as dimensões da sustentabilidade e seus indicadores · marcos de referência para a atividade...

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1 As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores José Maria Gusman Ferraz Resumo..................................................................................................................................... 17 Summary ................................................................................................................................. 18 Introdução............................................................................................................................... 19 Sustentabilidade: conceituação e histórico.................................................................... 20 Avaliação econômica da sustentabilidade ..................................................................... 22 Sustentabilidade agrícola..................................................................................................... 25 Agroecossistemas................................................................................................................. 28 Indicadores de sustentabilidade......................................................................................... 31 Referências.............................................................................................................................. 33

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Page 1: As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores · marcos de referência para a atividade humana, os paradigmas culturais, forem mudados. Para tanto, torna-se necessário gerar

1As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores

José Maria Gusman Ferraz

Resumo..................................................................................................................................... 17

Summary ................................................................................................................................. 18

Introdução............................................................................................................................... 19

Sustentabilidade: conceituação e histórico.................................................................... 20

Avaliação econômica da sustentabilidade ..................................................................... 22

Sustentabilidade agrícola..................................................................................................... 25

Agroecossistemas................................................................................................................. 28

Indicadores de sustentabilidade......................................................................................... 31

Referências.............................................................................................................................. 33

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Summary

The concept of sustainable agriculture embraces a wide range of visions reflecting

the existing conflict of interests in the society. It congregates those that see the

possibility of a simple adaptation of the current production system, as well as those

that advocate the possibility to promote structural changes - including the social and

economical aspects. The basic unit for analysis of the sustainability is the

agroecosystem. Several economical approaches deal with sustainability of the

agroecosystem. The most discussed in the literature are the Neoclassical Economy

and the Ecological Economy. A new method of evaluating sustainability of an

agroecosystem is through the Emergy Analysis. The concepts of sustainable agriculture,

the economical approaches to evaluate the sustainability, as well as categories and

characteristics of the sustainability indicators are presented in this chapter.

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As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 19

Introdução

As diferentes formas de organização das sociedades humanas apre­

sentaram maneiras específicas de se relacionar com a natureza, nem todas eco­

logicamente eficientes. Da mesma forma, cada sistema de produção estabelece

determinadas relações de apropriação e manejo dos recursos - renováveis ou

não, reproduzíveis ou não - e determinam a sua classe e velocidade de consumo

(Gonzales de Molina & Sevilia Guzman, 1993). Ao longo da historia da humanidade,

a maneira de apropriação do espaço e dos seus recursos levaram ao desenvolvimento

e decadência de diferentes civilizações.

A Revolução Verde, por meio do modelo industrial-produtivista de apropriação

da natureza, acelerou de forma alarmante a degradação ambiental e social do espaço

rural a ponto de se tornar insustentável. Segundo Sevilia Guzman (2000), este modelo

industrial do uso dos recursos foi substituindo os modelos de produção vinculados às

culturas locais, onde os valores de uso sempre prevaleceram sobre os valores de troca.

A Revolução Verde no Brasil, apresentando um alto grau de industrializa­

ção, trouxe num primeiro momento o aumento da produção e produtividade,

notadamente nos produtos de exportação. 0 incremento no uso de insumos, da

mecanização e da expansão de monocultivos levou a degradação de grandes

superfícies, muitas delas abandonadas depois de poucos anos de cultivo. 0

agravamento desse quadro se deu com a intensificação da produção em áreas

não aptas, ou acima de sua capacidade de suporte, provocando erosão e conta­

minação do solos e água com agroquímicos, tornando-os cada vez mais depen­

dentes do aporte de energia externa, e reduzindo a sua capacidade produtiva ao

longo do tempo. Isso foi devido, em grande parte, à falta de uma visão mais abrangente

entre a produtividade e a estabilidade dos ecossistemas tropicais.

A inadequação do modelo difundido pela Revolução Verde, bem como a

aceitação internacional e a difusão do conceito de sustentabilidade, têm levado a

pesquisa agropecuária a uma crescente busca de modelos alternativos e sustentáveis

para a agricultura.

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A sustentabilidade referida neste trabalho contempla três dimensões:

sustentabilidade ecológica, sustentabilidade econômica e sustentabilidade soci­

al. 0 ecológico se referindo a estabilidade do ambiente e dos recursos naturais,

o econômico à rentabilidade, e o social à eqüidade entre os membros da sociedade. 0

desenvolvimento sustentável nos planos econômico, social e ecológico pode ser atin­

gido pela incorporação de tecnologias adequadas às diferentes condições locais, pela

agregação de bens e serviços mais duráveis e equanimemente distribuídos e, princi­

palmente, por meio de uma nova visão de uso dos recursos, do aporte de energia ao

sistema e da valoração do conhecimento local.

Sustentabilidade: conceituação e histórico

A literatura apresenta uma gama variada de definições e conceitos

sobre sustentabilidade. Segundo Sachs (1993), o relatório de Fournex - docu­

mento preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

Humano de 1972 - estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo a

respeito do esgotamento dos recursos naturais e a incapacidade do progresso técni-

co-científico de resolver a questão, e o otimismo das soluções propostas pelas inova­

ções tecnológicas.

Tanto o Relatório Fournex, como a Declaração de Estocolmo de 1972,

enfatizaram a necessidade de se projetar e implementar estratégias

ambientalmente adequadas para promover um desenvolvimento socioeconômico

eqüitativo, surgindo daí o termo ecodesenvolvimento, mais tarde modificado

para desenvolvimento sustentável. Em meados dos anos 80, a noção de

sustentabilidade se estabelece como um novo paradigma da sociedade mo­

derna. Em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvi­

mento (CMMAD) publica o Relatório Bruntdtland que lança um novo desafio

de desenvolvimento sustentável, levando à convocação da Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ou Eco-

92, realizada no Rio de Janeiro.

2 0 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

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Apesar das inúmeras discussões, ainda não existe um consenso sobre o

conceito de desenvolvimento sustentável. As várias interpretações existentes ficam

por conta dos diferentes interesses e ideologias. No entanto, a essência desse concei­

to está contida na definição dada pela WCED (World Comission on Environment and

Development), onde alcançar o desenvolvimento sustentável significa atender às ne­

cessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de

atender suas próprias necessidades (World Comission on Environment and Development

- WCED, 1987). Assim, por exemplo, torna-se incompatível a idéia de preservação

das matas tropicais com a manutenção de elevado consumo de energia fóssil, ou

ainda a manutenção das desigualdades sociais e de distribuição de renda com as

necessidades da população.

0 desenvolvimento sustentável no seu conceito mais amplo não será

alcançado enquanto prevalecer a lógica de mercado ao invés da lógica das ne­

cessidades, pois os padrões de consumo e de acumulação da sociedade con­

trastam com a finitude dos recursos naturais não-renováveis, e com os limites

de assimilação e suporte impostos pela natureza.

Para Gutman (1994), embora a maioria dos autores refiram-se ao de­

senvolvimento sustentável como uma necessidade de uma eqüidade

intergeracional (preservar o ambiente para as futuras gerações), para os países

periféricos, a sustentabilidade crítica é a sustentabilidade intrageracional, ou seja,

como fazer o uso eqüitativo do ambiente agora, como enfrentar o problema da pobre­

za e desigualdade no presente. Esta é pertinente e deve estar presente ao se definir

e desenvolver indicadores de sustentabilidade.

Segundo Sevilia Guzman (2000), o desenvolvimento rural sustentável, sob

a ótica dos organismos internacionais, responde ao discurso ecologista apoiado em

uma construção teórica ecotecnocrática. Esta se baseia na premissa de que os riscos

que envolvem o planeta estão relacionados às altas taxas de crescimento populacional

dos “países pobres”, que degradam o ambiente, principalmente por meio da destrui­

ção das florestas, e não pelas formas de produção e consumo dos países ricos que,

além de demandarem elevados níveis de exploração de energia e recursos, geram

As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 21

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2 2 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

altos níveis de contaminação e desequilíbrios ambientais. A solução, segundo os

organismos internacionais institucionalizados e os bancos multilaterais de desenvol­

vimento, está no processo de globalização econômica que permite a generalização

do consumo das economias centrais mediante o indispensável crescimento econômi­

co requerido pelas sociedades ditas modernas.

Para Ortega (1997), a sustentabilidade somente será possível se os

marcos de referência para a atividade humana, os paradigmas culturais, forem

mudados. Para tanto, torna-se necessário gerar novas propostas para a ciência e

tecnologia, a administração, e para a organização social e ideológica.

As diversas definições de sustentabilidade incluem conceitos relacionados

com a sustentabilidade ecológica, econômica e social. A sustentabilidade ecológi­

ca implica na manutenção no tempo das características fundamentais do

ecossistema sob uso quanto aos seus componentes e suas interações; a

sustentabilidade econômica se traduz por uma rentabilidade estável no tempo; a

sustentabilidade social está associada a idéia de que o manejo e a organização do

sistema são compatíveis com os valores culturais e éticos do grupo envolvido e

da sociedade, o que o torna aceitável por essas comunidades ou organizações,

dando continuidade ao sistema ao longo do tempo (De Camino & Müller, 1993).

Poderia também ser incluída nesta definição a distribuição eqüânime dos benefícios

por todo o grupo social envolvido.

Estas três dimensões, aparentemente conflitantes, apresentam estreita

interdependência e devem ter os mesmos graus de importância para que a

sustentabilidade seja alcançada. 0 Triângulo de Möbius (Fig.1) esquematiza o grau de

equilíbrio que deve ser alcançado.

Avaliação econômica da sustentabilidade

Embora, teoricamente, deva existir um equilíbrio entre as três dimensões

da sustentabilidade, a abordagem econômica é a mais enfatizada nas avaliações dos

ecossistemas devido ao seu elevado peso relativo nas decisões humanas, merecendo,

portanto, um destaque.

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As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 23

Existem várias abordagens econômicas que tratam das questões ambientais

0 que avaliam a sustentabilidade dos agroecossistemas. As mais discutidas pela lite­

ratura são a Economia Neoclássica e a Economia Ecológica.

Os preceitos da economia neoclássica, quanto ao equilíbrio de mercado e

soberania do consumidor (disposição a pagar por um determinado bem), proporcio­

nam amplo espaço para o ajuste de preços, de modo a refletir as externalidades

ambientais (Tietenberg, 1994). Além disso, é aceito que a questão da sustentabilidade

pode ser incorporada sob esta mesma ótica, ao aplicar o preço “correto”, inclusive

aos bens e serviços ambientais. Pressupõe, ainda, que o capital natural pode ser

Fig.1. Triângulo de Möbius para os três objetivos conflitantes (Nijkamp, 1990).

substituído infinitamente pelo capital material (feito pelo homem). Subjacente a estas

hipóteses há um otimismo fatalista de que o progresso tecnológico irá superar quais­

quer limites impostos ao crescimento econômico devido a escassez dos recursos

naturais. Assim, os mecanismos de mercado têm sido sugeridos como meios para

indicar a importância relativa dos efeitos nocivos do desenvolvimento econômico, e

para expressar a disposição da sociedade em pagar para amenizar os danos causados

(Sevilia, 2000).

Para avaliar os diferentes graus de sustentabilidade, essa abordagem eco­

nômica, no entanto, merece ressalvas, pois os recursos naturais valorados direta­

mente pelo mercado, ou por técnicas que simulam o mercado, não trazem embutidos

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em seu custo a energia e o tempo necessários para a sua formação e para o seu

restabelecimento. Além disso, não trata adequadamente as questões associadas à

impossibilidade de sua reposição, como, por exemplo, os recursos não-renováveis ou

a perda de biodiversidade. Os estudos nesta direção têm avançado muito, mas os

resultados não são alentadores, devido a dificuldade em reduzir a heterogeneidade do

ambiente a uma vaioração monetária (Gutman, 1994).

A Economia Ecológica apresenta uma abordagem preventiva contra as

catástrofes ambientais eminentes, tratando a conservação dos recursos natu­

rais por meio de uma visão que leva em conta as necessidades das gerações

futuras. Esta abordagem se contrapõe à visão da economia neoclássica, uma

vez que pressupõe que os limites ao crescimento, fundamentado na escassez

dos recursos e na sua capacidade de suporte, são reais e não necessariamente

superáveis através do progresso tecnológico. A escala sustentável adapta-se de

forma gradativa às inovações tecnológicas, de modo que a capacidade de su­

porte se mantenha ao longo do tempo (Alier & Jusmet, 2000).

Uma outra forma de avaliar a sustentabilidida de um agroecossistema é

por meio da Análise de Emergia ou Análise Emergética (Odum, 1986, 1996, 1998).

Nesta abordagem, ao se avaliar um agroecossitema, todas as entradas de energia

são expressas numa base comum, ou seja, a eMergia solar, medida em Joules de

energia solar (sej), a Emergia definida como a energia incorporada no processo de

obtenção de um produto ou serviço (Odum, 1986; Ortega, 1998). Esta metodologia

parte do princípio de que todos os processos na natureza podem ser convertidos em

equivalentes de energia solar'. Desta forma é possível assumir que uma avaliação

apropriada do fluxo de energia dos ecossistemas pode permitir a análise de qualquer

sistema ecológico ou econômico (Odum, 1971, 1993 e 1996) de um agroecosssitema.

2 4 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

' Os fundamentos da teoria emergética é apresentada por Ortega em Indicadores de sustentabilidade

sob a perspectiva da análise emergética, neste volume.

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>4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 2 5

Sustentabilidade agrícola

0 conceito de agricultura sustentável abrange um amplo leque de visões

refletindo o conflito de interesses existentes na sociedade. Congrega, desde uma

maioria que vê a possibilidade de uma simples adequação do atual sistema de produ­

ção, até aqueles que vêem a possibilidade de promover mudanças estruturais - inclu­

indo os aspectos sociais, econômicos e ambientais - em todo o sistema (Redclift,

1987; Goodman, 1991).

No campo político e econômico esta discussão se polariza, basicamen­

te, entre as empresas produtoras de insumos e as organizações não-governa-

mentais, enquanto na comunidade científica internacional e de profissionais liga­

dos a agricultura a discussão pode ser dividida entre aqueles que assumem a

posição adotada pela FAO, com um enfoque mais conservador, e os que adotam

a posição do Nacional Research Council, EUA, que propõe mudanças mais signi­

ficativas ao modelo produtivo convencional.

A proposta de um desenvolvimento sustentável, incluindo a atividade

agrícola, contempla a conservação dos recursos naturais, a utilização de

tecnologias apropriadas, bem como a viabilidade econômica e social (Peters &

Stanton,1991).

0 padrão de desenvolvimento agrícola moderno ou convencional intensifi-

cou-se após a Segunda Guerra e foi disseminado nos anos setenta pela Revolução

Verde, como uma solução para os problemas da fome. Os problemas ambientais

resultantes da atividade agrícola têm se tornado cada vez mais críticos, sendo tradu­

zidos pelo declínio da produtividade local e regional, pelos impactos negativos no solo

e na água, através da erosão, sedimentação poluição química, pela diminuição da

biodiversidade, além de possíveis modificações no clima regional (Altieri, 1992).

As interpretações convencionais confundem a sustentabilidade com a

perdurabilidade da produção e do máximo rendimento. Goodman & Redclift (1991)

afirmam que qualquer definição de sustentabilidade deve levar em conta necessaria­

mente as dimensões cultural e estrutural.

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Para Altiere (1983), sustentabilidade agrícola é a capacidade de um

agroecossistema de manter a produção através do tempo na presença de repetidas

restrições ecológicas e pressões socioeconômicas. Parr & Sharon (1992) citam que

em países orientais a manutenção por vários séculos de uma agricultura permanente

e sustentável, suprindo as necessidades de contingentes populacionais enormes, es­

tava relacionada com a extensiva reciclagem de matéria orgânica das mais variadas

fontes, que, além de elevar a produtividade, reduzia os processos de erosão e perdas

de nutrientes.

LaI (1991), reportando-se aos princípios e objetivos da avaliação da

sustentabilidade, afirma que "a obtenção de alta produtividade e a manutenção ou

melhoria da qualidade ambiental não são mutuamente excludentes nem difíceis de

serem alcançadas”. Isso, contudo, ainda não foi observado. Segundo o autor, a ava­

liação econômica da sustentabilidade é geralmente feita após uma série de safras,

enquanto que a avaliação dos aspectos sociais e biofísicos podem requerer décadas

ou até séculos. A avaliação dos aspectos ambientais da sustentabilidade deveria con­

siderar a escala de tempo correspondente para que pudesse produzir resultados

confiáveis (Tabela 1).

2 6 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

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,4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 27

Tabela 1. Escala de tempo para avaliação de diferentes aspectos da sustentabilidade.

Aspectos Escala de tempo

Avaliação econômica de lucratividade

Tendências de rendimento

Características do solo

Características hidrológicas

Parâmetros ecológicos

Aspectos sociais e culturais

uma ou várias safras

cinco a vinte anos

uma a várias décadas

uma a várias décadas

várias décadas a séculos

poucas a várias gerações

LaI, 1991.

A avaliação da sustentabilidade requer, ainda, considerações sobre a

escolha da escala sistêmica apropriada, ou seja, da amplitude da área de estu­

do. A exemplo disso, a Tabela 2 apresenta a escala temporal e sistêmica para a

avaliação da ação indutora de mudanças em alguns parâmetros do solo.

Tabela 2. Escala temporal e sistêmica para a avaliação da ação indutora de mudanças nas

propriedades, processos e no microclima do solo.

Parâmetros Escala temporal Escala sistêmica

5 a 20 anos

1 a várias safras

5 a 20 anos

Processos do solo

Erosão

Compactação acidificação

Queda de fertilidade

Propriedades do solo

físicas, químicas nutricionais 1 a diversos anos

Microclima

Provisão energética

Temperatura do ar e solo

Regime de chuvas

10 a 50 anos

poucos a diversos anos

poucas a diversas décadas

Bacia hidrográfica

Parcela de terreno/propriedade

Tipos de solos/propriedade

Tipos de solos/propriedade

Parcela de terreno

Parcela de terreno

Microbacia

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Agroecossistemas

A unidade básica para análise da sustentabilidade é o agroecossistema. De

acordo com Toews (1987) & Lowrance, et al. (1984), agroecossistemas podem ser

definidos como “entidades regionais manejadas com o objetivo de produzir alimentos

e outros produtos agropecuários, compreendendo as plantas e animais domesticados,

elementos bióticos e abióticos do solo, rede de drenagem e de áreas que suportam

vegetação natural e vida silvestre. Os agroecossistemas incluem de maneira explícita

o homem, tanto como produtor como consumidor, tendo portanto dimensões

socioeconômicas, de saúde pública e ambientais".

Tal conceito demonstra os complexos mecanismos de interdependência

existentes, de onde emergem dois componentes fundamentais: um estrutural,

caracterizado pela maioria dos fatores físicos (meio abiótico) e a organização

das espécies e populações de microorganismos, vegetais e animais (meio biótico);

e outro funcional, que diz respeito ao modo como os elementos estruturais se

associam e interagem, com maior ou menor grau de intervenção humana, pro­

movendo ciclos de nutrientes e fluxos energéticos por todo agroecossistema

(Borman & Likens, 1976; Gliesman & Amador, 1980).

Conway (1991) afirma que o principal objetivo de um

agroecossistema é o incremento do seu valor social, ou seja, da qualidade e

quantidade de bens e serviços produzidos, de forma a satisfazer as necessi­

dades do homem.

Para se avaliar a sustentabilidade de um agroecossistema, deve-se con­

siderar suas características hierárquicas e a complementaridade com o ambiente

externo (Fig.2). Isso torna possível a identificação dos processos-chaves e dos

organismos envolvidos que governam as quatro propriedades ou comportamentos

dos agroecossistemas sustentáveis, conforme definidos por Gutierrez et al. (1 993)

e Conway & Barbier (1988): produtividade, estabilidade, elasticidade e eqüidade.

2 8 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

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As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 29

Planeta

Nação

Região

Bacia hidrográfica

Microbacia

Comunidade

Propriedade rural

Processamento de produtos

Emprego fora da propriedade

Sistema de produção

Produção pecuária

Rebanho, lotes

Ambiente animal

Produção vegetal

Parcelas, cultivos

Ambiente vegetal

Fig.2. Hierarquia de agroecossistemas (Conway, 1991).

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30 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

Produtividade: produção primária por unidade de insumo utilizado (água,

energia, nutrientes) nunn período de tetnpo. Pode ser alta ou baixa, dependendo

da base de recursos naturais.

Estabilidade: o grau no qual a produtividade se mantém constante,

frente a pequenas distorções causadas por flutuações climáticas ou outras vari­

áveis ecológicas e econômicas.

Elasticidade ou resiliência: capacidade de recuperação do sistema fren­

te a perturbações externas (capacidade de resposta ou robustez).

Eqüidade: distribuição equitativa do recurso econômico e dos benefíci­

os, dos custos e dos riscos gerados pelo manejo do sistema. Esta propriedade

não apresenta correspondente em sistemas ecológicos naturais.

Tal enfoque se sustenta no fato de que qualquer sistema pode ser

descrito com base nos recursos disponíveis e na sua forma de manejo, tanto em

termos físicos como econômicos e sociais. A avaliação dos recursos se concen­

tra na observação do desenvolvimento de seu estoque (qualidade e quantidade),

enquanto que a avaliação do manejo está relacionada de alguma forma com

fluxo de produtos e recursos e a relação entre ambos (De Camino & Muller,

1993) (Fig.3).

Ecológico Econômico Social

Ui ir»r>i/-»r»onr»ûr\+r»

(fluxos) / / / /Recursos

(estoques)/ / / /

Produtividade //

/Resiliência /

/

/Estabilidade /

/

/Eqüidade /

Fig.3. Aspectos a serem considerados na sustentabilidade (De Camino & Muller, 1993).

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Indicadores de sustentabilidade

Os indicadores de sustentabilidade de um agroecossistema devem refletir

as alterações nos atributos de produtividade, resiliência, estabilidade e eqüidade. Deve-

se ressaltar que não existem indicadores “universais”, mas sim que cada sistema,

dependendo de suas categorias e elementos específicos, assim como dos descritores

relacionados, terá seu próprio conjunto de indicadores.^ Os indicadores devem ser

eficientes e não exaustivos. Eficientes no sentido de realmente cumprirem as condi­

ções descritas, sensíveis e com uma boa base estatística; e não exaustivos, ou seja,

não ter muitos indicadores para um mesmo descritor.

Um critério geral para a seleção de indicadores é que estes devem ser

capazes não apenas de sinalizar a existência de uma degradação no sistema, mas

também de advertir sobre eventuais perturbações potenciais.

Segundo Toews (1987) pode-se distinguir quatro categorias principais

de indicadores:

• Indicadores gerais (estado geral do sistema).

• Indicadores de diagnóstico (porque mostra sinais de degradação).

• Indicadores de estimativa de risco (fatores que conduzem, com alta pro­

babilidade, ao desenvolvimento não-sustentável).

• Indicadores de fitness (robustez).

Os indicadores devem possuir as seguintes características:

• Aplicáveis em um grande número de sistemas ecológicos, sociais e econô­

micos.

• Mensuráveis e de fácil medição.

• De fácil obtenção e baixo custo.

• Concebidos de tal forma que a população local possa participar de suas

medições, ao menos no âmbito da propriedade.

4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 31

^ Uma discussão sobre descritores e indicadores ambientais é apresentada por Pessoa et. al. em

Modelo conceituai de indicadores de sustentabilidade para a Microbacia do Córrego Taquara

Branca, Sumaré, SP, neste volume.

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3 2 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas

• Sensíveis às mudanças do sistema e indicar tendências.

• Representar os padrões ecológicos, sociais e econômicos de

sustentabilidade.

• Permitir o cruzamento com outros indicadores.

Os indicadores utilizados para monitorar o sistema ao longo do tempo de­

vem ser avaliados quanto a sua eficiência em relação as características citadas

acima.

Deve-se definir níveis máximos e mínimos para os indicadores individu­

ais, de acordo com a capacidade de suporte do sistema, bem como atribuir-lhes

pesos na formulação de indicadores compostos, de acordo com o seu grau de

importância para cada descritor. Isto se deve, comumente, à existência de vári­

os indicadores por atributo, característica ou dimensão de sustentabilidade. A

abordagem analítica que permite a construção de indicadores compostos é apre­

sentada por Mansfield (1975) e LaI (1991).

0 nível crítico de um indicador é definido como o nível máximo, além

do qual a produção declina rapidamente. O nível crítico pode também ser defini­

do em termos da severidade de degradação. 0 limite inferior do nível crítico é

aquele no qual a velocidade de degradação é alta mas ainda pode ser revertida;

o limite superior do nível crítico se refere ao ponto de irreversibilidade de degra­

dação do recurso.

Para cada agroecossistema deve ser definido um conjunto particular de

indicadores em função das condições agroecológicas e socioeconômicas pre­

sentes em cada região, do perfil dos usuários finais da informação, da disponibi­

lidade de informações existentes e dos custos envolvidos na geração de novos

dados, se necessário.

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As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 3 3

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