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AS INFLUÊNCIAS DO CINEMA NOS RÓTULOS DE CACHAÇA PARANAENSE EM MEADOS DO SÉCULO XX.
Alan Ricardo Witikoski. Me. DADIN/UTFPR.
Introdução.
Este artigo faz parte de um estudo amplo realizado durante a dissertação de mestrado. Nas
pesquisas realizadas foram encontrados materiais vastos, porém um em especial chamou a
atenção, a quantidade de rótulos de Cachaça. Apenas no acervo da Casa da Memória da
Fundação Cultural de Curitiba, foram catalogados 109 exemplares, sendo a maioria da cidade
de Curitiba, mas contando com outros da região centro-oeste, norte e litoral do estado. Cabe
ressaltar que muitos não contam com elementos que possam assegurar uma precisão de sua
data de impressão. Os rótulos analisados possuem endereços e quantidade de dígitos de
telefone ao qual correspondem entre as décadas de 1950 e 1960.
Outro fator relevante é o processo de impressão aplicado. Praticamente todos os rótulos são
impressos em Cromolitografia, a litografia em cores. Como citado por diversos estudos
(PRESAS, 2007; BOGUSZEWSKI, 2007), a litografia impulsionada pelos barões do mate da
região de Curitiba deve um papel de destaque na consolidação da indústria paranaense,
sobretudo na indústria gráfica.
O Paraná apresentava alguns fatores para o desenvolvimento de uma indústria litográfica
como: o capital dos barões do mate, a presença massiva de mão de obra especializada,
proveniente das imigrações europeias na região (poloneses, alemães, espanhóis, ucranianos
etc) e um mercado que necessitava da fabricação de rótulos para a exportação. Com estes
elementos favoráveis não tardou a indústria litográfica paranaense ganhar em produtividade e
qualidade (PRESAS, 2007).
Sobral (2007) comenta que estas oficinas eram administradas de modo familiar, normalmente
eram passadas de pai, para filho, para o neto e sucessivamente. Muitas das grandes gráficas
brasileiras têm sua origem nestas oficinas.
Como ocorreu no Brasil, em Curitiba a ausência de mão de obra era frequente. Para contornar
esta deficiência, as litografias contratavam profissionais estrangeiros (Alemanha, Espanha,
Suíça e Áustria, no caso da Impressora Paranaense) ou formavam a mão de obra
internamente.
A formação dos litógrafos consistia em, além de participar de diversas etapas do processo de
produção, noções de perspectiva, reprodução de tipos – gótico, romano, fantasia entre outros,
ampliações e reduções à mão-livre, até finalmente a criação das próprias ilustrações.
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Ao se analisar os rótulos, não somente pelo seu processo de impressão, mas também buscando
analisar quem eram as pessoas, os litógrafos, responsáveis pela sua criação e produção, é
possível traçar um ponto de vista diferente de como a sociedade brasileira em certo período
interpretava e assimilava as influencias de origem externas, promovendo uma hibridização
entre ou que é considerado regional, a Cachaça, e o que vem externamente, no caso deste
artigo, o cinema.
Uma vez estabelecido esta relação da formação de mão de obra e processo de impressão, é
necessário situar sobre a importância da Cachaça na história do Brasil, e como sua construção
dentro da sociedade passou por diferentes momentos, até a atual, de valorização de uma
bebida tipicamente brasileira.
Breve histórico da Cachaça.
Ao se iniciar uma pesquisa buscando alguns elementos importantes na história da Cachaça em
território nacional, nos deparamos com diversas versões que contam e recriam todo um
universo de valores e questões culturais, assim com elementos folclóricos.
A origem do termo Cachaça é desconhecida, porém acredita-se que tenha sua origem na
língua espanhola, do termo “chachaza“ que significava um vinho inferior retirado das borras
(resíduo da fermentação do vinho), Outra possibilidade é da origem ser africana. Silveira
Bueno (1974), em seu Dicionário da Língua Portuguesa afirma que: “Cachaça era sinônimo
de porco (cachoço) e da porca (Cachaça). Como a carne era dura, era adicionada aguardente
para amaciá-la. Passando assim, o nome de porca (Cachaça) para significar a aguardente
utilizada”.
Cascudo (2005) afirma que são encontrados no Brasil inúmeros registros (anotações de
negociações, descrições de religiosos e documentos oficiais da colônia) sobre uma aguardente
obtida nos engenhos de açúcar a partir do século XVII que era designada por diferentes
nomes, como aguardente da terra, vinho de mel, vinho de borras e aguardente do mel. Esta
aguardente da terra era a designação da bebida produzida na própria colônia, enquanto a
aguardente do reino designava bebidas de origem externas com um custo elevado e
consumida por poucas pessoas. Como a Império pregava o monopólio, logo a aguardente da
terra, que também pode ser interpretada como a Cachaça, passa a ter sua produção como
ilegal. Tal medida colabora para a expansão da Cachaça pelos mais diferentes lugares do
Brasil, tornando sua produção e distribuição um ato clandestino perante o Império.
È importante ressaltar que a Cachaça era uma importante moeda de troca na África por
escravos, e que potencializa os lucros dos senhores de engenho. Tanto que no momento em
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que o Império tenta uma manobra de taxação e legalização da produção acaba provocando
uma Revolta, conhecida como Revolta de Cachaça, ou a Revolta de Barbalho.
Além disso, a Cachaça deve um papel importante nas comunidades indígenas brasileiras
como um elo de dominação e desarticulação. Carlos Coloma, da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) comenta que o modo de beber é o diferencial mais marcante entre índios e a
população em geral. “Entre os indígenas, a ingestão é coletiva. Se há uma festa comunitária,
todos têm que beber. Se há uma garrafa, duas, dez, mil garrafas, tudo tem que ser bebido”.
A Cachaça também desempenha um fator religioso, sendo incorporada como um agente capaz
de ligação com o mundo dos mortos. Em algumas tribos a Cachaça é usada como uma
oferenda para entidades como Exu e também em rituais de despacho (CASCUDO, 2005).
Estão relação intima do Brasil e a Cachaça também é representada pela superstição e o
folclore em torno da bebida, contando com diversos ritos como o ato de jogar a Cachaça no
chão em homenagem ao Santo, ou a toda a diversidade de elixires e simpatias desenvolvidas
com a Cachaça, atribuindo como cura para todos os males (KREBS, 1959).
Logo após a independência, a Cachaça foi valorizada em brindes e reuniões como um produto
da terra, como um ato que representa-se a identidade nacional. Porém tal fato não perdurou,
logo devido ao fim da escravidão e a crises econômicas, Bebida barata de fácil compra, torna-
se a opção escolhida pelos menos favorecidos. As expressões pejorativas como pinguço,
cachaceiro, manguaceiro começam a ser citadas, construindo uma nova identificação e
deslocando novamente seus significados, de produto “nacional” apreciado até pela realeza à
produto ligado às classes trabalhadoras e marginalizadas (DIAS, 2005).
Em meados da década de 1990, o governo com o apoia da ABRABE (Associação Brasileira
de Bebidas) e parceria com a APEX (Agência Brasileira de Exportação), ligada ao Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, foi criado em 1997 o PBDAC (Programa
Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça) dão inicio a um processo de mudança e
valorização da Cachaça, principalmente visando o mercado externo, reforçando assim a
identidade da Cachaça como um produto típico brasileiro.
Este resumo de algumas das principais passagens da Cachaça na história brasileira pode
remeter a observar com atenção os rótulos. Há uma infinidade de nomes e expressões
associadas a seu consumo, materializando uma variedade de representações e possibilitando o
convívio de diferentes discursos.
O estabelecimento da Cachaça como um dos elos na construção de uma identidade brasileira
se efetiva em diferentes discursos, vindos de autores como Cascudo (2005), Câmara (2004),
Costa (1987), Gilberto Freyre e Mario Souto Maior e etc, todas com um projeto de
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interpretação desta identidade. Este mosaico de diferentes perspectivas de um mesmo produto
enriquece as abordagens com que a Cachaça pode ser apresentada dentro da história
brasileira. Neste artigo sobre os rótulos de Cachaça optou-se por evidenciar as características
ligadas ao cinema e ao rádio e relacionadas a um local, no caso ao estado do Paraná.
Destacando que as possibilidades de análise são inúmeras e ainda pouco exploradas.
Breve panorama histórico do Brasil nas décadas de 1950 e 1960.
Com os eventos do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil teve mudanças em
diversos aspectos, como culturais, tecnológicos, sociais e econômicos. O mundo foi dividido
entre as duas potências, URS e EUA. O Brasil, que participara da guerra ao lado dos aliados,
teve uma maior influência econômica, política e ideológica dos EUA, ampliando a entrada e
assimilação da cultura norte-americana. Isto aconteceu não só no Brasil como em outros
países da América Latina. O confronto mundial favoreceu o desenvolvimento da indústria
brasileira, uma vez que os países envolvidos no conflito voltavam sua produção para a guerra,
e o país precisava gerar seus próprios produtos para abastecer seu mercado interno (BNDES,
2003). Este quadro favoreceu a vindas de diversas marcasdos EUA reforçando o status do
American way of life. As marcas nacionais FIexBril, Fixol, Modonal e Eucalol juntaram-se às
marcas americanas como Kolynos, Bendix, Remington, Frigidaire, Walt Disney e Bardhall,
entre outras marcas estrangeiras como Nestlé, Facit, Bayer etc. Estas novidades alteraram o
consumo e o comportamento de parte da população que habitava os grandes centros urbanos,
como aponta Mestriner (2005).
Com o final da Segunda Guerra, o surgimento da televisão, a criação dos supermercados e o
desenvolvimento das mídias, associado à publicidade, impulsioram a sociedade para uma
nova realidade na venda de produtos, tornando o vendedor uma figura secundária, iniciando-
se um processo de valorização da embalagem, como um canal de venda efetiva do produto.
No período do governo Kubitschek, de acordo com Camargo (2003) houve um aumento na
produção gráfica de 143%. O que exigiu a formação de novos profissionais na publicidade.
A influência da publicidade não se restringiu apenas aos impressos, mas também à outras
mídias, como o cinema, o rádio, a televisão, a revista, o teatro e aos eventos culturais. A
primeira transmissão de televisão no Brasil ocorre em 19 de setembro de 1951, com a TV
Tupi, rede do proprietário de Jornais e Rádios, Assis Chateaubriand, também fundador do
MASP. A princípio, devido à falta de equipamentos, pessoal técnico, a programação era
restrita a determinadas regiões e horários. O alto custo do aparelho selecionou inicialmente
um público com alto poder aquisitivo (CATANI, 1983).
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O cinema brasileiro começou a ganhar maior relevância no final da década de 1940, início da
década de 1950. Apesar da presença de filmes estrangeiros, existiram as populares
“chanchadas” (comédias musicais produzidas pela Atlântida) criadas nos anos 1930, mas
obtendo seu auge nos anos 1950. Os atores destes filmes já eram conhecidos do rádio, uma
das maiores mídias de massa do período, além de jornais e revistas.
O teatro, juntamente com o rádio, também fornecia atores e atrizes para a televisão e o
cinema, entre os mais famosos estão o Teatro de Revista e o Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC) (CATANI, 1983).
Estes atores tinham uma grande abrangência de mercado, e não tardou para que seus
personagens, transpostos para o cinema, se tornassem populares, ocupando as capas de
revistas, anúncios e toda uma indústria baseada nos acontecimentos das celebridades, gerando
um efeito semelhante ao star system.
Outro estúdio foi o Vera Cruz, criado em São Paulo, no começo da década de 1950, para ter
os mesmo moldes da Atlântida carioca (CATANI, 1983). Entre os artistas lançados pela Vera
Cruz, Amácio Mazzaropi alcançou expressiva repercussão.
A década de 1960 ficou marcada por uma grande turbulência politica e econômica
culminando no golpe de 31 de março de 1964 idealizado para livrar o país da corrupção
e salvar a democracia. Além de afastar os perigos do comunismo começou a instaurar
diversos decretos, chamados de atos institucionais, legitimados com o discurso de serem
necessários num período de revolução. O ápice foi o número 5 (AI5) que fechava o congresso
decretando estado de sítio, além de suspender diversos direitos legais.
A instauração do regime militar, posteriormente ditatorial e autoritário, conduziu a um
caminho em que vários artistas, políticos, intelectuais, líderes sindicais/estudantis foram
presos/exilados e/ou torturados, pois eram tidos como possuidores de ideais revolucionários
(FAUSTO , 1995).
Porém, não só a política influenciava a sociedade, mas as novas tecnologias, voltadas a um
público de massa, ganhavam força. A televisão, de artigo de luxo, passou a se tornar popular,
trazendo inúmeras mudanças no comportamento social.
Mazanek (2004) cita que neste período a velocidade de expansão da televisão é
surpreendente, levando a um declínio nas salas de cinema, e transformando encontros
familiares em encontros para assistir algum programa televisivo.
Entre estes programas, a telenovela adquiriu destaque, tendo como fonte precursora e
inspirada as radionovelas. Inicialmente a telenovela não possuía exibição diária. Durante a
década de 1960 a teledramaturgia torna-se um fenômeno de massa, passando de diálogos
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formais a expressões coloquiais com uso de gírias, criando, assim, uma identificação com
realidade e o cotidiano nacional (ORTIZ, 1989).
Foi neste período conturbado que em 10 de julho de 1963, no Rio de Janeiro, foi inaugurada a
Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) como instituição de ensino criada pelo
governo. Entre seus colaboradores estavam vários nomes importantes no desenvolvimento do
design brasileiro como Aloíso Magalhães, Zuenir Ventura, Alexandre Wollner, Décio
Pignatari, além da colaboração de Max Bill, Tomás Maldonado, Max Bense, Walter Gropius
entre outros (NIEMEYER, 2000).
Porém este marco no processo de formação e reconhecimento do design brasileiro, teve como
efeito colateral o descrédito de todo um desenvolvimento do “design brasileiro” anterior a sua
implementação. Como aponta Cardoso (2005), criou-se uma consciência mítica em torno da
década de 1950 (com a criação de cursos de propaganda e marketing em São Paulo) e na
década de 1960 em torno da “criação” do design brasileiro. Houve uma ruptura, o
aparecimento de uma consciência do design como um conceito, profissão e ideologia, antes
das suas atividades projetuais relacionadas à produção e ao consumo em escala industrial.
Todavia, não se deve ignorar que antes, e até mesmo durante esta ruptura, existiram atividades
correspondentes àquilo que hoje entendemos como design.
Neste panorama são destacados alguns elementos ligados a construção da televisão, do rádio e
da publicidade, que de certa maneira, são auxiliados pela expansão de novas marcas. A
vinculação de estrelas de cinema, televisão e do rádio na venda de produtos ou serviços é
massificada na sociedade, e pode ter seus reflexos observados por meio dos rótulos de
Cachaça, criando um hibridismo de como esta informação é assimilada, processada e retratada
na sociedade construindo assim um ponto de vista inusitado para um retrato da sociedade
brasileira do período.
Posto um panorama sobre alguns dos elementos envolvidos, como um breve resumo sobre a
história da Cachaça e um panorama sobre a história do Brasil entre as décadas de 1950 e
1960, focando elementos ligados a televisão, cinema e o rádio. Faz se necessário o
desenvolvimento de um método, para analisar os rótulos buscando identificar elementos que
se relacionem com o cinema. Se vistas isoladamente apenas pelos aspectos históricos, ou
pelos elementos culturais, ou pelas características de impressão, ou por princípios do design
(composição, diagramação e teoria da cor) as análises correm o risco de serem superficiais,
para estruturar e auxiliar todas estas relações no rótulo, optou-se pela escolha da teoria
semiótica, baseada nos estudos de Charles Sanders Peirce.
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Método de análise.
O processo de interpretação, segundo Peirce, é um processo ad infinitum, ininterrupto,
regredindo infinitamente em direção ao seu objeto e progredindo infinitamente em direção ao
seu interpretante (SANTAELLA, 2005, PEIRCE, 1995).
A fim de propor uma leitura e análise dos rótulos de Cachaça foi adotada a teoria semiótica,
aplicando ferramentas conceituais peirceanas. Considerou-se a imagem do ponto de vista da
significação, ou seja, buscando estudar o fenômeno no seu modo de produção de sentido. Um
signo só pode ser considerado como tal, se “remeter a determinada ideia”, provocando na
mente de quem percebe uma atitude interpretativa (JOLY, 2005).
A semiótica possibilita um olhar próximo do movimento das mensagens, da forma como são
produzidas, propagadas e estão sendo empregadas. Não apenas dentro de um contexto
imediato, mas sob uma extensão, onde os signos estão impregnados de resíduos provenientes
da história, da economia, da tecnologia, das técnicas envolvidas no processo de produção e
das questões subjetivas envolvidas no processo de criação e produção dessas mensagens.
Por esta razão é importante o resgate histórico sobre a história da Cachaça no Brasil, sobre as
tecnologias aplicadas na confecção de seus rótulos, sua origem, evolução, particularidades,
qual contexto histórico estão sendo produzidos etc. A consciência destes conhecimentos por
quem está realizando as análises é importante, pois colabora para a percepção de vários
nuances presentes no objeto, que sem um olhar semiótico passariam despercebidos.
Para a implementação de um método é assumido o caráter polissêmico e transacional do
signo, Joly (2005) reconhece na imagem uma predominância do estado de ícone. Entretanto,
observa que a “representação visual” atribuída na imagem é heterogênea, reunindo diferentes
categorias de signos: a “imagem” no sentido teórico do termo (icônicos, analógicos); signos
plásticos (cores, formas, composição interna, textura) e também os signos lingüísticos
(linguagem verbal).
Joly (2005) sugere a possibilidade de enumerar sistematicamente numa imagem diversos tipos
de significantes co-presentes na imagem e analisar suas relações correspondentes entre os
significantes e os significados oriundos de determinadas convenções sociais e vivências de
quem realiza as análises. A interpretação de uma versão “habitual plausível”, ou seja, a
mensagem implícita na imagem, normalmente parte de uma construção deliberada num agir
com respeito a fins, ou seja, parte de uma visão do senso comum, uma versão espontânea, não
menosprezando importância deste tipo de análise.
Em sua proposta Joly (2005) propõe que se inicie a análise pelos signos plásticos, pois
constituem signos plenos e inteiros e não apenas um material de apoio para os signos
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icônicos. Tal distinção é importante para que se perceba que a significação da imagem tanto é
determinada pelos aspectos plásticos como pelo icônico e lingüístico.
A mensagem plástica é dividida entre um significado direto entre o signo e o referente,
também chamado de denotativo, e um significado indireto, conotativo.
O enquadramento, o plano, a composição, a diagramação, a tipografia, as cores, os contrastes,
as formas, as texturas, as dimensões, a iluminação, são considerados como elementos da
mensagem plástica. Já a mensagem icônica associa-se ao figurativo, como por exemplo, uma
representação feminina ou masculina.
A última mensagem a ser analisada é a lingüística. Sua própria apresentação por meio da
tipografia, cor, forma, tamanho, posicionamento, hierarquia das palavras dentro do rótulo, cria
uma espécie de mensagem plástica interna, que busca orientar uma leitura.
Com esta estrutura estabelecida é montada uma ficha de análise contendo os seguintes itens:
• A identificação da amostra por meio da empresa fornecedora e o nome do
produto.
• As mensagens plásticas: enquadramento, composição, cores, formas, formato, suporte,
texturas, impressão, planos. Em dois modos: na Denotação, um significado mais direto entre
referente e objeto (por exemplo uma cor, o amarelo) e o da Conotação um significado mais
indireto entre o referente e o objeto (a cor amarela pode representar, dentro de um aspecto
cultural, histórico, social, a sensação de calor, riqueza, alegria, por isso a importância do
resgate histórico, social ao que o objeto de estudo esta relacionado). Normalmente os ícones,
índices e símbolos são verbalizados durante a descrição das mensagens plásticas.
• As mensagens icônicas: os ícones previamente descritos são analisados dentro do seu modo
de Denotação e Conotação. O processo de semiose presente nos ícones torna esta etapa longa
e com várias possibilidades, algumas se complementam ou contrastam com os signos
plásticos. Alguns ícones podem ser encarados como índices ou símbolos, esta variação pode
apresentar interpretações diferentes, novamente o resgate histórico, cultural, tecnológico, no
meio em qual objeto esta inserido poderá fornecer os meios necessários para qual
interpretação é a mais indicada para os objetivos traçados para a análise. Porém, pelas
características dos rótulos serem representações ilustradas por meio da técnica litográfica,
confere a eles, enquanto imagem, uma característica mais icônica do que indicial. Enquanto o
simbólico oscila entre suas características icônica, plástica e lingüística.
• Mensagens Lingüísticas: Todos os textos aplicados nos rótulos, não somente em seu sentido
denotativo, o que se refere diretamente à escrita, mas também o Conotativo, ou seja, como a
informação está apresentada.
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• Observação: Campo destinado a comentários gerais relacionado às mensagens.
Com a aplicação da ficha em cada um dos rótulos, foi possível estabelecer vestígios de
diferentes origens nos rótulos. Para que os textos se tornassem fluídos, optou-se por
transcrever as fichas numa linguagem menos voltada à aplicação de termos semióticos. Esta
escolha não corresponde à inexistência das classificações semióticas, uma vez que o texto
teve origem nas análises das fichas, sem as quais muitas das questões apresentadas no texto
não seriam possíveis.
Exemplos de rótulos.
Para este artigo foram selecionados os rótulos que dialogam com a influência no cinema, e
eventualmente rádio e televisão, uma vez que no período os atores, atrizes, cantores, cantoras
não eram fixos em uma única mídia, sendo assim uma mídia acaba por dialogar com a outra.
Rótulo Chiquita Bacana.
Figura 01: Rótulo Chiquita Bacana. Fonte: Fundação Cultural de Curitiba.
A aguardente Chiquita Bacana era engarrafada por
Luiz Cardoso. O rótulo apresenta o rosto de uma
mulher, tendo ao fundo uma mancha, semelhante a
uma chamada publicitária, com a função de criar um
destaque à ilustração.
O nome do produto, Chiquita Bacana, pode ser uma
referência a uma canção composta por João de
Barro e Alberto Ribeiro, em 1949.
Chiquita Bacana lá da Martinica Se veste com casca de banana nanica Não usa vestido, não usa calção Inverno pra ela é pleno verão Existencialista com toda a razão Só faz o que manda o seu coração (BARRO e RIBEIRO)
A canção rendeu o prêmio de melhor marchinha de carnaval do ano e tornou se uma
composição famosa, sendo gravado em outros países como Estados Unidos, França,
Argentina, Holanda, Itália e Inglaterra. A idéia da canção era fazer uma menção ao
existencialismo, tema explorado com regularidade pela imprensa da época, como nos versos:
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“Existencialista com toda razão ela” e “Só faz o que manda o seu coração”, por isso ela “Se
veste com casca de banana nanica”. Chiquita Bacana pode ser interpretada como uma
reprodução de uma determinada identidade brasileira, pois ela é da Martinica (ilha do Caribe,
com praia e sol o ano todo), se veste com roupas curtas e com uma casca de banana, uma das
frutas mais associadas ao Brasil, conferindo um ar exótico e irreverente. Seu inverno é em
pleno verão (o sol e calor referência ao tropical, como acontece nas praias brasileiras,
próximas à linha do Equador).
No rótulo da Chiquita Bacana há uma proximidade com o cinema e a música.
Figura 02: Detalhe ilustração, rótulo Chiquita
Bacana. Fonte: Autor, 2008
Figura 03: Atriz Doris Day, anos 1950, com seu cabelo estilo Helmet.
Fonte:http://www.adorocinema.com/personalidades/ atores/doris-day/doris-day01.jpg
O penteado remete as décadas de 1950 e 1960. Naquela época, os filmes americanos tinham
grande influência sobre a moda. É possível ver isso comparando o rosto do rótulo com uma
foto de Doris Day, atriz norte-americana, por exemplo estilo do penteado entre a ilustração e
a imagem da atriz apresenta semelhanças com o ondulado nas pontas e no topete, assim como
na maquiagem (o batom e a sombra). Pode-se observar uma reprodução do padrão estético do
cinema americano até na expressão insinuando um sorriso discreto.
É possível atribuir estas referências à influência do processo do star system, se expandindo
em várias direções, inclusive sendo incorporado nas representações de produto tradicionais,
como a Cachaça. Se por um lado existe uma certa perda com a reprodução de padrões e
referências externas, no caso um padrão de “moda” oriundo do cinema americano, por outro,
ganha-se com a renovação da imagem da Cachaça e sua assimilação a outras referências.
Rótulo Gran Fina. Na figura 04 encontra-se o rótulo Gran-Fina, da Destilaria de Bebidas Vitória. O estilo
adotado remete aos movimentos Art Nouveau – Art Déco com ornamentos em cada um dos
cantos, em formato de um quarto de círculo em preto, decorando com forma de pequenas
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gotas em verde escuro, semelhante a uma concha ou um elemento floral. O contorno da uma
moldura é dado em vermelho também de forma arredondada.
Figura 04: Gran-Fina. Fonte: Fundação Cultural de Curitiba
Existe um destaque ao nome do produto, Gran-Fina, oferecido tanto pelo seu posicionamento
na diagonal como pelo tamanho dos tipos. As outras informações menos destacadas seriam a
superior aguardente e o local de origem, a Destilaria Vitória. Compondo o rótulo em
tamanhos menores, o endereço, a origem do produto, graduação e indústria brasileira. A
classificação da aguardente também a promove a um status diferenciado, ela é superior. A
idéia de superioridade pode dar conotações distintas: apreciado pelas pessoas requintadas,
charmosas (assim como a Gran-Fina retratada), por homens que desejam ser superiores a tal
ponto de conquistar uma mulher Gran-Fina ou a aguardente ser tão superior que é a Gran-
Fina comparada a qualquer concorrente.
A aplicação do nome posicionado na diagonal, acompanhando a ilustração, promove a junção
e a proximidade dos elementos, contribuindo para a ligação entre o nome do produto e a
ilustração. A ilustração representa uma mulher de atitude e reforça a idéia do requinte, o
chapéu, os cabelos curtos, o rosto maquiado (batom, blush, sombra e unhas pintadas), o modo
de segurar a taça, o ombro erguido: representa-se uma sensualidade semelhante às estrelas de
cinema do período.
O chapéu era amplamente utilizado pelas grandes atrizes de cinema, influenciando a
popularização do seu uso, com a associação à imagem de glamour. Na década de 1950, com o
advento de novos materiais sintéticos, novos formatos e formas são criados, com ares mais
femininos e românticos, com adornos florais e faixas, auxiliando na construção da imagem da
mulher (POLINI, 2007).
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O modelo representado na ilustração remete a dois modelos da época o Brimmed, com copa
baixa e abas longas e o chamado Garbo hat (em referência à atriz Greta Garbo) também com
abas longas e sinuosas fixadas acima da base,(POLLINI, 2007) como nas figuras 05 e 06:
Figura 05: Modelo com chapéu do modelo Brimmed, 9 de maio de 1953, no Hide Park, Londres. Fonte: http://viewimages.com/xc/ 3399729.jpg
Figura 06: Foto da sueca Greta Lovisa Gustafson (Greta Garbo) com o Garbo hat. Fonte: http://viewimages.com/xc/2635179.jpg
A expressão do olhar é mais distante, como nas fotografias (figuras 05 e 06), nunca olhando
diretamente para a câmera, mas para um outro ponto fixo qualquer, gerando um ar de sedução
e mistério. Para onde olhariam estes modelos?
Tanto no rótulo Gran Fina como no rótulo Chiquita Bacana a representação feminina sugere
uma sensualidade mais presente, entretanto com uma mulher independente, de atitude, com
requinte.
Rótulo Ligomar Extra.
Figura 07: Rótulo Ligomar extra. Fonte: Fundação Cultural de Curitiba.
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Este é um rótulo produzido pela Ligorio & Camargo, no qual existem outros rótulos de
mesma engarrafadora, porém com temas diferentes. A representação masculina é de um
homem montado num cavalo, em um campo. O traje com calças largas, botas, faixa amarrada
na cintura, lenço no pescoço e chapéu, representam um típico homem do campo, da região
dos pampas, chamado de gaúcho. A partir do século XIX o termo também passou a designar
os nascidos no estado do Rio Grande do Sul. Partindo-se de outras referências, poderiam ser
atribuídas as qualidades também refletidas no cowboy, imagem transmitida pelo cinema e
televisão, por exemplo.
Figura 08: Detalhe da ilustração do rótulo Ligomar extra. Fonte: Autor, 2008.
Figura 09: Fotografia do final do século XIX de um típico homem do campo da região dos pampas. Fonte: http://www.argentour.com/images/gaucho_boleadoras.jpg
Na ilustração (figura 08) o cavalo está levantado e o homem com um laço na mão na
iminência de movimento, de correr atrás de um animal que se desgarrou do bando para laçá-
lo. Associa a idéia de que o produto é como o homem do campo, tradicional, forte, rápido,
sempre preparado para entrar em ação.
A representação do gaúcho identifica o produto com os descendentes e/ou simpatizantes da
cultura dos pampas, enquanto uma comparação com um cowboy refere-se as filmes com
temática western (faroeste) comuns produzidos no período.
Conclusões.
Os produtos consumidos com certa regularidade, ou associados a algum tipo de hábito,
adquirem certa “invisibilidade”. Suas formas, cores, modos de uso, instruções entre outros,
projetam uma naturalidade aparente. Nas análises dos rótulos é possível verificar as camadas
de significações, os vestígios sociais, culturais e tecnológicos.
Infelizmente outros exemplos ficaram excluídos por questões de espaço, sendo escolhidos
estes três exemplos. Mesmo assim é possível observar como os hábitos transmitidos pelo
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cinema, como as roupas, chapéus, as próprias poses de fotografia, como no caso do rótulo
Gran fina e Ligomar Extra, acabam por reproduzir certo ideal de origem externa.
Porém esta influencia não passa completamente imune, mas sofre um processo de re-
interpretação, como as feições das personagens, sua aproximação de elementos exclusivos,
como no caso da Chiquita Bacana, o cabelo remetendo ao cinema, porém com o nome ligado
a uma canção do rádio. Já na Gran Fina, pose e chapéu, mas com um típico copo de Cachaça
em mãos. Ligomar Extra assume um caráter ambíguo, uma vez que pode ser interpretado
como um gaúcho, como também pela pose do cavalo a um típico cowboy americano.
Assim é possível considerar, mesmo com estes poucos exemplos, que as possibilidades de
análise dos rótulos de Cachaça devem ser observados como uma nova maneira de
entendimento sobre os processos de construção e formação da identidade brasileira
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