as dimensões da sustentabilidade e seus indicadores · marcos de referência para a atividade...
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1As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores
José Maria Gusman Ferraz
Resumo..................................................................................................................................... 17
Summary ................................................................................................................................. 18
Introdução............................................................................................................................... 19
Sustentabilidade: conceituação e histórico.................................................................... 20
Avaliação econômica da sustentabilidade ..................................................................... 22
Sustentabilidade agrícola..................................................................................................... 25
Agroecossistemas................................................................................................................. 28
Indicadores de sustentabilidade......................................................................................... 31
Referências.............................................................................................................................. 33
Summary
The concept of sustainable agriculture embraces a wide range of visions reflecting
the existing conflict of interests in the society. It congregates those that see the
possibility of a simple adaptation of the current production system, as well as those
that advocate the possibility to promote structural changes - including the social and
economical aspects. The basic unit for analysis of the sustainability is the
agroecosystem. Several economical approaches deal with sustainability of the
agroecosystem. The most discussed in the literature are the Neoclassical Economy
and the Ecological Economy. A new method of evaluating sustainability of an
agroecosystem is through the Emergy Analysis. The concepts of sustainable agriculture,
the economical approaches to evaluate the sustainability, as well as categories and
characteristics of the sustainability indicators are presented in this chapter.
As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 19
Introdução
As diferentes formas de organização das sociedades humanas apre
sentaram maneiras específicas de se relacionar com a natureza, nem todas eco
logicamente eficientes. Da mesma forma, cada sistema de produção estabelece
determinadas relações de apropriação e manejo dos recursos - renováveis ou
não, reproduzíveis ou não - e determinam a sua classe e velocidade de consumo
(Gonzales de Molina & Sevilia Guzman, 1993). Ao longo da historia da humanidade,
a maneira de apropriação do espaço e dos seus recursos levaram ao desenvolvimento
e decadência de diferentes civilizações.
A Revolução Verde, por meio do modelo industrial-produtivista de apropriação
da natureza, acelerou de forma alarmante a degradação ambiental e social do espaço
rural a ponto de se tornar insustentável. Segundo Sevilia Guzman (2000), este modelo
industrial do uso dos recursos foi substituindo os modelos de produção vinculados às
culturas locais, onde os valores de uso sempre prevaleceram sobre os valores de troca.
A Revolução Verde no Brasil, apresentando um alto grau de industrializa
ção, trouxe num primeiro momento o aumento da produção e produtividade,
notadamente nos produtos de exportação. 0 incremento no uso de insumos, da
mecanização e da expansão de monocultivos levou a degradação de grandes
superfícies, muitas delas abandonadas depois de poucos anos de cultivo. 0
agravamento desse quadro se deu com a intensificação da produção em áreas
não aptas, ou acima de sua capacidade de suporte, provocando erosão e conta
minação do solos e água com agroquímicos, tornando-os cada vez mais depen
dentes do aporte de energia externa, e reduzindo a sua capacidade produtiva ao
longo do tempo. Isso foi devido, em grande parte, à falta de uma visão mais abrangente
entre a produtividade e a estabilidade dos ecossistemas tropicais.
A inadequação do modelo difundido pela Revolução Verde, bem como a
aceitação internacional e a difusão do conceito de sustentabilidade, têm levado a
pesquisa agropecuária a uma crescente busca de modelos alternativos e sustentáveis
para a agricultura.
A sustentabilidade referida neste trabalho contempla três dimensões:
sustentabilidade ecológica, sustentabilidade econômica e sustentabilidade soci
al. 0 ecológico se referindo a estabilidade do ambiente e dos recursos naturais,
o econômico à rentabilidade, e o social à eqüidade entre os membros da sociedade. 0
desenvolvimento sustentável nos planos econômico, social e ecológico pode ser atin
gido pela incorporação de tecnologias adequadas às diferentes condições locais, pela
agregação de bens e serviços mais duráveis e equanimemente distribuídos e, princi
palmente, por meio de uma nova visão de uso dos recursos, do aporte de energia ao
sistema e da valoração do conhecimento local.
Sustentabilidade: conceituação e histórico
A literatura apresenta uma gama variada de definições e conceitos
sobre sustentabilidade. Segundo Sachs (1993), o relatório de Fournex - docu
mento preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
Humano de 1972 - estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo a
respeito do esgotamento dos recursos naturais e a incapacidade do progresso técni-
co-científico de resolver a questão, e o otimismo das soluções propostas pelas inova
ções tecnológicas.
Tanto o Relatório Fournex, como a Declaração de Estocolmo de 1972,
enfatizaram a necessidade de se projetar e implementar estratégias
ambientalmente adequadas para promover um desenvolvimento socioeconômico
eqüitativo, surgindo daí o termo ecodesenvolvimento, mais tarde modificado
para desenvolvimento sustentável. Em meados dos anos 80, a noção de
sustentabilidade se estabelece como um novo paradigma da sociedade mo
derna. Em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvi
mento (CMMAD) publica o Relatório Bruntdtland que lança um novo desafio
de desenvolvimento sustentável, levando à convocação da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ou Eco-
92, realizada no Rio de Janeiro.
2 0 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
Apesar das inúmeras discussões, ainda não existe um consenso sobre o
conceito de desenvolvimento sustentável. As várias interpretações existentes ficam
por conta dos diferentes interesses e ideologias. No entanto, a essência desse concei
to está contida na definição dada pela WCED (World Comission on Environment and
Development), onde alcançar o desenvolvimento sustentável significa atender às ne
cessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
atender suas próprias necessidades (World Comission on Environment and Development
- WCED, 1987). Assim, por exemplo, torna-se incompatível a idéia de preservação
das matas tropicais com a manutenção de elevado consumo de energia fóssil, ou
ainda a manutenção das desigualdades sociais e de distribuição de renda com as
necessidades da população.
0 desenvolvimento sustentável no seu conceito mais amplo não será
alcançado enquanto prevalecer a lógica de mercado ao invés da lógica das ne
cessidades, pois os padrões de consumo e de acumulação da sociedade con
trastam com a finitude dos recursos naturais não-renováveis, e com os limites
de assimilação e suporte impostos pela natureza.
Para Gutman (1994), embora a maioria dos autores refiram-se ao de
senvolvimento sustentável como uma necessidade de uma eqüidade
intergeracional (preservar o ambiente para as futuras gerações), para os países
periféricos, a sustentabilidade crítica é a sustentabilidade intrageracional, ou seja,
como fazer o uso eqüitativo do ambiente agora, como enfrentar o problema da pobre
za e desigualdade no presente. Esta é pertinente e deve estar presente ao se definir
e desenvolver indicadores de sustentabilidade.
Segundo Sevilia Guzman (2000), o desenvolvimento rural sustentável, sob
a ótica dos organismos internacionais, responde ao discurso ecologista apoiado em
uma construção teórica ecotecnocrática. Esta se baseia na premissa de que os riscos
que envolvem o planeta estão relacionados às altas taxas de crescimento populacional
dos “países pobres”, que degradam o ambiente, principalmente por meio da destrui
ção das florestas, e não pelas formas de produção e consumo dos países ricos que,
além de demandarem elevados níveis de exploração de energia e recursos, geram
As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 21
2 2 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
altos níveis de contaminação e desequilíbrios ambientais. A solução, segundo os
organismos internacionais institucionalizados e os bancos multilaterais de desenvol
vimento, está no processo de globalização econômica que permite a generalização
do consumo das economias centrais mediante o indispensável crescimento econômi
co requerido pelas sociedades ditas modernas.
Para Ortega (1997), a sustentabilidade somente será possível se os
marcos de referência para a atividade humana, os paradigmas culturais, forem
mudados. Para tanto, torna-se necessário gerar novas propostas para a ciência e
tecnologia, a administração, e para a organização social e ideológica.
As diversas definições de sustentabilidade incluem conceitos relacionados
com a sustentabilidade ecológica, econômica e social. A sustentabilidade ecológi
ca implica na manutenção no tempo das características fundamentais do
ecossistema sob uso quanto aos seus componentes e suas interações; a
sustentabilidade econômica se traduz por uma rentabilidade estável no tempo; a
sustentabilidade social está associada a idéia de que o manejo e a organização do
sistema são compatíveis com os valores culturais e éticos do grupo envolvido e
da sociedade, o que o torna aceitável por essas comunidades ou organizações,
dando continuidade ao sistema ao longo do tempo (De Camino & Müller, 1993).
Poderia também ser incluída nesta definição a distribuição eqüânime dos benefícios
por todo o grupo social envolvido.
Estas três dimensões, aparentemente conflitantes, apresentam estreita
interdependência e devem ter os mesmos graus de importância para que a
sustentabilidade seja alcançada. 0 Triângulo de Möbius (Fig.1) esquematiza o grau de
equilíbrio que deve ser alcançado.
Avaliação econômica da sustentabilidade
Embora, teoricamente, deva existir um equilíbrio entre as três dimensões
da sustentabilidade, a abordagem econômica é a mais enfatizada nas avaliações dos
ecossistemas devido ao seu elevado peso relativo nas decisões humanas, merecendo,
portanto, um destaque.
As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 23
Existem várias abordagens econômicas que tratam das questões ambientais
0 que avaliam a sustentabilidade dos agroecossistemas. As mais discutidas pela lite
ratura são a Economia Neoclássica e a Economia Ecológica.
Os preceitos da economia neoclássica, quanto ao equilíbrio de mercado e
soberania do consumidor (disposição a pagar por um determinado bem), proporcio
nam amplo espaço para o ajuste de preços, de modo a refletir as externalidades
ambientais (Tietenberg, 1994). Além disso, é aceito que a questão da sustentabilidade
pode ser incorporada sob esta mesma ótica, ao aplicar o preço “correto”, inclusive
aos bens e serviços ambientais. Pressupõe, ainda, que o capital natural pode ser
Fig.1. Triângulo de Möbius para os três objetivos conflitantes (Nijkamp, 1990).
substituído infinitamente pelo capital material (feito pelo homem). Subjacente a estas
hipóteses há um otimismo fatalista de que o progresso tecnológico irá superar quais
quer limites impostos ao crescimento econômico devido a escassez dos recursos
naturais. Assim, os mecanismos de mercado têm sido sugeridos como meios para
indicar a importância relativa dos efeitos nocivos do desenvolvimento econômico, e
para expressar a disposição da sociedade em pagar para amenizar os danos causados
(Sevilia, 2000).
Para avaliar os diferentes graus de sustentabilidade, essa abordagem eco
nômica, no entanto, merece ressalvas, pois os recursos naturais valorados direta
mente pelo mercado, ou por técnicas que simulam o mercado, não trazem embutidos
em seu custo a energia e o tempo necessários para a sua formação e para o seu
restabelecimento. Além disso, não trata adequadamente as questões associadas à
impossibilidade de sua reposição, como, por exemplo, os recursos não-renováveis ou
a perda de biodiversidade. Os estudos nesta direção têm avançado muito, mas os
resultados não são alentadores, devido a dificuldade em reduzir a heterogeneidade do
ambiente a uma vaioração monetária (Gutman, 1994).
A Economia Ecológica apresenta uma abordagem preventiva contra as
catástrofes ambientais eminentes, tratando a conservação dos recursos natu
rais por meio de uma visão que leva em conta as necessidades das gerações
futuras. Esta abordagem se contrapõe à visão da economia neoclássica, uma
vez que pressupõe que os limites ao crescimento, fundamentado na escassez
dos recursos e na sua capacidade de suporte, são reais e não necessariamente
superáveis através do progresso tecnológico. A escala sustentável adapta-se de
forma gradativa às inovações tecnológicas, de modo que a capacidade de su
porte se mantenha ao longo do tempo (Alier & Jusmet, 2000).
Uma outra forma de avaliar a sustentabilidida de um agroecossistema é
por meio da Análise de Emergia ou Análise Emergética (Odum, 1986, 1996, 1998).
Nesta abordagem, ao se avaliar um agroecossitema, todas as entradas de energia
são expressas numa base comum, ou seja, a eMergia solar, medida em Joules de
energia solar (sej), a Emergia definida como a energia incorporada no processo de
obtenção de um produto ou serviço (Odum, 1986; Ortega, 1998). Esta metodologia
parte do princípio de que todos os processos na natureza podem ser convertidos em
equivalentes de energia solar'. Desta forma é possível assumir que uma avaliação
apropriada do fluxo de energia dos ecossistemas pode permitir a análise de qualquer
sistema ecológico ou econômico (Odum, 1971, 1993 e 1996) de um agroecosssitema.
2 4 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
' Os fundamentos da teoria emergética é apresentada por Ortega em Indicadores de sustentabilidade
sob a perspectiva da análise emergética, neste volume.
>4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 2 5
Sustentabilidade agrícola
0 conceito de agricultura sustentável abrange um amplo leque de visões
refletindo o conflito de interesses existentes na sociedade. Congrega, desde uma
maioria que vê a possibilidade de uma simples adequação do atual sistema de produ
ção, até aqueles que vêem a possibilidade de promover mudanças estruturais - inclu
indo os aspectos sociais, econômicos e ambientais - em todo o sistema (Redclift,
1987; Goodman, 1991).
No campo político e econômico esta discussão se polariza, basicamen
te, entre as empresas produtoras de insumos e as organizações não-governa-
mentais, enquanto na comunidade científica internacional e de profissionais liga
dos a agricultura a discussão pode ser dividida entre aqueles que assumem a
posição adotada pela FAO, com um enfoque mais conservador, e os que adotam
a posição do Nacional Research Council, EUA, que propõe mudanças mais signi
ficativas ao modelo produtivo convencional.
A proposta de um desenvolvimento sustentável, incluindo a atividade
agrícola, contempla a conservação dos recursos naturais, a utilização de
tecnologias apropriadas, bem como a viabilidade econômica e social (Peters &
Stanton,1991).
0 padrão de desenvolvimento agrícola moderno ou convencional intensifi-
cou-se após a Segunda Guerra e foi disseminado nos anos setenta pela Revolução
Verde, como uma solução para os problemas da fome. Os problemas ambientais
resultantes da atividade agrícola têm se tornado cada vez mais críticos, sendo tradu
zidos pelo declínio da produtividade local e regional, pelos impactos negativos no solo
e na água, através da erosão, sedimentação poluição química, pela diminuição da
biodiversidade, além de possíveis modificações no clima regional (Altieri, 1992).
As interpretações convencionais confundem a sustentabilidade com a
perdurabilidade da produção e do máximo rendimento. Goodman & Redclift (1991)
afirmam que qualquer definição de sustentabilidade deve levar em conta necessaria
mente as dimensões cultural e estrutural.
Para Altiere (1983), sustentabilidade agrícola é a capacidade de um
agroecossistema de manter a produção através do tempo na presença de repetidas
restrições ecológicas e pressões socioeconômicas. Parr & Sharon (1992) citam que
em países orientais a manutenção por vários séculos de uma agricultura permanente
e sustentável, suprindo as necessidades de contingentes populacionais enormes, es
tava relacionada com a extensiva reciclagem de matéria orgânica das mais variadas
fontes, que, além de elevar a produtividade, reduzia os processos de erosão e perdas
de nutrientes.
LaI (1991), reportando-se aos princípios e objetivos da avaliação da
sustentabilidade, afirma que "a obtenção de alta produtividade e a manutenção ou
melhoria da qualidade ambiental não são mutuamente excludentes nem difíceis de
serem alcançadas”. Isso, contudo, ainda não foi observado. Segundo o autor, a ava
liação econômica da sustentabilidade é geralmente feita após uma série de safras,
enquanto que a avaliação dos aspectos sociais e biofísicos podem requerer décadas
ou até séculos. A avaliação dos aspectos ambientais da sustentabilidade deveria con
siderar a escala de tempo correspondente para que pudesse produzir resultados
confiáveis (Tabela 1).
2 6 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
,4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 27
Tabela 1. Escala de tempo para avaliação de diferentes aspectos da sustentabilidade.
Aspectos Escala de tempo
Avaliação econômica de lucratividade
Tendências de rendimento
Características do solo
Características hidrológicas
Parâmetros ecológicos
Aspectos sociais e culturais
uma ou várias safras
cinco a vinte anos
uma a várias décadas
uma a várias décadas
várias décadas a séculos
poucas a várias gerações
LaI, 1991.
A avaliação da sustentabilidade requer, ainda, considerações sobre a
escolha da escala sistêmica apropriada, ou seja, da amplitude da área de estu
do. A exemplo disso, a Tabela 2 apresenta a escala temporal e sistêmica para a
avaliação da ação indutora de mudanças em alguns parâmetros do solo.
Tabela 2. Escala temporal e sistêmica para a avaliação da ação indutora de mudanças nas
propriedades, processos e no microclima do solo.
Parâmetros Escala temporal Escala sistêmica
5 a 20 anos
1 a várias safras
5 a 20 anos
Processos do solo
Erosão
Compactação acidificação
Queda de fertilidade
Propriedades do solo
físicas, químicas nutricionais 1 a diversos anos
Microclima
Provisão energética
Temperatura do ar e solo
Regime de chuvas
10 a 50 anos
poucos a diversos anos
poucas a diversas décadas
Bacia hidrográfica
Parcela de terreno/propriedade
Tipos de solos/propriedade
Tipos de solos/propriedade
Parcela de terreno
Parcela de terreno
Microbacia
Agroecossistemas
A unidade básica para análise da sustentabilidade é o agroecossistema. De
acordo com Toews (1987) & Lowrance, et al. (1984), agroecossistemas podem ser
definidos como “entidades regionais manejadas com o objetivo de produzir alimentos
e outros produtos agropecuários, compreendendo as plantas e animais domesticados,
elementos bióticos e abióticos do solo, rede de drenagem e de áreas que suportam
vegetação natural e vida silvestre. Os agroecossistemas incluem de maneira explícita
o homem, tanto como produtor como consumidor, tendo portanto dimensões
socioeconômicas, de saúde pública e ambientais".
Tal conceito demonstra os complexos mecanismos de interdependência
existentes, de onde emergem dois componentes fundamentais: um estrutural,
caracterizado pela maioria dos fatores físicos (meio abiótico) e a organização
das espécies e populações de microorganismos, vegetais e animais (meio biótico);
e outro funcional, que diz respeito ao modo como os elementos estruturais se
associam e interagem, com maior ou menor grau de intervenção humana, pro
movendo ciclos de nutrientes e fluxos energéticos por todo agroecossistema
(Borman & Likens, 1976; Gliesman & Amador, 1980).
Conway (1991) afirma que o principal objetivo de um
agroecossistema é o incremento do seu valor social, ou seja, da qualidade e
quantidade de bens e serviços produzidos, de forma a satisfazer as necessi
dades do homem.
Para se avaliar a sustentabilidade de um agroecossistema, deve-se con
siderar suas características hierárquicas e a complementaridade com o ambiente
externo (Fig.2). Isso torna possível a identificação dos processos-chaves e dos
organismos envolvidos que governam as quatro propriedades ou comportamentos
dos agroecossistemas sustentáveis, conforme definidos por Gutierrez et al. (1 993)
e Conway & Barbier (1988): produtividade, estabilidade, elasticidade e eqüidade.
2 8 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 29
Planeta
Nação
Região
Bacia hidrográfica
Microbacia
Comunidade
Propriedade rural
Processamento de produtos
Emprego fora da propriedade
Sistema de produção
Produção pecuária
Rebanho, lotes
Ambiente animal
Produção vegetal
Parcelas, cultivos
Ambiente vegetal
Fig.2. Hierarquia de agroecossistemas (Conway, 1991).
30 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
Produtividade: produção primária por unidade de insumo utilizado (água,
energia, nutrientes) nunn período de tetnpo. Pode ser alta ou baixa, dependendo
da base de recursos naturais.
Estabilidade: o grau no qual a produtividade se mantém constante,
frente a pequenas distorções causadas por flutuações climáticas ou outras vari
áveis ecológicas e econômicas.
Elasticidade ou resiliência: capacidade de recuperação do sistema fren
te a perturbações externas (capacidade de resposta ou robustez).
Eqüidade: distribuição equitativa do recurso econômico e dos benefíci
os, dos custos e dos riscos gerados pelo manejo do sistema. Esta propriedade
não apresenta correspondente em sistemas ecológicos naturais.
Tal enfoque se sustenta no fato de que qualquer sistema pode ser
descrito com base nos recursos disponíveis e na sua forma de manejo, tanto em
termos físicos como econômicos e sociais. A avaliação dos recursos se concen
tra na observação do desenvolvimento de seu estoque (qualidade e quantidade),
enquanto que a avaliação do manejo está relacionada de alguma forma com
fluxo de produtos e recursos e a relação entre ambos (De Camino & Muller,
1993) (Fig.3).
Ecológico Econômico Social
Ui ir»r>i/-»r»onr»ûr\+r»
(fluxos) / / / /Recursos
(estoques)/ / / /
Produtividade //
/Resiliência /
/
/Estabilidade /
/
/Eqüidade /
Fig.3. Aspectos a serem considerados na sustentabilidade (De Camino & Muller, 1993).
Indicadores de sustentabilidade
Os indicadores de sustentabilidade de um agroecossistema devem refletir
as alterações nos atributos de produtividade, resiliência, estabilidade e eqüidade. Deve-
se ressaltar que não existem indicadores “universais”, mas sim que cada sistema,
dependendo de suas categorias e elementos específicos, assim como dos descritores
relacionados, terá seu próprio conjunto de indicadores.^ Os indicadores devem ser
eficientes e não exaustivos. Eficientes no sentido de realmente cumprirem as condi
ções descritas, sensíveis e com uma boa base estatística; e não exaustivos, ou seja,
não ter muitos indicadores para um mesmo descritor.
Um critério geral para a seleção de indicadores é que estes devem ser
capazes não apenas de sinalizar a existência de uma degradação no sistema, mas
também de advertir sobre eventuais perturbações potenciais.
Segundo Toews (1987) pode-se distinguir quatro categorias principais
de indicadores:
• Indicadores gerais (estado geral do sistema).
• Indicadores de diagnóstico (porque mostra sinais de degradação).
• Indicadores de estimativa de risco (fatores que conduzem, com alta pro
babilidade, ao desenvolvimento não-sustentável).
• Indicadores de fitness (robustez).
Os indicadores devem possuir as seguintes características:
• Aplicáveis em um grande número de sistemas ecológicos, sociais e econô
micos.
• Mensuráveis e de fácil medição.
• De fácil obtenção e baixo custo.
• Concebidos de tal forma que a população local possa participar de suas
medições, ao menos no âmbito da propriedade.
4s Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 31
^ Uma discussão sobre descritores e indicadores ambientais é apresentada por Pessoa et. al. em
Modelo conceituai de indicadores de sustentabilidade para a Microbacia do Córrego Taquara
Branca, Sumaré, SP, neste volume.
3 2 Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas
• Sensíveis às mudanças do sistema e indicar tendências.
• Representar os padrões ecológicos, sociais e econômicos de
sustentabilidade.
• Permitir o cruzamento com outros indicadores.
Os indicadores utilizados para monitorar o sistema ao longo do tempo de
vem ser avaliados quanto a sua eficiência em relação as características citadas
acima.
Deve-se definir níveis máximos e mínimos para os indicadores individu
ais, de acordo com a capacidade de suporte do sistema, bem como atribuir-lhes
pesos na formulação de indicadores compostos, de acordo com o seu grau de
importância para cada descritor. Isto se deve, comumente, à existência de vári
os indicadores por atributo, característica ou dimensão de sustentabilidade. A
abordagem analítica que permite a construção de indicadores compostos é apre
sentada por Mansfield (1975) e LaI (1991).
0 nível crítico de um indicador é definido como o nível máximo, além
do qual a produção declina rapidamente. O nível crítico pode também ser defini
do em termos da severidade de degradação. 0 limite inferior do nível crítico é
aquele no qual a velocidade de degradação é alta mas ainda pode ser revertida;
o limite superior do nível crítico se refere ao ponto de irreversibilidade de degra
dação do recurso.
Para cada agroecossistema deve ser definido um conjunto particular de
indicadores em função das condições agroecológicas e socioeconômicas pre
sentes em cada região, do perfil dos usuários finais da informação, da disponibi
lidade de informações existentes e dos custos envolvidos na geração de novos
dados, se necessário.
As Dimensões da Sustentabilidade e seus Indicadores 3 3
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