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A epidemiologia das doenças alérgicas Carlos Nunes Textos da Reunião da Primavera da SPAIC/ SPAIC Spring Meeting Texts Revista Portuguesa de Imunoalergologia 2003; XI : 169-199 Vários países têm vindo nos últimos anos a estudar o porquê do aumento do número de casos relativos às doenças alérgicas, quer no número de novos casos, ou seja a incidência, quer no número total de casos, ou seja, a prevalência. Actualmente as doenças alérgicas, sua repercussão a nível indi- vidual e a nível da sociedade, é cada vez de maior impacto, tendo-se tornado gradualmente um verdadeiro problema de saúde pública devido à sua dimensão. É evidente que as doenças são melhor e mais estudadas nos países mais industrializados e em consequência mais ricos, tendo vindo a equacionar-se a relação custo-benefício na abordagem desta patologia, que para além de ter impacto actual irá ter impacto significativo nas populações futuras. Actualmente, muitos países têm desenvolvido técnicas de avaliação das doenças alérgicas, quer em estudos epidemiológicos, melhoria de detecção e de diagnóstico correcto e adequado e suas impli- cações nos custos a nível individual e social. Estes custos podem dividir-se em custos directos (ambulatório e a nível hospitalar) e em custos indirectos (perda de dias de trabalho do doente ou de um dos pais no caso das crianças, perda de anos de vida por reforma precoce, etc.),. A asma é causadora de incapacidade em períodos curtos, provocando um elevado absentismo às aulas nos jovens, e ao trabalho nos adultos. O estudo global do custos das doenças alérgicas e da asma em par- ticular tem a sua importância, porque tem-se vindo a assistir a um aumento considerável do número de observações clinicas e admissões hospitalares por asma, apesar da existência de programas de prevenção e de tratamento no ambulatório. Existe uma complicada rede de causas desen- cadeadoras das crise de doenças alérgicas, muitas estão intimamente relacionadas com factores ambientais. Os factores genéticos e os ambientais geram uma elevada prevalência e muitas das doenças alérgicas acabam por possuir características de cronicidade. Se analisarmos as doenças alérgicas no aparelho respiratório, que são as de maior prevalência acumulada, podemos afirmar que a rinite e a asma coexistem numa grande maioria de doentes. A Centro de Imunoalergologia do Algarve

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A epidemiologia das doenças alérgicas

Carlos Nunes

Textos da Reunião da Primavera da SPAIC/SPAIC Spring Meeting TextsRevista Portuguesa de Imunoalergologia 2003; XI : 169-199

Vários países têm vindo nos últimos anos aestudar o porquê do aumento do número de casosrelativos às doenças alérgicas, quer no número denovos casos, ou seja a incidência, quer no númerototal de casos, ou seja, a prevalência. Actualmenteas doenças alérgicas, sua repercussão a nível indi-vidual e a nível da sociedade, é cada vez de maiorimpacto, tendo-se tornado gradualmente umverdadeiro problema de saúde pública devido à suadimensão. É evidente que as doenças são melhor emais estudadas nos países mais industrializados eem consequência mais ricos, tendo vindo aequacionar-se a relação custo-benefício naabordagem desta patologia, que para além de terimpacto actual irá ter impacto significativo naspopulações futuras.

Actualmente, muitos países têm desenvolvidotécnicas de avaliação das doenças alérgicas, querem estudos epidemiológicos, melhoria de detecçãoe de diagnóstico correcto e adequado e suas impli-cações nos custos a nível individual e social. Estescustos podem dividir-se em custos directos(ambulatório e a nível hospitalar) e em custos

indirectos (perda de dias de trabalho do doente oude um dos pais no caso das crianças, perda de anosde vida por reforma precoce, etc.),. A asma écausadora de incapacidade em períodos curtos,provocando um elevado absentismo às aulas nosjovens, e ao trabalho nos adultos. O estudo globaldo custos das doenças alérgicas e da asma em par-ticular tem a sua importância, porque tem-se vindoa assistir a um aumento considerável do número deobservações clinicas e admissões hospitalares porasma, apesar da existência de programas deprevenção e de tratamento no ambulatório.

Existe uma complicada rede de causas desen-cadeadoras das crise de doenças alérgicas, muitasestão intimamente relacionadas com factoresambientais. Os factores genéticos e os ambientaisgeram uma elevada prevalência e muitas dasdoenças alérgicas acabam por possuir característicasde cronicidade.

Se analisarmos as doenças alérgicas no aparelhorespiratório, que são as de maior prevalênciaacumulada, podemos afirmar que a rinite e a asmacoexistem numa grande maioria de doentes. A

Centro de Imunoalergologia do Algarve

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maioria dos doentes com asma possuem ou riniteperenial ou sazonal, contudo a rinite peranual, porsi só, não é ainda considerada como um factordependente de risco na asma. Actualmenteconsidera-se que >65% dos doentes com rinite têmuma asma de etiologia alérgica e a rinite estáassociada a mais de 80% dos casos de asma nãoalérgica1.

Considera-se que um adulto com uma históriafamiliar de rinite e/ou asma tem um risco 3 a 4 vezesde ter asma e um risco de 2 a 6 vezes de possuiruma rinite sem uma história familiar de alergia2.

A idade inicial em que surge a atopia pode serconsiderada como um importante factor de riscopara o posterior desenvolvimento de rinite e/ouasma, quer na sua prevalência quer na suagravidade. É cada vez mais “visível” que quantomais cedo surge os sinais clínicos relacionados coma atopia surgem maior é a gravidade da patologiaalérgica que se desencadeia.

Em Portugal, apesar de ser um pequeno paíscom apenas 10 milhões de habitantes, também setem vindo a efectuar investigação epidemiológicae, têm sido efectuados estudos relativos àfrequência de rinite e asma, sendo raros os estudosepidemiológicos no que concerne à dermatiteatópica, urticária alérgica e outras patologiasrelacionadas com a atopia e/ou alergias ou mesmode muitas pseudo-alergias. Neste ultimo caso,estão muitas das reacções a fármacos, estimando-se, actualmente, que cerca de 4 a 7% das reacçõesalérgicas sejam provocadas por ingestão defármacos.

Nós próprios temos vindo a estudar a incidênciae a prevalência da asma, em particular na região doAlgarve3. Assim, desde 1980 temos vindo aacompanhar a evolução de um grupo de criançasasmáticas com <10 anos de idade, comparati-vamente a um grupo homogéneo de crianças nãoportadores de asma, onde os indivíduos sãoobservados semestralmente; utiliza-se um “score”de sintomas e são efectuadas provas de função

respiratória. Temos verificado a existência de umapredominância de maior número de infecções ORLe brônquicas, havendo uma diminuição dos valoresdo PEF comparativamente aos não asmáticos. Em2000, ou seja 20 anos após o inicio do estudo,verificámos que 15,6% dos indivíduos estavamassintomáticos.

Em 1985 efectuámos (C Nunes e S Ladeira)4 oprimeiro grande estudo epidemiológico da rinite eda asma a nível nacional. Nesse estudo englobámosum total dos indivíduos (5.500) em idade escolar(dos 7 aos 17 anos), tendo sido utilizado um inqué-rito, observação clínica, a medição do PEF comespirómetro de bolso; aos asmáticos foram efec-tuadas provas de função respiratória. Verificou-seuma prevalência de rinite em 6,4% dos indivíduos,com uma ratio de 2:1 com predomínio no sexomasculino. Não foram consideradas como avaliá-veis as respostas havidas às questões relacionadascom a rinite sazonal. Nesse estudo encontrámosuma incidência de asma em 1.6% e uma prevalênciade asma em 3.4% de asma nos indivíduos.

Em 1990, Chieira e colaboradores5, estudarama prevalência de asma e atopia em mancebos de 20de idade, à data da inspecção militar. Encontraramuma prevalência de asma em 5.2% dos indivíduose de atopia em 16.4%.

Posteriormente, em 1991, analisámos (C Nunese col.)6 cerca de 65.000 consultas efectuados pormédicos clínicos gerais nos centros de saúde do Al-garve (seleccionados por uma amostra aleatória)durante um período de 12 meses.

No que concerne às queixas de tipo rino-sinusitefoi verificada uma prevalência elevada na infância(>25% em ambos sexos). Verificou-se que a inci-dência desta patologia se vai esbatendo ao longoda idade, havendo uma prevalência média de 14%na idade adulta. Nesta idade, contrariamente aos<19 anos encontra-se uma predominância no sexofeminino.

Neste mesmo estudo, encontrámos umaprevalência de asma em 5,5% dos indivíduos, com

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7.4% nos homens e 4.5% nas mulheres, ou seja comum ratio M/F de 1.6.

Em 1992, A. Marques7 e colaboradores, eminquérito padronizado internacionalmente (Euro-pean Community Health Respiratory Survey),verificaram na área da cidade do Porto, umaprevalência de asma em 3.1% dos 2.086 indivíduos,com idades compreendidas entre os 20-44 anos deidade, que responderam a um inquérito via postal.Neste estudo, porém havia contrariamente à maioriados estudos internacionais uma predominância dosexo feminino (3.5%) sobre o sexo masculino(2.7%). Em Coimbra, Loureiro e colaboradores8

verificaram com a mesma metodologia a existênciade prevalência de asma em 4.4% na amostra dapopulação estudada, sendo 4.3% na área rural e em4.5% na área urbana. Não abordaram a prevalênciapor sexo e constaram que apenas 42% dosinquiridos responderam ao inquérito.

Portugal colaborou num projecto internacionaldesignado I.S.A.A.C. que surgiu na sequência dediversos estudos realizados sobre a epidemiologiada asma e outras doenças alérgicas no fim da décadade 80. A sua estrutura, através de coordenaçãonacional (R Pinto) e coordenadores regionais - CNunes (Algarve), L Chieira (Coimbra) M Almeida(Lisboa) D. Borges (Madeira), L Santos (Porto) eposteriormente D Pereira (Açores) L Lopes(Alentejo) - compreendeu três fases: uma primeiraem que o estudo é obrigatório para todos os centros,sendo o seu objectivo a avaliação da prevalência egravidade da asma e doenças alérgicas empopulações definidas; uma segunda em que serealizou a investigação dos possíveis factoresetiológicos; a terceira fase, que se realizou no finalde 2002, fez a repetição da primeira de modo a tentardeterminar a evolução da prevalência destas doenças,para além de se ter lançado um inquérito sobreambiente e dados familiares, alimentares, etc.9-12

A primeira fase decorreu entre 1993 e 1994envolvendo grupos de crianças de 13-14 anos e 6-7anos, com questionários escritos sobre asma,

rinoconjuntivite e eczema e um vídeo questionáriosobre asma. O questionário do grupo 13-14 anos foiefectuado em 48 países dos 5 continentes, 120 centrosenvolvendo 373.315 crianças. O de 6-7 anos,respondido pelos pais, envolveu 64 centros em 32países e 192.493. Portugal participou com 5 centros:Lisboa, Porto, Portimão, Funchal e Coimbra(excluída do apuramento final dos dados)envolvendo 11.427 crianças do grupo 13-14 anos e84 escolas; e dos 6-7 anos 5.036 envolvendo 207escolas. Os resultados obtidos encontram valoressemelhantes aos obtidos na maioria dos países daEuropa Ocidental, exceptuando o Reino Unido e aIrlanda. Na população inquirida em Portugal, na 1ªfase, que declarou que já teve pieira, rinite ou ec-zema, obtiveram-se os seguintes valores globais: -asma 11% (6-7 anos); 11,8% (13-14 anos); - pieira28,2% (6-7 anos); 18,2% (13-14 anos); - rinite 23,8%( 6-7 anos); 30,2% (13-14 anos); - eczema 11,2%(6-7 anos); 11,7% (13-14 anos) 13-16. Posteriormente,em 2002, com a fase 3, e ao compararmos osresultados do ISAAC em 1994 e 2002 a nívelnacional verificámos que no grupo etário dos 13-14anos houve um aumento significativo de rinite (de30,2% para 37,1%), pieira (de 18,2% para 21,8%) ede asma (11,8% para 14,7%), no espaço de 8 anos.Estes valores estendem-se de uma forma geral,também, às outras doenças alérgicas17,18.

No grupo dos 6/7 anos cujos questionários forampreenchidos pelos pais no que respeita à análisecomparativa no intervalo de 8 anos já não se verificaum aumento de prevalência de pieira e/ou asma, noentanto ainda se assiste a um significativo aumentoda prevalência da rinite (de 23,8% para 29,1%) eeczema (de 11,2% para 14,1%). Estes resultadospodem querer significar que neste grupo etário, paraalém dum melhor conhecimento de diagnóstico deasma e pieira por parte dos pais, os resultados estãomuito condicionados pela componente infecciosamuitas vezes associada a estas patologias nosprimeiros anos de vida, particularmente pela entradacada vez mais cedo para o infantário17.

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Em 1998 foi elaborado, pela SPAIC (G. Castel-Branco e colaboradores), um extenso trabalho anível nacional com a colaboração de dezenas demédicos de clínica geral, relacionado com aprevalência de rinite em cuidados de saúdeprimários. Foi encontrada uma prevalência globalde 9,5% em ambos sexos 19.

O aumento da prevalência de rinite e da asma anível Mundial, torna estas doenças, na sua maioriade etiologia alérgica cada vez mais importantes,porquanto são doença com características decronicidade. o que se traduz por elevados custos,não só inerentes ao seu diagnóstico e tratamentomas também porque é causa de incapacidades emindivíduos na sua fase de vida activa.

Esta situação, a nível Mundial e principalmentenos países mais desenvolvidos industrialmente temgerado muita discussão e mesmo especulação, sendoperfeitamente razoável pensar em procurar causasambientais para este acréscimo de prevalência, emtodas as idades, em todas as raças e sexos. Os factoresdo ambiente doméstico, com um acréscimo cada vezmais elevado de sensibilização aos ácaros do pódoméstico, o fumo do tabaco, animais domésticos,etc., têm sido apontados como os principais factores,que condicionam a incidência e prevalência dasdoenças alérgicas. Também a poluição do ambienteexterior com subida de concentração no ar de ozonoe de NO2 e um ambiente de potencial contaminaçãotóxica dos alimentos têm sido apontados comocausa do aumento da incidência de asma. Os víruscada vez mais “virulentos” também têm sidoapontados como uma das principais causa dehiperreactividade brônquica, por acção directa ouindirecta.

A asma depende de vários factores: heredita-riedade, alergénios ambientais, estilo de vida (inc-luindo o habito de alimentação ao peito), geográ-ficos e de raça.

A totalidade dos estudos, com uma ou outraexcepção, demonstraram uma ligeira predominân-cia da incidência e da prevalência de asma no sexo

masculino nas crianças e adolescentes que se vaiesbatendo ao longo da vida. Actualmente podemosdizer que a asma tem uma prevalência semelhanteem ambos os sexos.

Relativamente a este aumento nas doençasalérgicas tem, nos últimos anos, sido questionada aeventual associação entre o estilo de vida, infecçõese aumento da prevalência. Várias hipóteses têm sidolevantadas acerca da chamada “hipótese da higiene”(parasitas e atopia)20, sarampo e atopia 21, infecçõesdo aparelho digestivo e atopia22, outras infecções eatopia 23, 24, etc. tendo como base que a redução deIL-12 resultará em menor estimulação de célulasdo tipo TH1 e podendo causar incapacidade ouinsuficiente capacidade do lactente para conseguirdesviar-se da estimulação de células do tipo TH2.

Apesar de alguns trabalhos científicos avan-çarem com esta hipótese, vários outros estudospõem em causa esta situação,25,26,27,28,29 continuandoa considerar-se que a genética, os múltiplos factoresambientais e de risco, conjugados com as mudançasque nos últimos decénios tem contribuído paraalterações significativas no tipo de vida nassociedades modernas, ainda terão muita matériaexploratória para este tipo de doenças que sãoinvestigadas, numa forma maior ou menor em maisde 50 países em todo o Mundo.

Continuamos a considerar, através de dadosreferentes a diversos estudos epidemiológicos sobreos factores de risco, a história natural das doençasalérgicas, as infecções das vias aéreas inferiores,sobretudo as de tipo víricas, suas relações e evo-lução com os volumes pulmonares, de estudos deavaliação da hiperreactividade brônquica, no queconcerne à asma, desde o nascimento, sugerem queos factores genéticos e os ambientais que regulama síntese da IgE e a resposta eosinofílica àsinfecções no inicio da vida têm um papel crucialno aparecimento e subsequente desenvolvimentofisio-patológico no desenvolvimento da asma.Múltiplos factores interagem nos determinantes daresposta do “hospedeiro”, mas o facto dos níveis

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de IgE e a função dos eosinófilos serem controladospelas citocinas produzidas pelas células do tipo doslinfócitos TH2 aponta para que o tipo de selecçãoda resposta vá condicionar a maturação dos sub-tipos dos linfócitos e dessa forma iniciar-se aresposta imunológica que vá conduzir à rinite easma e mesmo às reacções alérgicas de tipo dér-mico. Questiona-se, no entanto, se o tipo de reacçãoalérgica a nível da pele, caso da dermatite atópica,que em mais de 50% dos casos poderá evoluir pararinite e/ou asma, terá este tipo de reacção imuno-lógica ou não.

Não deveremos, contudo, esquecer que hoje90% dos indivíduos “vivem” 95% do tempo emambientes de interior, enquanto no século XIX haviapraticamente uma situação contrária. Também ofacto da nossa actividade ser cada vez maissedentária, provoca menos estimulação do aparelhorespiratório e consequentemente menos volumes dear renováveis quer nas vias aéreas superiores quernas vias aéreas inferiores. Deverá acrescer-se queas doenças respiratórias, independentemente deserem ou não de tipo alérgico ou infeccioso sãomuito prevalentes, enquanto que no século XIXpredominavam outro tipo de patologias.

Finalmente, desejamos salientar, por um lado,que o aumento da prevalência das doenças alérgicas,também está relacionado com aumento dapopulação Mundial, a cada vez maior mobilidadedos indivíduos do ambiente campestre para oambiente das cidades, aliada ao melhor diagnósticoe tratamento das doenças em geral e das patologiasimuno-alérgicas em particular e à maior esperançade vidas ao nascer, ou seja maior número de anosde vida para se poder sofrer de uma doença crónica,contribui em muito para o aumento do número deindivíduos portadores de doenças alérgicas; poroutro lado também, os alergénios são cada vez emmaior número e mesmo mais agressivos para a pelee mucosas. Não nos devemos esquecer que os ácarossão animais que vivem há vários milhões de anos;são conhecidas centenas de espécies e são geradoras

de mecanismos de defesa assaz complicados eevolutivos ao longo dos últimos milénios, situaçãoem que o Homem tem tido dificuldade em adaptar-se a um meio ambiente, aparentemente mais hostil.

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Muitas espécies de insectos podem provocarreacções alérgicas geralmente reacções locais, noentanto, uma picada de abelha ou vespa pode serfatal. Os insectos variam conforme a localizaçãogeográfica, na Europa mais de 95% das reacçõesalérgicas à picada de insecto são resultantes da Apismelifera, Vespula, Dolichovespula e Polistes.

Para além dos himenópteros, vários insectos queincluem os mosquitos, moscas, pulgas e percevejos,podem provocar reacções locais ou raramentereacções sistémicas, que são resultantes da morde-dura e não da picada.

A primeira descrição de uma reacção alérgicafatal provocada pela picada de uma vespa estáregistada numa placa de ébano descoberta notúmulo do faraó Menes do Egipto no século 26 AC.

A primeira referência médica à utilização doveneno de abelha para diagnóstico e tratamento éde Braun em 1925 (1), Benson e Semenov em 1930(2) ensaiaram pela primeira vez a imunoterapiaespecífica com extracto de corpo total de abelhanum apicultor. Nos anos 50 Mary Loveless (3)

Alergia a Insectos

descreveu a eficácia da utilização de extractos deveneno de vespa no diagnóstico e terapêutica.Infelizmente os seus estudos foram ignorados pelosseus pares e a imunoterapia com extractos de corpototal foi utilizada durante várias décadas.

Só no final dos anos 70 dois estudos controlados,realizados respectivamente por Hunt em 1978 (4) eMüller em 1979 (5), demonstram claramente aeficácia superior da imunoterapia com extractos deveneno comparada com extractos de corpo total.

Os numerosos estudos que surgiram desde então,demonstrando a eficácia da dessensibilização comvenenos, justificaram que em 1993 a AcademiaEuropeia de Alergologia e Imunologia Clínica(EAACI) publicasse as primeiras recomendaçõespara a imunoterapia com veneno de himenópteros(6). Em 1998 a organização Mundial de Saúde emcolaboração com as Academias Americana eEuropeia de Alergologia e Imunologia publicaramum artigo de opinião sobre vacinas, onde reafirmama eficácia clínica desta terapêutica (7).

O veneno de himenóptero é constituído por

Maria Elisa Pedro

Assistente Hospitalar Graduada de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria

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aminas, péptidos básicos e proteínas de alto pesomolecular, maioritariamente enzimas. As aminascausam dor, são vasodilatadoras e aumentam apermeabilidade vascular, permitindo que o venenose espalhe pelo corpo da vítima, bem como algumasenzimas, por exemplo a hialuronidase. Os péptidosbásicos e a fosfolipase têm efeitos citotóxicos,hemolíticos e neurotóxicos. As enzimas e outrasproteínas de elevado peso molecular constituem osprincipais alergénios.

Embora não existam dados epidemiológicosreferentes ao nosso país, na Europa a prevalênciade indivíduos alérgicos ao veneno de himenópterosé cerca de 20%, sendo na população adulta aprevalência de reacções locais exuberantes cercade 2 a 19% e de reacções generalizadas graves decerca de 0.8 a 5% (8,9,10). Nos apicultores apercentagem de reacções generalizadas é maiselevada, entre 15 a 43% (8). Nas crianças asreacções generalizadas graves são raras, nos adultosa existência de patologia cardiovascular ou respira-tória pode ser responsável pelo aumento daprevalência de casos fatais. A incidência de casosfatais na Europa varia entre 0.1 a 0.5 por milhão dehabitantes por ano, resultando em cerca de 100mortes / ano (11). Extrapolando para o nosso país,poderão ocorrer entre 1 a 5 casos fatais por ano.

O risco de reacção, está dependente da gravidadeda reacção anterior: após uma reacção localexuberante menos de 5% dos doentes desenvolvemreacções sistémicas em picadas subsequentes; depoisde uma reacção sistémica ligeira só 15 a 30% dosdoentes têm reacções sistémicas graves; enquantoque depois de uma reacção sistémica grave mais de50% dos doentes tem outra reacção sistémica gravequando repicados (6). Não há relação entre agravidade da reacção à picada, os níveis de IgEespecífica ou IgG4 específica séricas, o grau desensibilidade dos testes cutâneos e a existência dehistória pessoal de atopia. Actualmente só a históriaclínica permite calcular a gravidade da sensibilizaçãodo doente. Os factores de risco para o desenvol-

vimento de uma reacção sistémica grave (ana-filaxia) são: a doença cardio-vascular ou asma; osidosos; o uso de beta-bloqueantes ou inibidores daenzima conversora da angiotensina (iECA) e amastocitose.

Geralmente a picada de himenóptero provocaapenas edema no local da picada, resultante dainjecção dos componentes tóxicos do veneno. Noentanto na anafilaxia, a reacção de hipersensibili-dade mais grave à picada de himenóptero, asintomatologia varia desde uma reacção cutânealigeira (urticária, angioedema), a sintomas respira-tórios ou cardio-vasculares ligeiros, até ao choqueanafiláctico com paragem cardio-respiratória.

O diagnóstico de alergia à picada de himenópterobaseia-se na história clínica, caracterizando o tipode reacção após a picada, os factores de riscoindividuais e identificando o insecto em causa, oque por vezes é difícil. É útil saber que após umapicada de abelha, o ferrão permanece habitualmentena pele, o que não acontece nas picadas comvespídeos.

Os testes cutâneos para demonstração da reac-ção alérgica IgE-mediada são o exame complementarmais sensível. Os testes em picada na concentraçãode 1mg/ml permitem detectar os doentes comsensibilidade extrema. Os testes cutâneos intradér-micos realizam-se com concentrações de 0.01 a1mg/ml, com leitura imediata aos 15 minutos. Utili-zam-se extractos de veneno puro de vespa, abelhae polistes.

Os testes mais específicos são os testes in vitropara determinação das IgE específicas séricas, noentanto têm menos sensibilidade e podem ser nega-tivos em 15% dos casos.

Os anticorpos IgG específicos, especialmenteIgG4, aumentam transitoriamente algumas semanasapós uma picada e baixam 3 a 6 meses depois.Picadas repetidas podem manter os níveis de IgGelevados, proporcionalmente ao número de picadaspor ano, como acontece nos apicultores.

Estes anticorpos não significam protecção para

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futuras picadas e portanto não são importantes paraseleccionar os doentes para imunoterapia.

As provas de provocação mediante a picada doinsecto vivo, não são utilizadas por rotina por pro-blemas éticos, podendo provocar reacções sisté-micas graves e falsos resultados negativos (cercade 20%).

Quando o diagnóstico é positivo para ambos osvenenos (abelha e vespa ou polistes), deve optar-se por fazer imunoterapia com os dois venenos.

Após uma picada deve tentar-se remover cuida-dosamente o ferrão, usando as unhas ou uma pinça,evitando comprimir o saco do veneno que podeprovocar uma injecção adicional de veneno.

O local da picada deve ser desinfectado, existemno mercado produtos que para além dedesinfectantes contêm também substâncias para oalívio local da dor, como amónia, cânfora, mentolou anestésicos locais. O tratamento depende dagravidade da reacção:

1- Reacção local- Aplicação de gelo localmente

2- Reacção local exuberante (> 10 cm)- Aplicação de gelo ou compressas frias ecorticosteróide localmente- Anti-histamínico oral durante 2-3 dias- Nos casos mais graves: corticosteróide oral(Prednisolona 40mg/dia durante 2-3 dias)

3- Urticária / Angioedema- Adrenalina (1mg/ml) 0.3-0.5cc sub-cutânea- Infiltração do local da picada com adrenalina0.3-0.5cc- Anti-histamínico endovenoso (Clemastina) - Corticosteróide endovenoso(Metilprednisolona 80mg)

4- Reacção sistémica grave- O fármaco de primeira linha é a ADRE-NALINA (1:1000 = 1mg/ml) subcutânea.ouintra-muscular.

No adulto a dose é 0.3 a 0.5 mg (0.3 a 0.5 ml),se necessário pode repetir-se a mesma dose cada 5a 10 minutos.

Nas crianças a dose é 0.01 mg/kg, por via S.C.ou I.M., com o máximo de 0.3 mg por dose.

Nos casos refractários:

Adrenalina (1:10 000 = 0.1 mg/ml) 0.5 ml E.V.em bolus, se necessário pode repetir-se a mesmadose cada 2 a 5 minutos.

Ponderar a necessidade de perfusão contínuaendovenosa. (0.1µg/kg/min.) – usar uma diluiçãode 2 mg de adrenalina em 50 ml de soro fisiológico(µg/ml), iniciar a perfusão com 1.5 ml/h (1µg/min.)e aumentar se necessário até 6 ml/h (4µg/min.).

- Oxigénio por máscara facial com FiO2 100%.- Acesso venoso para administração de Lactato

de Ringer 500 ml ou soro fisiológico E.V.- Se existir broncospasmo:Nebulização com Salbutamol solução respirató-

ria 1ml / 2.5 ml de soro fisiológico.Aminofilina 240 mg/100ml soro fisiológico E.V.

em 30 minutos e depois manutenção com 480 mg//50 ml de soro fisiológico em perfusão E.V. a correr0.2 – 0.9 mg/kg/h.

- Anti-histamínico E.V. (Clemastina).- Metilprednisolona 125 mg E.V.- Ranitidina 50 mg E.V.- Monitorização de P.A. e pulso.- Gasimetria arterial (se possível)- Na hipotensão em doentes medicados com

beta-bloqueantes:

Glucagon 0.1 mg/kg S.C., I.M. ou E.V.

Todos os doentes com história de reacçõesalérgicas sistémicas à picada de himenópterosdevem ser portadores de um estojo de emergênciacontendo adrenalina para auto-administração, já queas reacções graves têm início imediatamente apósa picada e muitos doentes não chegam aos serviçosde urgência atempadamente. Em Portugal existemdispositivos contendo uma caneta-seringa paraauto-injecção, com uma dose única de 0.3 mg deadrenalina a 1:1000 “Epipen Adulto ” e 0.15 mgde adrenalina a 1:2000 “Epipen Júnior ”.

Alergia a insectos

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As numerosas publicações sobre imunoterapiacom veneno purificado demonstram que com umadose de manutenção de 100 mg de proteína deveneno, este tipo de tratamento é eficaz em 91 a100% dos doentes alérgicos à picada de vespa(12,13) e 77 a 80 % dos doentes alérgicos à picadade abelha (13). Os restantes casos manifestamapenas reacções de reduzida gravidade.

As indicações para imunoterapia (IT) estãoresumidas no quadro 1, dependem da gravidade dareacção inicial e da idade do doente.

Quadro 1. Indicações para imunoterapia com venenos

Tipo de reacção TC/IgE específica IT

Sistémica grave Positivos Sim Negativos Não

Ligeira/Moderada Positivos Não/Sim*

Negativos Não

Local exuberante Positivos NãoNegativos Não

*Só nos indivíduos adultos muito expostos e com reacções repetidas, as criançasnão têm indicação.TC – Testes cutâneos; IT – Imunoterapia.

A dose de manutenção geralmente recomendadaé de 100mg de veneno, correspondendo a duaspicadas de abelha e provavelmente a mais picadasde vespídeos. Contudo, dados mais recentesmostram que uma única picada pode veicular 100 a200mg de veneno. Existem vários protocolos parainiciar a IT com venenos, desde o convencional,até ao rápido ou ultra-rápido.

Actualmente, preferem-se os protocolos rápidos(Rush) com a duração de 4 dias ou ultra-rápidos(Ultra-rush) durante 3,5 horas (14). Estes protocolosrealizados em meio hospitalar, por Imunoaler-gologistas experientes, são seguros, têm boatolerância e permitem uma protecção mais rápida

do que os esquemas convencionais. Uma vezatingida a dose de manutenção de 100µg de veneno,que corresponde aproximadamente à picada de doisinsectos, esta é repetida cada 4 semanas durante oprimeiro ano de tratamento e depois cada 6 semanasnos anos seguintes, durante 3 a 5 anos.

Alguns casos raros de doentes com reacçãosistémica após a picada de himenóptero não têmresposta a IgE mediada característica ou seja, semIgE específica demonstrável quer pelos testescutâneos quer pelas IgE específicas séricas. O grupode interesse da alergia ao veneno de insectos daEAACI definiu critérios de inclusão para aanafilaxia ao veneno de himenóptero IgE-negativa(Quadro 2).

Deve ter-se em conta que podem ocorrer falsosnegativos nas primeiras semanas após uma reacçãosistémica anafiláctica e que cerca de 25% dosdoentes não reagem quando se utiliza aconcentração de 0.1 mg/ml de veneno nos testescutâneos. Como tal os testes cutâneos devem serrealizados entre 1 a 3 meses depois da últimareacção anafiláctica induzida pelo insecto, devemser repetidos em 2 a 3 ocasiões e em diferentes locaisda pele e devem utilizar-se concentrações até 1 mg/ml de veneno.

Os apicultores e seus familiares se repetidamentepicados, representam um grupo com alta incidênciade IgE específica sérica negativa, devido aos níveisaltos de IgG específica (anticorpos bloqueantes).

Nestes doentes é importante excluir mastocitosecutânea ou sistémica, com o doseamento da triptasesérica, biópsia cutânea e óssea.

Quadro 2. Critérios de inclusão para anafilaxiaao veneno de himenópteros IgE-negativa

- História de anafilaxia induzida pela picada de himenóptero- Testes cutâneos i.d. com veneno puro negativos (todos

insectos relevantes)- Testes in vitro para todos os venenos negativos (RAST, CAP)- Sem imunoterapia prévia ou actual- Anafilaxia após a repicada

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Vários insectos podem provocar reacçõesalérgicas não por picada mas por mordedura, eincluem os mosquitos, moscas, pulgas e percevejos.Estas reacções são geralmente locais com eritema,edema, prurido, hiperémia local, formação devesículas, hemorragia, urticária papular e dor.Podem persistir horas, semanas ou raramente mesese o tamanho da enduração pode variar de milímetrosa vários centímetros. Não há evidência na literaturade que estas reacções locais sejam IgE-mediadas,são reacções inflamatórias resultantes da introduçãona pele de substâncias irritantes (anticoagulantes,enzimas, aglutininas e mucopolissacáridos) contidasna saliva dos insectos. As reacções podem serimediatas, com início cerca de 15 minutos após amordedura desaparecendo em horas ou tardiassurgindo 12 a 24 horas depois e persistindo dias oumeses. Noutros casos à reacção imediata segue-seuma reacção tardia com vesículas, bolhas e endu-ração. Os indivíduos muito expostos à mordedurade mosquito, podem ter testes cutâneos positivos eníveis séricos elevados de IgE e IgG4 específicaspara esse insecto. Só muito raramente estes insectosprovocam reacções sistémicas, a maior parte dasreacções anafilácticas descritas na literatura, estárelacionada com um percevejo do género Triatomaexistente nos EUA.

Para o diagnóstico dispomos entre nós dapossibilidade de realização de testes cutâneos comextracto de mosquito e do doseamento das IgEespecíficas para mosquito ou mosca do cavalo.

O tratamento das reacções é sintomático, isto é,com anti-histamínicos, anti-inflamatórios, preven-

ção das infecções secundárias, anestésicos ecorticosteróides locais. Os anti-histamínicos tópicosestão contra-indicados por provocarem dermatitesde contacto. Nalguns casos seleccionados, emindivíduos altamente expostos, justifica-se otratamento preventivo com anti-histamínicos. Aimunoterapia específica com extracto de mosquitoé uma possibilidade, mas não há estudos controladosnesta área.

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Alergia a insectos

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A existência de reacções fatais à picada deinsectos é conhecida desde a antiguidade, com aprimeira referência a um caso de morte provocadapela picada de uma vespa descrita no ano 2641 A.C.nos hieróglifos do túmulo do faraó Menes do Egipto,ainda que, na realidade, o faraó tenha sido mortopor um hipopótamo. Há também referência a umapicada fatal de vespa, no 2º século A.C., no Talmudda Babilónia. A abelha foi o símbolo heráldico da3ª Dinastia faraónica do Baixo Nilo e, por isso,aparece profusamente representada nos hieróglifos.

Mais recentemente com o reconhecido aumentodeste problema, foi estimado que ocorrem pelomenos 0.09-0.45 mortes por milhão entre apopulação em geral.

A alergia ao veneno de himenópteros é na grandemaioria dos casos considerada um modelo de alergiaIgE mediada.

Os alergénios responsáveis pelas reacções àpicada de insectos estão contidos no veneno. Estudospioneiros de Loveless e Fackler, posteriormenteconfirmados por Hunt et al., sugerem que a utilização

do veneno em testes cutâneos era um bom métodode diagnóstico verificando-se haver correlação comresultados de ensaios de testes de libertação dehistamina.

Nos últimos anos, novos estudos baseados napatogénese da alergia e imunidade da picada deinsectos modificaram os conceitos de diagnósticoe terapêutica neste tipo patologia.

REACTIVIDADE CRUZADAENTRE INSECTOS

Estudos realizados em doentes alérgicos à picadade insectos revelaram a presença de IgE especifícasque reagiam com um ou mais venenos. Os mesmosresultados foram obtidos com testes cutâneos e tes-tes de libertação de histamina.

Foi demonstrada a existência de reactividadecruzada entre os vários venenos de vespa e venenode vespa e abelha, através de utilização da técnicade RAST inibição.

Diagnóstico in vitro da alergia a insectos

Conceição Santos

Investigadora do Centro de Hematologia e Imunologia da Universidade de Lisboa

Revista Portuguesa de Imunoalergologia

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A alergenicidade cruzada entre veneno de vespae extracto de mosquito foi também descritarecentemente, baseada em observações clínicas,estudo correlativo entre diferentes parâmetrosbiológicos, implicados em mecanismo IgEdependente, tendo sido identificada uma proteínacomum por técnica de imunoblot-imunofixação.

ANTICORPOS ENVOLVIDOS, OUTROSMECANISMOS POSSÍVEIS

Considerando a patogénese das reacções alér-gicas causadas pela picada de insectos questionamo-nos sobre qual o/os mecanismo(s) imune(s)implicado(s).

Quando surgem reacções sistémicas após picadade insecto podemos suspeitar que um mecanismoIgE dependente lhes esteja subjacente, o que poderáser confirmado por testes cutâneos ou IgE espe-cíficas positivos para o veneno.

No entanto, não podemos limitar a imunidadeao veneno de himenópteros aos mecanismos IgEmediados.

Estudos recentes mostram que muitos apicultores,sendo picados frequentemente e possuindo níveiselevados de anticorpos IgE específicos contra osantigénios do veneno, desenvolvem geralmenteapenas reacções locais.

Analisando o soro destes indivíduos, verifica-sea existência concomitante de níveis elevados de IgGespecíficas que “in vitro” são capazes de inibir alibertação de histamina dos basófilos de indivíduosalérgicos.

Estes dados podem sugerir que quando osanticorpos IgE são acompanhados de elevadosníveis de anticorpos IgG, os indivíduos estão, decerta forma, protegidos de reacções sistémicas.

Assim se poderá explicar parcialmente o sucessoda imunoterapia específica, uma vez que éacompanhada de níveis elevados de IgG específicasdo veneno.

Embora não esteja esclarecido, é conceptual-mente possível que nas reacções raras os anticorposIgG tenham papel patogénico e haja mesmoaparecimento de complexos imunes circulantes.

Mecanismos com intervenção celular sãotambém possíveis no caso de doentes com testescutâneos e IgE específicas negativas. O venenopoderá induzir a libertação de mediadores pormecanismos não IgE dependentes.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico baseia-se na história clínica, nostestes cutâneos e no doseamento das IgE específicas.No entanto, por vezes é difícil identificar o insectoem causa. A abelha deixa o ferrão preso à peledepois da picada, o que não acontece com as vespas,tornando mais difícil a diferenciação entre as váriasespécies deste tipo de insectos.

DIAGNÓSTICO “IN VITRO”

Embora os testes cutâneos sejam essenciais parao diagnóstico alergológico, o doseamento “in vitro”da IgE específica trouxe mais uma vantagen nestecampo. Contudo, é a libertação de mediadores nareacção alérgica, e não meramente a presença nosoro de IgE específica, que é responsável pelasmanifestações clínicas da alergia.

Doseamento de IgE especifíca e IgG específica

Os testes mais específicos são os testes “in vitro”para determinação das IgE específicas, no entantocom menor sensibilidade em relação aos testescutâneos, podendo ser negativos em cerca de 15%dos casos.

Os anticorpos IgG específicos, especialmenteIgG4, aumentam transitoriamente algumas semanas

Diagnóstico in vitro de alergia a insectos

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após uma picada (com níveis à volta dos 9 ug/ml) ebaixam 3 a 6 meses depois (para níveis de 2 ug/ml).

Picadas repetidas podem manter os níveis de IgG4elevados, proporcionalmente ao número de picadaspor ano, como sucede em muitos apicultores.

No entanto, estes anticorpos não garantem pro-tecção total em futuras picadas e, portanto, não sãofundamentais para seleccionar os doentes paraimunoterapia específica.

Em alguns casos, os testes cutâneos não podemser executados (compromisso extenso da pele, tomade anti-histamínicos) e o doseamento de IgE especí-fica não dá resposta clara, tornando-se necessário arealização de outros testes.

Teste de Libertação de Histamina

A histamina é em grande parte responsável pelasreacções graves. A técnica da libertação dehistamina é utilizada no diagnóstico da alergia aoveneno de himenópteros e permite dosear a hista-mina libertada “in vitro”, libertação esta induzidapelo alergénio.

Os extractos alergénicos utilizados quer para odiagnóstico clínico (testes cutâneos) quer para tes-tes biológicos, contêm quantidades significativas dehistamina (0.1 a 1.5% do peso seco), falseando assimos resultados e diminuindo a correlação da libertaçãode histamina com os outros testes biológicos oucutâneos.

A diálise destes extractos alergénicos permitiuaumentar significativamente a sensibilidade e aespecificidade da técnica, diminuindo ao máximoo nível de histamina exógena.

Teste de Activação de Basófilos por Citometriade Fluxo

É um teste alternativo ao da libertação de hista-mina.

Utiliza um duplo anticorpo monoclonal – anti-IgE FITC, anti-CD63 PE que se liga aos basófilosactivados. O marcador de superfície dos basófilosCD63 é uma glicoproteína de 53 KDa presente namembrana dos lisosomas de basófilos, monócitos,macrófagos e plaquetas, que é expressa com altadensidade à superfície de basófilos activados, sendoassim considerado como um marcador real dedesgranulação (marcador directo de activaçãocelular e indirecto de libertação de histamina). Aexpressão desta molécula de activação deve-se àfusão dos grânulos intracelulares com a membranacitoplasmática.

Teste Celular de Estimulação Antigénica

Neste teste são quantificados os leucotrienos,produtos do ácido araquidónico transformados pela5-lipoxigenase e que são libertados por mastócitos,basófilos, macrófagos, eosinófilos e outras célulasimplicadas nas reacções alérgicas. Os mesmos me-diadores são também responsáveis pelas chamadaspseudo-alergias ou seja reacções semelhantes massem envolvimento de moléculas IgE.

Este método pode ser considerado um teste deprovocação “in vitro” uma vez que os leucócitosdo doente são estimulados simultâneamente cominterleucina-3 e o alergénio. Os neutrófilos activadoslibertam mediadores entre os quais, leucotrienos –LTC4 e os seus metabolitos - LTD4 e LTE4, queposteriormente são quantificados por um métodoELISA.

Doseamento de Triptase

A triptase é um mediador libertado após activaçãodos mastocitos e é considerada um mediador maisespecífico que a histamina.

Os mastocitos têm um papel importante nosfenómenos inflamatórios das reacções alérgicas, em

Conceição Santos

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particular no choque anafilático.Estas células podem ser activadas por mecanis-

mos não IgE dependentes, incluindo os que fazemintervir fracções do complemento nomeadamenteC3a e C5a.

No caso da alergia ao veneno de himenópteros atriptase parece ser um bom marcador de reacçõessistémicas graves, ou reacções graves durante aadministração da imunoterapia específica, quandoapresenta um valor basal elevado.

Western blot

As técnicas de imunoblot são consideradas méto-dos mais específicos e mais sensíveis do que a deter-minação de IgE específica correntemente utilizadapara o diagnóstico da alergia ao veneno de insectos.

É uma técnica que se pode efctuar quer para IgEquer para IgG específicas ao veneno. As bandasobtidas são identificadas por “scanner” e quantifi-cadas por densitometria. São consideradas positivasquando a intensidade do sinal é superior à médiamais ou menos 2 desvios padrão, utilizando umcontrolo negativo.

Os antigénios já identificados para o veneno deabelha correspondem à hialuronidase (44 KDa) efosfolipase A2 (16.9 KDa).

Para o veneno de vespa os antigénios já identifi-cados correspodem à fosfolipase A1 (35 KDa) eantigénio 5 (23 KDa)

Todos estes métodos são preciosos auxiliares nodiagnóstico desta alergia e para o controlo deimunoterapia específica.

Com o objectivo de determinar a correlação en-tre os diferentes métodos de diagnóstico da alergiaà picada de insectos, realizámos um estudo comdoentes de idades compreendidas entre os 18 e 45anos, que apresentavam história clínica de reacçõessistémicas alérgicas após picada de himenópteros.

Nenhum deles tinha sido submetido a imunoterapia.Foram utilizados como controlos doentes

atópicos, mas sem história de reacções ao venenode himenópteros.

Foram realizados: testes cutâneos, doseamentode IgE e IgG4 específicas, teste celular deestimulação antigénica e imunobloting para venenode abelha e vespa simultaneamente, sendo avaliadaa correlação entre eles.

Testes cutâneos negativos ou fracamente positivoscom valores de IgE específica negativos ou “border-line”são um facto relativamente frequente mesmo emdoentes com história clínica de reacções sistémicasà picada de himenópteros. No nosso estudo, 6 doentes(30%) tinham história clínica de reacções sistémicasao veneno de himenópteros mas não apresentavamqualquer evidência de mecanismo IgE dependente.Nestes casos, duas hipóteses podem ser consideradas:

Ou se trata na realidade de um mecanismo IgEdependente, mas os métodos de diagnóstico corrente-mente utilizados não são suficientemente sensíveispara o identificar, ou os mecanismos subjacentes àreacção sistémica não são IgE dependentes.

1 – No primeiro caso parece-nos que o imunoblotpode ser considerado como um método importante,por aumentar a sensibilidade do diagnóstico, mini-mizando os resultados falsos negativos. De facto,embora tivéssemos encontrado, no grupo de doentesestudados, uma boa correlação entre os três métodosde identificação de IgE, detectámos casos deindivíduos com testes cutâneos e IgE específicasnegativos com imunoblot positivo.

2 – No segundo caso a positividade do métodocelular de estimulação antigénica, que estatistica-mente não teve correlação com nenhum dos outrosmétodos utilizados, pode reflectir uma suscepibi-lidade não IgE mediada justificando a existênciade reacções sistémicas relevantes.

A optimização da sensibilidade dos testescutâneos, a identificação de IgE específica utilizandotécnicas de Western blot e os testes de activaçãocelular representam um progresso importante no

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diagnóstico da alergia ao veneno de himenópteros,que é considerada uma patologia potencialmentefatal.

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As reacções adversas a medicamentos cons-tituem um problema difícil em Imunoalergologia,resultando esta dificuldade de vários factores: apolimedicação a que muitos doentes estão sujeitos,a variedade de mecanismos implicados nas reacçõesadversas a fármacos, a semelhança que existe entrealgumas reacções, nomeadamente de expressãocutânea, e manifestações da doença subjacente(doenças víricas, essencialmente) e ainda a possibi-lidade de ser a doença a ser tratada a induzir areacção medicamentosa, de que é exemplo clássicoo exantema induzido pela ampicilina em doentescom mononucleose infecciosa.

O diagnóstico de alergia medicamentosa, isto é,de uma reacção medicamentosa de mecanismoimunológico (1-2), baseia-se principalmente numahistória clínica exaustiva e criteriosa, apoiando-senuma eventual, se necessária, investigação in vivocom testes cutâneos e provas de provocação, einvestigação in vitro com testes laboratoriais.Contudo, não existe nenhum exame complementarde diagnóstico que permita estabelecer de forma

Alergia Medicamentosa – Diagnóstico in vivoTestes cutâneos

Anabela Lopes Pregal

Assistente Hospitalar de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria

definitiva e inequívoca a causa da reacção medi-camentosa. Em determinados tipos de reacçãoadversa medicamentosa cutânea devem ser efec-tuados testes serológicos para exclusão de infecçõesvíricas que possam eventualmente desencadear omesmo tipo de erupção cutânea, particularmentetestes para o citomegalovírus, vírus Epstein-Barr eparvovírus B19 em doentes com rash maculopapu-lar, vírus hepatite C e hepatite B em doentes comurticária, vírus Herpes simplex no eritema multi-forme e serologia para micoplasma em doentes comsíndrome de Stevens-Johnson.

Os testes cutâneos efectuados com o fámacosuspeito têm-se revelado úteis para o diagnósticode reacção medicamentosa (3-4) e estudo dosmecanismos fisiopatológicos envolvidos nessasreacções (5). Incluem: testes epicutâneos ou patchtests, ou ainda fotopatch tests, testes por picada ouprick tests e testes intradérmicos.

De acordo com os vários estudos publicados anível mundial, os resultados dos vários testesdependem de vários factores: fármaco testado,

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características clínicas das reacções estudadas, tipode teste seleccionado, concentrações e veículosusados (3,4,6). Os testes intradérmicos e epicutâneospodem induzir falsos positivos e falsos negativos.As concentrações inferiores capazes de gerar falsospositivos em testes intradérmicos estão determi-nadas para alguns fármacos, como por exemplobetalactâmicos, mas para muitos fármacos estãoainda por determinar.

Nas reacções medicamentosas IgE mediadas,rinite ou urticária por exemplo, devem ser usadosos testes por picada e intradérmicos. Estes últimossó devem ser realizados quando a leitura aos 20minutos dos testes por picada com o fármaco suspeitoé negativa. Os testes intradérmicos são realizadosusando uma solução estéril do fármaco suspeitodiluída sequencialmente (10-1, 10-2) em soro fisio-lógico. Na presença de reacções graves, como ana-filaxia, devem ser usadas diluições maiores (10-3, 10-4)nos testes intradérmicos. Por outro lado, devem seradoptadas todas as medidas para o caso de sernecessário tratamento de emergência, só devendoser realizados em ambiente hospitalar onde estápresente material de reanimação. A indução dereacções sistémicas está descrita nos testes à peni-cilina numa proporção de 1:100, na nossa casuísticadescrevem- se algumas urticárias e um edema daglote. Reacções fatais estão descritas nos testes àpenicilina, mas geralmente associadas à má práticaclínica, ausência de execução de testes em picadaprévios ou de diluições sequenciais. A leitura dosintradérmicos deve ser efectuada aos 15-20 minutose, no caso de pesquisa de reacções mais tardias, às6 horas e 24 horas. Se estes resultados forem nega-tivos, deve ser confirmada a negatividade dos tes-tes 1 semana após, podendo ser efectuada por viatelefone se negativa ou mediante presença do doentese positiva. Resultados imediatos positivos sãoobservados mais frequentemente em doentes comurticária ou angioedema. Resultados positivostardios podem mesmo ser obtidos em testes porpicada e estão descritos para a amoxicilina (3,5) e

pseudoefedrina (3). Resultados positivos tardios sãofrequentes nos intradérmicos, especialmente nainvestigação de rashes maculopapulares com amoxi-cilina (3,5,7) e podem ainda ser obtidos no eczema,na eritrodermia e no eritema fixo medicamentoso.Os testes intradérmicos estão contraindicados emdoentes com eritema multiforme, síndrome deStevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica ouvasculite leucocitoclástica.

Nas reacções de hipersensibilidade retardada,os testes epicutâneos podem ser usados como pri-meira linha de investigação: dermatite de contactomedicamentosa, eritema multiforme, eritema fixomedicamentoso, reacções fotoalérgicas, púrpura evasculites leucocitoclásticas. Num estudo de Osawa,a frequência de positividade de testes epicutâneosmedicamentosos foi de 31,5 % na pesquisa dereacções de hipersensibilidade retardada (8).

Os testes epicutâneos devem ser realizados nodorso usando câmaras de Finn ou com um adesivofixo hipoalergénico equivalente, usando os mesmosmétodos dos patch tests na dermatite de contacto.As leituras devem ser efectuadas às 48 horas e às72 horas. Sempre que necessário, se o teste epi-cutâneo é negativo às 72 horas, deve ser executadauma leitura às 96 horas. De salientar, que algunsfármacos estão com frequência associados àpositividade em leituras mais tardias, como porexemplo na investigação das reacções de hiper-sensibilidade retardada dos corticóides quandoaplicados à mucosa nasal (9). Os patch testes podeminduzir reacções imediatas positivas, principalmentecom os antibióticos betalactâmicos, nestes casosserão lidos aos 20 minutos. Nos eritemas fixos medi-camentosos os patch tests devem ser realizados napele normal do dorso e na pele com pigmento re-sidual (10,11).

A penicilina é a causa mais frequente de reacçõesalérgicas medicamentosas e anafilaxia. A preva-lência de alergia à penicilina é de 2 a 10 % emrelação aos tratamentos efectuados (12).

Os doentes com histórias de reacções imediatas

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(1-45 minutos) ou aceleradas (1-72 horas) à peni-cilina devem ser avaliados previamente àadministração de tratamento com penicilina. Estainvestigação deve incluir testes cutâneos por picadae intradérmicos para o determinante major(benzilpeniciloil - PPL) e mistura de determinantesminor (MDM: benzilpenicilina, benzilpeniciloatodissódico e outros). Para a investigação de umahistória de alergia à penicilina G, começa-se porum prick test com PPL, seguido cerca de 20 minutosmais tarde, em caso de negatividade, por um testeintradérmico com PPL. Se a avaliação do PPL énegativa, deve então executar-se idêntica inves-tigação para os determinantes minor. Este esquemaé adaptado em função da pertinência e da gravidadedo quadro clínico. Deve ainda efectuar-se teste emprick e intradérmico com Penicilina G a 10 000U,com o objectivo de avaliar um maior número dedeterminantes minor.

Os testes cutâneos à penicilina são úteis paradeterminar a segurança de administraçãosubsequente de penicilina em doentes com históriade alergia à penicilina, já que têm um bom valorpredictivo negativo. Doentes com história préviade alergia à penicilina e testes cutâneos negativostêm um risco de 1% de desenvolver urticária e 3%de desencadear outras reacções ligeiras na reexpo-sição à penicilina (13). Anafilaxia à penicilina nãoestá relatada em doentes com testes cutâneosnegativos.

Desde 1990, têm sido relatados casos de choqueanafiláctico ou de urticária aguda após adminis-tração de aminopenicilinas (sobretudo amoxicilina)em doentes com testes cutâneos negativos para PPLe MDM, e tolerando a penicilina G (14,15), de-vendo-se a reacções imunológicas dirigidas para ascadeias laterais. Deste modo, a investigação de umareacção alérgica às aminopenicilinas implica arealização de testes cutâneos com PPL e MDM e,se estes negativos, testes cutâneos com aminopeni-cilinas. A alergia cruzada entre penicilinas ecefalosporinas não está claramente estabelecida,

ainda que estudos retrospectivos considerem queesta se situe entre os 3 e 10% (16). Consequente-mente, a investigação de um doente com alergia àpenicilina deve incluir testes às cefalosporinas, parase avaliar a sua tolerância e possível segurança nasua administração.

O ácido acetilsalícilico (AAS) e os anti-infla-matórios não-esteróides (AINEs) são fármacoslargamente usados no alívio da dor e no tratamentode doenças inflamatórias. Reacções adversas aosAINE incluem hemorragias gastrointestinais,insuficiência renal, hepatoxicidade, reacções cutâ-neas e respiratórias e, ainda, anafilaxia. Apesar deestruturalmente diferentes, os AINEs têm a capaci-dade de inibir a ciclooxigenase, resultando numaumento dos produtos da lipoxigenase, capazes deoriginar broncoconstrição, urticária e angioedema.Os vários AINEs assumem assim considerávelactividade cruzada, neste tipo de reacções. A ava-liação de uma possível reactividade aos AINEsmediante testes cutâneos não é recomendada, dadoo mecanismo descrito não ser imunológico.

Os doentes que têm reacções adversas durante aadministração de anestesia local são frequentementeerradamente designados como alérgicos aosanestésicos locais. Mais frequentemente, estesefeitos adversos são devidos a reacções vasovagaisou tóxicas ou resultam de efeitos da adrenalina. Adermatite de contacto é a reacção imunológica maisfrequente associada ao uso de anestésicos locais,sendo raras as reacções imediatas.

Os anestésicos locais classificam-se em 2 grupos:derivados do ácido benzóico (grupo I) e amidas(grupo II). Os patch tests são úteis no diagnósticoda dermatite de contacto associada aos anestésicoslocais. Neste contexto, os anestésicos do grupo Iapresentam reactividade cruzada entre eles e nãocom os anestésicos do grupo II, mas não háreactividade cruzada entre as amidas.

A investigação das raras reacções imediatas deveincluir no seu diagnóstico diferencial uma possívelalergia ao látex. Os testes cutâneos por picada

Alergia Medicamentosa – Diagnóstico in vivo – Testes cutâneos

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constituem a fase inicial do teste de provocação,este último forma preferencial de abordagem; já queos testes por picada são frequentemente negativose os testes intradérmicos são positivos mesmo emindivíduos saudáveis, não se correlacionando comos resultados da prova de provocação (17).

Perante uma história de anafilaxia durante actocirúrgico, deve investigar-se a possibilidade de alergiaao látex, antibióticos ou protamina. Raramente, estãoimplicados os agentes hipnóticos, como benzodia-zepinas, propofol e tiopental. Cerca de 60 a 70 % detodas as reacções alérgicas que ocorrem durante acirurgia devem-se aos relaxantes musculares. Os tes-tes cutâneos por picada e intradérmicos aos relaxantesmusculares têm um bom valor predictivo negativona avaliação de uma história de anafilaxia operatória,se negativos podem ser usados com segurança (18).No entanto, não estão aconselhados no screening dapopulação em geral, sem história de alergia opera-tória, porque se positivos têm um baixo valorpredictivo (19).

Os testes cutâneos contituem instrumentos úteispara o diagnóstico etiológico e avaliação domecanismo imunológico na base de uma reacçãomedicamentosa, pelo que é sempre imprescindíveldeterminar a sua relevância na investigação dosvários fármacos. É, deste modo, importante, quetodos os estudos publicados sejam claros quanto àmetodologia utilizada e que os resultados positivossejam comparados aos obtidos em indivíduoscontrolos.

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INTRODUÇÃO

As provas de provocação são reconhecidas comoo gold standard no diagnóstico de hipersensi-bilidade medicamentosa. As indicações para a reali-zação destas provas não se limitam à confirmaçãoou exclusão do diagnóstico pois estão tambémindicadas na escolha de fármaco alternativo ou nadetecção do limiar de sensibilidade para a dessensi-bilização. As provas de provocação estão contra-indicadas em reacções sistémicas, em doentes sobterapêutica com b-bloqueantes ou inibidores daenzima de conversão da angiotensina, em doençasmédicas-cirúrgicas agudas ou agudizadas e nagravidez. Apesar das provas de provocação mime-tizarem a realidade da administração do fármacoexistem algumas condicionantes que podem serconsideradas como limitações, nomeadamente naavaliação de resultado negativo na ausência deprocesso inflamatório ou infeccioso concomitante,na indução de reacção por associação de fármacose ainda na dificuldade de interpretação de sintomassubjectivos (1).

A realização das provas deve ser efectuada sobvigilância clínica apertada, com veia periféricacanalizada, em unidade com capacidade de trata-mento de reacções graves. O doente não deve estarsob efeito de terapêutica anti-histamínica e bronco-dilatadora, excepto para em determinados protocolos.A monitorização clínica e funcional (espirometria,rinomanometria) faz-se antes, durante e após a prova,de acordo com os protocolos. O aparecimento demanifestações clínicas e ou critérios de positividadeda avaliação funcional obriga à interrupção da provae tratamento adequado da reacção (2).

O Núcleo de Alergia a Fármacos da Unidade deImunoalergologia do Hospital de Santa Maria temexperiência de provas de provocação com diversosfármacos sobretudo com antibóticos, anti-inflamatórios e anestésicos locais.

ANTIBIÓTICOS

As provas de provocação oral aos antibióticossão realizadas após sessão de testes cutâneos

Alergia Medicamentosa – Diagnóstico in vivo.Provas de Provocação

Amélia Spínola Santos

Assistente Hospitalar de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria

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Pelo facto das queixas respiratórias surgirem comdoses significativamente inferiores às das reacçõescutâneas, recomendam-se de 2 protocolos de provo-cação. O protocolo utilizado para as manifestaçõesde urticária é uma adaptação do protocolo deVervloet: após uma primeira administração de pla-cebo faz-se primeira dose de 100 mg de AAS. Oprotocolo decorre durante 2 dias e avaliação clínicafaz-se pelo registo de scores cutâneos para a urticária(Quadro 2).

Quadro 2: Prova de Provocação ao AASna urticária/angioedema (adaptado de Vervloet D.)

1º dia 2º dia

09:00 h Placebo 325 mg

11:00 h 100 mg 650 mg

13:00 h 200 mg

Avaliação: Resposta de urticária registada em scores cutâneos cada 2 horas

O protocolo utilizado para as manifestaçõesrespiratórias é uma adaptação do protocolo deStevenson: após uma primeira administração deplacebo faz-se primeira dose de 30 mg de AAS,podendo contudo ser iniciada a provocação comdoses inferiores quando indicado (5,6). O protocolodecorre durante 2 dias com avaliação clínica eespirométrica (Quadro 3).

Quadro 3: Prova de Provocação ao AASna rinossinusite/asma (adaptado de Stevenson D.)

1º dia 2º dia

09:00 h Placebo 150 mg

10:30 h 30 325 mg

12:00 h 60 650 mg

13:30 h 100

Avaliação: Clínica e espirométrica

negativos ou duvidosos. Os protocolos utilizadossão adaptados da literatura e resumem-se no quadro1. Em 2001 e 2002 realizaram-se na nossa Unidadeum total de 41 provas (29 negativas e 12 positivas),sendo a prova com amoxicilina a mais frequente.

Quadro 1: Protocolos para antibióticos

Amoxicilina Placebo; 62,5; 125; 250; 500 mg

Claritromicina Placebo; 50; 100; 150; 200; 500 mg

Eritromicina Placebo; 50;100;150; 200; 500 mg

Cotrimoxazol Placebo; 40; 80; 150; 480 mg

Ciprofloxacina Placebo: 50; 50; 150; 250 mg

(intervalos de 30 min)

ANTI-INFLAMATÓRIOS

As provas de provocação com anti-inflamatórios,nomeadamente ácido acetilsalicílico, estãopreconizadas através da administração por via oral,inalatória nasal e inalatória brônquica. A maior partedos trabalhos mostram uma maior sensibilidade paraa prova de provocação oral não descurando aimportância das provas de provocação tópica nasalem doentes com rinossinusite e ou asma nomea-damente pelo menor tempo de monitorização emenor gravidade das reacções. Estão indicadasprovas orais para sintomas cutâneos e prova oral,brônquica ou nasal para sintomas respiratórios (2,3).

No entanto, em trabalho anteriormente efectuadona nossa Unidade, verificámos que a prova deprovocação nasal mostrou uma sensibilidade de80% e especificidade de 100% no diagnóstico daurticária induzida por AINEs, quando se realizouuma avaliação comparativa de um grupo comurticária crónica com hipersensibilidade ao AAS(confirmado por provocação oral) com um grupocontrolo com urticária crónica ou aguda semhipersensibilidade ao AAS (4).

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As provas de provocação oral com os outrosAINEs e ou analgésicos são realizadas com aprogressão de doses representadas no Quadro 4.

Quadro 4: Protocolo para outros AINEs

Diclofenac Placebo: 5 ; 10 ; 20 ; 40 mg

Nimesulide Placebo: 10 ; 20 ; 30 ; 40 mg

Rofecoxibe Placebo: 2,5 ; 5 ; 7,5 ; 10 mg

Celecoxibe Placebo: 25 ; 50 ; 75 ; 100 mg

(intervalos de 30 min)

Protocolo para outros analgésicos

Metamizol Placebo: 50 ; 120 ; 200 ; 300 ; 400 mg

Paracetamol Placebo: 50 ; 100 ; 150 ; 200 ; 500 mg

(intervalos de 30 min)

Com a excepção das dipironas como metamizol,as provas de provocação oral aos anti-inflamatóriose analgésicos são executadas sem realização préviade sessão de testes cutâneos. Em 2001 e 2002realizaram-se 236 provas (183 negativas e 53positivas), sendo as provas realizadas sobretudo aAINEs com inibição selectiva (nimesulide emeloxicam) e específica (celecoxibe e rofecoxibe)da cicloxigenase 2 (COX-2).

Em trabalho anterior com o objectivo deavaliação da metodologia de estudo in vivo dahipersensibilidade aos AINEs, isto é entre testescutâneos (picada, intradérmicos e contacto) e provasde provocação, verificou-se que os testes em picadae de contacto foram todos negativos mas que os tes-tes ID induziram reacção de urticária em doentesque tinham tido provas de provocação com reacçõesmais exuberantes (7).

Recentemente foi descrito o sucesso de umprotocolo de provocação-dessensibilização ouindução de tolerância rápida (Quadro 5) em doentescom história de urticária induzida por AINEs comindicação urgente para fazer terapêutica anti-agregante com AAS.

Quadro 5: Protocolo de provocação-dessensibilização)

AAS Progressão de dose: 0,1; 0,3; 1; 3; 0; 20; 40; 81; 162; 325 mg

(Intervalos 10-30 minutos)

Nos dias seguintes manter dose diária

Anestésicos locais

As provas de provocação são o “gold standard”do diagnóstico das reacções aos anestésicos locais.Existem vários protocolos de provocação. Oprotocolo mais utilizado é o proposto por Vervloetet al. que se resume no quadro 6.

Quadro 6: Protocolo de Provocação aos Anestésicos

Tempo (min) Quantidade Forma de (não diluído) administração

0 1 gota Teste em picada

15 0,1 ml Subcutânea

30 0,5 ml Subcutânea

45 1 ml Subcutânea

60 2 ml Subcutânea

É importante realizar provas com preparaçõessem conservantes e sem vasoconstrictor e tem-severificado que as reacções cruzadas são frequentesentre os anestésicos do grupo dos esteres e menosfrequentes entre o grupo das amidas. No caso denão existir anestésico local alternativo propor autilização de fármacos indutores do sono ouanestesia geral (8,9).

No estudo realizado na nossa Unidade em 22doentes (F=14; M=8; idade média=49,7±13,6 anos)com o objectivo de avaliar o perfil do doentecandidato à prova com anestésico local, verificamosque foram referenciados à consulta de Imuno-Alergologia pela Medicina Dentária/Estomatologia(77%), Cirurgia (14%) e Oftalmologia (9%).Constatou-se história sugestiva de outra de alergiamedicamentosa em 50% e detectou-se atopia em

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27 % dos doentes. De acordo com o contexto clínicode cada doente, realizámos provas de exclusão ouconfirmação diagnóstica em 36% e 64% dosdoentes, respectivamente. As manifestações clínicasque motivaram o pedido de prova diagnóstica foramurticária e/ou angioedema generalizado-43%;angioedema localizado à face-28%; broncoespas-mo-7%; lipotímia-7% ou outros sintomas inespe-cíficos-21%. Nenhum doente foi referenciado pordificuldade respiratória alta ou choque anafiláctico.

Efectuámos 29 provas de provocação: lidocaína-12, carbocaína-12, procaína-4, bupivacaína-1. Doisdoentes (9%), tiveram provas positivas, para os 2grupos de anestésicos. Concluímos assim, que éimportante a realização das provas de provocaçãopara o diagnóstico das reacções alérgicas aosanestésicos locais, permitindo o diagnóstico de aler-gia em 9% dos candidatos às provas. Contrariamenteao que está descrito na literatura, verificámos queos dois doentes tinham provas positivas quer para ogrupo I- dos ésteres do ácido benzóico e quer parao grupo II- das amidas (8,10).

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INTRODUÇÃO

A asma é uma doença multifactorial, depen-dendo da interacção entre complexos factoresgenéticos e ambientais, iniciando-se as manifes-tações clínicas na idade pediátrica num número muitoconsiderável de indivíduos (figura 1). O aumentorecente na prevalência das doenças alérgicas em gerale particularmente da asma brônquica na criança,confirmado pela generalidade dos autores, nãopoderá ser explicado apenas por factores genéticos,reforçando o papel do ambiente, nas suas compo-nentes do interior e do exterior dos edifícios. Poroutro lado, diferentes prevalências em populaçõessubmetidas a condições ambientais aparentementesemelhantes, realçam a importância dos factoresgenéticos.1-3

Na procura de factores de risco da doençaasmática é importante ter em conta que serádiferente avaliar factores que podem condicionar oaparecimento da doença (estudos efectuados emamostras representativas da população geral),factores de risco para persistência dos sintomas oude prognóstico (estudos prospectivos, de segui-

mento de amostras de crianças sibilantes/asmáticas)ou factores de risco para gravidade da doença(estudos caso controlo, englobando amostras dedoentes com asma grave).

A história natural da asma em idade pediátrica étambém uma preocupação major, quer para a famíliadas crianças atingidas, quer para os próprios clínicosque as seguem: Passará a doença com a idade?Agravará? Melhorará? Qual será o efeito dotratamento? Poderão existir alterações irreversíveisda função respiratória em idades precoces? Será aremodelação um problema significativo em idadepediátrica?

Questões deste tipo são frequentementeformuladas, ficando habitualmente por responder,até porque impera uma atitude demasiadamentenegligente da abordagem da doença asmática nestegrupo etário, associando-a quase invariavelmentea um bom prognóstico clínico; os aspectos fun-cionais não são habitualmente considerados. Noentanto, a revisão dos estudos prospectivos de basepopulacional demonstram que os sintomas tendema persistir durante a vida, particularmente quandoestá subjacente uma inflamação alérgica das vias

“Faces” da asma na criança

* Assistente Hospitalar Graduado de Imunoalergologia do Hospital Dona Estefânia** Assistente Hospitalar de Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia

Mário Morais de Almeida*, Ângela Gaspar**

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aéreas, apesar de serem de prever períodosassintomáticos de duração variável. Acresce que amortalidade por esta doença, nas últimas duasdécadas, não evidenciou qualquer declínio,atingindo particularmente adolescentes e adultosjovens.

A existência de uma inflamação na criançaasmática em idade pré-escolar leva-nos a ponderara hipótese da existência de remodelação (sobretudoem casos de asma grave). Os estudos apresentamargumentos a favor do aparecimento de sequelasrespiratórias precoces e aconselham umacorticoterapia inalada precoce. Delacourt e Cols.4

demonstraram que nos lactentes asmáticos nãotratados, as funções respiratórias diminuem antesda idade de 6 anos; o seguimento da coorte deMelbourne demonstra que as crianças asmáticas de7 anos que apresentem funções respiratóriasalteradas não melhoram espontaneamente.5 Estesestudos confirmam que a inflamação crónica éprejudicial ainda antes da idade escolar.

Neste sentido, para melhor conhecimento dasparticularidades da população de crianças asmáticasobservadas durante a nossa actividade clínica,

tentando melhorar estratégias de actuação, foramefectuados no Serviço de Imunoalergologia doHospital de Dona Estefânia dois estudos, um delesvisando avaliar factores de prognóstico para asmaactiva em idade escolar, valorizando não só aspectosclínicos mas também funcionais respiratórios, e ooutro visando avaliar factores de gravidade da asmabrônquica infantil, relacionados com a ocorrênciade internamento hospitalar, os quais serão emseguida discutidos.

FACTORES DE PROGNÓSTICO DA ASMAINFANTIL

A sibilância recorrente é uma entidade clínicaprevalente nos primeiros anos de vida,6 complexae heterogénea do ponto de vista da história naturale do prognóstico. Estudos prospectivosinternacionais têm identificado factores de riscocom valor prognóstico para a persistência dossintomas respiratórios após os primeiros anos devida, tais como: história familiar de doençasalérgicas e mais concretamente asma,6-10 história

Transmissão Genética

Asmabrônquica

Hiperreactividadebrônquica IgE total

IgEespecífica

Transmissão Genética

Asmabrônquica

Hiperreactividadebrônquica IgE total

IgEespecífica

AMBIENTE

AMBIENTE

AMBIENTE

AMBIENTE

AMBIENTE AMBIENTE

AMBIENTE

AMBIENTE

AMBIENTE

Figura 1 - A herança genética da asma, da hiperreactividade brônquica e da atopia ocorre de modo independente,fortemente influenciada pelo ambiente

Mário Morais de Almeida et al

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pessoal de rinite alérgica e/ou eczema atópico,6,9,11,12

IgE total sérica elevada,6,12 sensibilização alergénicaa aeroalergenos10-12,14,15 e a proteínas de ovo,10,14,16

sexo masculino,6,7,10,12 início dos sintomas nasegunda infância14,17 e exposição ambiencial a fumode tabaco.6,7,10 O conhecimento de significativasvariações, conforme a população estudada, obrigaà execução de estudos prospectivos nacionais,fundamentais para identificar factores de risco,permitindo contribuir para o desenho de protocolosde actuação.

Baseados nos pressupostos anteriores, foiiniciado em 1993 um estudo prospectivo incluindouma coorte de 308 crianças com idade £ 6 anos,com diagnóstico clínico de asma infantil(“sibilância recorrente, traduzida por pelo menos 3episódios graves de broncospasmo, avaliados porum clínico, com boa resposta ao tratamentobroncodilatador e com intervalos livres entre osepisódios”). Foi aplicado um questionário clíniconormalizado, realizados testes cutâneos por prick,para aeroalergenos comuns e alergenos alimentares,e efectuado o doseamento sérico de IgE total. Em1996 procedeu se a uma primeira reavaliaçãosistemática destas crianças.18 Oito anos após o iníciodo estudo (2001) foi efectuada nova reavaliação,possível em 81% das crianças (n=249), comrepetição dos testes cutâneos e realização deavaliação funcional respiratória por espirometriacom prova de broncodilatação).19 As famíliastinham aceitado participar no estudo em 1993,sendo as reavaliações efectuadas por convocatória,com datas alternativas, independentemente deserem regularmente seguidas ou não no Hospitalde Dona Estefânia.

Mantinham sintomas de asma 61% das criançasreavaliadas (“assintomáticos – sem sintomas e semtratamento preventivo no último ano”). Pelarealização de análise de regressão logística múltiplaforam identificados como factores de riscosignificativos e independentes para persistência desintomas, ou seja para asma activa em idade escolar

(tabela I): história pessoal de outra doença alérgica,rinite e eczema atópico, história familiar de asmaparental (paterna e materna), evidência desensibilização alergénica, particularmente a ácarosdo pó, e início mais tardio dos sintomas, na segundainfância. A frequência precoce de infantário, antesdos 12 meses de idade, foi identificada como fac-tor protector. Salienta-se que num númerosignificativo de crianças, os sintomas clínicos(“doença alérgica”) precederam em muitos anos asensibilização alergénica (“doença atópica”),realçando a importância da instituição precoce demedidas de controlo ambiental rigorosas(“prevenção primária de atopia em doentesalérgicos”). A prevalência de atopia na amostrasubiu, de 48% em 1993, para 75% em 2001.

Os resultados deste trabalho, permitiram umamelhor caracterização desta população, possibili-tando a identificação de dois grupos de criançassibilantes, com uma mesma apresentação clínicamas com evolução distinta (sibilância transitórialimitada aos primeiros anos de vida e sibilânciapersistente), relacionada com a existência e influên-cia de diferentes factores de risco, com implicaçõesna prática clínica, tendo inclusive permitido aelaboração de um algoritmo probabilistico permi-tindo prever, a prior, a evolução clínica dos quadrosde sibilância recorrente nos primeiros anos de vida.

A instituição de medidas terapêuticas adequadas,poderá prevenir, por um lado, o aparecimento desequelas pulmonares e a própria morbilidade daasma não controlada e, por outro lado, a instituiçãode medidas terapêuticas desnecessárias no grupode melhor prognóstico. Mas chegará a clínica, oucomo é referido por todos os grupos de peritos, seráfundamental a avaliação de parâmetros objectivos,nomeadamente funcionais respiratórios.

De facto, perturbadores foram os resultados dosestudos funcionais respiratórios efectuados a estascrianças (n=220), identificando-se percentagensmuito significativas de casos com obstruçãobrônquica ou bronquiolar e/ou com reversibilidade

“Faces” da asma na criança

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aos broncodilatadores (Quadro II). Terá a remode-lação tido o seu início?

FACTORES DE GRAVIDADE DA ASMANA INFÂNCIA

A asma brônquica associa-se a apreciáveis taxasde morbilidade, traduzindo-se por um númerocrescente de recursos ao serviço de urgência einternamentos hospitalares, representando a prin-cipal causa de internamento em crianças comdoença crónica. São poucos os estudos que têmanalisado factores de risco para internamentohospitalar por asma. A maioria dos trabalhos

reporta-se apenas a dados demográficos, tais comoidade, sexo e raça, sendo raros, nomeadamente emidade pediátrica, os estudos que avaliem o peso deoutros factores genéticos e ambienciais comocondicionantes do risco de internamento. Osfactores de risco para hospitalização da criançaasmática que têm sido identificados são: idade in-ferior a 4 anos,20,21 sexo masculino,21,22 raçanegra,20,23 meio socioeconómico cultural desfavo-recido,23 ausência de cuidados médicos diferencia-dos,24 início precoce dos sintomas,22 ocorrência dehospitalizações anteriores por asma,21,25 tabagismopassivo26,27 e sensibilização a alergenos do interiordos edifícios.22,28,29

Durante um período de dois anos foram

Factor de risco

História pessoal de rinite alérgica

Asma paterna Asma paterna

História pessoal de eczema atópico

Asma materna

Sensibilização alergénica

Início de sintomas e” 2 anos de idade

Frequência de infantário antes dos 12 meses de idade

Odds ratio (IC 95%)

15.8 (6.1-40.8)

7.2 (1.7-29.7)

5.9 (2.2-15.7)

5.4 (1.7-17.1)

3.4 (1.2-10.4)

2.1 (1.1-4.8)

0.4 (0.2-0.9)

P

<0.001

0.007

<0.001

0.004

0.03

0.04

0.04

Quadro I - Factores de risco para asma activa em idade escolar (modelo de regressão logística múltiplo)

Mário Morais de Almeida et al

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estudadas 124 crianças internadas por asma brôn-quica agudizada no Serviço de Imunoalergologiado Hospital de Dona Estefânia, através do serviçode urgência por má resposta à terapêutica instituídasegundo os critérios da Global Initiative forAsthma.1 Os dados obtidos foram correlacionadoscom os de uma amostra, de igual dimensão, decrianças asmáticas observadas em consulta, no

mesmo período de tempo, e emparelhadas por idade,sexo e meio socioeconómico-cultural. A estascrianças foram aplicados um questionário norma-lizado e testes cutâneos por prick para aeroalérgenose alérgenos alimentares. Pela realização de análisede regressão logística múltipla foram identificadoscomo factores de risco significativos e indepen-dentes para internamento hospitalar (QuadroIII):30

Quadro II – Estudo função respiratória - espirometria com prova de broncodilatação (BD) (% de criançascom exames evidenciando alterações, de acordo com os critérios) - n=220

Com obstrução das vias aéreas *

Com prova de BD positiva **

Com alteração funcional respiratória***

Amostra global

36%

35%

44%

Sintomáticos

47%

47%

57%

Assintomáticos

18%

13%

22%

* Obstrução vias aéreas = VEMS < 80% e/ou DEM25-75% < 65%** Prova BD positiva = ↑ VEMS ≥ 12% e/ou ↑ DEM25-75% ≥ 35%*** Obstrução vias aéreas e/ou Prova BD positiva

Quadro III - Factores de risco para internamento na criança asmática(modelo de regressão logística múltiplo)

Factor de risco

História de internamento anterior

Tabagismo passivo

Sensibilização alergénica

Asma materna

História de internamento no último ano

Início dos sintomas antes do ano de idade

Frequência de infantário

Agregado familiar numeroso (e” 5 habitantes)

Odds ratio (IC 95%)

7.63 (1.5-39.6)

6.63 (2.5-17.8)

3.86 (1.4 10.7)

3.58 (1.3-9.6)

3.18 (1.1-8.9)

2.76 (1.0-7.9)

0.38 (0.2 0.9)

0.25 (0.1 0.8)

p

0.01

0.002

0.009

0.01

0.02

0.06

0.04

0.01

“Faces” da asma na criança

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história de hospitalização prévia por asma e noúltimo ano, existência de tabagismo passivo,evidência de sensibilização alergénica, nomeada-mente a ácaros do pó, história familiar de asmamaterna e início da sintomatologia antes dos dozemeses de idade. A frequência de infantário e aintegração em agregados familiares numerososassumiram-se como factores protectores, enqua-drando-se na discussão da relação entre infecção ealergia, mesmo em termos de gravidade da asma.

CONCLUSÕES

Como condicionantes do aumento de preva-lência da asma brônquica, particularmente em idadepediátrica, estão actualmente bem documentadosos efeitos de alguns alergenos, menos os dospoluentes e das infecções, muito pouco os referentesa factores genéticos, sociais e socioeconómicos. Adiminuição do número de elementos do agregadofamiliar e a prevenção das infecções em geral serãofactores de risco para o eclodir das doenças alér-gicas.

De entre os factores de risco que têm sidoidentificados para a expressão da doença asmáticana criança, alguns serão dificilmente preveníveis,nomeadamente os genéticos, contrastando comaqueles preveníveis, particularmente ambientais,passíveis de intervenção (exposição alergénica,tabagismo, poluentes, dieta,...), de cuja modulaçãopodem ser esperados ganhos significativosnomeadamente em termos de gravidade. Oconhecimento da doença e da probabilidade da suapersistência, limita custos e receios, dirigindo aintervenção individual e a nível comunitário. Comofoi evidenciado, a assistência a crianças com doençagrave, particularmente se sujeitas a internamento,deverá ser cuidadosamente planeada. Actualmenteno nosso hospital, são internadas por ano, apenascerca de 10% daquelas que eram hospitalizadas porasma há cerca de 15 anos, traduzindo a existência

de um protocolo amplamente divulgado para asagudizações, a referência sistemática dos casos maispreocupantes para a consulta de Imunoalergologiae finalmente, a instituição de terapêutica anti-inflamatória, incluindo as medidas de controleambiental, precocemente após a avaliação clínica.

De um modelo curativo evolui-se para umaMedicina Preventiva, só possível através da inser-ção da Imunoalergologia a uma escala comunitária,integrando-a de facto nos cuidados de saúde dapopulação portuguesa. Programas de educaçãomédica, tão básicos mas essenciais, como ainstituição de campanhas de prevenção do taba-gismo, a limitação da exposição a poluentes do in-terior e do exterior dos edifícios, a adequaçãodietética e a promoção de hábitos de vida saudáveis,terão certamente impacto na saúde da população.

Demonstrámos, tal como é actualmente propostopor outros autores,9 que é possível prever a evoluçãoclínica das crianças com sibilância recorrente nainfância, bem como que a clínica pode preceder emmuitos anos a sensibilização alergénica, dando lugara novas possibilidades de intervenção. Finalmente,salientam-se as alterações funcionais respiratóriasem crianças com sintomas anteriores dehiperreactividade brônquica, mesmo se actualmenteassintomáticas, sugerindo a existência decomplicações crónicas e a necessidade de seremsempre efectuados estudos objectivos queconfirmem a evolução da doença asmática em idadeescolar.

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