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Como é, onde acontece e que males o trabalho em condições análogas à escravidão pode causar ao trabalhador Págs. 10 a 12 A escravidão hoje Ano XXV • Março • 2012 Jornal da ANAMT Associação Nacional de Medicina do Trabalho www.anamt.org.br Impresso Especial 9912226452/2008-DR/GO AssOcIAçãO NAcIONAl DE MEDIcINA DO tRAbAlhO CORREIOS

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Como é, onde acontece e que males o trabalho em condições análogas à escravidão pode causar ao trabalhador Págs. 10 a 12

A escravidão hoje

Ano XXV • Março • 2012

J o r n a l d a

ANAMTAssociação Nacional de Medicina do Trabalho www.anamt.org.br

Impresso Especial

9912226452/2008-DR/GO

AssOcIAçãO NAcIONAl DE MEDIcINA DO tRAbAlhO

CORREIOS

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Jornal da ANAMT2 Março 2012

O Jornal da Anamt é uma publicação trimestral, de circulação nacional,

distribuída a seus associados. Os textos assinados não representam necessariamente a opinião da Anamt,

sendo seu conteúdo de inteira responsabilidade dos autores. Não é permitida a reprodução total ou

parcial das matérias publicadas neste jornal sem a autorização da Anamt.

ExpedienteÍndice

Uma publicação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho

Presidente Dr. Carlos Campos

Diretora de Divulgação Dra. Marcia Bandini

Produção Editorial Cajá Agência de Comunicação www.caja.com.br • [email protected]

Jornalista Responsável Bruno Chuairi (Mtb 27.017/RJ)

Reportagens Táia Rocha

Fotos: Mihai Caluserio/Stock.Xchng (capa), Reprodução (p.5), Divulgação/CBMERJ (p. 8), Adrian Olguin/Stock.Xchng (p.10), Bianca Pyl/ Repórter Brasil (p. 12), Constantin Deaconescu/Stock.Xchng, Danka K./Stock.Xchng (p.13), Svilen Milev/Stock.Xchng (p.18), Hide Vanstraelem/Stock.Xchng (p.20)

Impressão Poligráfica

Jornal da ANAMTMensagem do Presidente Pela Saúde, sempre ................................................................................................. ... 3

Legislação Atividades e Operações Insalubres (NR-15) e PNSST destacaram-se ......... 4

SST na mídia Acidentes de trajeto em pauta ...............................................................................5

AMB/Federadas Sou médico, meu trabalho tem valor .....................................................................6

Artigo A fadiga da decisão e o estresse ...............................................................................7

Reportagem Bombeiros: o risco como rotina, a segurança como sobrevivência ...... 8 – 9

Capa O trabalho escravo do século XXI ...........................................................10 – 12

Análise O racismo de crachá ...................................................................................13 – 15

Entrevista Transformações em curso – Dr. Carlos Campos .................................16 – 17

Publicações Associados da Anamt têm acesso a publicações especializadas .....................18

Agenda 12o Congresso de Stress da Isma-BR ...................................................................19

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Março 2012 3Jornal da ANAMT

Uma publicação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho

Visite www.anamt.org.br

Pela Saúde, sempre

Apresentamos a primeira edição do Jornal da Anamt em 2012, um ano que se inicia trazendo uma série de te-mas relevantes – e alguns bastante polêmicos – na área de Segurança e Saúde no Trabalho.

Em janeiro, as chuvas fortes e as enchentes na Zona da Mata Mineira e na Região Serrana do Rio de Janeiro e, no fim do mês, a tragédia envolvendo o desabamento de três prédios no centro da capital carioca chamaram nossa atenção para o sempre arriscado trabalho dos bombeiros – e para como, cercados por perigos sempre iminentes, esses profissionais se protegem.

Em fevereiro, a condenação histórica de dois empre-sários pela morte de 3 mil pessoas por uso do amianto crisotila em seus produtos atraiu os olhares do mundo para o Tribunal de Turim, na Itália. No Brasil, simulta-neamente, o Instituto Brasileiro de Crisotila interpelava judicialmente um pesquisador por um artigo, publicado em 2008, em que mencionava dados do Ministério da Saúde sobre 2.400 mortes por mesotelioma ligadas ao uso da substância amianto.

A respeito desse tema, a Anamt defende a proibição de produção, transporte, consumo, descarte, exporta-ção e importação do amianto em território nacional. Lembramos ainda que em poucos meses receberemos a Conferência Rio + 20, outra chance de mostrarmos ao

mundo que estamos comprometidos com a saúde dos brasileiros e com a preservação do meio ambiente.

Nesta edição, acompanhamos também as principais mudanças legais relativas à saúde e à segurança do tra-balhador. Falamos sobre o panorama das normas regula-mentadoras e de SST de forma geral no primeiro ano do atual governo, e o quê se pode esperar dessa área, no Brasil e no mundo, em 2012.

Em nossa matéria de capa, buscamos conhecer me-lhor a configuração do trabalho escravo contemporâ-neo, analisando o que mudou no perfil das atividades análogas à escravidão e que males à saúde a exploração de pessoas ainda causa no século XXI.

Abordamos, ainda, os problemas do assédio moral envolvendo racismo em local de trabalho, questão grave e presente, ainda nos dias atuais, nos mais diversos ra-mos de atividade.

Espero que apreciem o nosso Jornal.

Dr. Carlos Campos

m e n s a g e m d o p r e s i d e n t e

J o r n a l d a ANAMT

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Jornal da ANAMT4 Março 2012

l e g i s l a ç ã o

Nos últimos meses, com a publicação de um grande nú-mero de instrumentos legais e de notícias que dão conta de que vários outros estão em processo de revisão, as mu-danças na legislação e suas implicações no ambiente de tra-balho têm se acelerado. Abaixo, seguem as legislações que merecem destaque:

– O Decreto Nº 7.602 de 7/11/2011, que dispõe so-bre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), tem por objetivos a promoção da saúde, a melho-ria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou re-dução dos riscos nos ambientes de trabalho. Dentre as suas diretrizes está a harmonização da legislação nas diferentes esferas do Governo Federal;

– A Portaria SIT/MTE Nº 291 de 9/12/2011, que altera o Anexo 13ª (Benzeno) da NR-15; o Anexo I da NR-06 e a inserção do Anexo II (cesto aéreo) na NR-12;

– A Portaria GM MTE Nº106/2011, que Constitui a Co-missão Tripartite para avaliação da Recomendação Nº 200 da OIT sobre HIV/AIDS no local de trabalho; e

– Portaria MTE Nº 102 de 18/01/2012, que constitui a Comissão Tripartite para avaliação da Recomendação da OIT sobre Trabalho Doméstico

Como mudanças futuras, na 67ª Reunião da Comissão Tripartite Permanente (28 e 29/11/2011) ficou definido que serão discutidos, em 2012, os seguintes temas: Revisão da NR-15, NRs para Frigoríficos, Gestão em SST; Radiações Io-nizantes; Setor Aeroportuário; Riscos Psicossociais; Limpe-za Urbana e Gás.

Atividades e Operações Insalubres (NR-15) e PNSST destacaram-se

Consulte o texto dessas e de outras portarias no site www.anamt.org.br

Principais mudanças

08/12/2011 Altera o Anexo I (Lista de Equipamentos de Proteção Individual) da Norma Regulamentadora nº 06.

13/02/2012 Altera a formação do Grupo de Trabalho

“Análise das Contestações sobre Controvérsias Relativas à puração do FAP”, constituído pela

Portaria MPS/SPS/Nº 1, de 2 de março de 2010.

Resolução ANTT3762

26/01/2012Altera e revoga dispositivos da Resolução ANTT nº 3.665, de 4 de maio de 2011, que “Atualiza o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos”.

19/01/2012Constitui, no âmbito do Ministério do

Trabalho e Emprego, comissão tripartite para examinar prévia submissão ao Congresso

Nacional da Recomendação Nº 200 sobre o HIV/AIDS no local de trabalho.

Portaria MTE308

29/02/2012

Altera a Norma Regulamentadora nº 20 – Líquidos Combustíveis e Inflamáveis, aprovada pela Portaria MTb nº 3.214, de 8 de junho de 1978, publicada na data de ontem no Diário Oficial da União.

Portaria 293

Dr. Paulo RebeloDiretor de Legislação da Anamt

Ministério do Trabalho http://www.mte.gov.br/seg_sau/default.asp

Palácio do Planalto http://www4.planalto.gov.br/legislacao

Senado Federal http://www.senado.gov.br/legislacao/

Portaria SSP-MPS

1

Portaria MTE106

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Março 2012 5Jornal da ANAMT

No primeiro trimestre de 2012, várias publicações ressaltaram o aumento dos gastos da Previdência Social entre 2009 e 2011 com acidentes de trajeto (que acontecem no percurso entre a casa e o trabalho). No dia 9 de janeiro, a Folha de S. Paulo publicou maté-ria sobre o assunto e entrevistou o Dr. Zuher, diretor científico da Anamt, que falou sobre a relação entre aumento da venda de motocicletas e o aumento de acidentes de trajeto. O Blog do Trabalho, do MTE, reproduziu a reportagem da Folha.

S S T n a m í d i a

Jornal da ANAMT

Acidentes de trajeto em pauta

No dia 26 de fevereiro, O Estado de S. Paulo veiculou a matéria “Jornada dupla”, so-bre pessoas que mantêm um escritório em casa. O presidente da Anamt, Dr. Carlos Campos, conversou com a repórter Ana Paula Garrido sobre os cuidados que se deve ter ao trabalhar com com-putadores em casa, como, de 30 em 30 minutos, olhar para algo distante para evitar astenotopia (cansaço dos músculos dos olhos).

Ergonomia e saúde no home office

As diferenças na gestão de pessoas entre o mercado norte-americano e o bra-sileiro também atraíram a atenção da grande mídia. O caderno “Boa Chance”, do jornal O Globo, publicou no dia 15 de janeiro matéria sobre as novas diretrizes que estão se tornando moda nos EUA, envolvendo punições a funcionários obesos ou fumantes. O Globo ouviu a diretora de divulgação da Anamt, Drª Marcia Bandini, que chamou a atenção para o fato de que, no caso dos funcionários obesos, a ideia de cobrar mais pelo seguro-saúde pode ter efeito contrário ao esperado, gerando estresse. O site do jornal Extra e O Globo Online reproduziram a matéria.

Modelo norte-americano de punição em empresas é rejeitado pelo Brasil

BOACHANCEBOACHANCEDOMINGO, 15 DE JANEIRO DE 2012

O GLOBO ● BOA CHANCE ● PÁGINA 1 - Edição: 15/01/2012 - Impresso: 13/01/2012 — 21: 42 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

Cadernosclassificados:O melhor entre asofertas de emprego

Concursose estágios:Inscriçõesabertas ● 2

MadeinBrasilEmpresas em atuação no país, inclusive americanas, rejeitam modeloadotado nos EUA, que pune funcionários fumantes ou acima do peso

Maíra [email protected]

Não deu no “NewYork Times”: oWalmart Brasildesconsideraas políticas deRH adotadaspor sua matriz,

nos Estados Unidos, em relaçãoa funcionários fumantes, comproblemas de peso ou de coles-terol alto. A exemplo de 19%dos grandes empregadores da-quele país — como informou oNYT recentemente — a compa-nhia anunciou que alguns pro-fissionais da casa vão arcarcom parte dos custos do segu-ro-saúde. Dos que fumam, amaior empregadora americana,que tem mais de um milhão defuncionários, poderá cobrar atéUS$ 2 mil (R$ 3,6 mil) por ano.Segundo a reportagem do

NYT, a medida faz parte deuma tendência que está cres-cendo entre as empresas ame-ricanas de cada vez mais ado-tar políticas que punam funcio-nários com problemas de saú-de para reduzir custos. O nú-mero de companhias que op-tam por medidas punitivas do-brou nos últimos dois anos,passando para os 19% de 248grandes empregadores nos Es-tados Unidos, conforme pes-quisa da Towers Watson. E aexpectativa é que a prática do-bre novamente este ano.

Duas culturasbem diferentes● Mas seria essa a forma ade-quada de promover a saúde e aqualidade de vida dentro doambiente de trabalho? No Bra-sil, mesmo multinacionais re-jeitam o modelo de punição eincentivam o bem-estar, atra-vés de programas que ajudama parar de fumar e a emagrecer.O próprio Walmart nacional in-formou, por meio de sua asses-soria de imprensa, que não se-gue a iniciativa americana, queseria nova e implementada poroutros grandes empregadorescomo Pepsico e Home Depot.No entanto, nessa análise, é

importante considerar as dife-renças sociais, culturais e eco-nômicas entre Brasil e EstadosUnidos, sugere Marcia Bandi-ni, diretora de divulgação daAssociação Nacional de Medi-cina do Trabalho (Anamt).— Lá não existe um sistema

de saúde pública financiadopelo governo, como aqui exis-te o Sistema Único de Saúde(SUS). Lá, os empregadorescontratam um seguro-saúdeque funciona como um segurode carro. Então, pensandocom a cabeça americana, fazsentido que um fumante, queadoece mais e custa mais paraa empresa, pague mais por es-se seguro. É a lógica do siste-ma capitalista — diz Marcia.Só que isso não significa di-

zer que, em matéria de incen-tivo à qualidade de vida, co-brar mais de quem tem um

problema de saúde, como obe-sidade ou vício em nicotina,seja uma medida eficaz.—No caso de quem está aci-

ma do peso, essa pressão fi-nanceira pode acabar tendo oefeito contrário — pondera adiretora da Anamt.— Acredito que esse tipo de

postura não funciona muitobem. Você nãomuda o compor-tamento em relação à saúdecom punição — defende LucioRibeiro, coordenador do servi-ço de saúde da Dow Brasil, em-presa de serviços químicos queconta com um Programa dePromoção de Saúde – VivaVida,implementado em 1992.

Muito mais quequestão física● O VivaVida tem uma progra-mação antitabaco, que ofereceapoio individual a quem querparar de fumar, e conseguiureduzir o percentual de taba-gistas na empresa de 24% (em1995) para 5,6% (em 2010). Oprojeto chegou a ser apresen-tado como case no Fórum Eco-nômico Mundial em Davos, naSuíça, em 2008, além de já tersido premiado três vezes pelaAssociação Brasileira de Qua-lidade de Vida (ABQV).— É preciso entender que

as questões de saúde não sãosimplesmente físicas, mas es-tão ligadas ao contexto socialdo indivíduo. Não basta exigirque ele largue o cigarro semtentar entender se ele fumapor problemas de estresse oufamiliares — ressalta Ribeiro.Professor da PUC-MG e co-

autor do livro “Estresse Ocu-pacional” (Campus/Elsevier),Henrique Maia Veloso diz quenos EUA, muito mais do queno Brasil, existe um processode valorização dos aspectosindividuais e responsabiliza-ção do indivíduo sobre ques-tões que, muitas vezes, podemser de natureza mais coletiva.— Tais práticas, em nossa

realidade, em função de diver-sas características culturais,podem ter pouca efetividade egerar um grande desconfortono ambiente organizacional —considera Veloso.

Saúde premiadacom ingressos● Em vez de punir maus hábi-tos, o grupo EBX adota um sis-tema que premia os participan-tes do “Viver Bem”, implemen-tado em 2010. O funcionárioque aderir, voluntariamente, re-cebe uma cartela de 40 pontos.Ginástica laboral, acompanha-mento nutricional e corrida es-tão entre atividades que valempontos. Quando completa 40, ocolaborador ganha um par deingressos de cinema.— As entradas viram uma

meta, e isso estimula — acredi-ta Samanta Pereira, gerente ge-ral de Recursos Humanos dogrupo EBX. Continua na página 3

Arte de Marcelo

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Jornal da ANAMT6 Março 20126 Março 2012

O título desta coluna foi slogan de uma campanha das en-tidades médicas nacionais em 2004 pela valorização do traba-lho do médico e da medicina. Passados oito anos, a situação pouco mudou, a despeito da luta incessante de instituições como a Associação Médica Brasileira (AMB).

A exploração do trabalho médico impacta diretamente a qualidade da Medicina, bem como a assistência aos cidadãos. Para garantir a sobrevivência, os médicos são obrigados a acu-mular diversos empregos e cumprir longas jornadas de trabalho.

O Sistema Único de Saúde (SUS) sofre com recursos insu-ficientes e afasta profissionais qualificados da rede pública. A tabela SUS, por exemplo, paga por uma consulta básica de clínico geral, ginecologista e pediatra menos de R$ 3.

De janeiro de 2002 até dezembro de 2011, foram criadas 69 faculdades de Medicina no Brasil, a maioria privada. Parte das escolas médicas funciona sem estru-tura mínima, como: hospital-escola, corpo docente não adequadamente qualificado, bibliotecas precárias, grade pedagógica deficiente.

Algumas implicações desse descalabro foram mostradas quando o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo apresentou o resultado das avaliações da prova facultati-va com estudantes do último ano de Medicina. Quase metade dos avaliados não sabia interpretar uma radiografia ou fazer um diagnóstico após receber as informações dos pacientes. Meta-de também faria o tratamento errado para infecção na gargan-ta, meningite e sífilis e não seria capaz de identificar uma febre alta como fator que eleva o risco de infecção grave em bebês.

Não é possível o SUS continuar com recursos insuficientes e profissionais desvalorizados. Ao fazer vista grossa à má formação e facilitar o ingresso na linha de frente da assistência de quadros não capacitados, afrontam-se as reais necessidades dos cida-dãos brasileiros, colocam-se em risco a saúde e o bem-estar dos pacientes, desvalorizam-se os bons médicos e bombardeia-se a nossa medicina – hoje ainda uma referência como excelência.

Como presidente recém-empossado da Associação Mé-dica Brasileira, registro publicamente: reagiremos à altura em nome da boa prática médica e da adequada assistência ao povo brasileiro. Jamais defenderemos castas, pois que-remos uma mesma Medicina para todos. Deve prevalecer sempre o mérito. O médico tem compromisso com a vida, com a Medicina e com a saúde da população.

Sou médico, meu trabalho tem valor

A Associação Brasiliense de Medicina do Trabalho (Abramt) promove, de 26 a 28 de abril de 2012, o I Con-gresso Brasiliense de Medicina do Trabalho e o I Encon-tro de Médicos do Trabalho do Centro-Oeste. Os eventos têm como objetivo debater a saúde do trabalhador den-tro da agenda do Distrito Federal e a atuação da Medicina do Trabalho nas atividades econômicas da região Centro--Oeste. O público-alvo são os médicos do trabalho, os médicos peritos, os alunos de graduação, pós-graduação e os residentes em medicina do trabalho, além dos de-mais profissionais que atuam com Saúde e Segurança do Trabalho. O evento é pontuado pela CNA em 15 pontos.

Haverá cursos pré-congresso, palestras e temas livres.

Local: Associação Médica de Brasília, SEPS 713/913, s/ nº, bloco E, Brasília – DF.Mais informações: www.abramt.org.br

f e d e r a d a s

Perito trabalhista

Congresso da Abramt

A federada da Anamt no estado de Santa Catarina, a Associação Catarinense de Medicina do Trabalho (Acamt), promove o Curso de Perito Trabalhista em Florianópolis e Chapecó (SC). As palestras são gratuitas e serão pontuadas pela Comissão Nacional de Acreditação (CNA) em 2 pontos.

As reuniões científicas acontecem nas seguintes datas:

14 de abril de 2012: 8h30 às 12h Dr. Osni de Melo Martins

Audiometrias – variações, tipos e curvas de perdas auditivas, interpretações e condutas médico-legais ocupacionais;

Voz Ocupacional – aspectos práticos, exames e con-dutas de interesse do médico do trabalho 12 de maio de 2012: 8h30 às 12h Dr. Alan Indio SerranoDoença mental e trabalho

Local: Associação Catarinense de Medicina (ACM), Rodovia SC 401, km 04, nº 3.854, Saco Grande, Florianópolis-SC.

Mais informações no site www.acm.org.br/acamt

Florentino Cardoso

Presidente da Associação Médica Brasileira

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Março 2012 7Jornal da ANAMTJornal da ANAMT

A fadiga da decisão e o estresse

a r t i g o

Recentemente, desde a apresentação do conceito sobre Fadiga da Decisão pelo psicólogo americano Roy Baumeister, vem sendo explorado, após a publicação de evidências científicas, o fato de que, ao final do dia, temos maior chance de tomar decisões incorretas. Essa questão vem preocupando todos, já que cada vez mais nos é exigido que tomemos decisões ao longo de nossas atividades diá-rias. Mas como isso nos afeta?

Vale a pena rever algumas considerações sobre os fa-tos que estão envolvidos na ação de tomar decisões.

Você já considerou que nunca (mas nunca, mesmo) podemos escapar de tomar uma decisão? Mesmo quan-do assumimos que não vamos decidir… ops!… acabamos de tomar uma.

O processo de tomada de decisão envolve uma com-plexidade particular, pois, embora possa parecer um ato simples, aca-ba por ativar mecanismos extre-mamente complexos de equilíbrio da vida.

Para toda escolha, o sistema neuroendócrino, isto é, nosso cé-rebro, e o sistema endócrino liga-do a ele, representado por nossas glândulas, são ativados para ven-cermos os desafios da organização das informações que envolvem a demanda, do processamento dessas informações disponíveis e finalmente da nossa resposta reativa. Esse processo é modulado principalmente pelo sistema nervoso autôno-mo, que busca o equilíbrio entre o sistema simpático e o parassimpático.

O fato de tomar uma decisão per se é um agente es-tressor. Os agentes estressores são situações ou fatos que nos desafiam a sair de nossa zona de conforto e experi-mentar limites imprecisos de segurança. Nosso cérebro primitivo precisa decidir se devemos partir para o enfren-tamento ou fugir, pois toda ameaça ao nosso equilíbrio é interpretada primitivamente como uma ameaça a nossa existência individual ou coletiva.

Todas as nossas decisões são probabilísticas: geral-mente escolhemos a opção que tem maior chance de dar certo. Assim, não conseguimos ter certeza de que seja

aquela que carrega 100% de chance de ser a correta: mesmo que já tenhamos vivenciado experiência seme-lhante anterior, não temos a certeza do acerto.

Essa questão já era colocada no conceito firmado por Heráclito, o Obscuro: “O homem nunca entra no rio duas vezes, pois na segunda vez não será o mesmo homem nem o mesmo rio...”.

O tipo de decisão a ser tomada pode gerar níveis dife-rentes de estresse, considerando a importância que cada uma tem para nós. Atualmente somos sobrecarregados por demandas diárias de tomada de decisão – e parece que de maneira crescente nos últimos anos. Considere que logo ao levantarmos começamos a tomar decisões ao escolher que roupa vestir. Essa ação pode carregar diferentes cargas de estresse, caso seja uma roupa para

ficar em casa ou para uma reunião im-portante que possa significar ascensão profissional. Ao longo do dia, é incon-tável o número de decisões que toma-mos com diferentes graus de comple-xidade, cada uma delas carregada de algum estresse.

Devemos lembrar que o estresse é cumulativo e, portanto, se ao final do dia tivermos tomado muitas decisões, estaremos desgastados neuroendócri-na e emocionalmente. É quando ocorre a fadiga da decisão. Ficamos, de certa

maneira, vulneráveis à busca inconsciente da economia de energia para preservar nosso equilíbrio orgâ-nico, embora essa economia autonômica acabe por com-prometer nossa capacidade e qualidade de processamento de informações, aumentando nossa chance de erro.

O estresse consome e esgota as reservas de neuro-transmissores do sistema nervoso simpático, e, para se reestabelecer, ele precisa ser "desligado". Isso acontece quando dormimos, pois nesse momento quem assume o controle é o sistema nervoso parassimpático; é durante esse tempo que nossa vida, nossas experiências e nossas memórias são reorganizadas.

O tipo de decisão a ser

tomada pode gerar

níveis diferentes de

estresse, considerando

a importância que cada

uma tem para nós

*Emilton Lima Jr.; doutor em Ciências Médicas pelo Universite de l'Etat a Liege, Bélgica (2002)

e coordenador do curso de medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Emilton Lima Jr.*

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Jornal da ANAMT8 Março 2012

Fogo, enxurradas, desabamentos, altura. É inegável: se existe uma ca-tegoria que trabalha constantemen-te com o risco, é a dos bombeiros. Diariamente, esses profissionais en-frentam desastres naturais, aciden-tes, incêndios e resgates dos mais diversos tipos. Para uma profissão de extremos, a Segurança e Saúde no Trabalho tem protagonismo.

Nos últimos meses, o Brasil as-sistiu a vários momentos críticos em que os bombeiros tiveram papel fundamental. Dois exemplos são as fortes chuvas do início de janeiro, que causaram enchentes em Minas Gerais e na Região Serrana do Rio de Janeiro; e o desabamento de três prédios no Centro do Rio de Janeiro, no dia 25 de janeiro, que tirou a vida de 17 pessoas, mas também contou com salvamentos emocionantes.

Pré-requisitosEmbora a forma de ingressar no

Corpo de Bombeiros varie entre os es-tados – em São Paulo e no Rio Grande do Sul, por exemplo, é preciso fazer Escola de Bombeiros para entrar como soldado; enquanto no Rio de Janeiro é preciso realizar concurso público – al-

Bombeiros: o risco como rotina, a segurança como sobrevivênciaCom condições extremas como regra, a categoria, uma das que mais correm riscos, precisa contar com proteção permanente

decisões rapidamente, atuar bem sob pressão, ter voz de comando, ini-ciativa, ser justo e pró-ativo e saber respeitar prioridades e hierarquia. É fundamental, ainda, que ele tenha facilidade de se comunicar, disponi-bilidade para atuar, capacidade de liderança e de improviso”.

Para Drª Marcia Bandini, médica diretora da Anamt, além das carac-terísticas citadas é preciso ter traços de personalidade que permitam ao profissional reestruturar-se após si-tuações extremas: “Ter capacidade

r e p o r t a g e m

guns pré-requisitos são sempre obser-vados nos exames de admissão.

Para lidarem com os momentos de tensão, os candidatos a bombei-ros precisam passar por uma série de exames para avaliar aptidão e au-tocontrole. Se não forem aprovados, não serão admitidos. É o que conta o Capitão Fábio Taranto, do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ): “O bombeiro militar deve gozar de boa saúde físi-ca e mental, estar apto a responder e atuar em situações extremas, tomar

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Março 2012 9Jornal da ANAMT

de enfrentamento e recuperação, de resiliência, é importante para que o profissional consiga manter um equi-líbrio em sua rotina. E, naturalmente, algumas condições restritivas como síndrome do pânico não combinam com a profissão bombeiro”. Marcia lembra que a prática aprimora a atu-ação: “Boa parte dos aspectos psico-lógicos positivos requeridos em um bom profissional pode ser adquirida com treinamento e boa supervisão”.

Os EPIs como extensão do corpoAlém da aptidão humana, em si-

tuações hostis o corpo exige proteção extra. Segundo Fábio Taranto, a pre-ocupação com a segurança começa já no ato de se vestir: “O fardamen-to utilizado pelos bombeiros é a pri-meira barreira aos riscos. A roupa é composta pelo coturno, pela calça de prontidão e pela gandola. Assim, pés, braços, pernas e tronco estarão protegidos, enquanto o capacete e a máscara protegem a cabeça e o rosto. Além disso, de acordo com cada ativi-dade-fim também são utilizados equi-pamentos como luvas, capa, equipa-mento para mergulho, entre outros”.

Perdas humanasAinda assim, a periculosidade do

trabalho é alta. Durante as chuvas na Região Serrana fluminense, desastre que comoveu o país em janeiro de 2011, por exemplo, três bombeiros es-

tavam a caminho de atender um cha-mado, em Nova Friburgo, quando sua viatura foi atingida por um forte des-lizamento de terra. Todos morreram.

Para evitar a perda de vidas, o CBMERJ conta com ambulâncias que acompanham a operação, como conta Taranto: “A viatura pode ser básica (com um técnico de enfermagem especialista em emergências médicas e um auxiliar de enfermagem), intermediária (com um enfermeiro e um auxiliar de enfer-magem) ou avançada (com um médico e um auxiliar de enfermagem)”, detalha.

O assessor do CBMERJ lembra que o socorro in loco é importante: “Pode ser montado um Hospital de Campa-nha nessas regiões, com equipamentos de assistência de emergência e equipe composta por clínicos gerais, pediatras, cirurgiões, anestesistas, psicólogos, en-fermeiros, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem e até um capelão, para prestar assistência espiritual”.

Quando a mente não suportaAinda que todos os cuidados com a

proteção física sejam tomados, que o per-fil do candidato seja avaliado na admissão e que treinamentos periódicos de atuali-zação sejam realizados, os bombeiros são suscetíveis a não tolerar a alta carga de emoção e perigo que seu trabalho gera.

“Em caso de TEPT, por

exemplo, o profissional

tem direito a tratamento

que vise a sua plena

recuperação”

Marcia BandiniDiretora da Anamt

Quando isso acontece durante a operação, o profissional entra em es-tado de choque: “Nessa situação, o comandante da operação identifica o militar e afasta-o imediatamente, já que pode colocar em risco sua integri-dade física, a dos demais bombeiros envolvidos no trabalho e a das vítimas. Caso seja necessário, o comandante pode pedir reforços”, explica o Capitão Taranto. “Após a operação, o bom-beiro é encaminhado ao serviço de psicologia e psiquiatria do hospital do corpo de bombeiros para investigar as causas do que ocorreu e iniciar acom-panhamento ou tratamento, de acor-do com o problema diagnosticado”.

Um dos diagnósticos possíveis é o de Transtorno do Estresse Pós--Traumático (TEPT), uma reação de medo intenso e impotência gerada quando um indivíduo testemunha mortes ou vivencia ameaça à própria integridade física ou à de outros ao seu redor.

De acordo com Taranto, o mal não é raro: “No Brasil e, especialmente em unidades que prestam socorro ou atuam em situações de catástrofes, observa-se alta prevalência de TEPT. O bombeiro acometido pode ter proble-mas de relacionamento e distúrbios do sono”, explica Taranto. “Ele então deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, que vai determinar a necessidade de seu afastamento tem-porário e sua possível readaptação a outra atividade que não gere estresse”.

Segundo Marcia Bandini, as pro-vidências por tomar com os pacien-tes desse tipo de transtorno exigem estudo: “Em caso de um transtor-no de estresse pós-traumático, por exemplo, o profissional tem direito a tratamento que vise a sua plena re-cuperação. Afastamento e restrição do trabalho devem ser considera-dos, mas não são aplicáveis a todos os casos”, lembra.

Capitão Fábio Taranto, do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro

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Jornal da ANAMT10 Março 2012

Cada vez mais presente no meio urbano, o trabalho em condições análogas à escravidão concentra-se na indústria têxtil e na construção civil e alimenta-se da mão de obra estrangeira clandestina

“Os empregados

são mantidos

em ambientes

minúsculos, com

baixa iluminação,

pouca ventilação e

higiene precária”

Luiz MachadoCoordenador do Projeto

de Combate ao trabalho Escravo

No dia 13 de maio de 1888, a escra-vidão foi oficialmente extinta no Brasil através da Lei Áurea. Negros e quaisquer brasileiros já não poderiam trabalhar de forma obrigatória em terras brasileiras. No entanto, desde então a realidade tem sido bastante diferente. Passaram--se quase 70 anos para que o governo brasileiro reconhecesse a permanência do trabalho forçado, ratificando em 1957 a Convenção sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório da Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT).

Nos anos 1970, com as primeiras denúncias feitas pela Igreja Católica e com a criação da Comissão Pastoral da Terra (1975), o assunto passou a ser encarado como problema social das

áreas rurais. Hoje, mais de 120 anos depois da Lei Áurea, o número de tra-balhadores em situação análoga à es-cravidão no país vem tendo movimento ascendente, de forma geral, nos re-gistros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Desde 1995, quando as Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE começaram, foram res-gatados em média 2.450 trabalhadores por ano em todo o país com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal.

Os novos grilhõesSegundo Luiz Machado, coordena-

dor do Projeto de Combate ao Traba-

O trabalho escravo do século XXI

c a p a

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Março 2012 11Jornal da ANAMT

“O trabalho

exaustivo conduz

a uma resposta

de estresse,

intensificada pelo

tempo insuficiente

de recuperação

entre os períodos

de atividade”

Dr. Carlos CamposPresidente da Anamt

lho Escravo da OIT, se no século XX a escravidão se concentrava nas áreas rurais brasileiras, notavelmente nas indústrias canavieira e carvoeira e es-pecialmente no estado do Pará, o tra-balho análogo à escravidão do início do século XXI ganha cada vez mais força nas grandes cidades do Sudeste.

Recentemente, uma operação do MPT com a Polícia Federal desarticu-lou um esquema de trabalho escravo em empresas fornecedoras de marcas de vestuário conhecidas nacional e até internacionalmente. Através de etique-tas e notas fiscais, foram descobertas dezenas de trabalhadores escravos em confecções ilegais na cidade de São Paulo. O caso lançou luz sobre a escra-vidão urbana contemporânea.

Apesar das diferenças entre o traba-lho rural e o urbano, a lógica de opres-são e ameaça se mantém. É o que conta Luiz Machado: “Nas zonas rurais, os tra-balhadores se veem presos às fazendas por um processo de endividamento com o pequeno comércio do patrão, sempre com preços abusivos para os salários irrisórios pagos. No trabalho escravo urbano, especialmente no setor

Esse conjunto de condições insa-lubres, somado às horas excessivas de trabalho compõe cenário ideal para o surgimento de inúmeras doenças. É o que alerta o médico do trabalho e pre-sidente da Anamt, Dr. Carlos Campos: “A princípio, esse trabalho exaustivo conduz a uma resposta de estresse, in-tensificada pelo tempo insuficiente de recuperação entre os períodos de ativi-dade, que pode acarretar aumento da pressão arterial, insônia, irritabilidade, queda do sistema imunológico e esgo-tamento (síndrome de Burnout)”, lista.

O médico lembra, ainda, os sin-tomas físicos: “Os trabalhadores ainda podem ter repercussões exu-berantes no sistema musculoesque-lético, podendo surgir os chamados microtraumas, que causam sintomas dolorosos, inchaços e impotência funcional, com consequentes lesões nos músculos, nervos e tendões,

têxtil, as dívidas também existem, mui-tas vezes nascem quando imigrantes, especialmente da Bolívia, do Paraguai e do Peru, são trazidos clandestinamente ao Brasil”, compara.

Machado também comenta as con-dições em outro setor: “Na construção civil, por outro lado, a opressão é seme-lhante à que acontece no ciclo canavieiro, em que o salário é pago por quilo de cana cortada – e os valores são baixíssimos. À parte as diferenças, em todas as for-mas de trabalho escravo o que o carac-teriza são as condições degradantes e as jornadas exaustivas”.

Criada em 2003 pelo MPT, a Co-ordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) define como jornada de trabalho exaustiva “a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade (...)”. O órgão também estabelece que condições degradantes de trabalho sejam “as que configuram desprezo à dignidade da pessoa, pelo descumpri-mento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, segurança, moradia, repouso e alimentação (...)”.

O avesso da SSTÀ margem da CLT e das normas de

segurança, a qualidade de vida dos tra-balhadores está longe de ser uma preo-cupação dos empregadores de mão de obra escrava. Machado, da OIT, descreve a visão que os agentes dos grupos de fiscalização móvel do MPT costumam encontrar durante as operações: “Os empregados são mantidos em ambien-tes minúsculos, com baixa iluminação, pouca ou nenhuma ventilação e higiene precária. Os banheiros, quando há, são imundos, e os funcionários dormem em cubículos ou nas mesmas instalações em que passam o dia trabalhando – e che-gam a trabalhar 14, 16 horas por dia”.

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Jornal da ANAMT12 Março 2012

Luiz Machado, da Organização Internacional do Trabalho.

Trabalhadora em regime análogo à escravidão em fornecedora de uma grande varejista em São Paulo

provocando doenças como tendini-tes, miosites e neurites”.

Para Campos, “Caso o médico do trabalho, em seu exercício profissio-nal, tome conhecimento da existência de trabalho análogo à escravidão em qualquer nível da cadeia produtiva da empresa em que atua, deve cumprir seu papel social e denunciar a seus gestores as condições de trabalho dos parceiros da empresa e exigir dignida-de para os trabalhadores. Caso nada seja feito, o médico deverá notificar as autoridades competentes”.

As denúncias devem ser feitas ao MTE. Por segurança, o órgão só aceita denúncias feitas pessoalmente. Os en-dereços dos postos do MTE em todo o Brasil podem ser encontrados no link: portal.mte.gov.br/postos/.

Corpo enfermo, mente enfermaO confinamento, a exploração e a

falta de perspectivas, além das amea-ças presentes em muitos desses am-bientes, abalam, ainda, a saúde mental dos funcionários. “Nessas condições

de indignidade e humilhação, vários transtornos psíquicos podem acome-ter o trabalhador”, analisa Dr. Campos. “Podem-se esperar transtornos psiqui-átricos não orgânicos como episódios depressivos, transtornos de estresse pós-traumático, neurastenias e ou-tros transtornos neuróticos, transtor-no do ciclo vigília – sono, síndrome de Burnout – síndrome do esgotamento profissional, entre outros”.

Em relação à autoestima, poucas situações podem se comparar à de-gradação do trabalho escravo: “Os fa-tores de risco, os estresses crônicos e os problemas nas relações de trabalho são predisponentes ao desencadea-mento da depressão”, afirma o médi-co do trabalho. “O trabalho humano tem um caráter de realização, satisfa-ção, prazer e compartilhamento. De-pendendo do ambiente de trabalho construído, os processos de estrutu-ração da identidade do indivíduo po-derão ter diferentes resultados, entre os quais a baixa autoestima. É o caso dos trabalhadores em situação análo-ga à escravidão, que não têm qualquer percepção saudável do resultado do que fazem no trabalho”.

Em busca da erradicaçãoA cada ano, desde 1995, os gover-

nos brasileiros têm sido menos toleran-tes com o regime de trabalho escravo, afirma Luiz Machado. “O Brasil continua despontando no cenário internacional por uma das melhores políticas para resolver o problema”, defende. “O tra-balho escravo está longe de ser erradi-cado, mas é preciso reconhecer o que foi implementado nos últimos 17 anos: a criação da Comissão Nacional de Erra-dicação do Trabalho Escravo (Conatrae), do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, entre outras inicia-tivas. Há muitas entidades envolvidas nesse combate. As dificuldades existem

especialmente por se tratar de um país de proporções continentais e com baixo número de fiscais e policiais federais”.

Para os empregadores infratores, as punições variam. Em 2004, o go-verno federal criou o Cadastro de Em-pregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, mais conhecido como “Lis-ta suja”. Os empregadores flagrados explorando mão de obra análoga à escrava e que não apresentem com-pensações imediatas aos danos causa-dos entram na relação e têm seu CNPJ mantido por até dois anos no cadas-tro, sendo impossibilitados de fazer empréstimos nesse período.

Ainda assim, para Machado, a pu-nição deixa a desejar: “As condenações criminais não vêm sendo cumpridas. Se os criminosos fossem condenados em última instância na esfera da justi-ça federal, outros pensariam antes de cometer o crime. No entanto, o que há são condenações por danos morais co-letivos na esfera trabalhista, mas geral-mente os valores são irrisórios para os grandes grupos, compensando o risco”.

“O trabalho escravo

está longe de ser

erradicado no Brasil”Luiz Machado

Coordenador do Projeto

de Combate ao trabalho Escravo

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Março 2012 13Jornal da ANAMT

a n á l i s e

Em dezembro do ano passado, uma jovem negra de 19 anos estagiava como assistente de marketing em uma escola de classe média de São Paulo quando recebeu uma recomendação: para trabalhar ali, deveria alisar e prender os cabelos crespos, além de usar camisas mais longas, que enco-brissem os quadris largos. Ofendida, a estagiária seguiu para uma delegacia de polícia, onde registrou o caso como discriminação racial.

O episódio, que ganhou a mídia brasileira e foi discutido por bloguei-ros, jornalistas e comentaristas da grande imprensa, está longe de ser um caso isolado.

Segundo dados da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intole-rância (Decradi), do estado de São Paulo, só na capital paulista foram registrados 32 boletins de ocorrên-

O racismo de cracháAlém de ser crime previsto por lei, a discriminação racial pode causar depressão e doenças psicossomáticas ao profissional

cia em 2010 e 47 em 2011. "Se a discriminação for comprovada, a lei prevê de um a até cinco anos de pri-são", lembra a delegada do órgão, Margarette Barreto. “As provas po-dem ser gravações de áudio ou ví-deo, e-mails, bilhetes e, ainda, tes-temunhos de colegas, entre outras”.

De acordo com o advogado tra-balhista Sérgio Batalha, é preciso haver prudência e conscientização por parte das empresas ao criar nor-mas relacionadas à aparência dos funcionários: “O empregador pode estabelecer regras de vestuário, não é proibido, e às vezes faz sentido, como no caso de restaurantes que exigem que os funcionários estejam barbeados e tenham cabelos curtos ou presos, por higiene, ou de acade-mias que contratam funcionários de perfil mais atlético para demonstrar

“Se a discriminação

for comprovada,

a lei prevê

de um a cinco

anos de prisão”Margarette Barreto

Delegada da Decradi - SP

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Jornal da ANAMT14 Março 2012

“Quando a

discriminação se

repete, torna-se

assédio moral e pode

causar depressão”

Sérgio BatalhaAdvogado Trabalhista

O advogado Sérgio Batalha lembra que normas de vestuário não podem discriminar

resultados”, considera. “No entanto, as regras precisam ser válidas para todos, sem discriminação".

O advogado observou também que a atitude da jovem no caso de São Paulo pode ser considerada uma exceção: “Infelizmente, os processos são muito menos frequentes do que as manifestações racistas, e as con-denações são raras. Mas acredito que a tendência seja a aumentar o registro de queixas relacionadas a ra-cismo, pois, se hoje é raro, já foi mui-to mais. Antigamente a questão era certamente mais menosprezada”.

Para a professora doutora em so-ciologia da UFMG Danielle Cireno, quanto mais dependente da remu-neração do emprego o funcionário é, mais raras são as reações desse tipo: “Além de haver uma questão geracional – ou seja: por ser jovem, a moça do caso teria mais consciência de seus direitos do que as gerações anteriores, que tiveram acesso a me-nos direitos – ela também é estagiá-ria, provavelmente mora com os pais e, nesse caso, não precisa se susten-tar. Isso permite uma liberdade de ação maior”, deduz.

A socióloga ressalta o fator “profissão” na equação do racis-mo: “Através de pesquisas, já foi demonstrado que, quanto mais prestigiosa é a ocupação, mais frequentes são os relatos de dis-criminação. Assim, trocadores de ônibus reclamariam menos de ha-ver racismo entre seus colegas do que professores universitários, por exemplo. Em outras palavras, pare-ce que em ambientes tidos como mais ‘requintados’ as atitudes são mais segregadoras, mesmo que discretamente”, esclarece.

Dano ou assédio moral? Para Sérgio Batalha, casos de

discriminação que acontecem iso-ladamente encaixam-se na catego-ria dano moral: “Somente quando a discriminação é crônica pode ser considerada assédio moral”, eluci-da. “O conceito foi lançado pela psi-cóloga Marie-France Hirigoyen em seu livro Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, de 2000”.

Além dos danos psicológicos cau-sados pelos maus-tratos, como a depressão profunda, o assédio pode levar à somatização, ou seja, ao de-senvolvimento de doenças físicas por conflitos psicológicos. “Já atuei em um caso em que a vítima traba-lhava havia 30 anos em um banco e foi afastada por ter desenvolvido do-ença cardíaca proveniente do assé-dio moral. Segundo o estudo da Drª. Marie-France, dois terços dos casos de assédio moral culminam em afas-tamento por doença. O assediador geralmente cria uma atmosfera bas-tante ruim para conseguir desmoti-var e demitir o profissional”.

Providências Embora o assediado deva, em

princípio, se manifestar quando humi-lhado, o ambiente de trabalho exige cautela nas atitudes por tomar. Para Batalha, antes de ir à delegacia se-ria interessante comunicar à área de Recursos Humanos da empresa em questão: “De maneira geral, o melhor é avisar primeiro à presidência ou à diretoria da empresa, porque em al-guns casos o assediador é punido e afastado. Mas, se houver conivência da empresa, é preciso registrar oficial-mente o caso”, pondera.

Danielle defende outra reação: “Acredito que o ideal seria o asse-diado fazer um boletim de ocor-

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Março 2012 15Jornal da ANAMT Março 2012 15

“As novas gerações

tendem a se

queixar mais, por

uma questão de

conscientização da

sua época”

Danielle Cireno

UFMG

rência, reunindo o maior número possível de provas e testemunhas. Já em grandes empresas, que con-tam com ombudsman, pode valer a pena resolver a questão interna-mente”, analisa.

Na visão do psiquiatra Duílio Camargo, a atitude que a vítima deve tomar não é exatamente a questão mais importante em um ce-nário de dano ou assédio moral: “Há vários tipos de reação, dependendo da personalidade da vítima. Há as mais passivas, que aceitam bem a ofensa, há quem reclame no ato e quem denuncie o caso oficialmente. O que importa para a saúde pessoal é que a pessoa aja de acordo com o que acredita que seja certo”, de-fende. “A vítima que acreditar que é melhor ir à delegacia vai se sentir emocionalmente mais firme toman-do essa decisão. O mesmo serve para as outras atitudes.”

Gerenciando o problemaQuando a discriminação não

acontece entre cargos hierárquicos diferentes, mas entre colegas de nível equivalente, o chefe da equi-pe precisa agir. É o que defende o

advogado Sérgio Batalha: “Um chefe que perceber atitudes racistas entre seus subordinados deve afastar essa conduta imediatamente, porque o empregador responde pelas atitu-des de seus prepostos. É importante lembrar que, se o caso aconteceu no local de trabalho e a companhia não o impediu, a empresa responderá ju-dicialmente, se for o caso”, lembra.

Para o psiquiatra Duílio Camargo, o clima em uma empresa deve ser sempre de incentivo ao diálogo: “É preciso que as pessoas se sintam à vontade para dizer o que está ha-vendo. Também é importante que a chefia observe as inter-relações, tan-to pela responsabilidade envolvendo queixas quanto pela manutenção de um ambiente saudável, não opressor. Ninguém trabalha bem em ambien-tes segregadores”, argumenta.

Danielle Cireno, que já lecionou para pós-graduação em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, acredita que a postura do setor de Recursos Humanos faça toda a dife-rença no ambiente de trabalho: “Se um RH age de forma preconceituo-sa, ou seja, se leva em conta a etnia como critério de seleção, é mais fácil haver discriminação dentro da em-presa”, relaciona.

Outra forma de evitar as de-monstrações de racismo é promover ações que discutam o tema dentro da empresa, assim como são reali-zadas ações referentes à organiza-ção do trabalho, como lembra o Dr. Camargo: “Assim como muitas em-presas fazem semanas internas de prevenção de acidentes, ou sobre a questão do assédio moral, hoje há palestras sobre formas de discrimi-nação de qualquer espécie, sempre visando à inclusão. Hoje esse cuida-do é muito importante em uma cor-poração”, conclui.Para Dr. Duílio Camargo, psiquiatra, as reações

dependem da personalidade das vítimas

Danielle Cireno, da UFMG, defende que o assediado registre queixa imediatamente

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Jornal da ANAMT16 Março 201216 Março 2012 Jornal da ANAMT

e n t r e v i s t a

Na área de SST, quais foram os principais avanços durante o primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff? Dr. Carlos Campos - A revisão da re-gulamentação já vigente e a proposi-ção de novas regras têm acontecido em ritmo acelerado. De 2011 para cá, podemos listar muitas mudanças, como a revisão de normas regula-mentadoras relacionadas a máquinas e equipamentos, líquidos inflamáveis e combustíveis, construção, trabalho portuário, acidentes perfuro-cortan-tes (anexo III da NR32), além de outras áreas, como, por exemplo, o PAT – Pro-grama de Alimentação do Trabalhador.

No entanto, em minha opinião, ne-nhuma publicação tem tanto poder de transformação quanto a que dispõe da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST – Dec 7602/2011). Ao assumir os princípios da universali-dade, prevenção, diálogo social, integra-

Transformações em curso

lidade e, principalmente, a precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência, rea-bilitação e reparação, o país abre novas possibilidades para a SST.

O que se pode esperar de 2012 em relação ao cenário de SST no Brasil? CC – É difícil fazer previsões, mas pos-so compartilhar o que tenho visto. Acho que existem normas muito im-portantes em discussão, como, por exemplo, a norma de gestão em SST ou a do trabalho em altura – com res-peito à qual, por sinal, a Anamt parti-cipou ativamente da consulta pública.

Mudanças na penalização pelo descumprimento dos requisitos legais como o aumento da multa para não emissão de Comunicação de Aciden-te do Trabalho (CAT) ou a revisão da NR-28, parecem indicar que o governo será mais rigoroso com empregado-res que andam “fora da linha”. Movi-mentações governamentais como as recentemente vistas na Previdência podem se refletir, ainda, em mudan-ças em 2012, mas é mais prudente ob-servar do que predizer.

Como a atual crise econômica pode influenciar o entendimento sobre SST? CC – Nesse cenário, sou menos oti-mista. A começar porque não vejo sinais claros de recuperação. A crise

continua, a Comunidade Europeia ainda não tem o controle da situação, os níveis de desemprego continuam alarmantes, e as taxas de crescimento globais estão caindo. A China já anun-ciou que crescerá menos em 2012, e o Brasil não teve um desempenho digno de orgulho no PIB do 1º trimestre des-te ano. Portanto, vamos acompanhar.

O que me preocupa em situações de crise econômica é o risco da preca-rização das condições de trabalho, de haver certa frouxidão quanto aos as-suntos relacionados à saúde e seguran-ça no trabalho, em prol do crescimento econômico e do aumento da renda.

Qual é a importância da regulamentação da saúde e da segurança no trabalho? CC – O melhor cenário que posso imaginar é o de um mundo sem re-gulamentação, porque a cultura de SST seria tão forte que a preservação da vida, da saúde e do bem-estar es-taria presente em tudo o que envol-vesse trabalhadores.

Infelizmente, um mundo assim está longe de existir. Enquanto não ti-vermos uma cultura intrínseca de SST, é preciso dizer o que deve ser feito. Acredito que normas mais genéricas, que responsabilizem mais os empre-gadores, são mais benéficas do que normas muito detalhadas e prescriti-vas, que podem se tornar obsoletas

“O que me preocupa

na crise é o risco

da precarização

das condições de

SST em prol do

desenvolvimento”

Na primeira edição do Jornal da Anamt de 2012, conversamos com o presidente da associação, Dr. Carlos Campos, que fez um balanço das mudanças em Segurança e Saúde no Trabalho (SST) em 2011 e, baseado no panorama atual, arriscou algumas previsões para este ano.

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Março 2012 17Jornal da ANAMT Março 2012 17Jornal da ANAMT

Transformações em cursoem um curto espaço de tempo. No Brasil, o sistema tripartite de elabora-ção de normas é muito bom do ponto de vista de construção social e partici-pação coletiva, mas toma muito tem-po – vide a revisão da NR-4, que nunca sai. Por isso, temo que, a longo prazo, normas prescritivas demais não sejam tão protetivas. Difícil é encontrar o ponto de equilíbrio, porque, de outro lado, normas abertas demais podem ser mal aplicadas e mal fiscalizadas.

O que é preciso para que as normas se tornem uma cultura? CC – Participação social, integração entre instituições, tecnologia de infor-mação. E não falo especificamente de normas, falo de ações preventivas de SST em geral.

Acho que diferentes instituições de-vem trabalhar cada vez mais próximas no intuito de garantir a SST. É preciso que Trabalho, Saúde e Previdência ca-minhem na mesma direção, incluindo a troca de informações para tornar a fis-calização e o controle mais eficientes. E é preciso haver participação social.

O papel dos sindicatos é impor-tantíssimo, e vejo oportunidade para uma representanção mais ativa e, por que não dizer?, moderna na atuação dos representantes dos trabalhadores nos assuntos de SST. Os próprios tra-balhadores e, por que não?, os con-sumidores. Se houver mais clareza na sociedade sobre SST, podemos ajudar o consumidor a pressionar por me-lhores práticas. Por exemplo, deter-minada empresa de eletrônicos não cumpre regras de SST e prejudica os trabalhadores. Defendo que haja um boicote aos produtos.

A visibilidade na mídia, a pressão social e o risco do comprometimen-to de imagem ajudaram muito na discussão, por exemplo, do trabalho infantil. A ponto de fazer com que muitos empregadores assumissem

compromissos sociais de não admi-tir nenhum tipo de trabalho infantil em sua cadeia produtiva. É claro que o trabalho infantil não foi completa-mente extinto, mas houve progres-sos significativos. Não seria ótimo se acontecesse o mesmo com SST?

No Brasil, o senhor identifica alguma regulamentação que tenha se trans-formado em cultura? CC – Bem, se você considerar cultura como um padrão de crenças, valores e princípios que vão determinar o com-portamento de um grupo, comunidade ou sociedade, eu não conseguiria iden-tificar. Ou minha memória me trai ou, de fato, não há. Até porque não enten-do que uma norma se transforme em cultura. É o conjunto articulado delas que poderia gerar uma cultura de SST.

Entretanto, há uma mudança em curso que acho interessante. Se você comparar com duas ou três décadas atrás, o uso de equipamentos de pro-teção parece crescer nas menores obras e nos lugares mais distantes do país. É algo positivo, mas ainda pou-co representativo. O controle é muito frágil quando comparado com os con-troles de engenharia, e muitos desses equipamentos estão em péssimas condições de manutenção.

Como o Sr. vê a posição do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que recentemente anunciou cortes nos honorários de advogados que defendam causas envolvendo pequenos acidentes de trabalho, como forma de incentivar o crescimento das empresas e movimentar a economia inglesa? CC – No caso específico do primeiro--ministro britânico, acho que sua decla-ração foi, no mínimo, infeliz. Do ponto de vista político, é justo que um líder de-fenda o aumento da produtividade e da renda de seu país, em especial, no meio da crise europeia. Daí a fazer uma decla-

“É preciso que

Trabalho, Saúde e

Previdência caminhem

na mesma direção”

ração que põe em dúvida seu compro-metimento com a saúde e a segurança do trabalhador, há uma longa distância. Não acredito que a sociedade britâni-ca venha a ser menos rigorosa nesse assunto e vejo, de forma positiva, vá-rias iniciativas da Inglaterra como boas referências em SST. Se existe algo de “positivo” (entre aspas) nessa história, é o aprendizado de que um líder deve pensar – e muito – antes de falar.

Existe hoje um excesso de regulamen-tação em SST no Brasil? O que poderia ser feito para corrigir esse cenário? CC – É difícil dizer que haja excesso, porque a regulamentação, em tese, corresponde às necessidades de uma sociedade. Quanto mais exigente é a so-ciedade, maior a chance de haver mais regras e controles. Penso que o excesso, se existe, está mais na aplicação da re-gulamentação do que na norma em si.

Como disse antes, acho que a abor-dagem tripartite inibe os exageros, em-bora tome tempo. Já no que se refere ao cumprimento e à fiscalização, vejo riscos de exagero quando há polariza-ção ideológica. É claro que diferentes atores sociais desempenham diferentes papéis, e que isso acontece na atua-ção das autoridades governamentais, dos sindicatos e dos empregadores. Entendo que possa haver interesses diferentes por defender, mas me custa acreditar que não haja um ponto de confluência para a SST. É nisso que acre-dito como controle dos excessos: que prevaleça o bem maior, que é a vida.

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Jornal da ANAMT18 Março 2012

espaço do associado

p u b l i c a ç õ e s

Desde o início do ano, a Anamt está oferecendo a seus associados acesso exclusivo a duas importantes publicações especializadas na área de medicina do trabalho: Occupational Medicine e Journal of Occupational and Environmental Medicine. É possível, ainda, acessar artigos completos de números anteriores.

Com a iniciativa, a Anamt pretende proporcionar a seus associados mais uma ferramenta de pesquisa e de atualização médica, que poderá auxiliar no atendimento aos trabalhadores.

Associados da Anamt têm acesso a publicações especializadas

Occupational Medicine

http://occmed.oxfordjournals.org

Publicada com o aval da Sociedade de Medicina Ocupa-cional (SOM), a publicação é ligada à Universidade de Oxford e apresenta tópicos sobre temas como promo-ção e prevenção, doenças ocupacionais, educação em saúde, implementação de padrões de segurança, moni-toramento do ambiente de trabalho e reconhecimento e gerenciamento de riscos. Estão disponíveis as publica-ções online desde o volume 50 (1), de janeiro de 2000.

Para ler o resumo:1) Acessar a área exclusiva do site; http://occmed.oxfordjournals.org/2) Clicar no item Current Issue, se desejar ler o nú-mero atual; clicar em Archive, se quiser pesquisar em números anteriores, ou em Search, se quiser buscar alguma palavra específica;3) Explorar as publicações.

Para acessar a nova ferramenta, o associado deve:

1) Visitar a área exclusiva do site2) Clicar no item Publicações Especializadas no menu lateral esquerdo3) Explorar as publicações, clicando nos respectivos links

Nos sites estão disponíveis apenas títulos e resumos. Para ler os textos completos, é preciso seguir os passos abaixo:

1) Escolher o material desejado

2) Enviar um e-mail para [email protected], com os seguintes detalhes: título do artigo, nome e do número da publicação, nome completo do associado e número de identificação da Anamt.

Em até 10 dias corridos, o documento será enviado na íntegra para o e-mail cadastrado.

Para ler o resumo:1) Acessar a área exclusiva do site: http://journals.lww.com/joem/pages/default.aspx2) Clicar no item Current Issue, se quiser ler o número atual; clicar Previous Issues, se qui-ser pesquisar em números anteriores ou, em Search, se quiser buscar alguma palavra específica;3) Explorar as publicações.

Journal of Occupational & Environmental Medicine

http://journals.lww.com/joemRevista oficial da American College of Occupational and Environmental Medicine (Acoem), a publicação é muito respeitada pela comunidade dos médicos do trabalho dos EUA. Estão disponíveis as publicações online desde o volume 38 (1), de janeiro de 1996.

Conheça as publicações:

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Jornal da ANAMT Março 2012 19

espaço do associado

¨Gostaria de saber se sou obrigado legalmente a aceitar atestado de 15 dias emitido por psicólogo.¨

Dr. Marco Antônio GonçalvesAssociado

Somente os atestados emitidos por médico ou cirur-gião-dentista são considerados como passíveis de abono, por incapacidade ao trabalho do emprega-do. Mesmo nestes casos, o médico do trabalho da empresa tem prerrogativa estabelecida pelo Conse-lho Federal de Medicina (CFM) de, após examinar o empregado, alterar o número de dias, assumindo então a responsabilidade por tal antecipação ou prorrogação. Qualquer outro abono por psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros do Programa de Saúde da Família (PSF), optometristas, ou quaisquer ou-tros profissionais, pode ter validade por mera libe-ralidade das empresas, caso queiram proceder as-sim. Ressalvo que quem aceita ou recusa o atestado é o empregador e não o médico, que apenas atua como consultor da empresa para a necessidade ou não daquele abono, sendo também uma boa prá-tica que os parâmetros para tal estejam definidos e sejam de conhecimento dos empregados. Costu-mo sugerir às empresas que criem e divulguem al-gum protocolo ou norma interna para aceitação de afastamentos do trabalho, por incapacidade devido a doença, em que todas as circunstâncias estejam previstas: tempo para entrega do atestado, a quem entregar, necessidade da Classificação Internacional de Doenças (CID), necessidade de comunicação em impedimentos, necessidade de visto da chefia, de quem são aceitos atestados, etc.

Dr. Vinício Cavalcante Moreira Diretor de Ética e Defesa Profissional

Envie suas dúvidas, opiniões e sugestões para o Jornal da Anamt. Acesse o site da Anamt: http://www.anamt.org.br/espaco_associado.php

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Jornal da ANAMT

12º CONgRESSO DE STRESS DA ISMA-BRDe 19 a 21 de junho de 2012, a International

Stress Management Association (ISMA-BR) realiza em Porto Alegre (RS) o 12º Congresso de Stress da ISMA-BR, o 14º Fórum Internacional de Qualida-de de Vida no Trabalho, o 4º Encontro Nacional de Qualidade de Vida na Segurança Pública e o 4º Encon-tro Nacional de Qualidade de Vida no Serviço Público.

O tema dos eventos é: “Trabalho, Stress e Saúde: o impacto nos resultados da empresa – da teoria à ação”. Os workshops acontecem das 8h30 às 19h no Centro de Eventos Plaza São Rafael.

Mais informações: www.ismabrasil.com.br, [email protected] e pelo tel.: (51) 3222-2441.

CuRSO TRANSTORNOS MENTAIS RElACIO-NADOS AO TRABAlhO E SAúDE MENTAl NO TRABAlhO

De 26/6/2012 a 27/04/2013, médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e demais interessa-dos na área da saúde do trabalho poderão se atua-lizar no I Curso sobre Transtornos Mentais Relaciona-dos ao Trabalho (TMRT) e Saúde Mental no Trabalho (SMT). O evento acontecerá na Escola de Excelência do Instituto de Psiquiatria – HCFMUSP.

As aulas terão 11 módulos, incluindo temas como Psiquiatria do Trabalho, Aspectos jurídicos dos TMRT e da Saúde Mental, e Incapacidade laboral, Reabilitação e Readaptação dos TMRT.

As inscrições estão abertas e devem ser feitas ini-cialmente por telefone até o dia 15/06.

Mais informações: Tel.: (11) 2661-6520. E-mail: [email protected]

6º CONgRESSO DE REABIlITAçãO PRO-fISSIONAl DO CENTRO BRASIlEIRO DE SEguRANçA E SAúDE INDuSTRIAl (CBSSI)

Nos dias 15 e 16 de agosto de 2012, o Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, recebe o 6º Congresso de Reabilitação Profissional do CBSSI.

O evento terá um painel dedicado à apresentação do Cuela, equipamento alemão desenvolvido pela Fe-deração Alemã das Seguradoras Sociais (DGUV) que está chegando ao Brasil.

Mais informações: http://www.proreabilitacao.com.br e pelo tel.: (19) 3251-5194.

a g e n d a

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c a l e n d á r i o

O 15º congresso Nacional da Anamt engloba vários eventos: o 3º Encontro Ítalo-brasileiro de Medicina do trabalho, o 9º seminário Nacional de Perícias Médicas trabalhistas da Anamt, e o 2º Encontro científico de Residentes e Estudantes da Graduação e da Pós-Graduação em Medicina do trabalhador.

Nas mesas serão abordados os temas: As políticas de promoção da saúde do trabalhador nas políticas dos tribunais da Justiça do trabalho; comunicação científica em saúde e segurança no trabalho; Politica Nacional de segurança e saúde do trabalhador e Os desafios para a responsabilidade social

das empresas na transição para uma nova economia, entre outros.

Para o Diretor científico da Anamt, Dr. Zuher handar, o evento é um marco para a Medicina do trabalho, e a escolha de são Paulo “levou em consideração a importância do município para a área”.

Os simpósios terão participação de convidados e contarão com trabalhos selecionados por uma comissão. Participarão especialistas do brasil, da América latina, dos Estados Unidos e de países europeus como Itália, França, Espanha e Portugal. As inscrições serão abertas em abril.

15º Congresso Nacional da Anamt, em 2013, terá inscrições abertas em abrilEntre 11 e 17 de maio de 2013, acontece no Anhembi, São Paulo, o 15º Congresso Nacional da Anamt – Saúde Integral para Todos os Trabalhadores

EVENTOS

15º Congresso Nacional da ANAMTData: 11 a 17/05/2013Local: Centro de Convenções do Anhembi - São Paulo/SP

Seminário Regional Sudeste de Saúde no Trabalho - ANAMT / AMIMTData: 14 a 16/05/2012Local: Centro de Convenções da UFOP - Ouro Preto/MG

Seminário Regional Nordeste de Saúde no Trabalho - ANAMT Data: 13 a 15/06/2012Local: Casa da Indústria - Fortaleza/CE

Fórum Nacional ANAMTData: 15 a 17/11/2012Local: Goiânia/GO