

especialistas, outras comissões, conforme outros calendários

(PERRENOUD, 1999, p. 77).

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 403

Privilegia-se a aprendizagem em ritmo individual e gradual

(RAMOS, 2002). Assim, a avaliação deve respeitar a individualidade do

aluno, compreendendo o acompanhamento de todo o processo de ensino-

aprendizagem, desde o seu ingresso no curso. Devem ser identificadas as

necessidades e dificuldades do estudante para, desta forma, propor

estratégias capazes de superar dificuldades. Logo, a avaliação deve

caracterizar-se como processual e formativa (FERNANDES, et al., 2005).

Outro aspecto requerido pela Pedagogia das Competências refere-se

à redefinição dos papéis dos sujeitos da prática educativa, como afirmam

Perrenoud (1999) e Araújo (2001). Segundo Araújo (2001), dos alunos

espera-se maior responsabilidade em relação a seu próprio

desenvolvimento de competências e ao seu sucesso ou fracasso; dos

professores, que privilegiem a aprendizagem em detrimento do ensino e

que abandonem atitudes de centralização do conhecimento em sua pessoa

e a ênfase nos conteúdos disciplinares em favor do papel de estimuladores

e provocadores do desenvolvimento do aluno.

Finalizando, Brunier (2001, p. 3) acrescenta que um aspecto

fundamental das novas concepções pedagógicas, entre as quais se

encontra a Pedagogia das Competências, é o “questionamento do ensino

como inculcação de conteúdos de que apenas o adulto ou o especialista

conhece o valor.” As novas pedagogias partem do princípio de que “é

preciso tornar os saberes significativos interessantes. O aluno precisa

compreender já o real valor do que está sendo trabalhado e acreditar

nisso.”

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO BASEADA EM COMPETÊNCIAS:

POLÊMICAS, LIMITES E DESAFIOS

A noção de competências é apropriada pela educação como consequência

da necessidade de superação de “um ensino que, na maioria dos casos,

reduziu-se a uma aprendizagem cujo método consiste em memorização,

[...] fato que acarreta na dificuldade para que os conhecimentos possam

ser aplicados na vida real.” (ZABALA; ARNAU, 2007, p. 17).

Entre os desafios que a noção de competências impõe à educação

estão a reconstrução da transposição didática, a revisão das disciplinas, a

criação de novas formas de avaliar e a reorientação da formação dos

docentes, entre outros, segundo Perrenoud (1999).

A despeito dos argumentos daqueles que se mostram favoráveis ao

uso da noção de competências no ensino, não se verifica consenso na

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

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literatura sobre a conveniência de sua adoção. Há sim, muita polêmica em

torno do tema e evidentes resistências.

Entre polêmicas e limites, está a discussão com foco na visão

pragmática e utilitarista da abordagem das competências. Segundo

Machado (1998a) as implicações de seu uso na educação seriam a

implantação da pedagogia da adaptação e do ajustamento à lógica

mercantil. Cabe lembrar que a lógica das competências se insere, no caso

brasileiro, em um contexto de reforma mais ampla que “[...] objetiva a

flexibilização da formação nos cursos de graduação para uma adaptação

permanente a cada nova realidade do mercado.” (CATANI; OLIVEIRA;

DOURADO, 2004, p. 13). A consequência de tal processo poderá ser o

aligeiramento da formação e a massificação da educação superior.

Segundo a lógica das competências, ser competente implica mais do

que ter um estoque de conhecimentos, títulos e diplomas. Significa

comprovar capacidade real para realizar os desafios que vão surgindo.

Essa lógica pode, por sua vez, encobrir um problema estrutural que se

traduz no crescente desequilíbrio entre a oferta e a demanda por

profissionais qualificados e exaltar a empregabilidade, responsabilizando

o trabalhador pelo seu insucesso na obtenção de emprego (MACHADO,

1998b).

Fidalgo e Fidalgo (2007) reforçam essa crença e acrescentam que a

noção de competências fortalece o processo de individualização,

observado no discurso que culpabiliza os trabalhadores pelo fracasso no

mercado de trabalho.

Também chama atenção o fato de a formação considerar apenas o

que é útil ao sistema produtivo, desconsiderando aquilo que é necessário à

sociedade. Logo, o que se verificará será o descomprometimento com o

futuro e a conformidade com o presente “[...] reforçando as atuais

relações sociais de dominação e de exploração do trabalho [...]”

(ARAÚJO, 2004, p. 10).

Como se pode verificar, o debate em torno do tema é diverso e

parece longe de qualquer consenso entre defensores e opositores da lógica

das competências. Em termos práticos, não se pode ignorar, no entanto,

que o tema ganhou espaço no discurso sobre a educação no século XXI e

foi incorporado às diretrizes educacionais em diversos países, incluindo o

Brasil. Resta, além do debate, saber se tal discurso tem encontrado ou não

ressonância na prática. É nessa direção que o presente trabalho busca

caminhar.

Simone Costa Nunes

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Tendo como referência o Modelo de Formação Baseada em

Competências ou Pedagogia das Competências, o estudo buscou

identificar a presença de elementos que compõem tal modelo em cursos

de graduação em Administração.

Visando discutir o assunto, dois estudos de caso foram selecionados

de uma pesquisa realizada entre 2003 e 2006, em três etapas que

compreenderam 12 cursos e 25 pessoas, em sua maioria, coordenadores

de curso.

A escolha dos dois casos seguiu alguns critérios, a saber:

a) cursos de IES localizadas em Belo Horizonte, Minas Gerais; foram

encontrados 51 cursos em funcionamento até o final de 2002, conforme

banco de dados do INEP;

b) cursos generalistas, ou seja, que não tivessem ênfases ou habilitações –

isso se justifica tendo em vista que as DCN dos cursos de graduação em

Administração não apresentavam especificidades quanto a habilitações e

ênfases, tratando os cursos de forma genérica; dos 51 cursos identificados,

16 atendiam a este critério;

c) ter formado pelo menos a primeira turma até o final do segundo

semestre de 2002, pois assim, o projeto inicial já estaria totalmente

implantado quando do início da pesquisa; seis cursos restaram;

d) cursos que apresentassem um discurso voltado à formação por

competências, o que seria verificado nas duas etapas iniciais da pesquisa;

dois cursos foram identificados, de duas diferentes IES, tendo em comum

a presença de uma Coordenação Pedagógica, que reforçava a ênfase na

formação por competências.

A escolha por estudar o curso de graduação em Administração

ocorreu devido à sua representatividade. Em 1998, era o curso que

detinha o primeiro lugar em número de vagas oferecidas (12,80%), o

segundo lugar em número de inscrições no vestibular (9,66%) e também o

segundo lugar em número de matrículas em todo o país (12,11%). Em

2004, já era o curso que concentrava maior número de alunos no país

(14,91% do total de matrículas em cursos de graduação).

Quanto à representatividade do município escolhido tem-se que,

segundo dados do Censo da Educação Superior de 2002, Belo Horizonte

encontrava-se em quarto lugar em quantidade de alunos matriculados no

país (2,68% do total de matrículas em cursos de graduação), quinto lugar

em quantidade de Instituições da Educação Superior (2,08% do total) e

em sexto lugar em número de cursos de graduação (1,49% do total).

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

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Para efeito deste trabalho, os cursos investigados receberam nomes

fictícios, sendo um denominado curso Alfa e o outro, curso Beta. Os

resultados apresentados foram obtidos na terceira etapa da referida

pesquisa. Os dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas e

documentos como manual do aluno e projeto pedagógico. As entrevistas

foram conduzidas com dois coordenadores pedagógicos do curso Alfa e

um coordenador pedagógico do curso Beta. Os entrevistados do curso

Alfa são identificados ao longo do texto com um único código (E.Alfa),

pois, como foi realizada uma única entrevista com a participação

simultânea de ambos, suas falas se misturaram. O entrevistado do curso

Beta é identificado com o código E.Beta.

O roteiro de entrevista foi estruturado com base em categorias e

subcategorias preestabelecidas, cuja referência foi o Modelo de Formação

Baseada em Competências ou Pedagogia das Competências, conforme

Quadro 1.

Quadro 1: Categorias de análise

Categorias Subcategorias

Currículo/Conteúdo

Objetivo do processo de formação, Organização curricular

(Modular x Disciplinar), Interdisciplinaridade, Saberes

enfatizados

Métodos formativos

Situações-problema, Práticas de alternância, Trabalho em

grupo, Integração teoria e prática, Instrumentos utilizados em

atividades de trabalho

Avaliação Saberes avaliados, Avaliação processual, Avaliação formativa

Papéis dos sujeitos Professor, Aluno

Os dados foram analisados com base no método de análise de

conteúdo, a partir das categorias estabelecidas. Um dos aspectos

essenciais da análise de conteúdo é

[...] o emprego de categorias, obtidas, com frequência, de modelos

teóricos: as categorias são trazidas para o material empírico e não

necessariamente desenvolvidas a partir deste, embora sejam,

repetidas vezes, avaliadas contrastivamente a esse material e, se

necessário, modificadas (FLICK, 2004, p. 202).

Desta maneira o estudo adotou a abordagem metodológica do tipo

qualitativo-descritiva. Justifica-se essa escolha tendo em vista seu

objetivo, privilegiando-se um método tão aberto que fizesse justiça à

complexidade do objeto de estudo. A expectativa era menos testar o que

já era bem conhecido e mais possibilitar a descoberta do novo.

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 407

O método refere-se ao estudo de casos múltiplos (dois casos).

Segundo Triviños (1987, p. 136), esse tipo de estudo não tem a

necessidade de “perseguir objetivos de natureza comparativa.” Eles

podem, conforme Yin (2001), seguir a lógica da replicação, cujos casos e

conclusões estão unidos por uma teoria de ordem prática ou de ordem

apenas acadêmica.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Curso Alfa

O curso de Administração Alfa possuía um projeto pedagógico desde a

sua implantação no segundo semestre de 1998.

No primeiro semestre de 2004, uma nova matriz curricular entrou

em vigor no curso, tendo sido mantida a organização curricular baseada

em disciplinas. Entre as modificações ocorridas estavam as alterações na

sequência de algumas disciplinas e a extinção de outras.

Para evitar o isolamento dos conteúdos, resultado da

compartimentação do conhecimento, a interdisciplinaridade era

valorizada e cobrada dos professores pela Coordenação Pedagógica.

Até o ano de 2003, havia um trabalho interdisciplinar, cujo

resultado era um plano de negócios realizado em todos os períodos,

envolvendo todas as disciplinas de um mesmo período. Porém, uma série

de conflitos gerados em seu desenvolvimento, tendo em vista a presença

de alunos irregulares nas turmas levou à sua extinção no curso e fez com

que se buscassem outros tipos de atividades que pudessem possibilitar a

interdisciplinaridade. Como exemplos dessas atividades, têm-se as visitas

técnicas, as palestras realizadas para os alunos do curso e os jogos de

empresa. Nesses casos, o que se esperava era a definição de conteúdos

interdisciplinares, de forma que as disciplinas envolvidas pudessem

buscar para si o conteúdo daquela experiência.

Sobre isso, no entanto, verificou-se que havia muito mais uma

intenção de se trabalhar de forma interdisciplinar do que a existência de

uma prática real no curso. Segundo disseram os entrevistados, os

professores tinham dificuldades em lidar com a questão. Isso pode ser

espelhado no trecho da fala a seguir: “E a atividade da

interdisciplinaridade que a gente não tem conseguido. [...] Por que,

também, falta o quê? Um conhecimento do professor do [...] a gente

chama de interdisciplinar.” (E.Alfa).

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

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No projeto do curso, encontravam-se estruturadas habilidades

genéricas para o egresso, que eram as mesmas para todos os cursos dessa

instituição de ensino superior. No entanto, havia nos planos de ensino das

disciplinas do curso de Administração um desdobramento de tais

habilidades em três conjuntos básicos, a saber: conceituais,

procedimentais e atitudinais. Essas habilidades serviam de parâmetro para

o estabelecimento dos demais itens do plano, como objetivos das

disciplinas, conteúdo programático e avaliação.

No segundo semestre de 2006, o curso possuía duas estruturas

curriculares vigentes: a antiga (do sétimo ao oitavo período) e a nova (do

primeiro ao sexto período). Por isso, os planos de ensino referentes à nova

matriz curricular ainda estavam em construção. À medida que a matriz

nova era implantada, o professor que assumia uma determinada disciplina

recebia a ementa, a relação de habilidades e a bibliografia. A partir daí,

ele definia o conteúdo programático e a forma de avaliar. Em seguida, a

Coordenação Pedagógica analisava os planos de ensino visando verificar

se atendiam à formação das habilidades conceituais, procedimentais e

atitudinais propostas.

As ementas das disciplinas tinham sido definidas pela Coordenação

de Curso, que, juntamente com professores de cada disciplina, definia

também os conteúdos. Esses conteúdos, por sua vez, estavam associados

às habilidades.

Elementos do saber-fazer estavam presentes nas disciplinas, na

forma das habilidades procedimentais, e do saber-ser, nas habilidades

atitudinais. O saber conceitual estava relacionado às habilidades

conceituais.

Para os entrevistados, o saber conceitual referia-se ao “nível mais

primário do conhecimento.[...] Conhece, foi apresentado.” (E.Alfa). No

entanto, ele devia estar associado ao procedimental e atitudinal, conforme

explicita o trecho da fala a seguir: “[...] Conceitual é uma coisa muito

primária [...] eu posso estudar o procedimento e atitude, e aprender o

conceito, mas jamais eu posso ficar só no conceito e deixar pra aprender

depois, quando eu for trabalhar.” (E.Alfa)

A despeito disso, os entrevistados percebiam dificuldades nos

docentes para trabalhar as três habilidades, ficando mais na parte

conceitual. Isso ocorria devido à dificuldade de se definirem quais

atividades estariam relacionadas ao desenvolvimento de cada uma das

habilidades previstas.

Essa crença pode ser corroborada por meio da análise das provas. A

Coordenação Pedagógica observou que eram privilegiadas questões do

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 409

tipo cite, identifique e enumere. Nesses casos, apenas o saber conceitual

era avaliado.

Em termos de princípios pedagógicos nos quais se baseava o

processo de ensino e aprendizagem no curso, foi dito que era utilizado um

pouco do trabalho de Zabala (1999). Buscava-se, em tal autor, uma

referência para rever a forma como o professor trabalhava e percebia o

conteúdo de sua disciplina.

Quanto aos métodos utilizados, verificou-se que era sugerido, pela

Coordenação Pedagógica, o uso de situações-problema. Alguns

professores utilizavam estudos de casos que eles mesmos tinham

elaborado ou aqueles presentes em determinados livros adotados nas

disciplinas. Tais casos tanto podiam referir-se a situações reais, quanto

fictícias. Essa era uma das formas de se tentar aliar teoria e prática,

conjugando os três tipos de habilidades previstas no curso.

Além disso, outras atividades e práticas presentes no curso visavam

à aproximação entre teoria e prática, tais como: visitas técnicas,

elaboração de projetos de negócios pelos alunos e sua apresentação em

feira de empreendedores, diversos tipos de trabalhos solicitados nas

disciplinas e exemplos advindos da experiência profissional dos

professores.

Verificou-se que não havia qualquer tipo de exigência no curso

quanto à utilização de um método ou outro. O que existia era uma

tentativa de direcionamento dado pela Coordenação Pedagógica e

Coordenação de Curso por meio de sugestões aos professores. Visava-se

sempre ao uso de procedimentos que estimulassem a atenção do aluno,

considerando-se que muitos chegavam cansados após seu trabalho. E,

ainda a respeito desse assunto, os entrevistados fizeram a seguinte

ponderação: “[...] não tem como, na realidade, você obrigar que o

professor faça de uma forma que ele também não tá familiarizado a fazer.

[...] Você pode querer, e ele não dar conta. E aí? Então, é preferível a aula

dele. E, em cima do que ele apresenta, a gente tentar modificar.” (E.Alfa).

Sobre a existência no curso de instrumentos que eram utilizados em

atividades reais de trabalho, os entrevistados não tinham informações.

No que tange às práticas de alternância, o que se verificou foi a

obrigatoriedade quanto à realização de estágio supervisionado a partir do

5o período do curso. O aluno deveria cumprir 320 horas de estágio, que

poderia ser realizado na própria IES ou em outras organizações.

Valorizava-se o trabalho em grupo no curso, pois era entendido que

isso poderia levar o aluno a aprender a dividir e respeitar o outro. Foram

citados exemplos de práticas que possibilitavam esse tipo de trabalho: os

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

410 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

jogos de empresas e os projetos desenvolvidos para a feira de

empreendedores. Ambos estavam formalmente inseridos no curso e deles

participavam todos os alunos nos correspondentes períodos.

Sobre o processo avaliativo, verificou-se que havia orientação no

sentido de elaboração de provas que buscassem equilibrar questões que

avaliassem os três tipos de habilidades – conceituais, procedimentais e

atitudinais. Na prática, contudo, o que se percebia era a ênfase nos

aspectos conceituais, como já observado anteriormente. Nesse sentido, as

avaliações acabavam privilegiando a aquisição de conhecimentos em

detrimento da aquisição de competências. A fala a seguir espelha essa

realidade: “Geralmente, as provas que a gente pega, tá tudo dentro do

conceito. [...] O que a gente tem sugerido? Vê se você consegue

equilibrar, dentro da sua avaliação, conceitual, procedimental e

atitudinal.” (E.Alfa).

Havia expectativas de que a avaliação no curso fosse processual e

formativa. Os pontos referentes à avaliação do semestre deviam ser

distribuídos da seguinte maneira: provas – uma de 20 pontos, outra de 25

e uma final de 30; trabalhos em sala de aula – 25 pontos. Os pontos de

trabalho deviam ser distribuídos em pequenas avaliações cujo valor não

deveria ser superior a nove pontos. Isso, para evitar o acúmulo de

conteúdos em uma ou poucas avaliações e também para evitar o

distanciamento entre o momento em que o conteúdo foi desenvolvido e a

sua avaliação. A despeito disso, foi relatado que alguns professores não

seguiam essas normas. Nesse caso, a Coordenação Pedagógica os

advertia.

Quanto ao caráter formativo da avaliação, foi dito que alguns

professores realizavam reavaliação do conteúdo quando identificavam

dificuldades na aprendizagem a partir dos resultados obtidos nas provas.

Nesses casos, primeiro era feita a revisão do conteúdo em questão e, em

seguida, aplicada a avaliação. Isso, no entanto, não era uma prática

corrente no curso. Dependia do professor. Alguns não adotavam esses

procedimentos.

Os professores eram percebidos como centralizadores do processo

de ensino-aprendizagem. Os entrevistados entendiam que isso era

resultado da formação pela qual os docentes tinham passado em sua

própria aprendizagem, e que refletia na reprodução do modelo: “Com

certeza, e centralizam. Isso é bem específico e característico da própria

[formação], dependendo até do curso, mesmo, eu diria, porque acha que é

daquela forma [...]. Foi assim que ele aprendeu: com exemplos de outros

professores que eles tiveram.” (E.Alfa).

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 411

Outra constatação dizia respeito aos professores novatos e àqueles

de menor idade. A Coordenação Pedagógica os via como mais abertos e

suscetíveis a aceitarem sugestões. Os docentes mais antigos eram aqueles

que apresentavam resistência à mudança, argumentando que: “eu sempre

fiz assim e vou continuar fazendo assim.” (E.Alfa).

A autonomia do aluno era vista como importante e deveria ser

incentivada pelo professor. Os alunos deveriam ser percebidos como

sujeitos de sua própria formação. No entanto, os entrevistados

ponderaram que não se consegue esse resultado se os professores não

pensarem da mesma forma: “Então, se o professor tem uma ideia que ele

vai lá passar o conteúdo dele, o aluno também fica como mero

[receptor].” (E.Alfa).

Curso Beta

O último currículo formatado para o curso de Administração Beta tinha

sido implantado no primeiro semestre de 2004 e não tinha sofrido outras

alterações até o segundo semestre de 2006, quando foi realizada a terceira

etapa da coleta de dados. Desde a implantação da nova matriz curricular,

o projeto pedagógico do curso também passava por modificações. Como

afirmou o entrevistado, o curso tinha passado por mudanças que não

haviam sido agregadas ao projeto.

O novo currículo mantinha a organização por disciplinas. Em

nenhum momento havia sido pensada a organização modular, como

afirmou E.Beta. Ele entendia que a ideia de currículo modular não

passava pela graduação. As alterações na matriz curricular ocorreram

tanto no arranjo das disciplinas, quanto em seu conteúdo. Algumas foram

criadas, umas eliminadas e outras tiveram o seu conteúdo alterado.

Visando minimizar os efeitos da divisão disciplinar, buscava-se

trabalhar a questão da interdisciplinaridade a partir de um trabalho

inserido no projeto do curso, do 1o ao 6

o período, o trabalho

interdisciplinar. Era dado um tema abrangente, por período, e um tema

específico, por disciplina. Do 1o ao 4

o período o tema estava relacionado

ao eixo de empreendedorismo; no 5o e no 6

o período, à consultoria.

A despeito disso, o entrevistado ponderou que havia um problema

relacionado a esse trabalho interdisciplinar. Os professores tendiam a

apresentar resistências quanto a trabalhar a interdisciplinaridade e ficavam

restritos à sua área de conhecimento. Isso era uma questão de cultura

entre eles. A fala a seguir explicita essa informação: “[...] a dificuldade é

a questão cultural dos nossos professores. Primeiro, interdisciplinar é uma

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

412 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

questão cultural dos professores. Não aceitam. Cada um na sua área de

conhecimento e, às vezes, de abrir a guarda e mostrar que tá deficiente e

não domina o outro conteúdo.” (E.Beta).

Além disso, percebia-se que muitos professores tinham dificuldades

para contextualizar os conhecimentos na ação. Para o entrevistado, muitos

acreditavam que a contextualização daria muito trabalho e estenderia

demais o conteúdo. Por sua vez, ele acreditava que contextualizar era

fundamental para o entendimento do conteúdo a ser trabalhado.

Competências e habilidades estavam presentes no projeto

pedagógico do curso sem, contudo, estarem separadas por disciplinas.

Além disso, elas não constavam nos planos de ensino. No entanto,

buscava-se discutir com os professores quais eram aquelas referentes às

suas disciplinas, conforme explicita a fala a seguir: “Agora, específico,

por disciplina, a gente até discute com cada professor essa questão e tenta

colocar pra ele quais são as competências e as habilidades necessárias

naquela disciplina, mas isso não é explícito no plano de ensino.” (E.Beta).

Isso ocorria na medida em que o novo currículo era implantado. A

Coordenação de Curso, juntamente com os professores das disciplinas,

reformulava o plano de ensino no que tange a ementa, finalidades,

unidades e subunidades. Nesse momento, eram, então, definidos os

conteúdos com base nas competências a desenvolver.

Elementos do saber-fazer estavam presentes nos conteúdos a partir

das habilidades definidas. Segundo o entrevistado, sempre se buscava

reforçar com os professores, em reuniões e encontros, a importância da

associação entre o saber conceitual e o saber-fazer.

Elementos do saber-ser também estavam presentes nas disciplinas.

Os professores inseriam nos conteúdos questões relacionadas a

comportamentos e atitudes, tais como ética e postura.

Em termos de princípios pedagógicos nos quais se baseava o

processo de ensino e aprendizagem, o entrevistado somente afirmou que

não havia uma linha específica. Nesse caso, a Pedagogia das

Competências não foi citada como a norteadora.

Quanto aos métodos utilizados, verificou-se o uso de estudos de

casos referentes a situações tanto reais quanto fictícias, vivenciadas ou

criadas pelos professores e também pelos alunos. Era um direcionamento

dessa instituição a associação entre a teoria e a prática e, por isso, além

dos estudos de casos, outras formas eram utilizadas com o objetivo de

promover tal associação. Uma delas era a possibilidade de os alunos

participarem de projetos da IES em empresas (como bolsistas ou

voluntários). Outras eram os estágios, trabalhos em grupo e o trabalho

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 413

interdisciplinar. Todas essas atividades possibilitavam o contato do aluno

com empresas.

Segundo o entrevistado havia uma série de metodologias que eram

utilizadas ao longo dos períodos, buscando-se uma diversificação

constante. No entanto, ele acrescentou que havia professores que pouco

diversificavam, privilegiando aulas expositivas. Isso era verificado por

meio dos cronogramas das disciplinas, nos quais constavam, entre outros,

os métodos usados. Nesses casos, as Coordenações buscavam mostrar aos

docentes que era possível diversificar os métodos em qualquer disciplina.

Sobre a existência de instrumentos utilizados em atividades reais de

trabalho no curso, falou-se sobre o uso do software estatístico Minitab em

aulas no laboratório.

No que tange às práticas de alternância, o que se pôde verificar foi a

obrigatoriedade do estágio supervisionado no 7o e 8

o período do curso. O

aluno deveria cumprir 120 horas de estágio.

O trabalho em grupo era valorizado no curso, sendo o trabalho

interdisciplinar um exemplo que possibilitava esse tipo de trabalho.

Privilegiava-se, no curso, tanto a transmissão de conhecimentos

quanto a formação de competências, conforme percepção do entrevistado,

que afirmou: “Eu acho que eles são paralelos.”. (E.Beta). Por outro lado,

ele disse também que havia professores que davam ênfase maior ao

conhecimento em detrimento das competências.

Percebia-se no curso que, a despeito da busca pela formação de

competências, enfatizando-se conhecimentos, habilidades e atitudes,

ainda havia uma cultura entre os professores de acharem que deveriam

avaliar somente o conhecimento. De outro lado, o entrevistado disse que

havia um esforço da Instituição no sentido de mudar essa cultura: “e que é

difícil, mas a gente tem conseguido. [...] Tem aquele professor resistente,

mas que aos poucos também a gente tá percebendo que ele já tá cedendo e

já tá buscando valorizar essa questão do conhecimento, da habilidade e da

atitude.” (E.Beta).

Quanto ao caráter formativo e processual da avaliação, algumas

observações foram feitas. Os professores deveriam distribuir 50 pontos

em uma prova final e 50 pontos no decorrer do semestre letivo. Porém,

nem todos avaliavam os alunos após a realização de cada atividade ou ao

final de cada unidade, conforme afirmado: “[...] há a cultura ainda

daquele professor que deixa pra avaliar somente no final. [...] Acumula as

unidades e depois agenda um dia lá de prova em que ele vai avaliar tudo

que foi dado, ela não acontece processual.” (E.Beta). Por outro lado,

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

414 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

afirmou também que: “[...] a maioria já tem buscado a avaliação

processual.” (E.Beta).

Quando a maior parte de uma turma apresentava um resultado ruim

em determinada avaliação, muitos professores a substituíam. Como

afirmou o entrevistado:

O ideal seria, né, você avalia, pega o resultado, coloca pra turma,

socializa e busca refletir sobre porquê a turma foi mal naquela

disciplina. Isso a gente tem incentivado o professor fazer isso. [...]

levar pra turma esse resultado e trabalhar com eles as dificuldades

que foram apresentadas na avaliação. Isso já acontece em muitas,

com muitos professores, esse retorno da avaliação e, por meio

daquele retorno, reavaliar. (E.Beta).

Nesses casos, a avaliação poderia ser vista como formativa.

Em relação ao papel do docente no processo de formação, o

entrevistado disse que se privilegiava o professor facilitador da

aprendizagem. Entretanto, havia aqueles que ainda resistiam,

centralizando tudo em si mesmos, o que contrariava as expectativas de se

ter o aluno como coparticipante do processo de ensino e aprendizagem.

Por fim, a esse respeito, o entrevistado disse que o aluno levava para o

curso uma bagagem grande e, portanto, esta deveria ser socializada em

sala de aula.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Com base nos casos investigados, pôde-se chegar a alguns resultados, que

são apresentados a seguir.

Em ambos os casos, guardando-se devidamente as suas

peculiaridades, tinham sido definidas competências e/ou habilidades

exigíveis ao final do curso. Ou seja, conforme propõe a formação baseada

em competências, aquilo que os alunos deverão ser capazes de fazer ao

finalizar o curso, quais competências deverão ser desenvolvidas

(ARAÚJO, 2001). No entanto, em apenas um dos casos pôde-se constatar

que as competências tinham sido detalhadas e explicitadas nos planos de

ensino das respectivas disciplinas que deveriam formá-las. No outro caso,

o entrevistado afirmou que a coordenação de curso discutia com o

professor sobre quais competências sua disciplina deveria desenvolver. A

esse respeito, cabe ressaltar que num currículo estruturado em função das

competências, primeiro devem ser identificadas as competências para, em

seguida, serem definidos os conteúdos, como afirma Costa (2005, p. 55):

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 415

“a relação deve ser das competências para os conteúdos. Os conteúdos

devem ser trabalhados pautados nas competências.”

Os currículos de ambos os cursos eram organizados na forma

disciplinar. Em nenhum deles foi considerado o formato de currículo

modular, quando de sua estruturação, conforme propõem Araújo (2001) e

Vargas (2004). A esse respeito, no entanto, Perrenoud (1999) pondera que

é infundado o temor de alguns quanto ao fato de que desenvolver

competências na escola levaria à renúncia às disciplinas. Não há

incompatibilidade entre a organização disciplinar e o desenvolvimento de

competências. A diferença é que, para construir competências, as

disciplinas devem ser apenas o meio, passando a se orientar para

desenvolvê-las.

Nos dois cursos estavam presentes elementos do saber-fazer e do

saber-ser. Em um dos casos, o saber-fazer estava relacionado às

habilidades procedimentais que deveriam ser desenvolvidas nos alunos e

o saber-ser, às habilidades atitudinais. No outro, o saber-fazer aparecia

relacionado às habilidades a serem formadas, enquanto o saber-ser era

relativo a comportamentos e atitudes que se esperava desenvolver. A

presença desses três elementos corrobora com a ideia de que a

competência é definida em função do trio “saberes, savoir-faire, saber-

ser.” (STROOBANTS, 2003, p. 142).

Em um dos cursos buscava-se trabalhar a questão da

interdisciplinaridade a partir de trabalho denominado interdisciplinar,

previsto no projeto pedagógico do curso. No outro curso, esse tipo de

trabalho tinha estado presente no projeto até o ano de 2003, quando foi

extinto. Nesse caso, a interdisciplinaridade era buscada a partir de visitas

técnicas, palestras e jogos de empresa. A despeito disso, em ambos os

casos verificou-se que trabalhar de forma a privilegiar a

interdisciplinaridade era mais uma intenção dos cursos do que uma prática

efetiva. As dificuldades apontadas dizem respeito à resistência

apresentada pelos docentes e também à falta de conhecimento sobre o

assunto.

É possível que a resistência advinda dos professores seja

consequência da falta de esclarecimentos a respeito do tema

interdisciplinaridade. Santomé (1998) chama atenção para a pouca

clareza e a ausência de consenso quanto ao significado do termo, fato esse

observado em trabalhos e discursos sobre o tema. Além disso, projetos

interdisciplinares demandam esforços coletivos, o que pode ser

dificultado ou mesmo inviabilizado pela excessiva carga horária assumida

pelos docentes. Firmino e Cunha (2006) corroboram essas crenças e

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

416 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

acrescentam que a implantação de projetos coletivos sofre limitações

relativas também à organização do tempo e dos espaços escolares,

considerando-se as distâncias entre setores e à falta de formação nesse

sentido.

Em ambos os cursos, os professores utilizavam estudos de casos

como meio para integrar teoria e prática. No entanto, isso não significa

que, nesses cursos, se privilegiasse o método de ensino por problema.

Cabia aos professores decidirem por utilizar, ou não, esse tipo de método

e eram eles também, basicamente, que desenvolviam tais casos.

Não se pode esperar do professor, no entanto, que ele, sozinho,

imagine e crie, continuamente, as situações-problema a serem propostas

aos alunos. Perrenoud (1999, p.61) observa que um esforço como esse

requer a atuação em conjunto de outros atores tais como, “os editores ou

os serviços de didática.” Contudo, esse mesmo autor reconhece que essa

não é tarefa fácil e exigiria reinventar meios de ensino.

Outras atividades desenvolvidas nos cursos tinham também como

objetivo integrar teoria e prática. Em um deles, foram citados: visitas

técnicas, projetos de negócios, trabalhos diversos desenvolvidos nas

disciplinas, exemplos dados pelos professores. No outro, foram relatados:

participação em projetos de consultoria em empresas, estágios, trabalhos

em grupo e trabalho interdisciplinar.

Se tais atividades possibilitam, de um lado, alguma

contextualização do conhecimento, de outro lado, parte delas, como

visitas técnicas e exemplos de professores, não oportunizam a

mobilização de competências. A esse respeito, Perrenoud (1999, p.31)

enfatiza que a competência se constrói com a prática, na qual se

multiplicam as situações de interação. Para ele, “a competência situa-se

além dos conhecimentos. Não se forma com a assimilação de

conhecimentos [...] mas sim com a construção de um conjunto de

disposições e esquemas que permitem mobilizar os conhecimentos na

situação, no momento certo e com discernimento.”

Sobre o uso de instrumentos utilizados em atividades reais de

trabalho, não foram encontradas informações relevantes. Em um dos

casos foi lembrado apenas o Minitab, usado em aulas no laboratório de

informática.

Os métodos utilizados nos cursos eram diversificados. Não havia,

em nenhum deles, exigência quanto ao uso de um ou outro método,

cabendo aos professores decidirem por aqueles que considerassem

adequados. Entretanto, um entrevistado disse que os professores tendiam

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 417

à pouca diversificação, concentrando-se mais no método da aula

expositiva.

No contexto da formação por competências, Perrenoud (1999, p.62)

faz menção ao uso preferencial de softwares didáticos e aplicativos, como

editores de textos, programas de desenhos ou gestão de arquivos,

planilhas e calculadores, para exemplificar, “que são os auxiliares diários

das mais diversas tarefas intelectuais”. Em última análise, isso

significaria, ao menos parcialmente, reinventar meios de ensino em

função de uma Pedagogia das Competências.

As práticas de alternância foram encontradas nas atividades de

estágio supervisionado obrigatório, em ambos os casos. Em um deles, o

aluno teria que cumprir 320 horas, enquanto no outro, 120 horas.

Entretanto, apesar de o estágio supervisionado ser considerado o lugar

privilegiado da prática nos cursos, esta não pode se restringir ao estágio.

Ou seja, diferentes ações devem ser empreendidas nos cursos a fim de

inserir o aluno em realidades concretas, permitindo que os saberes

adquiridos sejam mobilizados. Isso porque, conforme afirmam Ropé e

Tanguy (2003, p. 16), “a competência é inseparável da ação”.

Além disso, o estágio deve estar alinhado ao conteúdo do curso, sob

pena de deixar de cumprir o seu papel de articulador da formação

profissional caso isso não ocorra.

Nos dois cursos acreditava-se que parte dos professores tendia a

privilegiar a transmissão de conhecimentos aos alunos, em vez do

desenvolvimento de suas competências. Além disso, o processo avaliativo

tendia a enfatizar a aquisição de conhecimentos em detrimento da

aquisição de competências.

Ainda, sobre a avaliação, apesar de haver expectativas das

instituições no sentido de uma avaliação processual e formativa, esses

conceitos não se apresentavam na prática de todos os docentes.

Tais aspectos podem ser explicados, de um lado, com base na

reflexão de Perrenoud (1999, p.82) que ressalta que a maioria dos

professores teve formação em escolas que se centravam nos

conhecimentos. Logo, “[...] para muitos docentes, a abordagem por

competências não diz nada, pois nem sua formação profissional, nem sua

maneira de dar aula predispõem-nos para isso” (PERRENOUD, 1999, p.

82).

De outro lado, a proposta de avaliação formativa no ensino superior

pode encontrar dificuldades frente a questões como a quantidade de

alunos nas classes, que pode ser uma barreira à consideração de que os

estudantes têm ritmos diferentes de aprendizado e, portanto, necessitam

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

418 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

de tempos diferenciados para absorver os conteúdos. Além disso, o tempo

que se propõe para a conclusão de cada disciplina pode dificultar o

retorno, sempre que necessário, aos conteúdos já trabalhados e avaliados.

Sobre tal questão, Zabala e Arnau (2007, p.23) lembram que uma

formação por competências requer mudanças significativas não só no

ensino e na formação dos docentes, mas também na estrutura da escola e

na gestão dos horários. Ensinar com base em competências “[...] exige um

tempo maior e uma dinâmica de aula muito distanciada do modelo

tradicional de ensino de caráter transmissivo.”

Finalizando, nos dois casos havia direcionamento para que o aluno

fosse visto como sujeito do processo de ensino-aprendizagem. Porém,

acreditava-se que alguns professores, senão todos, tendiam à centralização

do processo, relegando ao aluno o papel de mero expectador e receptor de

conhecimentos. Mudar essa relação implicaria, segundo Perrenoud (1999,

p.68) um novo contrato entre professor e aluno. Assim, para os docentes

que aderem à formação por competências cabe o desafio de “convencer

seus alunos a trabalhar e a aprender de outra maneira”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação realizada aponta para a ausência de uma real conexão

entre aquilo que propunham os projetos pedagógicos e a prática nos

cursos. Ficou evidenciado que, de um lado, havia um discurso de

formação com base nas competências propostas e uma tentativa de

disseminação de tal discurso junto aos professores e, de outro lado, a

ausência de alinhamento entre a prática e a proposta da Pedagogia das

Competências.

De um lado, não se pode negar a incorporação de elementos nos

cursos que compõem o modelo de formação com base em competências.

Em termos da proposta, destacam-se a presença de competências e/ou

habilidades identificadas e normalizadas nos projetos dos cursos. Estas

espelham os saberes não só conceituais, mas também o saber-fazer e o

saber-ser. Foi incorporado o discurso da interdisciplinaridade, que aparece

em um caso na forma de um trabalho interdisciplinar e, no outro caso, em

atividades como visitas técnicas e jogos de empresas. As situações-

problema são caracterizadas na forma de estudos de casos, nos dois

cursos. Além disso, verificou-se a busca pelo uso de outros métodos ou

práticas que visam à contextualização do conhecimento, na expectativa de

maior integração entre teoria e prática, tais como as visitas técnicas, os

Simone Costa Nunes

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010 419

projetos de negócios, a participação em projetos de consultoria, os

estágios e os exemplos dados pelos professores em sala de aula. As

práticas de alternância foram contempladas nos estágios curriculares

obrigatórios, que têm o objetivo de possibilitar ao aluno a prática em

organizações reais. Também foi incorporado o discurso do trabalho em

grupo.

De outro lado, alguns elementos pareciam pouco ajustados nos

casos investigados. A interdisciplinaridade é um deles. Dificuldades para

se trabalhar tal conceito foram apontadas, relacionadas à

operacionalização de projetos interdisciplinares e também à ausência de

domínio do conceito por parte dos professores. Um segundo elemento diz

respeito à dificuldade apresentada pelos entrevistados em relatar a

existência, nos cursos, de instrumentos utilizados em atividades reais de

trabalho. Quanto aos métodos empregados, a despeito da busca por

integrar teoria e prática, foi relatado por um entrevistado que os

professores tendiam a concentrar as aulas no método expositivo. Outra

observação relevante refere-se a dificuldades na definição de quais

atividades estavam relacionadas ao desenvolvimento de determinadas

competências, especialmente aquelas referentes ao saber-fazer e ao saber-

ser. Um quinto elemento que se mostrou pouco ajustado foi a avaliação. É

feita a inferência de que a aquisição do conhecimento é que era

privilegiada, pois, como verificado nos dois casos, os professores tendiam

a enfatizar a aquisição de conhecimentos nas avaliações. E, por último, os

professores foram vistos como centralizadores do conhecimento.

Ressalta-se que, nos discursos mais recentes, é enfatizada a decisiva

importância dos docentes na implantação das reformas educacionais, sem

o que nenhuma inovação pode ser bem-sucedida (SANTOMÉ, 1998). No

entanto, um dos entrevistados chamou a atenção para as dificuldades

apresentadas pelos professores no sentido de desenvolver competências e

justificou que eles também tinham passado por processos de formação

que centravam as aulas no docente a partir de esquemas de transmissão de

conhecimentos, e não de formação de competências. Dessa forma, o

docente apresentaria dificuldades para trabalhar o saber-fazer e o saber-

ser, por não saber como fazê-lo. Isso, por sua vez, poderia explicar, ao

menos em parte, as possíveis resistências quanto a mudanças na forma de

ensinar e na utilização de novas práticas e novas metodologias.

Diante dessas considerações vale lembrar que a formação baseada

em competências surge como resposta à necessidade de atendimento ao

novo modelo de produção que se configurou a partir da filosofia toyotista.

Especialmente durante a década de 80, a noção de competências será

O discurso e a prática da formação baseada em competências:

420 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 395-424 • Jul/Ago/Set 2010

incorporada aos discursos oficiais na área educacional, em diversos

países. No Brasil, o discurso ganha espaço com a implantação de LDB de

1996. Dessa forma, além de não se poder desconsiderar a recenticidade da

proposta, tal contexto permite compreender que, passar de um ensino que

reproduziu a desqualificação e atomização de tarefas presentes no âmbito

da produção de base taylorista-fordista para um ensino que preze pela

integração dos saberes pode significar um grande desafio para os sistemas

educacionais, bem como para professores e alunos.

Este estudo busca alimentar o debate atual sobre a inserção da

noção de competências no âmbito do ensino sem entrar nas questões

ideológicas que permeiam a formação baseada em competências. No

entanto, não se pode negar a relevância da discussão nesse âmbito uma

vez que as reformas e inovações educacionais não se isentam dos

discursos vigentes, dos ideais e interesses que vêm de outras esferas da

vida, como a econômica e a social.

Assim, para que a formação por competências possa sair do

discurso e caminhar para a prática, são merecidas as reflexões em

diversos sentidos, especialmente quanto às implicações para os diversos

atores sociais, decorrentes do tipo de formação que se pretende. Entre elas

encontra-se o debate sobre a profissionalização dos docentes.

Ressalta-se que este estudo tão só pretendeu verificar o ajustamento

do modelo de formação baseada em competências à realidade concreta.

Fica uma pergunta que pode vir a ser objeto de nova investigação: até que

ponto um ensino por competências pode representar melhorias nos

modelos vigentes?

Para finalizar, são reconhecidas as limitações deste estudo, que

trabalhou com coordenadores pedagógicos, sendo necessárias novas

pesquisas que envolvam docentes e alunos dos cursos investigados e

também de outras IES. No entanto, a pesquisa permitiu identificar

experiências de inserção da noção de competências no curso de graduação

em Administração que podem ser utilizadas como base para a comparação

com outros cursos, de outras instituições.

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DADOS DOS AUTORES

SIMONE COSTA NUNES ([email protected])

Formação: Doutora e Mestre em Administração pela UFMG

Instituição de vinculação: Professora do Programa de Pós-Graduação em

Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Belo Horizonte/MG – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Ensino em Administração,

Desenvolvimento de Competências, Gestão de Pessoas, Gestão de

Terceirizados, Qualidade de Vida no Trabalho.

Recebido em: 15/04/2010 • Aprovado em: 13/09/2010

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 425-445 • Jul/Ago/Set 2010 425

EM DEFESA DO USO DA PESQUISA-AÇÃO NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL

IN DEFENSE OF ACTION RESEARCH ADOPTION IN MANAGEMENT

RESEARCH, IN BRAZIL JONATHAN FREITAS ([email protected]) DANIEL CALBINO ALEXANDRE SANTOS RAFAEL DIOGO PEREIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS RESUMO Uma análise realizada com base nos trabalhos publicados em eventos nacionais de Administração revela que a Pesquisa-Ação tem sido utilizada, no Brasil, de maneira consideravelmente restrita. Aparentemente, esse fato se deve à dificuldade, por parte dos pesquisadores, de justificarem o mérito acadêmico dessa estratégia metodológica frente à abordagem científica tradicional. Diante disso, supõe-se que uma apropriada compreensão da natureza da Pesquisa-Ação e dos pressupostos que a fundamentam poderia contribuir para sustentar uma argumentação a favor da adequação dessa estratégia. Nesse sentido, o objetivo do trabalho foi recuperar as principais características da Pesquisa-Ação explicitando os traços distintivos que lhe conferem uma identidade particular, legítima e relevante no âmbito da pesquisa científica. Concluiu-se que a Pesquisa-Ação é usualmente adotada quando a problemática pesquisada mostra-se complexa e pouco explorada, demandando uma forte interação dos pesquisadores com o objeto de pesquisa e partindo-se de questões que sejam prioritariamente relevantes para os próprios sujeitos imersos na situação sob estudo. Assim, pode ser considerada uma estratégia de engajamento consideravelmente relevante para as ciências organizacionais em geral, e para as administrativas, em particular. Palavras-chave: Pesquisa-Ação; estratégia; administração.

Em defesa do uso da Pesquisa-Ação na pesquisa em Administração no Brasil

426 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 425-445 • Jul/Ago/Set 2010

ABSTRACT An analysis of the work published at national Management events shows that action research in Brazil has been used in a considerably restricted manner. It seems the reason for this is the difficulty faced by researchers in justifying the academic merits of this methodological strategy versus the traditional scientific approach. Thus, a proper understanding of the nature of action research and its supportive assumptions could help to sustain the argument in favor of its adoption. Accordingly, the objective of the work is to revisit the main characteristics of action research, highlighting the distinctive features that grant it a unique identity: one that is legitimate and relevant in the context of scientific research. It is concluded that action research is normally adopted when the issue researched is shown to be complex and less studied, thus requiring significant interaction between the researchers and research object, being based on questions that are of main importance to the actual subjects involved. It can, therefore, be considered an approach that is of definite relevance to organizational science in general and management ones in particular. Keywords: Action Research; strategy; management. INTRODUÇÃO: A PESQUISA-AÇÃO NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL: UMA LACUNA METODOLÓGICA A Pesquisa-Ação (PA) mostra-se consolidada em vários países da Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), estando relacionada principalmente a parcerias entre o setor industrial e universidades para o desenvolvimento de pesquisas de interesse comum (COGHLAN, 2004). Contudo, ao fazermos um levantamento do uso da Pesquisa-Ação em trabalhos publicados em encontros acadêmicos brasileiros da área de Administração, constatamos um quadro antagônico ao apresentado no exterior.

Com base no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), foi realizada uma busca do termo pesquisa-ação (e de expressões correlatas) nos artigos publicados nas seguintes edições de eventos com repercussão nacional – Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade, EnEPQ (2007); Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração,

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EnANPAD (1997 a 2008); Encontro de Marketing da Anpad, EMA (2004, 2006, 2008); Encontro de Estudos em Estratégia, 3Es (2003, 2005, 2007); Encontro de Estudos Organizacionais, EnEO (2000, 2002, 2004, 2006, 2008); Simpósio (2006, 2008); Encontro de Administração Pública e Governança, EnPGR (2004, 2006, 2008); Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, EnGPR (2007); e Encontro de Administração da Informação, EnADI (2007) – foram identificados 68 trabalhos que faziam menção a essa temática. Contudo, apenas 11 utilizaram efetivamente a Pesquisa-Ação como estratégia de pesquisa – dos quais dez foram apresentados no EnANPAD (um em 1998, um em 2000, três em 2001, dois em 2006 e três em 2006) e um no Simpósio (um em 2008). Os demais artigos encontrados, apesar de terem mencionado a pesquisa-ação, não a adotaram como estratégia de engajamento metodológico, limitando-se apenas a citá-la no contexto da pesquisa qualitativa como uma de várias estratégias que podem ser usadasi.

Tais evidências indicam em considerável medida o estado atual e a tendência dos estudos nacionais na área de Administração e apontam, pois, para uma utilização ínfima da Pesquisa-Ação na área de Administração do país, – o que diverge do cenário europeu e norte-americano supramencionado. As razões específicas para tal desuso da pesquisa-ação, no Brasil, ainda não foram explicitadas; contudo, a investigação de Coghlan (2004) quanto a possíveis fatores explicativos da não consolidação da Pesquisa-Ação em alguns ambientes acadêmicos pode ser elucidativa nesse sentido. Embasando-se no trabalho de Greenwood (2002), Coghlan (2004) destaca dois principais motivos para a tímida participação da pesquisa-ação em alguns contextos. Primeiramente, o autor aponta para a chamada “supressão”, isto é: o fato de que a própria escassez de trabalhos adotando a Pesquisa-Ação reforça a continuidade dessa situação ao limitar indiretamente iniciativas alternativas à tendência metodológica predominante. Em segundo lugar, Coghlan (2004) salienta a negligência em relação ao rigor acadêmico em algumas pesquisas realizadas, dando margem ao frequente questionamento se a Pesquisa-Ação é pesquisa.

Dessa forma, a inércia gerada pela retroalimentação de trabalhos que seguem o mainstream metodológico e a dúvida em relação à legitimidade da Pesquisa-Ação, no que tange à sua contribuição e também ao seu rigor “científico”, são as principais causas identificadas por Coghlan (2004) para sua pouca expressão em alguns contextos acadêmicos.

Em defesa do uso da Pesquisa-Ação na pesquisa em Administração no Brasil

428 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 11 • n. 3 • p. 425-445 • Jul/Ago/Set 2010

Diante da constatação feita por Dalmoro et al. (2007) ao analisarem as tendências metodológicas dos artigos publicados nas edições de 1995 a 2006 do EnANPAD, pode-se inferir que, no Brasil, os fatores explicativos para o ínfimo uso da Pesquisa-Ação no campo da Administração não diferem, em essência, desses ressaltados por Coghlan (2004). Afinal, identificou-se que, nessa área do conhecimento, predomina, ainda que com algumas resistências, o paradigma positivista (DALMORO et al., 2007), o qual, de acordo com Coghlan (2004), tende a enfatizar a objetividade, o controle, a escolha racional e a repetibilidade de testes e experimentos como pilares legítimos do conhecimento cientifico. Apesar de esses serem valores epistemológicos importantes, alternativas metodológicas, como a pesquisa-ação, concebidas sob outras perspectivas possivelmente mais aderentes a certos fenômenos têm sua legitimidade questionada pela permanência dos fundamentos positivistas como paradigma predominante. Além disso, o positivismo como paradigma utilizado pelo mainstream também se auto-reforça e relega, portanto, estratégias metodológicas estruturadas sobre outros alicerces epistemológicos à necessidade implícita de adotarem um posicionamento defensivo.

Esse arrazoamento contribui para propor uma potencial explicação para a escassez de trabalhos de Pesquisa-Ação na área de Administração no Brasil. Acreditamos que uma apropriada compreensão e divulgação da natureza da pesquisa-ação e dos pressupostos que a fundamentam poderá contribuir para sustentar uma argumentação a favor da adequação dessa estratégia ao tipo de problema para abordagem pela qual foi concebida, promovendo sua maior inserção no repertório metodológico nacional em Administração. Pressupomos que essa difusão da Pesquisa-Ação poderá fomentar maior engajamento da academia em problemas de relevância social, preenchendo a atual lacuna percebida entre teoria e prática.

As seções que se seguem buscam, respectivamente, caracterizar essa estratégia de pesquisa e contribuir para a legitimidade de seu uso nas ciências administrativas. A PESQUISA-AÇÃO – EXPLICITANDO SUAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS De acordo com Thiollent (1996, p. 14):

A Pesquisa-Ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os

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pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Eden e Huxmam (1996) citam que Kurt Lewin, foi considerado o pioneiro na introdução da Pesquisa-Ação como estratégia de pesquisa. Lewin na década de 1940 argumentava que a pesquisa em ciências humanas e sociais deveria ser voltada tanto para o estudo de leis gerais, quanto para o diagnóstico de situações particulares, integrando o abstrato e o concreto. Os autores lembram que deriva dessa integração a conhecida frase de Lewin de que não há nada mais prático do que uma boa teoria.

Concebida dessa maneira, acredita-se que essa estratégia apresenta bons resultados em ambientes onde se deseja acoplar pesquisa e ação em um processo no qual os atores, membros representativos da situação investigada, participam junto com os pesquisadores para elucidar, de forma interativa, a realidade na qual estão inseridos, identificando problemas coletivos e buscando e experimentando soluções em situação real (THIOLLENT, 1997). Dessa maneira, a produção e a utilização do conhecimento acontecem de forma simultânea. Nesse sentido, esta estratégia visa aproximar, ao máximo, o pesquisador do objeto pesquisado. Essa proximidade tende a permitir que, por meio de um esforço pontual de pesquisa e da definição de ações concretas de curto e médio prazos, sejam aumentados o conhecimento e a consciência das pessoas envolvidas quanto aos problemas detectados na organização.

Coughlan e Coghlan (2002) entendem que a Pesquisa-Ação é uma pesquisa em ação e não pesquisa sobre uma ação; ou seja, os integrantes da situação investigada além de serem objeto de estudo são, também, participantes da resolução de seus próprios problemas. Rapoport (1970) argumenta que a Pesquisa-Ação tem como objetivo contribuir tanto para as questões práticas dos indivíduos inseridos em uma situação problemática quanto para os objetivos da ciência social. Tem-se, então, produção e uso do conhecimento simultaneamente.

Cabe destacar que, embora o método possibilite a realização de pesquisa e ação concomitantemente, a pesquisa não se restringe a uma forma de ação, pois, além de buscar o equacionamento do problema real, pretende-se aumentar o conhecimento do pesquisador e o conhecimento (ou nível de consciência) dos atores envolvidos. Nesse sentido, Eden e Huxmam (1996) apontam que a estratégia está alinhada ao trabalho de Argyris e Schön (1974), pois aprendizado ocorre em circuito duplo e não apenas em circuito simples, o que pode gerar um praticante reflexivo (ie. reflective practitioner). De fato, na Pesquisa-Ação, a reflexão é a atividade que integra ação e pesquisa (COUGHLAN; COGHLAN, 2002).

Em defesa do uso da Pesquisa-Ação na pesquisa em Administração no Brasil

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Quadro 1: Proposição de etapas para a Pesquisa-Ação

Autor Proposta de aplicação Descrição

Passo Inicial

Objetiva a compreensão do contexto estudado e da finalidade da pesquisa. É o momento de conscientização acerca do projeto e de suas respectivas contribuições, tanto para a organização quanto para o arcabouço teórico. Não se pode esquecer nesse momento das forças atuantes no contexto estudado (políticas, econômicas, técnicas e sociais).

Ciclo de Seis Etapas

1. Coleta de dados: uso de técnicas para mapeamento da problemática; 2. Feedback: disposição dos dados para análise. Neste momento, há estreita interação entre pesquisador e membros da organização; 3. Planejamento da ação: é um conjunto de ações a partir das quais se define onde, quando e como se darão as mudanças desejadas; 4. Implantação: feita pela própria organização, com o apoio de pessoas-chave, é o momento de alocação do projeto de intervenção; 5. Avaliação: reflexão das atividades empreendidas; 6. Construção teórica: momento em que a organização poderá melhorar o processo implantando e o pesquisador irá elaborar sua contribuição teórica.

Coughlan e

Coghlan (2002)

Monitoramento

Deve ocorrer durante todo o ciclo, visando garantir o alcance dos resultados práticos esperados no “Passo Inicial” e zelar pelo processo de aprendizado dentro da investigação, na perspectiva do pesquisador.

Fase Exploratória (Diagnóstico)

Definição dos problemas existentes na situação estudada e compreensão dos atores envolvidos na trama. O objetivo aqui é detectar, em conjunto com os envolvidos, os diversos problemas existentes e discutir quais devem ser priorizados dentro do trabalho de investigação e ação coletiva.

Pesquisa Aprofundada

O foco é conceber instrumentos de pesquisa com base nos problemas levantados. Os dados devem ser processados e organizados (por exemplo, em tabelas e gráficos) para subsidiar o planejamento da ação.

Fase de Ação

1. Definição de objetivos alcançáveis por meio de ações concretas; 2. Apresentação de propostas a serem negociadas entre os atores envolvidos; 3. Difusão dos resultados; 4. Implantação de ações-piloto.

Thiollent (1997)

Fase de Avaliação

A fase de avaliação é a etapa final da Pesquisa-Ação. Esta possui dois objetivos: (i) controlar a “efetividade” das ações no contexto social da pesquisa e suas consequências a curto e médio prazos; e (ii) extrair os conhecimentos ou ensinamentos necessários para estendê-la a outros casos. As três últimas fases da Pesquisa-Ação, na prática, são muito interativas, não apresentando uma sequência rígida de atividades.

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A importância da reflexão fica explícita quando são observadas as propostas de definição – ou planejamento – das etapas a serem seguidas durante o processo de Pesquisa-Ação. Apesar de se considerar que o planejamento está intimamente relacionado às circunstâncias do ambiente no qual está inserida a organização pesquisada (THIOLLENT, 1985), existem, na literatura, algumas propostas gerais de sequência dessas etapas, as quais sempre prevêem a atividade de integração entre ação e pesquisa. O Quadro 1 expõe duas propostas consolidadas no âmbito acadêmico.

Em complementação a essas propostas, Susman e Evered (1978) destacam cinco etapas da Pesquisa-Ação: Diagnóstico, Planejamento da Ação, Execução da Ação, Avaliação e Especificação do Aprendizado. A Figura 1 ilustra esse processo cíclico.

Figura 1: O processo cíclico da pesquisa-ação

Diagnóstico Identificar ou

definir o problema

Desenvolvimento de uma

Infraestrutura para o Sistema

Planejamento da Ação

Considerar alternativas de ação

para resolver um problema

Execução da Ação Selecionar uma

direção para a ação

Avaliação Estudar as

consequências de uma ação

Especificar o Aprendizado Identificar as

descobertas gerais

Fonte: Susman e Evered (1978, p. 588).

Em linhas gerais, observa-se que as abordagens sugerem a condução da Pesquisa-Ação em etapas, que podem ser sintetizadas em quatro grandes fases: diagnóstico inicial, planejamento da ação, implantação e análise dos resultados.

Nesse sentido, Schein (1995) distingue entre dois modos principais o auxílio de um pesquisador na mudança de um determinado

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Em defesa do uso da Pesquisa-Ação na pesquisa em Administração no Brasil

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contexto social por meio das fases de diagnóstico, intervenção e monitoramento. O primeiro modo baseia-se no modelo médico-paciente, em que o auxiliador externo é tido como um expert que busca realizar um diagnóstico e prescrever uma ação. O segundo modo, por sua vez, prevê que o pesquisador/auxiliador atuará como facilitador, com o objetivo de ajudar os clientes a definirem melhor seus próprios problemas e conduzirem por si mesmos os processos de elaboração e implantação de soluções. Coughlan e Coghlan (2002) afirmam que, adotando o segundo modo, pesquisadores estariam utilizando efetivamente a Pesquisa-Ação.

Nesse sentido, Riordan (1995) esclarece que a intervenção do pesquisador visará à adequação da descrição da realidade particular do contexto organizacional elaborada pelos clientes da pesquisa. Ao não levar em consideração este traço fundamental, muitos pesquisadores a têm rotulado equivocadamente de consultoria.

Coughlan e Coghlan (2002) chamam a atenção para uma série de diferenças essenciais entre essas duas modalidades de atuação. Entre elas, destaca-se que a Pesquisa-Ação: a) busca contribuir para os avanços da ciência, enquanto a consultoria se detém na resolução de um problema prático; b) requer um embasamento teórico para entender a problemática e formular proposições, enquanto a consultoria busca justificar a sua atuação por meio do empirismo; c) é interativa e cíclica, proporcionando um processo de aprendizado em equipe, enquanto a consultoria é, frequentemente, linear e restrita, limitando o trabalho ao escopo do contrato firmado; e d) busca capacitar os membros da situação investigada a desenvolverem as mesmas atividades, futuramente, na ausência de participantes externos, enquanto, na consultoria, o conhecimento permanece com o consultor.

De fato, o não entendimento dos pressupostos subjacentes à prática da Pesquisa-Ação tem feito com que o termo referente a esta estratégia seja frequentemente mal empregado, sendo utilizado indiscriminadamente como referência a abordagens consideravelmente distintas. Dash (1999) identifica este como um dos problemas que caracterizavam os principais debates acerca da pesquisa-ação na virada do século. Revisando várias formas e alguns principais representantes desta abordagem em diversos campos do conhecimento, o autor localiza a emergência da citada estratégia metodológica e de suas problemáticas apoiando-se numa perspectiva multifacetada. Neste percurso, soluções até então propostas são discutidas e questões a serem debatidas são apresentadas.

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Na linha de debates em torno da Pesquisa-Ação, aponta-se, por exemplo, que vários relatos de consultoria utilizam o termo apenas para conferir status de aparente rigor cientifico ao trabalho realizado (EDEN; HUXHAM, 1996). Grande parte do mau uso da Pesquisa-Ação é atribuído à predominante incompreensão, por parte dos praticantes, dos fundamentos metodológicos que embasam a Pesquisa-Ação e a distinguem de outras estratégias de pesquisa, o que faz com que seja necessário não restringir a discussão às características e fases principais desta estratégia e exigir uma abordagem mais explícita de seu embasamento teórico – conforme se propõe na próxima seção. EM DEFESA DA PESQUISA-AÇÃO – ESCLARECENDO SEUS FUNDAMENTOS PARA RECUPERAR SUA LEGITIMIDADE A despeito da polissemia adquirida pela expressão pesquisa-ação, há concordância em que sua especificidade reside na propriedade de que os resultados das pesquisas realizadas com esta estratégia advêm de um envolvimento do pesquisador com membros de uma organização, em torno de uma questão que tenha importância efetiva para estes (EDEN; HUXHAM, 1996).

Dessa forma, os projetos de Pesquisa-Ação devem ser compreendidos como estudos de situações específicas que, em geral, não contribuem diretamente (apesar de o fazerem indiretamente) para a criação de conhecimento universal. A investigação tende a ser localizada, aplicada a casos particulares e em busca do diagnóstico e da tomada de decisões em contextos organizacionais. Nesse sentido, cada intervenção é, em certa medida, particular ao ambiente organizacional estudado, fato que tem gerado inúmeras críticas à estratégia, no sentido de falta de repetibilidade e, consequentemente, falta de rigor científico. Apesar disso, defende-se que o acúmulo de um número considerável de intervenções em casos semelhantes pode e deve contribuir para a evolução da teoria até conclusões e casos mais gerais (EDEN; HUXHAM, 1996).

Visando à defesa da Pesquisa-Ação, argumenta-se que ela, assim como qualquer abordagem científica tradicional, (i) também insiste na produção de dados válidos e confiáveis; (ii) também requer que sejam explícitas as inferências baseadas nos dados e na teoria; (iii) também exige que os argumentos sejam passíveis de avaliação intersubjetiva (o que corresponderia ao teste público de hipóteses na ciência tradicional); e (iv) também tem a ambição de gerar teoria sistemática. Entretanto, em

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contraposição à perspectiva científica ortodoxa, sugere-se que uma estratégia de tipo clínica, e não laboratorial, é mais adequada à natureza dos objetos estudados, a saber: sistemas sociais humanos em processo (RIORDAN, 1995). Afinal, para aquelas pesquisas nas quais a dimensão humana e social do fenômeno sob investigação se faz presente, os pressupostos subjacentes à estratégia escolhida devem ser diferentes dos aplicados na tradicional abordagem positivista, que, segundo Thiollent (1996, p. 7): ‘’demonstram grande preocupação com a quantificação de resultados empíricos, em detrimento da busca de compreensão e de interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas’’.

Nesse sentido, em conformidade com Susman e Evered (1978), os pressupostos positivistas não seriam plenamente adequados para gerar conhecimento a respeito de situações particulares das organizações e, em especial, para desenvolver métodos que permitissem abordar os problemas existentes na mesma, já que: As organizações são artefatos criados pelos homens para atender seus

objetivos; As organizações são sistemas de ações humanas nos quais os meios e os

fins são regidos por valores; As observações empíricas e as reconstruções lógicas das atividades

organizacionais não são suficientes para a ciência das organizações, visto que estas são planejadas de acordo com a visão de futuro de seus integrantes e podem ser entendidas experimentalmente pelos pesquisadores organizacionais sem a necessidade de fundamentação empírica ou validação lógica; As organizações são únicas, não devendo haver grande preocupação de

generalização dos resultados de suas análises para outros casos. O posicionamento antipositivista, portanto, argumenta que o

mundo social é essencialmente relativista e só pode ser entendido pelo ponto de vista dos indivíduos diretamente envolvidos nas atividades estudadas (BURRELL; MORGAN, 1979). A Pesquisa-Ação, nesse sentido, está de um modo geral, alinhada a esse pensamento. Por isso, em se tratando de pesquisa organizacional, a epistemologia antipositivista – em especial a Pesquisa-Ação – intenta superar algumas das limitações da concepção tradicional de pesquisa, na qual são valorizados critérios lógicos, formais e estatísticos. As diferenças entre ciência positivista e Pesquisa-Ação encontram-se sumarizadas no Quadro 2.

Avaliando estes fundamentos filosóficos da pesquisa-ação, Riordan (1995) argumenta que a Ciência-Ação (como é por ele chamada) é uma valiosa contribuição para a filosofia das ciências sociais, uma vez

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que combina o pólo exploratório e o interpretativo de uma maneira satisfatoriamente coerente. Dessa forma, os objetivos de explicação e de compreensão são integrados nesta estratégia, conjugando, no plano epistemológico, tanto elementos da abordagem empiricista quanto da hermenêutica. A Pesquisa-Ação tanto incorpora a busca por entendimento dos significados como mantém a preocupação com a confiabilidade da pesquisa, prevenindo-se da adoção acrítica dos pontos de vista internos dos participantes da investigação (RIORDAN, 1995).

Quadro 2: Comparação entre a ciência positivista e a Pesquisa-Ação

Pontos de comparação Ciência positivista Pesquisa-Ação

Objetivo de pesquisa Conhecimento universal: construção e teste de teorias

Conhecimento em ação: construção e teste de teorias em

ação Base para assumir a

existência das unidades

Existem independentemente dos seres humanos

São artefatos humanos para propósitos também humanos

Papel das unidades estudadas

Os membros do sistema-cliente são objetos de estudo

Os membros do sistema-cliente são sujeitos autorreflexivos com

os quais existe colaboração Papel do pesquisador Observador Ator, agente de mudança

Relação do pesquisador com o

ambiente Neutra ou separada Imersa no ambiente

Linguagem para descrever as unidades Denotativa, observacional Conotativa, metafórica

Perspectiva de tempo Observação do presente

Observação e interpretação do presente, com base no

conhecimento do passado; concepção de um futuro mais

desejável

Posição de valor Métodos são neutros Desenvolvem os sistemas sociais e revelam o potencial humano

Natureza da validação dos dados

Independente do contexto, lógica, mensurável e

consistente com prognósticos e controles

Depende do contexto, empírica

Bases para generalização

Ampla, universal e livre de contexto

Estreita, situacional e limitada pelo contexto

Fonte: Adaptado de Susman e Evered (1978) e Coughlan e Coghlan (2002).

De acordo com Riordan (1995), o embasamento da Pesquisa-Ação

na Ciência-Ação promovida por Argyris e Schön (1974), no praticante reflexivo e na ideia de cultura organizacional apresentada por Schein

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(1995), faz desta estratégia uma abordagem para o estudo da realidade social que não separa (apesar de distinguir) valor de fato; afinal, ela requer um praticante da ciência que não somente engaja-se ativamente como um participante na organização, mas também que incorpora a perspectiva do observador crítico e analítico. Dessa forma, advoga-se que o uso da Pesquisa-Ação pode contribuir para que a avaliação dos valores e dos comprometimentos políticos nas organizações seja tão crítica quanto o usual julgamento acerca dos juízos de fato vigentes (RIORDAN, 1995).

Thiollent (1985) afirma que o potencial de contribuição da estratégia ocorre porque a Pesquisa-Ação, diferentemente das abordagens positivistas, reconhece que as situações sociais vêm sempre acompanhadas de um nítido componente normativo e, como tal, não pode ser desprezada pelo pesquisador. Este deve incluir em seu recorte de pesquisa tanto a dimensão ideológica quanto as relações de poder nas quais a organização está imersa. Nesse sentido, o autor ressalta que:

É preciso salientar que o componente normativo não é necessariamente homogêneo; suas variações e sua diversidade são o próprio reflexo das crises da ideologia dominante e das situações de conflito que ocorrem na sociedade. Muitas das normas sociais que contêm as doutrinas organizacionais têm a ver com estratégias e táticas do poder, tendo em vista a manutenção de certa forma de ‘consenso’, de ‘integração social’ ou de melhor ‘participação’ ou ‘cooperação’ das partes dirigidas, o que seria suscetível de aumentar a produtividade e reduzir a intensidade dos conflitos (THIOLLENT, 1985, p.64).

Nota-se que, de maneira distintiva, a Pesquisa-Ação existe no contexto organizacional valorativamente atrelada a uma política de transformação do status quo, buscando facilitar a mudança dos comportamentos e estabelecer um diálogo que favoreça a participação dos trabalhadores e dos executivos na resolução conjunta dos problemas organizacionais (THIOLLENT, 1985).

Nesse sentido, Putnam (1999) percebe a Pesquisa-Ação em consonância com a Teoria Crítica – tal qual concebida por Habermas (1971) – uma vez que a Pesquisa-Ação está engajada na busca por interesses emancipatórios, aprofundando-se nos dilemas vivenciados, estimulando a busca por alternativas e levando os indivíduos a uma reflexão crítica de suas próprias condutas e práticas culturais. Dessa forma, a utilização dessa estratégia metodológica demandaria, por parte do pesquisador, a habilidade de delinear, identificar e indagar acerca das inconsistências nas ações dos atores envolvidos para que os participantes

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possam dar continuidade ao processo de reflexão e aprendizagem. Essa forma de intervenção geraria momentos no qual os indivíduos poderiam reconsiderar seus pressupostos sedimentados. Tais momentos poderiam levar os envolvidos a desenvolver um senso de responsabilidade pessoal com a mudança, com potencial para viabilizar transformações pessoais (PUTNAM, 1999).

É nesse sentido que Coghlan (2002) enfatiza e analisa a noção de nível de análise como foco da pesquisa-ação. Utilizado como uma estrutura de apreensão dos aspectos organizacionais, esse construto propicia a concepção da organização como uma hierarquia de sistemas organizados em diferentes graus de complexidade. Dessa forma, essa noção torna-se de destacada relevância para a Pesquisa-Ação, na medida em que permite recortar o fluxo da vida real sob investigação em termos de situações problemáticas e analisar a dinâmica do desdobramento das intervenções em relação a outros níveis de análise, que não o enfocado. Assim, um projeto de pesquisa-ação envolve, em princípio, desde os indivíduos diretamente participantes no processo até a própria organização e seu ambiente, passando pelos grupos e relações intergrupais. Nesse sentido, o pesquisador, ao se tornar um participante da resolução do problema, percebe-se inserido nessa dinâmica de múltiplos níveis, devendo considerá-la explicitamente para que a intervenção gerada seja, de fato, sistêmica.

Thiollent (1985) ressalta que a Pesquisa-Ação, ao buscar se aproveitar dos fenômenos de tomada de consciência, dos fluxos de afetividade e do potencial de criatividade contidos nas organizações, assume uma postura que rompe com o ideal de não interferência no fenômeno estudado, adotando uma concepção metodológica oposta. Isso significa a interferência explícita no objeto investigado, fazendo com que este passe a colaborar na própria investigação associada à ação.

É nesse sentido que Styre e Sundgren (2005) argumentam a favor da aplicabilidade das metáforas da experimentação e do laboratório para posicionamento da pesquisa-ação em relação a outras estratégias de pesquisa, no campo dos estudos organizacionais. Afinal, para esses autores, um pesquisador, adotando a Pesquisa-Ação, realizará a pesquisa in vivo, enfrentando problemas reais em contextos organizacionais específicos ao contrário de estabelecer um ambiente controlado em que algumas variáveis poderiam ser isoladas. Contudo, assim como nas ciências de laboratório, quando esse pesquisador intervém na situação, essa intervenção tem sempre um caráter experimental, configurando-se como passos iniciais de uma estratégia emergente e não como ações

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deliberadas visando ao alcance de objetivos claramente estabelecidos a priori. Utilizando-se de um estudo em uma grande multinacional farmacêutica, Styre e Sundgren (2005) concluem que o pesquisador orientado pela Pesquisa-Ação é guiado pela dúvida e pelo desejo de reflexão, visando tanto entender as atividades organizacionais quanto melhorá-las com base em uma pesquisa intervencionista e experimental.

Entretanto, para que essa interferência, relevante para a resolução de problemas reais, não se torne sinônimo de falta de rigor acadêmico, Eden e Huxham (1996) identificam e avaliam alguns dos principais determinantes das características da Pesquisa-Ação. Os autores visam explicitar o que definiria a qualidade de uma pesquisa que adotasse esta estratégia de pesquisa no contexto de investigações em organizações. Nesse sentido, procura-se mostrar como esta estratégia de investigação pode, observando-se certos princípios, conjugar satisfatoriamente rigor e relevância. Como proposta, estes autores apresentam doze diretrizes para a utilização da Pesquisa-Ação no contexto das ciências administrativas, sendo seis voltadas para os resultados da investigação e seis para o próprio processo de pesquisa. A intenção dos autores não é fornecer uma receita para o sucesso nem defender o número de diretrizes propostas, mas apenas propor um sumário com base no arcabouço correlato de alguns princípios (relacionados à estratégia) cuja observação pode ser particularmente importante para os pesquisadores da área de Administração. As seis diretrizes relativas aos resultados da Pesquisa-Ação estão sintetizadas abaixo. 1. A Pesquisa-Ação tem que ter implicações que vão além daquelas requeridas para a ação ou a geração de conhecimento no contexto do projeto (dessa forma, evitam-se tanto o extremo do contextualismo exacerbado quanto o do generalismo histórico); 2. Apesar de ser voltada para a aplicação em situações reais cotidianas, a Pesquisa-Ação demanda uma preocupação explícita com a teoria subjacente à prática; 3. A generalidade da Pesquisa-Ação não é obtida pelo projeto de métodos, técnicas e ferramentas padronizadas, mas pode ser construída a partir de teorias consistentes como forma de dar embasamento ao instrumental pragmático; 4. A Pesquisa-Ação gerará teoria emergente, isto é, teorias que são uma síntese entre os dados gerados e as teorias que foram utilizadas como arcabouço teórico para o diagnóstico e intervenção; 5. A construção de teoria, resultante de projetos de Pesquisa-Ação, será incremental, indo do particular para o geral, gradativa e lentamente;

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6. O pesquisador que utilizar a Pesquisa-Ação deve abandonar a dicotomia descrição-prescrição, reconhecendo que a descrição, ao representar determinados elementos da situação e não outros, também é, ainda que implicitamente, uma prescrição. Coughlan e Coghlan (2002) reforçam que, na Pesquisa-Ação, pela grande proximidade do pesquisador em relação ao seu objeto de pesquisa, o próprio pesquisador deve estar ciente de que ele mesmo atuará como um instrumento na geração de dados. É nesse sentido que Riordan (1995) afirma que a observação pretensamente imparcial é, em si, uma intervenção.

As outras seis diretrizes, voltadas para o processo da Pesquisa-Ação, são: 7. Uma reflexão altamente metódica e ordenada deve ser mantida para a interpretação dos dados emergentes a cada estágio da intervenção; 8. O processo de exploração dos dados deve ser, do ponto de vista intersubjetivo, rastreável, sendo justificado por meio de argumentação e/ou análise; 9. A adesão aos oito princípios supracitados deve ser reconhecida como condição necessária, mas não suficiente para a validade da Pesquisa-Ação; 10. A utilização da estratégia deve poder ser justificada pela impossibilidade de alternativas metodológicas coletarem e explorarem a riqueza de dados permitida pela Pesquisa-Ação; 11. A triangulação deve ser utilizada na Pesquisa-Ação como exercício dialético que favoreça o enriquecimento da crítica sobre os resultados preliminares obtidos; e 12. A história e o contexto da intervenção devem ser tomados como aspectos críticos na interpretação da validade e da aplicabilidade dos resultados da pesquisa. Mais recentemente, de maneira semelhante, mas mais sucinta, Bargal (2008) extraiu e desenvolveu oito princípios fundamentais da pesquisa-ação baseados nos escritos de Kurt Lewin, ilustrando-os por meio de um estudo de campo voltado para a redução de conflito intergrupal em escolas superiores. Os oito princípios foram sistematizados da forma que segue. A Pesquisa-Ação: 1. Combina um estudo sistemático, por vezes experimental, de um problema social bem como as iniciativas para solucioná-lo; 2. Inclui um processo espiral de coleta de dados para determinar metas, ações para implantar metas e avaliação dos resultados da intervenção; 3. Requer retroalimentação dos resultados da intervenção para todas as partes envolvidas na pesquisa;

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4. Implica cooperação contínua entre pesquisadores e praticantes; 5. Baseia-se nos princípios de dinâmica de grupo e está ancorada em suas fases de mudança. As fases são descongelamento, movimento e recongelamento. A tomada de decisão é mútua e é conduzida de uma maneira pública; 6. Leva em consideração questões de valor, objetivos e necessidades de poder das partes envolvidas; 7. Serve para criar conhecimento, formular princípios de intervenção e desenvolver instrumentos para seleção, intervenção e treinamento; e 8. No seu âmbito da estrutura do trabalho, há uma ênfase no recrutamento, treinamento e suporte dos agentes de mudança.

Nesta formulação, a Pesquisa-Ação é entendida como uma estratégia de pesquisa que lida com a criação de mudança em sistemas humanos. Nesse sentido, envolve tanto pesquisa quanto intervenção, tanto reflexão em ação quanto sobre a ação, tanto estudo quanto construção da situação.

Checkland e Holwell (1998), em complementação a esses estudos de compilação de princípios a serem observados para que uma pesquisa se caracterize como pesquisa-ação, argumentam que a validade da Pesquisa-Ação depende da possibilidade de rastreabilidade intersubjetiva do processo de pesquisa, possibilitada pela explicitação, preliminar à pesquisa, da epistemologia em termos da qual os achados que contarão como conhecimento serão expressos. O argumento se baseia na observação de que, sendo o método incapaz de atender aos requisitos da replicação, que caracterizam as ciências naturais, pesquisadores investigando fenômenos sociais por meio da Pesquisa-Ação devem agir de forma a alcançar uma situação, na qual o processo de pesquisa seja recuperável, no sentido popperiano, por terceiros interessados na investigação realizada, fomentando a crítica intersubjetiva (CHECKLAND; HOLWELL, 1998).

Para que isso ocorra é essencial a afirmação a priori da epistemologia (entendida como o conjunto de ideias e o processo pelo qual elas serão usadas metodologicamente), por meio da qual o pesquisador fará sentido do processo e dos resultados de sua pesquisa. O posicionamento epistemológico preliminar, segundo os autores em questão, é que dará à Pesquisa-Ação uma legitimidade consistente, pois, dessa forma, apesar de não poder se basear em experimentação laboratorial, também não se desencaminhará para atender meramente ao insuficiente critério de plausibilidade. Portanto, em conclusão, argumenta-se que o grau de recuperabilidade das razões que levaram a pesquisa ao

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rumo tomado, tendo-se em vista o framework teórico previamente declarado pelos facilitadores, é um dos critérios mais apropriados para se julgar um trabalho configurado como Pesquisa-Ação (CHECKLAND; HOLWELL, 1998).

Tomando por ponto de partida o trabalho de Checkland e Holwell (1998), Champion e Stowell (2003) aprofundam o tratamento da problemática da validação de estudos de campo orientados com o método de pesquisa-ação. Estes autores reconhecem na noção de recuperabilidade um avanço significativo na abordagem das dificuldades relacionadas ao estabelecimento do rigor e da validade da Pesquisa-Ação. Contudo, visam não só recuperar o caminho seguido durante a investigação, mas também a maneira como esta foi realizada, a fim de tornar possível uma percepção pública da autenticidade e credibilidade da investigação emergente.

Tendo esse objetivo, os autores propõem um instrumento intelectual multidimensional para validação, de maneira mais abrangente, de estudos de Pesquisa-Ação. As dimensões propostas e as respectivas questões correlatas são as seguintes: Participantes, incluindo a escolha dos envolvidos, o critério para

inclusão, razões para não participação, ou exclusão; Engajamento: incluindo métodos e ferramentas empregadas para

engajar as pessoas no processo de aprendizagem; Autoridade: incluindo reflexão sobre quem autorizou ou apoiou quais

elementos da investigação com quais propósitos; Relacionamentos: incluindo análise de relações em desenvolvimento ou

planejadas entre indivíduos e entre a situação enfocada e seu ambiente; Aprendizagem: registro de intervenções (ou não intervenções)

acordadas, do progresso dos participantes rumo à decisão e dos aprendizados gerados pela realização da ação.

Atentando o pesquisador para a publicação da maneira como esses aspectos foram abordados durante a investigação, Champion e Stowell (1998) consideram que indivíduos que não participaram do processo teriam as condições de julgar e reconhecer, publicamente, a autenticidade ou não do trabalho, estabelecendo os méritos da pesquisa.

APRECIAÇÃO CRÍTICA E CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, diante da constatação do uso consideravelmente restrito da Pesquisa-Ação no Brasil na área de Administração, buscou-se, em defesa desta estratégia de pesquisa, fundamentar argumentos para corroborar sua

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legitimidade. Para isso, foram sintetizados os traços típicos da Pesquisa-Ação, bem como suas etapas principais e os pressupostos teóricos que a fundamentam. Salientou-se, como distinção central desta estratégia metodológica para as demais, o fato de que a Pesquisa-Ação é usualmente adotada quando a problemática pesquisada mostra-se complexa e pouco explorada, demandando uma forte interação dos pesquisadores com o objeto de pesquisa, partindo-se de questões que sejam prioritariamente relevantes para os próprios sujeitos imersos na situação sob estudo (RAPOPORT, 1970; SUSMAN; EVERED, 1978; COUGHLAN; COGHLAN, 2002). Nessas circunstâncias, a Pesquisa-Ação, com sua característica não positivista, visando à resolução e/ou elucidação de um problema real particular apoiado na intervenção colaborativa com os atores da organização, torna-se uma estratégia de engajamento consideravelmente relevante para as ciências organizacionais, em geral, e para as administrativas, em particular.

Nesse sentido, explicitou-se que, uma vez adotada esta estratégia, durante todo o período de pesquisa, deve haver, necessariamente, um processo cíclico e iterativo de diagnóstico do problema, planejamento da ação, intervenção, avaliação dos resultados e consolidação do aprendizado. Esse processo usa, basicamente, instrumentos de coleta, análise e síntese de informação. Por fim, ressaltou-se a necessidade de aliar a essa prática uma profunda compreensão dos pressupostos que a fundamentam, a fim de que o resultado da pesquisa contribua não somente para a solução do problema organizacional, mas, principalmente, para refinar o arcabouço teórico correlato, baseado na reflexão crítica sobre a ação. REFERÊNCIAS ARGYRIS, C.; SCHÖN, D, A. Theories in Practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1974.

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DADOS DOS AUTORES JONATHAN FREITAS ([email protected]) Mestre em Administração pela UFMG Instituição de vinculação: Doutorando em Administração na Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Administração Estratégica e Gestão da Inovação Tecnológica. DANIEL CALBINO ([email protected]) Mestre em Administração pela UFMG Instituição de vinculação: Doutorando em Administração na Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Economia Solidária, Teoria Crítica e Pedagogia Crítica. ALEXANDRE SANTOS ([email protected]) Instituição de vinculação: Doutorando em Administração na Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Governança, Relações de Poder e Simbolismo. RAFAEL DIOGO PEREIRA ([email protected]) Mestre em Administração pela UFMG Instituição de vinculação: Doutorando em Administração na Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Governança Corporativa, Organizações Familiares e Gestão de Empreendimentos Turísticos. Recebido em: 23/10/2009 • Aprovado em: 30/08/2010

i A principal limitação desse levantamento é a restrição da busca realizada aos resumos dos trabalhos, uma vez que o sistema de consulta disponível no site da ANPAD limita a pesquisa a esse campo do artigo. Assim, trabalhos que utilizaram a pesquisa-ação, mas que não fizeram uso dessa expressão no resumo não foram encontrados. De qualquer maneira, considera-se que o levantamento realizado, ao abranger diversos eventos de abrangência nacional, permite um bom indicador preliminar do uso da PA nas pesquisas da área de Administração.

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A UTILIZAÇÃO DE TEORIAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS BRASILEIROS: UMA ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA

THE USE OF THEORIES IN BRAZILIAN ORGANIZATIONAL STUDIES: A

BIBLIOMETRIC ANALYSIS FLAVIO PERAZZO BARBOSA MOTA ([email protected]) CERES GREHS BECK RITA DE CÁSSIA DE FARIA PEREIRA TATIANA AGUIAR PORFÍRIO DE LIMA SOLANGE CRISTINA DO VALE UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA RESUMO As teorias procuram explicar de forma sistemática fatos e acontecimentos, permitindo resumir o conhecimento e favorecer a manutenção ou modificação do entendimento das práticas organizacionais. O objetivo deste artigo é levantar e analisar a base teórica nas publicações científicas voltadas à explicação de fenômenos organizacionais, de modo a identificar a utilização - ou não - de teorias em Estudos Organizacionais, bem como analisar os aspectos metodológicos adotados. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico dos cento e cinquenta artigos acadêmicos apresentados no Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (EnANPAD), no período de 2005 a 2008. Os dados e teorias identificados foram tabulados, classificados e analisados. Constatou-se que mais da metade dos artigos (54,7%) utilizam teorias. Houve um predomínio de utilização da Teoria Institucional (24,1%), seguida da Teoria da Estruturação (7,8%), Teoria das Representações Sociais (4,3%), Teoria Crítica (3,4%), Teoria da Agência (3,4%) e Teoria dos Custos de Transação (3,4%). Logo, percebe-se a falta de inserção do Brasil como desenvolvedor de teorias, ou seja, há mais uma replicação de teorias consolidadas internacionalmente, do que propriamente inovação teórica no contexto brasileiro. Ademais, prevaleceram a produção em coautoria, a estratégia de pesquisa qualitativa e a natureza empírica. Palavras-chave: estudos organizacionais; teorias; levantamento bibliográfico.

A utilização de Teorias em Estudos Organizacionais brasileiros: Uma análise bibliométrica

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ABSTRACT Theories in Brazilian Organizational Studies aim to systematically explain facts and events, allowing knowledge to be summarized and facilitating the preservation or modification of the understanding of organizational practices. The objective of this paper is to survey and analyze the theoretical foundations of scientific papers investigating organizational phenomena in order to identify whether or not theories are being used in Organizational Studies, as well as to analyze the adopted methodological aspects. This is achieved through the desk research of the one hundred and fifty academic articles submitted to EnANPAD, for the period 2005-2008. The subsequently identified data and theory is classified and analyzed, with results reporting that more than half of the studies analyzed (54.7%) used theories. The use of Institutional Theory (24.1%) is predominant, followed by Structuration Theory (7.8%), Theory of Social Representations (4.3%), Critical Theory (3.4%), Agency Theory (3.4%) and Transactions Cost Theory (3.4%). It is soon apparent that Brazil has yet to appear as a source of theories, that is, it is much more common to see the use of internationally consolidated theories than any actual theoretical innovation within the Brazilian context. Furthermore, co-authorship, qualitative research strategy and the empirical nature were identified. Keywords: organizational studies; theories; desk research. INTRODUÇÃO O campo de pesquisas em Administração, no Brasil, vem apresentando crescimento na quantidade de publicações acadêmicas (ROSSONI et al., 2007). A evolução da produção científica tem sido investigada por meio de análises longitudinais, abrangendo as áreas de Organizações (MACHADO-DA-SILVA; CUNHA; AMBONI, 1990; BERTERO; KEINERT, 1994; VERGARA; PINTO, 2001), marketing (VIEIRA, 1998; RÉVILLION, 2001; KOVACS et al., 2004; ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006; FARIA et al., 2006), estratégia empresarial (BERTERO; VASCONCELOS; BINDER, 2003; GRZEBIELUCKAS et al., 2008; WALTER; SILVA, 2008), sistemas de informações (HOPPEN; MEIRELLES, 2005) e contabilidade (CARDOSO; PEREIRA; GUERREIRO, 2003).

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Machado-da-Silva, Cunha e Amboni (1990) desenvolveram um trabalho pioneiro avaliando os artigos da área de Organizações e diagnosticaram uma fragilidade teórico-metodológica na produção científica na área, bem como o predomínio de uma abordagem funcionalista. Os principais resultados apontaram para a multidisciplinaridade das variáveis de estudo, oriundas de diferentes áreas do conhecimento, como a sociologia, psicologia, ciência política e comunicação. Além disso, os autores concluíram que a produção científica priorizou a repetição e divulgação de ideias desenvolvidas por escolas estrangeiras, principalmente estadunidenses, com trabalhos centrados em reflexões e elaborações teóricas sem aplicação prática. Outra contribuição importante foi realizada no estudo de Bertero e Keinert (1994), que avaliaram a evolução da pesquisa acadêmica brasileira em Análise Organizacional entre 1961 e 1993, dando ênfase às escolas ou perspectivas teóricas mais significativas.

A partir disso, percebe-se a necessidade de constante reflexão sobre o conhecimento produzido no contexto brasileiro. Assim, tendo em vista que “a teoria é a finalidade da investigação científica” (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 1994, p. 41) e que “a função mais importante de uma teoria é explicar: dizer o porquê, como e quando ocorre um fenômeno” (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006, p. 72), surge o questionamento sobre quais teorias vêm sendo aplicadas na produção científica brasileira para explicação de fenômenos na área temática de Teoria das Organizações. Parte-se da premissa que o saber em forma de teoria representa um fato aceitável, com uma compreensão adequada e que assegura maior validade à construção do conhecimento científico (LAVILLE; DIONNE, 1997).

Neste sentido, o objetivo deste artigo é levantar e analisar a base teórica nas publicações científicas voltadas à explicação de fenômenos organizacionais, na tentativa de preencher uma lacuna identificada nos trabalhos bibliográficos sobre a utilização de teorias associadas aos estudos organizacionais. Ademais, foram consideradas outras categorias relacionadas ao método para a análise dos artigos selecionados, tais como: ano de publicação, número de autores, estratégia e natureza de pesquisa.

Diante da relevância da utilização de teorias e da necessidade de constantemente reavaliar o campo de conhecimento em Administração, foi selecionada a área temática de Teoria das Organizações (EOR-A) do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (EnANPAD) e foram avaliados os artigos publicados entre anos de 2005 a 2008.

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Este artigo está organizado em três partes, sendo a primeira composta desta introdução enquanto, na segunda parte, os procedimentos metodológicos adotados são descritos. Por fim, é apresentado o referencial teórico e são discutidos os resultados encontrados. Assim, nesta parte, são efetuadas as considerações decorrentes das interpretações que são corroboradas com base nas referências conceituais. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este estudo é considerado um trabalho bibliométrico, ou seja, de revisão e levantamento bibliográfico da produção acadêmica do tema relacionado às teorias em Estudos Organizacionais Brasileiros publicados e apresentados no Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (EnANPAD), no período de quatro anos, compreendido entre 2005 a 2008. Este evento foi selecionado devido a sua representatividade no cenário nacional ao longo de edições regulares nos últimos trinta e dois anos e, também, porque reúne grande parte do esforço de pesquisa científica no Brasil. A Divisão Acadêmica de Estudos Organizacionais foi estabelecida pela primeira vez na ANPAD a partir de 2005, justificando-se, portanto, o início da pesquisa a partir deste ano. Dentro desta divisão acadêmica, composta por três áreas (EOR-A, EOR-B e EOR-C), a área temática escolhida foi Teoria das Organizações (EOR-A), conforme detalhado no Quadro 1. Quadro 1: Divisão de artigos de Estudos Organizacionais no EnANPAD

Áreas Temáticas da EOR – Estudos Organizacionais EOR-A – Teoria das Organizações EOR-B – Comportamento Organizacional EOR-C – Teoria Crítica em Estudos Organizacionais

Fonte: ANPAD (2008a). A escolha da área de Teoria das Organizações (EOR-A) como objeto de investigação ocorreu justamente por coincidir o interesse desta pesquisa com o objetivo declarado e especificado pela ANPAD na descrição desta área temática:

Esta Área caracteriza-se por atividades na investigação de fenômenos organizacionais e sociais, procurando construir interfaces entre as áreas da Teoria Organizacional e o Pensamento Social. Abrange trabalhos teóricos, empíricos e ensaios sobre as organizações, oriundos de diferentes perspectivas epistemológicas, teóricas e metodológicas. Preocupa-se em evidenciar a diversidade

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dos estudos organizacionais na realidade brasileira, ao mesmo tempo em que busca corroborar com a crítica e a (re)avaliação constante dos estudos desenvolvidos na própria Área. Neste sentido, além de temas considerados clássicos, a Área busca também proporcionar uma reflexão sobre características e peculiaridades de algumas novas perspectivas contemporâneas em análise organizacional. Sugerem-se, como linhas temáticas, trabalhos que discutam novas formas de gestão, velho e novo institucionalismo, simbolismo organizacional, particularizando questões de cultura nas organizações, identidade organizacional, organizações familiares, indústria criativa, formas de controle nas organizações e na sociedade organizacional, poder e resistência nas organizações, cooperação e confiança organizacional, entre outras (ANPAD, 2008b).

Foram classificados todos os cento e cinquenta artigos apresentados nos anos de 2005 a 2008 na área EOR-A (Tabela 1). As etapas da pesquisa consistiram em: (1) definição das categorias de análise, a saber: ano de publicação, número de autores, estratégia e natureza de pesquisa e, principalmente, a(s) teoria(s) utilizada(s), (2) leitura dos artigos, (3) identificação e classificação dos dados obtidos conforme as categorias definidas, (4) tabulação dos dados, e (5) análise dos resultados. Cada etapa foi executada pelos cinco autores deste artigo.

Tabela 1: Distribuição de artigos por ano – Área Temática EOR-A (Teoria das Organizações)

Ano Quantidade de artigos

Percentual do total

2005 34 22,7% 2006 33 22% 2007 41 27,3% 2008 42 28% Total 150 100%

Na etapa de análise, embora a mediana do total de teorias

identificadas tenha indicado que a utilização de teoria em cinco ou mais artigos seria o critério de corte a ser utilizado, decidiu-se que, para definição da representatividade de cada teoria, o mínimo seriam quatro artigos. Este corte permitiu melhor exploração das correntes teóricas identificadas, ampliando o detalhamento para as seis teorias mais utilizadas nos artigos analisados. As demais teorias que não se enquadraram nesta regra formulada pelos pesquisadores foram

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categorizadas como Teorias Diversas. No caso da ocorrência de um artigo utilizar mais de uma teoria para explicação do fenômeno organizacional em questão, contabilizou-se cada uma de forma individual. Outro fato que merece destaque é que não foi identificada uma quantidade representativa de teorias utilizadas conjuntamente, razão pela qual se decidiu por não fazer este tipo de análise separadamente, e eventualmente, quando isso ocorria, estas teorias eram analisadas separadamente.

Os dados foram tabulados com o auxílio dos softwares Microsoft Excel 2003 e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 15.0. A partir disto foram realizadas análises cruzadas, que, conforme Malhotra (2001, p. 408), refletem “a distribuição conjunta de duas ou mais variáveis com um número limitado de categorias ou valores distintos”. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Com base nos procedimentos metodológicos descritos, são apresentadas, primeiramente, as análises dos resultados acerca dos aspectos relacionados aos métodos aplicados nos artigos para, em seguida, proceder à apreciação da utilização ou não de teorias nos artigos em estudo. Complementando a análise, são referenciadas conjuntamente as bases teóricas que buscam explicar os resultados que emergiram da pesquisa. Distribuição do número de autores por artigos Analisando o número de publicações com dois ou mais autores nos anos pesquisados, é possível constatar que a coautoria é uma prática frequente dentro da área temática de Teoria das Organizações, com 70% da produção acadêmica desenvolvida desta forma. Estes percentuais mais significativos estão grifados na Tabela 2. Tabela 2: Número de autores por artigos

EnANPAD (EOR-A) 2005 2006 2007 2008 Total

Número de

Autores N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. 1 14 9,3% 9 6% 13 8,7% 9 6% 45 30% 2 16 10,7% 14 9,3% 18 12% 17 11,3% 65 43,3% 3 2 1,3% 7 4,7% 9 6% 10 6,7% 28 18,7% 4 2 1,3% 2 1,3% 1 0,7% 6 4% 11 7,3% 5 0 - 1 0,7% 0 - 0 - 1 0,7%

Total 34 22,7% 33 22% 41 27,3% 42 28% 150 100%

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De acordo com Bertero, Vasconcelos e Binder (2003), o desenvolvimento de artigos em coautoria pode ser explicado pela pressão crescente por publicar, advinda de decisões dos órgãos de avaliação de programas strictu sensu, como CAPES e CNPq, bem como pelo aumento dos grupos de pesquisa criados nos diversos programas de pós-graduação brasileiros que estimulam a produção em parceria entre professores e alunos.

Estudos anteriores similares nas áreas de estratégia (BERTERO; VASCONCELOS; BINDER, 2003; ROSSONI et al., 2007), contabilidade (CARDOSO; PEREIRA; GUERREIRO, 2003) e marketing (ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006; KOVACS et al., 2004; VIEIRA, 1998), também constataram crescimento gradual de cooperação de autores.

Os números apresentados na Tabela 2, entretanto, não permitem avaliar se há continuidade ou diversificação de atuantes na área, visto que a investigação dessas causas não foi objeto deste estudo. Definição da estratégia e natureza de pesquisa Toda pesquisa científica requer um rigor metodológico, de forma a assegurar a confiabilidade dos seus resultados (LAVILLE; DIONNE, 1997). Quanto à estratégia, os estudos científicos podem ser categorizados em quantitativos e qualitativos, cabendo ao pesquisador adaptar o método escolhido ao seu problema de pesquisa (GUNTHER, 2006). Neste ínterim, ressalte-se que, quando se faz uma revisão de literatura sobre estratégias de pesquisa, observa-se que, frequentemente, não é possível encontrar uma definição por si só do que seja a pesquisa qualitativa. É mais comum a referência a esta estratégia de pesquisa como contraponto à quantitativa (GUNTHER, 2006; FLICK, 2004).

Segundo Gunther (2006), a abordagem qualitativa estuda o fenômeno no seu contexto natural, com uma relativa falta de controle das variáveis, considerando todas importantes; já a abordagem quantitativa implica em pesquisas que tentam obter um controle máximo sobre o contexto, reduzindo ou eliminando variáveis irrelevantes. Na Tabela 3 são apresentados os resultados obtidos em relação às estratégias de pesquisa mais utilizadas.

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Tabela 3: Estratégia de pesquisa

EnANPAD (EOR-A) 2005 2006 2007 2008 Total Estratégia

de Pesquisa N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. Qualitativa 32 21,3% 31 20,7% 37 24,7% 37 24,7% 137 91,3% Quantitativa 2 1,3% 2 1,3% 3 2% 4 2,7% 11 7,3%

Quanti-qualitativa 0 - 0 - 1 0,7% 1 0,7% 2 1,3%

Total 34 22,7% 33 22% 41 27,3% 42 28% 150 100% Com base nos dados da Tabela 3, infere-se que a estratégia de

pesquisa mais utilizada na área temática de Teoria das Organizações foi a qualitativa, atingindo a cifra de 91,3%. Tais resultados vão ao encontro dos achados na área de estratégia (BERTERO; VASCONCELOS; BINDER, 2003; ROSSONI et al., 2007), em que também há um predomínio de estudos qualitativos. Já, nas áreas de marketing (KOVACS et al., 2004; ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006) e contabilidade (CARDOSO; PEREIRA; GUERREIRO, 2003) têm sobressaído pesquisas quantitativas.

Tabela 4: Natureza de Pesquisa

EnANPAD (EOR-A) 2005 2006 2007 2008 Total Natureza de

Pesquisa N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. N Freq.

Teórica-Empírica 22 14,7% 21 14% 25 16,7% 30 20% 98 65,3%

Teórica 12 8% 12 8% 16 10,7% 12 8% 52 34,7% Total 34 22,7% 33 22% 41 27,3% 42 28% 150 100%

No que se refere à natureza de pesquisa, os artigos foram

classificados em teóricos ou teórico-empíricos. Baseado na análise da Tabela 4 é possível perceber que as pesquisas de natureza teórico-empírica predominam dentro da área de Teoria das Organizações (65,3%), embora as puramente teóricas apresentem uma quantidade significativa (34,7%). Este resultado é semelhante ao encontrado em outras áreas, como em Administração Estratégica, em que Rossoni et al. (2007) constataram que 83% das produções analisadas no período entre 2003 a 2006 eram teórico-empíricas.

Os resultados apresentados nas Tabelas 3 e 4 permitem concluir que a área de Teoria das Organizações do EnANPAD prioriza a publicação de artigos dentro de uma perspectiva qualitativa e de natureza teórico-empírica.

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TEORIAS Para Sampieri, Collado e Lucio (1994, 2006), a teoria consiste de um conjunto de conceitos, proposições e definições relacionadas entre si, capazes de explicar sistematicamente como um determinado fenômeno ocorre em um ambiente. Sutton e Staw (1995) constatam que existe pouca concordância sobre o que é teoria; mas, o consenso é que referências, dados, variáveis, diagramas e hipóteses não são teorias. Marconi e Lakatos (2006), por sua vez, argumentam que as teorias podem ser entendidas como ideias não consumadas, dependentes de verificação para tornarem-se verdadeiras. Tal argumento é corroborado por Laville e Dionne (1997) ao afirmarem que o conhecimento mantém-se inalterado até sua contestação por outras interpretações. Entende-se, assim, que as teorias não são estáticas e imutáveis ao longo do tempo, mas compreendem versões ou perspectivas por meio das quais o mundo é visto (FLICK, 2004).

Considera-se que a construção de uma teoria envolve o questionamento acerca de novas abordagens e mudanças na prática da ciência (WHETTEN, 2003). Parte-se da premissa que uma teoria deve oferecer um sistema de conceitos e de classificação dos fatos, permitindo resumir o conhecimento, sintetizando o que já é conhecido sobre o objeto de estudo. Tem-se ainda que, por meio de seus pressupostos, uma teoria serve também para prever novos fatos e relações, ultrapassando as observações imediatas e o senso comum. Ademais, indica lacunas de conhecimento, possibilitando trabalhar com fatos e relações que não foram totalmente explicadas e onde há carência de pesquisas (MARCONI; LAKATOS, 2006).

Assim, pode-se entender que as teorias são elementos importantes na construção de novos conhecimentos, sendo possível aceitar que estas sejam uma compreensão adequada e não perene da realidade, ou seja, outras verificações podem ser capazes de, em outros momentos, reforçar sua validade (LAVILLE; DIONNE, 1997). Além do seu aspecto evolutivo, a teoria tem como propósito orientar a abrangência dos fatos a serem estudados (MARCONI; LAKATOS, 2006), definindo os principais aspectos de uma investigação, bem como os tipos de dados a serem abstraídos da realidade como objeto de análise. Diante destes esclarecimentos acerca do que consistem as teorias, percebe-se a necessidade de constantemente reavaliar o campo de conhecimento em Administração.

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Baseado no entendimento sobre o conceito de teoria, foi feita uma análise dos artigos pesquisados de forma a identificar quais se fundamentam em uma ou mais teorias para explicar os fenômenos organizacionais no mundo contemporâneo, conforme evidenciado pelos resultados expostos na Tabela 5.

Tabela 5: Utilização ou não de teorias

EnANPAD (EOR-A) 2005 2006 2007 2008 Total Utiliza

Teoria? N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. N Freq.

Não 18 12% 12 8% 18 12% 20 13,3% 68 45,3% Sim 16 10,7 21 14% 23 15,3% 22 14,7% 82 54,7% Total 34 22,7 33 22% 41 27,3% 42 28% 150 100%

Constatou-se que muitos artigos (45,3%) não se utilizam de teorias

para embasar a explicação dos fenômenos organizacionais, mas, sim, constroem o referencial teórico com base em modelos, hipóteses e referências, os quais não podem ser enquadrados como teoria, segundo a definição de Sutton e Staw (1995). De fato, na maioria dos artigos que não indicam um marco teórico, não foram identificados indícios de referências a uma teoria, já que os fundamentos utilizados não atendem os itens apontados por Whetten (2003) como essenciais na definição do que é uma teoria, a saber: o questionamento acerca de novidades, novas abordagens e mudanças na prática da ciência na área. Por outro lado, identificou-se que 54,7% dos artigos analisados utilizam de alguma teoria para explicar ou embasar o conhecimento.

Vale salientar que a análise das publicações do EnANPAD no período referido não possibilita estabelecer conclusões acerca de tendências de crescimento ou declínio no uso de teorias. TEORIAS ORGANIZACIONAIS De acordo com Caldas e Fachin (2005), a partir de 1980 houve um crescimento acelerado na área de estudos organizacionais. Esta assertiva se ratifica a partir de trabalhos como os de Machado-da-Silva, Cunha e Amboni (1990), Bertero e Keinert (1994) e Vergara e Pinto (2001). O interesse pela compreensão dos fenômenos organizacionais tem sido analisado sobre diversas perspectivas, podendo-se relacionar desde o início do pensamento administrativo, passando pelos paradigmas sociológicos propostos por Burrell e Morgan (1979) até as reflexões

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atuais. Este empenho reflete-se no esforço de Caldas e Bertero (2007), que buscaram retratar o estado-da-arte do campo no fim do século XX e início do século XXI, dada a preocupação manifestada por Caldas (2005) em relação às deficiências dos estudos em Teoria das Organizações no Brasil.

De acordo com Astley e Van de Ven (2005), a teoria das organizações não reflete apenas a realidade organizacional, mas também produz essa realidade. Os autores ainda afirmam que a interação entre as teorias organizacionais resulta, por assim dizer, em uma disputa pela futura formação do ambiente organizacional e é preciso ter consciência das tendências e valores sobre os quais se constrói a teoria. Logo, resgatando o objetivo deste trabalho, que é o de levantar e analisar a base teórica nas publicações científicas voltadas à explicação de fenômenos organizacionais, na tentativa de preencher uma lacuna identificada nos trabalhos bibliográficos sobre a utilização de teorias associadas aos estudos organizacionais, apresentam-se as seis teorias mais citadas na Tabela 6. A tabulação dos dados seguiu o corte definido pelos autores, ou seja, que uma teoria deveria estar presente em quatro ou mais artigos. Tabela 6: Teorias Utilizadas

EnANPAD (EOR-A)

2005 2006 2007 2008 Total Teoria

N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. N Freq. 1. Teoria Institucional 6 25% 7 30,4% 7 17,1% 8 28,6% 28 24,1%

2. Teoria da Estruturação 2 8,3% 1 4,3% 4 9,8% 2 7,1% 9 7,8%

3. Teoria das Representações Sociais

0 0 2 8,7% 0 0 3 10,7% 5 4,3%

4. Teoria Crítica 3 12,5% 0 0 0 0 1 3,6% 4 3,4%

5. Teoria da Agência 1 4,2% 0 0 1 2,4% 2 7,1% 4 3,4%

6. Teoria dos Custos de Transação

0 0 1 4,3% 1 2,4% 2 7,1% 4 3,4%

Teorias Diversas 12 50% 12 52,2% 28 68,3% 10 35,7% 62 53,4%

Total 24 100% 23 100% 41 100% 28 100% 116 100%

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Conforme os dados apresentados na Tabela 5, destaca-se que, das oitenta e duas publicações (54,7%) que utilizam uma ou mais teorias, foram identificadas seis correntes teóricas de maior representatividade.

É importante mencionar que na categoria Teorias Diversas, foram encontradas algumas teorias consolidadas internacionalmente e que foram aplicadas, contudo, em menos de quatro artigos. Pode-se citar, entre outras, a Teoria do Campo Social, a Teoria dos Stakeholders, a Teoria da Firma, a Teoria dos Jogos, a Teoria da Contingência e a Teoria da Dependência de Recursos. A alta representatividade desta categoria corrobora o que apontam Astley e Van de Ven (2005, p. 53), ou seja, a percepção de um “pluralismo teórico na literatura organizacional em teoria das organizações”, explicado tanto pelo crescimento da conscientização da complexidade das organizações como pelo apuramento dos interesses e das inquietações dos teóricos a seu respeito. Os autores complementam que, ao mesmo tempo em que há a necessidade de estimulação desse pluralismo teórico, objetivando novas descobertas dos aspectos organizacionais, esse pluralismo provoca uma divisão teórica excessiva, dificultando o entendimento de como as várias escolas de pensamento se relacionam.

As seis teorias mais citadas foram objeto de aprofundamento acerca do seu significado, dada a relevância de seu uso nos anos analisados na área de Estudos Organizacionais (Quadro 2), mas sem a pretensão de se estabelecer um enquadramento das teorias em grupos ou paradigmas clássicos (ver CALDAS; BERTERO, 2007), explorando-as segundo os dados relacionados ao país de origem, natureza do conhecimento (orientação), principais autores e ideias centrais.

Portanto, assemelhando-se aos resultados encontrados por Bertero e Keinert (1994), ao tratar do estudo de avaliação da análise organizacional, a presente investigação assevera que a orientação das teorias aplicadas é multidisciplinar, caracterizando-se pelo predomínio de abordagens sociológicas, econômicas e psicológicas. De acordo com Rodrigues (2000 apud FACHIN; RODRIGUES, 2007, p. 102), os “autores brasileiros têm confiado mais em teorias anglo-saxônicas e têm pouca confiança em conhecimento criado internamente [...]”, sendo que a orientação dos estudos organizacionais brasileiros é moldada, principalmente, pelo pensamento norteamericano ou europeu.

Após a averiguação de todas as teorias citadas no Quadro 2, bem analisando aquelas incluídas na categoria Teorias Diversas, constata-se que, quanto à origem do pensamento, permanece a orientação emprestada de teorias europeias e norteamericanas, fato comprovado por Vergara e

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Pinto (2001) ao analisarem também as referências teóricas em análise organizacional. De acordo com Vergara e Carvalho Jr. (1996 apud FACHIN; RODRIGUES, 2007), a utilização de literaturas estrangeiras pode ser entendida mais pela sua legitimação internacional do que pela sua capacidade de explicação dos fenômenos investigados.

Quadro 2: Síntese das Teorias mais Representativas

Teoria Origem Orientação Principais autores Ideias Centrais

1. Teoria Institucional

Estados Unidos Social

Anos 1950 Robert Merton Philip

Selznick

Anos 1970-80

John Meyer Brian

Rowan Pamela Tolbert

Lynne G. Zucker

Paul DiMaggio

Walter Powell

Contrapõe a visão racional-econômica de Weber; Explica o comportamento das organizações e dos indivíduos no ambiente externo; As organizações adotam estruturas internas, políticas e práticas não porque são necessariamente as mais eficientes e sim como resposta a padrões institucionais que existem fora da organização, como conjunto de valores, normas, regras, crenças e verdades absolutas; Conceitos principais: Campo Organizacional, Isomorfismo, Legitimação.

2. Teoria da Estruturação

Reino Unido Social

Anos 1970-80 Anthony

Giddens

Não considera que existe supremacia da estrutura sobre o indivíduo, entende que ambos se influenciam mutuamente; A estruturação constitui-se da estrutura e da agência (ação humana); Conceito principal: “dualidade da estrutura”

3. Teoria das Representações

Sociais França Psicológica

Anos 1960 Serge

Moscovici

Anos 1990 Denise Jodelet

Rompeu com a dicotomia entre objetividade e subjetividade, ao permitir a apreensão dos fenômenos psicológicos em sua dimensão social; Compreensão de um sujeito ou objeto recriando os significados com base no que é produzido e partilhado pelo senso comum; Considera que as interações entre os seres sociais constroem representações de acordo com os comportamentos, explicações, crenças e ideias.

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4. Teoria Crítica Alemanha Social

Anos 1930 Theodor Adorno

Max Horkheimer

Anos 1970 Herbert Marcuse Jurgen

Habermas

Orienta-se para investigações sobre exploração, repressão, injustiça, relações de poder assimétricas, comunicação distorcida e falsa consciência; Objetiva criar sociedades e lugares de trabalho livres de dominação, cujos membros tenham oportunidades iguais e as organizações sejam capazes de guiar o progressivo desenvolvimento de todos; Embora não faça parte da corrente principal de estudos organizacionais e os pesquisadores critiquem as ideologias e práticas administrativas como demonstrações de formas atuais de dominação, ela não é antiadministrativa.

5. Teoria da Agência

Reino Unido/ Estados Unidos

Econômica

Anos 1770 Adam Smith

Anos 1930 Adolf A.

Berle Gardiner C.

Means

Anos 1970 Michael C.

Jensen William H. Meckling

Também chamada de Teoria do Agente Principal; Presume a existência de dois atores: o principal e o agente, buscando explicar os conflitos de interesses entre estes e envolve a delegação de autoridade do principal para o agente; O problema surge quando o agente não atua defendendo o interesse do principal, ou seja, o agente age visando a maximizar seus interesses pessoais; Lançou as bases da governança corporativa.

6. Teoria dos Custos de Transação

Reino Unido/ Estados Unidos

Econômica

Final dos anos 1930

Ronald Coase

Anos 1970

Oliver Williamson

Também conhecida como Economia dos Custos de Transação (ECT); Engloba dois conceitos centrais: a racionalidade limitada e o oportunismo dos agentes; Baseia-se nos custos das transações entre agentes que são permeadas por incertezas que levam a firma a decidir se a produção de determinado bem deve ser internalizada ou terceirizada. Lançou as bases para a defesa da concorrência e das políticas antitruste.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir da pesquisa bibliográfica (EnANPAD de 2005-2008).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho procurou-se enriquecer o debate acadêmico por meio de uma análise das produções científicas desenvolvidas no contexto brasileiro, identificando a aplicação de teorias para explicação de fenômenos organizacionais, nos quatro anos (2005-2008) de publicações na área temática de Teoria das Organizações do EnANPAD. O presente estudo não pretendeu criticar as teorias utilizadas, nem esgotar o assunto, mas, identificar as correntes teóricas que foram mais aplicadas na área de Estudos Organizacionais.

Dos cento e cinquenta artigos analisados na área temática EOR-A, pouco mais da metade (54,7%), mencionam teorias clássicas de origem de países da Europa ou dos Estados Unidos e nenhum fomenta o desenvolvimento de novas correntes teóricas no contexto brasileiro. Isto representa certa inércia e uma controvérsia desta área temática, que busca, justamente, fortalecer e explicar os Estudos Organizacionais. Com base nisto, surge um questionamento sobre o enriquecimento da área, já que, se um artigo não contém teoria, ou mesmo se a teoria é fraca ou inadequada, o estudo tem valor considerado suspeito (SUTTON; STAW, 1995). Mesmo assim, quase metade dos artigos (45,3%) que não se utilizam de teorias foram aprovados por um Encontro de Administração renomado no contexto nacional.

Embora exista um grande número de teorias fundamentando a produção científica dentro do campo de estudos organizacionais, a presente pesquisa constatou a utilização de seis teorias predominantes (Teoria Institucional, da Estruturação, das Representações Sociais, Crítica, da Agência e dos Custos de Transação). As demais teorias encontradas (Teorias Diversas) que embasaram somente três ou menos publicações, evidenciam que, muitas vezes, o debate fica restrito a questões pontuais ou problemas de realidades específicas, não se percebendo a necessidade de continuidade na construção do conhecimento na área e ampliação do campo de estudos. Além disso, a variedade e a dispersão não permitiram, contudo, que se apresentasse uma lista adequada para apresentação neste trabalho, o que poderia representar um maior entendimento teórico, já que a interação entre diferentes perspectivas facilita a compreensão dos fenômenos organizacionais, pois “toda e qualquer escola individual de pensamento oferece, invariavelmente, apenas uma explicação parcial da realidade” (ASTLEY; VAN DE VEN, 2005, p. 53).

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Assim, a aplicação das ideias sociológicas, econômicas e psicológicas no campo de estudos organizacionais demonstra, por um lado, a multidisciplinaridade desta área. Todavia, reflete também por outro lado, o ainda incipiente desenvolvimento de teorias próprias para explicação de fenômenos da área de administração. Outro ponto a ressaltar é a falta de inserção do Brasil como gerador de conhecimento desta área, o que representa uma continuidade da tradição brasileira de importar teorias (FACHIN; RODRIGUES, 2007). Ou seja, apesar de se reconhecer que o uso de uma teoria em diferentes contextos seja uma inovação metodológica, percebe-se ainda que há mais uma replicação de teorias consolidadas internacionalmente do que propriamente uma construção teórica brasileira.

Ademais, foram categorizados o número de autores, a estratégia e a natureza de pesquisa nos artigos analisados. Com base nesses dados, inferiu-se que as publicações são eminentemente colaborativas, com predomínio de dois ou mais autores, representado por 70% da amostra. Constatou-se que a estratégia de pesquisa é predominantemente qualitativa (91,3%) e de natureza empírica (65,3%), levando à conclusão de que os estudos efetuados na área não se valem de técnicas estatísticas para validação dos dados. Bertero, Vasconcelos e Binder (2003) e Hoppen e Meirelles (2005) argumentam que a ampla utilização de métodos qualitativos expressa a fragilidade e a imaturidade do campo de pesquisa em Administração. Isto denota uma carência de métodos mais objetivos, levantando a reflexão sobre a maturidade na área, já que os métodos qualitativos valem-se mais da subjetividade do pesquisador na análise e interpretação dos resultados, o que, para muitos, representa limitações e questionamentos acerca da validade do conhecimento.

Ressalte-se também que, embora tenha sido identificada uma quantidade representativa de artigos teóricos (34,7%), estes não necessariamente contribuem de forma efetiva para o desenvolvimento de novas teorias e aperfeiçoamento das discussões acerca dos fenômenos organizacionais correntes.

Do ponto de vista acadêmico, esta pesquisa evidencia que a área de estudos organizacionais no Brasil encontra-se permeada de ideias estrangeiras, indicando um tímido desenvolvimento teórico brasileiro. Do ponto de vista prático, demonstra que os fenômenos organizacionais podem ser entendidos sob diversas perspectivas, ampliando a compreensão e estabelecendo direcionamentos para a atividade gerencial nas organizações.

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Como sugestão para estudos futuros, propõe-se a ampliação desta revisão bibliográfica para as demais áreas de Estudos Organizacionais do EnANPAD, bem como a inclusão de outros periódicos científicos brasileiros para averiguar se há equilíbrio entre a aplicação ou não de teorias nos artigos científicos e suas implicações para a compreensão dos fenômenos organizacionais. Não obstante, é necessário refletir e aprofundar a discussão acerca da importância de criar e utilizar teorias como sustentáculo ou tentativa de alterar a práxis organizacional. REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. O.; LOPES, T. C.; PEREIRA, R. C. F. A produção científica em marketing de relacionamento no Brasil entre 1990 e 2004. In: II Encontro de Marketing da Anpad – EMA, RJ, 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2006.

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DADOS DOS AUTORES FLAVIO PERAZZO BARBOSA MOTA ([email protected]) Mestre em Administração pela UFPB Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Tecnologia/Sistemas de Informação, Governo Eletrônico, Organizações. CERES GREHS BECK ([email protected]) Mestre em Administração pela UFPB Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Marketing, Qualidade, Desenvolvimento Sustentável. RITA DE CÁSSIA DE FARIA PEREIRA ([email protected]) Doutora em Administração pela UFRGS Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Pesquisa e Planejamento de Marketing; Marketing de Relacionamento e Redes. TATIANA AGUIAR PORFÍRIO DE LIMA ([email protected]) Mestre em Administração pela UFPB Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Gestão de Pessoas e Indicadores de Desempenho. SOLANGE CRISTINA DO VALE([email protected]) Mestre em Administração pela UFPB Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Organizações e Tecnologia da Informação Recebido em: 29/10/2009 • Aprovado em: 14/08/2010

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POLÍTICA EDITORIAL FOCO A revista Administração: Ensino e Pesquisa é uma publicação que busca difundir o estado da arte do ensino e da pesquisa em Administração, oportunizando a apresentação em forma de artigos, teorias, modelos, pesquisas e retrospectivas que abordem o processo de ensino-aprendizagem e intensifiquem o aprendizado dos alunos em disciplinas dos cursos de Administração. ESTILO Os trabalhos enviados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa devem ser inéditos nacional e internacionalmente e demonstrar uma linguagem clara e objetiva, não podendo estar em avaliação paralela em outros veículos de divulgação. Recomenda-se atenção especial com a estrutura geral do artigo e com o contexto lógico dos argumentos.

Os artigos encaminhados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa deverão ser apresentados no seguinte formato: Editor de texto: Word for Windows 6.0 ou posterior. 1

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o Título do trabalho centralizado, em português e inglês. o Resumo em português e inglês, contendo o objetivo do trabalho, o método utilizado, os resultados obtidos e as conclusões com no mínimo 10 (dez) e no máximo 15 (quinze) linhas; seguido de palavras-chave e keywords (no mínimo três e no máximo cinco palavras-chave).

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Na análise, destacam pontos importantes que justificam a sua avaliação, contribuindo para o aperfeiçoamento do trabalho do autor.

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