aspectos da histÓria e epidemiologia das doenÇas mentais

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ASPECTOS DA HISTÓRIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS MENTAIS Prof. RAPHAEL BOECHAT BARROS, MD, PhD

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Page 1: ASPECTOS DA HISTÓRIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS MENTAIS

ASPECTOS DA HISTÓRIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS

MENTAIS

Prof. RAPHAEL BOECHAT BARROS, MD, PhD

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Tempos bíblicos e mitológicos. Onde começaria a história da depressão na

humanidade? Alguns relatos, histórias ou mitos datam de uma época bem anterior à medicina Hipocrática.

A história contada no livro bíblico I de Samuel, em que Saul, designado por Deus torna-se o primeiro rei de Israel. Considerado alto, forte e valente guerreiro, Saul passa a maior parte dos seus dias lutando contra inimigos do seu povo, particularmente os Filisteus. Porém, em determinado momento, Saul “deu as costas para Deus”, que como punição, permitiu que os “demônios passassem a afligi-lo”. Ele então passa os seus dias muito triste e atormentado. Então Saul suicida.

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No campo das mitologias, a história de Belerofonte, nascido Hiponous, filho de Glauco, o rei de Corinto, e neto de Sísifo. Após matar acidentalmente seu irmão Bellerus, foge para Tirene, situada a sudeste de Argos. Desde então, começa uma longa saga de peregrinações, que tem seu ponto alto na luta contra Quimera, monstro terrível que estava destruindo a região da Lícia, matando homens e incendiando colheitas.

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Descrito por Homero, na Ilíada, o monstro teria a parte superior de um leão (de sua boca saiam chamas destruidoras), o corpo de uma cabra e o traseiro de um dragão; Hesíodo, na Teogonia, descreve o Quimera com três cabeças. Protegido por Atena, Belerofonte montado em Pégaso, um cavalo alado, com suas setas consegue abater o Quimera. Rico, glorioso, cheio de honrarias, casado com a filha do rei e herdeiro do trono, Belerofonte enche-se de soberba e julga-se imortal.

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Novamente montado em Pégaso, tenta subir ao Monte Olimpo e participar da assembléia dos deuses, algo totalmente vedado aos humanos. Ao perceber a atitude do herói, Zeus, profundamente irritado com a sua presunção, faz Pégaso, picado dolorosamente por um inseto, empinar de grande altura e atirar Belerofonte do alto. O cavalo das asas de ouro continua a subir alcançando a região das estrelas e transformando-se numa constelação. Belerofonte sobrevive à queda, porém coxo, cego, sentindo-se ridicularizado por sua falha, “enlouquece” e passa a viver solitário, evitando o contato com os outros homens até morrer miseravelmente, segundo algumas versões perto da ilha de Chipre.

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Hipócrates e o nascimento da medicina A doença depressão é considerada como um

subtipo dos transtornos do humor (ver classificação e diagnóstico). Essa nomenclatura (humor) tem origem na era hipocrática (Hipócrates 460-370 a.C.), considerado o pai da medicina, e posteriormente com Galeno (128-201), que descreveram quatro tipos de temperamentos de acordo com predomínio de um dos quatro humores (líquidos) do corpo, segundo a concepção biológica da época (Bastos, 1997; Cordás, 2002).

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- Linfático ou fleugmático (inflamação): predomínio da linfa, também conhecido como pituitoso (da pituitária). Caracteriza-se pela indiferença e pobreza vital. Lento, corpulento e preguiçoso.

- Sanguíneo, ou seja, aquele que ocorre predominância de sangue. Rico de vitalidade, alegria de viver, porém não excessiva. Otimista, falante, irresponsável e gordo.

- Bilioso ou colérico, influenciado pela bile. Irritável com reações violentas perante as dificuldades. Explosivo, ambicioso e magro.

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- Atrabiliário ou melancólico (melan, negro, e cholis, bílis), predomínio da bile negra. Triste, preocupado com pequenos detalhes da vida. Introspectivo, pessimista e magro.

Portanto considerava-se que a melancolia seria em decorrência de um predomínio, de uma “intoxicação” do cérebro pela bile negra.

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– Idade Média Na Idade Média, para São Tomás de

Aquino, a melancolia vitimou monges cristãos solitários e heremitas, levando-os a abandonar o trabalho e suas obrigações e passando a viver sob o “pecaminoso” descanso indolente. São Gregório, o Grande (540-604), inclui a acídia (ou preguiça) entre os sete pecados capitais, junto com o orgulho ou soberba, a ira, a inveja, a gula, a luxuria e a avareza.

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O Renascimento Durante o Renascimento, com a idéia de

“Doença mental”, Robert Burton escreve: A Anatomia da Melancolia, assumindo uma postura bastante ambígua, talvez dicotômica, colocando a loucura como uma questão espiritual (mediada por bruxas, magia, espíritos ou demônios) ou médica.

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É interessante notar que ele cita como causas da melancolia a idade avançada, o temperamento, a hereditariedade e ainda a possibilidade de ser causada secundariamente por afecções a outras áreas do corpo. Também considera o temperamento melancólico como um estado de predisposição a doenças pelo resto da vida. Antes de Burton, Marsílio Ficino (1433-1499), filósofo e religioso florentino, questiona: “Por que todos que se tornam eminentes filósofos, políticos, poetas ou artistas tem um temperamento atrabiliário, que de certo modo predispõe às doenças causadas pela bile negra?”

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O Iluminismo Willian Cullen (1710-1790), médico

escocês, criador do termo neurose, é o primeiro a referir que na melancolia ocorre uma alteração da função nervosa e não dos humores. Considerando que diferentes partes do cérebro estão em mesmo e determinado momento em estado desigual de “excitação” e “colapso”. Essa instabilidade primária levaria então a incapacidade de associar as idéias e executar o julgamento

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Os séculos XIX e XX No início do século XIX a psiquiatria romântica

alemã, com Ilder e Heinroth e os alienistas moralistas franceses principalmente Pinel e Esquirol atribuem à culpa e ao pecado a causa de toda loucura, apontando para o perigo das paixões desvairadas. Nessa época, tratamentos com água (hidroterapia), sendo com água quente para os mais agitados e gelada para os mais apáticos, ou a alternância dos dois procedimentos eram utilizados com freqüência.

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Um dos métodos mais populares era uma terapia de choque em que o paciente, inesperadamente, era mergulhado na água ou subitamente encharcado por meio de um jato forte de mangueira. Outros métodos tradicionais como sanguessugas, pequenos sangramentos, eméticos, purgantes ou camas

giratórias completavam o arsenal terapêutico

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Nos fins do século XVIII e início do século XIX, Philippe Pinel, médico francês, remove os “loucos” dos encarceramentos onde eram mantidos com ladrões, estelionatários, adversários da monarquia, enfim, todas pessoas consideradas deletérias à sociedade, para locais específicos.

Com isso ele inicia a construção de uma identidade própria de um tratamento específico para as doenças mentais.

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O final do século XIX marcou o início da psiquiatria científica, com os primeiros passos na nosologia psiquiátrica, com a classificação e descrição das doenças mentais por Emil Kreapelin, que são consideradas como a base das classificações atuais.

Nessa época, ocorria também a descrição da anatomia, fisiologia e histopatologia do sistema nervoso central e suas correlações com quadros clínicos por Golgi na Itália, Ramón e Cajal na Espanha, Broca na França, Wernicke na Alemanha e Hughlings Jackson na Inglaterra, entre outros

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As psicoterapias No início do século XX, Freud, em Viena, inicia

uma nova abordagem das doenças mentais que iria dominar a maior parte daquele século, a psicanálise. Termos e conceitos criados por Freud fazem parte da psicopatologia e da clínica psiquiátrica, sendo obrigatórios ao vocabulário psiquiátrico, entre eles estão.

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O modelo topográfico da mente com sistema inconsciente, pré-consciente e consciente.

Teoria estrutural da mente: conceitos de ego, superego e id.

Mecanismos de defesa do ego. Relações de transferência e contra

transferência. Complexo de Édipo, entre outras.

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Freud propunha que o processo de “cura” das patologias mentais invariavelmente teria que passar por um acesso ao inconsciente, o que inicialmente buscou através da hipnose.

Com resultados variáveis e de curta duração, descobriu que a “cura” dos sintomas de seus pacientes, na maioria histéricos, fóbicos ou ansiosos, somente seria possível através da elaboração consciente de conteúdos inconscientes, o que chamou de psicanálise.

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Recentemente grande parte da teoria criada por Freud, que foi "abandonada" pelo que poderíamos chamar de "ciência atualizada", no espírito da medicina baseada em evidências, vem sendo revista e considerada sobre uma nova ótica: a junção dos conceitos freudianos com os estudos neurofisiológicos passa a ser considerada complementar e não antagônica como até então.

Entre os vários cientistas de renome seguindo este raciocínio está o ganhador do prêmio Nobel Eric Kandell, que citou: "a psicanálise ainda é a mais coerente e satisfatoriamente intelectualizada visão da mente" (Solms, 2004).

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O próprio criador da psicanálise no “esboço de psicanálise”, em 1938 já antevia:

“o futuro pode ensinar-nos a exercer influência direta, através de substâncias químicas específicas, nas quantidades de energia e na sua distribuição no aparelho mental. Pode ser que existam outras possibilidades ainda não imaginadas de terapia” (Freud, 1974b).

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Então houve um predomínio do tratamento baseado em internações (hospitalocêntrico), acarretando uma exclusão social e, indiretamente, incentivando o preconceito aos doentes mentais.

Esta situação colocava os doentes mentais como pessoas incapazes de um convívio social harmonioso, “escondendo-os” da sociedade.

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No final do século XX uma corrente iniciada em alguns paises europeus chega ao Brasil, a chamada “reforma psiquiátrica”. Esta corrente ganhou peso se concretizou através da “Lei Paulo Delgado” que trazia para o nosso país uma nova visão dos tratamento dos doentes mentais.

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A reforma psiquiátrica brasileira tinha duas principais bandeiras:

- Desinstitucionalização do paciente.- Inserção do paciente na sociedade.

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Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e serviços extra-hospitalares

Composição dos gastos 1997 2001 2004

% gastos hospitalares em saúde mental

93,14 79,54 63,84

% dos gastos extra-hospitalares em saúde mental

6,86 20,46 36,16

Total 100% 100% 100%

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Comorbidades

Deprimidos têm 2 a 4 vezes mais chance de desenvolver doença cardiovascular e também 2 a 4 vezes mais chance de mortalidade após um evento cardíaco. Sintomas depressivos predispõem a patologias coronarianas em pessoas saudáveis e é fator de pior prognóstico para os que tiveram doença cardiovascular.

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Em relação ao tabagismo, 49% dos deprimidos fumam, entretanto somente 20% a 30% da população fuma. Um episódio de depressão maior aumenta em 2 a 3 vezes o risco de se tornar um fumante. Um fumante diário tem duas vezes mais chance de ter um episódio depressivo maior. A prevalência da depressão em fumantes é 30% a 45% enquanto na população geral é de 5 a 10%

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Alterações do ritmo cardíaco estão associados com um pobre prognóstico em pacientes com doença cardiovascular. Ataque cardíaco súbito ocorre em 50 % dos pacientes com essas patologias e maioria resulta de arritmias ventriculares.

A diminuição na variabilidade da freqüência cardíaca é um conhecido fator de risco para morte súbita e arritmias ventriculares, o que faz supor que o aumento da morte súbita em pacientes deprimidos pode ser devido à diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca (Joynt et al., 2003).

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Pacientes com doença cardiovascular e depressão tem significativamente mais chance de terem episódios de taquicardia ventricular durante a monitorização ambulatorial do que aqueles sem depressão