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Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração Administração: Ensino e Pesquisa Volume 12 Número 4 Rio de Janeiro Outubro/Novembro/Dezembro 2011

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Associação Nacional dos Cursos de

Graduação em Administração

Administração: Ensino e Pesquisa Volume 12

Número 4

Rio de Janeiro

Outubro/Novembro/Dezembro

2011

A Administração: Ensino e Pesquisa é um periódico trimestral da ANGRAD

(Associação Nacional dos cursos de Graduação em Administração) que tem

como missão difundir o estado da arte do ensino e pesquisa em Administração.

Administração: Ensino e Pesquisa, v. 12, n. 4, (Outubro/Novembro/Dezembro

2011) – Rio de Janeiro: ANGRAD, 2011 – trimestral.

1. Administração – Periódico

ISSN – 2177-6083

Publicada como Revista ANGRAD no período entre: v.1-10, 2000-2009 - (ISSN

– 1518-5532)

Publicada como Administração: Ensino e Pesquisa a partir de: v.11, 2010.

Projeto Gráfico: Bruno Gomes

Coordenação Editorial: Gabrielle Junqueira Hernandes

Tiragem: 1200

Impressão: Gráfica Vanesul

Data de Impressão: 30 de Dezembro de 2011

As opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade dos

seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação

estão reservados.

A Administração: Ensino e Pesquisa completa um volume a cada ano e é

distribuída gratuitamente aos seus associados. As associações podem ser feitas

por meio da homepage da ANGRAD (www.angrad.org.br). Os números

anteriores estarão disponíveis enquanto durarem os estoques.

Conselho Editorial

Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior

Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de

Empresas

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy

Universidade Presbiteriana Mackenzie

São Paulo/SP – Brasil

Profa. Dra. Maria da Graça Pitiá Barreto

Universidade Federal da Bahia

Salvador/BA – Brasil

Prof. Dr. Pedro Lincoln

Universidade Federal de Pernambuco

Recife/PE – Brasil

Prof. Dr. Roberto Costa Fachin

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Porto Alegre/RS – Brasil

Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade

Universidade do Grande Rio

Rio de Janeiro/RJ - Brasil

Profa. Dra. Sylvia Constant Vergara

Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de

Empresas

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Profa. Dra. Sylvia Maria Azevedo Roesch

Universidade de Caxias do Sul

Caxias do Sul/RS – Brasil

Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer

Universidade Federal da Bahia

Salvador/BA – Brasil

Editora Científica

Profa. Dra. Manolita Correia Lima

Escola Superior de Propaganda e Marketing

São Paulo/SP – Brasil

Corpo Editorial Científico

Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho

Universidade Federal do Ceará

Fortaleza/CE – Brasil

Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero

Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo

São Paulo/SP – Brasil

Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido

Universidade Presbiteriana Mackenzie

São Paulo/SP – Brasil

Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito

Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo

São Paulo/SP – Brasil

Profa. Dra. Manolita Correia Lima

Escola Superior de Propaganda e Marketing

São Paulo/SP – Brasil

Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Porto Alegre/RS – Brasil

Prof. Dr. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida

Universidade de São Paulo

São Paulo/SP – Brasil

Prof. Dr. Piotr Trzesniak

Universidade Federal de Itajubá

Itajubá/MG – Brasil

Profa. Dra. Sônia Maria Rodrigues Calado Dias

Faculdade Boa Viagem

Recife/PE – Brasil

Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães

Universidade de Brasília

Brasília/DF – Brasil

Gestão ANGRAD (2010/2011)

Conselho Diretor

Presidente: Prof. Dr. Mauro Kreuz

Faculdade Campo Limpo Paulista

Campo Limpo Paulista/SP – Brasil

Vice-Presidente: Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes

Universidade do Estado de Santa Catarina

Florianópolis/SC – Brasil

Diretor de Administração e Finanças: Prof. Dr. Francisco Marcelo Garritano

Barone do Nascimento

Universidade Federal Fluminense

Niterói/RJ – Brasil

Diretor de Ensino e Pesquisa: Prof. Ms. Antônio Gildo Paes Galindo

Faculdade Frassinetti do Recife

Recife/PE – Brasil

Diretor de Relações Institucionais: Prof. Ms. Antônio Carlos Dias Athayde

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Contagem/MG – Brasil

Diretor de Marketing: Profa. Dra. Cláudia de Salles Stadtlober

Instituto Superior de Educação do Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista

Porto Alegre/RS – Brasil

Diretor de Publicações: Profa. Dra. Tânia Maria da Cunha Dias

Faculdade Castro Alves

Salvador/BA – Brasil

Diretor de Relações Internacionais: Prof. Dr. Vicente Nogueira Filho

Associação Internacional de Educação Continuada

Brasília/DF – Brasil

Conselho Fiscal

Prof. Ms. Jorge Henrique Mariano Cavalcante

Faculdades Atenas Maranhenses

São Luís/MA – Brasil

Prof. Dr. Rogério Augusto Profeta

Universidade de Sorocaba

Sorocaba/SP – Brasil

Profa. Dra. Andréa Maria Accioly Minardi

Instituto de Ensino e Pesquisa

São Paulo/SP – Brasil

Suplente: Prof. Ms. José Carlos Pacheco Coimbra

Faculdade de Jaguariúna

Jaguariúna/SP – Brasil

Conselho Consultivo

Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade

Universidade do Grande Rio

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Prof. Dr. Alexander Berndt

Ad Homines Associação Educacional

São Paulo/SP – Brasil

Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior

Fundação Getúlio Vargas - Escola Brasileira de Administração Pública e de

Empresas

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Equipe ANGRAD

Superintendente Executivo: Luiz Carlos da Silva

Assessora de Eventos: Helena Almeida

Auxiliar Administrativo: Bruno Gomes

Estagiário – Administração: Raphael Dias de Melo

Estagiária – Comunicação: Thamara Laila Macedo Souto

NOMINATA DE AVALIADORES – AD HOC

A lista a seguir apresenta o nome de professores e pesquisadores

integrantes da Consultoria Editorial, que atuaram como avaliadores ad

hoc durante o ano de 2011 de artigos submetidos à Administração:

Ensino e Pesquisa. A Editoria agradece a colaboração voluntária,

exercida com dedicação e empenho fundamentais para o aperfeiçoamento

da qualidade da revista, contribuindo para elevar sua posição como um

dos principais periódicos nacionais que tem como foco o ensino e a

metodologia de pesquisa aplicados à Administração com vistas a

melhorar o processo de ensino, aprendizagem e pesquisa nos cursos de

Administração.

Profa. Dra. Adelaide Maria Coelho Baêta UNIFEMM MG

Prof. Dr. Ademir Antonio Ferreira UNIP SP

Prof. Dr. Adilson Aderito da Silva UPM SP

Profa. Dra. Adriana Cristina Ferreira Caldana USP/RP SP

Profa. Dra. Adriana Roseli Wünsch Takahashi UFPR PR

Profa. Dra. Adriane Vieira UFMG MG

Prof. Dr. Adriano Leal Bruni UFBA BA

Prof. Dr. Adriel Rodrigues de Oliveira UFV MG

Prof. Dr. Afonso Henriques Borges Ferreira FJP MG

Prof. Dr. Afrânio Carvalho Aguiar FUMEC MG

Prof. Dr. Alberto Borges Matias USP SP

Prof. Ms. Alberto Carlos Teixeira Alvarães UNIABEU RJ

Prof. Dr. Alberto Luiz Albertin FGV/EAESP SP

Profa. Ms. Alessandra Costenaro Maciel UFSM RS

Profa. Ms. Alessandra Mello da Costa UFRRJ RJ

Prof. Dr. Alexandre Pignanelli FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Alipio Ramos Veiga Neto UnP RN

Profa. Dra. Alketa Peci FGV/EBAPE RJ

Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa UFMG MG

Prof. Dr. Amaury José Rezende USP/RP SP

Profa. Dra. Amélia Silveira FURB SC

Profa. Ms. Ana Carolina Peixoto Medeiros IFPE PE

Profa. Dra. Ana Cristina Fachinelli UCS RS

Profa. Dra. Ana Cristina Limongi-França USP SP

Profa. Dra. Ana Maria Roux Valentini Coelho Cesar UPM SP

Profa. Dra. Ana Paula Celso de Miranda UFPE PE

Prof. Dr. Anderson Luiz Rezende Mól UFRN RN

Prof. Dr. André Carlos Busanelli de Aquino USP/RP SP

Prof. Dr. André Luiz Fischer USP SP

Prof. Dr. André Luiz Maranhão de Souza Leão UFPE PE

Prof. Dr. Andre Luiz Silva Samartini FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Andre Torres Urdan FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Andson Braga de Aguiar FUCAPE ES

Profa. Dra. Angela Beatriz Scheffer Garay UFRGS RS

Prof. Dr. Anielson Barbosa da Silva UFPB PB

Profa. Ms. Anne Pinheiro Leal FURG RS

Prof. Dr. Anthero de Moraes Meirelles FNH MG

Profa. Dra. Antonia de Lourdes Colbari UFES ES

Prof. Dr. Antonio Carlos Aidar Sauaia USP SP

Prof. Dr. Antonio Isidro da Silva Filho UnB DF

Prof. Dr. Antônio Luiz Mattos de Souza Cardoso UFES ES

Prof. Dr. Antonio Vico Mañas PUC SP

Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy UPM SP

Prof. Dr. Ariston Azêvedo UFRGS RS

Prof. Dr. Arnaldo José França Mazzei Nogueira USP SP

Prof. Dr. Augusto de Oliveira Monteiro UNIFACS BA

Prof. Dr. Aurio Lucio Leocadio UFPR PR

Prof. Dr. Belmiro do Nascimento João PUC SP

Prof. Dr. Braulio Oliveira FEI SP

Prof. Ms. Breno de Paula Andrade Cruz UFRRJ RJ

Prof. Dr. Bruno Meirelles Salotti USP SP

Profa. Dra. Carla de Oliveira Buss

RS

Prof. Dr. Carlos Alberto Diehl UNISINOS RS

Prof. Dr. Carlos Alberto Gonçalves UFMG MG

Prof. Dr. Carlos Augusto Amaral Moreira FATEC SP

Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Carolina M. Saraiva de Albuquerque Maranhão UNA MG

Profa. Dra. Catarina Cecilia Odelius UnB DF

Profa. Ms. Célia Ottoboni UNIFEI MG

Prof. Dr. César Alexandre de Souza USP SP

Prof. Dr. Cesar Nazareno Caselani FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Charles Kirschbaum INSPER SP

Profa. Dra. Christiane Kleinübing Godoi UNIVALI SC

Profa. Ms. Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros UFU MG

Profa. Ms. Clarissa Daguer Braga UFMG MG

Profa. Dra. Cláudia Buhamra Abreu Romero UFC CE

Profa. Dra. Claudia Fernanda Franceschi Klement UPM SP

Profa. Dra. Cláudia Souza Passador USP/RP SP

Profa. Dra. Claudiani Waiandt UFBA BA

Prof. Dr. Cláudio Antônio Tordino PUC SP

Prof. Ms. Claudio de Souza Miranda USP/RP SP

Prof. Dr. Cláudio Hoffmann Sampaio PUC RS

Prof. Dr. Cláudio Parisi FECAP SP

Profa. Dra. Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues UFG GO

Profa. Dra. Clerilei Aparecida Bier UDESC SC

Prof. Dr. Cleverson Renan da Cunha UFPR PR

Prof. Dr. Clovis Luiz Machado-da-Silva UP PR

Profa. Dra. Cristiana Fernandes de Muÿlder FNH MG

Profa. Dra. Cristiana Maria de Abreu Checchia Saito UPM SP

Profa. Dra. Cristiane Vercesi UEL PR

Profa. Dra. Cristina Faria Fidelis Gonçalvez UEL PR

Profa. Dra. Dagmar Silva Pinto de Castro UMESP SP

Prof. Ms. Daniel Gomes dos Reis UPM SP

Prof. Dr. Daniel Jardim Pardini FUMEC MG

Prof. Dr. Dante Pinheiro Martinelli USP/RP SP

Prof. Dr. Delane Botelho FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Denis Donaire USCS SP

Profa. Dra. Denise de Castro Pereira PUC MG

Profa. Dra. Denise Del Prá Netto Machado FURB SC

Profa. Dra. Denise Maria Candiotto Caselani UNINOVE SP

Prof. Dr. Derly Jardim do Amaral UPM SP

Profa. Dra. Dimária Silva e Meirelles UPM SP

Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido UPM SP

Profa. Dra. Dione Olesczuk Soutes UNIOESTE PR

Prof. Dr. Dirceu da Silva UNINOVE SP

Profa. Dra. Edimara Mezzomo Luciano PUC RS

Prof. Dr. Edison Mello Junior UFU MG

Profa. Dra. Edna Maria Querido de Oliveira Chamon UNITAU SP

Prof. Ms. Edson Coutinho da Silva FEI SP

Prof. Dr. Edson Luiz Riccio USP SP

Prof. Dr. Eduardo de Camargo Oliva USCS SP

Prof. Dr. Eduardo Loebel UMESP SP

Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Eliane Salete Filippim UNOESC SC

Profa. Dra. Elisa Yoshie Ichikawa UEM PR

Profa. Ms. Elisabete Adami Pereira dos Santos PUC SP

Prof. Dr. Elmano Pontes Cavalcanti UFCG PB

Profa. Dra. Eloise Helena Livramento Dellagnelo UFSC SC

Prof. Dr. Ely Laureano Paiva FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Emanuel Junqueira UFES ES

Prof. Dr. Emerson Antonio Maccari UNINOVE SP

Prof. Dr. Eric David Cohen FUCAPE ES

Prof. Dr. Eric Dorion UCS RS

Profa. Dra. Ester Eliane Jeunon PUC MG

Profa. Dra. Eva Stal UNINOVE SP

Profa. Dra. Evelyn Maria Boia Baptista UFRGS RS

Prof. Dr. Fabiano Rodrigues ESPM SP

Prof. Dr. Fábio Ferreira Batista IPEA DF

Prof. Dr. Fabio Luiz Mariotto FGV/EAESP SP

Prof. Ms. Fabrício César Bastos PUC SP

Profa. Dra. Fanny Fanny Michaan Terepins BSP SP

Profa. Dra. Fátima Bayma de Oliveira FGV/EBAPE RJ

Profa. Dra. Fátima Cristina Trindade Bacellar IBMEC RJ

Profa. Dra. Fátima Regina Ney Matos UNIFOR CE

Prof. Dr. Felipe Mendes Borini ESPM SP

Prof. Dr. Felipe Zambaldi FEI SP

Prof. Dr. Fernando Antonio Prado Gimenez PUC PR

Prof. Dr. Fernando Caio Galdi FUCAPE ES

Prof. Dr. Fernando Coelho Martins Ferreira UPM SP

Prof. Dr. Fernando Coutinho Garcia FNH MG

Prof. Dr. Fernando Dal-Ri Murcia UFSC SC

Profa. Dra. Flávia de Souza Costa Neves Cavazotte IBMEC RJ

Profa. Dra. Flávia Zóboli Dalmácio USP SP

Prof. Ms. Flávio Batistella USP/RP SP

Prof. Dr. Flávio Romero Macau FGV/EAESP SP

Profa. Ms. Francielle Molon da Silva UFRGS RS

Prof. Dr. Francis Kanashiro Meneghetti UP PR

Prof. Dr. Francisco Antonio Serralvo PUC SP

Prof. Dr. Francisco Baccarin UNIMEP SP

Prof. Dr. Francisco Correia de Oliveira UNIFOR CE

Prof. Dr. Francisco Giovanni David Vieira UEM PR

Prof. Dr. Francisco Ilson Saraiva Junior FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Gabriela Cardozo Ferreira PUC RS

Prof. Dr. Gelson Silva Junquilho UFES ES

Prof. Dr. George Leal Jamil FUMEC MG

Prof. Ms. Geraldo Alemandro Leite Filho UNIMONTES MG

Prof. Dr. Gilberto de Andrade Martins USP SP

Prof. Ms. Gilberto José Miranda UFU MG

Prof. Dr. Gilberto Tadeu Shinyashiki USP/RP SP

Prof. Dr. Gilmar Masiero USP SP

Profa. Dra. Graziela Dias Alperstedt UDESC SC

Profa. Dra. Graziella Maria Comini USP SP

Prof. Dr. Guilherme Cunha Malafaia UCS RS

Prof. Ms. Guilherme Mirage Umeda ESPM SP

Prof. Dr. Gustavo Melo Silva UFSJ MG

Prof. Dr. Gustavo Quiroga Souki UNA MG

Prof. Dr. Haroldo Cristovam Teixeira Leite UNIR RO

Prof. Dr. Heitor José Pereira FIA SP

Prof. Dr. Heitor Takashi Kato PUC PR

Prof. Dr. Helder Pontes Régis UFRPE PE

Prof. Dr. Hélio Zanquetto Filho UFES ES

Prof. Dr. Henrique Cordeiro Martins FUMEC MG

Prof. Dr. Henrique Guilherme Carlos Heidtmann Neto UNAMA PA

Profa. Dra. Hilda Coutinho de Oliveira UFC CE

Profa. Dra. Hilka Vier Machado UEM PR

Prof. Dr. Hugo Osvaldo Acosta Reinaldo UFC CE

Profa. Dra. Inês Pereira FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Irene Kazumi Miura USP/RP SP

Profa. Dra. Íris Barbosa Goulart UNIPEL MG

Profa. Dra. Isabel de Sá Affonso da Costa UNESA RJ

Prof. Dr. Ivam Ricardo Peleias FECAP SP

Prof. Dr. Jaime Evaldo Fensterseifer UCS RS

Prof. Dr. James Anthony Falk FBV PE

Profa. Dra. Janete Lara de Oliveira UFMG MG

Profa. Dra. Janette Brunstein UPM SP

Prof. Dr. Jefferson Marçal da Rocha UNIPAMPA RS

Prof. Dr. Jessé Alves Amâncio UFMG MG

Profa. Dra. Joanília Neide Sales Cia USP SP

Prof. Dr. João Eduardo Prudêncio Tinoco UNISANTOS SP

Prof. Dr. João Gualberto Moreira Vasconcellos UFES ES

Prof. Dr. João Marcelo Crubellate UEM PR

Prof. Dr. João Mauricio Gama Boaventura FIA SP

Prof. Dr. João Paulo Lara de Siqueira UNIP SP

Prof. Dr. Joel Souza Dutra USP SP

Prof. Dr. Jorge Augusto de Sá Brito e Freitas UNESA RJ

Prof. Dr. Jorge Carneiro PUC RJ

Prof. Dr. Jorge de Souza Bispo FIPECAFI SP

Prof. Dr. Jorge Eduardo Scarpin FURB SC

Prof. Dr. Jorge Expedito de Gusmão Lopes UFPE PE

Prof. Dr. Jorge Katsumi Niyama UnB DF

Prof. Dr. Jorge Luiz Moraes Doval UNISC RS

Prof. Dr. José Alberto Carvalho dos Santos Claro UNISANTOS SP

Prof. Dr. José Alonso Borba UFSC SC

Prof. Dr. José Carlos Thomaz UPM SP

Prof. Dr. José da Cunha Tavares FEI SP

Prof. Dr. José Dutra de Oliveira Neto USP/RP SP

Prof. Ms. José Elias Feres de Almeida UFES ES

Prof. Dr. José Francisco Ribeiro Filho UFPE PE

Prof. Dr. José Geraldo Pereira Barbosa UNESA RJ

Prof. Dr. José Luiz Trinta IBMEC RJ

Prof. Dr. José Marcos Carvalho de Mesquita FUMEC MG

Prof. Dr. José Maria Dias Filho UFBA BA

Prof. Dr. José Mauro da Costa Hernandez FEI SP

Prof. Dr. José Nilson Reinert UFMS MS

Prof. Dr. José Osvaldo de Sordi FACCAMP SP

Prof. Dr. José Paulo de Souza UEM PR

Prof. Dr. José Roberto Gomes da Silva PUC RJ

Profa. Dra. Jouliana Jordan Nohara UNINOVE SP

Profa. Dra. Joyce Ajuz Coelho ESPM RJ

Prof. Dr. Jucimara Roeslen UNISUL SC

Profa. Dra. Juliana Barreiros Porto UnB DF

Prof. Dr. Júlio César Bastos de Figueiredo ESPM SP

Profa. Dra. Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado UPM SP

Profa. Dra. Kely César Martins de Paiva FNH MG

Prof. Dr. Ladislau Dowbor PUC SP

Prof. Ms. Lauro César Vieira Filho FBV PE

Prof. Dr. Lélis Balestrin Espartel PUC RS

Prof. Dr. Leonardo Ensslin UFSC SC

Prof. Dr. Leonardo Nelmi Trevisan PUC SP

Prof. Dr. Leonardo Pereira Santiago UFMG MG

Prof. Dr. Leonardo Rocha de Oliveira PUC RS

Profa. Dra. Letícia Helena Medeiros Veloso UFF RJ

Profa. Dra. Lilian Aparecida Pasquini Miguel UPM SP

Profa. Dra. Lilian Soares Outtes Wanderley UFPE PE

Prof. Ms. Lindomar Pinto da Silva FAT BA

Profa. Dra. Lúcia Maria Barbosa de Oliveira FBV PE

Profa. Dra. Luciana Flores Battistella UFSM RS

Profa. Ms. Luciana Jacques Faria ESPM SP

Profa. Dra. Luciana Marques Vieira UNISINOS RS

Profa. Dra. Luciana Pucci Santos UFRRJ RJ

Prof. Dr. Luciano Rossoni UP PR

Prof. Dr. Luciano Thomé e Castro FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Lucio França Teles UnB DF

Prof. Dr. Luis Felipe Nascimento UFRGS RS

Prof. Dr. Luis Henrique Pereira FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Luís Paulo Bresciani USCS SP

Prof. Dr. Luiz Alberto Nascimento Campos Filho IBMEC RJ

Prof. Dr. Luiz Antônio Antunes Teixeira FUMEC MG

Prof. Ms. Luiz Antonio Teixeira Vasconcelos UNICAMP SP

Prof. Dr. Luiz Artur Ledur Brito FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Luiz Carlos Honório FNH MG

Prof. Dr. Luiz Carlos Jacob Perera UPM SP

Prof. Dr. Luiz Claudio Vieira de Oliveira FUMEC MG

Prof. Dr. Luiz Gonzaga de Castro Junior UFLA MG

Prof. Dr. Luiz Ojima Sakuda FEI SP

Prof. Dr. Luiz Tatto UEM PR

Prof. Dr. Magnus Luiz Emmendoerfer UFV MG

Profa. Dra. Manolita Correia Lima ESPM SP

Profa. Dra. Mara Jane Contrera Malacrida USP SP

Prof. Dr. Marcelo Afonso Ribeiro USP SP

Prof. Dr. Marcelo Alvaro da Silva Macedo UFRJ RJ

Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin PUC RS

Prof. Dr. Marcelo Pereira Binder UNINOVE SP

Profa. Dra. Márcia Athayde Matias UFMG MG

Profa. Dra. Márcia da Silva Costa UFPB PB

Profa. Dra. Marcia Dutra de Barcellos UFRGS RS

Profa. Dra. Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo UFPR PR

Profa. Dra. Márcia Martins Mendes de Luca UFC CE

Profa. Ms. Márcia Reis Machado UFPB PB

Prof. Dr. Márcio Coelho UAM SP

Profa. Ms. Marcleide Maria Macêdo Pederneiras UFPB PB

Prof. Dr. Marco Aurélio Marques Ferreira UFV MG

Prof. Dr. Marco Milani UPM SP

Prof. Dr. Marcos Amatucci ESPM SP

Prof. Dr. Marcos do Couto Bezerra Cavalcanti UFRJ RJ

Prof. Dr. Marcos Gilson Gomes Feitosa UFPE PE

Profa. Dra. Maria Aparecida Ferreira de Aguiar

SP

Profa. Ms. Maria Campos Lage UPM SP

Profa. Dra. Maria Ceci Misoczky UFRGS RS

Profa. Dra. Maria Cecilia Coutinho de Arruda FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Maria Célia Pacheco Lassance UFRGS RS

Profa. Dra. Maria Cristina Cacciamali USP SP

Profa. Dra. Maria do Carmo Fernandes Martins UMESP SP

Profa. Dra. Maria Elizabeth Barros de Barros UFES ES

Profa. Dra. Maria Ester Menegasso UDESC SC

Profa. Dra. Maria Iolanda Sachuk UEM PR

Profa. Dra. Maria Ivete Trevisan Fossá UFSM RS

Profa. Dra. Maria José Carvalho de Souza Domingues FURB SC

Profa. Dra. Maria Julia Pantoja UnB DF

Profa. Dra. Maria Luisa Mendes Teixeira UPM SP

Profa. Dra. Maria Nivalda de Carvalho-Freitas UFSJ MG

Profa. Dra. Maria Virginia Llatas UPM SP

Profa. Dra. Marialva Tomio Dreher FURB SC

Profa. Dra. Marília Novais da Mata Machado UFSJ MG

Profa. Dra. Mariluce Paes de Souza UNIR RO

Profa. Dra. Marina Keiko Nakayama UFSC SC

Prof. Dr. Mário Aquino Alves FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes UDESC SC

Prof. Dr. Mário Teixeira Reis Neto UNA MG

Profa. Dra. Marisa Pereira Eboli USP SP

Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo FNH MG

Profa. Dra. Marta Fabiano Sambiase Lombardi UPM SP

Prof. Dr. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida USP SP

Prof. Dr. Mateus Canniatti Ponchio ESPM SP

Prof. Dr. Mauri Leodir Löbler UFSM RS

Prof. Dr. Maurício Fernandes Pereira UFSC SC

Prof. Dr. Maurício Gregianin Testa PUC RS

Prof. Ms. Mauricio Henrique Benedetti UPM SP

Prof. Dr. Maurício Reinert do Nascimento UEM PR

Prof. Dr. Mauro Lemuel Alexandre UFRN RN

Prof. Dr. Milton Luiz Wittmann UFSM RS

Profa. Dra. Mírian Oliveira PUC RS

Prof. Dr. Moacir de Miranda Oliveira Junior USP SP

Profa. Dra. Mônica Carvalho Alves Cappelle UFLA MG

Profa. Dra. Mônica Sionara Schpallir Calijuri UPM SP

Prof. Dr. Murilo Alvarenga Oliveira UFF RJ

Prof. Dr. Nério Amboni UDESC SC

Prof. Dr. Nicolau André de Miguel FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Octavio Ribeiro de Mendonça Neto UPM SP

Prof. Dr. Oscar Dalfovo FURB SC

Profa. Dra. Patricia Morilha Muritiba UNINOVE SP

Profa. Ms. Patricia Regina Caldeira Daré Artoni UPM SP

Profa. Dra. Patrícia Siqueira Varela FURB SC

Profa. Dra. Patricia Vidal UPM SP

Profa. Dra. Patricia Whebber Souza de Oliveira UnP RN

Prof. Dr. Paulo Carlos Du Pin Calmon UnB DF

Prof. Dr. Paulo da Costa Lopes UEL PR

Prof. Dr. Paulo Henrique Muller Prado UFPR PR

Prof. Dr. Paulo Sabbag FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Pedro Bendassolli UFRN RN

Prof. Dr. Pedro José Steiner Neto UFPR PR

Prof. Dr. Pedro Lincoln UFPE PE

Prof. Dr. Pelayo Munhoz Olea UCS RS

Prof. Dr. Pierre Ohayon UFRJ RJ

Prof. Dr. Piotr Trzesniak UNIFEI MG

Prof. Dr. Rafael Alcadipani da Silveira FGV/EAESP SP

Prof. Ms. Rafael Lucian UFPE PE

Prof. Dr. Ramon Silva Leite PUC MG

Prof. Ms. Raniery Christiano de Queiroz Pimenta UnP RN

Profa. Dra. Raquel Cristina Radamés de Sá UFU MG

Profa. Dra. Raquel da Silva Pereira USCS SP

Profa. Ms. Renata Céli Moreira da Silva PUC RJ

Prof. Dr. Renato Ladeia de Oliveira FEI SP

Prof. Dr. Renê Coppe Pimentel FIPECAFI SP

Prof. Dr. Reynaldo Cavalheiro Marcondes UPM SP

Prof. Ms. Ricardo Ceneviva USP SP

Prof. Dr. Ricardo Quadros Gouvêa UPM SP

Prof. Dr. Ricardo Teixeira Veiga UFMG MG

Profa. Dra. Roberta Muramatsu UPM SP

Prof. Dr. Roberto Borges Kerr UPM SP

Prof. Dr. Roberto Coda USP SP

Prof. Dr. Roberto Costa Fachin UFRGS RS

Prof. Dr. Roberto Fava Scare USP/RP SP

Prof. Dr. Roberto Gardesani UPM SP

Prof. Dr. Roberto Gonzalez Duarte UFMG MG

Prof. Dr. Roberto Patrus-Pena PUC MG

Prof. Dr. Roberto Sérgio do Nascimento UFC CE

Prof. Dr. Rodrigo Bandeira-de-Mello FGV/EAESP SP

Prof. Dr. Rodrigo Baroni de Carvalho FUMEC MG

Prof. Dr. Rodrigo Ladeira UFBA BA

Prof. Dr. Romilson Marques Cabral UFRPE PE

Profa. Dra. Rosália Aldraci Barbosa Lavarda FURB SC

Profa. Dra. Rosane Rivera Torres USP SP

Profa. Dra. Rosânia Rodrigues de Sousa FJP MG

Profa. Dra. Roseli Morena Porto FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Rosinha Machado Carrion UFRGS RS

Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade UNIGRANRIO RJ

Prof. Dr. Salomão Alencar de Farias UFPE PE

Prof. Dr. Saulo Soares de Souza UPM SP

Prof. Dr. Sergio Bulgacov UFPR PR

Prof. Dr. Sergio Hage Fialho UNIFACS BA

Prof. Dr. Sergio Luiz Lessa de Gusmão PUC RS

Profa. Ms. Sheizi Calheira de Freitas UFBA BA

Profa. Dra. Silvia Generali da Costa UFRGS RS

Profa. Dra. Silvia Marcia Russi De Domenico UPM SP

Prof. Dr. Silvio Carvalho Neto FACEF SP

Prof. Dr. Silvio Popadiuk UPM SP

Profa. Dra. Simone Costa Nunes PUC MG

Profa. Dra. Simone Cristina Dufloth FJP MG

Profa. Dra. Simone da Costa Fernandes Behr UFES ES

Profa. Dra. Simone Ghisi Feuerschütte UDESC SC

Profa. Dra. Sonia Valle Walter Borges de Oliveira USP/RP SP

Profa. Dra. Stella Naomi Moriguchi UFU MG

Profa. Dra. Sueli Angelica do Amaral UnB DF

Profa. Ms. Susane Petinelli Souza UFES ES

Profa. Dra. Sylmara Lopes Francelino Gonçalves Dias UNINOVE SP

Profa. Dra. Sylvia Maria Azevedo Roesch UCS RS

Prof. Dr. Tales Andreassi FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Talita Ribeiro da Luz FNH MG

Profa. Dra. Tania Casado USP SP

Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer UFBA BA

Profa. Dra. Tania Modesto Veludo de Oliveira FGV/EAESP SP

Profa. Dra. Tania Nobre Gonçalves Ferreira Amorim UFRPE PE

Profa. Ms. Tânia Regina Frota Vasconcellos Dias UFRRJ RJ

Profa. Dra. Tania Regina Sordi Relvas USP SP

Profa. Dra. Thelma Lucchese Cheung UFMS MS

Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães UnB DF

Prof. Dr. Valdir Machado Valadão Júnior UFU MG

Profa. Dra. Valmíria Carolina Piccinini UFRGS RS

Profa. Dra. Valquiria Padilha USP/RP SP

Prof. Dr. Valter Afonso Vieira UFPR PR

Prof. Dr. Valter de Assis Moreno Junior IBMEC RJ

Profa. Dra. Vania de Fátima Barros Estivalete UFSM RS

Profa. Dra. Vânia Maria Jorge Nassif UPM SP

Profa. Dra. Vera Lúcia Cançado Lima FPL MG

Profa. Dra. Vera Maria Medina Simonetti UNESA RJ

Prof. Dr. Vicente Lima Crisóstomo UFC CE

Prof. Ms. Wagner Juniro Ladeira UNISINOS RS

Prof. Dr. Wanderley Ramalho UFMG MG

Prof. Dr. Washington José de Souza UFRN RN

Prof. Dr. Wendel Alex Castro Silva FNH MG

Prof. Ms. Willson Gerigk UNICENTRO PR

Prof. Ms. Zacarias Gonçalves de Oliveira Junior UNIMEP SP

Profa. Dra. Zélia Miranda Kilimnik FUMEC MG

EDITORIAL

As transformações em curso no universo acadêmico tem requerido crescente número de

professores que além de exímios docentes, orientadores, pesquisadores e autores,

destaquem-se na gestão acadêmica. A professora Eliane Pereira Zamith Brito é um

exemplo dessa geração de super profissionais. Em 2009 conciliou as atividades típicas

de professora, com as responsabilidades de Editora Científica do periódico editado pela

ANGRAD, ao ser convidada pelo professor Antonio Araújo Freitas Júnior, então

presidente da referida Associação. Esteve à frente da RAEP até 2011, quando assumiu a

coordenação da Área de Administração, Ciências Contábeis e Turismo na CAPES.

Pela exemplaridade do trabalho realizado na condução do periódico seria

impossível não externar a admiração pela pessoa, acadêmica e profissional na

expectativa de que concluída a sua passagem pela CAPES, ela possa se reaproximar da

RAEP, sem quaisquer conflitos éticos. Acreditando na singularidade das pessoas, não há

pretensão de substituir a professora Eliane Pereira Zamith Brito. Apenas realizar um

trabalho alinhado com o por ela conduzido, na expectativa de que o periódico se

consolide junto à comunidade acadêmica, e colabore sobremaneira para o fortalecimento

da Administração pela contribuição das reflexões em temas subordinados à produção

(metodologia de pesquisa) e difusão (ensino – aprendizagem) de conhecimento na Área.

Aproveito a oportunidade para agradecer aos dirigentes da ANGRAD, particularmente

aos professores Mauro Kreuz (presidente) e Mário César Barreto Moraes (vice-

presidade), pela confiança depositada em meu trabalho. Confiança externada por

confiarem (desde a origem) a coordenação da área de Ensino, Pesquisa e Formação

Docente no Enangrad, e acatarem a indicação da professora Eliane Pereira Zamith Brito

(em julho de 2011) para que eu assumisse a responsabilidade de Editora Científica da

RAEP, depois de sua retirada.

Destaco que a mudança ocorrida na condução da RAEP é apenas circunstancial,

por isso mesmo, reitero a ausência de motivação para promover mudanças radicais no

periódico. Para ser mais coerente com os termos da divulgação do periódico no sítio da

ANGRAD, uma proposta de ajustes foi encaminhada para os dirigentes da Associação e

aguardo uma posição institucional para gerar alguma comunicação com a comunidade

acadêmica. De toda forma, sugestões estão sendo encaminhadas e serão muito bem

vindas, não apenas agora. Afinal, a vitalidade de um periódico acadêmico depende do

envolvimento de autores, leitores, e pareceristas. Por isso mesmo, a aproximação

desejada com esses públicos parece essencial.

Esse número da RAEP ainda foi integralmente conduzido pela professora

Eliane Pereira Zamith Brito, com o suporte de Gabrielle Junqueira Hernandes. Na

trilha de que somos o que escrevemos e escrevemos o que somos, grande parte dos

autores e textos aqui reunidos é bastante conhecida pela contribuição que tem dado á

Área, apesar de alguns serem mais experientes do que outros. Com a preocupação de

imprimir certa organicidade e sequência lógica, os seis textos selecionados de acordo

com os procedimentos divulgados na política editorial encontrada ao final de cada

edição, o primeiro trabalho, intitulado Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-

Estruturalista: Recuperando o pragmatismo Foucaultiano-Deleuziano, de autoria de

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani, empreende uma reflexão de

natureza epistemológica ao investir na defesa da perspectiva crítica pós-estruturalista,

particularmente adotada nos estudos organizacionais críticos e, para tanto, os autores

resgatam elementos presentes no pensamento Foucaultiano e na filosofia Deleuziana.

O segundo texto, Interacionismo Simbólico: origens, pressupostos e

contribuições aos estudos organizacionais, de Virgínia Donizete de Carvalho, situa o

leitor acerca de aspectos estruturantes da abordagem sociológica nomeada

interacionismo simbólico. Com essa preocupação, a autora resgata as origens,

pressupostos e possibilidades de contribuição da referida abordagem aos estudos

organizacionais. Para tanto, examina concepções desta corrente teórica, abordada os

marcos iniciais da estruturação do movimento interacionista simbólico, as divergências

conceituais e metodológicas das Escolas de Chicago e Iowa, além das principais críticas

dirigidas a esta perspectiva teórica.

O terceiro texto, escrito por Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal

Jackson Filho, e Marcio Pascoal Cassandre, intitulado Change Laboratory: uma

proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da aprendizagem

organizacional, aprofunda aspectos pertinentes a uma metodologia de pesquisa

relativamente recente – estruturada no início da década de 1990 – reconhecidamente

intervencionista, e não por acaso nomeada laboratório de mudança. O quarto texto,

intitulado de O Uso da Internet em Surveys: oportunidades e desafios, de autoria dos

professores Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib discute o uso

da internet nas pesquisas de levantamento de dados alinhadas ao método survey,

aprofundando a discussão de questões que são exclusivas deste meio e daquelas comuns

a outros ambientes de pesquisa, mas que apresentam particularidades quando no

ambiente online.

Concentrando-se em uma reflexão crítica acerca da formação do Administrador

no contexto do neoliberalismo, o quinto texto, Universidade, Sociedade e Formação do

Administrador: uma reflexão necessária, de autoria de Rebeca de Moraes Ribeiro de

Barcellos, Eloise Helena do Livramento Dellagnelo, e Gabriel Portela Saliés, resgata a

função da universidade na sua relação com a sociedade como contexto para se

aprofundar na formação do Administrador. Para tanto, atem-se aos espaços onde o

trabalho do Administrador é pertinente, discute o tipo de conhecimento disponível e

disseminado sobre organizações e gestão, e sinaliza os limites da concepção de

organização predominante nos ensinamentos da Administração.

O sexto e último texto, de autoria dos professores Sônia Maria Rodrigues

Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães, Quem Ensina um Professor a

Ser Orientador? Proposta de um Modelo de Orientação de Monografias, Teses e

Dissertações, resulta de investigação em que os autores localizam as limitações da

atividade de orientação e propõem uma metodologia de orientação de pesquisas

orientadas para o desenvolvimento de trabalhos monográficos de natureza acadêmica,

com base no que nomeiam de “planilha didática”. Levando-se em conta o espaço

ocupado pela pesquisa, não apenas entre mestrados e doutorados, mas também no ensino

médio (com o PIBIC Júnior) e na graduação, particularmente com os programas de

iniciação científica e trabalho de conclusão de curso, certamente a discussão será

valiosa.

Além de excelente leitura, desejo que os textos aqui reunidos representem

particular fonte de reflexão para estudantes, professores, pesquisadores, orientadores, e

de inspiração para futuros autores.

Manolita Correia Lima

Editora Científica

SUMÁRIO

ARTIGOS

ARTICLES

557-582 EM DEFESA DE UMA CRÍTICA ORGANIZACIONAL PÓS-

ESTRUTURALISTA: RECUPERANDO O PRAGMATISMO

FOUCAULTIANO-DELEUZIANO

IN DEFENSE OF A POST-STRUCTURALIST ORGANIZATIONAL

CRITIQUE: RECOVERING THE FOUCALDIAN-DELEUZIAN

PRAGMATISM

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

583-607 INTERACIONISMO SIMBÓLICO: ORIGENS, PRESSUPOSTOS E

CONTRIBUIÇÕES AOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

SYMBOLIC INTERACTIONISM: ORIGINS, ASSUMPTIONS AND

CONTRIBUTIONS TO ORGANIZATIONAL STUDIES

Virgínia Donizete de Carvalho

609-638 CHANGE LABORATORY: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

PARA PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM

ORGANIZACIONAL

CHANGE LABORATORY: A METHODOLOGICAL APPROACH

FOR RESEARCH AND DEVELOPMENT OF ORGANIZATIONAL

LEARNING

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho

e Marcio Pascoal Cassandre

639-670 O USO DA INTERNET EM SURVEYS: OPORTUNIDADES E

DESAFIOS

INTERNET-BASED SURVEYS: OPPORTUNITIES AND

CHALLENGES

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha

Dib

671-696 UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E FORMAÇÃO DO

ADMINISTRADOR: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA

UNIVERSITIES, SOCIETY AND THE EDUCATING OF

MANAGERS: A NECESSARY REFLECTION

Rebeca de Moraes Ribeiro de Barcellos, Eloise Helena do

Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

697-721 QUEM ENSINA UM PROFESSOR A SER ORIENTADOR?

PROPOSTA DE UM MODELO DE ORIENTAÇÃO DE

MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES

WHO TEACHES A TEACHER TO BE AN ADVISOR?

PROPOSING A MODEL OF GUIDANCE FOR MONOGRAPHS,

DISSERTATIONS AND THESES

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e

Yana Torres de Magalhães

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 557

EM DEFESA DE UMA CRÍTICA ORGANIZACIONAL PÓS-ESTRUTURALISTA:

RECUPERANDO O PRAGMATISMO FOUCAULTIANO-DELEUZIANO

IN DEFENSE OF A POST-STRUCTURALIST ORGANIZATIONAL CRITIQUE:

RECOVERING THE FOUCALDIAN-DELEUZIAN PRAGMATISM

MARIA FERNANDA RIOS CAVALCANTI ([email protected])

RAFAEL ALCADIPANI

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE

SÃO PAULO

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo defender a perspectiva crítica pós-

estruturalista de algumas contestações recentes acerca de sua legitimidade, feitas

nos estudos organizacionais críticos contemporâneos. A proposta é seguir o fio

condutor da visão pragmática para resgatar elementos desta visão de mundo,

presentes no pensamento Foucaultiano e na filosofia Deleuziana, na tentativa de

tecer algumas possíveis respostas a tais contestações. Para atingir este objetivo,

primeiramente expõe-se a polaridade existente nos estudos organizacionais

críticos brasileiros entre adeptos da teoria crítica e pós-estruturalistas, que se

fazem transparecer em alguns debates recentes. Busca-se, desta forma, destacar

suas diferentes visões a respeito do que constitui uma abordagem crítica na

análise organizacional, bem como seus principais argumentos. Considera-se

importante dar continuidade a tais debates, uma vez que se enxergam alguns

mal-entendidos acerca da crítica pós-estruturalista que merecem ser esclarecidos.

Destaca-se como ponto importante presente nesta polaridade a disputa a respeito

das diferentes leituras de Foucault feitas pelas duas abordagens. Argumenta-se

que os elementos pragmáticos presentes em sua obra impossibilitam que seu

pensamento seja posto ao lado de teóricos crítico tendo em vista o seu

importante rompimento com o humanismo. Em seguida, inicia-se a análise da

filosofia da Diferença Deleuziana, seguindo também um fio condutor

pragmático, para responder as contestações, que se baseiam no fato de os pós-

estruturalistas abrirem mão de uma crítica dialética, ou do “trabalho dialético”,

em prol de um “jogo da diferença”. Será Indicado como a filosofia Deleuziana

aproxima-se de um posicionamento pragmático por meio de seu conceito de

Diferença, contrapondo-se também às vertentes filosóficas, que embasam a

teoria crítica. Finalmente, na conclusão, considera-se plausível afirmar a

possibilidade de uma crítica pós-estruturalista, que se constitui como uma

alternativa válida e digna de investigação perante uma abordagem crítica, que

ainda possui raízes teóricas modernistas.

Palavras-chave: Estudos Organizacionais Críticos; Pós-estruturalismo;

Pragmatismo; Foucault; Deleuze.

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

558 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

This paper is aimed at defending the critical post-structuralist point of

view against recent claims regarding its legitimacy originating from

contemporary, critical organizational studies. It proposes to follow the

underlying thread of the pragmatic point of view to recover some of its

elements present in Foucaldian thought and Deleuzian philosophy and so

weave together possible replies to these claims. In order to do so, the two

poles of Brazil’s critical organizational studies – critical theory and post-

structuralism – that have appeared in recent debates, are first exposed.

This seeks to highlight their different points of views as regards what

constitutes a critical approach to organizational analysis, as well as their

main arguments. It is considered that continuing such debates is

important, as they have thrown up certain misunderstandings regarding

post-structuralist critique that deserve to be rectified. An important point

that is highlighted as being present in these opposing points of view

comprises the different interpretations of Foucault’s thoughts made by the

two approaches. It is argued that the pragmatic elements found in his

work make it impossible for his thinking to be placed alongside critical

theorists, especially given his significant break from humanism. The

paper then begins an analysis of Deleuze’s philosophy of difference, also

following the underlying thread of pragmatism, to reply to the claims

based on the fact that the post-structuralists abandoned the critical

dialectical method in favor of “the difference game”. The paper will show

how Deleuzian philosophy nears a pragmatic position through its concept

of Difference, standing in counterpoint to the philosophical branches that

serve as the basis for critical theory. It is concluded that affirming the

possibility of post-structuralist critique is plausible and constitutes a valid

and worthy alternative avenue of investigation for a critical approach

whilst also possessing modernist theoretical roots.

Keywords: Critical Organizational Analysis; Post-structuralism;

Pragmatism; Foucault; Deleuze.

INTRODUÇÃO

A inquietação primordial que move o presente artigo surgiu baseada na

constatação de que se vê emergirem nas organizações, e no contexto da

organização social de forma mais ampla, desafios à reflexão teórica cujos

subsídios críticos, muitas vezes, falham em dar conta. Autores como

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 559

Hardt e Negri (2004) afirmam que alguns dos modelos fundamentais que

no passado moveram a crítica e o ativismo político tornaram-se hoje

“imprestáveis e superados”. Corroborando a visão de Hardt e Negri

(2004), Deleuze (1992) afirma que o pensamento crítico contemporâneo

já não teria à sua disposição a imagem de uma classe

proletariada/trabalhadora a quem bastaria “tomar consciência” para

oferecer resistência e, portanto, emancipar-se frente a determinados

malefícios do sistema. Segundo Bronzo e Garcia (2000), a partir da

década de 1970, ocorre um processo complexo de transformações sociais,

econômicas, institucionais e tecnológicas no desenvolvimento do

capitalismo global, cujas mudanças viriam a afetar profundamente a

dinâmica organizacional e exigiriam outras formas de expressão.

Alcadipani e Tureta (2009b) afirmam, também, que tais transformações

acabam por criar novas formas de dominação que precisariam ser

explicadas, ou problematizadas. Vè-se que alguns termos - tomada de

consciência, proletariado, emancipação, etc. – tão caros a uma

determinada concepção de crítica imbricada na modernidade, tendem a

parecer obsoletos quando confrontados com tais transformações.

Tendo em vista o contexto aqui colocado, busca-se defender a

legitimidade de uma perspectiva crítica pós-estruturalista, tomada como

uma alternativa válida, merecedora de investigação e que busca dar conta

de tal contexto social. Ao fazer frente a algumas contestações que vêm

sendo feitas a seu respeito, procura-se re-afirmar que tal perspectiva seria

um importante contraponto nos debates tecidos acerca da crítica e de seu

papel nos estudos organizacionais contemporâneos. Para alcançar tal

objetivo, primeiramente serão tratadas as diferenças entre duas

abordagens críticas existentes nos estudos organizacionais: a teoria crítica

e o pós-estruturalismo (ALVESSON; DEETZ, 1999). Vê-se, no Brasil,

uma série de debates recentes que evidenciam tal polaridade.

Será utilizada, principalmente, a edição especial dos Cadernos

EBAPE.BR como referência para trazer à tona uma amostra dos mesmos,

tendo como objetivo também dar continuidade ao debate iniciado no

EnEO 2008, que serviu de motivação para a confecção do número em

questão. Tal exercício torna-se relevante uma vez que visa a contribuir

para a continuidade deste debate nos estudos organizacionais brasileiros,

uma vez que há ainda a necessidade de se desfazerem alguns mal-

entendidos, que cercam uma perspectiva crítica pós-estruturalista.

Além de debater as principais divergências existentes entre as duas

abordagens, será dado prosseguimento ao artigo, elucidando o que seria

uma disputa, de acordo com Paula (2008), de possíveis leituras da obra de

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

560 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

Foucault. Para defender um possível ponto de vista pós-estruturalista

(abordagem esta que estaria ao lado da pós-moderna, apesar de não

coincidir com a mesma), procura-se mostrar um Foucault pragmático,

buscando evidências de que esta característica subsidiaria uma postura

crítica, que se afasta da concepção mais tradicional, geralmente vinculada

à teoria crítica.

Em detrimento das convergências entre o pensamento Deleuziano

e Foucaultiano, enquanto o último passou a ser explorado de forma

relevante no campo dos estudos organizacionais, já a partir da década de

1980 (ALCADIPANI, 2005), o pensamento de Gilles Deleuze permanece

relativamente pouco explorado. A proposta é resgatar o conceito de

Diferença da filosofia de Gilles Deleuze como meio de trazer à superfície

a possibilidade de ultrapassar perspectivas filosóficas, que servem de

subsídio à crítica com raízes modernistas, alimentando nostalgias e

desgastando o papel do intelectual dito crítico na dinâmica da realidade

organizacional (abordagem que é tratada muitas vezes de modo

pejorativo, segundo MIZOCZKY e ANDRADE, 2005a). Finalmente, no

último tópico deste artigo, busca-se indicar como os elementos

pragmáticos presentes no pensamento Foucaultiano e na Filosofia da

Diferença Deleuziana não só servem de subsídio para uma defesa da

perspectiva crítica pós-estruturalista frente aos duros ataques que esta

vem recebendo, como têm em si a capacidade de levar a crítica a traçar

novos rumos e caminhos na contemporaneidade.

A CRÍTICA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS: EXPLORANDO AS

DIFERENÇAS

De acordo com Paula (2008), existiria um acordo precário sobre o que

seria a crítica e qual o seu papel no já marginalizado grupo de acadêmicos

que adotam uma visão crítica nos estudos organizacionais. Alcadipani e

Tureta (2009b) corroboram tal visão, afirmando a existência de uma

disputa acerca do que pode, ou não, ser considerado crítico neste campo.

Os debates que cercaram tal problemática durante o V Encontro de

Estudos Organizacionais, ocorrido na cidade de Belo Horizonte em 2008,

deram origem a um número temático dos Cadernos EBAPE.BR, onde

cinco professores com produção acadêmica relevante na área foram

convidados a expor seus pontos de vista divergentes acerca do estado

atual da crítica organizacional brasileira. Nesse tópico, serão enfocados os

artigos de Paula et al. (2009), Paula (2009) Alcadipani e Tureta (2009a,

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 561

2009b), uma vez que tais trabalhos representam a polaridade que se

pretende explorar.

Num primeiro artigo, Paula et al. (2009) opõem-se ao que chamam

de fragmentação de um movimento intelectual que, por não pertencer ao

mainstream, deveria preocupar-se em fortalecer-se ao contrário de

fragmentar-se. Tal argumento pode ser interpretado como uma tendência

à abordagem totalizante, ou uma oposição ao pluralismo do movimento

crítico que, de acordo com o argumento das autoras. Paula et al. (2009)

justificam tal oposição por considerarem este pluralismo arriscado e

relativista.

Buscando propor uma maneira de fortalecer o movimento

intelectual crítico que as mesmas defendem, as autoras fazem duras

críticas à perspectiva pós-estruturalista, destacando que esta “descarta

qualquer tipo de razão, eliminando o critério de explicação que distingue

o nu e o mascarado [...] como tudo é relativo, tudo é justificável, não

sendo mais possível identificar o que pode ser considerado dominação ou

emancipação” (PAULA; MARANHÃO; BARROS, p. 396, 2009). Desta

forma, as autoras expõem que o pós-estruturalismo torna a crítica

impossível por abrir mão do sujeito autônomo; em outras palavras, do

sujeito transcendental. As autoras afirmam, assim, que os ditos pós-

estruturalistas contribuem para que se perca a fé na potencialidade do

sujeito, ou seja, em sua potência de agir. Uma vez que se trata de uma

perspectiva crítica, não seria preciso dizer que tal acontecimento teria

consequências desastrosas, como, por exemplo, a concepção de um

indivíduo incapaz de refletir de forma autônoma e de libertar-se de

determinadas amarras (PAULA, 2008).

Alcadipani e Tureta (2009a), por outro lado, acreditam que a

inserção de perspectivas críticas pós-estruturalistas no desenvolvimento

da crítica nacional favoreceria o engendramento de “novas óticas de

análise capazes de explorar nuanças não apreendidas pelas perspectivas

tradicionais” (ALCADIPANI; TURETA, 2009a, p. 411). Alcadipani e

Tureta (2009b) também não poupam críticas à perspectiva dita

tradicional, afirmando que tal abordagem parece basear-se no princípio de

que caberia a “poucos iluminados” (intelectuais) compreender melhor a

realidade do que os demais e que, portanto, haveria a insinuação de uma

espécie de missão que objetivaria “salvar as pessoas”. Os autores

destacam a arrogância de tal postura e também seu caráter perigoso, uma

vez que tende ao totalitarismo de ideias.

Se, por um lado, Alcadipani e Tureta (2009a) argumentam que

este embate em busca da legitimação de uma perspectiva crítica pareça

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

562 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

caminhar para uma definição de que somente os filiados à tradição

marxista e à teoria crítica da Escola de Frankfurt possam ser vistos como

“críticos autênticos”, por outro lado, Paula et al. (2009) parecem crer que

o pós-estruturalismo possa integrar-se ao movimento crítico, desde que o

mesmo seja resgatado com maior seriedade. As autoras explicam que as

críticas direcionadas ao comprometimento desta perspectiva com “a

crítica” devem-se ao fato de que a mesma é apresentada, muitas vezes, de

forma caricatural, apontando que, para que tal integração torne-se

possível, “talvez seja necessário constituir um novo movimento teórico

para abrigar suas contribuições, preservando seu caráter crítico”

(PAULA; MARANHÃO; BARROS, 2009, p. 396).

Outro ponto de desacordo entre estas duas abordagens possíveis

estaria relacionado às leituras da obra de Foucault. De acordo com

Alcadipani (2005), uma abertura do campo dos estudos organizacionais a

perspectivas que se colocam como alternativas à funcionalista possibilitou

a inserção das ideias de Michel Foucault no mesmo. Esta quebra do

domínio hegemônico funcionalista, segundo o autor, sinalizou também o

desenvolvimento de abordagens críticas. Paula (2008), por outro lado,

afirma que a leitura teórico-crítica pressupõe que Foucault haveria feito

um “acerto de contas” com a questão do sujeito, acerto este que ainda não

teria sido feito pelos pós-estruturalistas. No próximo tópico, a

argumentação mostra não só que Foucault não teria retornado à noção de

sujeito adotada por teórico-críticos, que o mesmo sempre negou

(DELEUZE, 1996), mas também que esta “ausência” do sujeito não

significaria a morte de uma reflexão autônoma. É pelo viés do

pragmatismo que se procura indicar como seria possível pensar a crítica

sem retornar a tal noção. Outro ponto importante que será tratado no

tópico seguinte seria o não rompimento de Foucault com Kant, o que teria

um significado distinto do proposto por Paula (2008), que também será

abordado.

FOUCAULT: PRAGMÁTICO OU CRÍTICO?

A nós, que nos acreditamos ligados a uma finitude que só a nós

pertence e que nos abre, pelo conhecer, à verdade do mundo, não

deveria ser lembrado que estamos presos ao dorso de um tigre?

Michel Foucault (2007a, p. 444).

O título deste tópico foi colocado em formato de questão com o objetivo

de provocar um debate, já que, de acordo com Rajchman (2000), Foucault

nunca se autodenominou pragmático e, portanto, esta característica de sua

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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 563

filosofia estaria aberta a discussões. O fato é que tentar definir o que foi a

obra de Foucault em sua totalidade se mostra uma tarefa desafiadora.

Machado (2005) justifica tal afirmativa ressaltando que Foucault buscou

incessantemente distanciar-se de si próprio, e que seus escritos jamais

foram pontos finais, uma interpretação definitiva, mas pesquisas

provisórias, momentos a serem ultrapassados. Vale observar, contudo,

que o pensador em questão foi extremamente coerente com seu

pensamento heterotrópico (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, apud

ORLANDI, 2009), o que quer dizer que há um senso de obra nesta

heteretropia. Valendo-se das considerações feitas, cumpre esclarecer que

o objetivo não seria rotular o filósofo francês, mas sim tentar resgatar

elementos pragmáticos presentes em sua obra para que os mesmos sejam

debatidos.

O primeiro aspecto a ser abordado na obra de Michel Foucault

seria sua aproximação com Kant, já que este ponto causa divergências

importantes entre a leitura feita do que pode ser considerado crítico no

pensamento de Foucault por alguns teóricos-críticos e a leitura crítica

pragmática que buscaremos forjar no decorrer deste tópico, que buscará

defender uma perspectiva crítica pós-estruturalista.

Nosso primeiro argumento é o de que Paula (2008), demonstrando

que existe uma continuidade entre Foucault e Kant ao aproximar a

definição que seria a crítica para Foucault, proferida numa entrevista em

1978, à definição que Kant dá ao esclarecimento (ou seja, à razão

iluminista), pode induzir o leitor ao possível equívoco de revelar que

houve, também, um importante rompimento de Foucault com a filosofia

Kantiana. De acordo com Branco (2004), haveria uma considerável

distância entre ambos – de cunho de objetivo, estilo, finalidade – que faz

com que não valha a pena demarcar todas as fronteiras existentes entre o

pensador francês e o filósofo alemão. Contudo, ressalta-se, neste caso

específico, que, por meio de sua arqueologia e genealogia, o autor opõe-

se totalmente à disposição kantiana-antropológica do pensamento

moderno. Foucault é bastante enfático no que foi para ele, por um lado,

uma recusa da subjetividade transcendental e, por outro lado, uma

afirmação da dispersão histórica do sujeito (CASTRO, 2009). Deve-se

frisar, contudo, que a leitura feita por Foucault de Kant foi fundamental

para seu pensamento, mais especificamente para a elaboração de um livro

que, paradoxalmente, foi também o que levou mais longe a afirmação de

um anti-humanismo, tal livro foi As Palavras e as Coisas (ERIBON,

1990).

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

564 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

De acordo com Eribon (1990), Foucault elaborou uma pequena

tese sobre a Antropologia de Kant, e foi em sua defesa que ele utilizou um

vocabulário que se tornaria célebre em sua arqueologia. O autor afirma

que talvez seja daí que se deva ver a origem de diversas passagens de As

Palavras e as Coisas. Contudo, neste livro, há um claro rompimento com

o pensamento humanista que, de acordo com Foucault (2007a), constituiu

a disposição que comandou e conduziu o pensamento filosófico desde

Kant até seu tempo presente. O autor afirma que esta disposição essencial

estaria:

[...] em via de se dissociar sob nossos olhos, pois começamos a nela

reconhecer, a nela denunciar de um modo crítico, a um tempo, o

esquecimento da abertura que a tornou possível e o obstáculo tenaz

que se opõe obstinadamente a um pensamento por vir

(FOUCAULT, 2007a, p. 473).

Numa entrevista concedida em 1966, logo após a publicação deste

livro, Foucault foi bastante enfático ao declarar o anti-humanismo que o

moveu; ele aproxima o humanismo do ranço moral (já que define o

mesmo como a figura gêmea da antropologia (FOUCAULT, 2007b),

afirmando que este, ao invés de formular problemas que pode resolver,

fingiria resolver problemas que não pode formular. A esta noção de

humanismo Foucault opõe a política, afirmando que: “[...] nossa tarefa

actualmente é libertarmo-nos definitivamente do humanismo, e nesse

sentido o nosso trabalho é um trabalho político” (FOUCAULT, 1987, p.

33). Explicando como poderia ser definindo este trabalho político, o autor

afirma:

Salvar o homem, redescobrir o homem no homem, etc., é o fim de

todas essas palavrosas, a um tempo teóricas e práticas, para

reconciliar, por exemplo, Marx e Teilhard de Chardin (tentativas

saturadas de humanismo que têm esterilizado desde há anos todo o

trabalho intelectual...). A nossa tarefa é a de nos libertarmos

definitivamente do humanismo, e é nesse sentido que nosso

trabalho é um trabalho político (FOUCAULT, 1987, p. 33-4).

Desta forma, argumenta-se que a definição da crítica como “a arte

da inservidão voluntária, da indocilidade refletida” (FOUCAULT, 1990

apud PAULA, 2008, p. XVI) não pode ser posta ao lado da razão

humanista, na qual se baseia a corrente crítica tradicional, já que o

pensamento de Foucault pode ser considerado primordialmente anti-

humanista. Contudo, é possível aproximar o teórico francês da postura

crítica de Kant, mas somente na medida em que foi o filósofo alemão

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 565

quem inseriu o tempo no pensamento e preocupou-se com uma ontologia

do presente – problematização filosófica presente no pensamento de

tantos importantes autores, como Hegel, pensadores da Escola de

Frankfurt, Nietzsche, etc. (CASTRO, 2009). Porém, a ontologia proposta

por Foucault não trata do homem propriamente dito, como figura traçada

no saber moderno, mas do ser do homem, ou seja, seu ser histórico. De

acordo com Chan (2000), tal “questão do presente”, que aproxima ambos

os filósofos, é de grande relevância para a análise organizacional pós-

moderna.

Recapitulando, Foucault (1991) procurou enfatizar como um

determinado tipo de problematização filosófica – aquela que problematiza

a relação do homem com o presente, como ser histórico e ao mesmo

tempo autônomo – tem suas raízes no Iluminismo, porém, ressaltou que

isso não significa que deva haver fidelidade a elementos doutrinais do

mesmo, mas sim a reativação permanente de uma atitude, que poderia ser

descrita como uma crítica permanente do presente histórico. É desta

forma que Foucault (1991) afasta o Iluminismo do humanismo,

classificando o primeiro como um conjunto de temas complexos e

refletidos em inúmeras correntes filosóficas.

Foucault (1991) afirma que a ontologia de nós mesmos, a tal

questão do presente, deve afastar-se de qualquer projeto que tenha a

pretensão de ser global, totalizante ou radical, o que caracteriza uma

diferença em relação ao ponto de vista de alguns adeptos da teoria crítica

(que também possui suas raízes no Iluminismo, porém buscando resgatar

o que há nele de antropocêntrico). O autor afirma que se sabe, por

experiência, que as tentativas de escapar do sistema hegemônico

contemporâneo – por meio da produção de um programa para construção

de uma nova sociedade, cultura, visão de mundo etc. – leva a retornar às

mais perniciosas tradições. Daí, portando, a justificação do “perigo”,

apontado por Alcadipani e Tureta (2009b), presente numa perspectiva

teórico-crítica, uma vez que esta se incumbe da missão de reproduzir

ideais de mudanças globais e totalizantes.

Como alternativa, a postura crítica adotada por Foucault teria dois

lados; o pensador propunha um tipo de pensamento que exigiria uma

crítica “genealógica” no seu desenho e “arqueológica” em seu método

(CHAN, 2000). Talvez seja possível clarificar tal afirmação com as

palavras do próprio Foucault (2006) acerca de seu método de

investigação: por um lado, aquele crítico, onde existiria uma desenvoltura

estudiosa que se apoia na teoria e em estudos de cunho histórico e, por

outro lado, ela haveria de ser acompanhado pelo humor genealógico de

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

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um positivismo feliz. É desta forma que Foucault (1984) expressa sua

preferência por transformações parciais que foram, e ainda têm sido

feitas, por meio da correlação entre análise histórica e atitude prática, ao

invés de carregar sobre os ombros a missão prepotente e perigosa de

mudar radicalmente a sociedade, atitude esta que reproduziu

historicamente os mais degradados sistemas políticos (FOUCAULT,

1991).

O pensamento de Foucault, e a maneira como “a crítica”

funcionaria nele, é um importante indicador de sua aproximação à

pragmática. De acordo com Ferreira et al. (2008), a última poderia ser

definida como uma dupla decisão: a de um deslocamento da ênfase no

transcendente em direção à ação, e a afirmação da imanência entre

conhecer, dizer e fazer. Vê-se um afastamento da transcendência na

medida em que Foucault renuncia o sujeito transcendente em prol de um

sujeito disperso na história, e também no fato de que conhecer (saber),

dizer e fazer comporiam três dimensões que seriam tratadas da mesma

forma pelo autor, sendo todas estas dimensões práticas. Segundo Deleuze

(1988a), esta ligação do “saber” arqueológico (método) com o “poder” da

crítica genealógica (desenho) seria a de que a determinação puramente

prática é irredutível a uma determinação teórica ou de conhecimento.

Portanto, para Foucault, tudo é prática, mas a prática do poder permanece

irredutível a toda prática do saber. Poder como exercício e saber como

regulamento. Eis o pragmatismo de Foucault conforme definido por

Deleuze (1988a).

Resumindo, um pensamento crítico para Foucault (histórico,

arqueológico) estaria imediatamente ligado às positividades, à postura

pragmática que abre as formações históricas, estratificadas e em aparente

imobilidade: toda a filosofia de Foucault seria pragmática do múltiplo.

Foucault (2007c) diz que “o sentimento histórico dá ao saber a

possibilidade de fazer, no movimento de seu conhecimento, sua

genealogia” (FOUCAULT, 2007c, p. 30). De acordo com Queiroz (2004),

fazer este movimento, esta genealogia, aproxima as saídas, fazendo com

que se transpareça a pouca rigidez dos estatutos múltiplos e mutáveis nos

quais permanece ancorado o presente; trata-se de uma crítica que coloca

em crise, ou desestabiliza o presente em prol de um por vir. Tais reflexões

histórico-criticas, segundo Foucault (1991), devem ser direcionadas às

práticas. Segundo tal perspectiva, o sujeito é sempre tratado como algo

em relação, como um ponto numa rede, mas que, em meio às estratégias

saber-poder, também haveria as estratégias dos jogos de liberdade. Sendo

assim, ao contrário do que afirma Paula (2008), ao rejeitar uma filosofia

da consciência, ao proclamar a morte do homem, Foucault (2007b) e os

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pós-estruturalistas não enxergariam nisso o fim da possibilidade de uma

reflexão autônoma. O francês chega a provocar, afirmando que os que

querem assim o enquadrar, numa perspectiva ainda estruturalista, o fazem

devido a uma lacuna de vocabulário (FOUCAULT, 2006). Deleuze

(1996) também afirma que foram muitos os contrassensos sobre o

pensamento de Foucault acerca desta proclamada morte do homem;

porém, de acordo com o filósofo, tais contrassensos nunca seriam

inocentes, haveria uma mistura de intenções nefastas que os produziriam.

Foucault buscou colocar fim em alguns deles, cujo exemplo encontra-se

na citação a seguir:

[...] não tomemos isso como um pretexto para denunciar um

pensamento impotente para manter-se de pé sozinho e sempre

constrangido a enrolar-se a um pensamento já realizado. Basta

reconhecer aí uma filosofia já desprendida de certa metafísica,

porque desligada do espaço da ordem, mas voltada ao Tempo, ao

seu fluxo, a seus retornos, porque presa ao modo de ser da História

(FOUCAULT, 2007b, p. 301).

Deleuze (1996) ajuda a clarear como se dão estes “jogos de

liberdade”, onde o sujeito pode refazer-se e superar o que lhe aprisiona.

Segundo o autor, para Foucault, a história não diria exatamente aquilo que

o ser humano é, mas aquilo que diferencia um ser do outro. Ela não

imporia uma dada ordem, estabelecendo, desta forma, a identidade, mas a

dissiparia em benefício dos mesmos seres: ela é o que separa o ser dele

próprio e o que, portanto, a pessoa deve atravessar e ultrapassar.

Considera-se válido colocar uma citação de Foucault (1990) que, apesar

de longa, explicita o movimento que seu pensamento fará da direção de

uma abertura que possibilitaria estes “jogos de liberdade”:

[...] No momento em que a interioridade é atraída para fora de si,

um exterior se submerge no lugar mesmo em que a interioridade

tem por costume encontrar seu recôndito e a possibilidade de seu

recôndito: surge uma forma – menos do que uma forma, uma

espécie de anonimato informe e obstinado – que desapossa o sujeito

de sua identidade simples, o esvazia e o divide em duas figuras

gêmeas embora não sobrepostas, o desapossa do seu direito

imediato, ou seja, EU e levanta contra seu discurso uma palavra que

é indissociavelmente eco e recusa. Dar ouvidos à voz argentina das

sereias, voltar-se em direção ao rosto proibido que desvia o olhar,

não unicamente evitar a lei para afrontar a morte, como tão pouco

abandonar o mundo nem o esquecimento da aparência, é sentir de

repente crescer em si mesmo um deserto, no outro extremo do qual

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(embora esta distância sem medida é tão fina como uma linha)

espelha uma linguagem sem sujeito atribuível, uma lei sem deus,

um pronome pessoal sem pessoa, um rosto sem expressão e sem

olhos, um outro que é ele mesmo [...] (FOUCAULT, 1990, p. 62).

Pode-se dizer que é com base nesse texto que se abre, para

Foucault, a possibilidade de pensar os processos de subjetivação, não

como um retorno à noção de sujeito que ele sempre negou, mas como a

necessidade de pensar nós, hoje: quais são as novas relações que o ser

humano tem com a vida? Com a linguagem? Quais as novas lutas com o

poder? (DELEUZE, 1996). Deleuze (1992) demonstra também haver uma

coesão entre as demais fases da obra deste teórico, pois a questão dos

processos de subjetivação demonstra a intenção de inventarem-se novos

modos de existência capazes tanto de apropriar-se do saber quanto de

resistir ao poder mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tente

dominá-los. Retornando a Queiroz (2004), o mesmo afirma que esta

postura crítica nunca veio embutida de promessas, Foucault apenas incita:

“Tentem, então!” Diz-se isso, faz-se aquilo, que modos de existência

estão sendo produzidos? Em seus últimos livros, foi esta a questão ética

que Foucault quis resgatar (DELEUZE, 1996).

Foucault (1981 apud SMART, 1983) afirma que a crítica, então,

não deve ser a premissa ou uma dedução do que conclui: então, é isto que

se deve fazer. Para o autor, ela deve ser um instrumento de luta, para

resistir ao que torna o ser humano o que ele é hoje. Aí enxerga-se o que

poderia ser um lado pragmático de sua crítica, uma vez que o mesmo

afirma que a crítica deve ser usada no conflito, não haveria manual ou

programa, ela seria o desafio dos que se insurgem contra as forças do

presente. Desta forma, pode concluir que a visão pragmática que se busca

resgatar do pensamento de Foucault está comprometida com a crítica,

porém, apesar deste comprometimento em comum (SMART, 1983), ele

parte de pressupostos diferentes dos teóricos-críticos.

Rajchman (2000) resume os pontos por meio dos quais se busca

demonstrar um pragmatismo em Foucault, imediatamente crítico,

sugerindo três características principais: (1) É um pragmatismo não de

consenso, mas de problematização e que assim se volta para os limites do

que se estuda, com a pretensão de ultrapassá-los e tornar possível pensar

de outro modo; (2) Tal problematização se relacionaria com um elemento

de ficção – no sentido de que se opõe à verdade o que, contudo, não

significaria que seus estudos não se baseassem em pesquisas rigorosas e

de imensa erudição; (3) A terceira característica repousaria na

problematização do que se é hoje. O autor coloca que este é o âmago do

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pragmatismo de Foucault, pois esta zona (que rompe com o poder e o

saber) só é alcançada na prática, no conflito com outras práticas.

No tópico a seguir, busca-se resgatar na filosofia Deleuziana, por

meio de seu conceito de Diferença, elementos para a defesa de uma

perspectiva crítica pós-estruturalista, procurando indicar como o fio

condutor da pragmática percorreu seu pensamento filosófico e como este

poderia levar a crítica para novos rumos.

DELEUZE E A FILOSOFIA: ‘NÃO BASTA LATIR, TEM QUE MORDER!’

Machado (2009) afirma que apesar da heterogeneidade presente nos

domínios ou objetos tratados por Deleuze – que abrangeram desde

monografias sobre filósofos, como Lucrécio, Leibniz, Espinosa, Hume,

Kant, Nietzsche, Bérgson, Foucault, etc., a pensamentos não filosóficos,

como as obras sobre escritores como Proust, Kafka, Sacher-Masoch, a até

mesmo o cinema – existe uma espantosa homogeneidade de

procedimentos que tornam possível definir seu pensamento filosófico e

sua importância para a filosofia. Ao explorar domínios tão diversificados,

o filósofo buscou demonstrar que a filosofia não seria uma “reflexão

sobre”, mas um processo de criação. A filosofia, para ele, não seria nem

mais abstrata nem mais difícil do que outros domínios, e, tampouco,

trataria de fazer uma reflexão sobre outra coisa; ao contrário, ela se

encontraria em estado de aliança ativa e interna entre os mais diversos

domínios (MACHADO, 2009).

Em busca desta homogeneidade filosófica presente no pensamento

de Deleuze, neste tópico, será tratado o conceito de Diferença buscando

indicar como ele pode ser visto como um exercício pragmático e

imediatamente crítico na história da filosofia. Enxerga-se que o

entendimento deste conceito, e sua ligação com uma postura pragmática,

tornam-se fundamentais na defesa de uma perspectiva crítica pós-

estruturalista, visto que existe, nos estudos organizacionais

contemporâneos, uma tentativa de invalidação desta perspectiva crítica

que se baseia em seus pressupostos filosóficos provenientes de um jogo

da diferença em oposição ao trabalho dialético.

Ao dedicar um texto aos livros Lógica do Sentido e Diferença e

Repetição de Deleuze (livros onde o mesmo disserta a sua filosofia),

Foucault (1987) é enfático ao considerá-los “grandes entre os maiores”,

demonstrando, portanto, a relevância dos mesmos no domínio filosófico

ocidental. Para tratar deste conceito de Diferença, recorre-se,

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

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principalmente, ao segundo livro citado. Foucault (1987) ressalta a

dificuldade que existe em se falar desta obra de Deleuze, tendo poucos,

até então, se arriscado nesta empreitada. O objetivo aqui não seria de

tratar da totalidade do conteúdo de Diferença e Repetição, mas de

resgatar o conceito de Diferença e suas implicações críticas; este seria

também seu resgate de um estado atual de enclausuramento dialético na

análise organizacional, conforme o descrito no texto de Paula (2008).

Segundo Alliez (2001, apud VARGAS, 2007) Deleuze

redescobriu, juntamente com Guattari, as intuições de Gabriel Tarde ao

elaborar seu conceito de Diferença. De fato, Deleuze e Guattari (1996),

prestam uma homenagem ao que seria, talvez, o mais filósofo dos

sociólogos, ou o mais sociólogo dos filósofos (VARGAS, 2007). Usa-se o

termo “re-descobrir” uma vez que o mesmo, segundo os autores, havia

sido esmagado por “aquele que talvez tenha sido o mais sociólogo dos

sociólogos” (VARGAS, 2006, p. 11): Èmile Durkheim. Segundo Deleuze

e Guattari (1996), enquanto Durkheim, por um lado, fazia de um objeto

privilegiado as grandes representações, binaridades, etc., Tarde, por outro,

interessava-se pelo mundo do detalhe, ou da diferença infinitesimal.

Existir é diferir, dizia Tarde (2006); isso é do domínio da psicologia ou

interpsicologia, responderam os durkheiminianos. Tarde (2006) seria o

inventor de uma microssociologia “à qual ele dá toda sua extensão e

alcance, denunciando por antecipação todos os contrassensos dos quais

será vítima” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 99).

No que diz respeito à história da filosofia, Foucault (1987) pontua

que o conceito de Diferença construído por Deleuze (2006b), perverte a

ruína moral a que teria chegado o pensamento como consequência da

ótica humanista que dominava o pensamento filosófico desde Kant e,

desta forma, foi capaz de deslocar toda a filosofia. Com a paciência de um

“genealogista nietzschiano” é que, de acordo com Foucault, Deleuze

assinala:

[...] toda uma multiplicidade de pequenas impurezas, de

mesquinhos compromissos. Acusa as minúsculas, as repetitivas

covardias, todos esses alinhamentos de tontices, de vaidade, de

complacência, que não cessam de alimentar, dia a dia, o cogumelo

da filosofia [...] (FOUCAULT, 1987, p. 63).

Seja a diferença, diz Foucault (1987), e Alliez (1996) coloca que

esta seria a primeira proposição do pensamento Deleuziano, e daí vê-se a

inspiração em Gabriel Tarde: a filosofia deve constituir-se como teoria do

que se faz, não teoria do que é – observa-se aqui um ponto de

convergência importante existente com o que se chama, no tópico

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

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anterior, do pragmatismo Foucaultiano, uma vez que tal filosofia coloca

em seu âmago a ontologia do presente em relação ao que se faz, ou seja,

as práticas do dia a dia.

A respeito do argumento de que a Diferença pressupõe e, portanto,

estaria presa à dialética (PAULA, 2008), Foucault (1987) afirma que, de

fato, isto nada mais seria do que uma miragem do próprio movimento

dialético, que é incapaz de libertar a Diferença e, ao contrário, sempre irá

buscar garantir que esta permaneça apanhada. O autor pontua também que

para libertar a Diferença precisa-se de um tipo de pensamento muito

distante da dialética, da contradição, um pensamento sem negação, “[...]

um pensamento que diga sim à divergência; um pensamento afirmativo

cujo instrumento seja a disjunção; um pensamento do múltiplo”

(FOUCAULT, 1987, p. 68). O autor é claro: seria preciso pensar

problematicamente ao invés de perguntar e responder dialeticamente.

Deleuze (2006b) subsidia tal argumento ao afirmar que haveria uma

“falsa profundidade” na zona de combate e das contradições dialéticas, e

que sob o combate haveria somente o espaço de jogo das diferenças. É

justamente assim que o pensamento de Deleuze busca acabar com o

sonho dialético de promessas não cumpridas, e que da diferença captaria

apenas uma caricatura invertida e de aspecto negativo.

Ao afirmar a Diferença, chega-se a um questionamento ao qual

sua filosofia estaria sujeita, que o próprio Deleuze (2006b) formula: não

estaria ela arriscada a aparecer como uma figura da bela alma? De acordo

com o autor seria, com efeito, a bela alma que veria diferenças por toda

parte, respeitáveis, federáveis, e até mesmo conciliáveis, no mesmo lugar

onde a história faz-se por contradições e sangue derramado. “A bela alma

se comporta como um juiz de paz lançado num campo de batalha e que

veria simples ‘diferendos’, talvez mal entendidos, em lutas inexpiáveis”

(DELEUZE, 2006b, p. 89).

Deleuze (2006b) afirma que haveria muitos perigos em se invocar:

as “diferenças puras” com as quais ele buscou trabalhar. Cair nas

representações da bela-alma seria o maior deles; somos diferentes,

mas não opostos... As diferenças puras subverteriam a dialética uma

vez que fariam com que os problemas atingissem um grau de

positividade que lhes seria próprio e quando a diferença torna-se

uma afirmação, desta forma tais problemas “liberam uma potência

de agressão e de seleção que destrói a bela-alma, destituindo-a de

sua própria identidade e aniquilando sua boa vontade [...]

(DELEUZE, 2006, p. 16).

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

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Ainda segundo o autor, o problemático e o diferencial, vistos desta

forma, determinariam lutas ou destruições em relação às quais o negativo

(da dialética) não passaria de aparência.

Deleuze (2006b) trata, portanto, de esclarecer que seu pensamento

não remete ao gosto pelas diferenças puras (conforme a figura da bela

alma), e nem mesmo quer tratar das diferenças reais como instâncias do

negativo e da contradição (conforme a dialética). Para explicar em termos

genéricos seu posicionamento, Deleuze (2006b) afirma que haveria duas

maneiras de invocar “destruições necessárias”, ou seja, duas posturas

críticas distintas: a primeira maneira seria a do poeta, que evocaria assim

uma potência criadora, apta a subverter ordens e representações para

afirmar a Diferença; a segunda maneira seria a do “político”, que antes de

tudo se preocuparia em negar e aprisionar o que “difere” para conservar

ou prolongar uma ordem histórica que já exige instâncias de

representação. O que se vê nestas maneiras de invocar uma destruição

necessária, portanto, seriam duas concepções da relação afirmação-

negação na crítica. Num caso, a negação é um motor e a potência, a

afirmação resultaria daí, mas ela é produzida somente para dizer “sim” a

tudo que é negativo e negador (é o “sim” do asno, ou do boi dialético:

animais que servem para carregar, como Nietzsche (2005) gostava de

dizer. Para Deleuze (2006b), haveria um gosto terrível pela

responsabilidade nesse asno ou boi dialético, um ranço moral, que diz que

somente é possível afirmar à custa de expiar, “como se fosse preciso

passar pelas infelicidades da cisão e do dilaceramento para chegar a dizer

sim; como se a Diferença fosse o mal e como se ela já fosse o negativo

que só poderia produzir a afirmação expiando” (DELEUZE, 2006b, p.

90).

O que se vê aqui seria, portanto, duas posições críticas bastante

distintas: um ponto de vista menor (de escravo), onde a diferença é vista

de baixo e, portanto, como negação; e um ponto de vista contrário (de

senhor) onde ela é vista de cima para baixo como uma afirmação. O ponto

de vista do senhor, desta forma, afirmaria a Diferença, a distância que

separa: “A diferença é leve, é aérea, afirmativa. Afirmar não é carregar,

mas, ao contrário, descarregar, aliviar” (DELEUZE, 2006b, p. 91). E,

nesta relação, o “não” seria o efeito de uma afirmação muito forte, “muito

diferente”. O autor chega a afirmar que talvez sejam necessárias duas

afirmações para que uma sombra de negação surja (a sombra vista

captada pela dialética), dois momentos: a Diferença como meia-noite e a

Diferença como meio-dia.

No que diz respeito ao funcionamento deste conceito, para

Cardoso (2005), a Diferença agiria em cinco elos: como método para o

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tratamento filosófico das multiplicidades; como operador conceitual da

multiplicidade; como componente do conceito de multiplicidade; como

agente de enunciação da questão ontológica das multiplicidades; e como

agenciamento pragmático da multiplicidade. Neste trabalho busca-se

evidenciar esta última relação, esclarecendo-se que Deleuze (2006a)

definia “multiplicidades” como a própria realidade, que não supõe

unidade, totalidade ou remete a um sujeito dotado de consciência

soberana.

Foucault (2005) afirma que a filosofia de Deleuze declara, ao

mesmo tempo, o fim da filosofia e seu início. Para ele, recusar o negativo

é rejeitar, a um só golpe, metafísicos e dialéticos, é rejeitar a filosofia da

evidência e da consciência, em suas palavras:

É tornar-se livre para pensar e amar o que, em nosso universo ruge

desde Nietzsche: diferenças insubmissas e repetições sem origem

que sacodem nosso velho vulcão extinto [...] que anunciam todas as

rupturas históricas de nosso mundo. Possibilidade finalmente

oferecida de pensar as diferenças de hoje, de pensar o hoje como

diferença das diferenças (FOUCAULT, 2005, p. 144).

Vê-se aqui outro ponto de convergência entre estes dois teóricos

(Foucault e Deleuze), que afirmam a necessidade de se pensar o presente.

Contudo, é preciso apontar que tal necessidade de pensar o presente seria

apenas o reflexo da necessidade de se resistir a ele , daí a preocupação

crítica fundamental desta visão (PAL PELBART, 1996). Desta forma

vemos, também em Deleuze, o filósofo-juíz ser substituído pelo filósofo-

experimentador. Aí estaria o reflexo também das lições de Nietzsche:

experimentar, “[...] inventar conceitos, criar noções, forjar ideias, é essa a

tarefa que o define [...]” (DROIT, 1996, p. 65). Ainda segundo Droit

(1996), ao formular o conceito de Diferença, Deleuze disse: “Não se trata

mais de falar do múltiplo, mas de praticá-lo”. E ele o fez, juntamente com

Guattari, em seu Anti-Édipo e em seus Mil Platôs. Para Foucault (1996), o

Anti-Édipo seria, acima de tudo, um livro de ética, onde os autores

espreitaram, com o humor que lhes é característico, os mais ínfimos

fascismos que atravessam o corpo. Porém, na verdade, o autor afirma que

ali onde aparentemente haveria apenas humor e jogo passar-se-ia algo da

maior seriedade: “o banimento de todas as formas de fascismo, desde

aquelas colossais, que nos envolvem e esmagam, até as formas miúdas

que fazem a amarga tirania de nossas vidas cotidianas” (FOUCAULT,

1996, p. 200). Vê-se nesta concepção de ética, portanto, uma aproximação

da decisão pragmática de se deslocar da transcendência para a ação.

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

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Vale salientar que não são explorados, em sua totalidade; os

conceitos funcionam juntamente com o conceito de Diferença de Deleuze,

pois a complexidade filosófica de Diferença e Repetição exigiria uma

abordagem mais ampla e minuciosa. Porém, para que se desfaçam alguns

mal entendidos já plantados na vertente crítica dos estudos

organizacionais acerca do mesmo, fez-se necessária esta pequena

explanação. Para concluir, basta que se compreenda, conforme as

palavras de Foucault:

[...] que de uma diferença sempre nómada, sempre anárquica, com o

símbolo sempre em excesso, sempre deslocado do volver, produziu-

se uma fulguração que terá o nome de Deleuze: um novo

pensamento é possível, o pensamento, de novo é possível

(FOUCAULT, 1987, p. 80).

A admiração mútua e sintonia entre estes dois autores são muito

claras e, portanto, não é de espantar que Deleuze (2006a) tenha feito uma

declaração similar acerca do livro As Palavras e as Coisas de Foucault,

afirmando que este foi um grande livro sobre novos pensamentos.

Explicando-se: ao conceber os acontecimentos do pensamento como o

que determina em tal época uma dada configuração do saber, ele

designou, por meio da história, um conjunto de condições das quais

devemos nos desviar para “devir”, ou seja, para fazer nascer um novo

pensamento (DELEUZE, 1992).

Alliez (1996) afirma que o Deleuzionismo pode ser visto pelo

ponto de vista prático, uma vez que, em nome da Diferença, a filosofia

empreenderia uma exclusão de todos os princípios transcendentais,

apoiando-se na imanência para conceber as próprias coisas em sua

singularidade. No pragmatismo recuperado em Foucault e Deleuze, que

possuem em comum o fato de terem prostrado todas as esperanças

metafísicas ou transcendentes, observa-se uma crítica que busca instalar-

se num plano de imanência. Para Deleuze (1998) este campo consiste

numa relação Potência-Ato:

[...] o abstrato não explicaria nada, ele é que deve ser explicado; o

universal não existe, só existe o singular, a singularidade [...] [tal

singularidade] não é o individual, é o caso, o acontecimento, o

potencial (DELEUZE, 1998 p. 42).

Assim como no pensamento Foucaultiano, vê-se que a filosofia da

diferença de Deleuze pode ser vista como pragmática já que se propõe a

abrir mão de pressupostos transcendentais e universalistas em prol de

singularidades, as mais ínfimas práticas de nosso dia a dia, ou seja, a

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 575

filosofia como meio de ação, deslocando os conflitos, trazendo a crítica

para o campo da imanência.

(DES)CAMINHOS DA CRÍTICA SOB O PONTO DE VISTA PRAGMÁTICO:

AGITANDO SAÍDAS PARA UMA PRÁXIS TRANSFORMADORA

Ao defender uma perspectiva crítica pós-estruturalista, que resgata seu

olhar pragmático, deseja-se, sobretudo, fazer aparecer certas incertezas,

instabilidades, que emergem quando é problematizado o presente abrindo

mão da visão metafísica, racionalista ou transcendental e se passa para o

lado da lógica processual, do devir, da imanência, conforme é

característico nesta abordagem. Sujeito e objeto agora estão desfeitos de

suas armaduras: ambos constroem-se e reinventam-se em sua interação,

na sua processualidade. Alguns podem ainda perguntar-se: “e onde fica a

prática?” Bem, esta prática de que tanto se fala, de acordo com Veyne

(1978), não seria uma faculdade obscura, um motor misterioso, mas

simplesmente o que as pessoas fazem. Já se viu que este fazer seria um

produto de uma relação de forças, e configuraria as condições sócio-

históricas e sociopolíticas, que determinariam modos de agir e de pensar.

De acordo com Foucault (2004, p. 238), são estas práticas, concebidas

como modos de agir e de pensar, que dariam “a chave da inteligibilidade

para a constituição correlativa do sujeito e do objeto”.

De acordo com Lazzarato e Negri (2001), as intuições de Deleuze

e Foucault permitem distinguir três épocas diferentes da constituição da

política moderna, que exigiriam posturas críticas distintas: uma época

clássica, onde o poder era entendido como domínio (e da qual alguns

ainda falam com nostalgia); uma época da “representação política” e das

técnicas disciplinares; e, finalmente, o período da política da

comunicação. Para a primeira, “uma crítica radical era representada pela

revolta, na época da representação pela reapropriação, hoje, na época da

política comunicacional, ela se manifesta como potência autônoma e

constitutiva do sujeito” (LAZZARATTO; NEGRI, 2001, p. 41).

Ao se trazer à tona a questão da potência autônoma e constitutiva

do sujeito, levanta-se outro ponto de desacordo entre adeptos da teoria-

crítica e dos ditos pós-estruturalistas. Porém, ao contrário do que afirmam

os primeiros, uma leitura dita pós-estruturalista de autores como Foucault

e Deleuze, conforme argumentado nos tópicos anteriores, não anuncia a

morte de uma reflexão autônoma. A já anunciada “morte do homem”

seria apenas uma consequência da “morte de Deus” na constituição do

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

576 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

saber, ou seja, acordar do sono antropológico não significa tornar-se

incapaz de re-inventar a si próprio todos os dias, “[...] o que

inevitavelmente arrastaria o mundo para novos sentidos” (FERRAZ,

2001, p. 70).

O pensamento ocidental, durante muito tempo, e também uma

determinada vertente crítica nos estudos organizacionais, ainda,

pretendeconvencer a aceitar sua racionalidade ou estar condenado a cair

num fundo indiferenciado, informe, abismo sem diferenças que torna a

crítica impossível ao despir-se de sua capacidade combativa. Este

pensamento, segundo Deleuze (1998, p. 109): “Fora deste Ser ou desta

Forma, não tereis nada senão o caos...”. Deleuze (1998) coloca que os

momentos mais extraordinários da filosofia foram aqueles que fizeram

este sem-fundo falar, novamente aqui há destaque sobre a obra de

Nietzsche. Porém, o autor afirma que encontrar uma linguagem para este

sem-fundo ainda se mantém na alternativa imposta pelos principais vieses

do pensamento ocidental (a metafísica e a filosofia transcendental).

Contudo, afirma Deleuze (1998), Nietzsche encontrou algo de

fundamental, e que é fundamental para que um olhar crítico pragmático

seja possível: as singularidades.

Todavia, sabe-se que muitos cuidados devem envolver tal

abordagem, para Pal Pelbart (2003), por exemplo, uma postura dita pós-

moderna – muitas vezes colocada em relação de equivalência com o pós-

estruturalismo – estaria deleitando-se numa “volúpia niilista” donde a

dissolução generalizada é cultuada: [...] numa apologia do desfazimento e

do gozo apocalíptico – basta mencionar a insistência com o tema do fim,

fim do social, fim do político, fim da história, fim da arte, fim da filosofia,

etc.” (PAL PELBART, 2003, p. 213). Na opinião do autor, tal postura não

faria mais do que alimentar a máquina sombria, cuja realidade ter-se-ia

desvanecido; e, portanto, não viria acompanhada de uma potência crítica,

primordialmente combativa.

Souza (1999) corrobora tal visão de que esta postura pós-moderna,

que considera “celebratória”, não faz mais do que reduzir as

transformações sociais à repetição acelerada do presente. Tal visão opõe-

se, portanto, à postura crítica pós-estruturalista/pragmática que se busca

esgatar neste artigo, que tem por princípio resistir ao presente. Explica-se

que, ao defender o pluralismo numa visão crítica na análise

organizacional, não se defende tal postura celebratória ou apologética do

desfazimento apocalíptico; ao contrário, trata-se de problematizar o

presente, opor-se a uma postura totalizante que acabaria por sufocar as

singularidades deste campo.

Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 577

Ao resgatar esta postura pragmática, objetiva-se, então, defender

uma crítica pós-estruturalista que problematize o presente e que seja, ao

mesmo tempo, capaz de acolher suas singularidades, afastando-a também

de certos preconceitos vinculados ao pós-modernismo. Procura-se

responder a uma necessidade da crítica organizacional contemporânea,

uma vez que, de acordo com Alcadipani e Tureta (2009b), as

organizações observadas na atualidade são cada vez mais complexas e

multifacetadas, com formas de organizar diferentes, produzindo espaços

de trabalho altamente fragmentados. Desta maneira, torna-se relevante, no

mínimo, pensar em uma crítica diferente. Ao fazer uma crítica dentro

desta perspectiva, combate-se procurando, ao desnaturalizar o que era

aparentemente imutável, ao fazer aparecer suas zonas de indeterminação,

resistir ao presente, abrindo-o em linhas de fuga possíveis, pois somente

nestas linhas de fuga pode-se falar dignamente das singularidades que

cercam as pessoas. Este olhar crítico tem em si uma tendência combativa,

que consiste em criar e fazer aparecer os “verdadeiros problemas, fazer

com que se liberem gritos, dores e também cantos sufocados, agitando

saídas em meio à proliferação do intolerável” (ORLANDI, 1988, p.15).

Aceitar o desafio de manter-se nesta zona de instabilidade (que

acolhe a Diferença ao mesmo tempo em que se torna inteligível) é

formular uma teoria crítica, porém não no sentido dialético do termo, mas

no sentido proposto por Benevides e Passos (2003): tomá-la como um

subsídio teórico, que possibilite uma análise que coloca a própria prática

em estado de crise, estado este que seria experimentado pela

desestabilização/desnaturalização destas mesmas práticas, daí a

importância da visão pragmática da realidade organizacional. É a crítica

já fora da caverna de Platão, porém com as luzes do mundo apagadas em

benefício de sua mais solitária fagulha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo defende-se a perspectiva crítica pós-estruturalista, resgatando

e aproximando-a a elementos pragmáticos de dois autores, Foucault e

Deleuze, para desfazer alguns dos mal-entendidos levantados acerca desta

perspectiva em debates recentes. Vale esclarecer, finalmente, que não é

invalidada a perspectiva teórico-crítica, pois isto seria contraditório à

proposta de re-afirmar o pluralismo crítico e necessidade de que os

estudos críticos na análise organizacional não sejam tomados por uma

única voz. Contudo, talvez ambas as perspectivas concordem num ponto

Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani

578 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011

central: ser crítico é ser capaz de dizer “não” às forças que esmagam e

aprisionam; porém, observando que, segundo o próprio Deleuze (2006b)

tenta explicitar, ao adotar um ponto de vista que enxerga de cima (oposto,

portanto, ao ponto de vista do escravo), este “não” seria o efeito de uma

afirmação muito forte, “muito diferente”. Observou-se, por meio do

conceito de Diferença deste autor, que é possível adotar a postura crítica

que foge da ordem da dialética. Portanto, apesar de haver um

compromisso crítico em comum, afirma-se que não seria necessário ser

dialético para ser crítico.

A respeito do argumento de que, para ser levada em consideração,

a crítica pós-estruturalista deveria retomar sua análise com mais

“seriedade” reconhece-se, de fato, que tal perspectiva não é séria/sisuda,

como a crítica com raízes modernistas. Apesar disso, a abordagem crítica

aqui defendida não deixa de ser uma abordagem que se propõe severa,

ainda que menos “pesada”. Discutiu-se que o fato de esta abordagem

posicionar-se de tal forma não constitui um argumento válido para sua

deslegitimação, já que tal posição não acarreta numa irresponsabilidade

perante aquilo que se quer criticar. Conclui-se, por um lado, que ela não

tem a arrogância de atribuir para si a missão de salvação do mundo e

daqueles que seriam menos “esclarecidos”, mas, por outro lado, vê-se na

abordagem crítica pós-estruturalista uma alternativa interessante, uma

escolha de um ponto de vista pragmático, que procura não esmagar as

singularidades com as totalizações, ou sufocá-las com universalismos,

mas que é capaz de problematizar o presente e é o que de fato se faz no

dia-a-dia.

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DADOS DOS AUTORES

MARIA FERNANDA RIOS CAVALCANTI ([email protected])

Doutoranda em Administração de Empresas na FGV/EAESP

Instituição de vinculação: Fundação Getúlio Vargas – Escola de

Administração de Empresas de São Paulo

São Paulo/SP – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Estudos Organizacionais, Estudos

Críticos, Pós-Estruturalismo e Filosofia das Organizações.

RAFAEL ALCADIPANI ([email protected])

Doutor em Estudos Organizacionais pela University of Manchester

Instituição de vinculação: Fundação Getúlio Vargas – Escola de

Administração de Empresas de São Paulo

São Paulo/SP – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Análise de Poder em Organizações,

Teoria ator Rede, Pós-estruturalismo e Masculinidades.

Recebido em: 29/10/2010 • Aprovado em: 12/11/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 583

INTERACIONISMO SIMBÓLICO: ORIGENS, PRESSUPOSTOS E

CONTRIBUIÇÕES AOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

SYMBOLIC INTERACTIONISM: ORIGINS, ASSUMPTIONS AND

CONTRIBUTIONS TO ORGANIZATIONAL STUDIES

VIRGÍNIA DONIZETE DE CARVALHO ([email protected])

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

RESUMO

O artigo apresenta uma revisão acerca da perspectiva interacionista

simbólica, resgatando suas origens, pressupostos básicos e possibilidades

de contribuição aos estudos organizacionais. São examinadas algumas

concepções de precursores desta corrente, e abordados os marcos iniciais

da estruturação do movimento interacionista simbólico, bem como as

divergências conceituais e metodológicas das Escolas de Chicago e Iowa,

além das principais críticas apresentadas a esta perspectiva teórica.

Entende-se que o interacionismo simbólico apresenta um potencial para

compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,

complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas

neste campo de estudos. Num esforço de exemplificar tal potencialidade,

busca-se elucidar alguns temas em estudos organizacionais, que têm sido

abordados sob a perspectiva interacionista simbólica, bem como tecer

algumas considerações acerca dos aspectos metodológicos relacionados à

operacionalização de seus pressupostos. Salienta-se, por fim, que para a

utilização adequada de tal abordagem, os pesquisadores devem estar

conscientes de suas limitações.

Palavras-chave: interacionismo simbólico; pressupostos teóricos;

perspectivas metodológicas; estudos organizacionais.

Virgínia Donizete de Carvalho

584 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

This paper presents a theoretical review of the symbolic interactionist

perspective, revisiting its roots, consolidation, main assumptions and how

it can contribute to the field of organizational studies. The concepts from

some of acknowledged pioneers of this approach are examined and the

initial landmarks heralding the consolidation of the symbolic

interactionism movement are addressed. Furthermore, conceptual and

methodological divergences between the Chicago and Iowa schools are

discussed, as are the primary critiques of this theoretical perspective. It is

assumed that symbolic interactionism represents a potential to

understand different aspects of organizational life, complementing other

theoretical perspectives generally used in this field of studies. To

illustrate this potential, the paper cites a number of issues in

organizational studies that have been addressed from the symbolic

interactionist perspective, and comments on methodological aspects

related to the accomplishment of its main assumptions. Finally, it

emphasizes that researchers must be aware of the limitations of the

interactionist approach in order to use it appropriately.

Keywords: symbolic interactionism; theoretical assumptions;

methodological perspectives; organizational studies.

INTRODUÇÃO

As imagens, premissas e concepções que compõem uma perspectiva

teórica dão direção à investigação científica. Por esta razão, o

conhecimento das contribuições e limitações de dada perspectiva torna-se

importante por revelar as possibilidades de aplicação mesma (MORGAN,

1983). Com base nessas considerações, o presente estudo se propõe a

apresentar uma revisão acerca da perspectiva teórica denominada

interacionismo simbólico, resgatando suas origens, pressupostos centrais

e possibilidades de contribuição aos estudos organizacionais.

A perspectiva interacionista simbólica, que tem suas raízes na

sociologia e na psicologia social, possibilita a compreensão do modo

como os indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as

quais interagem e como tal processo de interpretação conduz o

comportamento individual em situações específicas. Autores como Kanter

(1972) e Hall (1987) apontam a utilidade e importância do interacionismo

simbólico no estudo da vida social, por apresentar uma percepção dos

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 585

indivíduos como capazes de utilizar seu raciocínio e poder de

simbolização para interpretar e adaptar-se flexivelmente às circunstâncias,

dependendo do modo como venham a definir a situação.

Ao estudar o comportamento humano, considerando sua interação

mediante comunicações simbólicas, em que os significados das ações

podem ser mantidos, modificados ou dados pelos atores, cujo self atua

como mediador entre estes e a organização social (BLANCO, 1988), o

interacionismo simbólico representa um potencial para compreensão de

diferentes aspectos da vida organizacional. Nesse sentido, complementa

outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas neste campo de

estudos.

Conforme salienta Coulon (1995), o interacionismo simbólico

trouxe às ciências sociais, um lugar teórico para o sujeito social como

intérprete do mundo, pondo em prática, com isso, métodos de pesquisa

que privilegiam o ponto de vista desses sujeitos. O objetivo do emprego

dessas abordagens é elucidar as significações que os próprios sujeitos

põem em prática para construir seu mundo social, o que torna o

interacionismo simbólico uma perspectiva teórica especialmente

adequada à condução de investigações qualitativas. Cumpre salientar,

todavia, que seus pressupostos são também compatíveis com métodos

quantitativos, favorecendo os desenhos de pesquisa que se caracterizem

pela combinação de múltiplos métodos (BENZIES; ALLEN, 2001).

Diante do exposto, o presente estudo teórico discute o surgimento,

a consolidação e os pressupostos centrais da perspectiva interacionista

simbólica, revisando as concepções teóricas dos estudiosos que mais

contribuíram para o seu desenvolvimento. Na sequência, busca identificar

as contribuições e potencialidades de utilização desta perspectiva teórica

nos estudos organizacionais, apresentando algumas reflexões finais acerca

das principais vantagens de seu emprego no referido campo de estudos e

salientando a importância de se reconhecer as suas limitações.

RAÍZES TEÓRICAS E CONSOLIDAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO

Os problemas sociais decorrentes da industrialização e urbanização do

início do século XX constituíram o contexto que serviu como uma das

fontes de estímulo aos estudiosos da época para desenvolver uma

perspectiva teórica distinta, voltada ao estudo sistemático do

comportamento social humano. As contribuições teóricas que vieram dar

origem a esta perspectiva, conhecida como interacionismo simbólico, são

Virgínia Donizete de Carvalho

586 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

advindas das obras de clássicos da Escola de Chicago como Charles

Cooley, John Dewey, William Thomas e, sobretudo, George Mead,

considerado como o principal precursor e inspirador do movimento

interacionista (HAGUETTE, 1995; JOAS, 1999; TREZZA, 2002;

ÁLVARO et al., 2007).

Destaca-se a influência da filosofia do pragmatismo¹ sobre os

estudiosos da Escola de Chicago. Esta teve início com os trabalhos de

Dewey e Mead, especialmente no que se refere à interpretação dos

processos e operações psíquicas, segundo sua eficácia para a solução dos

problemas encontrados pelas pessoas no curso de sua conduta. Nas

palavras de Joas (1999), “Cooley foi o primeiro a proclamar a

necessidade de um pragmatismo ‘social’ ou ‘sociológico’ e o primeiro a

desenvolver uma teoria do eu e sua dependência de grupos primários” (p.

138). Entretanto, a solução do problema de se chegar a uma análise

pragmática de situações de interação social e autorreflexão individual foi

creditada a Mead, por ter focado a ação interpessoal, indicando que o

modo de ação de um indivíduo suscita reações de seu parceiro, tornando-

se condição para a continuidade de suas próprias ações.

Sabendo-se que o pragmatismo foi um dos produtos das ideias

evolucionistas britânicas (ÁLVARO; GARRIDO, 2003) e que Mead, no

terreno filosófico, era um pragmatista (PORTUGAL, 2006), torna-se

perceptível que, em alguns aspectos, as ideias de Darwin tiveram impacto

sobre o pensamento de Mead. É observável também a atenção que

dedicou às elaborações de Wundt e às concepções behavioristas.

Entretanto, é fato inegável que em suas discussões sempre reconhecia as

limitações de cada uma das correntes de pensamento citadas,

apresentando críticas às mesmas. Assim, discutia a incapacidade do

pragmatismo de explicar as origens do indivíduo como ser social; a

explicação de Cooley sobre a natureza social do ser humano, baseada em

processos subjetivos; a aceitação de Wundt em relação ao fenômeno da

mente humana, sem se preocupar com sua emergência e a pretensão

reducionista do behaviorismo de explicar o comportamento humano por

meio do esquema E-R (Estímulo-Resposta) (BLANCO, 1988).

Mead (1934)reconhece que o ato possui tanto uma fase interna

quanto externa. Para ele, a questão surge no modo como essas duas fases

se relacionam. Portanto, critica Wundt por pressupor a mente em sua

psicologia fisiológica, e Watson por abandoná-la em seu behaviorismo.

Para Farr (1998, p. 80) “ambas as perspectivas são parciais e não há nada

de inerentemente social em nenhuma delas. O que Mead fez foi mostrar

como elas poderiam se relacionar”.

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 587

Estas considerações estão claras em sua obra, como é possível

constatar neste trecho em que esclarece, em termos de behaviorismo, qual

é o ângulo de seu enfoque:

O ato, e não o trajeto é o dado fundamental na psicologia social e na

psicologia individual, quando são concebidas na forma condutista, e

tem por sua vez uma fase interna e outra externa, um aspecto

interior e outro exterior. (...) nosso ângulo de enfoque é condutista,

mas diferentemente do condutismo watsoniano, reconhece as partes

do ato que não aparecem na observação externa e acentua o ato do

indivíduo humano em sua situação social natural (MEAD, 1934,

p.55).

Conforme se observa, no entendimento de Mead (1934), a

compreensão da conduta é incontestavelmente diferenciada de Watson.

Ele argumenta detalhadamente em sua obra que certas partes do ato se

convertem em um estímulo para que o outro indivíduo se adapte a tais

reações; e essa adaptação se converte, por sua vez, em estímulo para que

o primeiro modifique seu ato e inicie outro distinto.

Portanto, a descrição de Mead do comportamento humano tem

como dado principal o ato social, em termos não só de comportamento

externo observável, mas também de atividade encoberta do ato. Enquanto

Watson reduz o comportamento humano aos mesmos mecanismos

encontrados em nível infra-humano, em que a dimensão social é vista

como uma mera influência externa sobre o indivíduo, insistindo no estudo

estritamente científico do comportamento aparente; Mead permite uma

instintiva investigação compreensiva de aspectos do comportamento,

ausente na perspectiva de Watson (HAGUETTE, 1995).

Mead (1934) afirma que a mente é uma relação do organismo com

a situação, que se realiza por meio de uma série de símbolos. Quando um

determinado gesto representa a ideia que há por trás de si e provoca essa

ideia no outro indivíduo, tem-se um símbolo significante. No momento

em que tal gesto promove uma reação adequada do outro indivíduo, tem-

se um símbolo que responde a um significado na experiência do primeiro

indivíduo e que também evoca esse significado no segundo indivíduo.

Assim, a base da significação está presente na conduta social, em

que emergem os símbolos significantes. Só quando o indivíduo se

identifica com tais símbolos, se torna consciente a significação. Os

processos mentais têm relação com esta significação das coisas e a

mentalidade reside na capacidade do organismo para indicar aquele

elemento do ambiente que responde às suas reações, a fim de poder

Virgínia Donizete de Carvalho

588 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

controlar tais reações de várias maneiras. Nas palavras do próprio Mead

(1934, p. 165), “o controle é possibilitado pela linguagem (...) e da

linguagem emerge o campo da mente”.

Conforme pontua Blanco (1988), o que Mead queria demonstrar

era que a ação de cada um só obteria seu sentido por meio da ação do

outro. Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente

percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a

interação simbólica, a qual não se dá por reação direta às ações e gestos

do outro, mas, mediante uma interpretação destas ações ou gestos com

base no significado que lhes é atribuído.

Para explicar este processo de interação que envolve definição e

redefinição de objetos do ambiente percebido, Mead introduz as noções

de Self, Eu e Mim. A característica da pessoa como objeto para si está

representada pelo termo Self (si mesmo), e este Self permite que o

indivíduo interaja socialmente consigo mesmo, da mesma forma que ele

interage socialmente em relação a outras pessoas. “Quando não só se

escuta a si, mas também se responde [...] tão realmente como se responde

a outra pessoa, então temos uma conduta em que os indivíduos se

convertem em objetos para si mesmos” (MEAD, 1934, p. 171).

Esta capacidade de refletir sobre si mesmo, que também permite o

processo de se perceber e/ou sentir-se no papel do outro, habilita o ser

humano a desenvolver o sentido de Self social. De acordo com Jeon

(2004), o Self precisa ser entendido de forma situada na interação com o

mundo social. A pessoa e o mundo não podem ser compreendidos de

forma isolada, porque o Self está sendo continuamente desenvolvido por

meio da interação com outros seres humanos. Isto explica a natureza do

Self, que é dinâmica e não fixa.

Portanto, a sociedade representa o contexto dentro do qual o Self

surge e se desenvolve. Haguette (1995) esclarece que o Self representa um

processo social no interior do indivíduo, que envolve duas fases analíticas

distintas: o “Eu”, que é a tendência impulsiva do indivíduo e o “Mim”,

que representa o outro generalizado. É na forma do outro generalizado

(MEAD, 1934) que os processos sociais influenciam a conduta dos

indivíduos envolvidos e a comunidade exerce controle sobre o

comportamento dos seus membros individuais. Quando as pessoas ficam

fora dessa classe de expressão organizada, surge uma situação em que o

controle está ausente. A reação do indivíduo ao outro generalizado

representa o Eu na experiência da pessoa. O pensamento seria o

raciocínio do indivíduo, uma conversação entre o que se denomina de

“Eu” e de “Mim”.

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 589

Nas palavras de Mead (1934, p. 222), é possível observar este

papel do “Eu” e do “Mim” num processo de interação contínua.

O Mim é um indivíduo convencional, habitual. Está sempre

presente. Tem que ter os hábitos, as reações que todos têm, ao

contrário, o indivíduo não poderia ser um membro da comunidade.

(...) A reação do Eu a uma atitude organizada transforma a mesma e

assim, ocorre certa proporção de adaptação e readaptação. Esta

reação do Eu pode ser um processo que envolve uma degradação do

estado social, como uma integração superior.

Acrescenta, ainda, que o progresso social humano implica o

emprego, por parte dos indivíduos, do seu mecanismo de consciência de

si, socialmente surgido. Este pode ser usado tanto para produzir as

transformações sociais progressivas, como para o desenvolvimento de si

mesmos ou de suas personalidades individuais, como forma de se manter

adaptativo a esse ritmo de reconstrução social.

Tais concepções apresentadas na teoria psicossociológica de Mead

são consideradas, em seu conjunto, como a fonte principal da qual se

derivaram as interpretações que deram origem ao interacionismo

simbólico. Este que começou a se delinear entre os anos de 1930 e 1940,

desenvolveu-se no transcurso das duas décadas seguintes e teve o seu

nome cunhado em 1937 por Herbert Blumer, que estabeleceu os

pressupostos da abordagem interacionista, por meio de seus escritos, cuja

maioria se encontra reproduzida em sua mais importante publicação –

Symbolic Interactionism: perspective and method.

Para os interacionistas simbólicos o significado é um dos mais

importantes elementos na compreensão do comportamento humano, das

interações e dos processos. Os interacionistas argumentam que, para

alcançar uma compreensão plena do processo social, o investigador

precisa se apoderar dos significados que são experienciados pelos

participantes em um contexto particular (JEON, 2004).

Sustentando-se nos preceitos teóricos de Mead, anteriormente

expostos, Blumer (1969, p. 2) reafirma, abaixo, a noção de que o

significado é um produto social, uma criação que emana das atividades

dos indivíduos, à medida que estes interagem. Conforme esclarece em sua

obra, a natureza do interacionismo simbólico tem como base a análise de

três premissas:

A primeira é que o ser humano orienta seus atos em direção às

coisas em função do que estas significam para ele (...). A segunda é

que o significado destas coisas surge como consequência da

Virgínia Donizete de Carvalho

590 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

interação social que cada qual mantém com seu próximo. A terceira

é que os significados se manipulam e se modificam mediante um

processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se

com as coisas que vai encontrando em seu caminho.

Ao fundar-se nestas premissas, Blumer (1969) propõe o

desenvolvimento de um esquema analítico da sociedade e da conduta

humana. O tema central abordado são os processos de interação social –

ação social caracterizada por uma orientação imediatamente recíproca –

ao passo que o exame desses processos se baseia num conceito específico

de interação que privilegia o caráter simbólico da ação social. O caso

prototípico é o das relações sociais, em que a ação, ao invés de adotar a

forma de mera transferência de regras fixas, é definida nas relações de

forma recíproca e conjuntamente proposta e estabelecida. Assim, de

acordo com Blumer (1969), as relações sociais são vistas como algo

aberto e subordinado ao reconhecimento contínuo por parte dos membros

da comunidade e não como algo estabelecido de uma vez por todas

(JOAS, 1999).

De acordo com Haguette (1995), Blumer tenta ser fiel ao

pensamento de Mead, abordando, sobretudo, a natureza da interação

simbólica, da sociedade e da vida em grupo, dos objetos, da ação humana

e da ação conjunta. Entretanto, aponta Haguette (1995), alguns autores

consideram as noções de Blumer como uma interpretação errada das de

Mead e outros alegam que as ideias centrais do interacionismo simbólico

demonstram mais similaridade com as de outros pensadores do

pragmatismo do que com as de Mead. Joas (1999), por exemplo, descreve

a construção de Blumer como uma apropriação fragmentária do trabalho

de Mead e, segundo Farr (1998), o interacionismo simbólico deve ser

entendido como uma perspectiva teórica iniciada em Chicago por Blumer

e baseada em “sua interpretação” de Mead.

Além disso, cumpre salientar que, não obstante o fato de Blumer

(1969) ter sido, indubitavelmente, o mais influente entre os estudiosos a

modelar o sentido da perspectiva interacionista simbólica, ele não foi o

único a fazê-lo. As contribuições de Manford Kuhn também foram de

vital importância para o delineamento de tal perspectiva (STRYKER;

VRYAN, 2006). As diferentes concepções abraçadas por estes estudiosos,

bem como as estratégias metodológicas por eles propostas são, a seguir,

examinadas.

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 591

PERSPECTIVAS CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS DAS ESCOLAS DE

CHICAGO E IOWA

As duas variantes mais proeminentes do interacionismo simbólico são

representadas pelas Escolas de Chicago e Iowa associadas,

respectivamente, às figuras de Herbert Blumer e Manford Kuhn. Os

pressupostos básicos do interacionismo simbólico, elaborados por

Blumer, são conhecidos como Interacionismo Clássico ou Interacionismo

da Escola de Chicago. A Escola de Iowa, por outro lado, desenvolveu-se

sob a orientação de Kuhn, o qual, fortemente influenciado pelo

positivismo lógico, defendia uma abordagem mais estruturada para o

interacionismo simbólico (BENZIES; ALLEN, 2001).

Observa-se, no geral, que ambas partem das concepções de Mead

e convergem no tocante aos aspectos que integram a essência do

interacionismo simbólico. Tais aspectos enfatizam que o mais

característico e singular do comportamento humano é o fato de interagir

mediante comunicações simbólicas, que requerem a definição da situação

na qual se atua, assim como atuar assumindo e tendo em conta os

comportamentos esperados pelos demais naquela situação. Os

significados das ações podem ser mantidos, modificados ou dados pelos

atores, os quais são assim, criadores ativos da vida social. Tudo isso

estrutura na pessoa um self ou mediador entre esta e a organização social

(BLANCO, 1988).

Quanto aos pontos de divergência entre estas duas escolas, cumpre

analisar suas concepções. Tomando-se as ideias de Blumer, nota-se que

seu entendimento é de que as pessoas constroem o próprio

comportamento de forma ativa e contínua, durante o curso de sua

interação. Para ele, essa incessante construção é uma característica de

toda a vida social.

Assim, os significados, definições e interpretações, que são

básicos para a interação social, passam por reformulações contínuas no

curso das interações. Eles são emergentes e sujeitos à mudança de

momento a momento e, portanto, não têm a generalização requerida pelos

conceitos teóricos, em termos dos quais as teorias são desenvolvidas.

Com base em tais concepções, conclui-se que os estudiosos podem

alcançar uma compreensão do comportamento social após sua ocorrência,

mas não é possível desenvolver explicações teóricas que visem a prever o

comportamento social, seja individual, seja coletivo (STRYKER;

VRYAN, 2006).

Virgínia Donizete de Carvalho

592 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

No que tange ao desenvolvimento das pesquisas, Blumer (1969)

também critica a metodologia convencional por utilizar meios de

estabelecer a validade empírica de certos estudos por meio de esquemas,

que ele julga inadequados para captar o caráter específico do objeto de

estudo. Esse autor propõe, então, uma posição metodológica para o

interacionismo simbólico, na qual defende a noção de que para

compreender o mundo é necessário analisá-lo em termos das ações e

interações de seus participantes. “Para a ciência empírica a ‘realidade’ só

existe no mundo empírico, no qual se devem buscá-la e verificá-la”

(BLUMER, 1969, p. 16).

Como esclarece Jeon (2004), a concepção de Blumer é de que o

pesquisador deve ser capaz de interagir ativamente com as pessoas que

estão sendo pesquisadas, de modo a ver as coisas do ponto de vista destas

e no seu contexto natural. Por conseguinte, o autor entende que ao adotar

a abordagem interacionista, o pesquisador precisa estar ativamente

engajado no mundo em estudo e empreender uma análise de suas partes

fundamentais, para o que ele propõe as técnicas de exploração e inspeção

como métodos apropriados de pesquisa, conforme segue:

O estudo exploratório é o meio [...] para conseguir um

conhecimento extenso e profundo da esfera da vida social e de

desenvolver e acentuar a sua investigação. [...] Por seu caráter

reflexivo, não está sujeito a nenhum conjunto de técnicas em

particular, pode recorrer à observação direta, entrevistar pessoas,

obter informações sobre a vida real, utilizar cartas e diários,

consultar documentos públicos e organizar discussões de grupo. A

finalidade da investigação exploratória é traçar um quadro em

estudo, tão completo e preciso quanto permitem as condições

vigentes [...]. A inspeção consiste em examinar o elemento analítico

dado, considerando-o de diferentes ângulos, estabelecendo diversas

perguntas e examinando novamente à luz das mesmas; em outras

palavras, um exame detido e profundo [...]. A exploração e a

inspeção representam a descrição e a análise e correspondem ao que

se denomina investigação naturalista; um processo destinado a

abordar o mundo empírico em seu caráter natural e contínuo, em

lugar de se limitar a uma simulação do mesmo, uma abstração ou a

sua substituição por uma imagem pré-estabelecida (BLUMER,

1969, p. 33).

Stryker e Vryan (2006) alertam para as implicações metodológicas

derivadas de tais concepções, as quais, segundo os autores, envolvem as

noções de que: 1) um método de pesquisa que não envolve exame direto

do mundo empírico não pode gerar dados significativos e, portanto,

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 593

carece de validade; 2) a manipulação matemática e estatística de dados

quantitativos não tem valor para os estudos sociais, uma vez que tais

dados são vazios de significados que constituem a essência do caráter do

fenômeno sociológico; e, 3) as pesquisas não devem basear-se em uma

teoria existente e dela derivarem hipóteses que antecipem resultados de

comportamento social.

Além disso, enfatizam Stryker e Vryan (2006), os impactos da

organização e das estruturas sociais sobre a ação social são minimizados

na concepção de Blumer (1969).. Isto porque o seu entendimento é de que

a busca por ligações entre o comportamento social e os elementos da

estrutura (requisições de papel, expectativas, demandas situacionais, entre

outros) é inconsistente com o reconhecimento de que o ser humano é uma

criatura em constante definição e interpretação.

A visão de Manford Kuhn, por sua vez, contrasta frontalmente

com a de Blumer, pois Kuhn aspirava a generalizações teóricas

articuladas e rigorosamente testadas. Partindo do ponto de vista dos

filósofos e sociólogos pragmatistas, que argumentavam que a estrutura

social é criada, mantida e alterada por meio da interação simbólica, ele

defendia que tal estrutura, uma vez criada, restringe novas interações.

Assim baseando-se no ponto de vista de que o Self apresenta relativa

estabilidade, Kuhn propõe instrumentos que permitiriam identificar e

mensurar seus atributos. Para implantar este ponto de vista, ele adota uma

concepção de estrutura social composta de redes de posições em relações

estruturadas entre pessoas e de expectativas de papel associadas com tais

posições (KUHN, 1964).

A proposta metodológica de Kuhn (1964) demanda o

desenvolvimento de proposições gerais, cujas hipóteses específicas

possam ser deduzidas e testadas. Se os testes corroboram as hipóteses,

tem-se uma teoria útil para explicar e prever o comportamento em

interação social. A construção de tais teorias deve ocorrer por meio de

uma sólida mensuração dos conceitos incorporados nas proposições

gerais do pesquisador, de forma que conceitos claros e precisos sejam

necessários para mensurações confiáveis. Conforme esclarecem Stryker

& Vryan (2006), Kuhn não via contradição entre os conceitos vinculados

ao interacionismo simbólico e o atendimento das exigências de uma

mensuração científica confiável, bem como o desenvolvimento de teorias

explicativas do comportamento social sujeitas ao teste empírico.

Observam-se, então, dois pontos centrais nas diferenças de

abordagem entre as duas escolas. Um deles é a questão que envolve a

natureza do comportamento humano em termos de liberdade ou

Virgínia Donizete de Carvalho

594 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

determinação. Reconhecendo a tendência impulsiva e espontânea do “Eu”

que inicia o ato, o qual termina em forma de “Mim”, os seguidores da

Escola de Chicago atribuem uma dimensão imprevisível e indeterminada

ao comportamento (REYNOLDS; MELTZER, 1973). A perspectiva da

Escola de Iowa, ao contrário, sustenta que o comportamento é, em parte,

determinado pelas definições do ator, particularmente por seu Self,

considerando que o “Eu” nem sempre é decisivo na interação (BLANCO,

1988). Assim, enquanto para Blumer prevalece a concepção, tanto do Self

como da sociedade, mais dinâmica e orientada ao processo,

continuamente renegociada em interação com outros; por outro lado,

Kuhn entende que ambos representam estruturas cujos padrões são

relativamente estáveis e previsíveis (HAGUETTE, 1995).

Blumer (1969) compreende a interação como um processo por

meio do qual a vida grupal está em contínuo desenvolvimento, em

permanente mudança e depende dos diferentes esquemas de interpretação

de que utilizam os indivíduos participantes da mesma. Por outro lado,

Kuhn enfatiza os aspectos mais estruturais na determinação da conduta,

os quais dependem das definições sociais que são aprendidas sobre os

objetos. Isto é, as atitudes em relação aos objetos do meio, positivas ou

negativas, seriam uma consequência dos significados pelos quais as

pessoas aprendem a designá-los.

Outro ponto de divergência fundamental entre estas duas escolas

de pensamento situa-se no campo metodológico. Enquanto Blumer

insistia na necessidade de uma metodologia distinta no estudo do homem,

Kuhn enfatizava a comunalidade do método em todas as disciplinas

científicas e acreditava na possibilidade de transformar os conceitos

interacionistas em variáveis empregadas para testar proposições

empíricas. Os métodos na Escola de Iowa incluíam desenhos quase-

experimentais, análises estatísticas, questionários, escalas, testes e

procedimentos de laboratório – todos ligados a uma lógica de verificação.

Os seguidores da Escola de Chicago, por sua vez, tendiam a adotar a

observação participante, entrevistas, grupos focais e análise de

documentos – todos ligados a uma lógica de descoberta (REYNOLDS;

MELTZER, 1973).

Para Stryker e Vryan (2006), os elementos mais contrastantes das

Escolas de Chicago e Iowa, aqui enfatizados, referem-se antes à história

da perspectiva interacionista simbólica do que ao seu presente, reportam-

se mais aos polos extremos, característicos dos argumentos iniciais, do

que às posições tomadas por interacionistas contemporâneos. Por esta

razão, as classificações em relação às duas escolas são comumente

utilizadas na literatura para descrever abordagens dentro do

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 595

interacionismo simbólico, as quais, embora tenham bases históricas,

representam posições extremas que não são usualmente adotadas pelos

interacionistas.

A PERSPECTIVA INTERACIONISTA SIMBÓLICA

Enquanto historicamente as predileções metodológicas têm sido, talvez,

de primeira importância para distinguir entre trabalhos realizados por

estudiosos que abraçam a perspectiva interacionista simbólica, Stryker e

Vryan (2006) apontam que isto parece se tornar menos importante com o

passar do tempo. De fato, a diversidade de interesses daqueles que se

identificam com a perspectiva contribuiu para o desenvolvimento de um

número de variantes (FINE, 1993), não discutidas aqui por motivos de

concisão, mas que sinalizam para as amplas possibilidades de aplicação

dos pressupostos interacionistas.

Nesse sentido, Stryker e Vryan (2006) refletem que é possível

encarar as diferentes possibilidades apresentadas por tais variantes como

tensões que requerem uma escolha excludente; ou reconhecer os

benefícios que derivam das diferentes variantes dentro de uma perspectiva

interacionista mais ampla. Esclarecem, ainda, as vantagens desta última

posição que, segundo os autores, vem sendo adotada por boa parte dos

interacionistas simbólicos contemporâneos.

Entretanto, apesar de que as ideias do interacionismo simbólico

não requeiram um comprometimento com estratégias qualitativas de

pesquisa, tal perspectiva teórica tem sido quase que exclusivamente

associada à utilização de métodos tais como a etnografia, observação

participante e entrevistas intensivas não estruturadas, entre outras; quando

é aceita a utilidade de uma variedade maior de métodos nas ciências

sociais (BENZIES; ALLEN, 2001).

Quanto aos aspectos conceituais, referentes às questões de

estabilidade ou mudança, construção social ou reprodução, criatividade

ou conformidade, Stryker e Vryan (2006) ponderam que não são

mutuamente excludentes, mas constituem características observáveis da

vida social. Dessa forma, embora o comportamento humano carregue um

elemento de imprevisibilidade, conserva também certa continuidade, dado

que não se pode ignorar o fato de que o mesmo é constrangido pela

estrutura social em que se encontra inserido.

Com base nesse entendimento e na posição de se trabalhar dentro

de uma perspectiva interacionista simbólica mais ampla, conceitos

generalizados podem ser potencialmente úteis, teorias podem ser

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596 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

formuladas e testadas e trabalhos utilizando métodos qualitativos ou

quantitativos podem ser estratégicos para os pesquisadores. E ainda,

considerando-se que um método não pode se adequar a todos os

problemas de pesquisa, a adesão absoluta a preferências metodológicas de

qualquer tipo limitaria o leque de problemas que podem ser abordados por

meio das lentes da referida perspectiva. Dessa forma, o interacionismo

simbólico, que tem uma extensa tradição no estudo da organização social

e dos processos sociais (HALL, 1987), continua oferecendo

possibilidades de contribuição em diversos campos de estudo.

Todavia, a despeito das inúmeras potencialidades relacionadas a

esta perspectiva teórica, importa mencionar que, ao longo dos anos, a

mesma também foi alvo de críticas, que se multiplicaram especialmente

durante a década de 1970. Meltzer, Petras e Reynolds (1975), por

exemplo, apontaram a minimização da estrutura social como a principal

fragilidade do interacionismo simbólico, a qual estaria relacionada a uma

subvalorização da estratificação social, assim como da distribuição

desigual de riqueza e poder.

Nessa vertente seguiram os demais críticos (WORSLEY, 1973;

COSER 1975; entre outros) ao entender o interacionismo simbólico como

uma perspectiva limitada por sua restrição aos “micro” aspectos da

organização social, que, como tal, seria incapaz de abordar

adequadamente os “macro” fenômenos, tais como estrutura social,

padrões de desigualdade e poder. De acordo com Joas (1999, p. 131), tais

críticas que tomam a perspectiva interacionista simbólica como limitada a

fenômenos de imediaticidade interpessoal, atribuem-lhe “a visão de que o

complexo das relações macrossociais não ultrapassa o horizonte da

sociabilidade mundana”.

Refutando, entretanto, a noção de que o interacionismo simbólico

nega ou exclui a existência de fenômenos como classes sociais,

instituições sociais, estruturas de poder e estratificação social, alguns

estudiosos (MAINES, 1977; DENNIS; MARTIN, 2005; SAUDER, 2005,

entre outros) alegam que este não ignora as considerações acerca da

estrutura social. Ademais, esses consideram que não há nada inerente a tal

perspectiva teórica que impeça a análise da organização e estrutura

sociais.

No que tange ao estudo da estratificação social, por exemplo,

Sauder (2005) argumenta que, ao examinar cuidadosamente como o status

tende a ser indicado, empregado, mantido ou alterado ao longo do tempo,

a abordagem interacionista simbólica proporciona uma explicação de

como este afeta tanto o comportamento individual quanto o social. Com

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 597

base nestas noções, Sauder (2005) propõe um modelo para o estudo do

status com base nesta perspectiva.

Ainda, considerando as relações de poder, Dennis e Martin (2005)

sugerem que os estudos interacionistas têm contribuído para a

compreensão dos processos sociais, por intermédio dos quais, nas

situações cotidianas, o poder é desempenhado e institucionalizado. Desta

forma, tais estudos estariam propiciando explicações acerca dos meios

pelos quais os padrões culturais e restrições institucionais exercem

influência sobre os indivíduos.

Corroborando Maines (1977), estes autores buscam demonstrar

que uma abordagem interacionista simbólica não descarta as restrições

que organizações e estruturas sociais impõem aos atores individuais. Ao

contrário, examina estas estruturas, insistindo que os processos de

restrição e/ou coação são compostos e expressos por meio de interações

individuais.

As ideias centrais do interacionismo simbólico são de que,

individualmente e coletivamente, os seres humanos são ativos, criativos e

não somente respondentes às forças do ambiente externo. Os ambientes

nos quais eles agem e com os quais interagem são simbólicos; os

símbolos designados aos ambientes são produzidos em interação e podem

ser manipulados no curso da interação; o pensamento pode ser usado para

antecipar a efetividade de alternativas de ação planejadas para resolver

problemas e a escolha entre cursos de ação alternativos é uma

característica da conduta social (STRYKER; VRYAN, 2006). Dessa

forma, à medida que o interacionismo simbólico constitui-se em uma

perspectiva teórica que pode facilitar uma melhor compreensão, tanto das

relações entre indivíduos, quanto entre estes e as estruturas sociais,

identifica-se um significativo potencial de aplicabilidade de seus

pressupostos básicos na condução de estudos organizacionais.

O INTERACIONISMO SIMBÓLICO E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

Como enfatiza Morgan (1983), diferentes pressupostos dão lugar a

diferentes bases para o conhecimento sobre o mundo social. As imagens

de um fenômeno social, que ele aponta como usualmente expressas em

termos de metáforas, proporcionam um meio de se estruturar uma

investigação científica e favorecem dadas estâncias epistemológicas

particulares. Estas, por sua vez, geram conceitos e métodos específicos

por meio dos quais é possível obter o conhecimento de dado fenômeno.

Virgínia Donizete de Carvalho

598 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

Assim, as metodologias ligam o pesquisador à situação a ser

estudada em termos de regras, procedimentos e protocolos gerais que

operacionalizam o conjunto de pressupostos básicos presentes na estância

epistemológica adotada pelo pesquisador. Como existem várias

abordagens metodológicas disponíveis para investigar diferentes pontos

de vista metafóricos, torna-se relevante ter uma clara compreensão das

conexões entre perspectiva teórica e método (MORGAN, 1980).

Partindo de tais considerações, tem-se que a escolha pela estância

interacionista simbólica como perspectiva teórica a guiar a condução de

estudos organizacionais deve ser baseada em pressupostos que precisam

estar claros para o pesquisador. Ao estudar o comportamento humano,

considerando sua interação mediante comunicações simbólicas, em que os

significados das ações podem ser mantidos, modificados ou dados pelos

atores, cujo self atua como mediador entre estes e a organização social

(BLANCO, 1988), o interacionismo simbólico representa um potencial

para compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,

complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas

neste campo de estudos. Num esforço de exemplificar suas

potencialidades, busca-se elucidar alguns temas em estudos

organizacionais beneficiados pela abordagem interacionista simbólica e

tecer algumas considerações acerca dos aspectos metodológicos

relacionados à operacionalização de seus pressupostos básicos.

Perspectivas temáticas em estudos organizacionais

Considerando-se a complexidade e a pluralidade que são típicas da vida

organizacional, evidencia-se que a utilização de uma perspectiva

interacionista simbólica em estudos organizacionais apresenta uma

variedade de possibilidades. Nessa perspectiva podem ser exploradas, não

somente as ambiguidades e contradições, mas também os vários modos de

representações, os múltiplos valores e a construção das significações da

vida organizacional, pelos atores envolvidos. Apresentam-se, a seguir,

algumas temáticas nesse campo de estudos que têm sido abordadas sob a

perspectiva interacionista simbólica, cujas possibilidades de contribuição

seguem propiciando oportunidades ao desenvolvimento de novas

pesquisas.

Entre estas, encontra-se o estudo da linguagem nas organizações.

Cossette (1998) identifica a possibilidade de que a perspectiva

interacionista simbólica possa contribuir no sentido de compreender os

significados atribuídos e a construção da linguagem no contexto da

situação interativa em que esta ocorre. Dessa forma, o autor propõe um

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 599

modelo para o estudo da linguagem nas organizações e discute que,

baseado na perspectiva proposta, pode se abordar, por exemplo, a

extensão e o modo como a linguagem do gestor e do empregado são

determinadas por fatores específicos da situação interativa e,

principalmente, como o significado atribuído à linguagem é determinado

pela percepção de cada um deles a respeito das intenções do outro. De

forma geral, entende-se que a estância interacionista simbólica no estudo

da linguagem pode produzir a melhor compreensão acerca da dinâmica

organizacional. Isto se torna relevante dado que, conforme sugere

Cossette (1998), se a linguagem é modelada pela estrutura em que é

produzida, também contribui para modelar a mesma.

O interacionismo simbólico é também uma abordagem importante

para o estudo e compreensão da cultura organizacional. Conforme

Morgan (1996), falar sobre cultura refere-se ao processo de construção da

realidade que permite às pessoas ver e compreender eventos, ações,

objetos, expressões e situações particulares de maneiras distintas. A

construção e a manutenção da cultura pressupõem que existe um

determinado nível de compartilhamento da realidade social edificada

pelos membros de um grupo (BERGER; LUCKMAN, 1967/1985).

Numerosas estruturas organizacionais e práticas incorporam padrões de

significado subjetivo que são cruciais para o entendimento de como

funciona a organização no dia a dia. Nesse sentido, Silva e Zanelli (2004)

salientam que a perspectiva interacionista simbólica no estudo da cultura

organizacional torna-se relevante, uma vez que enfatiza a recuperação do

processo de elaboração do universo simbólico ou da construção da

realidade de determinada organização social.

Estreitamente relacionado ao estudo da cultura, o tema da

socialização organizacional, o qual pode ser considerado como um dos

aspectos essenciais de preservação ou mudança da cultura organizacional,

também vem recebendo influência significativa da corrente do

interacionismo simbólico. Com base nos pressupostos interacionistas, de

que os indivíduos contribuem para os significados que surgem em dado

contexto social, os estudos em socialização organizacional passaram a

considerar o papel ativo dos iniciantes nesse processo, considerando que

atuam, ao mesmo tempo, como sujeito e objeto. Nas palavras de Borges e

Albuquerque (2004, p. 332), a compreensão do processo de socialização

organizacional, na perspectiva interacionista simbólica, é de que “não há

um espaço ilimitado de deliberação do sujeito, nem o indivíduo é um

mero produto do meio e, sim, fruto dessa dinâmica”. De acordo com essa

visão, a realidade e o significado seriam construções sociais (BERGER;

Virgínia Donizete de Carvalho

600 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

LUCKMANN, 1967/1985) e, com base na mesma, busca-se compreender

a maneira como são construídas as atitudes, comportamentos e

conhecimentos necessários para que o iniciante possa participar como um

membro da organização.

Ainda, com respeito ao estudo do status nas organizações, alguns

estudiosos (PODOLNY, 1993; BENJAMIN; PODOLNY, 1999) têm

evidenciado como as questões relacionadas a este tema desempenham um

papel central nos processos organizacionais. Conforme Sauder (2005),

uma perspectiva interacionista oferece um meio de examinar como as

reputações que definem o status são construídas e institucionalizadas,

como mudam ao longo do tempo e como afetam as interações entre a

organização e seus membros. Pode, ainda, auxiliar a compreensão acerca

dos meios pelos quais os atores simbolizam o status, os processos por

meio dos quais esses símbolos são usados para criar e manter as

respectivas posições e a relação entre o status de uma organização e o

status de seus membros constituintes.

Cumpre considerar, ainda, as possibilidades de aplicação da

perspectiva interacionista simbólica no estudo dos processos de

aprendizagem organizacional, das questões relativas às percepções,

atitudes, crenças e valores construídos no ambiente de trabalho e também

da identidade e simbolismo nas organizações. Além das possibilidades de

contribuição derivadas da aplicação dos pressupostos interacionistas

simbólicos aos estudos organizacionais, ilustradas aqui por meio dos

exemplos apresentados, há que se considerar outro elemento relevante,

que diz respeito aos aspectos metodológicos de tais estudos.

Perspectivas metodológicas em estudos organizacionais

Uma vez que as metodologias ligam o pesquisador à situação a ser

estudada, operacionalizando o conjunto de pressupostos básicos presentes

na estância epistemológica adotada (MORGAN, 1980), torna-se relevante

tecer algumas considerações acerca das possibilidades metodológicas, que

se configuram para os estudos conduzidos à luz do interacionismo

simbólico.

Nesse sentido, importa salientar que o interacionismo simbólico,

embora conhecido e discutido como uma perspectiva teórica adequada à

condução de investigações qualitativas tem seus pressupostos também

compatíveis com métodos quantitativos (MELTZER; PETRAS;

REYNOLDS, 1975). Isto o torna uma estância epistemológica que

proporciona não somente a maior flexibilidade na escolha do método,

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 601

como também a adequação ao desenho de pesquisas que se caracterizem

pela adoção de múltiplos métodos.

Embora exista reconhecimento de que não há dicotomias entre

métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa, porquanto a realidade,

em sua complexidade, exige a ambos, persiste a noção de que métodos

qualitativos são concessivos e não podem disputar espaço com os

quantitativos. Muitas vezes, tal discussão é atrapalhada pelo próprio

abuso dos métodos qualitativos (DEMO, 2001); “o que não elide sua

necessidade por razão epistemológica precípua: a tamanha complexidade

da realidade [...], que não é devassável apenas quantitativamente”

(DEMO, 2005, p. 80).

Dados e análises qualitativas têm, não somente a virtude de

proporcionar informações ricas e em profundidade, quanto a compreensão

de situações que podem facilitar a geração de teorias, particularmente

com respeito a novas questões ou àquelas sobre as quais pouco se sabe.

Além disso, alguns aspectos da vida social, de interesse dos estudos

organizacionais, podem não ser acessíveis por meio de questionários

estruturados e outras formas não naturalistas de coleta de dados, ou

podem não ser apropriados à quantificação.

Ao mesmo tempo, dados qualitativos estão em desvantagem,

comparados aos quantitativos, quando o interesse está em testar a

generalidade de um argumento teórico. Além disso, levantamentos em

maior escala permitem a avaliação de modelos multivariados, envolvendo

conjuntos complexos de dados, baseados em amostras relativamente

representativas.

Nessa vertente, importa salientar a relevância de uma integração

de metodologias qualitativas e quantitativas nos estudos organizacionais,

dado que a combinação de métodos, além de contribuir para aumentar a

profundidade e a amplitude de conhecimento acerca de dado fenômeno,

pode compensar os vieses inerentes a cada método (BENZIES; ALLEN,

2001). Por essa razão, alguns interacionistas têm começado a incorporar

múltiplos métodos em seu trabalho, obtendo as contribuições únicas de

cada um deles (STRYKER; VRYAN, 2006). Pela mesma razão, entende-

se que essa pode ser uma estratégia potencialmente útil quando da adoção

de uma perspectiva interacionista simbólica nos estudos organizacionais.

Como enfatizam Stryker e Vryan (2006), uma vez que o

desenvolvimento de teorias envolve a exploração e a formulação de

proposições, que são construídas em esquemas teóricos, para então serem

inspecionadas e testadas por meio de validação no mundo empírico;

desenhos de pesquisa que façam uso de múltiplos métodos, dentro da

Virgínia Donizete de Carvalho

602 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

perspectiva interacionista simbólica, também podem permitir ao

pesquisador tanto formular quanto validar teorias, o que também se aplica

ao campo de estudo das organizações.

Cumpre considerar, por fim, que na escolha do método entram

tanto a preferência do pesquisador, quanto a avaliação da adequação do

método e das possibilidades de pesquisa, que variam em conformidade

com os objetivos estabelecidos. Tais aspectos deverão embasar a opção

pela adoção de análises qualitativas ou pela combinação de diferentes

estratégias metodológicas na operacionalização dos pressupostos

interacionistas, aplicados aos estudos organizacionais. Ademais, não

devem ser subestimados os desafios implicados tanto na condução de

pesquisas qualitativas, quanto na adoção de múltiplos métodos, haja vista

o tempo e domínio técnico requeridos à aplicação de ambas as estratégias.

REFLEXÕES FINAIS

O presente ensaio teve como intuito apresentar uma revisão acerca da

abordagem interacionista simbólica, resgatando suas origens,

pressupostos básicos e possibilidades de contribuição aos estudos

organizacionais. Embora, não tenham sido esgotados neste trabalho todos

os desdobramentos de tal perspectiva teórica, foi possível observar, no

cerne das discussões, que o interacionismo simbólico, em sua trajetória,

tem se constituído como objeto de reflexão de vários estudiosos; seja pelo

reconhecimento de suas possibilidades de aplicação, ou pela elucidação

de suas limitações. A despeito das críticas e de sua secundarização,

juntamente com outras tendências sociológicas, por um longo período

(ÁLVARO; GARRIDO, 2003), o interacionismo simbólico evoluiu e se

fortaleceu. Na compreensão de Blanco (1988), isso talvez se explique

pelo fato de os pressupostos teóricos defendidos pelos interacionistas

simbólicos conduzirem a atenção para uma temática ampla, com

aplicações em diversos campos de estudo.

Tal fortalecimento deve ser, contudo, compreendido tanto no

contexto de sua evolução conceitual e de abrangência, notadamente no

que se refere a abarcar melhor a dialética que articula aspectos estruturais

da sociedade e construção do sujeito singular, quanto no contexto do

desenvolvimento das ciências humanas e sociais (ÁLVARO; GARRIDO,

2003). Desta forma, o entendimento aqui é que o interacionismo

simbólico se fortaleceu num caminho que permite abordar os fenômenos,

aplicando uma dialética entre aspectos da estruturação social e a

construção das individualidades, entre o geral e o particular, entre o

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 603

cultural e o singular, entre sujeito e objeto; apreendendo as contradições

da vida contemporânea no contexto de sociedades plurais, bem como

refletindo sobre os fenômenos sociopsicológicos, sem ignorar o caráter

histórico dos mesmos.

Com base nestas considerações, é possível defender que o

interacionismo simbólico representa uma alternativa, a um só tempo

viável e sólida, para aprofundar a compreensão da realidade

organizacional. Dessa forma, buscou-se evidenciar as possibilidades que

se descortinam mediante a utilização de tal perspectiva nos estudos

organizacionais, citando como exemplos, suas contribuições e

potencialidades no desenvolvimento de estudos da linguagem, da cultura,

da socialização e do status nas organizações. Sabe-se que tais exemplos

não cobrem todos os temas que são e podem ser beneficiados pela adoção

de uma abordagem interacionista simbólica nos estudos organizacionais;

mas, espera-se que tenham podido ilustrar o potencial que representa para

compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,

complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas

neste campo de estudos.

Foram tecidas, ainda, algumas considerações acerca dos aspectos

metodológicos das pesquisas em organizações, desenvolvidas à luz do

interacionismo simbólico, o qual, embora seja conhecido e discutido

como uma perspectiva teórica adequada à condução de investigações

qualitativas, tem seus pressupostos também compatíveis com métodos

quantitativos. Entende-se que, ao oportunizar a adoção de abordagens

qualitativas e quantitativas, facilitando inclusive a conjugação de

múltiplos métodos de pesquisa, o interacionismo simbólico oferece a

possibilidade de uma compreensão mais rica e completa das questões

organizacionais. Nessa vertente, enfatizam-se os benefícios advindos de

uma integração de métodos qualitativos e quantitativos, considerando-se

que contribui não apenas para maior profundidade e amplitude de

conhecimento acerca de dado fenômeno, como também para compensar

os vieses inerentes a cada método (BENZIES; ALLEN, 2001).

Por fim, é importante salientar que a adoção do interacionismo

simbólico como perspectiva teórica não resolve todos os problemas

relacionados à escolha e utilização de métodos nas pesquisas. Não se

defende tampouco, a primazia de dada estratégia metodológica em

relação a outras, visto que, baseado nos objetivos do estudo, o

pesquisador deve tomar uma decisão sobre a prioridade e a sequência dos

métodos. Além disso, qualquer perspectiva teórica tem seu viés e é

limitada por natureza. Enquanto o interacionismo simbólico sensibiliza os

Virgínia Donizete de Carvalho

604 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011

pesquisadores para certas pressuposições, ele não poderá revelar

completamente tudo o que há para saber a respeito das questões

organizacionais. Para uma utilização adequada do mesmo, os

pesquisadores devem estar conscientes de suas limitações.

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como uma possibilidade cuja efetividade irá depender de seus efeitos sobre a conduta. Nesta

perspectiva, uma crença ou ideia será verdadeira se puder servir de guia às ações dos indivíduos

(ÁLVARO; GARRIDO, 2003).

Interacionismo Simbólico:

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 607

DADOS DOS AUTORES

VIRGÍNIA DONIZETE DE CARVALHO ([email protected])

Doutora em Psicologia Social pela UFRN

Instituição de vinculação: Universidade Federal de Alfenas

Varginha/MG – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Cultura, valores e organizações, Fatores

humanos no trabalho.

Recebido em: 03/09/2011 • Aprovado em: 14/12/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 609

CHANGE LABORATORY: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA PESQUISA

E DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL

CHANGE LABORATORY: A METHODOLOGICAL APPROACH FOR RESEARCH

AND DEVELOPMENT OF ORGANIZATIONAL LEARNING

MARCO ANTONIO PEREIRA QUEROL ([email protected])

UNIVERSIDADE DE HELSINKI

JOSÉ MARÇAL JACKSON FILHO FUNDACENTRO

MARCIO PASCOAL CASSANDRE FACULDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DE APUCARANA

RESUMO

O objetivo deste texto é apresentar a metodologia chamada Change

Laboratory® (em português, Laboratório de Mudança), que se insere na

perspectiva das metodologias intervencionistas. Desenvolvida na

Finlândia a partir dos anos 1990, baseia-se em referencial teórico e

metodológico oriundo da Teoria da Atividade russa. Após a descrição das

principais técnicas e métodos, apresenta-se um resumo de intervenções

utilizando essa metodologia com a finalidade de caracterizar algumas das

dimensões das pesquisas e intervenções conduzidas em diversas

atividades e países. Verifica-se que o LM tem sido aplicado em vários

países, tanto no setor público quanto no setor privado, em pesquisas em

escolas, hospitais, produção agrícola, mídia, telecomunicações entre

outras atividades produtivas. Uma possibilidade oferecida por essa

metodologia é usar o LM como uma meta-ferramenta para auxiliar os

praticantes a analisar e a desenvolver suas atividades baseadas em uma

perspectiva histórica e cultural. Sob esta ótica, crises, dilemas e conflitos

na atividade não são entendidos apenas em relação ao comportamento dos

indivíduos e aos recursos disponíveis, mas em relação a todo um sistema

de elementos da atividade.

Palavras-chave: Teoria da Atividade; Aprendizagem Organizacional;

Metodologias Intervencionistas; Laboratório de Mudança.

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

610 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

The aim of this study is to present an interventionist methodology called

Change Laboratory ® (in Portuguese, Laboratório de Mudança). This

methodology was developed in Finland in the 1990s, and is based on an

Activity Theoretical approach originated in Russia. After the description

of the main techniques and methods, a summary of applications of this

methodology will be presented in order to characterize some of the

features of the research studies and interventions conducted in different

activities and countries. The LM has been applied in several countries,

both in the public and the private sector, in research studies at schools,

hospitals, agriculture, media and telecommunications, among other

productive activities. This methodology may be used as a meta-tool for

supporting practitioners in analysing and developing their activities from

a cultural and historical perspective. In this perspective, crisis, dilemmas

and conflicts are not understood only in relation to the behavior of

individuals and resources available, but rather in relation to all elements

of an activity system.

Keywords: Change Laboratory; Activity Theory; Organizational

Learning; Interventionist Methodologies.

INTRODUÇÃO

As demandas por mudanças no contexto atual da sociedade,

principalmente diante das situações da concorrência global, das crises

políticas e econômicas de países, além dos problemas ambientais e sociais

de toda ordem, têm influenciando sobremaneira o modo de condução das

organizações.

Para compreender a influência destas transformações sobre o rumo

das empresas, novos instrumentos e “lentes” são necessários para que

pesquisadores e gestores possam lançar outros “olhares” e assim,

contribuir para a produção de conhecimento e novas formas de agir diante

dos novos contextos e das novas problemáticas.

Nesse contexto, é fundamental ampliar o debate sobre os desafios

existentes nos estudos sobre Aprendizagem Organizacional (AO), entre

eles, as metodologias e métodos de pesquisa que levem em conta a

aprendizagem.

Para Bitencourt e Azevedo (2006, p.110-111), a Aprendizagem

Organizacional (AO) carece de “novas e diversas interpretações de

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 611

eventos e situações”. Para tanto, sugerem a compreensão dos “processos

de aprendizagem”, construídos historicamente pelas experiências e

situações peculiares a cada organização em particular, implicando

repensar a AO apenas como um “modelo de gestão”. Dentro dessa linha

de raciocínio uma questão fundamental é como a gestão pode facilitar os

processos de aprendizagem nas organizações.

De modo simultâneo, a pesquisa em Administração no Brasil tem

procurado avançar na incorporação e no desenvolvimento das chamadas

Metodologias Intervencionistas, cujo princípio consiste em envolver os

profissionais das organizações, para participar no processo de mudança e

de resolução de problemas junto com pesquisadores.

Entre estas metodologias pode-se destacar, por exemplo, a

pesquisa-ação que já é utilizada nas pesquisas na área de Administração e

que se orienta ao estudo e à intervenção em situações reais. A pesquisa-

ação é reconhecida como um tipo de pesquisa social com base empírica,

concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a

resolução de um problema coletivo e, no qual, os pesquisadores e os

participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos

de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2009).

A metodologia de intervenção proposta nesse artigo possui

semelhanças com a pesquisa-ação no sentido de que em ambas o

pesquisador e os participantes se envolvem na busca de mudanças de um

dado problema coletivo, e, portanto, podem ser consideradas como modo

de pesquisa “engajada”, onde a produção de conhecimentos está

diretamente relacionada com a sua utilidade social.

Em contraste com a pesquisa-ação, a metodologia aqui proposta

oferece de forma explícita uma série de conceitos e métodos que guiam o

processo de pesquisa e permitem modelar o sistema em foco, por

exemplo, ao oferecer o modelo do Sistema de Atividade como unidade de

análise teórica. Na pesquisa-ação assume-se que as metas de mudança

emergem baseadas na comunidade que está sendo investigada

(ENGESTRÖM, 1994), enquanto na Aprendizagem Expansiva o

conteúdo do aprendizado ainda não existe, sendo criado de forma gradual,

um processo que não pode ser previamente planejado e pode levar anos

(ENGESTRÖM; SANNINO, 2010).

Por um lado, aprendizagem pode ser considerada simplesmente

como a assimilação de conhecimento já existente (teorias, modelos, etc.),

ou então a criação de novo conhecimento e elementos mediadores da

ação. Essas formas de aprendizagem não são consideradas expansivas,

pois não levam a um novo motivo da atividade coletiva. Aprendizagem

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

612 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

Expansiva ocorre, por outro lado, quando se cria um novo motivo, ou

objeto em uma atividade coletiva (com um novo princípio de

funcionamento ou organização) mais ampla, de forma que possa resolver

uma contradição da atividade (ENGESTRÖM; SANNINO, 2010).

No contexto diário das organizações percebe-se um incentivo

crescente por parte dos gestores para que os próprios envolvidos nas

atividades participem no desenvolvimento de novas formas de trabalho,

na busca de melhorias das atividades, na resolução dos problemas

existentes, ou seja, para que possam trabalhar comprometidamente com

os seus pares, a fim de alcançar os objetivos organizacionais (FARIA,

2007).

Conforme apontado por Tapscot (1996), na nova era da “economia

digital” não é suficiente mudar apenas o processo de produção em

determinado negócio, mas, é necessário também mudar o modelo ou

conceito de negócio, ou seja, uma abstração do que o négocio é, ou o que

ele pode vir a ser. A essência do conceito de um negócio não se refere ao

produto ou serviço em si, mas ao valor gerado ao cliente, e aos métodos e

ferramentas utilizadas para produzir esse valor. Neste artigo utiliza-se o

Sistema de Atividade como “ferramenta para analisar, representar e

desenhar o conceito de um negócio como uma atividade de trabalho

coletivo” (VIRKKUNEN; AHONEN, 2004, p. 59).

A mudança do conceito de um sistema de atividade exige, todavia,

um tipo diferente de aprendizagem. Por isso, tal mudança pode ser

facilitada se os praticantes compreenderem a sua atividade como um

sistema de desenvolvimento histórico de produção de valores, além de

serem corresponsáveis na criação de novas formas da atividade. Esse tipo

de aprendizagem expansiva é centrado na colaboração, na pesquisa que

tem embasamento teórico e que permite a experimentação a fim de

transformar a atividade. Esse aprendizado inovativo e desenvolvimental

requer cooperação entre gestores estratégicos do negócio e entre os

sujeitos envolvidos na concretização da atividade (ENGESTRÖM, 2004).

O objetivo deste texto é apresentar a metodologia chamada

Change Laboratoryi (ENGESTRÖM, et al, 1996; ENGESTRÖM, 2007 e

2008), aqui traduzida para Laboratório de Mudança (LM), que se insere

no âmbito das metodologias intervencionistas como uma ferramenta

teórico-metodológica para ampliar as possibilidades de pesquisa em

Administração bem como no campo da Aprendizagem Organizacional

(ENGESTRÖM, 2008).

Assim, a intervenção incorporada por essa metodologia enseja a

possibilidade de se contribuir para o debate sobre o desenvolvimento e

implantação de instrumentos de pesquisa, que possibilitem não apenas

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 613

produzir conhecimento, mas também contribuir para o desenvolvimento e

aprendizagem dos sujeitos envolvidos na redefinição e/ou melhoria da

atividade em que estão inseridos; não só isolar e resolver problemas na

gestão do negócio de uma organização, mas também contribuir para que

os próprios sujeitos desenvolvam outros entendimentos e compreensões

do objeto da atividade e suas modificações ao longo do processo histórico

aos quais estão submetidos.

Os processos de pesquisa participativos oferecidos pelo

Laboratório de Mudança, aqui defendidos, propiciam o desenvolvimento

tanto dos sujeitos como o da própria atividade. . Conforme explicado mais

adiante, o desenvolvimento de uma atividade é compreendido como a

resolução de contradições dentro e entre sistemas de atividade. Tal

desenvolvimento é baseado na construção conjunta fundada na concepção

teórica, na qual o desenvolvimento depende, em grande parte, dos

motivos, ideais e cooperação dos praticantes. Por praticantes entendem-se

todos os envolvidos numa determinada atividade, quer sejam os

trabalhadores, gerentes, consultores e todos os possíveis stakeholders de

uma organização que estejam de alguma forma implicados nessa

atividade. Dessa forma, o LM só pode ser implantado se houver o

envolvimento destes na análise da atividade e na construção de um

modelo futuro, apoiado por algumas técnicas e métodos específicos.

BREVE HISTÓRIA: DA METODOLOGIA DE PESQUISA PARA

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO AO LABORATÓRIO DE MUDANÇA

O Laboratório de Mudança é uma aplicação da proposta metodológica

chamada Developmental Work Research (Pesquisa para Desenvolvimento

do Trabalho). O Laboratório de Mudança (LM) foi desenvolvido na

década de 1990 por um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em

Atividade, Desenvolvimento e Aprendizado (CRADLE), da Universidade

Helsinque, Finlândia (ENGESTRÖM et al. 1996; VIRKKUNEN et al.

1997). Os conceitos que as fundamentam são baseados na Teoria da

Atividade: linha teórica e de pesquisa interdisciplinar proveniente das

ciências humanas na psicologia sócio-histórica e cultural da escola de

psicologia russa, iniciadas em 1920 e 1930 pela troika russa composta por

Lev Vygotsky, Alexander Luria e Alexei Leontiev (VYGOSTKY, 1978;

ENGESTRÖM, 1999a, CASSANDRE; BULGACOV; CAMARGO,

2011).

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

614 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

A metodologia de Pesquisa para Desenvolvimento do Trabalho

(PDT) teve início no final da década de 1970, fruto da colaboração entre

um grupo de pesquisadores e profissionais finlandeses que trabalhavam

no desenvolvimento de um sistema de formação e treinamento de

trabalhadores, cujo desafio comum constituía-se em conciliar o número

crescente de pessoas trabalhando no planejamento de treinamentos, mas

que possuía pouco conhecimento do processo de ensino e aprendizagem.

Diante disso e da necessidade de uma nova abordagem didática,

desenvolveu-se uma formação profissional, chamada de “Didática para

Treinamento em Serviço”, que permitiu questionar as ideias sobre o

comportamento humano, vigentes na época, e fornecer um modelo de

atividade cognitiva, além de contribuir para a existência de um referencial

teórico para o planejamento de atividades de ensino.

O PDT não se constituiu apenas como uma metodologia que

fundou a colaboração entre investigadores e profissionais, mas foi,

sobretudo, o produto que dela resultou. Desde os primeiros projetos

(ENGESTRÖM; ENGESTRÖM, 1986; ENGESTRÖM, 1987), a PDT

tem sido aplicada em um número crescente de situações de trabalho (para

uma revisão de estudos baseados na PDT, (ENGESTRÖM et al. 2005a),

que serviram para o desenvolvimento dos seus princípios fundamentais e

dos seus conceitos teóricos (VIRKKUNEN, 2004).

A PDT é um instrumento de diálogo e de colaboração entre: 1)

pesquisadores que trabalham no desenvolvimento do aparato teórico e

metodológico (novas metodologias e teorias) com objetivos científicos; 2)

pesquisadores que trabalham para o desenvolvimento de determinadas

atividades (atividade de ensino, por exemplo); 3) profissionais de nível

técnico e gerencial envolvidos na execução das atividades, junto aos

trabalhadores das organizações.

A Figura 1 mostra o esquema básico da metodologia PDT, onde o

pesquisador ajuda os praticantes a conduzirem ações de análise das

necessidades e oportunidades de mudança. Para tanto, o pesquisador

fornece aos praticantes uma série de instrumentos.

Primeiramente, o pesquisador faz uso de dados que refletem as

práticas da atividade em foco, tais como dados sobre os problemas no dia

a dia da atividade e situações onde há necessidade de mudança. O

pesquisador fornece também conceitos mais teóricos, como por exemplo,

o Sistema de Atividade, o qual permite aos praticantes modelarem as

causas dos problemas analisados para, então, buscarem novas soluções ou

conceitos da atividade. O pesquisador também oferece aos praticantes

conceitos intermediários, tais como conceitos analíticos e outras formas

de representação, que possam ser usadas na análise dos dados do dia a dia

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 615

da atividade, assim como desenhar soluções mais específicas à atividade

(ENGESTRÖM, 1991). Os conceitos intermédiarios funcionam como

uma ponte entre os dados do que ocorre no cotidiano da atividade e sua

representação mais abstrata. .

Figura 1: O esquema da metodologia de Pesquisa para Desenvolvimento

do Trabalho (PDT)

Fonte: Adaptado de Engeström (1991).

A despeito de sua capacidade de mudança nas situações, a PDT

exige quantidade considerável de recursos para coleta de dados e de

pessoas para analisá-los. Por isso, no início da década de 1990, surgiu a

necessidade de uma variação mais condensada da metodologia com uma

proposta de aplicação mais simplificada, tanto em termos de quantidade

de sessões como também em relação aos recursos necessários para a sua

condução em atividades reais de trabalho (ENGESTRÖM, 2011).ii

OS PRINCÍPIOS E CONCEITOS DO LABORATÓRIO DE MUDANÇA

O Laboratório de Mudança (LM) é o nome dado a um conjunto de

conceitos e princípios metodológicos, que podem ser utilizados em

colaboração entre pesquisadores e profissionais para transformações

profundas ou transformações superficiais incrementais no trabalho.

Para tanto, o método faz uso de uma série de ferramentas baseadas

em uma abordagem teórica e metodológica da Teoria da Atividade

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

616 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

(ENGESTRÖM, 1987, 1999a, 2008b), entre elas: i) a Teoria de Mediação

Cultural de ações humanas, ii) o Método de Estimulação Dupla, iii), o

Modelo do Sistema de Atividade e iv) a Teoria da Aprendizagem

Expansiva.

Mediação Cultural de ações humanas

A teoria da ação culturalmente mediada sugere que ações são mediadas

por artefatos culturais criados durante a história da humanidade (COLE,

1996). O uso desses mediadores permite novas formas de aprendizado

baseado na sua assimilação e no seu desenvolvimento (VYGOTSKY,

1978; ENGESTRÖM, 1999a). Embora não determinem as ações dos

indivíduos, os mediadores fornecem meios para a construção de novas

formas de ações que possibilitem alcançar seus objetivos em dadas

situações.

Vygotsky (1978) estudou a mediação cultural de ações

individuais. Mediação cultural significa que a relação entre o sujeito e o

objeto é mediada por meios culturais ou artefatos usados como sinais e

ferramentas. De acordo com Cole (1996, p. 117), um artefato é definido

"como um aspecto do mundo material que tenha sido modificado ao longo

da história da sua constituição em ação humana direcionada a objetivos

ou metas.” Um artefato é algo tanto material quanto ideal (conceitual).

Por exemplo, uma tabela é tanto um objeto material e uma personificação

de uma ideia humana da função de uma tabela.

Wartofsky (1979, p. 202) classifica os mediadores de ações

humanas em três tipos de artefatos culturais. O primeiro grupo de

artefatos, os artefatos primários, são aqueles diretamente utilizados na

produção de produtos e serviços, tais como, ferramentas de trabalho ou

até mesmo palavras ou conceitos utilizados na comunicação durante o

trabalho. O segundo grupo de artefatos, os artefatos secundários, são

aqueles que representam os artefatos primários. Nesse grupo incluem-se

modelos, regras, guias e teorias que explicam como certas ações ou

atividades são ou devem ser conduzidas.

Além dos artefatos primários e secundários, que estão diretamente

relacionados com as atividades produtivas, Wartofsky (1979) também

propõe a existência de artefatos terciários, não diretamente conectados às

ações, mas que possam ser usados para conceber novas ações e para

desenvolver novas formas de produção.

O Laboratório de Mudança pode ser visto como um artefato

terciário, uma meta-ferramenta, que pode ser usada para gerar modelos e

conceitos a serem usados para representar e desenvolver atividades.

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 617

O Método de Estimulação Dupla

O Método de Estimulação Dupla é um método proposto por Vygotsky

(1978, p. 74-75) para avaliar funções psicológicas como memória,

pensamento e agência. A principal ideia do método é que, ao se deparar

com situações problemáticas que não podem resolver com as ferramentas

e conhecimento que possuem, os indivíduos buscam novas ferramentas

psicológicas e práticas que os permitam resolvê-las. Quando encontrada a

ferramenta, ela é transformada em instrumento (LEKTORSKY, 2009).

O Método de Estimulação Dupla consiste na aplicação de dois

estímulos: o primeiro estímulo é uma tarefa a ser realizada ou um

problema a ser solucionado. Tal tarefa deve estar um pouco acima da

capacidade do indivíduo para resolvê-la; para tanto, o intervencionista

deve ter uma noção do nível de desenvolvimento do indivíduo e de seu

potencial. O segundo estímulo é um objeto neutro que tem o potencial de

ser usado como ferramenta para solucionar a tarefa proposta. Uma vez

que o indivíduo incorpora, ou usa o objeto na resolução da tarefa, a

estrutura da operação muda (VYGOTSKY, 1978). Por objeto neutro,

Vygotsky se refere a um artefato cultural que pode ser utilizado de forma

indeterminada, ou seja, o intervencionista não impõe, nem sugere, a

maneira como deve ser usado, deixando livre ao indivíduo recusar ou

reinventar esse artefato de acordo com as suas condições, conhecimento e

percepção. O Método de Estimulação Dupla é um exemplo de

remediação, onde o indivíduo incorpora e transforma novas ferramentas

(ENGESTRÖM, 2007). Em outras palavras, é um método para mudar a

mediação de ações e assim oferecer condições para que o sujeito consiga

conduzir novas ações, permitindo a ele superar situações problemáticas.

O Modelo de Sistema de Atividade

Apesar dos grandes avanços proporcionados pelo modelo de mediação

cultural de ações individuais, proposto por Vygotsky (1978),

principalmente no que se refere à noção de mediação no estudo da mente

humana e do comportamento, a limitação desse modelo é que a unidade

de análise é focada nos indivíduos (ENGESTRÖM, 2001, p. 134). A

“ação mediada” proposta por Vygotsky como unidade de análise de uma

atividade indica que a ação humana não é somente uma resposta (R) a um

estímulo (E), mas deve ser compreendida também por meio da mediação

da cultura (X). Essa unidade de análise é resultado da compreensão de

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

618 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

Vygotsky da tentativa de promover uma visão dialética materialista da

ação humana proposta por Marx.(SANNINO, 2011)

Essa limitação foi superada por A.N. Leontieviii

(1981), que, ao

diferenciar a ação individual da atividade coletiva (inserindo o

indivíduo dentro de uma comunidade), acaba por expadir a unidade de

análise de uma atividade. Tal diferenciação é fruto da crescente divisão

do trabalho e é regulamentada por meio de relações específicas para cada

forma histórica de produção. A distinção entre ação e atividade é de

crucial importância para compreender como uma ação emerge e em

direção a que ela é dirigida (ENGESTRÖM, 1987). O pressuposto básico

é que uma atividade é sempre dirigida a um objeto - não há atividade sem

objeto. Portanto o estudo de uma atividade pressupõe a identificação do

objeto, que direciona as ações dos sujeitos.

Na Teoria da Atividade, entende-se que os seres humanos estão

envolvidos em diversas atividades, que se distinguem uma das outras

pelos objetos aos quais elas estão orientadas (LEONTIEV, 1978). Ao

contrário do objetivo, que está ancorado a um determinado local e tempo,

o objeto de uma atividade é mais sustentado e aberto, e está relacionado a

uma necessidade humana. Por exemplo, a atividade de construção de

casas não termina quando uma casa é construída, mas continua, sendo que

as experiências adquiridas na construção de uma casa podem abrir novas

perspectivas para fazer outras casas melhores ou fazer mais casas de

forma mais econômica (LEONTIEV, 1978).

Engeström (1987) expandiu a compreensão anterior da Teoria da

Atividade de Leontiev (1978, 1981) por intermédio da criação da

representação gráfica triangular, demonstrando os relacionamentos

básicos em sistemas de mediação de uma atividade humana, propondo

assim o Sistema de Atividade como unidade básica de análise, o qual

incorpora a unidade para compreensão das ações humanas. Além da

compreensão de que o sujeito se utiliza de artefatos culturais na

transformação do objeto, incluem-se também os mediadores que não eram

previstos anteriormente, tais como elementos sociais, regras, divisão do

trabalho e comunidade (Figura 2).

Com base em Marx (SANINNO 2011), o modelo da atividade

humana desenvolvido por Engeström (1987, Figura 2) passa a contar com

os fatores Consumo, Produção, Distribuição e Troca, com vistas a

constituir a unidade de análise como um todo, ainda que seja possível

analisar relações específicas entre os componentes estruturais do modelo;

para esse autor, não existe atividade sem o componente da produção. Os

seres humanos produzem produtos para satisfazerem suas necessidades.

Esses produtos são distribuídos e/ou trocados de acordo com as normas da

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 619

comunidade. Conforme Saninno (2011), além de demonstrar as

circunstâncias na qual os sujeitos atuam, a representação triangular do

Sistema de Atividades é também uma representação explanatória da

origem sistêmica e dinâmica do trabalho humano.

Figura 2: O modelo do Sistema de Atividade

Fonte: Engeström (1987, p. 78).

O modelo proposto por Engeström pode ser usado como um

artefato terciário - conforme indicado por Wartofsky (1979), pois pode ser

utilizado na simulação de atividades, que visam à criação de novas formas

de atividade, por exemplo: a) analisar o desenvolvimento e formação dos

elementos da atividade, b) revelar as contradições dentro e entre sistemas

de atividade, e c) modelar ou desenhar um novo conceito da atividade de

forma a resolver as contradições internas, mudando os elementos do

sistema. Os elementos apresentados nesse modelo podem ser assim

definidos:

Sujeito: o sujeito pode se referir tanto a um indivíduo como a um

subgrupo de pessoas, cujas posições e pontos de vista são escolhidos

como perspectiva de análise.

Objeto: compreendido como o significado, o motivo e a finalidade de um

sistema de atividade coletiva. O objeto é considerado por Engeström e

Blacker (2005 apud ENGESTRÖM; KEROSUO, 2007) como "matéria-

prima" para os sujeitos envolvidos em uma atividade, podendo estar

aberto a inúmeras e parciais interpretações. Essa matéria-prima, que

contém um determinado conflito ou problema a ser resolvido, é visto

Divisão do trabalho

Resultado

Instrumento

Objeto

Regras

Sujeito

Comunidade

Produção

Consumo

Distribuição Troca

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

620 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

como decorrente de constantes interpretações, reconstruções e

modificações impelidas pela ação dos sujeitos, interessando revelar,

portanto, o caráter contraditório e historicamente mutável dos sistemas

envolvidos na produção da atividade.

Ferramentas: compreendem todos os instrumentos mediadores da ação

dos sujeitos de forma física ou simbólica, externas e internas tais como

objetos, mobiliário, texto e vídeo, aparelhos eletrônicos de som e vídeo,

espaço físico, modelos, planos, esquemas, layout, abstrações, imagens,

sinais e outros.

Comunidade: engloba todos os indivíduos ou subgrupos que possuem o

mesmo objeto da atividade em questão.

Divisão de Trabalho: é a divisão de tarefas entre os sujeitos, as relações

hierárquicas existentes, os arrolamentos de poder e submissão pertinentes

ao grupo, além dos conflitos, manifestações de resistência, de status e

outros.

Regras: referem-se aos regulamentos, às normas, às convenções

relacionadas ao contexto da atividade que se apresentem de forma tácita

ou explícita. Essas regras ao serem reveladas poderão informar sobre suas

vantagens, possibilidades, virtudes, etc., bem como os impedimentos,

obstáculos, empecilhos, barreiras e outros que condicionem e restrinjam

as ações e interações dos sujeitos da atividade dentro do sistema de

atividades a que estiverem submetidos.

Segundo Engeström (1987), os sistemas de atividade nunca estão

isolados, mas incorporados à rede de sistemas de atividade

interdependentes, que produzem os elementos do sistema e consomem os

seus produtos.

A Teoria da Aprendizagem Expansiva

O Laboratório de Mudança é baseado na Teoria da Atividade de

aprendizado desenvolvida por Davydov (1990). A Teoria da

Aprendizagem Expansiva é baseada no método dialético de “ascender do

abstrato para o concreto”. Esse método propõe compreender a essência de

um objeto ao localizar e reproduzir teoricamente a lógica do seu

desenvolvimento e de sua formação histórica, por meio do surgimento e

solução de contradições internas. Nesse sentido, uma nova ideia ou

conceito teórico é produzido de forma abstrata, um simples

relacionamento explanatório, uma célula germinal. Essa abstração inicial

é passo a passo enriquecida e transformada em um sistema concreto de

múltiplas e constantes manifestações de desenvolvimento. Na atividade

de aprendizado, uma idéia inicial simples é transformada em um objeto

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 621

complexo, em uma nova forma de prática ou atividade (DAVYDOV e

KILPATRICK, 1990).

A fim de se reconstruir o desenvolvimento da estrutura de uma

atividade e suas contradições internas, a Teoria do Desenvolvimento da

Atividade é necessária. Engeström (1987, para uma revisão mais recente

ver ENGESTRÖM e SANNINO, 2010) propõe a Teoria da

Aprendizagem Expansiva, na qual assume que o desenvolvimento

histórico de um Sistema de Atividade – relativamente estável para outro

Sistema de Atividade qualitativamente diferente e mais avançado – ocorre

em cinco fases qualitativamente diferentes, conforme apresentado na

Figura 3. (ENGESTRÖM, 1987). Em cada fase, um tipo diferente de

contradição interna impulsiona o desenvolvimento.

Figura 3: Ciclo de Aprendizagem Expansiva

Fonte: Engeström (1987).

Durante o Ciclo de Aprendizagem Expansiva, a criação de novos

objetos inicia-se baseada em uma atividade já consolidada, que começa a

apresentar problemas. Esta fase, chamada de “estado de necessidade” é

caracterizada por uma situação de insatisfação com a situação atual, um

estado de crise e uma necessidade urgente de mudar algo. Com base

nisso, as contradições aparecem em sua forma básica, como “contradições

primárias” entre valor de uso e valor de troca (MARX, 1976). Essa

1. Situação atual:

necessidades

2.Vínculo-duplo:

análise e procura por

uma nova solução

3.Formação de um novo

objetivo e motivo: novo

modelo de atividade e

novas ferramentas

4.Aplicação e

generalização: mudança

do sistema de atividade

CONTRADIÇÕES

PRIMÁRIAS

CONTRADIÇÕES

SECUNDÁRIAS

CONTRADIÇÕES

QUATERNÁRIAS

5.Novo sistema de atividade:

consolidação e reflexão

CONTRADIÇÕES

TERCIÁRIAS

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622 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

contradição está relacionada ao fato de que no sistema capitalista o

produto do trabalho pode ser considerado uma mercadoria, que possui um

valor intrínseco contraditório, um valor de uso e um valor de troca. O

valor de uso significa que elas são úteis para satisfazer uma necessidade.

O valor de troca refere-se ao fato que elas podem ser trocadas. Esses dois

valores são contraditórios no sentido de serem mutuamente exclusivos. O

produtor de uma mercadoria visa a maximizar o valor de troca, enquanto

o consumidor visa a maximizar o valor de uso. Essa contradição se

expressa de forma diferente em diferentes atividades. Durante esta fase,

os praticantes começam a discutir e a questionar o motivo da atividade (o

objeto) e as formas atuais de como obtê-lo, tais como os métodos e

tecnologias (ENGESTRÖM, 1987).

A segunda fase é caracterizada pelo agravamento dos problemas

que já estavam sendo vivenciados na fase prévia. Nela, novos distúrbios

que ameaçam a produção dos resultados desejados começam a aparecer.

Esta fase é chamada de “vínculo duploiv

”. Nesta fase as contradições

evoluem e se desenvolvem em tensões e desajustes entre os elementos do

Sistema de Atividade, os quais são chamados de “contradições

secundárias”.

As pessoas que participam da atividade sentem que não é possível

continuar fazendo as coisas da mesma maneira que estavam fazendo

anteriormente, porém elas ainda não sabem o que deve ser feito para

resolver os problemas (ENGESTRÖM, 1987).

O agravamento dos problemas leva os praticantes a buscarem

soluções, que podem ou não se tratar de objetos mais expansivos, pois

podem ser apenas ajustes nos elementos já existentes no Sistema de

Atividade, tais como uma nova tecnologia ou um novo método de

produção. Um objeto pode ser considerado mais expansivo quando possui

características mais amplas e desejáveis do que o objeto anterior, e que

pode resolver as contradições que afetam o Sistema de Atividade. Se a

crise for suficientemente grave, as pessoas podem questionar o Sistema de

Atividade, incluindo o motivo da atividade como um todo (o objeto).

Se os sujeitos desafiam o objeto/motivo da atividade, e o

redesenham criando um novo objeto para a sua atividade, de forma mais

expansiva, então o ciclo é chamado de ciclo expansivo. Esta fase é

chamada de construção do objeto ou motivo. Nela a mudança proposta

pelo coletivo, cujo interesse é a superação de uma contradição que está

levando a atividade a uma situação de crise, pode impulsionar os

participantes a criarem novas ferramentas e outras formas de organização

social do trabalho em torno deste novo objeto..

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 623

Uma vez que a solução é concebida, a atividade idealizada começa

a ser implantada. Esta fase é chamada de aplicação e generalização,

consistindo na inserção da mudança no Sistema de Atividade. Nela os

praticantes começam a colocar os planos em prática a fim de conduzir

ações para transformar o novo objeto e assim produzir um resultado

desejado. Desajustes entre elementos da nova atividade mais expandida e

elementos da atividade prévia começam a aparecer, os quais são

chamados de “contradições terciárias”. Estes desajustes podem ser

causados pelo desenvolvimento insuficiente dos novos elementos

(ENGESTRÖM, 1987).

Durante a implantação do novo conceito da atividade é muito

provável que a nova atividade comece a colidir com as atividades

paralelas que ainda seguem a lógica de produção antiga. Portanto, antes

de ser possível a consolidação, a nova atividade deve resolver estas

tensões com as atividades paralelas, as quais são chamadas de

“contradições quaternárias”. Caso os praticantes consigam resolvê-las, a

atividade evoluirá para a fase de “consolidação da atividade”.

PLANEJAMENTO, FERRAMENTAS E CONTEÚDO DAS SESSÕES DO

LABORATÓRIO DE MUDANÇA

A intervenção proposta no LM fundamenta-se na organização, no próprio

local de trabalho, de um espaço onde sejam disponibilizadas ferramentas

de representação para análise de processos de distúrbios e para a

construção de novos modelos de atividade (ENGESTRÖM, et al. 1996).

O LM começa com uma análise de distúrbios, identificando as

causas sistêmicas dos problemas observados que são, como dito

anteriormente, expressões de contradições inerentes ou entre sistemas de

atividade.

Durante as sessões do LM, os participantes produzem visão futura

da atividade, que não é apenas baseada em uma classificação do que se

deseja e do que não se deseja. No LM, a visão é baseada em análise da

estrutura do sistema da atividade que poderia ajudar a resolver

contradições internas ao sistema em questão.

Planejamento e negociação da intervenção

Independentemente de como tenha sido originada, a intervenção deve ser

formalizada e detalhada em um plano de ação. Além de introduzir o

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

624 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

objetivo e a estratégia da intervenção, o plano também tem a função de

situar à intervenção na política geral da organização (mudanças e

objetivos políticos), assim como inseri-la na estratégia sobre a atividade

em questão.

O plano resulta de negociação entre o intervencionista e os

representantes das organizações envolvidos na intervenção. Um dos

primeiros passos durante o planejamento do LM é definir a atividade a ser

desenvolvida durante a intervenção e delinear de forma preliminar o seu

Sistema de Atividade. O segundo passo é entender a problemática que

levou à necessidade da intervenção.

O novo conceito a ser produzido no LM não deve ser visto como

uma solução padrão, mas sim como um novo conceito a ser materializado

em um protótipo a ser testado e desenvolvido.

A tarefa de modelagem e implantação de um novo conceito é mais

bem realizada nas unidades produtivas que primeiro experimentam as

mudanças e/ou vivenciem mais fortemente as contradições. O protótipo

deve ser desenhado e inserido preferencialmente em uma unidade que

tenha a capacidade e o interesse em desenvolver um novo modelo para

sua atividade. Geralmente, a existência e a gravidade do problema a ser

resolvido pela intervenção afetam o interesse dos participantes em

desenvolverem soluções.

Como usualmente há pressão por parte da gerência das

organizações em reduzir ao máximo o número e a duração das

intervenções, é importante discutir e negociar, durante a fase de

planejamento, a duração e o ritmo da intervenção. Sabendo que o

processo de aprendizado expansivo consome tempo, deve-se negociar

desde o início da intervenção o número, a duração e a sequência das

intervenções. Essa seleção é feita pelo pesquisador intervencionista junto

com um representante local da atividade a ser desenvolvida (gerente e/ou

trabalhador). A ideia é encontrar pessoas cujo conhecimento e recursos

sejam necessários para a análise dos problemas e design da solução. Essas

pessoas devem representar diferentes perspectivas e contribuir com

recursos e conhecimento complementares. Se possível deve-se escolher

pessoas que estejam altamente motivadas em participar e contribuir no

processo. Geralmente, o processo consome de 10 a 12 sessões de 2 a 3

horas cada. Além disso, é importante que as sessões sejam sequenciais, ou

seja, sem intervalos longos entre elas (máximo de uma semana).

Para que uma intervenção seja bem sucedida é crucial o apoio da

gerência da organização. O processo de aprendizado deve estar conectado

com a gerência da atividade a ser desenvolvida. Os participantes da

intervenção devem poder atuar durante o LM sem interferência da

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 625

gerência, porém, por outro lado, a gerência e outras partes interessadas

devem ser informadas sobre os seus progressos e resultados

intermediários.

Modelo metodológico do Laboratório de Mudança

No Laboratório de Mudança, os modelos gerais de um Sistema de

Atividade e o Ciclo de Aprendizagem Expansiva são utilizados como

ferramentas de nível psicológico terciário (WARTOFSKY, 1979), ou

seja, meta-ferramentas que possibilitem aos profissionais refletir de forma

colaborativa sobre o sistema da sua atividade. O LM pode ser entendido

como uma atividade de aprendizado, ou seja, uma atividade cujo objeto é

ao mesmo tempo a análise e o desenvolvimento de uma atividade

produtiva.

O método é composto por seis fases, as quais são baseadas no

Ciclo de Aprendizado Expansivo e consiste em seis ações de aprendizado

expansivo: questionamento, análise, desenho, teste do novo modelo,

implantação do novo modelo, reflexão sob o processo e consolidação das

novas ações (Figura 4).

As intervenções são compostas por um número limitado de

participantes, entre 12 a 15 representantes das atividades além do

intervencionista e de um assistente. O papel do intervencionista é

apresentar o material a ser discutido e facilitar as discussões. O assistente

ajuda durante a intervenção, por exemplo, na coleta de dados e na

utilização de equipamento de vídeo e projeção. Entre os participantes

escolhe-se um relator responsável por tomar notas durante as seções do

conteúdo das discussões e possíveis conclusões. O objetivo dessas

anotações é servir como um segundo estímulo para as sessões posteriores.

O processo começa com a coleta de dados sobre 1) a situação da

atividade, tais como, dados históricos sobre eventos importantes, 2) as

práticas atuais (a forma como a atividade é conduzida), 3) os principais

problemas enfrentados e 4) os principais conceitos e ferramentas

utilizados na atividade.

A função destes dados é dupla: servir de dados a serem usados

durante as sessões como espelho (mirror no original em inglês) da

atividade, e ajudar o intervencionista e os participantes a modelarem e

analisarem a atividade passada, atual e futura. As sessões começam com

uma análise de dados sobre os problemas enfrentados no dia a dia.

Uma vez que os participantes analisaram o problema, o

intervencionista os ajuda a modelar novas soluções. Novamente o

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

626 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

intervencionista oferece ferramentas para ajudar nesse processo. Logo que

os novos modelos são implantados e testados, as sessões são organizadas

para avaliar e refletir sobre as novas soluções e potenciais problemas que

venham a surgir durante a implantação das soluções. Ajustes e mudanças

no modelo são comuns para adaptá-lo às condições locais.

Figura 4: Fases do processo de desenvolvimento expansivo durante o

Laboratório de Mudança

O LM é um espaço rico em instrumentos para que os participantes

analisem e desenvolvam suas atividades. Um instrumento fundamental é

o Painel de Múltiplas Camadas (Figura 5), que se divide horizontalmente

em três colunas a fim de representar os diferentes níveis de abstração e

generalização. Na posição horizontal, o painel é dividido em três camadas

representando o passado, o presente e o futuro da atividade que está sendo

desenvolvida (ENGESTRÖM et al., 1996; VIRKKUNEN et al., 1997;

ENGESTRÖM, 2007).

ANÁLISE DA SITUAÇÃO - Como é que nós trabalhávamos no

passado?

- Quais são os nossos atuais

problemas e contradições?

CRIAÇÃO DE UM NOVO

MODELO - Como nós queremos

trabalhar no futuro?

APLICAÇÃO DO NOVO MODELO

DE ATIVIDADE - Colocar em prática os primeiros passos

- Implantar as próximas etapas

DIFUNDIR E CONSOLIDAR - Ensinar aos outros o que aprendemos

- Codificação das novas regras, etc.

CONCRETIZAÇÃO E TESTE

DO NOVO MODELO - Quais são as mudanças que

queremos tentar no próximo mês / ano?

MAPEAMENTO DA

SITUAÇÃO

- Reconhecer que algo deve ser

feito para a situação

problemática - Estabelecer compromisso com

o desenvolvimento

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 627

Figura 5: Configuração ideal do espaço em um Laboratório de Mudança

Os painéis do espaço “Imagem da Atividade” são usados para

representar e examinar casos concretos da atividade. A “imagem do

presente” pode incluir casos que mostram problemas que permitam a

colaboração entre os praticantes, assim como desafios e soluções

inovadoras. A “imagem do passado” pode ser usada para relacionar os

problemas atuais com mudanças históricas na atividade. A “imagem do

futuro” é usada para representar dados sobre o experimento que será

empregado no desenho da nova atividade (ENGESTRÖM et al, 1996).

Os painéis intitulados Modelos e Visões são utilizados como uma

representação gráfica que retrata o passado, o presente e o futuro da

atividade que se pretende desenvolver. Geralmente utilizam-se modelos

de Sistema de Atividade e o Ciclo de Aprendizado Expansivo como

ferramentas de análise dessa etapa. O painel “Ideias e Ferramentas” é

empregado para representar ferramentas a serem testadas e usadas como

componentes na construção do novo modelo da atividade. Aqui também

podem ser usadas ferramentas analíticas para compreender elementos

específicos, tais como o objeto da atividade, as ferramentas que os

próprios praticantes utilizam no seu dia a dia, divisão do trabalho e as

formas de colaboração (ENGESTRÖM et al., 1996). O LM oferece

alguns exemplos de ferramentas analíticas, que podem vir a ser utilizadas

PASSADO

PRESENTE

IDEIAS E

FERRAMENTAS

FUTURO

PASSADO

PRESENTE

IMAGEM DA

ATIVIDADE Problemas do dia a dia,

Casos problemáticos,

Estatísticas, relatórios, etc.

FUTURO

PASSADO

PASSADO

PRESENTE

Intervencionista

Relator

Assistente Vídeo projetor

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

628 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

para conduzir as análises necessárias, por exemplo, método de análise

histórica (PEREIRA-QUEROL; SEPPÄNEN, 2009; PEREIRA-QUEROL

et al., 2010) e análise de distúrbios (PEREIRA-QUEROL, 2011). Porém,

tais ferramentas não impedem que os praticantes usem suas ferramentas,

ou outras mais adaptadas à realidade da atividade e dos praticantes.

APLICAÇÕES E VARIAÇÕES DO LABORATÓRIO DE MUDANÇA

Para melhor ilustração das aplicações dessa metodologia de pesquisa e de

intervenção, procedeu-se à revisão bibliográfica baseada em artigos

oferecidos na internet pelo “Google Scholar” no mês de março de 2011.

As palavras-chave eleitas para essa pesquisa foram: “Change Laboratory”

e “Engeström”. Como resultados foram encontrados 209 artigos, dos

quais foram selecionados somente aqueles publicados em inglês e que

indicassem em sua metodologia ou em seus resultados a aplicação do LM.

Incluíram-se nessa análise artigos publicados em congressos e

publicados em periódicos. As categorias que balizaram a análise da

pesquisa foram: ramo de atividade, país de aplicação, contexto de

aplicação, setor (público ou privado) e objetivo da intervenção.

Apesar de a maioria das intervenções concentrarem-se no setor

educacional, foram encontradas aplicações em mais de 13 atividades

produtivas (Quadro 2), tais como: agricultura, telecomunicações, serviços

bancários e serviços postais. A maioria das intervenções usando o LM

ocorreu na Finlândia, no entanto, há casos em outros países como, por

exemplo, Nova Zelandia (HILL et al. 2007), Reino Unido (DANIELS et

al., 2007), Estados Unidos (GUTIÉRREZ; VOSSOUGHI, 2010), Japão

(YAMAZUMI et al., 2006), Espanha (GUILE, 2003), Itália (SANNINO,

2010), África do Sul (MUKUTE, 2010), Zimbawe (MUKUTE, 2009) e

Lesoto (MUKUTE, 2010). Alguns casos serão analisados mais adiante, a

fim de exemplificar que tipos de resultados podem ser obtidos.

Com base na leitura dos artigos analisados (Quadro 2), foi

possível perceber que as intervenções ocorreram em contextosv

caracterizados por mudanças no mercado, na legislação ou mudanças

qualitativas no objeto da atividade (por ex.: gravidade das doenças,

aumento número de imigrantes), que provocaram o surgimento de

contradições no Sistema de Atividade.

O LM pode ser ou não antecipado pela presença de distúrbios em

uma atividade. Na maioria dos casos, a solução para os distúrbios ou

problemas não é conhecida de antemão, embora, em alguns casos

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 629

(HELLE et al. 2010), o LM tenha sido utilizado para facilitar a

implantação de novo conceito de produção.

Quadro 2: Aplicações do Laboratório de Mudança por ramo de atividade Ramo de atividade produtiva Referências

Agricultura Mukute (2009, 2010)

Construção de estradas Shaupp (2011)

Educação (escolas de ensino médio e

escolas técnicas)

Engeström et al. (2002a, 2002b); Daniels

(2007); Ellis (2010); Gutiérrez e Vossoughi

(2009); Mäkinen (2010); Sannino (2008,

2010); Teräs (2007); Virkkunen e Tenhunen

(2010); Yamazumi et al. (2006)

Horticultura Hill et al. (2007)

Mídia (Jornal e revistas) Virkkunen et al. (1997); Helle (2000); Helle

et al. (2010)

Produção de Madeira Kariniemi et al. (2010)

Regulamentação governamental Hill et al. (2007)

Serviços de alimentação Kronqvist e Korhonen (2009)

Serviços bancários Engeström et al. (2005b)

Serviço Postal Engeström et al. (1996); Virkkunen et al.

(1997); Pihlaja (2005); Engeström (2007)

Serviços hospitalares

Engeström (1999b, 2001); Engeström

(2010); Engeström et al. (1999); Engeström

et al. (2003); Engeström et al. (2010);

Kerosuo (2001, 2004); Kerosuo e Engeström

(2003); Kerosuo (2007); Kerosuo et al.

(2010)

Treinamento de mão de obra e

creches Pirkkalainen e Kaatrakoski (2007)

Telecomunicações

Ahonen et al. (2000); Ahonen and

Virkkunen (2003); Virkkunen e Ahonen

(2004); Virkkunen e Ahonen (2011)

Foi também possível notar, com base na análise, que as

intervenções foram realizadas tanto em empresas privadas (ex:

telecomunicações e bancos), quanto nos serviços públicos (ex: hospitais,

escolas e serviço sociais). Os objetivos explicitados visaram a atender

desde exigências econômicas – redução de custos e competitividade – ao

desenvolvimento de aspectos qualitativos como, por exemplo, a

capacidade de inovação ou as condições de trabalho e de saúde dos

trabalhadores.

As intervenções no âmbito privado são condicionadas pelo

aumento de competição, o que aumenta a pressão para reduzir custos de

produção e aumentar a produtividade, inovar, ou seja, aumentar a

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

630 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

competitividade da empresa. No setor público, mudanças governamentais

e a implantação de políticas estão na base das intervenções.

EXEMPLOS DE RESULTADOS POSSÍVEIS COM A UTILIZAÇÃO DO LM

As soluções criadas durante o LM variam de acordo com a natureza da

contradição e podem consistir em mudanças nos elementos de um ou

vários Sistema de Atividade (por exemplo, o desenvolvimento de uma

nova ferramenta e/ou então uma nova divisão do trabalho) assim como a

expansão do objeto de uma atividade (por exemplo, a criação de um novo

modelo de negócio com maior valor aos clientes).

Um exemplo de mudança dos elementos do Sistema de Atividade

é a reorganização da divisão do trabalho no caso da intervenção no

serviço postal da Finlândia (ENGESTRÖM et al., 1996). Com base na

aplicação do LM nessa organização, o trabalho de distribuição de cartas

passou de individual a um trabalho em equipe.

Outro exemplo é o caso da intervenção nos serviços de

telecomunicações (AHONEN et al. 2000) onde houve uma reorganização

do trabalho em direção a uma especialização em áreas de acordo com

tecnologias, a criação de novos métodos de desenvolvimento da qualidade

e instalação dos serviços, a criação de uma nova forma de documentar e

desenvolver soluções aos problemas de campo, e a estandardização de

ferramentas e serviços.

Outra intervenção interessante ocorreu na Nova Zelândia, com o

objetivo de facilitar a colaboração entre o governo e a indústria macieira,

na região (HILL et al., 2007). O contexto dessa intervenção foi o aumento

significativo dos custos relacionados à regulamentação, o que aumentou

os encargos para as pequenas e médias empresas do país, levando ao

descumprimento da legislação, especialmente em relação a impostos,

imigração e leis trabalhistas. O resultado da intervenção foi a criação de

grupos comprometidos a testar novas formas de trabalho nas próximas

colheitas, com amplo suporte do governo. O foco principal da solução

desenvolvida foi melhorar a qualidade tanto do serviço prestado como do

produto acabado. Foi desenvolvido também um novo contrato e uma nova

estrutura de pagamento que visava a estimular a qualidade durante a

colheita. Em relação às políticas trabalhistas, o governo e líderes da

indústria estabeleceram um grupo de trabalho para desenvolverem uma

estratégia nacional para trabalho sazonal voltado à horticultura e

viticultura.

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 631

Outra ilustração dos possíveis resultados de intervenções

utilizando o LM é a criação dos chamados objetos-fronteira, (boundary-

objects), que permitem uma melhor visualização da interdependência

existente entre as atividades que compartilham o mesmo objeto, com o

objetivo de facilitar a colaboração entre elas. Por exemplo, em uma

intervenção feita no hospital da criança, em Helsinki, Finlândia foi criado

um documento escrito chamado “care agremment” o qual consistia em

um plano de cuidados de um paciente e a divisão de trabalho entre os

diferentes prestadores de serviços médicos hospitalares. Esse artefato

tinha como objetivo ajudar os médicos e enfermeiras a visualizarem a

trajetória dos pacientes em diferentes unidades do hospital e, dessa forma,

melhorarem a colaboração e os serviços hospitalares (ENGESTRÖM,

1999b, 2001).

Aplicações do LM voltadas a aspectos específicos da atividade,

como a necessidade de aprendizagem, (HELLE et al., 2010), levaram a

desenvolvimentos específicos da metodologia (chamadas variações do

Laboratório de Mudanças), entre elas o Laboratório de Competência e o

Laboratório Conceito-mídia.

Os exemplos também mostram que o LM pode ser usado para

implantar ideias desenvolvidas pelos próprios praticantes. Com a ajuda do

pesquisador os praticantes aprendem a usar meta-ferramentas que os

permitem redesenhar e inserir novas práticas, tanto por meio de melhorias

incrementais como de transformações mais profundas no objeto da

atividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme já salientado, existe espaço no campo da pesquisa científica

para a inserção de novas metodologias, que propiciem o desenvolvimento

dos sujeitos e de suas atividades, como no caso das potencialidades das

metodologias intervencionistas.

Esse artigo apresentou o Laboratório de Mudança como uma

metodologia para pesquisa e desenvolvimento de atividades, que reúne,

num mesmo esforço, pesquisa e intervenção em atividades.

Foram apresentados também exemplos de resultados, que podem

ser obtidos com o uso do LM e, dessa maneira, sugerir a ampliação das

metodologias e métodos de pesquisa dentro das demandas da

Aprendizagem Organizacional, abordadas pelos estudiosos da área

Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

632 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

Conforme demonstrado, o LM pode ser utilizado como uma meta-

ferramenta para analisar problemas a nível sistêmico baseado em uma

perspectiva histórica e cultural. Dentro desse escopo, problemas não são

entendidos apenas em relação ao comportamento dos indivíduos e

recursos disponíveis, mas em relação a todo um sistema de elementos da

atividade analisada.

Do ponto de vista da pesquisa, o LM pode ser utilizado tanto para

elaborar e desenvolver, teorias, modelos e conceitos em diversas áreas de

conhecimento, como para a coleta de dados sobre processos de

aprendizagem e desenvolvimento na gestão organizacional.

Do ponto de vista da Aprendizagem Organizacional, o LM pode

ser utilizado para ajudar não só os gestores a favorecer a aprendizagem e

a mudança nas atividades – conforme sugerido por Bitencourt e Azevedo

(2006) - mas também os próprios praticantes a avaliarem o conteúdo do

seu trabalho e a expandirem o objeto de sua atividade (aquilo que está

sendo produzido), podendo compreender os problemas enfrentados em

relação às mudanças históricas na atividade e/ou o conceito do negócio no

qual a atividade é baseada. Por meio dos exemplos trazidos aqui foi

possível conhecer como os praticantes têm desenvolvido novas formas de

organização da produção, novas ferramentas de trabalho, nova

distribuição de tarefas e também novos serviços e produtos baseados

nessa proposta metodológica já aplicada em outros países.

O LM não visa a impor soluções prontas para os problemas

enfrentados pelas organizações, mas sim oferecer meta-ferramentas (tais

como, o modelo Sistema de Atividade, Ciclo de Aprendizagem Expansiva

e métodos de análise histórica e de distúrbio), na qual os praticantes junto

com os pesquisadores são capazes de analisar os problemas enfrentados

no desenvolvimento das atividades e buscar os seus próprios caminhos e

soluções mais adequados.

A maior contribuição do Laboratório de Mudança não se resume

somente à produção de conhecimentos sobre as atividades realizadas,

mas, sobretudo ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento dos

sujeitos envolvidos. Dessa forma, considera-se fundamental introduzir o

debate sobre o LM e sua contribuição no campo da Administração,

principalmente com base em aplicações no próprio contexto brasileiro,

não apenas permitindo aprimorá-lo, mas também consolidar suas

possibilidades, alcances e potencialidades como modo de pesquisa

intervencionista em nosso país.

Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 633

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Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre

640 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011

i O nome em inglês “Change Laboratory” tem sido conhecido em vários países graças à grande

quantidade de publicações decorrentes de sua utilização e de discussões teóricas a seu respeito,

porém aqui será chamado de Laboratório da Mudança para melhor familiarização do termo para os

falantes da língua portuguesa. ii Visando suprir essa necessidade, no livro chamado “Kehittävä työntutkimus: perusteita, tuloksia

ja haasteita”, Engeström (1995) explica a metodologia PDT e os avanços metodológicos obtidos a

partir dos estudos feitos até então. Neste mesmo livro, ele apresenta os conceitos produzidos

nesses estudos, que mais tarde foram utilizados no Change Laboratory, apresentado pela primeira

vez por Engeström et al. (1996) no artigo “The Change Laboratory as a Tool for Transforming

Work”. iii A grafia do sobrenome de Alexei Nikolaevich tem sido apresentada de diferentes maneiras a

partir do russo “Леонтьев”: Leont'ev, Leontyev e Leontiev. Para os fins propostos nesse artigo

considera-se a palavra “Leontiev” contendo o mesmo significado das demais variações. iv A expressão popular “estar de mãos e pés atados” pode auxiliar no entendimento do termo em

inglês “double-blind”. v O termo contexto é entendido aqui como as mudanças ocorridas, nas organizações e seu

ambiente, que justificaram a necessidade de uma intervenção.

* O presente trabalho foi realizado com o apoio da Acadêmia da Finlândia (Academy of

Finland) e da CAPES.

DADOS DOS AUTORES

MARCO ANTONIO PEREIRA QUEROL ([email protected])

Doutor em Educação de Adultos pela Universidade de Helsinki

Instituição de vinculação: Universidade de Helsinki

Helsinki – Finlândia

Áreas de interesse em pesquisa: Inovações, sustentabilidade e

aprendizagem organizacional.

JOSÉ MARÇAL JACKSON FILHO ([email protected])

Doutor em Ergonomia pela CNAM/Paris

Instituição de vinculação: Fundação Jorge Duprat Figueiredo de

Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Saúde e segurança do trabalhador,

Análise Ergonômica do Trabalho, políticas públicas e Ação pública.

MARCIO PASCOAL CASSANDRE ([email protected])

Doutorando em Administração pela Universidade Positivo

Instituição de vinculação: Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de

Apucarana

Apucarana/PR – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Pesquisa em Administração e

Administração de Recursos Humanos.

Recebido em: 20/10/2010 • Aprovado em: 30/12/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 641

O USO DA INTERNET EM SURVEYS: OPORTUNIDADES E DESAFIOS

INTERNET-BASED SURVEYS: OPPORTUNITIES AND CHALLENGES

JORGE MANOEL TEIXEIRA CARNEIRO ([email protected])

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO/IAG

LUÍS ANTÔNIO DA ROCHA DIB COPPEAD/UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

RESUMO

Este artigo discute o uso da Internet nas pesquisas de levantamento de

dados (surveys), tratando das questões que são exclusivas deste meio e

daquelas comuns a outros ambientes de pesquisa, mas que apresentam

particularidades quando no ambiente online. Inicialmente discutem-se

quatro tipos de erros, que costumam estar presentes em surveys – erros de

cobertura, amostragem, não resposta e mensuração – e quais as causas e

manifestações específicas destes no ambiente online, bem como as formas

de se lidar com eles. Em seguida, discute-se o impacto do formato do

questionário sobre a qualidade das respostas. Questões éticas como a

garantia de confidencialidade e de anonimato são abordadas. Este

material poderá ser útil a pesquisadores brasileiros – que poderão tirar

proveito das potencialidades do novo meio ao mesmo tempo em que

evitam suas “armadilhas” – uma vez que reúne um conjunto de

orientações conceituais e práticas para o uso de web surveys que, de outra

forma, somente se encontram disponíveis em diversos trabalhos isolados

ou em extensos textos.

Palavras chave: pesquisas online; web surveys; coleta de dados.

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

642 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

This paper addresses the use of the Internet in surveys, including issues

specific to the medium, as well as those common to other research

mediums that feature specific characteristics when online. The paper

begins with the presentation of four types of errors that are frequently

found in surveys: coverage, sampling, non-response, and measurement

errors. The specificities of the Internet – in terms of the causes and

manifestations of these errors and ways of dealing with them – are

discussed. The impact of the online questionnaire’s format on the quality

of the answers is also addressed and ethical concerns, such as

confidentiality and anonymity, are looked at. This paper can help

Brazilian researchers to make the most of this new medium while

avoiding its methodological pitfalls. Its main contribution lies in the fact

that it consolidates several conceptual and practical recommendations

that are otherwise only found scattered across multiple works or long

texts.

Keywords: online research; web surveys; data collection.

INTRODUÇÃO

A metodologia de coleta de dados em levantamentos (surveys) tem se

modificado nos últimos tempos. O ritmo da vida moderna e o rápido

desenvolvimento de novas tecnologias tiveram grande impacto sobre as

maneiras de conduzir pesquisas. As pesquisas por telefone se tornaram

mais difíceis de administrar, devido ao uso crescente de aparelhos

celulares e ao menor uso de telefones fixos. Em muitos países, já está se

consolidando uma cultura de inclusão de números residenciais ou

comerciais em listas do tipo “do-not-call”, que vedam seu uso por

empresas de pesquisa ou para a venda de produtos ou serviços. A

alternativa das pesquisas por e-mail também pode ser pouco efetiva,

devido ao excesso de apelos de vendas feitos por este meio. Já o alcance

da World Wide Web e o crescimento na disponibilidade de softwares

específicos e de web hosts para questionários e bases de dados fazem do

ambiente online um meio promissor para pesquisas.

Diversos cuidados são relevantes a todos ambientes de pesquisa e

também são aplicáveis ao ambiente online, tais como motivação aos

respondentes, criação de questões válidas e a definição de procedimentos

apropriados de análise dos dados. Mas o ambiente online e suas

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 643

ferramentas permitem facilidades não disponíveis em outros métodos de

coleta de dados, tais como interatividade e fluxo dinâmico das questões

baseadas em respostas providas pelo usuário. Contudo, o uso da Internet

como meio para coleta de dados apresenta também diversos desafios.

Albaum, Roster, Wiley, Rossiter e Smith, (2010) argumentam que,

embora muito já tenha sido debatido sobre as vantagens e desvantagens

do uso de web surveys em comparação com outros formatos tradicionais

de condução de surveys, ainda há muito a se investigar sobre a

multiplicidade de opções para a preparação e aplicação de questionários

online. São as vantagens e os desafios de coleta de dados que sejam

específicos da Internet, bem como as formas de se lidar com eles, que

serão aqui abordados.

O presente estudo se constitui em uma revisão organizada da

literatura sobre web surveys (também designadas por online surveys). A

contribuição principal deste artigo é a consolidação da discussão sobre o

uso da Internet na coleta de dados para estudos científicos, uma vez que

tal literatura se encontra espalhada por múltiplos trabalhos ou exposta em

extensos textos. Acredita-se, assim, que esteja sendo oferecido material

útil a pesquisadores brasileiros interessados em se valer deste

relativamente novo e promissor meio de pesquisa.

Os tópicos aqui abordados estão circunscritos ao ambiente de

pesquisas científicas e não a outros tipos de pesquisa (por ex. para fins de

entretenimento ou pesquisas abertas à participação livre e voluntária,

COUPER, 2000), que também são frequentemente realizadas na Internet.

Além disso, somente são tratadas pesquisas de cunho quantitativo

(especificamente, surveys; vide BEST; KRUEGER, 2004.), não se tendo

abordado as diversas formas de pesquisa qualitativa (por ex. fóruns,

grupos de discussão etc.), que também podem ser conduzidas via Internet.

Este artigo está organizado em seis partes. Após a introdução, são

apresentados os principais tipos de erros usualmente presentes em

surveys, inclusive com o uso de meios tradicionais – erros de cobertura,

de amostragem, de não resposta e de mensuração – com destaque para

suas causas e as formas como tais erros se manifestam na Internet, bem

como as estratégias para se lidar com eles nesse novo meio. Na terceira

parte, são discutidas opções de formato do questionário online e seus

efeitos sobre a qualidade dos dados obtidos. Em seguida, é apresentada

uma discussão sobre ética em pesquisas online. Uma seção de

considerações finais e o apêndice A com informações sobre ferramentas

de pesquisa online fecham o artigo.

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

644 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

PRINCIPAIS TIPOS DE ERROS EM SURVEYS E SUAS PARTICULARIDADES NO

AMBIENTE ONLINE

Pesquisas quantitativas estão sujeitas, de forma geral, a diversos tipos de

erro, entre os quais os seguintes quatro: erro de cobertura, erro de

amostragem, erro de não resposta e erro de mensuração. De forma a ser

possível fazer-se uma generalização dos resultados de uma pesquisa para

a população-alvo, é necessário que cada um dos erros a seguir detalhados

seja mantido em nível razoavelmente baixo (DILLMAN; BOWKER,

2001). Nesta seção são discutidas as manifestações desses erros e o

respectivo tratamento recomendado no caso particular de pesquisas

online.

Antes da discussão sobre os quatro tipos de erro, é conveniente

recordar-se as distinções entre população, quadro amostral e amostra. A

população de interesse (população-alvo) de um estudo envolve todos

aqueles elementos sobre os quais se deseja obter informações e para os

quais seria desejável traçar inferências baseadas nos resultados da

pesquisa, ou seja, é a coleção completa de todas as unidades de análise

relevantes para a pesquisa em pauta (MALHOTRA, 2006).

Figura 1: Relação entre população de interesse e quadro amostral

população

coberta

população

não-coberta

popula

ção

não

-cobert

a

unid

ades

não

-ele

gív

eis

unidades

não-elegíveis

População-alvo

Quadro

am

ost

ral O quadro amostral representa o

conjunto efetivo de unidades a

partir do qual será selecionada a

amostra para a pesquisa, o qual

pode ser diferente (embora tal não

seja desejável) da lista de todos os

elementos da população-alvo

A população de interesse (população-avo) representa os elementos

que o pesquisador deseja estudar e para os quais ele desejaria poder

generalizar os resultados da pesquisa. Fonte: Enanoria (s/d).

Quadro amostral (sampling frame ou frame population) é a lista de

potenciais participantes, que pode ou não coincidir com a população-alvo,

de onde serão efetivamente selecionados elementos para compor a

amostra do estudo; nas palavras de Enanoria (s/d), trata-se da definição

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 645

operacional da população-alvo. Amostra é o efetivo conjunto de

elementos selecionados (com base no quadro amostral e não

necessariamente na população, como seria desejado), sobre os quais se

obtiveram os dados para um determinado estudo (MALHOTRA, 2006). A

Figura 1 ilustra a relação entre população e quadro amostral.

Erro de cobertura (coverage error). Ocorre quando os membros da

população não têm uma probabilidade conhecida e maior do que zero de

serem selecionados para participação na pesquisa, o que significa que

alguns membros da população não têm chance de ser selecionados,

enquanto outros podem ter múltiplas chances (por ex. por aparecem

múltiplas vezes na lista) e alguns membros do quadro amostral podem a

rigor não atender aos requisitos da população-alvo, devendo, portanto, ser

considerados inelegíveis para a pesquisa. Ou seja, erro de cobertura é o

resultado de desajuste entre a população-alvo da pesquisa e o quadro

amostral (Figura 1). O erro de cobertura resulta de uma combinação da

proporção da população não coberta (e também aquela indevidamente

coberta) pelo quadro amostral e da diferença entre membros cobertos e

aqueles não cobertos (e também os inelegíveis), no que tange aos valores

das variáveis relevantes para o estudo e sua distribuição estatística.

Erro de amostragem (sampling error). Resulta de se colherem dados

somente junto a um subgrupo da população de interesse (na prática, do

quadro amostral), ao invés de junto a todos os membros desta população.

A questão então passa a ser o grau em que a amostra poderia ser

considerada ou não representativa da população.

Erro de não resposta (nonresponse error). Ocorre devido ao fato de

alguns membros selecionados para comporem a amostra não terem

respondido à pesquisa (ou ao menos não terem respondido a todas as

questões). O erro de não resposta é função da taxa de não resposta bem

como da diferença entre respondentes vs. não respondentes em relação às

suas respostas a variáveis focais da pesquisa. Neste caso é importante

verificar se poderia ser esperado que os não respondentes teriam exibido

um padrão de respostas que seria distinto do daqueles que efetivamente

participaram da pesquisa. Se for julgado que o perfil dos não

respondentes é diferente do dos respondentes em variáveis que poderiam

ter relação com as variáveis de interesse da pesquisa, então o conjunto de

respondentes não poderia ser considerado representativo da população-

alvo.

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

646 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

Erro de mensuração (measurement error). É o resultado de respostas

“incorretas” ou “imprecisas”, ou seja, desvios entre a resposta dada e o

valor “verdadeiro” (HAIR; BLACK; BABIN; ANDERSON; TATHAM,

2006) e pode ser randômico ou sistemático. Usualmente, tal tipo de erro é

decorrente de diferenças (entre pesquisador e respondente) de

interpretação das perguntas ou do significado das opções de resposta,

intervenção indevida do pesquisador ou do instrumento de pesquisa, viés

de método (ou seja, o próprio instrumento de pesquisa induz ou influencia

o tipo de resposta) ou deturpação intencional da resposta por parte do

respondente.

A seguir, mostram-se como estes quatro tipos principais de erros

se manifestam mais frequentemente em pesquisas online.

Erros de cobertura em pesquisas online

Erros de cobertura podem ocorrer porque alguns membros da população

de interesse podem não ter acesso à Internet (resultando em um conjunto

de unidades não coberto pela pesquisa, SUE; RITTER, 2007), enquanto

outras pessoas que não seriam alvo da pesquisa podem acabar

respondendo à mesma. Mesmo que todos os membros da população-alvo

tenham acesso à Internet, ainda assim, erros de cobertura na Internet

podem ocorrer em função de nem sempre ser possível obter uma lista de

endereços (eletrônicos) de toda a população de interesse (COUPER,

2000), o que obriga o pesquisador a trabalhar com um quadro amostral

(de onde serão, posteriormente, selecionados os elementos para compor a

amostra), que incluiria apenas uma parte da população-alvo.

Ademais, haveria um erro de cobertura se fosse permitido a um

dado respondente participar da pesquisa mais de uma vez. O envio de

múltiplos questionários respondidos pelo mesmo respondente pode

ocorrer de maneira acidental (por ex. quando o usuário aciona não

intencionalmente o botão de <enviar> ou o programa não tem controle

sobre o envio de questionários incompletos e o usuário resolve continuar

respondendo e enviar novamente), inadvertida (quando o usuário, por

demora do programa em enviar confirmação do envio ou por ausência

desta, clica mais de uma vez na opção de <enviar>) ou maliciosa (quando

o usuário tentar burlar o sistema) (STANTON; ROGELBERG, 2001).

Tais ocorrências de múltiplos questionários respondidos podem

ser minimizadas por meio de orientação aos respondentes de que a

pesquisa somente deve ser respondida uma única vez e o questionário

enviado somente quando estiver completo, sendo permitido ao usuário

salvar suas respostas parciais a qualquer momento para continuar depois.

Além disso, se o usuário tentar enviar um questionário incompleto, ele

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 647

deve ser informado sobre as perguntas que ainda não foram respondidas,

mas deve-lhe ser dada a possibilidade de confirmar a submissão do

questionário ainda assim. Já para evitar tentativas maliciosas de múltiplas

respostas, podem ser utilizados cookies (pequenos arquivos que são

gravados no computador do usuário), de forma que um computador com o

respectivo cookie da pesquisa já gravada não poderia ser utilizado para

responder novamente à pesquisa (COUPER, 2000). No entanto, o mesmo

usuário poderia se utilizar de outro computador ou poderia, se for

razoavelmente proficiente na Internet, simplesmente apagar o arquivo do

cookie. Nestes casos, o uso de senhas ou de identificações pessoais

embutidas no endereço (link) da pesquisa (distribuídas previamente por e-

mail, por ex.) pode ser a solução (COUPER, 2000). Vale ressaltar, ainda,

que o uso de cookies, como forma de coibir múltiplas respostas, torna-se

inadequado nos casos em que dois ou mais diferentes integrantes do

quadro amostral poderiam compartilhar o mesmo computador (por ex. em

escolas ou em algumas organizações).

Uma forma de evitar acessos múltiplos ou por elementos não

autorizados a participar da pesquisa, diminuindo assim erros de cobertura,

é enviar-se uma carta-convite via e-mail com o link para a página da

pesquisa e informações de login e senha – uma tendência de pesquisas

online mais recentes (por ex. DIB; ROCHA; SILVA, 2010).

Em pesquisas que empregam amostragem sistemática, onde um

em cada n elementos da população (a rigor, do quadro amostral) é

“convidado” a participar, uma técnica usualmente empregada é de

interrupção/interceptação, onde o n-ésimo visitante a um dado site é

apresentado à pesquisa (por meio de uma janela pop-up, por ex.,) e assim

por diante, de n em n visitantes ao site (BRADLEY, 1999). Há aqui um

problema de definição do quadro amostral e, portanto, um possível erro

de cobertura, pois somente estariam nele incluídos visitantes ao referido

site, mas não necessariamente todos os membros da população-alvo.

Além disso, ao contrário do processo de seleção sistemática em pesquisas

tradicionais, em que o pesquisador pode usar de sua persuasão para

incentivar a pessoa a participar, numa pesquisa na Internet é mais

provável que somente aqueles usuários mais motivados com o tema

venham efetivamente a participar (COUPER, 2000), o que tenderia a

aumentar a taxa de não resposta e eventualmente resultar em viés de não

resposta, dado o caráter voluntário da participação.

Por outro lado, quando a pesquisa envolve apenas membros de

uma dada organização, então pode ser possível não apenas definir-se

claramente a população de interesse, como também construir-se um

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

648 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

quadro amostral que reflita com bastante precisão a população-alvo,

minimizando-se assim o erro de cobertura.

Erros de amostragem em pesquisas online

Em uma pesquisa na Internet, raramente é possível calcular a

probabilidade de seleção de cada unidade da população-alvo. Em

consequência, também não há condições para se calcular o erro de

amostragem. Deve ser enfatizado que o simples fato de que pesquisa por

meio da Internet permitir acesso (em tempo mais curto e com menos

gastos) a um maior número de respondentes, não corresponde

necessariamente a uma diminuição do erro de amostragem (COUPER,

2000), uma vez que, sem um mecanismo probabilístico de amostragem,

não é possível calcular intervalos de confiança e fazer inferências para a

população de interesse. Bradley (1999) sugere, inclusive, que o próprio

horário de liberação de uma pesquisa (por ex. por meio do envio de e-

mails para potenciais respondentes) pode ter influência sobre a

composição da amostra.

Uma forma de se estimar os erros de amostragem em uma

pesquisa online é a realização da mesma pesquisa com uma amostra

selecionada por meios tradicionais, conforme sugerido por Simsek e

Veiga (2001). O pesquisador poderia, então, comparar se há diferenças

nos padrões de resposta (por ex. distribuição estatística, estrutura fatorial

ou viés de não resposta). Se os padrões de resposta dos dois grupos forem

similares, e desde que a amostra online tenha características

probabilísticas, então se poderia argumentar que a amostra online seria

razoavelmente representativa da população em geral. Mais ainda, se

houver dados sobre o perfil “demográfico” da população, então pode ser

realizada uma estratificação dos respondentes online (SINSEK; VEIGA,

2001), atribuindo-se pesos e proporções de repostas conforme a

distribuição populacional (por ex. gênero, idade etc.).

Embora este mecanismo de controle aumente o esforço de

pesquisa, pelo fato de se utilizarem dois métodos de coleta, ainda assim é

preservada a vantagem da Internet de acessar a um custo mais baixo e de

forma mais rápida um número maior de potenciais respondentes.

Valendo-se do fato de que tende a ser relativamente barato

contatar muitas pessoas pela Internet, Chipp, Goldman e Kleyn (2007)

sugerem que se empregue a técnica de saturação (proposta por Turner,

1989, para pesquisas tradicionais), ou seja, de se selecionarem para

participar da pesquisa todos os membros do quadro amostral, tornando,

assim, irrelevante a discussão sobre amostragem probabilística versus não

probabilística. Como argumentado pelos autores, o foco deixa de ser a

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 649

adequada seleção dos respondentes, baseada no quadro amostral e passa a

ser o aprimoramento da definição do próprio quadro amostral.

A saturação, contudo, não resolve o problema do grau de

representatividade dos internautas em relação à população-alvo, em geral,

(nos casos em que há diferenças entre população e quadro amostral por

alguns membros daquela não terem acesso à Internet), mas apenas evita

os erros adicionais de a amostra selecionada poder ter um perfil de

respostas diferente do dos membros do quadro amostral.

A possibilidade de generalização para a população em geral –

incluindo-se aqueles membros desta que não têm acesso à Internet –

depende da verificação sobre se o padrão de respostas de não usuários

seria similar a (ou não estatisticamente diferente de) aquele de usuários da

Internet e também do grau de representatividade da amostra selecionada

em relação à totalidade de internautas (tanto acessíveis quanto não

acessíveis), que comporiam a população-alvo da pesquisa (BEST;

KRUEGER; HUBBARD; SMITH, 2001).

Vale mencionar que a composição gradual de amostras, em que

novos elementos vão sendo adicionados até que a distribuição de

determinadas variáveis (por ex. demográficas) da amostra de internautas

colhida se assemelhe à distribuição já conhecida de amostras coletadas

probabilisticamente por outros meios (por ex. telefone), assumindo assim

que a amostra poderia ser considerada representativa da população em

geral, que vem sendo utilizada por muitos autores (BEST et al., 2001)

como forma de gerar amostras “representativas”, pode ser criticada. Além

das variáveis utilizadas para comparação entre as amostras, pode haver

outras que estariam diferentemente associadas a internautas versus não

internautas e que poderiam também estar associadas às variáveis de

interesse da pesquisa, o que violaria a possibilidade de generalização

imediata para a população.

Schillewaert, Langerak e Duhamel (1998) avaliaram o impacto de

quatro diferentes métodos de amostragem não probabilística para

pesquisas online: anúncio de uma página em um periódico semanal de

negócios, chamada colocada em uma comunidade da rede, hyperlinks

apresentados em websites que não o da pesquisa, e e-mail, não

encontrando nenhum efeito estatisticamente significativo sobre a taxa de

resposta. Entretanto, os autores identificaram importantes diferenças na

composição das amostras em termos do padrão de distribuição das

variáveis demográficas ou webográficas (como se o tipo de canal de

recrutamento atraísse um determinado perfil específico de usuário),

embora não tenham encontrado diferenças em termos das variáveis

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

650 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

atitudinais (relativas ao uso da Internet) dos componentes de cada tipo de

amostra.

Erros de não resposta em pesquisas online

Uma das principais causas de frustração de respondentes, ao participarem

de pesquisa via webpage, reside numa apresentação ruim do questionário

online (SUE; RITTER, 2007), o que pode levar ao aumento das taxas de

não resposta.

Dillman e Bowker (2001) sugerem que dificuldades para o usuário

responder à pesquisa podem levar à desistência. Os autores reportaram

terem observado diversos tipos de frustração por parte dos respondentes,

entre os quais: falta de experiência com computadores e com Internet, o

que dificulta o entendimento do uso de radio buttons (que exigem que se

clique em outra resposta, caso se queira trocar de resposta, mas que não

permitem simplesmente apagarem-se todas as respostas após uma ter sido

selecionada) e de menus drop-down (que apresentam apenas uma caixa

com uma breve orientação para o usuário (por ex. “escolha uma opção”),

devendo o usuário clicar no lado direito da caixa para abrir as diversas

opções disponíveis para resposta, das quais deve ser escolhida apenas

uma); dificuldade para enxergar todas as opções de resposta sem rolar a

tela; obrigação de responder a todas as perguntas, mesmo quando alguma

delas não apresente opções de resposta que pareçam apropriadas;

desconhecimento de quanto ainda falta para completar o questionário;

obrigação de tomar múltiplas ações para se responder a uma pergunta (por

ex. clicar numa opção de resposta, deslocar-se para a barra de rolamento

para se poder enxergar um botão de “próxima página”, o qual deve ser

clicado para o acesso às perguntas na página seguinte).

O erro de não resposta ocorre porque alguns dos membros

selecionados para compor a amostra podem não estar dispostos ou podem

não ser capazes de responder à pesquisa. No caso de pesquisas na

Internet, nas quais não se defina claramente o quadro amostral (por ex.

em pesquisas acessadas por meio de um convite aberto em um portal) ou

a probabilidade de seleção, não é possível estimar o viés de não resposta

(COUPER, 2000). No entanto, se forem solicitadas no início da pesquisa

informações “demográficas”, que permitam classificar os participantes,

seria possível, ao menos, verificar se haveria diferenças estatisticamente

significativas nestas variáveis entre aqueles que responderam a pesquisa

até o fim versus aqueles que desistiram no meio (dropouts), mas não

versus aqueles que nem iniciaram a resposta (COUPER, 2000). Por outro

lado, Dillman (2006) recomenda que tais tipos de perguntas sejam

realizados somente ao final da pesquisa, uma vez que elas tendem a não

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 651

despertar o interesse dos potenciais respondentes e, em consequência,

podem levar ao aumento da desistência se forem colocadas no início –

este artifício impediria, no entanto, a comparação entre respondentes e

desistentes.

Como recurso para diminuir a taxa de desistência, Dillman,

Tortora e Bowker (1998) sugerem que se permita ao respondente

prosseguir com as perguntas, mesmo que ele não tenha respondido a todas

as perguntas antecedentes, mas, naturalmente, o respondente deve ser

alertado, ao tentar submeter o questionário, sobre a eventual existência de

perguntas ainda não respondidas. Como mecanismo adicional para manter

a disposição para continuar respondendo, os autores sugerem que seja

apresentado ao respondente o seu estágio proporcional de completude do

questionário, algo que já é atributo implícito nos questionários em papel,

mas que também é uma preocupação em outros métodos de pesquisa, tais

como entrevistas pessoais ou por telefone.

Erros de mensuração em pesquisas online

Erros de mensuração podem resultar, entre outras causas, do uso de

designs de questionários online que confundam os respondentes, que os

induzam a marcar determinadas opções de resposta, ou que tomem muito

tempo para serem carregados na tela – o que aumentaria a fadiga e

diminuiria a disposição para continuar respondendo. Portanto,

questionários simples aumentariam a probabilidade de que todos os

“acessados” pela pesquisa tivessem igual chance de responder e

oferecessem respostas mais “corretas”. Recomenda-se, portanto, o uso de

layouts fáceis de serem interpretados e carregados na tela e que produzam

o mesmo visual independentemente do equipamento e do browser do

respondente ou de seus recursos de telecomunicações (DILLMAN;

TORTORA; BOWKER, 1998).

Galesic e Bosnjak (2009) verificaram que perguntas localizadas

mais para o final do questionário eram respondidas de forma mais rápida,

mais curta e mais uniforme (isto é, respostas semelhantes para perguntas

diferentes) do que perguntas colocadas no início, possivelmente afetando,

portanto, a validade das respostas. Além disso, perguntas mais ao final

exibiam maior taxa de respostas em branco.

É preciso levar em conta também que a maioria dos respondentes

está acostumada a certa lógica de resposta presente nos questionários em

papel. Portanto, algumas particularidades da Internet tais como clicar no

botão de “enviar” após ter terminado de responder, podem não ser

intuitivas para algumas pessoas, o que aumentaria a taxa de não resposta.

Por esta razão, Dillman, Tortora e Bowker (1998) recomendam que o

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

652 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

design leve em conta tanto a lógica de operação de computadores quanto

a lógica de como as pessoas esperam que os questionários “funcionem” e

que, na medida do possível, as perguntas e respostas sejam apresentadas

em formato similar aos dos tradicionais questionários em papel e que

instruções específicas sobre as ações esperadas sejam clara e

explicitamente apresentadas aos respondentes e devem estar próximas à

parte da tela onde a ação deve ser tomada.

Um tipo particular de pergunta, aquela em que é solicitado ao

respondente que marque todas as respostas que se aplicam com base em

uma lista pré-definida de opções, pode levar a um problema de satisficing

(KROSNICK, 1991), que resulta de o respondente ler e marcar até um

determinado número de opções que ele julga que já “seriam suficientes

para as necessidades do pesquisador”, tendo como consequência que as

opções mais acima na lista teriam maior probabilidade de serem marcadas

que aquelas mais abaixo. Tal problema pode ser parcialmente contornado

por meio de um rodízio automatizado da posição das opções de resposta.

O satisficing não é um problema específico somente da Internet, mas

pode ser agravado em especial se o número de opções (estejam expostas

numa lista de radio buttons ou em um menu drop-down) não aparecerem

de forma completa na mesma tela ou exigirem uma ação de scroll

(rolamento) da tela. Isto seria mais crítico, ainda, quando se tratasse da

primeira pergunta, a qual deveria estar sempre completamente visível na

primeira tela (DILLMAN; TORTORA; BOWKER, 1998). Mais ainda, se

a mesma pesquisa se utilizar de diferentes métodos de coleta de dados,

uma pergunta deste tipo pode não ser facilmente replicável num formato

de entrevista. Por esta razão, Dillman, Tortora e Bowker (1998)

recomendam que os questionários na Internet levem em conta a

possibilidade de uso das perguntas em múltiplos métodos de coleta de

dados.

Uma das causas de ocorrência de erros de mensuração é que, em

função de diferenças em equipamentos, navegadores e conexões de

acesso, é possível que diferentes respondentes vejam o layout do

questionário de forma diferente, sendo que muitos poderão ver um

formato ou uma disposição visual distintos daqueles imaginados pelo

pesquisador (DILLMAN; BOWKER, 2001). Por ex. as distâncias entre

pontos de uma escala de respostas podem mudar em função da resolução

da tela ou parecerem diferentes em função da cor de fundo; e a quantidade

de perguntas e de opções de resposta que são mostradas em cada tela

também variam conforme a resolução da tela no computador do usuário.

Esta situação ficou ainda mais agravada com a rápida penetração de

novos dispositivos de acesso à Internet, tais como telefones de terceira e

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 653

quarta geração, como os iPhones, e tablets, como os iPads, com telas

menores e com sistemas operacionais específicos.

Quanto ao erro de mensuração decorrente de respostas indevidas,

este pode por vezes ser reduzido se for possível incluir verificação das

respostas, de forma a informar ao respondente caso estas estejam fora dos

valores admissíveis para a respectiva variável. Existe outro tipo de erro de

mensuração em pesquisas pela Internet quando se utilizam painéis ou

pesquisas longitudinais (COUPER, 2000), que é o fato de que, por sua

experiência com o instrumento e as questões da pesquisa, os participantes

do painel possam ter um padrão de respostas consistentemente distinto

daquele de novos (ou menos experientes) participantes (tal problema

também ocorre em pesquisas longitudinais tradicionais, mas pode ser

agravado na Internet pelo fato de que a mudança no endereço eletrônico

e, em consequência na composição do painel, é mais frequente do que a

do endereço físico).

Dillman e Bowker (2001) alertam para o fato de que, se os

respondentes forem obrigados a responder a todas as perguntas anteriores

antes de poderem prosseguir para as seguintes, estes podem se sentir

desestimulados e virem a desistir – aumentando o viés de não resposta –

ou simplesmente proverem uma resposta qualquer – aumentando o erro

de mensuração – apenas para conquistarem o direito de seguir adiante.

Uma forma de se identificar um possível tipo de respondente que

forneceria respostas “incorretas” é o registro automático, na base de

dados, de informação sobre do horário de início e término do

questionário. Esta informação permitiria identificar os questionários que

foram preenchidos em tempo muito inferior ao padrão da amostra, o que

poderia indicar a falta de comprometimento dos entrevistados no

preenchimento das respostas, cabendo ao pesquisador decisão de expurgá-

los da amostra final. O estudo de Malhotra (2008) indicou que aqueles

respondentes que terminaram de responder em um tempo

consideravelmente abaixo do dos demais (mais de 1.5 desvios padrão

abaixo da média) apresentavam um maior efeito de precedência (primacy

effect, ou seja, a tendência a selecionar opções de resposta que apareçam

primeiro) ou de satisficing. Malhotra (2008), contudo, adverte que o

pesquisador não deve considerar apressadamente remover estes

respondentes “rápidos”, posto que a magnitude do efeito de precedência

que ele observou em seu estudo era moderada por outras variáveis, tais

como habilidades cognitivas do respondente e tipo de escala de resposta

(ordinal vs. categórica). Além disso, pode-se usar a randomização das

opções de resposta entre respondentes para minimizar este tipo de efeito.

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

654 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

Dillman e Bowker (2001) resumem uma série de princípios que

deveriam ser seguidos em pesquisas online bem como os tipos de erros

usuais em surveys que tais princípios procurariam minimizar (vide

Quadro 1).

Quadro 1: Princípios de projeto de pesquisas online e sua relação com

fontes de erros em surveys Tipo de erro

Erro de

cobertura

Erro de

amostragem

Erro de

não resposta

Erro de

mensuração

1. Apresentar o questionário

com uma tela de boas-vindas que

motive e dê instruções aos

respondentes sobre como

proceder

X

2. Prover um código de

identificação para limitar o acesso

apenas a membros da amostra

selecionada

X X

3. Escolher como primeira

pergunta uma que desperte o

interesse dos respondentes e seja

facilmente respondida,

colocando-a bem visível na

primeira tela do questionário

X

4. Apresentar todas as questões

em um formato que seja similar

ao que costuma ser usado em

pesquisas em papel

X X

5. Restringir o uso de cores de

forma a preservar a legibilidade, o

fluxo navegacional e as

propriedades de mensuração das

opções de resposta

X

6. Evitar diferenças na

aparência visual resultante de

diferentes configurações de tela,

sistemas operacionais,

navegadores, telas parciais e

quebra de texto

X X X

7. Oferecer, no exato ponto em

que forem necessárias, instruções

claras sobre como executar cada

ação no computador para

responder às perguntas

X

8. Minimizar o uso de menus

drop-down e identificá-los

claramente com uma instrução de

“clique aqui para selecionar sua

resposta”

X

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 655

9. Não exigir dos respondentes

que todas as perguntas anteriores

tenham sido respondidas antes de

se poder prosseguir para as

seguintes

X X

10. Oferecer orientações sobre

eventual “pulo” de questões que

não se apliquem

X

11. Construir o questionário

online de forma que seja possível

paginar de uma pergunta para

outra, a menos que uma estrita

exigência de ordem seja

necessária ou que sejam

paralelamente utilizados outros

métodos de coleta (por ex.

telefone)

X X X

12. Nos casos em que o número

de opções de resposta exceda o

tamanho de uma tela, se

apresentadas em uma única

coluna, considerar o uso de duas

colunas ou outra forma

apropriada de agrupamento e

encadeamento entre pergunta e

opções de resposta

X

13. Utilizar símbolos gráficos ou

frases que explicitem o ponto em

que o usuário se encontra no

progresso em direção à conclusão,

evitando, contudo, os recursos

que tomem muito tempo para

carregamento

X X

14. Utilizar símbolos gráficos ou

frases que explicitem o ponto em

que o usuário se encontra no

progresso em direção à conclusão,

evitando, contudo, os recursos

que tomem muito tempo para

carregamento

X X

15. Evitar formatos de questões

sabidamente problemáticas em

pesquisas tradicionais, tais como

“marque todas as opções que se

aplicam” ou perguntas com

respostas abertas

X X

Fonte: Dillman e Bowker (2001).

As orientações #8 e #10 referem-se a questões específicas de

pesquisas na Internet, enquanto os aspectos relacionados a erros de

mensuração abordados nas orientações #4, #12 e #14 se referem a

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

656 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

potenciais problemas de compatibilidade quando a pesquisa se vale de

múltiplos métodos de coleta de dados.

IMPACTO DO FORMATO DO QUESTIONÁRIO SOBRE A QUALIDADE DAS

RESPOSTAS

O formato do questionário, seu design, bem como a organização e

sequenciamento das perguntas e das opções de resposta podem levar a

erros sistemáticos de mensuração, os chamados vieses de método.

Embora o viés de método (PODSAKOFF; MACKENZIE; LEE, 2003)

possa ocorrer também em pesquisas tradicionais, algumas decisões sobre

o formato do questionário, que sejam especificas de pesquisas online,

podem ter influência sobre o padrão de respostas, em especial pelo fato de

que, na ausência de um entrevistador para motivar e esclarecer dúvidas, o

respondente busca auxílio nas próprias “pistas” providas pelo

instrumento, tais como seus elementos verbais e visuais (SCHWARZ,

1995).

Entre os diversos aspectos relacionados ao formato e design de

questionários online, os seguintes serão aqui discutidos: a) uso de

respostas forçadas; b) vantagens e desvantagens de três tipos específicos

de formatos para registro das respostas, especificamente radio buttons,

menus drop-down e caixas de entrada (entry boxes); c) a influência do uso

de palavras, símbolos ou itens gráficos em web surveys; d) tamanho do

questionário e apresentação de indicador de progresso; e e) proximidade e

agrupamento das questões.

Uso de respostas forçadas

Respostas “forçadas” obrigam o usuário a selecionar uma das opções de

resposta oferecidas no questionário de forma a permitir que se avance

para a próxima pergunta (ou a responder a todas as perguntas de uma

dada página antes de prosseguir para a página seguinte). Esta exigência

tem por objetivo evitar dados ausentes, mas pode acarretar a desistência

de alguns respondentes – com o correspondente possível aumento do viés

de não resposta – ou forçar outros a darem uma resposta que eles não

julgariam como a mais apropriada – aumentando, assim, o erro de

mensuração. Uma opção para minimizar esta fonte de erro de mensuração

é oferecer uma opção de resposta do tipo “não sei” ou “não se aplica” ou

“prefiro não responder”. Assim, garante-se que a resposta à pergunta não

teria sido deixada em branco por esquecimento, mas não se força uma

resposta incorreta. Albaum et al. (2010) investigaram o impacto sobre a

taxa de completude (completion rate) dos questionários e a taxa de

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 657

respostas em branco decorrentes do uso, isolado ou em conjunto, de

respostas forçadas ou da opção “prefiro não responder”. Seus resultados

sugerem que o emprego de respostas forçadas parece não ter relação com

a taxa de completude dos questionários online. Similarmente, não foi

encontrada evidência de que o uso da opção “prefiro não responder”

afetaria a taxa de completude, independentemente de o questionário

conter ou não algumas perguntas com resposta forçada. Nesse estudo, em

particular, a opção “prefiro não responder” foi utilizada em volume

suficiente a ponto de indicar que, no caso de serem usadas respostas

forçadas, os usuários teriam registrado, em várias perguntas, uma opção

de resposta que não corresponderia à realidade. Embora a escolha

(forçada) de uma opção de resposta diminua a taxa de resposta em branco,

por outro lado, de nada adianta a presença de uma resposta se esta não é

válida, levando, assim, a erro de mensuração. Conforme argumentado por

Albaum et al. (2010), o uso de opções de resposta do tipo “não sei”, “não

se aplica” ou “prefiro não responder” representa um trade-off entre

quantidade versus qualidade dos dados.

O estudo de Heerwegh e Loosveldt (2002) indicou que a oferta de

uma opção de resposta em branco (que eles esperavam que reduzisse a

frustração dos respondentes, levando a menores taxas de desistência) não

mostrou efeito estatisticamente significativo sobre esta.

Uso de radio buttons, menus drop-down e caixas para digitação de texto

(entry boxes)

Radio buttons se apresentam em um formato semelhante ao que as

pessoas estão acostumadas a ver em perguntas com opções fechadas de

respostas em questionários tradicionais e só permitem que se escolha uma

única opção de resposta; contudo, uma vez marcada uma opção de

resposta, esta pode ser trocada por outra, mas não é mais possível apagar

todas as opções e fornecer uma resposta em branco, a menos que o

pesquisador tenha incluído explicitamente uma opção de resposta “em

branco” (ex: “não sei” ou “não se aplica”). Vale ressaltar que a opção de

resposta em branco deve ser permitida sempre que houver a possibilidade

de os respondentes não possuírem ou não desejarem fornecer a

informação solicitada na pergunta.

Menus drop-down, por seu turno, apresentam apenas uma caixa com uma

breve orientação (por ex. “escolha uma opção”), devendo o usuário clicar

no lado direito da caixa para abrir as diversas opções disponíveis para

resposta; pode ser selecionada apenas uma única opção, mas, em geral, o

usuário pode optar por uma resposta em branco, mesmo após ter

selecionado previamente outra opção (basta que ele clique novamente na

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

658 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

frase com a orientação geral, desde que esta não tenha sido,

indevidamente, definida como uma das opções de resposta; neste caso,

esta se tornaria a opção default de resposta, o que poderia enviesar a

resposta e levar a erro de mensuração).

Já entry boxes ou caixas de entrada são espaços na tela para que usuário

digite em texto livre sua resposta.

Heerwegh e Loosveldt (2002) notaram que, uma vez que menus

drop-down ocupam menos espaço na tela do que opções (se verticalmente

alinhadas) de resposta em formato radio button, o primeiro formato

permitiria apresentar mais perguntas numa mesma tela. Por seu turno,

Dillman (2006) observou que menus drop-down podem desorientar os

respondentes, em especial quando se escolhe uma opção de resposta que

esteja na parte inferior da lista, uma vez que, ao se fechar

automaticamente o menu drop-down, o ponteiro do mouse estará

posicionado várias linhas abaixo da pergunta respectiva, podendo o

respondente, inadvertidamente, pular as perguntas localizadas entre

aquela recém-respondida e a atual localização do ponteiro do mouse.

Heerwegh e Loosveldt (2002) verificaram que os usuários

levavam mais tempo para responder se o formato era um menu drop-

down, o qual também se mostrou associado a uma maior taxa de

desistência. Contudo, não houve diferença estatisticamente significativa

na taxa de respostas em branco associadas com menus drop down ou

radio buttons. Com base em seus resultados, os autores sugerem que se

utilizem radio buttons, em especial no caso de usuários menos

proficientes com o meio online.

Couper, Traugott e Lamias (2001) verificaram se o uso de radio

buttons ou entry boxes afetaria o tempo para completar a pesquisa, a taxa

de dados ausentes e taxa de respostas inválidas. Os autores testaram

também o efeito do comprimento da caixa de entrada. Nos questionários

com caixa de entrada, os autores davam a opção de os respondentes

deixarem a caixa de entrada em branco ou marcarem a respectiva opção

de “não sei”, enquanto que nos questionários com radio buttons os

respondentes teriam que selecionar obrigatoriamente uma opção (ainda

que fosse a “não sei”). Os autores não observaram diferença

estatisticamente significativa no tempo total para preenchimento dos

questionários. Por seu turno, a taxa de dados ausentes foi estatisticamente

maior quando do uso de caixa de entrada, mas não se observaram

diferenças associadas ao tamanho ou à forma da caixa de entrada. Quanto

às respostas inválidas, por definição, elas não são possíveis quando do uso

de radio buttons, mas o estudo mostrou que uma caixa de entrada mais

longa tendia a levar os respondentes a digitarem respostas inválidas (ou

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 659

seja, não aceitáveis, dado o tipo de pergunta e as possibilidades esperadas

de resposta) que uma caixa de entrada mais curta, sugerindo que o

tamanho da caixa para digitação influencia a quantidade de informação

que os respondentes julgam que o pesquisador espera.

Smyth, Dillman, Christian e McBride (2009) investigaram se a

qualidade das respostas, fornecidas a perguntas abertas, dependeria das

características da caixa de entrada destinada à resposta – especificamente,

o tamanho da caixa ou a inclusão ou não de explicações de que a

respostas poderiam exceder o tamanho original da caixa – ou da

apresentação de uma introdução explicativa e motivadora na pergunta.

Seus resultados indicam que o tamanho da caixa de resposta parece não

influenciar a qualidade das respostas dos respondentes iniciais (early

respondents), mas aumentaria significativa a qualidade das respostas

fornecidas pelos respondentes tardios (late respondents), que seriam, em

princípio, aqueles menos motivados a responder. Contudo, a instrução de

que a extensão da resposta não precisaria se limitar ao tamanho original

da caixa, bem como a inclusão de uma introdução que enfatizasse a

importância da qualidade e do tamanho da resposta se mostraram

associadas ao aumento da qualidade das respostas (em termos de extensão

das mesmas, quantidade de temas abordados, tempo dedicado à resposta e

redução de respostas em branco), tanto de respondentes iniciais quanto de

respondentes tardios.

Influência do uso de palavras, símbolos ou itens gráficos em web surveys

Assim como em pesquisas tradicionais em papel, também nas pesquisas

online a qualidade das respostas pode ser afetada pelo uso de números,

símbolos e sinais gráficos em complemento às palavras (CHRISTIAN;

DILLMAN, 2004; TOURANGEAU; COUPER; CONRAD, 2004).

Christian, Dillman e Smyth (2007) investigaram se diferentes

aspectos visuais do questionário – em particular, tamanho dos espaços

destinados às opções de resposta, uso de símbolos ao invés de palavras,

tipo de linguagem verbal empregada na pergunta e localização da

instrução aos respondentes – estariam associados ao aumento da

probabilidade de que os respondentes fornecessem respostas em um

formato que seria desejado pelo pesquisador (por ex. dois dígitos para o

mês e quatro dígitos para o ano), evitando-se a necessidade de emissão de

mensagens de erro ou de solicitação de correção aos respondentes. Dessa

forma, poderia ser reduzida a frustração e possível abandono do

questionário por parte dos respondentes (BEST; KRUEGER, 2004). O

estudo de Christian, Dillman e Smyth (2007) indicou que os respondentes

apresentavam maior probabilidade de registrar a informação no formato

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

660 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

desejado pelo pesquisador (neste caso, dois dígitos para o mês e quatro

dígitos para o ano) nas seguintes condições: espaço menor para o mês e

maior para o ano, uso de símbolos (MM e YYYY) ao invés de palavras

(“Month” e “Year”), maior proximidade de símbolo em relação ao espaço

para preenchimento da respectiva informação. Por outro lado, a

localização específica do símbolo (por ex. à esquerda, à direita, abaixo ou

acima da caixa para resposta) não pareceu exercer impacto significativo

sobre a probabilidade de o respondente usar o formato desejado e a forma

e detalhamento da linguagem verbal empregada na pergunta não

apresentaram efeito significativo ao menos naqueles casos em que o

questionário já apresentava instruções apropriadas de preenchimento (tal

como discutido anteriormente) junto aos espaços de resposta. Os

resultados do estudo sugerem que, além dos cuidados usuais com a

linguagem da pergunta, os pesquisadores que se valem de web surveys

devem também ficar atentos para a apresentação visual e as orientações

relativas às opções de resposta. Christian, Dillman e Smyth (2007)

ponderaram também sobre a possibilidade de menus drop down ou de

calendários – em que o respondente clicaria sobre a opção de resposta –

serem inapropriados, posto que alguns respondentes podem não ter

familiaridade com este tipo de interface gráfica, além do fato de que este

formato apresenta um número grande de opções para escolha (por ex. de

1900 a 2000 para o ano).

Tamanho do questionário e apresentação de indicador de progresso

Meta-análises sobre o efeito do tamanho do questionário em papel na

propensão a responder indicam que, quanto maior o tamanho, em geral,

menor a taxa de resposta (YAMMARINO; SKINNER; CHILDERS,

1991).

Contudo, ainda há poucos estudos que avaliaram este efeito em

web surveys (GALESIC e BOSNJAK, 2009). O impacto do tamanho

pode depender de como os participantes são informados a respeito: se

previamente ao início das respostas ou se “descobrem esta informação”

diretamente somente à medida que vão avançando no questionário.

Embora a meta-análise de Cook, Heath e Thompson (2000) tenha

indicado que o tamanho do questionário não afetaria a taxa de resposta,

alguns estudos indicaram que quanto maior o tempo para preenchimento

anunciado a priori (CRAWFORD; COUPER; LAMIAS, 2001;

GALESIC; BOSNJAK, 2009; MARCUS et al., 2007) ou inferido /

observado pelos respondentes (DEUTSKENS et al., 2004), menor a taxa

de resposta (ou seja, a percentagem daqueles que efetivamente iniciam as

respostas). Galesic e Bosnjak (2009) observaram também que, quanto

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 661

menor o tamanho, menor a taxa de abandono daqueles que iniciaram o

processo de respostas.

Couper, Traugott e Lamias (2001) investigaram se a presença de

um indicador de progresso teria impacto sobre a taxa de desistência, o

tempo médio para completar o questionário e a taxa de dados ausentes

(que, em conjunto com a taxa de completude, está relacionado ao viés de

nãoresposta). Ao contrário do esperado pelos autores, a inclusão de um

indicador de progresso não mostrou ter impacto estatisticamente

significativo sobre o percentual de questionários completados. Já o tempo

médio para completar a pesquisa foi maior no caso de questionários com

o indicador de progresso, o que foi atribuído pelos autores ao tempo

adicional necessário para carregar os elementos gráficos associados a tal

indicador (naturalmente, à medida que mais usuários vão tendo acesso à

banda larga, tal tempo tende a ter seu impacto reduzido). O indicador de

progresso também não se mostrou associado à presença de dados ausentes

nessa pesquisa específica, em que sempre era exigido que os participantes

escolhessem uma opção de resposta para cada pergunta, ainda que fosse

marcando a opção “não sei”, o que significa que eles teriam o mesmo

“trabalho” quer marcassem esta opção quer marcassem outra.

Proximidade e agrupamento das questões

Com relação ao agrupamento ou não em uma mesma tela de todas as

questões relacionadas entre si (por ex. indicadores de um mesmo

construto), Couper, Traugott e Lamias (2001) investigaram se haveria

impacto sobre as correlações observadas, o tempo para completar o

questionário e a taxa de dados ausentes. Como esperado por eles, as

correlações entre os itens (medidos pelo alfa de Cronbach) foram maiores

quando do agrupamento em uma mesma tela, o que sugere que o arranjo

físico do questionário afeta o padrão de respostas. O tempo total médio

para completar o questionário foi estatisticamente menor quando do

agrupamento, embora não fosse possível observar diferenças

estatisticamente significativas nos tempos de resposta a cada um dos

subconjuntos de itens agrupados em uma mesma tela versus desagregados

em telas sequenciais. Já o agrupamento se mostrou associado a uma taxa

estatisticamente menor de dados ausentes (respostas do tipo “não sei” ou

“não se aplica”). Os autores haviam especulado, contudo, que poderiam

ser esperados dois efeitos de impacto contrário do agrupamento: se, por

um lado, o agrupamento tenderia a reduzir o esforço de tempo, o que

tenderia a aumentar o índice de respostas substantivas (em detrimento de

“não sei”), por outro lado o agrupamento poderia induzir ao uso de um

mesmo padrão de respostas para todas as perguntas em uma mesma tela

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

662 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

de tal sorte que, se fosse escolhida uma resposta “não sei”, poderia haver

uma tendência a escolher outras respostas “não sei” para as demais

perguntas na mesma tela. Os autores alertam, ainda, que o efetivo

agrupamento de perguntas em uma mesma tela depende da configuração

do computador do respondente e pode ser-lhe necessário rolar a tela

mesmo que o pesquisador tenha projetado as perguntas para aparecem

juntas na mesma tela.

QUESTÕES ÉTICAS EM PESQUISAS COM O USO DA INTERNET

Não é possível garantir total anonimato em pesquisas por meio da

Internet. Se a resposta for encaminhada por meio de um e-mail, o

respondente estará sendo implicitamente identificado. Mesmo que o

questionário seja preenchido em um website, ainda assim é possível ter

informação ao menos sobre o computador do respondente, por meio de

seu IP (Internet Protocol). Claramente, alguns dos cuidados sugeridos

para se evitarem múltiplas respostas por um mesmo respondente (tais

como senha ou identificação embutida no link) podem tornar a

identificação do respondente ainda mais transparente. Esta situação pode

levar ao aumento da taxa de não resposta, se os potenciais respondentes se

sentirem desconfortáveis ou intimidados, ou a aumento do erro de

mensuração, em especial em situações que envolvam viés de

conveniência social (social desirability bias), isto é, o registro de uma

resposta que seria considerada “apropriada” ou “socialmente correta”, em

lugar da resposta verdadeira.

Torna-se, portanto, relevante informar aos potenciais respondentes

que medidas foram tomadas para evitar o acesso inadvertido de terceiros

aos dados da pesquisa (por ex. com o uso de conexões SSL – secure

sockets layer) (STANTON; ROGELBERG, 2001), que as respostas

individuais serão mantidas confidenciais e que serão reportados somente

resultados agregados. Contudo, não deve ser feita qualquer promessa de

total anonimato (SIMSEK; VEIGA, 2001), uma vez que tal não pode ser

garantido em pesquisas online.

Por questões éticas, sempre que uma pesquisa for deixar gravado

um cookie no computador do usuário, tal fato deveria ser deixado claro ao

usuário e deveria ser-lhe explicado por que a gravação do cookie seria

necessária como forma de garantir a “confiabilidade” da pesquisa

(SIMSEK; VEIGA, 2001).

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 663

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Internet, como meio de coleta de dados, oferece uma série de recursos

que podem ser úteis em surveys, ao mesmo tempo em que também traz

desafios que lhe são peculiares (SCHONLAU; FRICKER JR.; ELLIOT,

2002). Pode haver relevantes diferenças entre membros da população-

alvo, tanto no efetivo acesso à Internet quanto em sua proficiência com o

uso de recursos desse meio, como também diferenças na infraestrutura

(hardware e software) dos respondentes (BRADLEY, 1999), o que pode

levar a erros de cobertura, de não resposta e de mensuração.

Decisões relativas à definição do quadro amostral, às técnicas de

amostragem, ao formato dos questionários e ao tratamento de questões

éticas podem ter importantes implicações sobre a qualidade dos dados

coletados, em particular sobre o tamanho da amostra, seu grau de

representatividade, o erro de mensuração, a taxa de resposta, a presença

de dados ausentes ou o padrão de distribuição das respostas. Entre aquelas

pessoas que possuem acesso à Internet, é necessário encontrar um

mecanismo que garanta a probabilidade conhecida de se selecionar cada

respondente potencial (DILLMAN; TORTORA; BOWKER, 1998).

Conforme alertado por Dillman e Bowker (2001), a simples

obtenção de uma amostra grande não é por si só garantia de “qualidade”

dos dados, em especial se os respondentes tiverem caráter voluntário. Os

autores complementam afirmando que ignorar a necessidade de se definir

a população de interesse à pesquisa, de se selecionar uma amostra

aleatória e de se obter altas taxas de respostas (sobre a amostra

selecionada) representa uma grave ameaça à validade de pesquisas online.

Alguns dos problemas de pesquisas com o uso da Internet, como

os relacionados a erros de cobertura por falta de acesso ou por ausência de

uma lista de todos os membros da população-alvo, podem ser

minimizados quando tais pesquisas ocorrem dentro de uma dada

organização. Contudo, o viés de não resposta continua merecendo

cuidados conforme apontado neste estudo.

A habilidade de cativar o potencial respondente de forma a

convencê-lo a participar da pesquisa, que é um aspecto importante em

diversos métodos de coleta de dados, torna-se crítico em pesquisas online,

uma vez que o internauta tem sua atenção atraída por muitos outros

estímulos e pode muito facilmente desviar seu interesse para outro site ou

tarefa em seu computador (SIMSEK; VEIGA, 2001). Portanto, a forma

como o pesquisador se apresenta, bem como o tema de sua pesquisa e a

entidade patrocinadora é de extrema importância para aumentar a taxa de

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

664 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

resposta.

As particularidades da Internet e as dúvidas quanto à sua

adequabilidade (ainda manifestadas por alguns acadêmicos) podem exigir

do pesquisador um esforço adicional para demonstrar o rigor de seu

método de coleta de dados, que pode ser conseguido, ainda que a um

custo extra, por meio do emprego de validação cruzada com uma amostra

tradicional (STANTON; ROGELBERG, 2001).

Vale dizer que, para a elaboração do questionário online, devem

ser observadas algumas das mesmas recomendações da sua contraparte

em papel: deve ter aparência profissional e estimulante, ser de fácil

compreensão e não intimidar os respondentes, tornar claro e fácil o

processo de responder às questões e ser acessível a todos na população-

alvo ou no quadro amostral considerado adequado pelo pesquisador.

O instrumento online pode ser até mesmo o mais apropriado

quando a pesquisa tiver algumas características: (1) se a amostra for

relativamente grande e estiver bastante distribuída geograficamente; (2)

se existir a necessidade de resultados rápidos; (3) quando a questão do

anonimato não for tão relevante, podendo ser melhor tratada via webpage

do que por e-mail; e (4) quando os respondentes tiverem acesso à Internet

e, nestes casos, a taxa de respostas puder tornar-se maior quando os

respondentes forem contatados antes por e-mail (SUE; RITTER, 2007).

Afinal, como Dillman (2006) afirmou, tanto o correio quanto o

telefone foram considerados inicialmente pobres alternativas para a

entrevista pessoal, sendo o mesmo dito mais recentemente sobre as

ferramentas de pesquisa via Internet. Acredita-se que é preciso não

assumir a Internet como solução geral para surveys, mas sim tomar os

devidos cuidados para avaliar a aplicabilidade do meio online e suas

particularidades, vantagens e limitações. Espera-se que a discussão aqui

apresentada sobre particularidades das pesquisas via webpage e os

problemas enfrentados e as soluções adotadas nos estudos analisados

sirvam de orientação e incentivo para que pesquisadores brasileiros se

sintam mais confiantes quanto ao uso apropriado da coleta de dados

online em suas próprias pesquisas.

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APÊNDICE A – FERRAMENTAS PARA CONFECÇÃO DE QUESTIONÁRIOS ONLINE

A título de complemento a este artigo, vale ressaltar que existem diversas

ferramentas disponíveis na internet para a confecção de questionários

online e a condução de web surveys, tais como: eSurveysPro, Google

Docs, kiwksurveys, MakeSurvey, Opinio Survey, QuestionPro,

SpeedSurvey, SurveyGizmo, SurveyGold, SurveyMonkey, ZipSurvey,

Zoomerang, entre outras.

Os interessados podem consultar uma lista de mais de 300

ferramentas em:

http://www.websm.org/dbarchive/18/Software/?&p1=1123&p2=82&p3=

85&type=0.

Tais ferramentas costumam ter versões pagas (que oferecem maior

variedade de opções e permitem um uso mais intenso da ferramenta), bem

como versões gratuitas (as quais, porém, são em geral suficientes para

atender a boa parte das necessidades dos pesquisadores).

A maioria destas ferramentas oferece facilidades de apresentação

online dos resultados, acesso a tutoriais e a FAQ (frequently asked

questions). Contudo, tais ferramentas podem variar consideravelmente

entre si (conforme ilustrado por Toledano, 2008) em termos de:

Número máximo de questionários que podem ser administrados;

Número máximo de questões ou de opções de repostas por questionário;

Prazo em que os resultados ficam disponíveis para consulta pelo criador

da survey;

Preços, políticas de desconto (ex: indivíduos vs. empresas),

periodicidade de renovação;

Variedade de diferentes tipos de questões;

Oferta de questionários padrão versus possibilidade de criação de

questionários customizados;

Permissão para inclusão de imagens ou logos;

Possibilidade de randomização da ordem das perguntas e das opções de

resposta;

Possibilidade de verificação (validação) online das respostas;

Possibilidade de salto lógico entre questões conforme resposta dada a

questões anteriores;

O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 669

Possibilidade de uso de piping (propagação), ou seja, carregar a resposta

a uma questão ou algum parâmetro da pesquisa para outra questão

seguinte ou outra parte do questionário, o que poder tornar a pesquisa

mais dinâmica, ágil e personalizada;

Recursos para salvar, copiar ou editar questionários anteriormente

criados;

Possibilidade de personalizar a página de agradecimentos;

Suporte a múltiplos idiomas;

Ocultação do nome da ferramenta de administração de web surveys;

Aderência ao padrão 508 dos EUA (http://www.section508.gov/),

referente a requisitos e normas para facilitar o acesso de pessoas

portadoras de deficiência;

Possibilidade de uso de listas de e-mails do criador da survey;

Grau de personalização dos convites por e-mail;

Envio de lembretes aos potenciais respondentes;

Agendamento da disponibilização do questionário;

Tabulação das respostas;

Filtragem e segmentação dos respondentes;

Exportação para formato Excel, Word, PowerPoint ou CSV;

Geração de apresentações em PowerPoint;

Formas de suporte técnico (ex: via e-mail, fóruns, chats ou telefone).

Os interessados em aspectos metodológicos atinentes a pesquisas

com auxílio da internet poderão encontrar muitas informações e

orientações interessantes em: www.websm.org.

Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib

670 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011

DADOS DOS AUTORES

JORGE MANOEL TEIXEIRA CARNEIRO ([email protected])

Doutor em Administração de Empresas pela Coppead/UFRJ

Instituição de vinculação: Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro/IAG

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia de Empresas e Negócios

Internacionais.

LUÍS ANTÔNIO DA ROCHA DIB ([email protected])

Doutor em Administração de Empresas pela Coppead/UFRJ

Instituição de vinculação: Coppead/Universidade Federal do Rio de

Janeiro

Rio de Janeiro/RJ – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Negócios Internacionais e Estratégia de

Empresas.

Recebido em: 04/09/2010 • Aprovado em: 10/11/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 671

UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR: UMA

REFLEXÃO NECESSÁRIA

UNIVERSITIES, SOCIETY AND THE EDUCATING OF MANAGERS: A

NECESSARY REFLECTION

REBECA DE MORAES RIBEIRO DE BARCELLOS ([email protected])

ELOISE HELENA DO LIVRAMENTO DELLAGNELO

GABRIEL PORTELA SALIÉS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

RESUMO

O papel da universidade no mundo moderno e no contexto atual de

sociedade vem sendo discutido por diversos autores e sujeitos atuantes

neste campo, primordialmente na área da Educação. A pressão das

políticas estatais no sentido de uma aproximação da universidade com o

mercado e as mudanças internas, tendo como base o padrão oriundo desse

mercado, têm levantado questionamentos, que precisam ser discutidos.

Estas discussões abrangem as mais diversas formações profissionais

proporcionadas pela universidade; e o curso de Administração,

historicamente construído com base em uma visão dominante da realidade

social centrada no mercado, não pode se eximir deste processo de

reflexão. Neste contexto, o objetivo deste artigo, um ensaio teórico, é

refletir acerca da função da universidade na sua relação com a sociedade,

especificamente acerca da formação do administrador, apontando os

espaços onde o trabalho do administrador é pertinente e refletindo sobre o

conhecimento disponível e disseminado sobre organizações e gestão,

apontando os limites da concepção de organização predominante nos

ensinamentos da administração. As conclusões apontam para a realidade

de um curso fortemente alicerçado em uma visão hegemônica da área,

voltado para o mercado, porém insuficiente para dar conta das

necessidades dele. Subjacente a esta questão está a literatura utilizada na

formação dos administradores no Brasil, a qual reforça a ausência de

perspectiva crítica, quer pelo uso de manuais, quer pelo emprego da

chamada literatura pop management.

Palavras-chave: universidade; sociedade; formação profissional;

Administração.

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

672 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

The role of the university in the modern world and in the current context

of society has been discussed by several authors and persons active in

this field, mainly in the area of Education. The pressure exerted by state

policies in forcing universities towards the market and the internal

changes based on the resulting pattern have raised questions that must be

addressed. These discussions cover all professional degrees offered by

universities; whilst the Management course, historically based on a

dominant view of a market-centric social reality, cannot be exempt from

this thought process. Within this context, this paper, itself a theoretical

essay, aims to reflect on the role of the university in its relationship with

society: specifically the formation of the manager. It points out the places

where the role is relevant and reflecting on the knowledge available

regarding organizations and management, as well as the limits of the

prevalent concept of organization in administration. Our findings indicate

the reality of a course strongly rooted in a hegemonic vision of the field,

focused on the market, yet unable to cater to its needs. Underlying this

issue is the literature used for educating managers in Brazil that

reinforces the lack of critical perspective, either through the use of

manuals or that of so-called pop management literature.

Keywords: universities; society; professional education; management.

INTRODUÇÃO

A relação entre a universidade e a sociedade tem sido historicamente

assunto de reflexão de diversos autores, em especial na área da educação.

A atenção dada ao tema assume contornos diferenciados a partir da

década de 1990, com a introdução de políticas de cunho neoliberal na

educação por parte do Estado, levando ao questionamento, entre outros

aspectos, da validade e da eficiência da universidade pública e gratuita

(SANTOS, 2008; CULLEN, 2008; CHAUI, 2003; PIRES, 1996).

A habilitação para o exercício profissional, a formação para o

mercado e a formação para a construção de uma sociedade mais justa e

igualitária são argumentos defendidos como funções da universidade. No

entanto, tais argumentos se mostram conflitivos em determinados

aspectos e a universidade é chamada a fazer opções, mesmo que isso não

transpareça de forma explícita.

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 673

Seja nas definições de investimentos, nas prioridades de pesquisa,

nos projetos de extensão, na alocação de carga horária docente, seja na

estrutura de currículos e nas definições de conteúdos a serem trabalhados

em sala de aula, a instituição universitária, por meio da atuação de seus

participantes, está continuamente fazendo opções e definindo a formação

de indivíduos com base em valores e alternativas pré-estabelecidas, quer

sejam elas decididas conscientemente ou não. Constata-se cada vez mais

que tais opções se refletem na orientação para o mercado, que pressiona a

formação de estudantes das mais diversas áreas do conhecimento.

A questão se aprofunda quando se passa a discutir a temática sob a

ótica da formação do administrador. A dicotomia sociedade-mercado

parece se intensificar quando se trata de uma profissão cuja tarefa tem

sido fundamentar e reproduzir o sistema econômico vigente e o

paradigma de atuação dominante, embasado numa concepção hegemônica

de organização que abre, historicamente, poucos espaços para discussão

de possibilidades alternativas, além de estar fundamentada numa visão

limitada do ser humano como operacional ou reativo (BÖHM, 2006;

PARKER, 2002; SCHREVEN; SPOELSTRA; SVENSSON, 2008;

MISOCZKI, 2008; RAMOS, 1989).

Os espaços onde o trabalho do administrador é pertinente na

sociedade são diversos e demandam capacitações e racionalidades

próprias, as quais eventualmente coincidem com a perspectiva

hegemônica do organizar sob a ótica gerencialista, dominante na teoria

organizacional. A preocupação concerne ao fato de que, refletindo esta

hegemonia, a formação do administrador esteja ocorrendo de forma

circunscrita ao paradigma dominante, deixando de abordar e, portanto de

formar para possibilidades e realidades sociais diferentes da organização

empresarial, as quais também necessitam de saberes e práticas voltados

especificamente para organizar, que lhes permita alcançar seus objetivos.

(ANDION, 2005; SERVA, 1993; MISOCZKI, 2008 BALBINOT;

PEREIRA, 2009).

Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo refletir sobre

a função da universidade na sua relação com a sociedade, especificamente

acerca da formação do administrador, apontando os espaços onde o

trabalho do administrador é necessário e, portanto, para os quais deveria

ser preparado para a atuação profissional e reflexão crítica. Assim, o

trabalho visa a contribuir com uma discussão que, embora venha se

desenvolvendo de forma significativa em torno da relação entre a

universidade com a sociedade (CHAUÍ, 2003; SANTOS, 2008;

ALCADIPANI, 2011), ainda é incipiente no campo da administração,

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

674 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

tendo em vista as disputas que são travadas, em alguns espaços, contra

uma produção hegemônica do saber em organizações (MICSOZKY;

GOULART, 2011). Além disto, os resultados destas reflexões pouco têm

se materializado nos programas dos cursos de administração brasileiros,

levando a crer que a discussão, além de relevante, é necessária.

Visando ir além das discussões até então desenvolvidas sobre o

tema, pretende-se também refletir sobre o conhecimento disponível e

disseminado sobre organizações e gestão. Destacam-se, neste sentido, as

restrições impostas sobre o conceito de organização predominante na

área, o qual impossibilita enxergar evidências que se distanciam ou estão

em desacordo com este modelo. O propósito consiste assim, em avançar

no desenvolvimento de uma sociologia das ausências apontada por Santos

(2002) e contribuir com a provocação a respeito da necessidade de

construção de novos conhecimentos na área que enunciem possibilidades

que tenham como horizonte práticas alternativas de organização e gestão

mais coerentes com as necessidades da sociedade.

Para tanto, o trabalho está estruturado da seguinte forma: a

primeira parte discute a relação entre a universidade, a sociedade e um de

seus enclaves específicos, o mercado. Na segunda parte, abordam-se os

aspectos relacionados à formação do administrador face a uma concepção

hegemônica de organização e os espaços negligenciados por esta visão,

bem como se discute a literatura que dá suporte a este processo no Brasil.

Finalmente, argumenta-se a pertinência de uma concepção de

universidade que vise a formar sujeitos autônomos e atuantes na

sociedade, e por uma sociologia das emergências (SANTOS, 2002) nos

estudos organizacionais que permita enunciar práticas alternativas ao

modelo dominante de organização.

UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E MERCADO: RELAÇÕES E CONTRADIÇÕES

Quando se trata universidade, sociedade e mercado como categorias

analíticas distintas, parece haver uma clara delimitação entre estas

instituições na vida social, como se fora possível isolá-las umas das outras

num método cartesiano de análise. Cabe esclarecer que que as três

categorias são aproximações meramente abstratas e que as relações

existentes na prática social tornam as fronteiras entre elas fluidas e em

constante processo de formatação, aproximação e distanciamento. São

usadas, portanto, para facilitar a discussão, no entanto, sem perder de

vista a dinamicidade que é característica ao seu inter-relacionamento.

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 675

Para Oda et al. (2007), as universidades vivem o dilema das

relações entre a defesa de sua instituição e as demandas da sociedade que

vive ao seu redor, numa relação altamente conflitiva. O caráter conflitivo

desta relação se expressa no interior da própria universidade, na

concepção de Chaui (2003, p.5), para quem a universidade não é um

reflexo da sociedade e do Estado, pois sua autonomia intelectual lhe

permite relacionar-se com o Estado e a sociedade:

De maneira conflituosa, dividindo-se internamente entre os que são

favoráveis e os que são contrários à maneira como a sociedade de

classes e o Estado reforçam a divisão e a exclusão sociais, impedem

a concretização republicana da instituição universitária e suas

possibilidades democráticas.

Para Santos (2008), a demarcação das fronteiras entre

universidade e sociedade pode ser vista na lógica da produção do

conhecimento universitário, onde a distinção entre conhecimento

científico e outros conhecimentos é absoluta, tal como é a relação entre

ciência e sociedade. Neste contexto, a universidade produz conhecimento

que a sociedade aplica ou não, uma alternativa que “apesar de

socialmente relevante, é indiferente ou irrelevante para o conhecimento

produzido.” (SANTOS, 2008, p. 41).

No entanto, por mais que a relevância social do conhecimento

produzido pela universidade não seja o principal direcionador das

pesquisas realizadas, é necessário reconhecer que a universidade possui

também funções sociais, simbólicas e culturais, além da dimensão

econômica (BOURDIEU, 1996; PIRES, 1996). Para Almeida Filho

(2008, p.177), por exemplo, “a educação universitária cultiva, porta e

transmite valores ideológicos, científicos, estéticos e culturais que não se

subordinam aos processos de estandardização típicos de bens e produtos

industriais.” Chaui (2003) vai além ao afirmar que a função da

universidade é a formação:

é introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido

antropológico do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação

com o ausente), é despertar alguém para as questões que esse

passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do

instituído ao instituinte. (...) há formação quando há obra de

pensamento e que há obra de pensamento quando o presente é

apreendido como aquilo que exige de nós o trabalho da

interrogação, da reflexão e da crítica, de tal maneira que nos

tornamos capazes de elevar ao plano do conceito o que foi

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

676 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

experimentado como questão, pergunta, problema, dificuldade

(CHAUI, 2003, p.12).

Quando se acrescenta a instituição mercado à discussão sobre o

papel da universidade, verifica-se que esta se encontra hoje em uma das

margens da dicotomia entre autonomia e produção de conhecimento como

bem público por um lado e as amarras e vinculações com o capital por

outro. Neste sentido, Santos (2008) relata que a universidade passou, na

década de 1990, por dois processos que ele considera faces da mesma

moeda: o desinvestimento do Estado na universidade pública e a

globalização mercantil da universidade, alterando profundamente o modo

como o bem público da universidade é produzido, transformando-o num

campo de valorização do capitalismo educacional. De acordo com o

autor, isso ocorre em dois níveis de “mercadorização”: o primeiro

induzindo a universidade pública à geração de receitas próprias,

notadamente por meio de relações com o capital, privatizando parte de

seus serviços; e o segundo, dissolvendo tendencialmente a distinção entre

universidade pública e privada:

(...) transformando a universidade, no seu conjunto, numa empresa,

uma entidade que não produz apenas para o mercado, mas que se

produz a si mesma como mercado, como mercado de gestão

universitária, de planos de estudo, de certificação, de formação de

docentes, de avaliação de docentes e estudantes (SANTOS, 2008,

p. 21).

Santos (2008) identifica ainda que a universidade tem sido exposta

a pressões contrapostas. Por um lado, a pressão da mercantilização do

conhecimento, das empresas consumidoras, utilizadoras e até mesmo

coprodutoras do conhecimento científico. Esta pressão, argumenta o

autor, visa reduzir a responsabilidade social da universidade à sua

capacidade para produzir conhecimento economicamente útil, isto é,

comercializável. Por outro lado, existe também uma pressão

hiperpublicista que busca a expansão do espaço restrito da universidade

em nome de um espaço público mais amplo e com concepções de

responsabilização social muito mais abrangentes. Esta contraposição tem

desestabilizado a institucionalidade da universidade, sua identidade social

e cultural, causando-lhe desorientação e traduzindo-se em paralisia

“disfarçada por uma atitude defensiva, resistente à mudança em nome da

autonomia universitária e da liberdade acadêmica” (SANTOS, 2008, p.

44).

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 677

Chaui (2003) argumenta que os processos de incorporação da

visão liberal da educação na década de 1990 culminaram no entendimento

da universidade como organização (na concepção hegemônica do termo,

aspecto que será mais bem detalhado adiante) e que a visão

organizacional da universidade produziu a universidade operacional:

estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e,

portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos

objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente

alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada

em microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus

estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual (CHAUI,

2003, p.7).

A autora também ressalta que, quando reduzida a uma

organização, a universidade deixa em segundo plano a formação e a

pesquisa para privilegiar a competição, já que a maior parte de suas

pesquisas é determinada pelas exigências do mercado. “Isso significa que

a universidade pública produz um conhecimento destinado à apropriação

privada. Essa apropriação, aliás, é inseparável da mudança profunda

sofrida pelas ciências em sua relação com a prática.” (CHAUI, 2003, p.

8).

De acordo com Cullen (2008), o que se observa é que se está

utilizando a ideia de autonomia universitária como “carta branca” para

converter universidades e institutos universitários em empresas que

competem no mercado, com lógicas estranhas às da universidade e com

um gerenciamento cada vez mais distante dos controles naturais e

equilíbrios próprios dos sistemas de governo instaurados nas

universidades latino-americanas desde a reforma de Córdoba em 1918.

A pressão produtivista, consequência do mercado concorrencial ao

qual se submete a universidade, acaba, na visão de Santos (2008, p.25)

por desvirtuá-la, “até porque certos objetivos que lhe poderiam estar bem

mais próximos têm sido esvaziados de qualquer preocupação humanista

ou cultural.’’

Uma das formas que a apropriação privada do conhecimento

produzido pela universidade assume está muitas vezes vinculada ao tipo

de sujeito cuja formação ela dissemina, tendo em vista que, conforme

afirma Goergen (1998), com o aumento constante da competitividade, a

educação tem sido vista como uma forma de desenvolver competências

para o mundo do trabalho, o qual não implica espaço para reflexão. Neste

contexto, “a racionalidade e a lógica próprias do mundo da produção, do

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mercado e da geração de lucros expande-se para as outras esferas da vida,

de modo que tudo começa a ser medido por tais parâmetros.”

(GOERGEN, 1998, p.9).

No entanto, paradoxalmente, em muitos casos, a universidade é

lenta demais para o ritmo do mundo empresarial que prefere optar pela

compra de pacotes tecnológicos prontos, que têm aplicações imediatas

(GOERGEN, 1998). No mesmo sentido, os empregadores argumentam

que o sistema educativo não forma os recursos humanos dos quais as

empresas necessitam atualmente. Para Cullen (2008), esta afirmação leva

à aceitação de que atores externos indiquem aos educadores o que eles

devem fazer e até como fazê-lo, com o sistema educativo desenvolvendo

um complexo de culpa, buscando cada vez mais responder a estas

demandas, desenhando currículos em conformidade com elas. Na visão

do autor, os sistemas universitários empenham-se em responder com

prontidão às demandas do mercado de trabalho com enfoques e currículos

sempre desatualizados, já que não é possível seguir o ritmo das mudanças

com a velocidade de adaptação dos espaços de produção.

Esta relação com o mercado de trabalho é pensada também por

Chaui (2003), para quem as novas formas assumidas pelo capital levam à

obsolescência cada vez mais rápida da mão de obra, abrindo espaço para

uma confusão entre educação e reciclagem. Esta última é entendida pela

autora como “aquisições de técnicas por meio de processos de

adestramento e treinamento para saber empregá-las de acordo com as

finalidades das empresas.” (CHAUI, 2003. p.11) Ou seja, conforme a

autora, é preciso distinguir o que a universidade deve fazer em termos de

educação, sendo a formação o seu papel primordial, e não a reciclagem.

Pires (1996) discorre no mesmo sentido, afirmando que a

universidade é guardiã por excelência da produção científica e cultural da

sociedade e, portanto, não pode ter o seu papel limitado apenas às regras

de adequação ao mercado, típicas de sua função econômica. Para o autor,

“a produção universitária não pode ser convertida à lógica do fetichismo

da mercadoria, na qual o produto do sistema universitário atende mais às

regras de simulação da produção global de mercadorias do que às

necessidades da sociedade.” (PIRES, 1996. p.3)

Além da inadequação na formação exigida pelo mercado, Goergen

(1998) alerta que a universidade despende um enorme esforço para

formar empregáveis que jamais serão empregados. Para o autor,

atualmente não se gera nem se cria empregos, apenas os empregos são

disputados e, assim, o emprego que a universidade ajuda alguém a

conquistar representa necessariamente o sacrifício de outro empregado.

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 679

Por isso há que ter cuidado quando se imagina, nas condições

atuais, que a formação profissional é o pleno exercício da função

social da universidade. O auxílio é prestado àqueles que conseguem

vencer as barreiras de acesso dos famigerados exames de ingresso,

o que geralmente está reservado aos filhos já privilegiados da

sociedade. Estes então terão, ao final de sua formação, mais

condições de vencer a luta. Mas esta luta não é a luta por mais um

lugar de trabalho, mas pelo lugar de trabalho de outro (GOERGEN,

1998, p.8).

Pires (1996) mostra que para alguns defensores do ideário do

discurso neoliberal as universidades devem, entre outras coisas, estar

voltadas para o mercado e para a promoção do desenvolvimento de

inovações tecnológicas, direcionadas para o aprimoramento da

competitividade do sistema produtivo nacional. Sem desconsiderar a

validade destas afirmações, o autor argumenta que tais funções não são

suficientes para orientar e tornar consistente o verdadeiro papel que a

universidade deve cumprir na formação profissional, na resolução dos

problemas sociais e, finalmente, na promoção do desenvolvimento social,

Conforme salienta Goergen (1998, p.78), a popularidade de

conceitos como sociedade de conhecimento e de economia baseada no

conhecimento, em especial nos países centrais, revela a pressão que tem

sido exercida sobre a universidade “para produzir o conhecimento

necessário ao desenvolvimento tecnológico que torne possível os ganhos

de produtividade e de competitividade das empresas”, sendo a

universidade pressionada “para transformar o conhecimento e os seus

recursos humanos em produtos que devem ser explorados

comercialmente” (GOERGEN, 1998, p.78). Ao encontro deste

pensamento, Chaui (2003, p.8), complementa que a noção de sociedade

do conhecimento está plenamente alinhada às demandas de informação

advindas do mercado e, portanto, é regida por sua lógica, não sendo

“propícia nem favorável à ação política da sociedade civil e ao

desenvolvimento efetivo de informações e conhecimentos necessários à

vida social e cultural.” De acordo com a autora:

A noção de sociedade do conhecimento, longe de indicar uma

possibilidade de grande avanço e desenvolvimento autônomo das

universidades enquanto instituições sociais comprometidas com a

vida de suas sociedades e articuladas a poderes e direitos

democráticos, indica o contrário; isto é, tanto a heteronomia

universitária (quando a universidade produz conhecimentos

destinados ao aumento de informações para o capital financeiro,

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

680 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

submetendo-se às suas necessidades e à sua lógica) como a

irrelevância da atividade universitária (quando suas pesquisas são

autonomamente definidas ou quando procuram responder às

demandas sociais e políticas de suas sociedades) (CHAUI, 2003,

p.8).

Para Goergen (1998), o sentido social da universidade está sendo

abreviado e reduzido à função de prestar serviços e cooperar com

empresas. Sem negar que isto possa também ser socialmente relevante, o

autor acredita que o sentido social da universidade vai muito além disso.

Neste mesmo sentido, Chaui (2003) afirma também que é necessário

focar a universidade com base em sua autonomia e em sua expressão

social e política, com o cuidado de não torná-la acessório da ideia de

modernização que, no Brasil, está relacionada à submissão da sociedade e

das universidades a modelos e critérios que servem aos interesses do

capital, e não aos direitos dos cidadãos.

De acordo com Cullen (2008), a universidade não pode ser refém

do mercado de trabalho, ela deve formar profissionais para novos

trabalhos demandados pelos tempos atuais, e não apenas para servir ao

paradigma do eficientismo econômico. A formação universitária, na visão

do autor, deve se desenvolver focada na mudança tecnológica e não no

mercado de trabalho. O objetivo é transformar a sociedade, gerando

processos de melhora política e de compreensão das novas realidades

diante da globalização, induzindo processos de modificação destas

realidades que não são satisfatórias, principalmente para os países

periféricos, e coordenando esforços para dar resposta aos novos

problemas e desafios que embasam o desenvolvimento para a

sustentabilidade ética, humana e ambiental. Neste sentido, conforme o

autor:

la universidad debe plantearse la necesidad de formar

profesionales para que sean agentes vectores de cambios en los

estudios jurídicos y contables, en la gestión de los gobiernos y de

las empresas, en los consultorios, en los medios de comunicación,

en la generación de ONG, en las usinas intelectuales, en lãs artes,

en las PYME, en las fábricas y talleres, en las consultorías, en

la gestión de actividades recreativas y deportivas. Nuestros

profesionales están destinados a ser líderes sociales y hay que

formarlos para que sean fermento de modificación de lãs tendencias

que han generado un progreso que acrecienta las

desigualdades y La exclusión. Si no hay masa crítica de líderes

sociales formados en valores éticos y ciudadanos, solidarios,

con visión crítica y autonomía cultural para ejercer el poder de

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 681

discriminar imposiciones injustas de los sectores más fuertes, no se

van a poder vencer las tendencias dominantes, porque es muy

grande la fortaleza de esos sectores (CULLEN, 2008, p. 4).

A universidade, afirma Goergen (1998), deve ir além de seus

deveres no campo da ciência e tecnologia, assumindo também a

responsabilidade pela emergência de um comprometimento com a

reconstrução de uma sociedade que seja capaz de reinventar uma cultura

mais humana. Para o autor, é preciso encontrar um novo equilíbrio entre a

formação técnico/profissional e a formação humanista/cultural, não

apenas abrindo espaços no currículo para a abordagem de temas

humanísticos ou de artes, mas de ampliar com todo o rigor o conceito de

formação acadêmica, o que implica uma revisão profunda da prática

acadêmica à qual estamos acostumados atualmente. Cullen (2008)

acrescenta que todo egresso deve ter as condições para desempenhar sua

profissão específica, mas também adquirir ferramentas para contribuir, ao

exercer seu trabalho, com a mudança da sociedade.

Neste processo, Goergen (1998) lembra que a legitimação e

responsabilização da universidade em relação a certos interesses e aos

grupos sociais que os sustentam pode significar sua deslegitimação e

desresponsabilização em relação a outros interesses e a outros grupos

sociais subalternos, populares. Portanto, é preciso que “a universidade

possa desenvolver espaços de intervenção que, de algum modo,

equilibrem os interesses múltiplos e mesmo contraditórios que circulam

na sociedade e que, com maior ou menor poder de convocação,

interpelam a universidade.” (GOERGEN, 1998. p.79) Santos (2008, p.82)

argumenta na mesma direção, afirmando que “a responsabilidade social

da universidade tem de ser assumida pela universidade, aceitando ser

permeável às demandas sociais, sobretudo àquelas oriundas de grupos

sociais que não têm poder para as impor.”

A reflexão de Severino (2002, p.10) põe ainda em questão o

aspecto ético intrínseco ao processo educacional. Para ele, “construir o

futuro implica investir na educação, na perspectiva de uma política

educacional intrinsecamente voltada para os interesses humanos da

sociedade, visando à superação intencional e planejada de suas forças de

exclusão social.’’

Partindo destas reflexões, a questão que segue é onde se situa o

curso de Administração na formação de profissionais e também de

indivíduos que sejam capazes de começar a se interrogar, como afirma

Enriquez (2006). Para o autor, “é necessário que haja pessoas que possam

ajudá-los a analisar o que estão fazendo, a fim de que possam pensar

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

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novos projetos, construir novas instituições, (...) e, talvez, um dia, formar

um novo paradigma social e humano” (ENRIQUEZ, 2006. p.11)

O ADMINISTRADOR, A SOCIEDADE E A FORMAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

A definição de administrador dada pelo dicionário é aquele “Que

administra. Concernente ou pertencente à administração pública ou

particular. O que tem a seu cargo a administração pública total ou parcial.

O que dirige ou superintende estabelecimento público ou particular.”

(MICHAELIS on line, 2010) Este “estabelecimento” público ou particular

ao qual se refere a definição trata-se de uma organização social. A palavra

organização, por sua vez, pode designar uma série de diferentes espaços

sociais: empresas, corporações, associação, clubes, escolas, hospitais,

organizações de base comunitária, cooperativas, sindicatos, ONG´s,

partidos políticos entre tantas outras. O próprio dicionário mostra diversas

possibilidades de aplicação do termo: empresa, indústria, conjunto de leis,

organização não governamental, organização social (MICHAELIS on

line, 2010).

No entanto, esta múltipla interpretação da palavra organização não

é assim tão clara ou frequente no campo dos estudos organizacionais ou

mesmo da administração; comumente, ela está associada à ideia de

empresa. Para Solé (2004), a primeira utilização do termo organização

como sinônimo de empresa aparece no artigo “The nature of the firm”,

escrito em 1937, por Ronald Coase. A partir dos anos de 1950 esta

linguagem se impõe nos Estados Unidos e, por mimetismo, em toda a

parte. Conforme percebe Böhm (2006), há uma noção hegemômica do

termo, segundo a qual organização está restrita ao conjunto de entidades

formais e instituições onde a organização social parece sempre formada,

pré-determinada e dada.

De acordo com esta noção, afirma Böhm (2006, p.5):

“organização diz respeito à administração e manutenção de um mundo

técnico, ordenado, caracterizado por divisões claras do trabalho,

profissionalismo, burocracia e corpos racionais que podem ser situados,

medidos e representados”. Neste sentido, Costa e Carrion (2009, p.73)

afirmam que “sob o abrigo da ciência normal os modelos de

desenvolvimento se fortaleceram como modelos únicos de organização

social, econômica, política e cultural, pretendendo-se assim hegemônicos

e totalitários”. Para Parker (2002 apud CLEGG, 1998, p.4):

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 683

As organizações, enquanto tipo ideal de burocracia, constituem uma

representação modernista de práticas modernistas arquetípicas,

esboçando ‘’um único conjunto de tendências empíricas,

consideradas irresistíveis e inevitáveis, as quais constituíam a

famosa racionalização do mundo, cujo sucesso seria atribuído à

burocracia enquanto mecanismo principal da sua conquista.’’

Neste contexto, o debate de grande parte da teoria organizacional,

a qual busca desenvolver conhecimentos sobre as práticas de gestão

correntes, está fundamentalmente centrado em diferentes modelos de

“como organizar organizações formais de forma mais eficiente e eficaz”

(BÖHM, 2006. p.6).

Outro aspecto importante é destacado por Ramos (1989), para

quem a teoria administrativa, ao fazer considerações acríticas sobre a

natureza humana, acaba por entendê-la sob as perspectivas operacional e

reativa. Para Ramos (1989, p.2), na perspectiva operacional a

Administração vê o homem como um “recurso organizacional a ser

maximizado em termos de produto físico mensurável.” Já sob a ótica

reativa, o homem é visto pela administração como uma variável

interdependente dentro do sistema empresarial, havendo, portanto a

necessidade de reforçar nele aqueles comportamentos que apoiem a

racionalidade específica da empresa, ajustando o indivíduo ao contexto de

trabalho.

Misoczki e Vecchio (2006) constatam que a maioria dos

personagens do campo da administração sequer aceita pensar na

possibilidade de existência de arranjos organizacionais e políticos

diferentes dos atuais, devido, principalmente, à aceitação acrítica de

discursos e recomendações que compõem a tradição teórica dos estudos

organizacionais. Neste sentido, Tenório (1998) afirma que grande parte da

pesquisa social empírica realizada no campo da gestão organizacional está

ligada ao pragmatismo e ao sucesso do mercado.

A sociedade não é constituída por um único tipo de sistema social,

tampouco se caracteriza pela homogeneidade. Pelo contrário, caracteriza-

se por uma diversidade de instituições e espaços, formas e arranjos

organizacionais que permeiam a atividade humana, havendo muitas

formas de organizar a vida social diferentes das baseadas e ditadas pelo

tipo de livre mercado que reina em grande parte do mundo (SCHREVEN;

SPOELSTRA; SVENSSON, 2008). Costa e Carrion (2009) afirmam que

a mesma pluralidade de comportamentos econômicos que se verifica na

sociedade deveria estar refletida nos estudos organizacionais, de forma a

permitir o diálogo, a negociação e a troca entre diferentes saberes e

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

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disciplinas, voltados para diferentes modos de pensar e construir o

mundo.

As características da gestão dos empreendimentos da economia

solidária ou autogestionários, por exemplo, são diferentes daquelas da

gestão empresarial, incluindo, entre outros, aspectos como administração

participativa, tomada de decisão coletiva, mecanismos de controle

definidos pelos membros, assembleia como instância maior de tomada de

decisão (ANDION, 2005; BALBINOT E PEREIRA, 2009; MISOCZKI,

2008). No entanto, para Misoczki (2008, p.1), “o tema da autogestão e da

auto-organização tem sido consistentemente marginal(izado) no campo

dos estudos organizacionais”. Ao encontro da afirmação da autora,

Balbinot e Pereira (2009) argumentam que as particularidades da gestão

de empreendimentos da economia solidária não são consideradas na

maioria dos trabalhos sobre estas organizações, desconsiderando suas

características específicas, analisando-as por meio de uma abordagem

funcionalista, baseada nos mesmos instrumentos utilizados no estudo das

organizações empresariais.

Constatando-se que a sociedade é plural e que assim o são também

as alternativas de organização humana, quer em nome de objetivos

econômicos, quer em nome de objetivos políticos e sociais, afirma-se que

a formação do administrador deveria refletir esta pluralidade,

capacitando-o para atuar nos diferentes espaços, cuja organização é

necessária, é necessário, com base em um conjunto de conhecimentos

que abrangesse as diferentes formas organizacionais, não apenas no

sentido modernista do termo.

No Brasil, no entanto, a legislação que define os campos de

atuação do administrador estabelece que a atividade profissional de

administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante o

desempenho de uma série de atividades técnicas relacionadas ao

“exercício de funções e cargos de Administrador do Serviço Público

Federal, Estadual, Municipal, Autárquico, Sociedades de Economia

Mista, empresas estatais, paraestatais e privadas” (CONSELHO

FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2010).

Ao que se pode perceber, tal definição é circunscrita à definição

dominante de organização. Apesar de ser um pouco mais abrangente,

incluindo o espaço da administração pública, sequer se menciona a

atuação em organizações como terceiro setor, economia solidária,

autogestão, cooperativas, organizações da sociedade civil. Para que se

compreendam as particularidades da formação dos administradores no

Brasil, é necessária uma breve explicação sobre as origens e a

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 685

contextualização histórica e suas influências no ensino de administração

no país.

De acordo com Covre (1981), o processo de desenvolvimento dos

cursos de administração no Brasil está diretamente relacionado à política

e à ideologia desenvolvimentistas, aplicadas inicialmente por Getúlio

Vargas na década de 1930 e, posteriormente, por Juscelino Kubtischeck

na década de 1950. Vargas apresentava um modelo desenvolvimentista de

caráter nacionalista e principalmente “autônomo”, enquanto Kubtischeck

apresentava uma política de desenvolvimento “associado”, caracterizado

pela abertura econômica de caráter internacionalista (COVRE, 1981).

Covre (1981), também aponta que esta política adotada por esses

presidentes, estava diretamente relacionada à formação de uma burocracia

nos países periféricos, assim como a sua vinculação à técnica como

solução aos problemas sócio-econômico-políticos:

O processo de “modernização” que se instaura nestes países

pressupõe que haja uma solução universal e objetiva para os

problemas dos mesmos e, em nome de uma racionalidade

ahistórica e apolítica, propõe-se resolver problemas mais profundos,

que são de origem histórica e política.” (COVRE, 1981, p. 58).

Este modelo de desenvolvimento baseado na grande empresa,

equipada com tecnologia complexa, acaba requerendo maior

burocratização e, consequentemente, demandando mão de obra

especializada, principalmente de nível superior, com competências de

análise, controle e planejamento das atividades empresariais, donde surge

a necessidade de capacitação na área de administração (SERVA, 1990;

COVRE, 1981). Interessante notar que a própria fundação das bases do

curso de Administração no Brasil já apresentava vínculos estreitos com as

necessidades do mercado e os interesses do capital privado.

Outro fator importante na formação dos primeiros (e por muito

tempo, principais) cursos de administração brasileiros, foi a atuação direta

da burguesia nacional e entidades internacionais. Estas classes, segundo

Covre (1981), não se organizam apenas para fins empresariais, mas

defendem seus interesses corporativos por meio de órgãos como:

Federação das Indústrias, associações comerciais e câmaras de comércio.

É dentro deste contexto histórico que, em 1954, é criada a EAESP,

a escola de administração de empresas da Fundação Getúlio Vargas

(FGV), localizada em São Paulo, seio empresarial brasileiro, sendo assim,

o local mais favorável para a implantação da escola, em termos do

favorecimento dos interesses empresariais. (SERVA, 1990). Para iniciar

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

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as suas atividades, a FGV firma convênio com o governo americano, que

se comprometeria a enviar professores e especialistas em administração

de empresas, principalmente da universidade de Michigan. E, em

contrapartida, a FGV enviaria docentes para pós-graduação nos EUA

(SERVA, 1990; CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO).

Serva (1990) também aponta que outro importante impulso para o

desenvolvimento dos cursos de administração no Brasil foi o novo

acordo, firmado com os EUA, em março de 1959, cujo principal objetivo

era a criação de novos cursos de administração, tendo como suporte para

tal o apoio dos EUA na assistência técnica para elaboração de currículos,

métodos e técnicas de ensino, instalação de bibliotecas e formação de

professores:

A formação de professores foi um aspecto de grande relevância. A

assistência técnica era prestada diretamente por professores

americanos que também participavam na seleção de candidatos

oriundos de áreas correlatas como direito, economia, contabilidade,

engenharia, etc. Após selecionados, esses profissionais eram

enviados aos EUA na categoria de bolsistas, onde realizavam

cursos de mestrado em administração...aqueles destinados à

docência em administração de empresas foram conduzidos à

Universidade de Michigan, sendo que alguns destes receberam

treinamento em Harvard (SERVA, 1990, p. 11).

Estas missões universitárias perduraram na EAESP até 1965,

deixando evidente a influência do ensino de Administração norte-

americano no futuro do ensino de administração brasileiro.

No entanto, é no marco do movimento de 1964, com a

concretização do projeto de desenvolvimento capitalista “associado”,

ensaiado no governo de JK, que o administrador começa a ganhar espaço,

e o desenvolvimento e crescimento dos cursos de administração

expandem-se, pois com a política internacionalizante adotada pelos

militares, as grandes empresas que aportaram no Brasil acabaram

impondo sua visão e interesse. Para reforçar este fato, logo após o

movimento de 1964, é regulamentada a profissão de administrador, pela

lei nº 4760, de 8 de Setembro de 1965, a qual dispõe sobre o exercício do

técnico em administração (SERVA, 1990).

Os cursos de administração no Brasil têm uma história muito

curta, principalmente se comparados aos cursos estadunidenses, os quais

foram inaugurados no final do século XIX, com a criação da Wharton

School, em 1881. Em 1952, ano em que se iniciava o ensino de

administração no Brasil, os EUA já formavam em torno de 50 mil

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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 687

bacharéis, quatro mil mestres e cem doutores por ano em Administração

(CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2010)

Considerando as influências na história da instalação dos cursos de

Administração no Brasil, Serva (1990) reflete a respeito dos campos nos

quais o administrador é requisitado a oferecer seus conhecimentos,

tomando por base a classificação de Guerreiro Ramos sobre os sistemas

produtivos brasileiros que indicam possíveis espaços de atuação do

administrador. Para Ramos (1989 apud SERVA, 1990. p.12), estes

sistemas produtivos seriam os seguintes:

I) Sistema Oligopolizado: Composto por empresas que se dedicam

à produção de bens e/ou prestação de serviço de alta sofisticação

tecnológica e mercadológica. Estas empresas dominam amplamente

o mercado em que atuam e são essencialmente cosmopolitas, pois

estão funcionalmente articuladas (quando não subordinadas) a

empresas e instituições que operam nos centros mais

desenvolvidos;

II) Sistema de Produção de Relativa Competitividade: Composto

por empresas que atuam em ambientes competitivos, aproximando-

as dos modelos clássicos de economia de mercado.

Predominantemente (embora não exclusivamente), é representado

por médias e pequenas empresas.

III) Sistema Fronteiriço: composto por organizações que se

encontram em uma das duas situações extremas: ou adquirem certas

características que as aproximam dos oligopólios, ou, ao contrário,

estão sendo excluídas do mercado por força de fatores tecnológicos

e mercadológicos.

IV) Sistema Quase formal de microprodução: onde certos aspectos

da lógica inerente à teoria do mercado se aplicam, embora de forma

flexível, instável e episódica. O artesão, o profissional liberal, o

intermediário de negócios, etc. são exemplos desta categoria.

V) Sistemas Conviviais e Comunitários de Produção: incluem as

associações de pequenos grupos para a produção de bens e serviços.

É o caso, por exemplo, da comunidade social que organiza

pequenas creches, da prestação de serviços comunitários, de certos

tipos de cooperativas da pequena agricultura de hortigranjeiros, etc;

Guerreiro Ramos (1989) também inclui no VI sistema produtivo,

todo o aparelho estatal em todas suas esferas (federal, estadual e

municipal).

Serva (1990) complementa a análise, indicando que o ator que

teria condições de transformar e, consequentemente, criar novos sistemas

produtivos, seria o empreendedor, principalmente destacando o seu papel

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

688 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

nos sistemas produtivos de relativa competitividade, como quase formal

de microprodução e conviviais comunitários.

No entanto, mesmo diante da pluralidade de possibilidades de

atuação, Serva (1990) constata que o suporte teórico oferecido pelas

escolas de administração se destina quase que exclusivamente ao sistema

oligopolizado de produção, mesmo que apenas 10% das unidades

empresariais brasileiras estivessem contidas neste sistema. Este fato faz

com que se aprofunde a distância entre teoria e prática quando observado

o aporte teórico oferecido em face aos demais sistemas produtivos.

Acrescenta-se a isso o fato de que as práticas gerenciais, ideologias,

técnicas e paradigmas adequados ao sistema oligopolizado de produção,

em sua maioria, não podem ser transferidas aos demais sistemas.

Para Serva (1990), isto acaba por gerar a impressão de que o que

se aprende na prática cotidiana do trabalho é o que realmente será útil e

válido para o desenvolvimento profissional, e não o ensino na

universidade que, devido à defasagem e inabilidade de oferecer respostas

às complexidades impostas à realidade do profissional de administração, é

interpretado como “apenas o caminho para o alcance do bacharelado

ritual formalístico institucionalmente exigido para o acesso ao campo

profissional.” (SERVA, 1990, p.15).

Mesmo enfocando apenas um sistema na formação profissional, o

curso de administração, em geral, ainda apresenta deficiências, as quais

são apontadas pelo próprio mercado. Neste sentido, Tachizawa, Cruz

Junior, e Rocha (2001) fazem alguns apontamentos acerca do ensino de

administração com base na pesquisa desenvolvida em 1999 pelo Conselho

Federal de Administração. De acordo com os autores, os resultados

demonstraram que o ensino de Administração no país “é teórico, não é

prático, não proporciona visão geral da organização empresarial, há um

aprendizado de matérias inúteis e currículos não adaptados.”

(TACHIZAWA; CRUZ JUNIOR; ROCHA, 2001, p.23).

Neste contexto, Serva (1990) afirma que o suporte teórico que os

estudantes de administração recebem nas universidades brasileiras é

inadequado face às complexidades e à abrangência do seu campo de

atuação. Um olhar atento às referências utilizadas pelos cursos de

Administração no Brasil permite constatar a tendência a uma visão

simplificadora e harmoniosa da realidade, levando Maranhão e Motta

(2007) a concluírem que a educação não é neutra e que o discurso

presente na mídia de massa e nas principais fontes de pesquisa utilizadas

pelos alunos dos cursos de administração é persuasivo, tentando

convencer o leitor de uma determinada visão das organizações e do

universo no qual estão inseridas.

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 689

O uso da literatura pop management também é um aspecto

ilustrativo desta problemática. Paes de Paula e Wood Jr (2002) mostram

que textos de autoajuda são adaptados ao contexto corporativo e são

fortemente presentes neste tipo de literatura, assumindo caráter

eminentemente prescritivo, além de atuar de forma integrada,

similarmente ao que ocorre com os contos infantis sobre as crianças,

podendo afetar o desenvolvimento da identidade dos indivíduos. Estudos

como o de Carvalho, J. Carvalho e Bezerra (2010) evidenciam que os

estudantes de administração são relativamente incapazes de fazer

distinção entre livros pop management, livros esotéricos e aqueles de

autoajuda, alertando para a gravidade da utilização deste tipo de

referencial nos cursos de administração.

Nos livros considerados didáticos, também se percebem

dificuldades em uma contextualização mais ampla na formação do

administrador. Em sua análise, Morais (2007) demonstra que os manuais

de administração apresentam um conjunto de doutrinas que tratam de

forma metodológica e ideológica profundamente idêntica os diferentes

temas abordados nas teorias em organizações. A história do pensamento

administrativo é tratada com base em uma visão evolucionista, sem a

preocupação em se estabelecer qualquer tipo de relação entre as ideias

apresentadas e a doutrina histórica sobre a administração e o contexto

mais amplo no qual se insere.

A ênfase na dimensão econômica em detrimento das dimensões

cultural e organizacional dos conteúdos e a ética restrita ao mundo do

trabalho e dos negócios são também características dos cursos de

administração (ARAÚJO; CORREIA, 2001; SOUZA; CARVALHO;

XAVIER, 2003). Ituassu e Fontanelle (2009) denunciam o ensino em

administração como uma educação escrava de interesses gerenciais,

reforçando a necessidade de se discutirem alternativas para colocá-la a

serviço do homem.

A limitação dos cursos de administração ao ensino das

perspectivas gerencialistas encontra respaldo nas ideias apresentadas

inicialmente neste texto, como a de empresarização do mundo, discutidas

por Solé (2004) e também de visão dominante do que deve ser organizado

como prática exclusivamente empresarial (PARKER, 2002; BOHM,

2006; MISOCZKY; VECCHIO, 2006). Neste contexto, parece não haver

interesse político e social para formar um administrador dentro de uma

perspectiva crítica, na medida em que ele é formado como sujeito

operacional, implicando a introjeção, na sua formação, dos fundamentos

de uma ideologia gerencialista. Tal ideologia tem por pressuposto a noção

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

690 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

de que a ação de compreender significa medir, ela transmuta a economia

em matemáticas, analisa a organização sob uma ótica funcionalista, faz

predominar a discussão dos meios sobre as finalidades, considera a

pesquisa e o conhecimento válidos apenas na medida em que levam a

soluções operacionais e entende o ser humano como um fator da empresa

(GOULEJAC, 2007). As bases paradigmáticas destes fundamentos

impedem um aprofundamento crítico e reflexivo, politicamente situado,

do papel do administrador em seu contexto social.

É oportuno enfatizar também que, embora haja discussões em

torno do surgimento de novas formas organizacionais, as quais estariam

demandando novas posturas por parte dos administradores, estas formas

continuam reféns de uma racionalidade instrumental (DELLAGNELO;

MACHADO-DA-SILVA, 2000), reforçam e sofisticam os mecanismos de

controle sobre os indivíduos (SILVA, 2003), mantendo os princípios

fundantes da burocracia, inaugurando, assim, a chamada “burocracia

flexível” (PAES DE PAULA, 2002). Diante deste cenário, surgem muitos

questionamentos acerca do processo de formação do administrador no

Brasil. Os autores compartilham a visão de Paes de Paula e Rodrigues

(2006), Maranhão e Motta (2007), Maranhão e Paes de Paula (2008)

como possível de vislumbrar um projeto político pedagógico para o curso

de Administração que, mesmo com limitações no sentido de abranger o

objetivo da emancipação humana, possa ao menos ser mais esclarecido,

menos limitado, a fim de que, com base em uma consciência crítica

historicamente situada, o processo de aprendizagem se concretize em todo

seu potencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho mostra a reflexão a respeito da responsabilidade da

universidade como formadora de indivíduos atuantes na sociedade, de

acordo com as suas necessidades em sentido amplo, extrapolando sua

relação com o mercado, segundo a qual a universidade seria fonte de

capacitação para o mercado de trabalho. Muito, além disso, argumenta-se

que é preciso que a universidade se configure como um espaço que

viabilize e estimule a emancipação humana, baseado em uma visão crítica

da história, da realidade e da possibilidade de construção de futuros

alternativos, numa verdadeira sociologia das emergências, como propõe

Santos (2002) e não linearmente concebidos como inevitáveis.

Diante das transformações que vêm ocorrendo no contexto

universitário, como a pressão pela mercantilização do conhecimento

Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 691

(SANTOS, 2008), a incorporação da visão liberal (CHAUI, 2003), a

pretensa autonomia universitária (CULLEN, 2008), a apropriação da

racionalidade própria do mercado (GOERGEN, 1998) e a formação que

objetiva a produção (PIRES, 1996), o papel da universidade na sociedade

precisa ser refletido, discutido e repensado, no sentido de definir de forma

mais clara a função que se espera dela, em especial da universidade

pública, em um contexto político, econômico e social como o dos países

periféricos, marcado pelo desenvolvimento dependente e pelas inúmeras

desigualdades sociais.

O curso de Administração enfrenta, neste sentido, o desafio de

definir autonomia e identidade em um contexto no qual a universidade

encontra-se vinculada fortemente às demandas do mercado e à formação

de pessoas para servir aos objetivos do capital privado. Para isso, será

preciso reconhecer que existem diferentes espaços constituídos por

diferentes organizações e que organizar não é uma prática circunscrita à

noção dominante daquela que atua no mercado com predominância da

racionalidade instrumental e objetivo de lucro econômico. Nestes

diferentes espaços, há diferentes necessidades com relação ao papel

desempenhado pelo administrador, o que requer que este desenvolva

posturas diversas para atuar nas várias formas de organização social

presentes em nossa sociedade.

O enfoque curricular e a literatura predominantemente utilizada

nos estudos organizacionais e nos cursos de Administração aparecem

como fontes reprodutoras da lógica dominante, dando ênfase ao caráter

utilitário e à razão instrumental, esvaziando a concepção de possibilidades

alternativas a este modelo. Importa refletir que o fato de existir uma

concepção hegemônica de organização não significa que não existam

outras possibilidades que precisam, primeiramente, ser reconhecidas pelos

estudos organizacionais e, baseadas neles, estudadas e analisadas nas

escolas de Administração que pretendam cumprir seu papel de formação

de sujeitos atuantes na transformação da sociedade.

O exercício de reflexão proposto por este artigo sugere ampliar as

pesquisas no sentido de compreender os caminhos que vêm trilhando a

formação do administrador no Brasil, no intuito de, ao desenvolver uma

sociologia das ausências (SANTOS, 2002), identificar as práticas que se

distanciam do modelo dominante, construindo uma sociologia das

emergências (SANTOS, 2002), a qual enuncie possibilidades que tenham

como horizonte práticas alternativas mais coerentes com as necessidades

da sociedade, considerando diferentes espaços e diferentes momentos

históricos.

Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés

692 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

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696 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011

DADOS DOS AUTORES

REBECA DE MORAES RIBEIRO DE BARCELLOS ([email protected])

Mestre em Administração pela ESAG/UDESC

Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis/SC – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Novas formas organizacionais;

organização da resistência; produção cultural independente e teoria

política do discurso.

ELOISE HELENA DO LIVRAMENTO DELLAGNELO ([email protected])

Doutora em Engenharia de Produção pela UFSC

Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis/SC – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Novas formas organizacionais; novas

práticas de organização; resistência; Ongs; Análise Crítica do Discurso e

Pesquisa em Administração.

GABRIEL PORTELA SALIÉS ([email protected])

Graduando em Administração pela UFSC

Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis/SC – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Ensino em Administração; produção

cultural independente e música independente.

Recebido em: 24/08/2011 • Aprovado em: 18/11/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 697

QUEM ENSINA UM PROFESSOR A SER ORIENTADOR? PROPOSTA DE UM

MODELO DE ORIENTAÇÃO DE MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES

WHO TEACHES A TEACHER TO BE AN ADVISOR? PROPOSING A MODEL OF

GUIDANCE FOR MONOGRAPHS, DISSERTATIONS AND THESES

SÔNIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS ([email protected])

FACULDADE BOA VIAGEM

ROBERTO PATRUS

YANA TORRES DE MAGALHÃES

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

RESUMO

Este artigo apresenta uma proposta metodológica de orientação de

trabalhos monográficos. Constitui-se na descrição de um modelo de

orientação que vem sendo utilizado pelos autores com êxito. A função de

orientar trabalhos acadêmicos não costuma ser objeto de aprendizagem na

formação dos professores. Aprende-se na prática. Para os alunos, escrever

a monografia é desgastante. Tendo em vista essa lacuna, o texto oferece

ao meio acadêmico uma alternativa de orientação de trabalhos

acadêmicos, por meio de uma planilha didática. Espera-se assim,

minimizar a lacuna presente na literatura, que aponta a ausência de

parâmetros de orientação.

Palavras-chave: orientação de trabalhos acadêmicos; formação do

professor; ensino em Administração.

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

698 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

ABSTRACT

This paper presents a methodological proposal for offering guidance in

the field of academic works. It comprises a description of a template that

has been successfully used by the authors. Generally, providing guidance

for academic works is not included in the curriculum for teaching

courses. Teachers learn how to give guidance on the job. Writing

monographs represents difficult work for the majority of students and,

due to this gap, this paper offers teachers an alternative methodology for

providing guidance through the use of a didactic worksheet. It is hoped

that this will help fill the gap present in the literature, which points to an

absence of guidance parameters.

Keywords: academic guidance; educating teachers; teaching in Business

Administration.

INTRODUÇÃO

Tenho um casal de amigos que há uns dez anos preparam suas teses. Cada

um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:

- Não vou mais estudar! Não vou mais à escola.

Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses.

- O quê? Pirou?

- Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na

vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A

gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a

tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero

estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês

acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?

Mario Prata

(O Estado de S. Paulo, 07/10/1998).

Não é raro que, entre os colegas, um aluno de mestrado ou

doutorado se refira ao seu orientador como o seu desorientador. O

sofrimento do aluno no processo de elaboração de sua monografia,

dissertação ou tese é testemunhado por todos aqueles que estão presentes

no meio acadêmico.

A crônica de Mario Prata, de onde foi retirada a epígrafe deste

artigo, é vivida por muitos doutorandos. Freitas (2001; 2002) apresenta

um “guia de sobrevivência” para superar as “aventuras e desventuras”

desta tarefa acadêmica. Sternberg (1981) também usa o verbo sobreviver

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 699

(survive) para se referir à dificuldade de conclusão de uma tese de

doutorado. De fato, a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso

por um graduando, de uma monografia por um pós-graduando lato sensu,

de uma dissertação por um mestrando e de uma tese por um doutorando é

uma das fases mais difíceis para os alunos (LEITE FILHO; MARTINS,

2006).

Uma das causas para a dificuldade deste processo é o despreparo

do professor orientador (CASTRO, 1979; MARTINS, 1997; ECO, 1998;

BIANCHETTI; MACHADO, 2002; BERNT, 2003; MOSES, 1984;

RUDD; 1984; LUNA, 1983; CARVALHO, 1994; REIS, 2009;

PICCININ, 2003; WARDE. 1997; HAGUETTE, 1994; COSTA, 2004;

SANTOS FILHO; CARVALHO, 1991). A dificuldade de acesso ao

orientador também é atribuída como problema para a orientação dos

alunos e, consequentemente, para a realização da defesa da dissertação ou

tese (FRAME; ALLEN, 2002). Bianchetti e Machado (2009; p.52)

constataram por meio de pesquisa o fato de que “não há, formalmente, um

curso ou disciplina para formar orientadores”. É como se o fato de ter

sido orientado o tornasse apto a orientar e ensinar habilidades de pesquisa

e redação de relatórios, teses e dissertações (SANTOS FILHO;

CARVALHO, 1991; MARTINS, 1997; KNIGTH; ZUBER-SKERRITT,

1986). Estratégias de orientação coletivas são inclusive apontadas como

espaço privilegiado para este tipo de aprendizagem, (MACHADO;

BIANCHETTI, 2006), mas de maneira informal.

As metas da pós-graduação brasileira até meados da década de

1990 focavam a formação de professores para o ensino superior. O foco

atual da pós-graduação stricto sensu é a formação do pesquisador

(BIANCHETTI; MACHADO, 2009; p.59). A política de avaliação da

Capes para o ensino superior, ao associar avaliação e financiamento,

incentiva o incremento da competitividade na pós-graduação e uma

expansão sem precedentes da produtividade, com grande pressão por

publicação, de preferência em canais de alto impacto (SGUISSARDI,

2006; BAÍA HORTA, 2006; BIANCHETTI; MACHADO, 2009).

Uma dissertação ou tese não deve dar trabalho ao avaliador, além

daquele que a sua criteriosa avaliação exige. Dada a intensificação cada

vez maior do trabalho docente (FIDALGO; OLIVEIRA; FIDALGO,

2009), não é inteligente da parte do candidato a mestre ou a doutor tomar

o tempo do avaliador em questões de forma ou de estrutura. Em tese, a

estrela do trabalho deve ser o conteúdo, não a forma. De acordo com

Feofiloff (2010), toda vez que desrespeita uma regra de gramática, usa

uma palavra inadequada ou atropela uma convenção tipográfica, o autor

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

700 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

“atrai a atenção do leitor para a forma”. Toda vez que arranha a forma, o

autor “impede que o leitor concentre sua atenção sobre o conteúdo”. Por

isso, e só por isso, uma boa forma é tão importante. Quanto melhor a

forma, mais ela é transparente e imperceptível, da mesma forma que um

bom juiz de futebol é aquele que não se faz perceber durante a partida.

Quanto melhor a forma, mais fácil é concentrar a atenção sobre o

conteúdo. A forma é secundária em um texto; o importante é o conteúdo.

Mas uma forma defeituosa distrai a atenção que deveria estar concentrada

no conteúdo. Feofiloff (2010) ilustra suas ideias com a seguinte história:

Antonio oferece um copo de leite a José:

— Você vai gostar desse leite, José. Fresquinho. Direto da fazenda do

meu avô.

— Mas esse copo está sujo…

— Pare de prestar atenção no copo, Zé! O leite é excelente!

— Mas o copo está sujo por dentro…

— Eu sei que está sujo. Mas o copo não importa. Eu estou falando do

leite!

Quem dos dois está certo? Antonio cometeu o erro de desviar a atenção

do José do leite para o copo. Se tivesse usado um copo limpo, o José nem notaria

que o leite estava dentro de um copo.

Há uma relação inextrincável entre forma e conteúdo. Entretanto,

é possível se valer dessas categorias, de modo independente, para fins de

análise. Para fins deste artigo, é importante perceber que um texto pode

ser avaliado sob a forma e sob o conteúdo, separadamente. Em um texto

científico, a forma deve ser válida e o conteúdo deve ser verdadeiro. Mas

ambos podem ser analisados separadamente. É claro que o conteúdo deve

ser verdadeiro, mas aqui o que mais interessa são os cuidados formais que

se deve ter com o texto.

A motivação para a redação desse artigo reside na constatação de

uma lacuna na formação de nossos mestres e doutores, reféns, na maioria

das vezes, das suas bem ou mal sucedidas experiências como orientandos.

Não há um ensino formal aos futuros orientadores acerca do processo de

orientação de alunos para elaboração de trabalhos monográficos. Os

orientadores se tornam orientadores na prática. Nosso objetivo é

compartilhar uma experiência que vem obtendo êxito no processo de

orientação de trabalhos acadêmicos, nos níveis de mestrado e doutorado.

Trata-se de uma proposta de método de orientação, cuja origem remete à

experiência acumulada na vida universitária de uma das autoras deste

trabalho. Depois de se aposentar em uma universidade federal, o trabalho

de orientação de alunos de um mestrado profissional em uma instituição

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 701

privada instigou-a a colocar no papel a essência do que ela sempre disse a

seus orientandos: a dissertação deve estar “amarrada”, cada capítulo

costurado por um fio condutor que amarre o texto e dê a ele organicidade,

clareza e uma estrutura visível que facilite a vida do leitor. Atualmente,

essa autora participa, com os coautores deste artigo, de um projeto que

visa à formação de professores de Administração na rede formada pelas

respectivas instituições de pós-graduação participantes. Um dos focos da

formação almejada é a preparação de melhores orientadores. Cursos e

seminários com este tema têm sido realizados com alunos dos programas

e com os professores da graduação das instituições parceiras do projeto,

financiado pela Capes.

Procura-se, assim, com este artigo, oferecer uma alternativa de

orientação de trabalhos acadêmicos, por meio de parâmetros claros sobre

as características que o trabalho a ser executado pelo aluno deve ter.

Espera-se assim, minimizar a lacuna apontada por Sanches (1992), que

afirma que a ausência de parâmetros de orientação é um dos fatores que

afetam os prazos para a conclusão de dissertações.

Com este propósito, o texto se divide em seis partes, incluindo

essa introdução. A seção a seguir faz um breve posicionamento teórico

acerca da proposição de um método que para alguns teóricos da Didática

pode ser considerado cartesiano. Em seguida, apresenta-se a planilha e se

detalha o seu uso como ferramenta para a elaboração do trabalho de

monografia, dissertação ou tese. Finalmente, conclui-se o artigo e

apresentam-se as referências.

POSICIONAMENTO TEÓRICO

Todos sabem que o conhecimento do professor não é condição suficiente

para que ele seja um bom orientador, embora seja condição necessária. A

capacidade de orientar a pesquisa do aluno e a sua escrita é também

fundamental. Conhecimento de metodologia científica não implica

necessariamente competência para orientar alunos. O saber orientar está

associado a uma competência didática do professor orientador, que exige,

inclusive, capacidade de relacionamento com o aluno orientando.

Entretanto, a ideia de que didática é saber ensinar a fazer a dissertação ou

tese não é consenso entre os educadores que estudam este campo da

pedagogia. A Didática em suas origens foi identificada com uma

perspectiva normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar, mas

a história da Didática já contestou a sua universalidade. Em épocas do

predomínio dos saberes pedagógicos, a Didática preconizou o valor do

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

702 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

relacionamento entre o professor/orientador e os alunos como

determinante do sucesso da aprendizagem/orientação, constituindo-se,

assim, em uma psicopedagogia. Quando as técnicas de ensinar passaram a

ser o foco da didática, ela se idealizou como uma tecnologia. A

contestação do tecnicismo e a convicção de que as técnicas serviam a

interesses ideológicos de uma classe dominante converteram a didática

em uma sociologia, que passou a se preocupar com as concepções de

educação, suas finalidades e seus usos (PIMENTA; ANASTASIOU,

2008).

Por detrás destas diferentes perspectivas de se ver a didática,

observa-se uma polaridade nas lógicas subjacentes de raciocínio acerca da

educação, cujo debate se fez histórico (ANDRÉ, 1992; ANDRÉ;

CANDAU, 1984; CANDAU, 1991; CANDAU; LELLIS, 1983;

LIBÂNEO, 1983; MARTINS, 1989; OLIVEIRA, 1988; SILVA, 1983;

SOARES, 1985). De um lado, há uma razão instrumental, preocupada em

adaptar os meios ao fim particular a que visa, que “tem compromisso com

o saber-fazer instrumental e o resultado prático [...] para o qual contam

prioritariamente a gestão, a planificação, a eficácia, o sucesso.”

(SGUISSARDI, 2006, p. 52). Essa lógica, fortemente associada às

organizações capitalistas é identificada com a lógica do capital. De outro

lado, há uma razão substantiva, que se caracteriza por estar comprometida

com os fins coletivamente reconhecidos e os valores que os sustentam.

Ao contrário da preocupação com o controle e a regulação, essa lógica

promove a reflexão e o questionamento, ou seja, a produção de sentidos

(SGUISSARDI, 2006). Pensar na didática como uma técnica parece, à luz

da razão substantiva, conceber a educação como um produto, uma

semimercadoria, própria dos modelos de gestão do sistema capitalista.

Pensar em didática apenas como reflexão sobre a prática docente, por

outro lado, parece, à luz da razão instrumental, um procedimento pouco

eficaz para formar professores que, na sua prática, precisarão organizar o

seu fazer docente, preparar as suas aulas, elaborar as provas e avaliações,

escrever seus planos de ensino, e promover o clima de aprendizagem em

sala.

A perspectiva teórica que embasa a iniciativa dos autores deste

artigo e do grupo de pesquisa ao qual pertencem considera que é falsa a

dicotomia entre as perspectivas instrumental e substantiva. Essa

polaridade acompanha as ciências humanas desde sua origem, vacilando

entre a concretização e a abstração, sob diferentes formas, seja

empirismo/racionalismo, seja funcionalismo/estruturalismo, seja

realismo/ idealismo. No âmbito da Didática, há, de um lado, a valorização

dos meios e estratégias de aprendizagem. De outro lado, como antítese, a

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 703

crítica à aparente neutralidade dessa posição apontou a sua dimensão

política. Urge a elaboração de uma síntese que concilie a importância da

competência didática do professor com a compreensão da Didática

engajada no contexto sócio-histórico-cultural. Considera-se, assim, que

não se pode pensar em Didática sem levar em conta as concepções de

educação e seus fins, assim como parece algo reducionista, desprezar a

importância do preparo técnico do professor para lidar com o cotidiano da

escola. Considerar o processo educacional não implica o desprezo pelos

resultados e a sua avaliação.

Enfim, o grupo de pesquisa está empenhado em posicionar-se

teoricamente, a fim de estabelecer os parâmetros epistemológicos de suas

investigações, atividades e projetos. Postula-se a necessidade de

articulação dialética entre a razão instrumental e a razão substantiva,

presentes na história da Didática, a fim de reconhecer a importância de

ambas em favor da melhor formação dos professores de ensino superior.

Defende-se a ideia de que a denúncia da aparente neutralidade da técnica

não deve significar o abandono do seu uso. Com base nesse

posicionamento teórico, dedica-se este artigo à proposta de estruturação

do processo de orientação de monografias, dissertações e teses, um dos

temas contemplados pelo projeto de pesquisa em andamento. A proposta

apresenta-se por meio de uma planilha, cujas células devem ser

elaboradas pelo aluno orientando. É o que será visto a seguir.

A PLANILHA

Um projeto de pesquisa na área de Administração é composto,

fundamentalmente, de Introdução (I), Fundamentação Teórica (II) e

Metodologia (III). A dissertação ou tese é complementada com a Análise

dos Dados (IV) e as Conclusões (V). No modelo aqui apresentado, a

Introdução (I) é composta dos seguintes itens: contextualização (a),

pergunta de pesquisa (b), objetivo geral (c), objetivos específicos (d),

justificativas práticas (e) e justificativas teóricas (f). A fundamentação

teórica (II) deve realizar a revisão da literatura (g) e apontar as questões

norteadoras e/ ou as hipóteses de pesquisa (h). A metodologia (III) deve

fazer um delineamento da pesquisa (i), apontar a população e a amostra

(j), indicar a instrumentação das variáveis (k), caracterizar a coleta de

dados [instrumento utilizado (l) e processo de coleta (m)], indicar os

métodos de análise (n) e os limites e limitações da pesquisa (o). A Análise

dos Dados (IV) deve apresentá-los (p), analisá-los (q) e discutir os

achados (r).

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

704 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

As Conclusões (s) devem se reportar aos objetivos específicos e

fazer as sugestões, tanto em termos de recomendações práticas - ação(t) -

como em termos de novas pesquisas (u). As partes finais da dissertação

ou tese são as referências (v), os apêndices (w) e os anexos (x).

A forma de cada um desses itens será tratada, tendo em vista os

seguintes usos do modelo:

- servir de guia para a orientação de alunos na graduação, no Mestrado e

no Doutorado;

- servir de guia para elaboração do projeto de pesquisa e do trabalho

monográfico (trabalho de conclusão de curso, dissertação ou tese);

- servir de guia para a redação do trabalho ou artigo científico.

A planilha que é a base desta proposta está apresentada na Figura 1.

Figura 1: Estrutura básica para orientação de teses e dissertações

PROJETO

I INTRODUÇÃO

Contextualização

(a)

Pergunta de

Pesquisa

(b)

Objetivo

Geral

(c)

Objetivos

Específicos

(d)

Justificativas

Práticas

(e)

Justificativas

Teóricas

(f)

1

d1 e1

2 d2 e2

3 d3 e3

4 d4 e4

n d5 e5

II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Revisão da literatura (g) Questões Norteadoras e/ou Hipóteses (h)

III METODOLOGIA

Delineamento

da Pesquisa

(i)

População

e Amostra

(j)

Instrumentação

das

Variáveis (k)

Coleta de Dados Métodos de

Análise (n)

Limites e

Limitações

(o) Instrumento

(l)

Processo

(m)

DEFESA DO PROJETO

COLETA DOS DADOS

COMPLEMENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

IV ANÁLISE E DISCUSSÃO V CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Apresentação

dos Dados (p)

Análise

dos Dados (q)

Discussão

dos

Achados (r)

Conclusões

(s)

Sugestões

Ação

(t)

Pesquisa

(u)

1

2

3

4

n

Pergunta de Pesquisa / Objetivo Geral (y)

Referências (v) Apêndices (w) e Anexos (x)

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 705

Introdução

A introdução deve abordar, inicialmente, a contextualização da pesquisa,

que prepara a colocação da pergunta de pesquisa. Da pergunta de

pesquisa, decorre o seu objetivo geral, que contempla os objetivos

específicos, fios condutores da redação. Cada objetivo específico deve ter

justificativa teórica e prática.

Na contextualização, o seu propósito é conduzir o leitor à

compreensão e à aceitação da Pergunta de Pesquisa, a “rainha” da

Introdução. A contextualização não é um subtítulo, mas apenas a

descrição de uma parte que necessariamente a Introdução deve conter.

Toda pesquisa está inserida em um contexto. Apresentar esse contexto é

fundamental para que o problema de pesquisa se apresente como o

resultado de uma reflexão realizada pela literatura, pelo autor e pela

realidade a ser investigada. Não é raro que as introduções de projetos e

dissertações falem do cenário de globalização e do ambiente de forte

competitividade. Descrições do contexto quando muito genéricas pouco

contribuem para situar a pesquisa para o leitor. O importante é, baseado

do geral para o particular, posicionar o leitor diante do contexto da

pesquisa. De onde surgiu a pergunta da pesquisa? Como ela foi

desenvolvida? Do ponto de vista acadêmico, uma contextualização da

pesquisa deve indicar de onde ela nasce, em que linha de pesquisa ela se

insere e qual a sua relação com outras pesquisas já desenvolvidas.

Metaforicamente, o contexto é a apresentação da floresta na qual se insere

uma árvore especial: a pergunta de pesquisa. A redação dessa parte da

Introdução deve, portanto, descrever a floresta (contexto) para chegar à

pergunta de pesquisa (a árvore principal).

A pergunta de pesquisa é a questão maior do estudo em questão.

Deve conter clara e objetivamente: as variáveis do estudo, a relação entre

elas que se pretende investigar ou testar e a delimitação da população.

Perguntas que podem ser respondidas com Sim ou Não devem ser

evitadas. Exemplos de perguntas de pesquisa, de duas dissertações, são

dadas abaixo:

A- Como se processam as relações de mentoria dentro da empresa

familiar Ferreira Costa?

B- Qual a relação entre certificação em conformidade com a norma

OHSAS 18001 com as taxas de acidentes de trabalho em empresas que

possuem unidades no Brasil?

A pergunta de pesquisa e o objetivo geral têm uma íntima relação

entre si. A pergunta de pesquisa dá origem ao objetivo geral, que deve ser

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

706 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

redigido com as mesmas palavras da pergunta de pesquisa, porém de

forma afirmativa. Deve-se ter especial atenção aos verbos utilizados, tanto

no problema de pesquisa quando no objetivo geral. Os objetivos gerais

abaixo indicados correspondem aos exemplos de pergunta de pesquisa:

A- Analisar como se processam as relações de mentoria dentro da

empresa familiar Ferreira Costa.

B- Analisar a relação entre certificação em conformidade com a norma

OHSAS 18001 com as taxas de acidentes de trabalho em empresas que

possuem unidades no Brasil.

Os objetivos específicos são fundamentais para uma apresentação

formalmente correta de um projeto, de uma dissertação ou de uma tese.

Eles podem ser considerados, metaforicamente, uma dobradiça, pontos

cardeais, cujas bases originam os outros tópicos que darão organicidade e

coerência ao texto. A correta elaboração dos objetivos de pesquisa e a sua

articulação com as outras seções da Introdução, com a Metodologia, com

a Análise dos Dados e com a Conclusão permitirá uma adequada

avaliação da forma do texto, condição básica para que o leitor não se

distraia do conteúdo em questão. No caso da defesa de uma dissertação de

mestrado ou de uma tese de Doutorado, é importante não dar trabalho aos

avaliadores. A banca examinadora não quer ter trabalho com a forma de

um texto. O convite aos examinadores é como a oferta de um copo de

leite. Se o examinador se preocupar com o copo em que o leite for

servido, ele vai desviar a atenção do conteúdo.

Na planilha, os objetivos específicos desenham as linhas

horizontais da tabela, que vão garantir a organização formal do texto. Os

objetivos específicos devem estar contidos no objetivo geral, isto é, eles

não devem abordar nada que não esteja abordado, direta ou indiretamente,

no objetivo geral. Como eles são passos estratégicos para que o objetivo

geral seja alcançado, este deve contemplar todos os objetivos específicos,

mesmo que indiretamente.

Abaixo, apresentamos os objetivos estratégicos de uma

dissertação de mestrado, que corresponde ao exemplo B:

d1- Mapear as empresas certificadas em conformidade com a norma

OHSAS 18001;

d2- Identificar as empresas certificadas em conformidade com a norma

OHSAS 18001 que disponibilizam, publicamente, dados sobre as taxas de

acidentes do trabalho antes e depois da certificação;

d3- Localizar e comparar a forma de divulgação das taxas de acidentes

do trabalho das empresas que disponibilizam os dados antes e depois da

certificação;

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 707

d4- Comparar as taxas de acidentes de trabalho das empresas que

disponibilizam os dados antes e depois da certificação.

Pode-se sugerir uma forma para a redação dos objetivos, que, de

um modo ou de outro deve estar presente na redação de um projeto de

pesquisa.

1º §: Introdução: o que vai falar a seção (objetivos).

2º §: O objetivo geral

3º §: Objetivo específico 1

Para alcançar este objetivo, alguns passos estratégicos são

necessários. Em primeiro lugar, é preciso (objetivo específico 1).

4º §: Objetivo específico 2

Em segundo lugar.... (objetivo específico 2).

5º §: Último objetivo

Finalmente, (último objetivo).

6º §: Conclusão (Enfim, pretende-se com esta pesquisa....).

Para cada objetivo específico, o autor deve explicitar a sua

justificativa teórica e prática. A justificativa teórica aponta a lacuna

presente na literatura sobre o tema. É neste espaço que o autor procura

demonstrar a contribuição que a sua pesquisa oferece ao campo teórico,

no sentido no minimizar a lacuna presente, seja em relação ao tema, à

abordagem, à forma de tratamento dos dados, etc. As justificativas

práticas indicam a relevância da pesquisa para os stakeholders no

trabalho, isto é, para os públicos que podem se favorecer do conteúdo e

das descobertas realizadas pela investigação. Para a elaboração da seção

justificativa, a forma pode ser a seguinte:

1º §: Introdução: o que vai falar a seção (justificativa teórica e prática).

A pesquisa sobre (tema) tem justificativa teóricas e práticas. Do

ponto de vista teórico.... Do ponto de vista prático....

2º §: O (objetivo específico 1) justifica-se na medida em que (justificativa

teórica). Na prática...

3º §: O (objetivo específico 2) justifica-se na medida em que (justificativa

teórica). Na prática...

4º §: O (objetivo específico 3) justifica-se na medida em que (justificativa

teórica). Na prática...

5º §: Conclusão (Enfim....)

A apresentação de um conteúdo deve, pois, obedecer a uma forma

que facilite a sua compreensão. Do ponto de vista formal, pode-se

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

708 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

prescindir dos conteúdos de uma seção, representando-os por meio dos

símbolos abaixo, que pode ser chamada de fórmula de texto.

Título: A

§: A: a, b, c.

§: a

§: b

§: c

§: A*

Observando a fórmula de texto apresentada, verifica-se que, logo

após o título da seção, os conteúdos nela tratados devem ser apresentados

na introdução. Em seguida, cada um dos conteúdos deve ser objeto de um

ou mais parágrafos para que, em seguida, seja feita a conclusão dos

tópicos discutidos. Eventualmente, como um subitem pode exigir um

desenvolvimento maior, aparecerá:

Título: A

§: A: a, b, c.

§: a: a1, a2, a3, a4

§: a1

§: a2

§: a3

§: a4

§: a*

§: b

§: c

§: A*

Aqui, pode-se abrir parênteses para dizer que uma dissertação

estruturada com base na planilha proposta organiza a elaboração de

artigos científicos para publicação em revistas especializadas. A linha de

corte deve ser o objetivo específico. Em tese, é possível elaborar um

artigo para cada objetivo específico ou par de objetivos específicos,

conforme o caso. Por isso é importante que haja justificativa teórica para

cada um dos objetivos específicos. Para ter um artigo aprovado em um

periódico de forte impacto no meio científico e acadêmico, o artigo deve

deixar claro a sua contribuição para a literatura ou para o estado da arte

do conhecimento da área. Em outras palavras, o artigo deve rever a

literatura e apontar a lacuna presente na mesma, que o seu trabalho

pretende minimizar. Daí duas constatações podem ser deduzidas: para

escrever uma justificativa, já é preciso ter lido muito sobre o assunto. Não

existe output se não houver input. Não existe redação de texto científico

(output), sem muita leitura (input). Sem esse preparo, é impossível

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 709

identificar uma lacuna que o artigo ou a pesquisa possa de alguma forma

ajudar a suprir.

Fundamentação teórica

As seções do capítulo da Fundamentação Teórica contemplam as ideias e

achados na literatura que conduzem a cada uma das questões norteadoras

ou hipóteses. Nessa parte, o trabalho do orientador diz respeito à escrita,

ou seja, à forma de o aluno organizar as ideias, com clareza. A elaboração

da fundamentação teórica exige leitura prévia e organização da leitura

prévia. Só existe output se houver input, ou seja, o aluno só vai ser capaz

de produzir um texto se tiver lido e organizado o conteúdo da sua leitura.

Para a elaboração do referencial teórico, será apresentado um

roteiro formal, cujos símbolos devem ser substituídos por palavras-chave.

Essas palavras-chave são descobertas com base na leitura, pois ninguém

consegue elaborar um roteiro sobre um tema sem conhecer o tema do qual

pretende falar ou escrever. Baseadas no momento em que um primeiro

roteiro é criado, as leituras passam a ter foco, isto é, o leitor sabe o que

deve retirar de cada texto. Isso é útil, porque indica o que não deve ser

lido, ou seja, que partes de um artigo ou livro são dispensáveis tendo-se

em mente o objetivo da leitura.

Tome-se o exemplo de um pesquisador da área de Ética nos

Negócios. Ele tem lido sobre o assunto e pretende escrever o referencial

teórico de uma pesquisa, baseado em um modelo que integra a ética da

convicção, a ética da responsabilidade e a ética da virtude. Grosso modo,

o seu roteiro prévio poderia sugerir a seguinte organização:

Título da seção: Um modelo de Ética nos Negócios (EN).

Introdução: O modelo de EN e seus três componentes: a ética da

convicção, a ética da responsabilidade e a ética da virtude.

A ética da convicção: definição, fundamentos filosóficos (teorias

deontológicas), aplicação na empresa (código de ética empresarial).

A ética da responsabilidade: definição, fundamentos filosóficos (teorias

teleológicas), aplicação na empresa (stakeholders afetados pela atuação

da empresa, sustentabilidade, planejamento estratégico).

A ética da virtude: definição, fundamentos filosóficos (teoria da virtude),

aplicação na empresa (comportamento organizacional, do indivíduo, do

grupo, da empresa; cultura organizacional; processos administrativos e

tecnológicos como a materialização do valor em práticas cotidianas).

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

710 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

Conclusão

As expressões que estão entre parêntesis vão sendo acrescidas na medida

em que o volume de leitura aumenta. Outras expressões podem ser

retiradas. Mas as expressões em negrito, que são constitutivas do modelo,

são essenciais. O indivíduo que pretende escrever o seu texto deve ter em

mente as expressões essenciais e, em seguida, ir acrescentando os temas

que compõem cada um destes eixos temáticos. É desse modo que o

conteúdo vai substituindo os símbolos da forma (fórmula) de um texto.

Mais uma vez, vale a pena salientar que um projeto ou uma

monografia só se materializa depois de muita leitura e estudo. Organizar

essa leitura é, portanto, fundamental. Uma vez apresentadas as ideias

gerais sobre forma e conteúdo e sua aplicação na estrutura de um texto,

abrem-se parêntesis para tratar de um método de leitura que pode ser útil

para a elaboração do referencial teórico de projeto, de uma dissertação de

mestrado ou de uma tese de doutorado.

O processo de redação de um texto científico, seja um artigo, seja

um projeto de pesquisa, seja uma monografia, seja uma dissertação, está

intrinsecamente ligado às leituras de textos científicos. Só é possível a

elaboração de um texto quando baseado na organização de ideias. Essas

ideias, mesmo que tenham origem na inspiração do autor, precisam ser

fundamentadas pelo pensamento de outros autores. Daí a impossibilidade

de separar redação e leitura.

A leitura é fundamental no processo de aprendizagem acadêmica.

Professores de pós-graduação costumam exigir dos alunos resenhas dos

textos de leitura obrigatória. De qualquer forma, o registro da leitura é um

procedimento de estudo muito interessante para quem trabalha com

pesquisa. A sua grande vantagem é permitir encontrar um pensamento,

uma definição, uma passagem de um texto sem maiores dificuldades. Não

é raro um aluno dizer que leu uma determinada passagem em um texto,

mas já não se recorda em qual. O registro de leitura será chamado de

fichamento. Serão abordados dois tipos de fichamento: a ficha-resumo e a

ficha temática.

O fichamento-resumo

O fichamento-resumo é o registro dos principais pensamentos de um

artigo, capítulo ou livro. É uma espécie de resumo do texto. Deve indicar,

em primeiro lugar, a sua referência bibliográfica. Para a sua correta

elaboração, recomenda-se o site: http://www.rexlab.ufsc.br:8080/more/.

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 711

Trata-se de um Mecanismo On Line para Referências, denominado

MORE.

Mas, como selecionar o que deve ser resumido em um texto? A

resposta não é tão simples. Depende do objetivo do leitor. Quando um

aluno não sabe para quê está lendo um texto, ele resume tudo. É

inevitável que os primeiros fichamentos sejam mais completos e

abrangentes. Mas à medida que o aluno vai elaborando o roteiro do texto

que pretende redigir, ele vai priorizando determinadas passagens e sendo

mais breve em outras. Esse processo exige amadurecimento do

pesquisador. Como sugestão, recomenda-se fazer uma primeira leitura de

todo o texto ou parte dele. Na segunda leitura, recomenda-se dar um título

(palavra-chave) para cada parágrafo ou seção do texto e, também,

sublinhar as passagens consideradas mais importantes e que representam

a palavra-chave escolhida. São essas passagens que vão compor o

fichamento-resumo. Elas devem ser acompanhadas de aspas quando

transcritas literalmente e seguidas do número da página entre parêntesis.

Quando o leitor escreve a passagem com as suas próprias palavras, ele

não deve usar as aspas, mas convém continuar indicando a página de onde

ele retirou as ideias.

A cópia dessas passagens deve ser antecedida da palavra-chave

que ela representa. Em consultas futuras, o pesquisador poderá passar

rapidamente pelo resumo, conferindo apenas as palavras-chave.

O fichamento temático

Depois de ter feito fichamentos-resumo de vários textos, é possível

organizá-los de acordo com as palavras-chave, montando novos arquivos.

Cada novo arquivo terá o nome de uma palavra-chave e recolherá

contribuições de diferentes referências bibliográficas. Neste caso, o

trabalho do pesquisador é de copiar e colar, a fim de reunir todas as

contribuições de diferentes autores sobre o mesmo tema. Ao fim de cada

passagem copiada no fichamento temático, recomenda-se colocar entre

parêntesis o autor, o ano da obra e a página, de acordo com as normas

acadêmicas utilizadas para citações.

Cada tema de pesquisa contemplará palavras-chave diferentes e

específicas, mas há pelo menos duas delas que devem estar presentes em

todos os tipos de pesquisa: a definição dos termos presentes no problema

de pesquisa e a justificativa (teórica e prática) para a sua realização.

O processo de definição dos termos é fundamental para que a

comunicação entre os autores seja profícua. Existem muitos conceitos

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

712 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

polissêmicos, que têm significados diferentes e orientação teórica diversa.

Conceituar os termos é fundamental. Em cada texto lido, deve-se buscar a

definição do(s) construto(s)-chave presente(s) no tema da pesquisa. A

ficha temática sobre o conceito reunirá todas as definições encontradas e

será o material de base e apoio para a construção do texto da seção que

definirá o conceito.

Na maior parte dos artigos científicos, é comum o autor

demonstrar a importância da sua pesquisa ou a contribuição e relevância

do seu texto. O leitor ativo deve estar atento a essas justificativas, para

sublinhá-las nos textos lidos e indicar a palavra-chave “justificativa” na

parte do texto em que aparecem. Ao reunir as passagens de diversos

artigos sob este título, o pesquisador construirá a ficha-resumo

denominada Justificativa. Ela servirá de base teórica para a elaboração da

justificativa da sua pesquisa ou ensaio teórico.

À medida que os fichamentos-resumo e temáticos vão se

avolumando, já é possível construir um roteiro do referencial teórico. O

roteiro é a organização prévia do texto. O roteiro preliminar vai sendo

modificado à medida que as leituras vão sendo feitas e os fichamentos

vão sendo realizados. O roteiro deve ser elaborado a fim de orientar o

processo de redação do texto. Mas ele também tem outro papel: ele

orienta a leitura. Um roteiro bem feito, elaborado com o auxílio do

orientador, pode indicar que partes de um texto não precisam ser

resumidas ou, até, sequer lidas. A dificuldade de elaborar o roteiro pode

indicar a necessidade de novas leituras. Novas leituras podem contribuir

para a reformulação do roteiro.

Uma boa ideia para economizar o tempo do orientador e do seu

orientando é exigir, antes que o aluno escreva um texto, que ele elabore o

esquema do texto que pretende escrever.

A elaboração do roteiro deve seguir os procedimentos indicados

quando da apresentação da fórmula de texto, feita anteriormente. A

orientação de estudo pode ser resumida nos seguintes itens:

a) fazer a leitura geral do texto;

b) fazer o fichamento-resumo (do texto), indicando as palavras-chave e

copiando as partes do texto que as representam. Coloque a referência

bibliográfica no início do fichamento e as páginas do texto copiado. Se

copiado literalmente, coloque aspas. Se houver mudança em relação ao

texto original, não coloque aspas;

c) fazer o fichamento temático, reunindo todas as passagens sob uma

mesma palavra-chave;

d) construir o roteiro do seu texto;

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 713

e) elaborar o texto, valendo-se das contribuições dos autores citados nos

fichamentos temáticos. Lembre-se que a introdução e a conclusão de uma

seção do texto devem ser redigidas por último.

Metodologia

A metodologia se ocupa do “como” a pesquisa será realizada. Na seção de

“Delineamento da Pesquisa”, o objetivo é explicar e justificar as escolhas

de paradigma e de método, em função da Pergunta de Pesquisa.

População e amostra devem ser indicadas, de acordo com os

procedimentos de metodologia científica que não cabem aqui detalhar. A

instrumentação das variáveis diz respeito a como será medida a questão

norteadora, ou seja, quais as questões de um questionário ou de um

roteiro de entrevista que operacionalizarão a questão norteadora da

pesquisa. Nessa seção, deve ser dito se a medida já foi validada e se foi

feito algum pré-teste.

Na seção sobre o instrumento, deve(m) ser definido(s) e

descrito(s) o(s) instrumento(s) de coleta dos dados referentes a cada

questão norteadora. Como exemplos, podem ser citados o questionário

(seções, escalas etc.), a entrevista (roteiro), ou documentos (código de

ética, jornais etc).

Na seção sobre o processo, deve-se descrever como serão

coletados os dados referentes à questão norteadora. Essa parte é

importante e deve ser detalhada para antecipar as dificuldades

encontradas (no caso de um projeto de pesquisa) ou para descrevê-las, no

caso de uma dissertação ou tese. Os métodos de análise dizem respeito a

como serão analisados os dados referentes à questão norteadora, isto é, a

forma de tratamento dos dados, como análise de conteúdo, estatística

descritiva, análise fatorial, etc.

Ainda na seção da Metodologia, sugere-se que sejam apontados os

limites e as limitações. Os limites são decisões metodológicas que

requerem justificativas. As limitações são acontecimentos não

programados que requerem esforço de minimização. Essa sugestão parte

do princípio de que as conclusões do trabalho é o lugar em que o novo

mestre ou novo doutor deve brilhar. Mas não há impedimento para que

elas sejam apontadas nas considerações finais, como de costume.

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

714 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

Análise e discussão dos dados

A apresentação dos dados deve ser feita conforme prometido na

metodologia. Cada uma de suas seções deve responder a um objetivo

específico. Tomando como exemplo a pesquisa B, apresentada

anteriormente, descrevem-se abaixo as seções do capítulo da Análise dos

Dados:

- Mapeando as empresas certificadas em conformidade com a norma

OHSAS 18001

- Identificando as empresas certificadas em conformidade com a norma

OHSAS 18001 que disponibilizam publicamente dados sobre as taxas de

acidentes do trabalho antes e depois da certificação

- Localizando e comparando a forma de divulgação das taxas de acidentes

do trabalho das empresas que disponibilizam os dados antes e depois da

certificação

- Comparando os valores das taxas de acidentes do trabalho das empresas

que disponibilizam os dados antes e depois da certificação

Na discussão dos dados, devem ser feitas as conexões com a

fundamentação teórica. Após a discussão de cada questão norteadora, é

fundamental resgatar a pergunta de pesquisa. Essa parte do trabalho é

muito importante. É quando o(a) autor(a) brilha e mostra que tem a

competência de um pesquisador.

Conclusões e sugestões

O capítulo da conclusão constitui o ponto de chegada e apresenta a

resposta ao problema de pesquisa definido na introdução. Recomenda-se

que a conclusão seja redigida com base em uma ou duas frases lapidares

da discussão dos achados. É fundamentado nessas frases que o autor deve

organizar a sua redação. Por ser o final da pesquisa, a conclusão deverá

frisar o alcance dos objetivos específicos e do objetivo geral e a

adequação (ou não) dos procedimentos metodológicos.

Além de apresentar e discutir a resposta do problema de pesquisa,

o autor deve apresentar, na conclusão, sugestões de ação e sugestões de

novas pesquisas. As sugestões de ação devem ter conexão com as

justificativas práticas do capítulo I. As sugestões de pesquisa devem ter

conexão com as justificativas teóricas.

A conclusão é, portanto, uma síntese marcante dos principais

argumentos que se encontram dispersos pelo trabalho, com ênfase nos

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 715

resultados obtidos com a finalização da pesquisa. Caso o trabalho não seja

conclusivo, recomenda-se denominar o capítulo de Considerações Finais.

Referências, apêndices e anexos

As referências bibliográficas e de internet devem ser indicadas em ordem

alfabética de acordo com as normas técnicas, mas somente aquelas citadas

ao longo do texto. Os apêndices são materiais construídos pelo autor,

como, por exemplo, um roteiro de pesquisa. Os anexos são materiais

produzidos por outras pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho busca oferecer uma estratégia de orientação de

trabalhos monográficos que materializa a tão desejada organização de

uma monografia, dissertação ou tese. Para a produção de artigos, a

seleção de células da planilha, no sentido horizontal facilita o trabalho.

Um artigo pode ter como objeto apenas um objetivo específico da

monografia. O uso da planilha exigirá a articulação de todas as partes do

artigo com o objetivo específico escolhido.

Pretende-se com este artigo, contribuir para minimizar a lacuna

presente na literatura e na prática acadêmica acerca da didática da

orientação de trabalhos monográficos. Costumam, professores e

pesquisadores, aprender com a prática. Sem dúvida, a experiência tem

sido a grande mestra de professores e orientadores. Quando essa

experiência pode ser transmitida, renova-se a esperança de que o

aprendizado possa ser mais rápido, mais efetivo e sem o sofrimento

decorrente de experiências negativas. A resposta para o título deste artigo

- quem ensina um professor a ser orientador? – tem sido, pois, a prática.

Manuais de metodologia ensinam como uma monografia deve ser, mas

não ensinam como o professor deve orientar o aluno para que ela tenha a

coerência interna e articulação requisitadas por um trabalho científico. Ao

apresentar um artigo dessa natureza, espera-se que os colegas da

comunidade acadêmica contribuam com sugestões, experiências e

críticas. Outros modelos são possíveis. Pensar a respeito da orientação e

da didática é função urgente da academia.

No lugar de um copo sujo que desvia a atenção que a pessoa devia

ter para o leite que está dentro dele, propõe-se outra história, em que a

Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães

716 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011

forma não macule o conteúdo, mas, ao contrário, valorize o conteúdo.

Assim:

Pierre oferece uma taça de vinho a Catherine

- Você vai gostar deste vinho, Catherine.

- Um brinde!

- Saúde!

Depois do tim-tim, Catherine exclamou:

- Hum, me pareceu muito bom!

- É de uma safra especial!

- E essa taça ajuda a valorizar o vinho.

- É um cristal muito antigo, herdado dos meus avós.

Moral da história: a forma é secundária, o conteúdo é que é

importante. Mas quando a forma é adequada, ela valoriza o conteúdo.

Assim, considera-se que é necessário universalizar os critérios de

orientação utilizados pelos professores, a fim de minimizar o tempo e o

sofrimento de alunos de graduação, mestrado e doutorado. Os autores

concordam com Castro (2006) quando afirma que a inexperiência do

orientando na escrita seja fonte de cansaço e frustração para o orientador.

É possível minimizar esse desgaste.

A título de conclusão, apresentam-se abaixo dez recomendações

para o orientando, seja de graduação, mestrado, seja de doutorado:

1- Não dê trabalho ao seu orientador. Evite que ele desvie o tema da

leitura do conteúdo do texto para detalhes da forma. Ele não conseguirá

degustar um bom vinho se uma sujeira no copo distrair a sua atenção.

2- Apontar no seu trabalho a lacuna teórica e a lacuna prática para as

quais o seu trabalho pretende ser útil. O referencial teórico deve deixar

claro o estado da arte da literatura e a lacuna teórica para a qual seu

trabalho pretende trazer luz.

3- O problema de pesquisa é a forma interrogativa do mesmo texto do

objetivo geral.

4- Os objetivos específicos do trabalho devem estar contidos no objetivo

geral. Lembre-se que nenhum objetivo específico deve extrapolar o que o

objetivo geral circunscreve.

5- Evitar o apud. Mesmo quando usá-lo, não se esqueça de indicar a

referência bibliográfica da obra que foi citada pelo autor lido.

6- Os quadros, tabelas, figuras devem ser citados no decorrer do texto, o

mais próximo possível de onde estão inscritos. Isso economiza o tempo

do leitor.

Quem ensina um professor a ser orientador?

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 717

7- Todas as referências bibliográficas citadas no texto devem constar da

seção de Referências. Todas as referências bibliográficas presentes nas

Referências devem estar citadas no texto.

8- Observar o uso de adjetivos, advérbios e adjetivos. Eles podem revelar

de forma não intencional o ponto de vista do pesquisador. Redobrar a

atenção caso a unidade a ser investigada seja o seu local de trabalho.

9- Ao reler o seu projeto, observar se o título do trabalho está coerente

com as seções do referencial teórico (conceitos-chave) e os dados da

unidade pesquisada.

10- Reler o seu trabalho e procurardar um título para cada parágrafo.

Confira se existe articulação entre os parágrafos e, também, entre os

capítulos. Verificar se a conclusão responde a pergunta de pesquisa.

Tais recomendações são ouvidas repetidamente dos examinadores

em bancas de dissertação e tese. E costumam constar dos pareceres na

avaliação de artigos para congressos e periódicos. Reunidas nesse artigo,

elas podem facilitar o trabalho de orientação de alunos e permitir ao

professor, ao avaliar um trabalho, que ele se ocupe e se preocupe apenas

com o conteúdo sem que a forma o distraia dessa tarefa.

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Faculdade de Educação, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 241-246, 1992.

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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 721

* O presente trabalho foi beneficiário de auxílio financeiro da CAPES, por meio do

Edital Pró-Administração.

DADOS DOS AUTORES

SÔNIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS ([email protected])

Doutora em Comportamento Organizacional pela Georgia State

University

Instituição de vinculação: Faculdade Boa Viagem

Recife/PE – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Ensino e Pesquisa em Administração e

Mentoria.

ROBERTO PATRUS ([email protected])

Doutor em Filosofia/Administração pela Universidad Complutense de

Madrid com validação na UFRGS

Instituição de vinculação: Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais/PPGA

Belo Horizonte/MG – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Ensino e Pesquisa em Administração –

Ética nos Negócios.

YANA TORRES DE MAGALHÃES ([email protected])

Doutoranda em Administração pela PUC Minas

Instituição de vinculação atual: Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais

Belo Horizonte/MG – Brasil

Áreas de interesse em pesquisa: Formação de professores; Gestão de

Pessoas e Relações de Trabalho.

Recebido em: 26/08/2010 • Aprovado em: 26/11/2011

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 723-726 • Out/Nov/Dez 2011 723

POLÍTICA EDITORIAL

FOCO

A revista Administração: Ensino e Pesquisa é uma publicação que busca

difundir o estado da arte do ensino e da pesquisa em Administração,

oportunizando a apresentação em forma de artigos, teorias, modelos,

pesquisas e retrospectivas que abordem o processo de ensino-

aprendizagem e intensifiquem o aprendizado dos alunos em disciplinas

dos cursos de Administração.

ESTILO

Os trabalhos enviados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa

devem ser inéditos nacional e internacionalmente e demonstrar uma

linguagem clara e objetiva, não podendo estar em avaliação paralela em

outros veículos de divulgação. Recomenda-se atenção especial com a

estrutura geral do artigo e com o contexto lógico dos argumentos.

Os artigos encaminhados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa

deverão ser apresentados no seguinte formato: Editor de texto: Word for

Windows 6.0 ou posterior. 1

• Configuração das páginas

o Tamanho do papel: A4 (29,7 x 21 cm)

o Margens: superior 3cm, inferior 2cm, esquerda 3cm e direita 2 cm;

o Espaçamento: Simples (entre caracteres, palavras e linhas);

o Número de palavras: O artigo deve conter entre 5.000 e 10.000

palavras, excluindo-se o resumo e o abstract, as ilustrações, as referências

e as notas de final de texto.

OBSERVAÇÕES

• Conteúdo da primeira página

o Título do trabalho centralizado, em português e inglês.

o Resumo em português e inglês, contendo o objetivo do trabalho, o

método utilizado, os resultados obtidos e as conclusões com no mínimo

10 (dez) e no máximo 15 (quinze) linhas; seguido de palavras-chave e

keywords (no mínimo três e no máximo cinco palavras-chave).

724 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p.723-726 • Out/Nov/Dez 2011

o As ilustrações, tabelas, quadros e gráficos não poderão ser coloridos e

deverão ser enviados em formato editável (Word, Power Point ou Excel)

com fonte tamanho 10.

• As referências completas deverão ser apresentadas em ordem alfabétical

ao final do texto, de acordo com as normas da ABNT.

• As notas devem ser reduzidas ao mínimo necessário e serem

apresentadas ao final do texto sequencialmente depois das referências.

• Trabalhos publicados em decorrência de atividades financiadas por

quaisquer órgãos de fomento, por exemplo, CNPq, CAPES, dentre outros,

deverão, necessariamente, fazer menção ao apoio recebido, após as

referências, com as seguintes notas:

a) se publicado individualmente: “O presente trabalho foi realizado com

o apoio da (Nome da Instituição)’’;

b) se publicado em co-autoria: “Beneficiário de auxílio financeiro da

(Nome da Instituição)’’.

Os artigos que não estiverem dentro de tais parâmetros serão

remetidos aos autores solicitando que os envie novamente em formato

adequado.

ENVIO DO TRABALHO

Os artigos podem ser enviados em português, espanhol, inglês ou francês

e deverão ser encaminhados por meio da homepage da ANGRAD

(www.angrad.org.br/revista/artigos/insert/)

Os artigos submetidos à Administração: Ensino e Pesquisa com

identificação dos autores no corpo do texto serão automaticamente

desconsiderados, tendo em vista que as informações para identificação dos

autores são solicitadas na página para submissão do artigo, além de levar

em consideração que a revista segue o processo de blind review na avaliação

dos trabalhos.

PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Os artigos enviados para publicação na revista Administração: Ensino e

Pesquisa são submetidos a um processo de avaliação, objetivando

divulgar as melhores contribuições recebidas e avaliadas até o momento

da finalização do exemplar.

Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p. 723-726 • Out/Nov/Dez 2010 725

O processo de avaliação da revista Administração: Ensino e Pesquisa

inicia com uma avaliação do editor que observará a adequação do artigo à

política editorial da revista. O editor encaminhará os artigos para

avaliadores seguindo um processo de revisão sem identificação de autor e

revisor, no qual os avaliadores recebem um relatório com aspectos a

serem observados no artigo. Os critérios analisados estão listados abaixo e

são aplicados com base na natureza e no tipo do compuscrito.

Originalidade e importância das principais ideias;

Qualidade do tratamento e relevância da literatura existente;

Qualidade de apresentação das ideias;

Concepção e execução dos métodos de pesquisa;

Contribuição do artigo para o avanço do conhecimento.

Na análise, destacam pontos importantes que justificam a sua

avaliação, contribuindo para o aperfeiçoamento do trabalho do autor.

Os comentários dos avaliadores são enviados ao autor para que

realize as sugestões recebidas. Feitas as melhorias, o artigo retorna aos

avaliadores que farão nova avaliação, indicando ou não a publicação do

trabalho.

Após ser aceito para publicação, o artigo passa por uma revisão

ortográfica e estilística profissional. É por tudo isso fortemente

recomendado que os autores solicitem a opinião crítica de algum colega

antes do envio do artigo.

O editor poderá rejeitar artigos que não apresentem condições

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726 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p.723-726 • Out/Nov/Dez 2011

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